Memória Aracruz
Depoimento de Paulo Roberto Moreira de Mello
Entrevistado por Edvaldo Melo e Aparecida Mota
Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Código: ACZ_HV023
Transcrito por Marllon Chaves
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Boa tarde, senhor Paulo.
R ...Continuar leitura
Memória Aracruz
Depoimento de Paulo Roberto Moreira de Mello
Entrevistado por Edvaldo Melo e Aparecida Mota
Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Código: ACZ_HV023
Transcrito por Marllon Chaves
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Boa tarde, senhor Paulo.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria começar essa entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Paulo Roberto Moreira de Mello, nasci no Rio de Janeiro no dia três de abril de 1946.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – José Moreira de Mello Júnior e Conceição Maria dos Santos Lima Moreira de Mello.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R – João Floriano dos Santos Lima e José Moreira de Mello, e avós maternas e paternas é Amélia dos Santos Lima e Jandira Moreira de Mello.
P/1 – Qual a origem da família?
R – A origem da família é, por parte de pai, de Alagoas, né? É lá de cima do Nordeste e por parte da mãe, do Espírito Santo, só capixabas, né, de lá de Vitória.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho seis irmãos, dois já são falecidos.
P/1 – O senhor poderia falar um pouquinho sobre eles?
R – Sobre os irmãos?
P/1 – O que eles fazem, os irmãos?
R – Ah, sim, as meninas, são três homens e três, (a parte) dos meninos casaram. Uma já faleceu em um acidente de automóvel já tem algum tempo e o mais velho também, mas um é gerente de venda de automóvel em Brasília, mora em Brasília, e as duas moças casaram e moram em Belo Horizonte.
P/1 – Ok, vamos falar agora da sua infância. Eu queria que o senhor descrevesse como era a rua e o bairro onde o senhor morava e o nome, e como era o ambiente.
R – Bom, logicamente teve uma casa na minha infância que por uma questão profissional do meu pai, eu fui morar em Belo Horizonte, mas depois retornei para o Rio de Janeiro e sempre fui criado aqui no bairro de Laranjeiras e morava ali próximo ao Fluminense, numa rua bem tranquila e numa época em que as coisas aconteciam bem devagar na vida, muitas coisas, a vida era mais lenta, né? Então tive uma infância como meus filhos talvez não têm hoje, que eles ficam muito presos em playgrounds, né, a gente vivia ali pela rua, jogava futebol na rua, e apesar de estar próximo ali do Fluminense, onde eu fui criado, praticamente dentro do Fluminense Futebol Club em Laranjeiras, e ali fiz grandes amigos e moro lá até hoje.
P/1 – Como era a casa da sua infância?
R – Era uma casa enorme, né, porque nós moramos uma época no começo da vida dos meus pais, com muita, uma certa dificuldade na casa do meu avô que era uma casa muito grande. Então era, tinha um quintal enorme onde tinha um pomar variado, tinha muito cachorro, o meu avô adorava criar cachorro, e a gente vivia, como é que diz assim, era um casarão velho mas, e também, às vezes, até pela infância, a gente dá uma outra dimensão, quando a gente fica mais velho que a gente percebe que não era tão grande assim, mas até hoje existe a casa e realmente é um casarão daqueles bem antigos.
P/1 – Além do futebol que o senhor falou que jogava na rua, havia outras brincadeiras assim que o senhor lembra agora que eram praticadas na época que hoje o senhor não vê mais?
R – Bom, a gente jogava muito futebol, mas tinha outros tipos de brincadeiras como pique-esconde, polícia-ladrão, essas coisas de garoto, né, que a gente vivia se machucando porque caía dos muros, caía do arbusto cheio de espinhos, essas coisas todas e essas coisas de criança mesmo, e outras brincadeiras também entre moças e rapazes que quando estavam começando alguma coisa totalmente ingênua, hoje eles brincam mais de pera, uva, maçã e tal, já é um negócio mais ligado, né, ao sistema do mundo da Xuxa, então na minha época era bem puro mesmo, era uma brincadeira que existia, tinha os namoricos, mas nada sério não.
P/1 – Voltando à questão da sua casa na infância, uma família grande, como era o cotidiano da casa? Seus pais almoçavam juntos, jantavam juntos?
R – Ah, sim, até por morar essa época na casa do meu avô na infância, ele era um sujeito assim altamente patriarcal, ele exigia que a família tivesse horários, principalmente na hora da refeição. Então era uma mesa muito grande onde sentava a família toda, ele sentava na cabeceira e meus pais nessa época também tinham que estar presentes, então ele comandava a família. E era uma coisa assim, um regime bem, ele agia assim com uma certa disciplina dentro da casa dele, ele estipulava o horário para jantar, então as refeições eram feitas na hora certa e se conversava pouco na hora da mesa, quer dizer, conversava mas não como hoje que meu filho hoje conta piada e tal. Naquela época, não tinha essas coisas não, era uma hora de muito respeito na hora, que tinha que tomar até cuidado porque senão você sofria algumas repressões, era uma educação mais rígida, né?
P/1 – Qual a profissão do seu pai?
R – Meu pai, ele foi aeroviário, né, durante a vida toda e a mãe foi comerciante, quer dizer, ela foi uma mulher que começou a trabalhar fora também para ajudar em casa e virou uma comerciante até muito melhor sucedida do que meu pai na vida.
P/1 – (Se quiser continuar?)
R – Não, ela, por uma questão até de época, houve até reação para isso, porque meu pai, como tinha uma ligação com o governo, na época era o Juscelino Kubitschek, ele acabou levando minha mãe para Brasília, foi aí que ela foi morar lá, e lá ela acabou criando um serviço de abastecimento de lanches de avião não só da Panair do Brasil na época, o avião do presidente, montou o primeiro buffet de festas de Brasília, então, para segurar aqueles grandes executivos que faziam parte da equipe de Juscelino, tinha que se dar festas em Brasília, essas coisas todas e minha mãe acabou se tornando uma mulher independente economicamente dentro de Brasília e suplantou todas as expectativas em relação à família que naquela época condenava muito a mulher que trabalhava fora. Havia uma discriminação muito grande até para a mulher se estabelecer como comerciante, dependia da autorização do marido, olha que coisa absurda é esse código civil, ainda existe, ainda não foi, quer dizer, hoje já mudou, mas a lei, ela dizia isso, a gente sabe que havia uma restrição muito grande, a discriminação contra a mulher e a minha mãe venceu essas barreiras todas e se tornou uma mulher fantástica, até hoje deixou um nome em Brasília. Já é falecida, mas é altamente respeitada lá por quem teve a oportunidade de conhecê-la.
P/1 – O senhor falou Panair?
R – Panair do Brasil, meu pai foi funcionário da Panair do Brasil, trabalhou alguns anos, ele foi praticamente, acho que até à falência da Panair que foi decretada pelo governo militar em 1964, aí depois ele saiu da Panair, foi trabalhar, continuou trabalhando no sistema de empresas aéreas e foi assim até o final, aposentadoria dele.
P/1 – OK, como o senhor iniciou seus estudos? Qual a sua primeira escola?
R – Bom, eu, como era muito levado como todo garoto e tal, a minha mãe achou melhor me colocar em um colégio interno, e eu fui para Petrópolis estudar no colégio São José em Petrópolis, aí lá, foi lá que eu comecei meu Primário, fiquei durante quatro anos, que era o Primário, aí quando eu fiz, tinha Admissão para ir ao Ginásio, que hoje não tem mais, né? Então, depois retornei para o Rio de Janeiro, fiz Admissão aqui no Colégio Pedro II e entrei e concluí os meus preparatórios no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro.
P/1 – E quais são as lembranças mais marcantes desse período escolar?
R – Bom, a primeira professora como todo mundo, né, quando você aprende a ler, a escrever, isso, sempre, você não vai esquecer nada, então eu tive uma professora chamada Dona Irene, que já era uma senhora assim de uma certa idade, mas era muito simpática, e uma pessoa que deixou uma imagem para sempre acho que no coração de todos que tiveram a oportunidade de estudar com ela. Então eu acho que é uma das coisas que eu guardo da minha vida escolar e quer dizer, a sorte de encontrar uma excelente professora de Primário, que estimulou para gente continuar os estudos.
P/1 – Senhor Paulo, havia na sua família algum incentivo para o senhor escolher uma determinada profissão?
R – Havia, a minha família, a maioria é composta de médicos, meu avô era professor da faculdade de Medicina aqui do Rio de Janeiro e professor catedrático, sujeito, acho que ele era muito rígido, tudo era muito certo e tal, e ele fez dos filhos deles, os meus tios irmãos da minha mãe, todos médicos, eram sete filhos, e ele queria que os netos também fossem e ele achava que eu tinha vocação e logicamente começou a me conduzir por aí, por esse caminho, mas eu senti que seria difícil para mim em termos de temperamento, essas coisas todas, e aí fiz outra opção.
P/1 – E qual que foi a sua opção, senhor Paulo?
R – Minha opção foi o seguinte, eu logicamente tive uma fase da minha vida que eu fui músico profissional. Até por opção mesmo em uma época difícil, né, boa e ao mesmo complicada porque o artista daquela época, qualquer músico era considerado marginal, até para arrumar as namoradas era difícil, porque o sujeito achava que, como você tocava na noite, era um homem sem muito futuro. Mas eu fui, inclusive, a primeira banda que inaugurou o Canecão, formei uma banda, toquei muitos anos, toquei com grandes artistas do passado. Tive oportunidade de trabalhar com o Taiguara, você não deve ter conhecido, mas toquei shows com o Cauby, com a
ngela Maria, com o Simonal. Então fui, eu estudei bastante o instrumento, eu era baterista e vivi nessa época, uma época muito gostosa da minha vida que eu jamais vou esquecer. Pena que não deu para continuar porque realmente não dava futuro. O músico é diferente do artista, você acompanha o cometa, mas, se o cometa cai, você cai junto. Então eu acabei fazendo uma opção por Direito, até porque eu senti que tinha uma pouco mais de vocação para ser advogado do que médico, e também, a faculdade de Medicina, como é até hoje, exige muito do aluno até o expediente integral, e para uma pessoa que exercia uma profissão de músico era muito difícil e a faculdade de Direito não, você tinha só um período, ou o período da manhã ou o período da noite, então eu fiz essa opção atrelado à profissão que eu estava, quer dizer: a minha vida de sentido profissional, de ganhar o meu dinheiro na época como músico, né, então foi isso.
P/1 – Mas vamos voltar um pouquinho agora, pegar primeiro a adolescência do senhor, nos colégios, né? Eu queria saber se o senhor tinha um grupo de amigos fixos e o que vocês faziam para se divertir.
R – Sempre, sempre a gente andava com muitos amigos, e tinha uma certa liderança até pela minha maneira de ser, o pessoal até brincava comigo “o Mello, maluco” porque esse Mello maluco é um pouco da família, porque o meu tio-avô foi brigadeiro da Aeronáutica e ele teve esse apelido, então isso acabou caindo na boca dos amigos e eles brincavam comigo: “Olha o Mello maluco”, porque como eu era muito atirado e muito corajoso, né, havia até com uma certa audácia e tal, você acaba inventando milhões de brincadeiras, então além das brincadeiras de jovens, né? Ia para festa, essas coisas todas e às vezes bagunçava e acabava e saía uma confusão. Bailes de carnaval, essas coisas todas no Fluminense, que às vezes leva também outras confusões que a gente arrumava com os jovens. Ainda fiz parte da equipe de Aqualouco do fluminense, não sei se você sabe o que é um aqualouco?
P/1 – Por favor, explique para a gente.
R – O aqualouco é, são pessoas que têm facilidade de pular de trampolins, tem o domínio um pouco da técnica de como entrar na água e você, às vezes, é como se fosse um palhaço que é uma coisa bacana, fazer as crianças sorrirem, né? Então a gente se vestia com aqueles maiôs assim antigos, listrados e, às vezes, pulava todo abraçado, descia de trampolim e aquelas bagunças mesmo, todo mundo da mesma faixa etária e era uma coisa fantástica, até hoje tem fotos no Fluminense dessa turma, né? Eram mais ou menos uns vinte, todo mundo mais doido do que o outro, quer dizer, doido no bom sentido, só para fazer as loucuras, tanto que eu tenho cicatrizes aqui, oito pontos embaixo do queixo, essas coisas que acontecem quando você faz muita estrepolia, né, queda de trampolim, essas coisas todas, mas foi uma época muito bacana na minha vida.
P/2 – Senhor Paulo, você é sobrinho neto do Mello maluco?
R – Isso.
P/2 – Ele é uma figura histórica e folclórica no Rio de Janeiro.
R – Isso.
P/2 – Você se lembra de algum episódio com ele?
R – Não, não lembro porque eu era muito pequeno, eu ouvia falar a respeito das coisas dele, mas não tinha assim nenhuma ligação com ele, só como você, talvez tenha ouvido algumas histórias, eu também ouvi, mas pouca coisa.
P/1 – Senhor Paulo, como era a moda nessa época? Como vocês se vestiam, o que escutavam?
R – Em que fase?
P/1 – Nesse período da adolescência.
R – Bom, imperava um pouco os Beatles, né, era quase mais ou cabelo, só que um pouquinho maior, a calça era boca de cinto, desculpa, boca de sino, um pouco justa aqui, camisa meio solta, né? Era uma coisa assim mais meio da época da jovem guarda, que na época se denominava assim, mas havia como dizer assim, sempre uma influência estrangeira na parada em termos de Beatles e outras coisas mais.
P/1 – O senhor falou dos namoricos na infância, e os namoros na adolescência, como eram?
R – Ah sim, bom, os namoros não eram como são, como acontecem hoje, né, eram namoros mais vigiados, né? As mães tomavam conta mesmo, então era muito difícil você ter certas liberdades com a sua namorada porque, quando [não] eram as mães, sempre vinha um irmão acompanhando, até para levar a namorada ao cinema, você ia, a mãe só deixava se o irmão fosse junto, então, e o irmão às vezes tinha uma orientação de não deixar você avançar o sinal. “Vou contar para minha mãe, olha aí, está abusando.” Então você tinha que ter uma certa, vamos dizer assim, um certo recatamento para não abusar e não entrar em uma situação assim de confronto com a família da namorada. Mas tinha também os namoricos escondidos que era, aconteciam algumas liberdades, mas que não chegavam a assim hoje que a gente sabe que a liberdade é total.
P/1 – O senhor falou de cinema, que locais vocês frequentavam nessa época? Cinemas, lanchonetes, etc.
R – Rio de Janeiro;
P/1 – Era...
R – Olha, tinha o cinema São Luís que era um cinema enorme, impressionante o tamanho do cinema, acho que nunca teve um cinema no Brasil do tamanho do São Luís, ali no Largo do Machado, tinha um cinema em Copacabana, que era o Metro Copacabana, que era um excelente cinema, tenha o Miramar que uma sessão chamada “Sessão da meia-noite” aos sábados, que era sempre uma avant première de meia-noite às duas da manhã para você ver como é que o Rio de Janeiro era bom de se viver, não tinha bandidagem, não tinha nada, iam famílias nessa sessão por volta de meia-noite e saíam duas horas e ainda iam lanchar e era uma coisa, não tinha tantos bares abertos, mas tinha alguns lugares que permaneciam abertos após às duas da manhã, principalmente nos finais de semana. Então tinha bons cinemas no Rio de Janeiro, aliás, eu acho que tinham, pelo que em termos de zona azul, tinha o cine Ópera que era muito bom aqui na praia de Botafogo, o São Luís do Asteca, só casas assim que seriam verdadeiros teatros, assim, igual é o Municipal, fantástico isso, grandes cinemas.
P/1 – Então agora vamos voltar um pouquinho ao questionamento do trabalho do senhor como músico, o senhor trabalhou quanto tempo como músico profissional?
R – Bom, eu trabalhei, comecei, na realidade, com os catorze, quinze anos, eu me apaixonei pelo instrumento, comecei a tocar e fui até meio autodidata, né, fui, peguei uma época boa, época da Bossa Nova, foi por aí que eu comecei, 1961, 62, né? E estudei bastante o instrumento e fui até aos vinte e seis anos quando, perto de me formar, eu parei. Aí, logo após a formatura, fiz um concurso para Polícia Federal, passei, passei delegado da Polícia Federal, cheguei a ir para Brasília para assumir, e foi lá que a minha vida mudou completamente. Primeiro, porque depois eu cheguei dentro da Polícia e vi que não era bem aquilo que eu queria, né, e logicamente até porque não dá para ser honesto sendo conivente com a desonestidade, principalmente na época e até hoje você vê que isso acontece, né? Então é berço, né, ou você é ou você não é, né, não existe a meia gravidez, ou você está grávida ou você não está, ou você é honesto ou você não é honesto. Então eu senti que aquilo não era o ambiente para mim, com certeza, né, e com essa convicção eu, surgiu uma oportunidade para o IBDF, que era uma instituição de desenvolvimento florestal, na faculdade não se dava essa cadeira, a matéria era muito pouca a respeito disso, mas existia um código florestal e, quando surgiu essa oportunidade, eu vi que eu tinha que mudar rapidinho, e aí até o professor de balística da Polícia Federal reconheceu, falou: "Paulo, você não vai se dar bem nesse ambiente porque você vai querer as coisas muito certas e vai se machucar aqui na mão dos próprios colegas”, né? Então eu fiz o concurso para o IBDF e foi lá que começou a minha vida profissional mesmo, assim em termos como advogado, né, e fui ser o titular do instituto e trabalhei quase dois anos lá e foi lá que a Aracruz me achou, foi uma oportunidade.
P/1 – Dentro do IBDF, eu queria que o senhor falasse um pouquinho sobre esse código florestal, de quando que ele é, o senhor lembra, e quem é o responsável por esse código.
R – É, o código, alguma coisa eu me lembro, né, já são decorridos há muitos anos. Eu sei que a primeira, o código dizia o que era algumas limitações em termos de como reflorestar, como cuidar do meio ambiente, mas não era muito abrangente não, mas com a lei dos incentivos fiscais em relação a cuidar de florestas, né, que começou em 1965 mais precisamente, né? Aí que começaram a criar leis mais severas para controlar todo esse sistema, né, daqueles que queriam investir em florestas homogêneas com o objetivo de ganhar dinheiro com isso, com os recursos naturais, logicamente, preservando as matas, né, os rios, tomando certos cuidados com própria fauna e a flora do país. E de 1965 para cá é que realmente que eu posso dizer como é que as coisas começaram a acontecer, né? Entrei no IBDF e a minha função lá era analisar projetos florestais. Já havia o incentivo fiscal para esse tipo de projeto, só que era o contrário do que posteriormente a Aracruz começou a usufruir com as sociedades em conta de participação; o investidor aplicava num projeto florestal e deduzia no ano seguinte aquela aplicação, até que chegou o Fiset que é o Fundo de Investimentos Setoriais para Florestamento e Reflorestamento, que, de imediato, investidor pegava o imposto, pessoa jurídica, né, do imposto devido à nação, ele tirava um percentual e destinava a algum projeto de reflorestameto e já deduzia do seu imposto de renda naquele ano, naquele exercício mesmo, não é, e isso motivou milhões de empresários a entrarem por esse caminho, né?
P/1 – Milhões, havia tanta procura?
R – Nossa, era muita procura, porque realmente foi, houve muita coisa errada nessa época porque tinham aqueles que não eram muito sério, até como advogado do órgão eu percebi que tinham pessoas que usavam dessa oportunidade, né, que a lei oferecia e simplesmente como o IBDF não era um órgão bem estruturado como o Ibama – hoje já melhorou bastante, mas ainda precisa se estruturar mais –, a gente diz, não tinha como fiscalizar a implantação de certos projetos, e com o, por exemplo, o incentivo fiscal, se você me apresentasse um projeto e a documentação estivesse toda legal, nada a declarar, eu simplesmente aprovava esse projeto e você liberava os recursos do Banco do Brasil, e era oitenta por cento já do valor do projeto, não é, por exemplo, na época, voltando ao passado, a moeda, né, um projeto de cem milhões, você liberava oitenta milhões do cofre, o Banco do Brasil te dava esse dinheiro, e algumas empresas, não vou nem chamar de empresas, mas, algumas pessoas que não são muito sérias, elas simplesmente não enfrentavam, às vezes, os projetos, e sabendo da fraca estrutura do IBDF, ele, a gente, às vezes, não tinha nem jipe para ir fiscalizar certos locais, quando eles não usavam de outros recursos como a fiscalização não poder chegar perto, colocavam jagunços na beirada da estrada, o engenheiro florestal não poderia checar se estava implantando ou não o projeto, e com isso a gente não tinha a certeza que o projeto foi implantado. Então, como a gente não sabia de nada, né, o sujeito algum tempo depois entrava com um pedido de cancelamento do projeto, dizendo que o projeto pegou fogo, ou que as formigas, né, a saúva foi lá e comeu toda as mudas e a gente tinha que, às vezes, engolir isso, porque não tinha estrutura para fiscalizar, e essas pessoas, infelizmente acabaram se dando bem, né, e poucas empresas sérias como a empresa Aracruz Celulose, que eu tenho orgulho de trabalhar aqui, né, e conheço bem, tanto como anteriormente fiscalizador como hoje participante desse grande projeto, né, a gente vê que outras empresas também trabalharam como a Aracruz de uma maneira honesta, outras...
P/1 – O senhor acha agora aquela visão de fiscal, né, que essas pessoas que agiram de má fé chegaram algum momento a ameaçar essa lei de incentivo?
R – Ah, com certeza, teve muitas vezes que a cúpula do IBDF se reuniu, só que nós já tínhamos desencadeado um processo que não tinha como retornar, não é, porque alguns projetos estavam dando certo e lógico que era minoria que fazia essas trambicagens e tal, e que a gente acabou, lógico, descobrindo, né, e batemos o carimbo nas costas de cada um e dizendo, bom, dificilmente essa empresa vai ter o projeto aprovado dentro do IBDF novamente, e quando vinha com alguma coisa, porque infelizmente, né, o ônus do crime é a prova, se você não tem a prova, você não tem como julgar a pessoa, né, e a gente não tinha como provar, tinha coisas que eram, a gente tinha quase que convicção que eram desonestas, mas, infelizmente, sem prova não pode incriminar ninguém.
P/1 – Nesse período ainda como fiscal, o senhor lembra dos primeiros estudos sobre a viabilidade de exploração da celulose do eucalipto? Ou não era tão direcionado...
R – Não era tão direcionado assim para mim, eu analisava o projeto tecnicamente na área jurídica, né, mais assim, o que que ia acontecer em termos de legalização, respeito àquela essência que estava sendo plantada, por exemplo, o eucalipto, ele só funciona, ele tem um ciclo de vint e um anos, porque ele sofre um corte de sete em sete anos, não é, algumas empresas cortam em menor tempo porque tem um rendimento melhor, a Aracruz que tem um grande viveiro, tem excelentes técnicos, ela sabe usar bem esse mecanismo de desenvolvimento da essência, mas o projeto, a essência em si, ele era vinculado ao projeto florestal por vinte e um anos, de sete em sete anos se fazia o corte porque o eucalipto sofre três rebrotas, né, você corta a primeira vez, ele nasce, corta a segunda, e na terceira, aí você tem que encerrar o projeto e criar um, novamente implantar um novo projeto, pelo menos o sistema era assim.
P/1 – Como se deu o convite para o senhor trabalhar na Aracruz?
R – Bom, eu, logicamente trabalhando num órgão público, para o IBDF, eu também me sentia muito bem, mas por outro lado, dentro do regime militar como a gente vivia naquela oportunidade, a gente sentia um pouco polido, né, tinha coisas que eu também não concordava com o serviço público, mas era obrigado porque estava ganhando a minha vida ali, e eu sempre pensei assim em trabalhar em iniciativa privada, e até porque também, naquela época, não se ganhava muito bem num órgão público, você tinha muito trabalho e a recompensa era pequena, e como sempre agi positivamente, na vida tenho procurado agir assim, um dos diretores da Aracruz, que na realidade é um dos pioneiros, que foi Leopoldo Garcia Brandão, ele, num contato que ele teve comigo no IBDF, a Aracruz precisando criar, buscar no mercado incentivos fiscais para implantar as suas florestas, né, ele me fez um convite se eu queria vir aqui, né, para ajudá-lo como consultor a criar sociedades em conta de participação, que são projetos destinados a absorver e buscar no mercado empresas para incentivos fiscais, através de incentivos fiscais uma participação destinada a implantação de eucaliptos, não é, porque era a nossa essência, a essência da Aracruz, que a Aracruz pretendia fazer, não é, o projeto dela. Eu estudei a proposta do Leopoldo, não é, e como eu estaria retornando para a minha casa, quer dizer, para minha cidade que é o Rio de Janeiro, eu não demorei muito e aceitei o convite e vim para cá, cheguei aqui quando, exatamente no dia do meu aniversário assumi a Aracruz, no dia três de abril de 1976. Eu estava fazendo trinta anos, trabalhando como, vamos dizer assim, contratado temporário, fui tendo um bom desempenho, quando chegou no mês de novembro a Aracruz resolveu me efetivar, eu me desvinculei do IBDF e assumi aqui no dia 8 de novembro de 1976, e estou aqui até hoje.
P/2 – Você ficava no escritório da Lapa?
R – Ficava, trabalhei lá muitos anos.
P/2 – E você também ia na região da silvicultura?
R – Na fábrica?
P/2 – Isso.
R – Ia, constantemente, até para ver umas coisas assim, por exemplo, hoje nós temos uma reserva florestal chamada reserva particular onde é proibido a caça e a pesca, né, que eu trabalhei muito nesse sentido de convencer na época o IBDF, e nós temos, vamos dizer assim, uma nova baixada pelo instituto que considera aquilo uma área de preservação, e constantemente eu ia lá porque às vezes tinha um problema ou outro e o projeto muito no começo aconteciam algumas coisinhas que estava feita a área jurídica, e o titular da empresa, o assessor jurídico, às vezes me mandava para resolver alguns problemas lá no estado de Espírito Santo, até porque havia delegacia do IBDF lá também e a fiscalização era intensa em cima da Aracruz, porque havia interesse do órgão em monitorar tudo que a gente estava fazendo lá, então por isso que em tudo era tão transparente, né, o projeto Aracruz é um projeto que sempre foi muito transparente e sempre bem assistido por um corpo de advogados preparados exclusivamente para atender toda, como é que diz assim, as dúvidas que existiam dos órgãos públicos em relação à própria implantação do projeto.
P/2 – Então você acompanhou a obra da fábrica?
R – Eu acompanhei não participando diretamente, mas acompanhei sim, vi aquilo ali nascendo. O canteiro de obras mesmo, foi assim que eu cheguei na Aracruz, tanto que eu digo que não tinha nem o porto, eu tenho fotos ali que o caminhão ainda fazendo terraplanagem, as motos niveladoras, né, e os caminhões ainda colocando pedra para fazer o braço onde hoje os navios ancoram para levar a nossa celulose para o exterior.
P/1 – O senhor poderia falar um pouquinho sobre a região nessa época? O senhor deveria fazer viagens constantes do Rio para lá, como era a estrutura de chegada, de hospedagem.
R – Era muito difícil, né, no começo, porque a estrada para lá era toda de terra, quando chovia então era uma coisa horrível, né, para você chegar ao local onde estava sendo construída a fábrica era dificílimo, e ainda tinha um trecho que você tinha que atravessar de ferry-boat, de vez em quando enguiçava a barcaça e você não tinha como atravessar, você tinha alguns problemas também de ordem política, social da região, porque tinha índios ali, e tinha aquele pessoal que trabalhava junto à igreja Pastoral da Terra, eles tinham, criavam alguns problemas para dificultar, né, lógico, no começo a gente não sabia até onde ia intenção desse pessoal, mas a gente enfrentava vários problemas, né, inclusive dessa natureza, né, e não só as dificuldades da estrada para chegar até a fábrica, né, onde estava sendo construída a fábrica, como também essas coisas políticas que aconteciam, eles, às vezes, interditavam a estrada, cortavam madeiras, né, árvores, e jogavam no meio da estrada para obstruir a passagem dos carros, entende, isso aconteceu muito no começo, mas depois a gente, a Aracruz foi mostrando a todos, né, da comunidade, que ela estava chegando logicamente com o progresso, né, sempre tem um preço, mas que ao mesmo tempo estava trazendo ali milhões de riquezas e dando a oportunidade às pessoas da terra para trabalharem e reunirem, né, eu acho que isso está mais que comprovado hoje em dia, né?
P/1 – Eu queria perguntar para o senhor, voltar um pouquinho agora, o senhor falou que foi convidado pelo senhor Leopoldo Brandão, eu queria que o senhor falasse do senhor Leopoldo um pouquinho e da sua equipe de trabalho na época, o senhor se lembra de nomes, de como era o trabalho em equipe?
R – Bom, na época mesmo, nós tínhamos um diretor florestal, que era o Doutor (Luís Florenzini?), o diretor ligado, vamos supor, à parte administrativa e também da área florestal que era o Leopoldo Garcia Brandão, que era o homem que comandava a Aracruz Florestal, que era responsável pela implantação dos projetos florestais, e esse homem foi um pioneiro, né, ele chegou aqui, acreditou nessa oportunidade que o governo deu de implantar projetos florestais, e viu uma luz no final do túnel, que isso poderia resultar não só uma coisa fantástica para o nosso país, mas também para o mundo empresarial, né, tanto que hoje ele ainda continua envolvido nesses projetos do pantanal, né, ele é um homem dedicado a isso, e fez a parte dele aqui, e como pioneiro, né, ele fez com que alguns empresários como seu Lorentzen, principalmente acreditasse no projeto, e assim ele alavancou a Aracruz Celulose, né, foi um homem fantástico, eu tenho orgulho de ter trabalhado com ele, e com a equipe, né, com o (Luís Florenzini?), com (Brassesquini?), que era um engenheiro responsável, com Márcio Montoni que era um rapaz fantástico, economista de primeiro time que calculava todos os valores do projeto, sabe, tinha o cuidado de colocar os números precisos, então acho que não me lembro, não teve um projeto da Aracruz Celulose que tenha sido indeferido pelo IBDF. Todos foram aprovados com louvor, porque a equipe era altamente afinada, a equipe comandada pelo Doutor Leopoldo Garcia Brandão, então Seu Márcio (Montoni?), (Brassesquini?), que era um engenheiro de campo, que era muito bom, então, (Luís Florenzini?) e o próprio comandante que era o Leopoldo Garcia Brandão.
P/1 – E quais eram, o senhor falou que o trabalho de equipe era afinado, mas, para o senhor, quais eram os maiores desafios do trabalho? Nesse primeiro momento do senhor na empresa.
R – Bom, eu vim aqui para implantar a sociedade, os projetos sociedades em conta de participação que era uma novidade, era uma sociedade, em termos de empresa, fraquíssima porque você não tem muito respaldo jurídico nesse tipo de sociedade, então tinha que ser formado por pessoas que acreditavam que aquilo ali ia dar certo, não é, então, quando a gente ia buscar os empresários, aliás, como eu saía para buscar empresários para aplicar no projeto Aracruz, e formar sociedades em conta de participação, alguns até receavam: “Não, mas que isso aí eu jogo na vala comum”. Porque a vala comum é um projeto diferenciado, você joga o seu dinheiro e diz que quer na época, né, e diz que quer aplicar, perdão, dizia que queria aplicar em projeto de reflorestamento o próprio Banco do Brasil, Fiset destinava aquilo para qualquer projeto, e o projeto próprio, que não era o caso da Aracruz celulose, né, os projetos que você fala: “Bom, eu quero aplicar o meu dinheiro na empresa Aracruz”. Esses eram, quero dizer, acreditavam, acreditados, porque tinham por trás homens altamente reconhecidos como excelentes profissionais que nós tivemos aqui o nosso diretor financeiro, que foi o Doutor Ernane Galvêas, não é, e que diga-se de passagem também foi um homem muito importante no projeto Aracruz não só pela ligação que ele tinha politicamente com o governo, uma época difícil, né, de regime militar, mas ele chegou a ser presidente do Banco Central, antes de ser da Aracruz, depois foi reconduzido a Ministro da Fazenda, tem até uma história gozada, que todo mundo sabe mais ou menos dessa história que, quando eu pertencia ao corpo jurídico, eu levava às vezes alguns, quase todos os projetos para serem aprovados em Brasília, e um dos projetos, um interceptor oceânico da fábrica, um negócio lá de controle que eu não sei explicar tecnicamente, ele tinha que ser apresentado ao Ministério de Minas e Energia, e eu levei para Brasília esse projeto e o rosto do projeto, de apresentação do projeto ia com a assinatura do Doutor Ernane Galvêas, até porque fazia parte de todo esse sistema até a influência para facilitar o andamento do projeto face à respeitabilidade que o Galvêas tinha em termos políticos, e quando eu cheguei lá no órgão, eu não tinha reconhecido a firma do Doutor Ernane Galvêas, o que é um absurdo, porque eu jamais levaria, foi o que eu cheguei a falar para o tecnocrata, né, porque eu falei: “Olha, eu jamais traria um documento aqui, eu não sou louco, o regime militar e eu vou trazer um documento falso, não é, não tem lógica isso”, e o, ele começou a insistir comigo: “Não, se o senhor não reconhecer a firma, eu não posso aceitar esse projeto”. Porque nós éramos um país altamente burocrático, né, nós tínhamos, isso aqui que era, o sujeito ou firma reconhecida ou nada, e na hora eu me lembrei, falei: “Olha, o senhor tem fé pública”, e eu me lembrei que tinha uma nota de dez cruzeiros no bolso e olhei assim e tinha a assinatura do presidente do Banco Central, assinado Ernane Galvêas, eu tirei a nota e falei: “Olha, o senhor com fé pública pode ver que é a mesma assinatura”. Ele olhou e se sentiu assim um pouco envaidecido de eu ter falado que ele tinha fé pública e falou: “Olha, eu vou aceitar porque o senhor tem razão, reconheço como assinatura de Ernane Galvêas”. Isso foi fantástico, essa história é real e aceitou, protocolou o meu projeto que envolvia lá no Ministério de Minas e Energia o interesse da empresa, mas foi assim um negócio, um fato meio pitoresco que eu contei aqui e é a pura verdade, sabe, e foi uma história que eu achei que vale a pena registrar, não é.
P/1 – E a construção da fábrica foi se adiantando já no final da década de setenta, e ela é inaugurada, o senhor estava na inauguração da fábrica?
R – Não, infelizmente não. Eu estava envolvido em alguns outros trabalhos e no dia da inauguração eu não pude ir.
P/1 – Nesse período, quais eram as atribuições do senhor dentro da Aracruz?
R – Nesse período?
P/1 – Nesse período, década de oitenta já.
R – É, eu fazia toda captação e incentivo, ia buscar os investidores para os projetos florestais no mercado junto com um colega chamado Afonso Ernesto, que ficou pouco tempo na empresa, e Edmundo Moreira Sampaio, que trabalhava comigo, que também era do chamado Departamento de Captação e Incentivos e, também como advogado, cuidava da parte, tudo vinculado a assuntos do meio ambiente, qualquer coisa que Aracruz sofresse pressão dos órgãos públicos, pressão de Secretaria de Meio Ambiente, o próprio IBDF, eu estava à frente para defender a empresa. E procurei esses anos todos e acredito que eu tive uma atuação brilhante defendendo os interesses da Aracruz nessa época, nessa oportunidade que era uma época muito difícil, não era fácil não, apesar de, como eu coloquei até, em um documento que eu fiz que a empresa já era uma empresa enquadrada de acordo com o segundo PND, Plano Nacional de Desenvolvimento de interesse do governo, porque ela, já. Como dizer assim, interessava ao país, aos governantes como uma empresa que se desse certo como acabou dando, traria para o país o que ela traz hoje, milhões e milhões de dólares de divisas. Então, aí hoje, é uma grande realidade, e abriu fontes de trabalho para milhões de pais de família, de empregos diretos e indiretos, que depende da Aracruz Celulose.
P/1 – E quando começa de fato a produção de celulose, o que vai mudar no trabalho do senhor?
R – Bom, em 1978, acho que foi outubro ou novembro, não me lembro, que a fábrica rodou pela primeira vez, aí a gente continuou porque aí que, como diz assim, que a gente acreditou que tudo estava dando certo e mais do que nunca eu continuei atuando na área jurídica, apesar de ter diversificado um pouquinho aí, eu comecei a defender a empresa e alguns processos trabalhistas que sempre acontecem, isso não só no Rio de Janeiro como também, às vezes, fazendo algumas audiências em Vitória como, algumas coisas assim junto aos órgão públicos, não só processos administrativos como processos que vão ser julgados em tribunais.
P/1 – Mas a captação de recursos continua?
R – Ah, sim, continuou.
P/1 – Foi facilitado o trabalho depois de estar pronto.
R – Ficou, porque aí todo mundo acreditou, a Aracruz passou a ser, já de imediato, respeitadíssima no mercado, diante aos órgãos públicos, quer dizer, resultado foi altamente positivo em termos de: “Eles conseguiram, eles montaram uma fábrica de celulose e o resultado está aí”. Aí a empresa passou a ser respeitada e as coisas, não vou dizer que ficaram mais fáceis, mas amenizaram um pouquinho. Antigamente, as licenças ambientais e essas coisas para fazer uma fábrica eram um pouquinho fechadas, hoje não, existe o EIA, o Rima nessas coisas todas, o impacto ambiental é uma coisa feita com mais consciência, mais consistente em termos do que vai acontecer se a gente implantar esse projeto, e mais abalizado, mas, na minha época, foi muito naquilo de acreditar e deu certo.
P/2 – Em que momento e em que circunstâncias a empresa decidiu por terceirizar determinadas áreas, como por exemplo, a área de plantio, o viveiro tem uma companhia terceirizada que é a Plantar. Como é que foi isso?
R – Eu, logicamente, que para terceirizar isso contratou uma pessoa especializada nisso, que foi o Doutor Luiz Kaufmann, que chegou na empresa para poder avaliar esses custos que acredito que sempre estavam altíssimos e, logicamente, terceirizando, até por ser um homem que conhece e conhecem bem, acredito, este tipo de serviço, ele fez uma colocação para os donos da empresa e eles partiram: “Bom, vamos terceirizar para que a gente consiga conter custos”. E parece que deu resultado, porque houve um enxugamento muito grande, mas sem perda da qualidade do serviço, e os colegas que trabalhavam na Aracruz foram incentivados através, vamos supor assim, já visando trabalhar como terceiro, mas sem sair com mágoas, pelo contrário, saíram felizes porque a Aracruz sempre tomou muito conta dessa parte da felicidade de seu funcionário. Acredito que ninguém saiu triste daqui, e nesse sistema, fechando para contratos de terceirizados, os custos da empresa ficaram bem mais reduzidos e o objetivo foi alcançado. Logicamente, eu estou falando em Luiz Kaufmann, porque ele teve uma passagem por aqui para implantar o projeto de reengenharia, que foi um processo que entrou no Brasil, cousa de seis ou sete anos atrás, e que as pessoas depois começaram a repensar como estão repensando hoje. Em algumas coisas eu acho que, quer dizer, eu não gostaria de entrar nesse mérito porque hoje eu já estou praticamente caminhando para me aposentar, mas eu sei que, às vezes, é um pouco difícil, porque a oportunidade de trabalho está muito restrita hoje.
P/1 – Senhor Paulo, o senhor com a experiência ambiental desde o IBDF. O senhor acompanhou o nascimento da Aracruz Celulose, trabalhou na Aracruz Florestal, o ano de 1992 para o senhor marca o quê, que a Aracruz estava certa na questão ambiental desde o início?
R – 1992?
P/1 – Sobre a questão da Eco 92.
R – Ah sim.
P/1 – Analisando por essa ótica.
R – Com certeza.
P/1 – O que que o senhor acha que a Aracruz já fazia que foi levantado a bandeira em 1992, ou que ela serviu de exemplo?
R – Serviu de exemplo mesmo para quase todas as empresas que estão ligadas a esse setor, não é, é uma empresa que respeita o ambiente, quem for visitar a Aracruz, se você tiver a oportunidade lá, você vai ver, a empresa toma um cuidado danado com o meio ambiente. Ninguém pode negar que uma fábrica de celulose não exista poluição, seria esconder o sol com a peneira, porque é, mas, você desenvolvendo um projeto como esse, com o cuidado que a Aracruz desenvolveu, ameniza muito. Lógico que a celulose é importantíssima no mundo, tanto que é um produto que você não precisa estar afirmando ele é até facilmente vendável. Porque precisa celulose em tudo, quase tudo, desde a fraldinha descartável, até fita de vídeo, né, essas coisas envolvem celulose, nós estamos sendo gravados, ali tem celulose, a fita que está rodando ali é feita de celulose. Então você vê como é que o produto é fantástico, e ele independente disso, a empresa focou acreditada mesmo por ser muito cuidadosa com o meio ambiente e a Eco 92, acho que a empresa serviu nessa oportunidade, de bom exemplo.
P/1 – O senhor sabe dizer se outras empresas procuraram a Aracruz para pegar o modelo, tentar buscar conhecimento?
R – Transferência de tecnologia? Sim com certeza, essa troca sempre existiu com outras empresas, não só brasileiras, como de outros países. Os técnicos chegam aqui e veem como a gente está trabalhando, acho que a gente tem muito a dar para o mundo, lógico, também a receber. E, mas a Aracruz é um bom exemplo para o mundo todo de como fazer um projeto dessa natureza, evitar um grande impacto ambiental, com certeza.
P/1 – O senhor lembra de alguma empresa específica?
R – Bom, eu não sei precisar, porque eu não convivi de perto lá na fábrica, mas eu tenho certeza de que grandes empresas, a Aracruz está sempre em troca com Klabin, Champion que não sei agora, já entrou a Suzano e Bahia Sul, são empresas de porte também, mas não tão assim, de capacidade de produção que a Aracruz Celulose, mas, altamente representativas no país.
P/1 – E para o século vinte e um, o que que o senhor analisa assim com o crescimento, com a expansão da Aracruz Celulose, por exemplo, da construção da Veracel, com a compra da unidade de Guaíba. Como o senhor enxerga isso hoje? Um funcionário de quase trinta anos de Aracruz, como o senhor enxerga isso hoje, que viu a época heróica, como o senhor vê isso hoje?
R – Fantástica, porque é a evolução de tudo, é a oportunidade de emprego que abrem nesses países, até para fixar o homem nessa região. Porque todo mundo quer vir para São Paulo ou para o Rio de Janeiro, quando você implanta um projeto desses, você segura o homem no campo ou nessas cidades não tão evoluídas como Rio e São Paulo, os grandes centros, e além do mais, com certeza, criar um país cada vez mais rico, que esse produto é um produto que nunca, enquanto o mundo for mundo, ele vai deixar de existir, né, então acho que está indo num caminho fantástico aí.
P/1 – E o que significa hoje para o senhor ter trabalhado como funcionário, hoje como terceirizado na Aracruz Celulose?
R – Para mim é motivo de grande orgulho. Primeiro, que eu criei meus filhos aqui dentro, praticamente do fruto disso aqui, fui empregado, me dediquei e me dedico até hoje mesmo na condição de terceirizado, de corpo e alma a essa empresa e tenho um orgulho mesmo de ter feito parte e ajudado a construir um projeto dessa magnitude que é a Aracruz Celulose, qualquer um que trabalha aqui, se você conversar com qualquer um dos colegas, do mais humilde até o senhor Lorentzen, ele vai te falar a mesma coisa: “É uma empresa fantástica para se trabalhar”.
P/1 – Se o senhor fosse definir a Aracruz em poucas palavras, quais seriam essas palavras?
R – Bom, eu acho que é uma empresa, em poucas palavras é difícil, mas tudo bem, eu consideraria assim uma mãe, para o país e para os funcionários que aqui trabalham. Porque ela é realmente uma mãe. Ela não sentou em cima, os grandes empresários que investiram na Aracruz, eles não sentaram em cima de sacos de ouro e aguardaram, “Bom, nós temos muito dinheiro vamos aplicar e ficar especulando”, não, eles apostaram em alguma coisa, como os pais, eu estou falando mãe, mas como os pais apostam nos filhos, o bacana é isso, talvez, uma mãe Aracruz. Ela toma conta não só dos interesses do Brasil, mas dos interesses de quem trabalha para ela e daqueles que estão vinculados direto ou indiretamente para ela. Eu tenho orgulho de trabalhar para a Aracruz.
P/1 – Estamos chegando já perto do bloco final da entrevista. Eu queria saber mais um pouquinho sobre o senhor de novo, mais sobre o seu dia a dia. Sobre o seu cotidiano. O que o senhor gosta de fazer nas horas de lazer?
R – Eu adoro música e continuo, sou um músico frustrado, se eu pudesse viver de música, teria um grande conjunto e talvez vivesse de música, mas nesse país você sabe que é difícil, ou você é um grande cantor ou você não é ninguém, aí você não é ninguém você vai apenas acompanhar o cometa. Mas gosto de música, ainda tenho um grupinho de amigos que toca. Ainda tenho a minha bateria, a gente tem um estúdio, de vez em quando a gente se reúne, jogo bola com, eu tenho um filho caçula, a raspa do tacho, que é o Duda que está com dezesseis anos, que gosta de futebol. A gente sempre está lá no Fluminense, eu com esse corpo assim saradão, eu pego no gol que é mais fácil, e gosto muito assim de futebol, adoro futebol, sou fluminense sofredor, tenho reconhecimento que meu time não está jogando nada. Mas estamos aí, vamos à luta, né?
P/1 – E qual o maior sonho do senhor hoje?
R – Bom, é ver os filhos encaminhados na vida e acho que é sonho de todo pai, e sentir que valeu a pena.
P/1 – Para o senhor, qual é a importância de um trabalho como esse de registrar a história da Aracruz Celulose?
R – Acho fantástico, esse resgate da memória da empresa, eu acho fundamental, até para aqueles que estão chegando e para outros que virão. Porque você sem história, você não é ninguém, um nada. Você vê que o ser humano mesmo, quando você pegar, por exemplo, para criar uma criança, se você não der uma história para ela, fica um adulto marcado para o resto da vida e com traumas e tudo mais, e isso tira um pouco o trauma daqueles que deram a vida a essa empresa e que já não estão mais aqui, no sentido do trabalho, que é normal o desgaste de uma vida profissional. Então eu acho que esse resgate que a nova direção da Aracruz está fazendo é uma coisa fantástica.
P/1 – E que o senhor achou de ter participado desta entrevista para ajudar nesse projeto?
R – Muito bom, fiquei orgulhoso, envaidecido como todos os colegas que devem estar sentando aqui, eu acredito que meu depoimento vai ajudar alguma coisa, estou feliz de ter participado desse projeto, de ter sido uma das pessoas convidadas e me sinto muito honrado com isso. Só tenho a agradecer.
P/1 – Eu queria agradecer então em nosso nome, a equipe do Museu da Pessoa, da Aracruz, a sua participação aqui hoje foi muito importante para a gente.Recolher