Projeto Memória nos Bairros
Depoimento de Amaury Roldán Pereira
Entrevistado por Cláudia Leonor e Marina D’Andrea
São Paulo, 28/09/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MT_HV018
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Renata Pereira Rotunno
P/1 - Seu Amaury, por...Continuar leitura
Projeto Memória nos Bairros
Depoimento de Amaury Roldán Pereira
Entrevistado por Cláudia Leonor e Marina D’Andrea
São Paulo, 28/09/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MT_HV018
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Renata Pereira Rotunno
P/1 - Seu Amaury, por favor, o senhor diga o seu nome, data e local de nascimento.
R - Amaury Roldán Pereira, nasci dezoito de maio de 1942, na cidade de Mogi das Cruzes.
P/1 - E qual é a atividade dos seus pais, nome dos seus pais e atividade deles.
R - Meus pais, Astrogildo Pereira, funcionário público federal ferroviário, e __________ Roldán Pereira do Lago.
P/1 - Você se lembra dos nomes dos seus avós maternos?
R - Meus avós maternos, o senhor Francisco Roldán e Dona Natividade Roldán.
P/1 - Dos avós paternos.
R - Meus avós Nicinho Antônio Pereira e Lucinda Pereira.
P/1 - E qual a origem da sua família?
R - Por parte de mãe, espanhóis, avô e avó vieram da Espanha, e da parte do meu pai portuguesa e brasileira, agora brasileira.
P/1 - O senhor lembra de que lugar da Espanha?
R - Era de Sevilha.
P/1 - E de Portugal?
R - De Portugal não me recordo.
P/1 - O senhor sabe se eles vieram com a imigração espanhola ou alguma... Que data vieram?
R - Os avós maternos vieram da Espanha por causa da guerra que tinha lá. Ali, devido a guerra muitas pessoas estavam morrendo inocentemente, crianças, então para salvaguardar a família, eram vários filhos, deixou lá as terras, fazendas, tudo, e veio embora, inclusive tem uma passagem muito interessante que eles teriam um certo poder econômico lá, e quando vinham no navio, a minha avó trazia o dinheiro nos seios, e um indivíduo tentou praticar um assalto, roubá-la, e os meus avós contavam que essa pessoa foi punida sendo jogado ao mar.
P/2 - É mesmo?
P/1 - Isso era mais ou menos em que ano, o senhor tem ideia?
R - 1906, tinha chegado em 1906 aqui, aqui em Itaquera, precisaria ser mais ou menos em 1904, porque eles vieram pela cidade do interior, Jurema, onde nasceu minha mãe, então foram alguns anos, alguns anos antes de chegar ali em Itaquera.
P/1 - O que eles foram fazer em Jurema, o senhor não sabe?
R - Em Jurema eles foram fazendeiros, compraram fazenda e tal, com fiador, montador de café, vendedor de gado, esses negócios aí.
P/1 - E depois eles vieram para São Paulo, mais ou menos, em que bairro, já vieram para Itaquera?
R - Vieram para Itaquera, de Jurema vieram para Itaquera em 1906, foram uma das primeiras famílias a chegar aqui no bairro de Itaquera, precisamente na Vila Sant’Anna. Vila Sant’Anna é um dos locais onde os primeiros moradores se instalaram. Então a colônia espanhola, no bairro espanhol, se instalaram na Vila Sant’Anna.
P/1 - Do lado dos outros avós, o senhor tem alguma coisa da história deles?
R - Dos meus avós, era uma família muito abastada por sinal, da cidade de Guararema, e depois vieram para Mogi das Cruzes, se instalaram em Mogi das Cruzes, meu avô era comerciante, minha avó, professora, e ali se instalaram, criaram os filhos, cresceram, se estabeleceram lá, e viveram lá.
P/1 - Quer dizer, esses eram seus avós. Me fala do seu pai, por favor.
R - O meu pai nascido em Guararema, era uma pessoa extraordinária. Meu pai tinha um poder de criar amizade dentro do estilo meio caipira dele, que ele era de Guararema. Ah, importantíssimo, ele se tornava quem tinha facilidade de conversar, de escrever, amigo da leitura, porque ele tinha um poder de relacionamento fantástico.
P/1 - E isso reverteu em que para ele?
R - Isso reverteu que na parte profissional, que ele teve sucesso, dentro da Rede Ferroviária Federal, porque aquela grande amizade que ele tinha, então além dele exercer a função dele, ele tinha uma facilidade muito grande em mimar os amigos, os parentes, então emprego naquela época era muito, muito fácil para ele colocar as pessoas para trabalhar, então os parentes, os amigos, graças a esse poder de relacionamento que ele tinha, facilidade de relacionar-se com as pessoas.
P/1 - E como ele encontrou sua mãe, como foi que ele casou?
R - Ele encontrou minha mãe da seguinte maneira, ele era um jogador de futebol de um nível bastante elevado, na época, era um bom jogador de futebol, tanto ele quanto o meu tio Palermo, meu padrinho, do qual eu tenho as fotos ainda do meu casamento, os dois foram considerados, na época, os melhores jogadores que existiam no subúrbio.
P/1 - E que time era?
R - Eles jogavam no, hoje em dia é Santana, mas naquela época chamava Itaquera.
P/1 - Itaquera só?
R - Itaquera Futebol Clube, era um time de futebol que tinha lá na Vila Sant’Anna. Então eles se destacavam tanto no futebol, que naquela época o futebol acompanhado pelas famílias, era acompanhado pelas senhoritas, então era uma festa, o futebol naquela, hoje em dia as senhoritas nem podem ir no campo porque senão são atingidas, palavrões, mas naquela época não, naquela época era uma festa.
P/1 - E onde era o campo naquela época?
R - O campo era ao lado, onde situa-se hoje o Camilo Castelo Branco, a faculdade, na rua Carolina Fonseca, ali que era o campo do Itaquera. Então mediante esse relacionamento com as jovens, houve o interesse, o namoro do meu pai com a minha mãe, houve um namoro do meu padrinho com a minha tia, que é irmã da minha mãe. E daí o casamento foi consequência.
P/2 - Que época era essa?
R - Isso daí foi em 1939.
P/1 - O senhor comentou que a sua mãe que era professora.
R - A minha avó.
P/1 - A avó.
R - A avó, a minha mãe era do lar, né?
P/1 - Do lar. E aí foi o casamento?
R - Aí foi o casamento, aí após do casamento foram morar, porque o meu pai era de Mogi das Cruzes, ele vinha de Mogi das Cruzes para jogar futebol nos finais de semana e após o casamento eles foram morar em Mogi das Cruzes. Em 1941, nasceu o meu irmão, o Antônio Pacheco que é o mais velho, oito de março de 1941. Depois em 1942, no dia dezoito de maio eu nasci, no dia seis de setembro de 1943 nasceu a minha irmã Adelva, um mês e pouco depois nós viemos para Itaquera, viemos morar em Itaquera, porque como o meu pai jogava futebol e frequentava muito aqui, e minha mãe queria voltar para perto da família, vieram morar em Itaquera. Vieram morar em Itaquera numa casa onde hoje em dia era terreno e hoje em dia está, encontra-se Camilo Castelo Branco, que era numa fazenda, é a casa que meu pai ia morar. Depois de algum tempo mudou para a casa mais ampla, mais do que está.
P/2 - O nome era?
R - Francisco Rodrigues, o nome da rua, número 556, ali em 1955. Nós mudamos para uma casa, que aí meu pai já havia adquirido um terreno, uma casinha, ele foi com meus tios, com amigos, aí uma festa, todos colaboraram, todos ajudaram, um vai e vem de pedreiro, de ajudante de pedreiro, tudo amigo, tudo sem remuneração, tudo pela amizade com meu pai.
P/1 - Foi um mutirão?
R - Foi um mutirão. Aí viemos a mudar para nova casa, no dia do falecimento do Getúlio Vargas.
P/1 - O senhor se lembra como era a vida nessa casa?
R - A vida nessa casa? A vida nessa casa era...
P/1 - Na sua infância.
R - … uma beleza, porque a minha mãe com oito filhos, meu pai ferroviário, que não tinha um salário elevado, minha mãe conseguia trazer a nossa família com... Ela que controlava, ela que cuidava do modo de vestir, o modo de calçar, o modo de estudar, o modo de viver parecia uma família de luxo, porque sempre muito bem calçado, muito bem vestido, ela não permitia que um filho saísse com uma camisa amarrotada, com um sapato mal engraxado, meu pai engraxava todo o sapato, se ele tivesse necessidade... Todos os filhos engraxavam, meu pai era sapateiro, era pedreiro, era carpinteiro, meu pai era professor, meu pai era novelista.
P/2 - Escrevia?
R - Escrevia novela. Meu pai editava um jornal de manuscrito, era fantástico. Esse jornal fazia em sete, oito folhas, e era, como que diz, as fotografias recortava e aí ele colocava.
P/1 - Aí que interessante!
R - Então o jornal manuscrito tinha foto, tinha aquelas notícias, uma aludida a outra, com aquelas ligações, mas era fantástico.
P/1 - Ele entregava para quem, distribuía para quem?
R - Ele entregava para a comunidade e ele arrecadava um tostão, que ajudava um pouco, só para dizer que cobrava, a pessoa lia, devolvia e a verba arrecadada era destinada para o clube, que o Rezende era o fundador.
P/1 - Que clube?
R - É um clube que foi fundado por ele... Não é de hoje, Itaquera tem aquele grupo de pessoas que fundou esse clube em 1933, por problemas de perder o campo, um dos jogadores adquiriu um terreno, famoso violinista, Telé, que era muito chegado num álcool, bebia todas, e ele foi preterido da escalação, ele saiu da, não, não foi mais escalado, o técnico do clube o puniu devido a cachaça, que ele bebia muito, e ele em represália foi adquirir um terreno no meio do campo (risos) e o que ele fez, ele não construiu nada, ele pegou, foi e furou um poço (risos).
P/2 - Ai que estranho.
R - Pegou e furou um poço, aí acabou com o campo. Paralisou a atividade do Itaquera.
P/1 - Que coisa.
R - E aí ficou algum tempo paralisado as atividades, quando ressurgiu, ressurgiu em 1957, com o Sant’Anna Itaquerense.
P/1 - Seu Amaury, essa Vila Sant’Anna não é o bairro de Santana perto…?
R - Não, não, não, não.
P/1 Não, né, é aqui em Itaquera mesmo.
R - Itaquera. Foram cedidos vários terrenos gratuitamente, naquela época na Vila Carmosina, na colônia japonesa, onde hoje nós temos o aquário, vocês conhecem o aquário, o Carrefour, ali é a colônia japonesa, aqui, essa parte de cima onde tem um cemitério é a Vila Carmosina, no lado esquerdo, a Vila Sant’Anna, no lado de cá. Vila Campanela, às vilas mais antigas, hoje em dia nós temos a Vila Regina, do resíduo, Vila do Carvalho... Então temos outras vilas dentro de Itaquera, mas as mais antigas na época era Vila Carmosina, a colônia japonesa, a Vila Sant’Anna e a Vila Campanela, que eram os primeiros, os primeiros moradores. Então daí que depois foi Cidade Líder, da pedreira é mais recente, depois foi sumindo.
P/1 - E a colônia, a colônia é mais antiga? Eu acho que não entendi muito bem.
R - A colônia é… Do início do bairro já tinha a colônia.
P/1 - Já tinha?
R - Porque foram entregues terras para o desenvolvimento do bairro para famílias japonesas, para família italiana, para portuguesa, vieram para...
P/1 - Vieram dado.
R - Vieram dado.
P/1 - Ninguém pagou.
R - Ninguém pagou, foram dado para desenvolver.
P/1 - Mas eram dadas como? Havia algum documento?
R - A Companhia Agrícola e Pastoril era proprietária da maioria das terras, então eles distribuíram gratuitamente com o intuito de desenvolver.
P/1 - Sim, mas havia uma documentação, porque é um documento de posse, era emprestado, ou era arrendado, como é que funcionava isso juridicamente?
R - Eles forneciam uma espécie de uma caderneta, o documento que eu vi da época era uma caderneta que ali constava que o proprietário transferia o direito daquela propriedade para a família tal.
P/1 - Não eram terras devolutas?
R - Ah, Itaquera é considerada aldeamento indígena, da linha velha para lá, aldeamento indígena. Era tudo terra devolutas, tudo terra devoluta.
P/1 - Então vocês tiveram um certificado de propriedade e ficaram de posse da terra?
R - Acontece que durante um certo tempo surgiram aqui alguns coronéis, que como se sabe... Tanto é que esses imóveis são todos de uma família só, que á da família Coriolano Pereira, é tudo assim.
P/1 - Esses que são os coronéis?
R - Esse são os coronéis, o coronel Francisco Rodrigues Seckler inclusive foi o primeiro prefeito que houve no bairro, quando ele veio para cá, distribuiu muitas terras, muitas propriedades, então se apoderou, porque hoje em dia se pagar uma escritura, por exemplo, da propriedade dos meus avós, da propriedade de pessoas mais antigas de 1923, é passada pela família Seckler.
P/1 - S, E, C, L, E, R; Secler?
R - S, E, C, K, L, E, R; Seckler.
P/1 - Ah, tá. Que coisa estranha, então no fundo todo mundo tem seu documento de posse, sua escritura.
R - Tem escritura registrada do imóvel, mas no início mesmo que é meio escabroso.
P/1 - Isso não acontecia só na colônia, acontecia em outros lugares lá de Itaquera também ou só na área delimitada da colônia?
R - Que eu tenho conhecimento na colônia e na Vila Sant’Anna, são locais que pela nossa vivência nós temos mais conhecimento... São questões de relação de bens, declaração do imposto de renda, então no começo a gente, nós já temos todos os dados, mas as pessoas traziam para registro dos seus bens a escritura, os documentos para recompor a declaração, então muitos documentos tinham chegado em nossas mãos, que eu comecei, que eu comecei a fazer declaração de imposto de renda, que hoje é uma geral, mas em 1968, 1967, contavam pelos dedos as pessoas que faziam declaração de imposto de renda, pessoa física, por exemplo, meu pai como era funcionário público federal era obrigatório, senão eles não liberavam o pagamento, eram poucas pessoas que faziam, pouquíssimas.
P/1 - Ah, agora voltando um pouco para o mais pessoal, como é que era a vida na sua casa de infância, com a sua mãe, com seus irmãos, essa coisa caseira, familiar?
R - A nossa vida era uma vida muito ligada a casa ao lado, meu pai dentro da sua bondade, de seu modo todo especial, ele prendia muito os filhos, nós éramos muito ligado a casa, e equilibrava inclusive esse modo propriamente, todos os filhos trabalhavam em casa.
P/1 - Como assim?
R - Ele trazia um serviço que nós executávamos manualmente em casa, são saquinhos de colocar chupeta, sabe o saquinho de...
P/2 - Plástico?
R - Celofane.
P/2 - Certo.
R - Nós fazíamos esse saquinho, então meus irmãos desde cinco, seis anos, que viram aquela sequência diária, praticamente já trabalhava em casa manualmente fazendo um trabalho que no final do mês ajudava os pais, que tinha uma receita mediável, porque nós éramos em oito irmãos, praticamente, cinco, seis, quatro, cinco irmãos trabalhavam diretamente.
P/1 - Todos fazendo esse saquinho?
R - Todos.
P/2 - E sobre a atividade do pai do senhor como ferroviário, o que o senhor lembra assim?
R - Eu lembro que ele era o encarregado da estação Engenheiro São Paulo, ali perto dos armazéns, a função dele era controlar as pessoas, em cada armazém tinha um conferente, tinha um responsável pelo recebimento e pela expedição dos materiais, dos metabolismos que vinham nos vagões, e ele era o chefe geral ali, ele tinha incumbência de recolher a documentação, despacho para encaminhar para os setores competentes.
P/1 - Qual era a estação?
R - Estação de Engenheiro São Paulo, uma estação antes da Roosevelt, ali era mais para recebimento de...
P/2 - Que bairro que era lá?
R - Era Moóca.
P/2 - Aí ele ia de trem para lá, ele pegava o trem?
R - Pegava o trem.
P/2 - Aqui em Itaquera?
R - Pegava o trem aqui e ia para lá.
P/2 - Todo o dia ele voltava?
R - Todo o dia. Ele pegava o trem das sete horas, quinze para às sete, e quando era sete horas, sete e meia ele estava de volta, era praticamente, o horário nós até já sabíamos, era piada, porque era sequência, não tinha ônibus, era difícil ônibus naquela época, hoje em dia até me lembro de perua, veículo levantado aí e tal, mas a maioria das pessoas se locomoviam de trem.
P/1 - E dentro de Itaquera, como era com as crianças, seus irmãos para irem para escola?
R - A pé.
P/1 - E era longe?
R - Nós frequentávamos o grupo escolar Álvares de Azevedo, onde hoje em dia encontra-se a sede da Administração regional de Itaquera, da minha residência até a escola devia ter uns quinze minutos, no máximo uns vinte minutos. Então nós íamos a pé e voltávamos a pé mesmo, não tinha, e não tem esse perigo que tem aí de ser atropelado de, o perigo na época era a travessia da linha férrea lá, tinha porteira, né?
P/2 - Tinha porteira?
R - Tinha, naquela época tinha porteira.
P/1 - Como funcionava essa porteira?
R - Essa porteira era um funcionário que ficava e manualmente ele abria e fechava a porteira.
P/1 - Manualmente?
R - Manualmente.
P/1 - Mas tinha uma passagem de nível, dava para passar carroça, cavalo?
R - Passava carroça, passava poucos veículos que existiam passavam também, não tinha grande movimento, mas passava veículo, passava carroça, passavam todos os pedestres.
P/1 - E vocês tinham tempo para brincar na casa? Porque vocês tinham que estudar e tinham as tarefas do artesanato, dava tempo de estudar, como é o negócio?
R - Na época nós também tínhamos um horário para ir na escola, um horário para fazer o saquinho que chamava, era aquele saquinho e um horário para ir jogar bola, para...
P/1 - Quem é que encomendava esses saquinhos? Para onde vocês vendiam?
R - Meu pai trazia de São Paulo diariamente quando havia necessidade de… Porque tinha a produção elevada e depois ele trazia, já trazia outro para ser feito, então ele entregava na rua, rua Xavante, na fábrica que tinha lá, depois se tornaram tudo amigo que até hoje o encarregado lá mora em Itaquera, é muito meu amigo.
P/1 - Acho que eu não entendi. Esses saquinhos eram vendidos para essa fábrica comprar?
R - Essa fábrica é que produzia, ela que produzia, então cabia a ela a distribuição, a venda, nós éramos apenas prestadores de serviço, nós éramos terceiros.
P/2 - Naquela época já...
R - É, então nós fazíamos, entregávamos e eles vendiam.
P/1 - Mas vendia o quê? O saquinho pronto? Eles punham alguma coisa dentro, eu estou querendo saber se...
R - Não, eles vendiam para depois as empresas de chupeta, que encomendava para colocar o… Nós tinhamos que simplesmente...
P/1 - Vocês faziam a embalagem, que depois...
R - A embalagem, depois eles vendiam a embalagem.
P/1 - Dava já um dinheiro para melhorar o sustento da família?
R - Olha, naquela... Em termos de hoje, mais ou menos, nós tínhamos uma receita equivalente a uns três salários.
P/1 - Beleza!
R - Era uma coisa que...
P/2 - Fazia diferença.
R - Fazia diferença, fazia diferença.
P/1 - Vocês gostavam de fazer, queriam fazer, como era a reação das crianças?
R - Era... Praticamente se habituava a fazer, porque aquilo lá era...
P/2 - Tarefa (risos).
R - ...uma sequência, uma seqüência de vida, então aquele hábito lá já tornou-se normal.
P/1 - Certo, certo. E as brincadeiras que vocês faziam, o senhor se lembra?
R - Bom, brincadeiras normais de criança que é jogar bola, naquela época existiam muitas árvores frutíferas em todos os locais, aí o que não faltava era árvore frutífera, era tempo de maçã, tempo de pêra, tempo de caqui, tempo de laranja, de mexerica.
P/1 - Essas frutas tinha no seu quintal ou era por aí?
R - Na casa onde nós residíamos, nós tínhamos umas cinquenta árvores frutíferas, uma coisa impressionante.
P/1 - Um quintal enorme.
R - Só pêra, por exemplo, nós tínhamos doze pés de pêra plantado,
não fomos nós que plantamos, o seu Osvaldo que tinha doze pés de pêra plantados seguido, mexerica, laranja, pêssego, enfim todo, uma variedade disso.
P/1 - E era comum ter esses pomares nos quintais?
R - Era, era muito comum, era muito comum. Na casa onde nós viemos morar, quando nós viemos de Mogi, onde é a Rodovia Castelo Branco, ali era uma chácara de uva, era uma produção de uva que o proprietário seu Manuel que vendia para a produção de vinho, e existiam outras frutas também, jabuticaba. E além disso aí nós tínhamos peixes em todos os rios, hoje em dia não é em qualquer rio que vai aí, não encontra peixe.
P/2 - Vocês pescavam?
R - Pescava.
P/1 - Era no rio Jacu?
R - Era no rio Jacu.
P/1 - Tinha muito peixe?
R - Tinha muito peixe.
P/1 - O senhor se lembra que peixes que havia?
R - Olha, traíra, a famosa traíra era coisa que havia em grande quantidade, bagre, lambari, tinha várias espécies, e rã, o pessoal pegava muita rã.
P/2 - Rã?
R - É.
P/1 - E pescava de quê? De vara ou de...?
R - De vara, pescava de peneira e de rede, de vários tipos.
P/1 - Quer dizer, a parte de alimentação não saía muito caro para a família.
R - Ah, não.
P/1 - E tinha horta também, hortas...
R - A maioria das casas tinha a sua horta, tinha a sua plantação.
P/1 - O senhor em toda sua infância precisou ir para São Paulo, como era ir para São Paulo, quer dizer para o centro?
R - Para o centro.
P/1 - Porque naquela época devia parecer muito longe, né?
R - Era muito longe, era muito longe e dificultoso. Dificilmente ia para o centro.
P/1 - Mas naquela época Itaquera era considerada um subúrbio ou já São Paulo?
R - Não, já pertencia a capital, mas pela distância, pela dificuldade, nós não tínhamos essas estradas aqui, era a linha férrea e as outras linhas de acesso eram muito difíceis.
P/1 - Quer dizer, administrativamente era São Paulo?
R - Era São Paulo.
P/1 - Porque tem outros, para o lado lá de Jundiaí que era bairro, que eram outros municípios, depois virou grande São Paulo, é isso que eu quero comparar.
R - Ah, sim.
P/1 - Porque também ia de trem, de caieiras, sabe aquele outro lado lá?
R - Sei.
P/2 - Agora sim. E Itaquera, descreve como que era o panorama geral da paisagem.
R - Olha, Itaquera, naquela época, o verde principalmente é o que destacava, porque existia muita vegetação, muita árvore, hoje em dia não, hoje em dia como for o desenvolvimento do bairro, essas avenidas, essas ruas que foram modificadas, então perdeu o verde, tem ruas aí que não tem sequer uma árvore plantada, era estilo fazenda, fazendinha, chácara, então mudou o panorama.
P/1 - E o clima, mudou?
R - Mudou, o clima mudou.
P/1 - Como era antes e como é agora?
R - O ar, o ar era muito mais puro, hoje em dia tem muita poluição devido ao eucalipal. A indústria não chega a ser tanto porque nós não temos ainda um desenvolvimento industrial como poderia ter, e acredito que nós teremos, muito em breve, o pólo industrial em franca atividade, mas o ar era muito bom, tanto é que o bairro era recomendado pelos médicos para alguns tipos de pessoas com males. Era para virem até Itaquera por causa do ar que nós tínhamos aqui, para ver a mudança de tempo.
P/2 - Para tratamento mesmo?
R - Para tratamento, para tratamento.
P/2 - Interessante.
R - As pessoas eram aconselhadas a vir para o bairro de Itaquera para curar-se de certos problemas que surgiam.
P/1 - Mas antes o bairro era auto-suficiente ou tinha que fazer tudo lá no centro?
R - Não, tinha que recorrer ao centro.
P/1 - Tinha, né?
R - Tinha.
P/1 - Em que não era auto-suficiente?
R - Tinha certa parte de alimentos que tinha que recorrer ao centro, a parte de vestuário tinha que recorrer ao centro, são os profissionais, né?
P/1 - Médicos, advogados.
R - Dentistas, advogados, tinha que recorrer ao centro.
P/1 - Fazendo um pulo de lado, o que havia no bairro para o consumo, se não havia essas coisas que o senhor disse?
R - Que nós tínhamos aqui?
P/1 - Isso.
R - Que nós tínhamos aqui é a plantação de pêssego que era o que abastecia toda a necessidade das empresas, das fábricas de conserva, então era tudo Itaquera, o caqui, mais frutas.
P/2 - Mais as frutas?
R - É. E nós tínhamos também aqui muita olarias que o pessoal recorria por causa do tijolo, então...
P/1 - O terreno aqui é próprio para olaria, o terreno é especial?
R - É próprio, é.
P/1 - Agora o trem, o senhor viajava de trem quando era criança, quando era mocinho?
R - Viajava, eu iniciei, eu me iniciei a viajar de trem em 1956.
P/1 - Como era, descreve para nós?
R - O trem era o maria-fumaça. Então o maria-fumaça como ia muito lotado, ele ia muito vagarosamente, era muito devagar.
P/1 - Quanto tempo demorava para ir, por exemplo, lá da estação, todo o mundo gostava de chegar lá no centro?
R - Demorava mais ou menos uma hora e quinze, uma hora e dez, uma hora e vinte, acontece que ele dava muito problema, dava muito problema, então constantemente existia aquelas paralisações que ficava muito tempo até eles consertarem. Tinha que recorrer com caminhões e tal.
P/1 - Mas não tinha outra maneira? Só o trem?
R - Mais aos poucos foi melhorando, veio o trem elétrico.
P/1 - Fazia mesmo a mesma linha?
R - A mesma linha, mas o trem elétrico era mais veloz, lógico, e então a distância passou a encurtar quase que 50%.
P/1 - E o trem elétrico foi mais ou menos em que ano, o senhor lembra?
R - Mais ou menos em 1960, exatamente eu não me recordo, mas foi um negócio assim.
P/1 - O que aconteceu com o antigo trem maria-fumaça, onde foi para ele?
R - Ele ainda circulava, mas não com aquela constância anterior, até que foi desativado.
P/1 - Ele circulava com passageiros?
R - Com passageiro.
P/1 - Então havia, talvez, uma passagem mais barata e outra mais cara, ou não?
R - O trem elétrico era mais caro, o trem elétrico era um pouco mais caro.
P/1 - E a estação, onde era, até onde ia o trem lá no centro?
R - Ia até a estação do Brás, a Roosevelt.
P/1 - Quer dizer, ele antigamente tinha que ir até o Brás para depois pegar.
R - E era Brás-Mogi.
P/2 - A linha?
R - E tinha a linha variante também, que até hoje continua, linha variante, de São Miguel que vai por Manoel Feio, pelo outro Ermelino Matarazzo.
P/1 - Brás-Mogi, né?
R - Brás-Mogi, então quando falava variante, a variante é Ermelino Matartazzo, São Miguel, Manoel Feio, Itaquaquecetuba, são outros desvios.
P/2 - Eu queria que o senhor falasse um pouco da escola do senhor, o Álvares de Azevedo. Álvares de Azevedo, né?
R - Álvares de Azevedo.
P/2 - Como é que era o uniforme, as professoras?
R - Eu quando iniciei os estudos na Álvares de Azevedo foi muito difícil naquela época conseguir me matricular, era muito difícil matricular-se, então minha mãe como tinha várias crianças pequenas e para não deixar ela sozinha, ela preferia sempre uma mocinha lá que até hoje nós temos o prazer de tê-la no nosso rol de amizade. Por sinal, depois o irmão dela casou-se com a minha prima. Mas eu me recordo que de pequeno a Lurdes, como ela chama, ela me levava e levava o meu irmão mais velho, quando nós conseguimos a matrícula. Eu lembro que nós conseguimos a matrícula. Conseguimos a matrícula e a minha primeira professora, eu trago lembranças muito boas, chamava-se dona Berta Franco, era uma senhora já de uma certa idade e ela era de Mogi das Cruzes, então pelo fato de ser de Mogi das Cruzes, e o morador de Mogi das Cruzes é aquele tratamento, eu fui sempre muito obediente, fui sempre muito disciplinado, então não tinha problema na escola e eu tenho até essa fotografia aí que vale pro nossos amigos lá da época, ainda continuam residindo no local, então constantemente nós voltamos o ano passado, um tempo distante de cinquenta anos atrás, mas parece que foi ontem. Aí nesses dias aqui eu passeando com meu filho, eu falei: “para, para o carro”, aí eu falei: “puxa vida! O rapaz que sentava comigo, era carteira de dois, quando eu estudava com a professora dona Berta, e prosseguimos até, naquela época era quinto ano, mas as lembranças maravilhosas das professoras, dos diretores, dos colegas de classe que a maioria, continua residindo aí. Então é uma lembrança muito boa que nós temos dela, da nossa escola, se voltar hoje não... Hoje em dia essa escola é como eu falei, é a sede da administração regional do Brás, prefeitura.
P/2 - E tinha uniforme, o senhor usava uniforme, como que era?
R - Eram todos, eram todos uniformizados, inclusive minha mãe como uma ótima costureira que sempre foi, ela que costurava nossos uniformes, costurava do vizinho, dos nossos primos, ela economizava muita despesa.
P/2 - Como eram os uniformes, descreve pra gente.
R - Era aquela espécie de calção, uma calça azul e a camisinha branca com o distintivo aqui do Álvares de Azevedo, com o nome da professora, era sempre o mais bonitinho.
P/1 - E o sapato?
R - O sapatinho era aquele sapatinho de praxe, tinha um sapatinho preto, quando iniciava o ano já vinha, mas era sempre aquele sapatinho preto.
P/2 - Vocês participavam de comemorações, festas cívicas?
R - Participava. Existiam aquelas festas tradicionais, então todos os alunos, todas as classes participavam, eu lembro, fazia os ensaios, o ensaio da coluna vermelha, todas essas coisas...
P/2 - Desfilava?
R - Desfilava, era bonito. Só nós que não tínhamos... O que ocorre muito na escola de hoje é a fanfarra, fanfarra no nosso tempo não houve não, nunca participamos.
P/1 - Mas não o que desfilava em praça cívica para o sete de setembro?
R - Sete de setembro, quinze de novembro, essas datas tradicionais aí.
P/1 - Desfilava pela cidade?
R - Desfilava pelas ruas principais do bairro, pela avenida.
P/1 - Como é sem fanfarra, como era o desfile?
R - Geralmente cantava aqueles hinos, cantava...
P/2 - Ia cantando. Muito bacana.
R - É, uma coisa simples, depois sim, depois nós presenciamos, participamos como assistente de fanfarras memoráveis que tivemos no bairro, Camilo Castelo Branco, por exemplo, em 1969, 1970, uma fanfarra que era destaque no Estado de São Paulo.
P/1 - Era?
R - É, foi apresentar-se no Rio de Janeiro como convidado especial.
P/1 - Como é que se chamava?
R - Fanfarra do Camilo Castelo Branco, que hoje é a faculdade.
P/2 - A Unicastelo?
R - Hoje é a Unicastelo, aquela fanfarra toda...
P/1 - Quantas figuras tinha?
R - Por volta de vinte, que tinha mais de sessenta pessoas.
P/1 - E com uniforme e tudo?
R - Com uniforme. Foi uma coisa fantástica. O casalzinho que teve como destaque, que era estadual realmente.
P/1 - Não tem fotografia?
R - Existe fotografias, tem.
P/1 - O senhor não tem?
R - Eu não tenho porque eu não participava, mas tenho uns amigos que participaram que tem (risos).
P/1 - Bom, da escola o senhor falou já tudo, né?
R - É.
P/1 - E aí o senhor vai ficar mocinho, e como era com os seus amigos, já rapazinhos tal?
R - Os meus amigos nós tínhamos praticamente um grupo de vizinhos dentro da vila onde nós... Nós praticamente nos criamos, crescemos e nos criamos, porque praticamente nossos amigos era aquele rol de rapazes que se contava nos dedos.
P/1 - Eram poucos?
R - Eram poucos, não dá acho que umas trinta pessoas ou talvez um pouco mais, mas era praticamente aquele rol de...
P/1 - Como que os adolescentes se divertiam aqui em Itaquera?
R - Naquela época nós não tínhamos tanto a televisão como hoje, nós não tínhamos a facilidade de pegar um veículo para ir para o centro da cidade, para ir para outro bairro. Então se concentrava em parques que se instalava no bairro.
P/1 - Parques?
R - Parques é parque de diversão, a quermesses, o próprio cinema que naquela ocasião já tinha cinema no bairro, e véspera de aniversário, de casamento, essas comemorações mais de ordem familiares. E mesmo a questão de recolher-se era... Hoje em dia não, hoje em dia o pessoal fica até de madrugada, mas naquela época não, naquela época se recolhia cedo, a rapaziada, quando era mais ou menos nove horas estava em casa.
P/1 - Os adolescentes?
R - É, porque não existia nem luz elétrica aqui, luz elétrica veio em 1952, 53 por aí, então não existia nem rádio, hoje em dia nós temos aparelhos de som, nós temos televisão, nós temos aparelhos sofisticados que as crianças ficam, os jovens, ficam no computador, aquela época era diferente.
P/1 - Não havia luz elétrica na rua, mas tinha nas casas?
R - Não, não tinha nas casas também, era lampião que as pessoas... Meu pai tinha aquele lampião especial, mas o resto do teto, eles com lampiões comuns.
P/2 - Tinha iluminação a gás lá nas ruas, não?
R - Não, não tem, não tem.
P/1 - Era escuro?
R - Era escuro, era um drama (risos), era totalmente escuro, tá certo que não havia violência, não tinha, mas era escuridão, as ruas sem asfalto.
P/1 - Isso até que ano?
R - Até 1952, mais ou menos, 53 que a gente teve a energia elétrica, aí a coisa foi mudando, e depois a água, não existia água, esgoto, não tinha nada, até tinha o poço. Hoje não, nós estamos bem servidos, digamos, pelos serviços públicos, não da maneira que gostaríamos que fosse, tem muita coisa para conseguir, mas melhorou muito.
P/2 - É, o senhor lembra do dia que chegou a luz, por exemplo? Então conta aqui.
R - Eu tinha os meus nove anos, dez anos aí, mas eu lembro, foi uma verdadeira comemoração, não podia ser diferente, foi uma alegria geral, eu era pequeno.
P/1 - Como é que foi, todo o mundo saiu para a rua, como que foi?
R - Todo o mundo concentrou-se no largo da matriz e ali foi feito o evento, e dali para todos os cantos foi aquela alegria geral, muito, muito gostoso de se retornar ao passado. Uma maravilha, muito, muito, muito bonito.
P/1 - Mas aí o senhor está entrando na adolescência, aí já veio a luz, aí começa baile, não tinha baile?
R - Baile tinha, tinha bailes nos clubes, tinha, tinha, como eu falei, nas próprias residências, essas comemorações de casamento, de aniversário, era tudo motivo para baile, onde as rapaziadas passadas se relacionavam.
P/1 - O senhor namorou muito, muitas moças?
R - Eu não, eu namorei pouco. Não fui muito namoradeiro assim não. Eu na ocasião de baile, tinha um certo período da vida que tanto a moça como rapaz teve aquele momento, tudo que vê gosta, então teve um certo período que realmente tanto a mulher quanto o homem tendem a um relacionamento maior diante dos seus...
P/2 - De um aprendizado.
R - É, mas para ter uma ideia, eu sou muito ligado naquilo que eu faço no meu emprego, eu fiquei quarenta anos... No clube de futebol que eu participo eu estou há 45 anos, no Elite, eu sou presidente, eu estou há, 58, 42 anos no conselho de segurança que formou-se em 1983, eu estou até hoje. Então onde eu costumo dar de mim e me aplicar para me sentir bem, porque, às vezes, muita coisa depende de nós, nós queremos receber, mas sem dar nada, nós temos que dar alguma coisa para receber, e tem, eu acho, um modo de viver que a gente acaba se entrosando com os próximos... A minha vida familiar, eu estou casado desde 1967, a mulher é a única e será a única até...
P/1 - O senhor estava falando como é persistente, que fica nos lugares e constrói...
R - Ah, sim, a vida está melhor desde 67, eu tenho 33 anos, 32 anos de casado, mas eu namorei com a minha esposa mais de dez anos.
P/1 - Então conta como vocês se conheceram.
R - Nós nos conhecemos… Existia um estabelecimento em frente a igreja da Vila Sant’Anna, era uma das únicas televisões que nós tínhamos no bairro, era no estabelecimento, e ali se reuniam a rapaziada para ver aqueles programas da época, e existiam alguns programas, o dono do estabelecimento muito amigo nosso, então ele cobrava um guaraná, cobrava um doce para entrar pra assistir. E eu frequentava esse estabelecimento, foi numa dessas vezes aí que eu tive contato com a minha esposa e daí saiu aquele namoro e foi indo, foi indo.
P/1 - O senhor conheceu ela lá?
R - Conheci ela lá.
P/2 - Então vamos registrar, como que ela chama?
R - Chama Odete.
P/2 - Odete.
R - Ela é conhecida como, o apelido de Nega, o apelido dela é Nega, o nome é Odete (risos). Então eu costumo dizer que eu estou com a minha Nega até hoje, enquanto muitos mudaram três, quatro vezes de… Tinha colegas, parentes, inclusive que mudaram diversas vezes, e eu não, eu continuo com a minha Nega, graças a Deus não. Mas eu estava dizendo, nós nunca estamos satisfeitos, sempre alguma coisa faltando, alguma reclamação que foi no futebol e não voltou cedo, ou foi nas reuniões, que eu costumo participar de várias atividades, nós temos que estar presente, senão não fica muito agradável.
P/2 - Vocês namoraram muito tempo antes de casar?
R - Nós namoramos eu acredito que dez anos.
P/2 - Dez anos?
R - Dez anos.
P/1 - E como é que era esse namoro naquele tempo?
R - Esse namoro não era um namoro sério, era aquele namoro de, de vez em quando, ir buscá-la no serviço. Ela trabalhava na cidade, íamos ao cinema algumas vezes, não era um namoro com aquela constância de... Para ter uma ideia o namoro sério mesmo com ela foi durante dez meses.
P/1 - Aí ficou sério...
R - Dez meses, aí casei.
P/1 - Mas namorava em casa ou fora de casa?
R - Nesse período de dez meses aí era em casa, antes não, antes...
P/1 - Aí teve que pedir a mão para o pai dela, ficar noivo?
R - Aí sim, paraibano bravo para chuchu (risos).
P/1 - Como?
R - Um paraibano muito bravo, muito… É, enérgico, mas depois tornou-se meu amigo.
P/2 - E onde foi o casamento?
R - O casamento foi que eu queimei a fotografia na igreja Nossa Senhora do Carmo.
P/2 - Aqui em Itaquera?
R - Aqui em Itaquera. Até ocorreu um caso interessante comigo, eu trazia comigo aquele desejo de casar, como via as pessoas casarem, individualmente, o casal chegava, e na época do nosso casamento tinha mudado, casava de banda, como costuma dizer, meia dúzia de casais, aí ela celebrava lá o casamento. E eu com o casamento marcado, quando fui tratar da parte da igreja, recebi uma comunicação que não tinha condições de casar, o estilo era aquele lá, e tinha que casar daquela maneira, foram aqueles vários casais lá. Aí eu peguei, falei para o padre responsável pela igreja do Carmo, falei: “mas o que eu tenho que fazer para eu conseguir o meu objetivo que é casar, unir igualmente a minha noiva, eu acho bonito, só que eu não quero, eu queria casar de forma diferente e aqui na igreja, eu não quero sair do bairro.” Ele pediu: “vai na outra igreja”, “não, eu me considero itaquerense, tenho que me casar aqui, quero casar aqui.” Então o padre me aconselhou ir lá na praça... "Vai lá na cúria." E aí falei para o meu padrinho de casamento de civil que viria a ser cunhado, ele falou: “eu tenho um conhecido, um padre José, um espanhol que tem a paróquia aqui na Parada XV [de Novembro], lá num local próximo de Itaquera, a gente podia conversar com ele para ver se ele faz esse casamento individualmente”. Peguei e fui lá, quando cheguei na Parada XV, esse padre gostava de tomar um vinho a mais (risos), gostava de tomar um vinho a mais, inclusive desenvolveu muito bar na Parada XV. As obras da igreja… Ele colocou tipografia, ele realmente tinha seus problemas, mas era muito trabalhador, muito, desempenhava muito. Eu cheguei lá, eu me recordo que cheguei lá por volta de quatorze horas, fomos lá para dentro, e eu tinha tido uma discussão por questões políticas com ele, lá na Vila Sant’Anna, ao lado da igreja de Vila Sant’Anna, num outro estabelecimento que tinha, por sinal o irmão, o dono desse estabelecimento, senhor João era irmão desse outro proprietário, eu conheci, é o Carlos. E eu ia lá por questões de besteira, eu já estava tomando uns vinhos a mais, eu peguei e descordei de um senhor, eu era garotão, peguei e descordei do que ele falou, porque ele estava menosprezando o bairro, tá certo que ele tinha feito muito por Parada XV. Eu sei que ainda não se compara Parada XV com Itaquera, e naquele negócio lá ele quis dizer que ainda ia demorar muito para Parada XV chegar a igualar-se a Itaquera. Aí, quando ele desceu que eu fui com o meu padrinho, meu cunhado piloto lá, ele desceu, eu expliquei para ele, aí ele pegou e falou para mim: “maninho, ainda se fosse um amigo meu”, como dizendo que eu não era, não era amigo dele, “ainda se fosse um amigo meu eu ia fazer esse esforço aí, ia e te fazia o casamento”, depois ele virou as costas, pegou e foi embora, subiu, nos deixou. Aí peguei e fui embora, fui embora, voltei, fui trabalhar tarde lá no distrito de Armando Miguel. E meu patrão, que era um vereador, um pai para mim, sempre foi, seu Washington, notou que eu estava meio, falei não, poxa, porque era o seguinte, aconteceu assim, eu fui lá e o padre José só faltou me dar um pontapé no traseiro, aí seu Washington, sempre muito envolvido com política, um relacionamento de amizade fantástica, faz muitos amigos. Disse: "Amanhã vou dar uma examinada aí, vou dar uma consultada, amanhã te dou uma resposta" (risos). Arrumar um padre para me casar, mas aí era outro departamento, porque eu tenho um parente que é padre, padre Machado, irmão da minha tia Odete, falecida, ele estava em Minas Gerais, era um tio, eu não incomodava. Eu sei que no dia seguinte o seu Washington pegou e falou para mim: “Amaury, ó, está resolvido, precisando dum padre está resolvido (risos), pode ficar tranquilo que essa parte aí, pode se preocupar com outra coisa que o padre está resolvido.” Mas nós não falamos isso daí, eu falei: “mas é...” “já está resolvido! O major Raul e o Capitão Jatir já me garantiram que você pode ficar.” O Raul era o comandante de toda a região, e o Jatir era político administrador, Jatir de Souza, administrador de São Miguel, porque Itaquera não tinha regional. Mas tudo bem, fui tratar dos outros detalhes do casamento, aí que eu fiquei sabendo quem era o padre que ia fazer o meu casamento, sabe quem era?
P/2 - Quem?
R - O padre José, aí quando eu fiquei sabendo quem era eu falei: “meu Deus do céu!” Entrou em uns detalhes lá para, “o padre José não vai aparecer na igreja, (risos) ele não vai aparecer na igreja.” Meu Deus do céu! Aí no dia do casamento ele estava lá, pode ver na fotografia aí que é engraçado.
P/2 - É esse (risos)?
R - Fez um casamento mesmo para um, mas não por mim. Aí ele olhou para mim com aquele ar todo superior dele, eu falei: “quem tem amigo, quem tem amigo”, ele falou: “se fosse meu amigo eu ainda...” Através dali ele, para servir os amigos, o Raul e o Jatir ele foi fazer (riso)... Sabia que era eu, mas como ele tinha muita consideração, devia muitos favores para o, ele foi para... Inclusive eu tenho um amigo, o Carlos Amendola, o melhor alfaiate que nós temos em toda a região, um italiano, e sempre gostou muito da minha pessoa, aliás a especialidade dele é filmar, fotografias e filmagens, ele filmou todo o meu casamento nos mínimos detalhes, depois lá ainda me deu de presente as...
P/1 - Aí o senhor mudou para que rua quando o senhor se casou?
R - Eu mudei para uma rua particular, na Vila Elite.
P/1 - Era longe da casa dos seus pais?
R - Era na, eu mudei da Vila Santana e passei a morar na Vila Elite, que era praticamente 1500 metros de distância da casa onde eu morava com meus pais para a casa onde eu adquiri, eu adquiri em prestações naquela ocasião, e foi construída praticamente dias antes, um mês antes do casamento, foi certinho.
P/1 - Mas tem uma área mais ou menos?
R - Eu adquiri a casa em março de 66 e eles me entregaram em outubro de 67.
P/1 - O senhor trabalhava?
R - Trabalhava no escritório Mauro Mendonça como...
P/1 - E aí, quanto tempo preparou para nascer o primeiro filho?
R - Eu casei no dia trinta de setembro de 1967 e o Amaury nasceu no dia 26 de novembro de 1968, deu quase um mês só... (risos).
P/2 - Certinho. Seu Amaury, sabe que o senhor jogava futebol lá na várzea, o senhor foi jogador de destaque?
R - Eu sempre fui um amante do futebol, futebol de campo, então eu comecei jogar futebol com quatorze anos, e eu acompanhava os maiorzinhos, aqueles amigos de mais idade, e eles sempre achavam que eu deveria jogar, porque eu jogava muito bem, eu tinha uma facilidade com... Mas acontece que onde eles iam, um clube tradicional do bairro, o Democrático Itaquerense, e para jogar no Democrático Itaquerense tinha necessidade de pagar uma taxa, o cara se inscreve pagando uma taxa, e eu molecão, era duro mesmo, não tinha dinheiro. Aí chegou num determinado dia lá, um amigo meu que faleceu era considerado um verdadeiro irmão, o Celso Bela Mosquito, ele pegou e falou: “não, o Gordo”, o meu apelido era Gordo, ele me chamava de Gordo, inclusive acho que esse...
P/2 - Gordo?
R - Gordo, porque quando eu era pequeno eu era gordinho, me colocaram apelido de Gordo, então era Gordo, Gordo na família, nos mais chegados, me chamavam de Gordo. Então esse meu amigo Mosquito chegou lá para o responsável, que por sinal encontra-se vivo até hoje, um esportista realmente maravilhoso, senhor Edivaldo de Carvalho, ele pegou e falou: “ó, eu vou pagar para o Gordo para ele jogar”, ele realmente pagou, ele pagou a...
P/1 - E como é que foram os jogos?
R - Nós jogamos contra os onze Caprichosos da Vila Velha, Patriarca, aqui, e eu tive a felicidade de fazer o primeiro gol do jogo, na primeira partida entrei e fiz o gol, estreamos esse dia eu e um amigo meu que até hoje reside aqui perto, na avenida Itaquera, o Fernando, o apelido dele é Zumbi, e o Zumbi fez outro, primeiros jogos que nós fizemos, com quatorze anos, ele um pouquinho mais, quinze anos. E daí começamos a nossa...
P/1 - Carreira.
R - Carreira futebolística.
P/1 - E como é que foi desenvolvendo, assim só para citar, o senhor ficou nesse clube quanto tempo jogando, até casar?
R - Olha, lá nós, não, nós começamos no Democrático em setembro de 56, quando foi em fevereiro de 57 aí comecei a jogar eu e esse meu irmão mais velho, começamos jogar no Democrático, e nós tínhamos um time bastante unido e competitivo, e acontece que dos 22 jogadores, um pouco mais, porque tinha primeiro e segundo quadro naquela época, eram duas equipes, praticamente 80% dos jogadores vinham da Vila Sant’Anna para jogar no Democrático que é aqui na, aí que foi o problema, mas nós vamos atravessar o bairro para ir jogar no Democrático, se a totalidade praticamente de nossos jogadores são aqui de Vila Sant’Anna, aí meu pai pegou e falou: “vamos ressurgir com o Itaquera”, que tinha parado em 45. Aí fundou-se o Santana Itaquerense, essa equipe que até hoje está em plena atividade, aí acontece que nós fechamos o Democrático e passamos a jogar no Santana, dos dezoito ou vinte jogadores que nós tínhamos, outros que jogavam conosco passaram também para o Santana, então praticamente a totalidade passou para o Santana. Aí continuamos no Santana...
P/1 - Até que ano?
R - Eu joguei futebol até 1968, quando eu fui vítima de uma contusão e aí machuquei o joelho e por medo de operar, fiz tratamento com um especialista, ortopedista da seleção brasileira, por sinal, meu irmão me levou na... Aí o Doutor olhou e falou para mim assim: “isso aqui são ligamentos, operação aí não vai resolver, você tem que fazer isso daí, essa recuperação através de exercícios, mas facilita ficar aleijado.”
P/1 - Aí o senhor resolveu parar?
R - Aí eu falei: “quer saber de uma coisa.” Eu tentei algumas, tratamentos caseiros, algumas benzedeiras, esse negócio, só que eu voltava a jogar, jogava um mês, dois meses, quando pensava que estava bom, aí estourava de novo o joelho...
P/1 - E o senhor já estava casado?
R - Em 68 eu estava casado, quando eu machuquei eu estava casado.
P/1 - E aí parou de jogar?
R - Aí parei, mas como eu sempre gostei muito de futebol, aí eu me tornei o técnico do time (risos), eu era o responsável, diretor responsável.
P/1 - E ficou em que clube nessa época? O senhor era responsável de que clube?
R - No Santana Itaquerense.
P/1 - E depois? Continuou lá quantos anos?
R - Devido a minha condição técnica um pouco especial. Em 58 fui convidado pra jogar no Elite Itaquerense, futebol. Fui levado pelo senhor Manuel dos Anjos, que era o melhor técnico que tinha, ele tinha um equipe de futebol muito forte. E ele pegou e me convidou pra jogar no Elite.
P/1 - Mais o tempo não é 58, desculpa é que eu não to entendo, o senhor não tava em 68, quando o senhor parou de jogar?
R - Não então… Aí eu jogava no Santana e no Elite, eu jogava em duas equipes. Então em 56 eu comecei no Democráticos, em 57 no Santana, em 58 a pedido de seu Manuel dos Anjos, além deu jogar no Santana eu jogava no Elite, coisa que alguns não permitiram, se jogar em um não joga no outro. Mas pela amizade que eu tinha e porque eu gostava de futebol, eu jogava no Santana e no Elite, e quando ocorreu minha… Isso ai foi por dez anos, jogava nos dois e em 1968 eu tive a contusão aí não deu mais, aí eu passei somente a dirigir. Em 1970 eu deixei a segunda parte diretiva do Elite Itaquerense. Passei a ser diretor do Elite também, era do Santana e passei a ser diretor. Antes era jogador nos dois, depois eu passei a ser diretor e estamos até hoje no Santana e no Elite.
P/2 - No Santana também?
R - No Santana também.
P/2 - E seu Amaury, por que o nome do clube é Elite?
R - O clube Elite é a principal agremiação do clube que nós temos nessa redondeza, nessa região é a elite itaquerense. E a Elite Itaquerense em 1922, início dos moradores do bairro já disputava futebol em São Paulo, com aquele Corinthians, aqueles clubes, e aqui pouco se tinha o que fazer, era andar a cavalo, corrida de charrete, então alguns desportistas resolveram que “pô, se nos outros lugares já tinha time, já tinha equipes, já tinha clubes, porque que aqui em Itaquera não formamos uma equipe de futebol?” E existia um senhor que nunca jogou futebol, mas era apaixonado por futebol, chamava-se José Salomão, era um mascate que vendia roupas, blusas, meias, calçados, calças, e ia de casa em casa, em casa vendia também, e pagava-se mensalmente, naquela época. Tinha lá a caderneta dele, ia lá e cobrava, vai fazer aniversário, algum familiar vai casar, por exemplo. E o seu Salomão gostando muito de futebol convidou umas pessoas e resolveram criar um time de futebol, então fez o time de Itaquera, _____. Aí ele bolaram um, fizeram uma enquete entre eles, cada um deu um nome, e seu Salomão inclusive ele tinha uma certa ascendência social, tinha um poder aquisitivo um pouco maior, ele sugeriu o nome de Elite por causa de uma roupa que ele tinha, que aliás era até um par de meias, era uma marca de uma qualidade de meia, ele tinha uma marca superior lá, então resolveram colocar o nome do clube, sociedade desportiva, de Elite Itaquerense. Então o nome Elite vem daí, de uma peça de roupa. Muitos pensam que o Elite, que é considerado um clube pó de arroz que é um jeito mais elevado das pessoas, hoje em dia elas conseguiram popularizar mais, mas antes era mais sofisticado. Achavam que Elite era pompa, mas não, foi Elite por disso aí, a marca desse tecido, de uma meia. Hoje nós temos até vários calções de Elite, camisa Elite.
P/2 - Tem, tem. É do interior.
R - É, mas não tem nada a ver, o Elite nasceu de um par de meias, de um tipo de meia chamada Elite, foi assim.
P/1 - Era meia de futebol?
R - Não, era meia comum. Não era meia de futebol, era meia comum, meia que ele vendia lá pro freguês dele. E daí surgiu o clube, tamo aí com 78 anos de existência, vamos pra 79 anos. E eu tive a felicidade de ser levado como jogador de futebol, fui profissional alguns anos, joguei até 68, depois fazia algumas tentativas [mas] me machucava. Aí em 1970, seu Rocha, esse meu patrão, paizão, que é quem construiu a sede do Elite, quem deu o impulso pro desenvolvimento do Elite foi o trabalho do Doutor Rocha. Em 1970 ele ficou um pouco afastado e retornou ao clube e fez questão de lembrar de mim e outros amigos, tudo rapaziada pra assumir na diretoria do clube, levou a mim, Antônio Celso, Tonhão que chegou a presidência do clube, levou Doutor Francisco Nicolau, que hoje em dia vem a ser sogro do filho dele, levou o Doutor Lourino Lopes, chegou a presidente do clube, Doutor Nicolau presidente do tesoureiro, levou ____, um amigo falecido infelizmente, em 45. Levou um grupo de jovens lá que chegaram até a presidência do clube, como agora em 95 eu, depois de muito relutar, aceitei a presidência do clube e to no segundo mandato agora. No ano seguinte eu fui vice-presidente com o meu vice-presidente, então fizemos um projeto pra oito anos, mas com seis anos agora nós vamos entregar pra que prossigam…
P/1 - Agora assim, como o bairro foi crescendo e foi chegando mais gente, tem as COHABs, acho que também tem Cingapura, tudo isso. Como o senhor vê a chegada desse pessoal e em que medida eles tentam ____, fazendo ligação, esse pessoal chegando depois?
R - Esse pessoal que chegou depois pra habitar as COHABs, Cingapura não quer mais receber. Cingapura mais próxima aqui foi inaugurado em 96.
P/1 - E as COHABs em que época?
R - As COHABs são de 82, 83. As COHABs foram talvez a salvação das lavouras, pode se dizer, se não fosse a criação das COHABs... A questão de habitação já é uma grande dificuldade hoje, se não fosse as COHABs que foram criadas, inclusive pelo Doutor Olavo Setubal, Paulo Maluf, e outros governantes que todos eles tem seus méritos, mas se não fosse a criação das COHABs, nós estaríamos numa situação delicadíssima.
P/1 - Por que?
R - Porque inicialmente nós tivemos a COHAB um, COHAB [Padre] José Anchieta, depois nós tivemos a COHAB José Bonifácio, depois nós tivemos as COHABs da cidade de Tiradentes, _____, então nós temos aí, no da Anchieta nós devemos ter aqui uns, eu acredito que umas 150 mil pessoas, no José Anchieta, o dobro mais ou menos. Se nós não tivéssemos essas habitações aí, olha, seria um caos.
P/1 - Por que seria?
R - Porque essa população não teria nem local debaixo das pontes pra estar residindo.
P/1 - Mas o que essas pessoas trazem… Qual é a interseção disso com Itaquera? De que maneira altera a vida de Itaquera?
R - Tem o lado bom e tem o lado ruim. Itaquera até um tempo atrás, 1980, praticamente nós, moradores daqui, pertencemos a várias entidades e pertencemos a vários movimentos, todos os movimentos que ocorrem no bairro, nós temos por obrigação, dentro da possibilidade, de participar, desde que seja um movimento para o bem do próximo, para o bem do desenvolvimento do bairro, pra melhorar a situação. Com o surgimento das COHABs, nós que moramos no bairro a muito tempo, temos um conhecimento quase que total dos moradores, das famílias, uma ligação, nós temos uma ligação. Com a vinda dos moradores das COHABs, aos poucos foram mudando, porque as pessoas vem morar na COHABs, mas às vezes não tem condição de acomodar seus parentes, mais chegados, então eles vêm e passam a locar aqui, locar ali. A participação dos moradores passa a atingir quase toda a região, e tem pessoas quem vem com outro modo de pensamento, outros modos de procedente, tem o bom que vem pra elevar o nível, melhorar e tem aquele que é ruim, que vem pra piorar, então tem o lado bom e tem o lado ruim, tem muitas pessoas que querem ir pra marginalidade, porque as COHABs tem um pessoal cuja a possibilidade de pagar um aluguel, ele não tinha, mas tinha a possibilidade de pagar uma prestação baixa, então tem aquele de classe financeira baixa, que é caído pra marginalidade, e tem aquele que não, tem o mesmo problema, mas o comportamento deles são outros. Então tem o lado bom e o lado ruim. Itaquera foi beneficiado, com podemos dizer, que houve um certo…
P/1 - Mas acho que não entendi o benefício pra Itaquera, entram mais consumidores, por exemplo?
R - Entram mais consumidores, por exemplo, um dos males que existe nos conjuntos habitacionais, nas COHABs, é de que não existe agência bancária, não existe uma casa lotérica, inicialmente não existia farmácias, não existia padaria, não existia as lojas. Depois que foram sendo… Lá no conjunto. Então
essas pessoas tem que pagar uma conta de luz, tem que ir no banco, tem que pagar a conta de luz, vai na loja e compra um par de sapatos, vai na perfumaria, compra um…
P/1 - Quer dizer, desenvolver?
R - Então ajudou a desenvolver, vai no mercado, nós tínhamos aqui comércio com preços maravilhosos, nós temos uma casa de carne aqui que não existe na… Temos um mercado aqui que nem com Carrefour, mas nem com Macro, os preços, a qualidade dos produtos é imbatível.
P/1 - O senhor não acha que foi por isso, deixa eu ver as datas, não teria sido por isso que também o metrô veio pra cá, ou não, foi antes?
R - Foi. O metrô veio pra cá, aqui pra Itaquera, por uma ação, um desejo todo especial do Olavo Setúbal. Olavo Setúbal era uma pessoa, é uma pessoa totalmente diferente dos demais, ele entrou na vida pública como político, alcançou um destaque espetacular como prefeito da capital. Em 1978 foi feito um movimento pra que ele fosse candidato a governador, o lançamento ocorreu em Vila Matilde, eu estava presente, ocorreu numa sexta feira a noite, aí o Partido Popular, do qual nós pertencíamos, que era o presidente aqui no bar de Itaquera, Olavo Setúbal era o Presidente Estadual, João Aparecido de Paula que fez o lançamento dele como candidato a governador, existia eleições no partido no domingo, e política infelizmente é aquele desejo dos participantes ocuparem todos os espaços e comandar o máximo possível tomando todos os cargos que seja possível. Aí no domingo, Olavo Setúbal era o candidato a governador, tinha feito. Chegou no domingo na convenção, na convenção não havia eleição. José Maria Marin, que é candidato a prefeito, foi governador sucedendo Paulo Maluf, era interessado na convenção, se numa força política ele pegou dentro do possível e abraçou todos os cargos, passando pra aquelas pessoas de confiança dele pra fortalecer ele politicamente. Quando chegou, o Olavo Setúbal quis saber: “mas por que?”, José Maria Marin falou: “não, porque nós temos que ter pessoas de confiança. Nós temos que ter pessoas de confiança nossa pra que outros não vem tomar o poder, o partido”. O Olavo Setúbal seria eleito a governador, não tenho dúvida. Aí ele pegou e falou o seguinte: “então é o seguinte, vocês que pegaram pessoas de confiança, vocês não tem confiança em mim, pessoas que eu poderia indicar… Então se vocês não tem confiança em mim fica aqui o cargo, fica aqui o meu…” e afastou-se da política, o bem que ele fez pra Itaquera, ele trouxe pra nós o Parque do Carmo, Olavo Setúbal.
P/2 - A reserva, ali né.
R - A desapropriação [das terras] do Oscar Americano foi o Olavo Setúbal que… Ali é área verde pra região.
P/1 - Olavo que desapropriou?
R - Olavo Setúbal, graças ao movimento dos itaquerenses.
P/1 - Que mais ele trouxe de benefícios?
R - O metrô. Existia um movimento, porque Itaquera politicamente sempre foi muito fraco, São Miguel era forte, aí teve um movimento pra trazer o metrô pra zona Leste, vai levar pra onde? Vai levar pra onde tem força política, força política era São Miguel, mas acontece que Olavo Setúbal devido os conjuntos habitacionais falou: “não, o metrô pela facilidade do transporte de massa tem que ser em Itaquera onde será implantado os conjuntos habitacionais”, o que ele fez? Veio e implantou, sem ter nada de metrô construído na Zona Leste, terminado o metrô aqui em Itaquera, veio aqui, instalou o terminal do metrô aqui, nesse terminal ninguém mais mexe, pode fazer o que for, pode até em São Miguel, mas… Primeiro fez o terminal. Foi criticado, injuriado, aí a senhora vai fazer uma devassa pra ver quantas propriedades ele tinha aqui no bairro, região, porque pra trazer o Parque do Carmo, pra trazer a Avenida Aricanduva, o principal fato é pra ter facilidade de acesso às COHABs, aos conjuntos habitacionais. O metrô a mesma coisa, o traçado que foi alterado que era pra Guaianases e mudou pra José Bonifácio, tem todo o dedo do Olavo Setúbal.
P/1 - Tudo isso em cima das COHABs.
P/2 - Aí fizeram essa devassa pra ver se ele tinha terra aqui e não tinha.
R - Não tinha nada, era pessoal diferente, tão diferente que se afastou da política. Falou: “política não é pra gente decente, que nem a nossa não”. Uma coisa impressionante. Eu faço parte, milito em política, infelizmente não tenho grandes poderes, mas sei do valor de muitos políticos que fizeram muito bem pra nossa região aqui. O Olavo Setúbal foi um deles.
P/2 - O seu Amaury, e em relação ao metrô, o senhor lembra da primeira vez que andou de metrô, quando foi, o que o senhor sentiu? O senhor tem essa lembrança?
R - A primeira vez que andei de metrô. Eu não me recordo assim com precisão quando foi e nem como é que foi.
P/1 - Mas a sensação, o senhor se lembra? Como é que o senhor achou? Tava acostumado com trem e de repente vai pro metrô, o que o senhor acha?
R - A alteração? Ah, maravilhoso.
P/1 - Diferença grande?
R - Enorme, até o comportamento do povo no metrô é diferente. Andar de metrô é uma sensação diferente, aquelas pessoas que a gente sabe que o comportamento dele no metrô é sempre diferente. Isso aí é visível, o comportamento das pessoas a gente nota.
P/1 - E as diferenças no bairro? Teve algumas diferenças fundamentais com o metrô ou não, ou foram só as diferenças das COHABs?
R - Olha, com todo o mérito da implantação do metrô aqui no bairro rolou uma grande falha e tirou um pouco do centro, ficou um pouco distante, é longe do centro.
Considerado o centro do bairro seria onde encontra-se a estação que foi desativada agora dia 27 de maio, a estação de Itaquera, podia ter levada um pouco mais adiante.
P/1 - Mas a estação de trem de Itaquera desativada era melhor localizada, é isso?
R - É isso.
P/1 -
Mas isso aqui não foi [Olavo] Setúbal que plantou aqui perto?
R - Foi, foi.
P/1 - Ele quis favorecer a COHAB e não o centro?
R - Ele quis favorecer a COHAB, ele não pensou no centro de Itaquera porque no centro de Itaquera existe um pensamento de ter mexido lá, então é essa a questão. Por exemplo, onde existe a estação ferroviária foi desativada. Ali precisa ser feito alguma coisa ocupar aquele espaço. Um espaço enorme perdido, abandonado, onde nós temos a Administração Regional do antigo grupo escolar Arthur de Azevedo, lamentável aquele espaço lá, preocupado pra uma Administração Regional que poderia estar instalado no Parque do Carmo, poderia ter instalado no Parque _____, mais apropriado pra ser instalado a Administração Regional, então o cinto do bairro está muito mal aproveitado, está muito distante, ta muito distante das COHABs, que agora as COHABs tão melhor servidas com o prolongamento da linha Leste, mas antes não.
P/2 - Com a estação Dom Bosco?
R - A estação Dom Bosco infelizmente pela própria movimentação dela a gente vê que foi uma lástima, demorou tanto pra ser instalada, porque há cinco anos atrás faltava 5% pra ser complementada, pra ser colocada em movimento, funcionamento, então já no tempo do Coordenador Fleury, não completou, deteriorou tudo, perdeu tudo e teve uma fortuna novamente e agora pelo menos a estação Dom Bosco está uma lástima, não tem 1% daquilo que foi previsto, não é 10%, não tem nem 1%. Aí foi uma lástima.
P/1 - E seu Amaury, e se o senhor pensar no futuro do bairro daqui a trinta, quarenta, cinquenta anos, como o senhor gostaria que tivesse Itaquera, como o senhor imagina que vai estar, como o senhor gostaria?
R - Eu gostaria que os pólos industriais tivesse em plena atividade, porque aí estaríamos gerando cem mil empregos, o prosseguimento, a complementação da Avenida Jacu Pêssego, por causa de alguma centenas de metros que invade o Município de Guarulhos, questões políticas, que aqui é um governo municipal e ali é um governo estadual, então não houve a complementação, então fica afogado no final do trecho da Jacu Pêssego pra atingir a Dutra fica milhares e milhares de veículos, ônibus, caminhões, todo tipo de veículos pra atingir essa via de acesso, então é a produção pra chegar em Cumbica, é um projeto total de tempo, combustível, paciência, por causa de uma questão possível. Então é uma pena, e os grandes investimentos que tão sendo feitos na construção de prédios e apartamentos. O Cingapura, inclusive o Cingapura que nós temos de melhor localização, mais conhecido, ele encontra-se na [Rua] Sábbado D’Angelo
com a Jacu Pêssego, ali era uma favela cuja favela existe uma pessoa que tinha um carinho especial com aquelas pessoas, com aqueles favelados, a avó o meu neto, a mãe do meu genro, chama-se Evair, mas nós a tratamos de Báia, ela tinha um carinho com aquelas crianças, com aquelas pessoas que era coisa impressionante. E eu sou malufista, inclusive agradeço eternamente ao que Maluf fez pelo nosso bairro, igual a ele jamais terá alguém que vai fazer o que ele fez, jamais, tomara que tenha porque… Mas essa avó do meu neto era totalmente contra o Maluf, ela queria ver o diabo mas não queria ver o Maluf, ou seja, ela era contra mim politicamente, porque eu sempre foi malufista. Aí no que o Maluf fez no Cingapura, ele transformou aquele fundo de vale perdido, transformou aquela favela que tinha todo tipo de doença com aquelas crianças, aqueles moradores, transformou num conjunto residencial, então Cingapura… Aí eu peguei e falei: “Báia, você sempre demonstrou um amor e um carinho muito grande,
mas por mais que você se aplicasse, por mais condições de fazer o que foi feito, de dar o tratamento, o amparo pros seus protegidos...” Só o que ele fez pra essas crianças aqui já não tinha mais nada de… Tem vários Cingapuras, mas aquele pra mim é um Cingapura especial por esse fato que me liga com a pessoa que eu gosto, que inclusive pra ver a ligação era a pessoa, a Evair, que carregava a vela pra que eu namorasse com ela, pra ver a ligação do bairro que é. São coisas dessa ligação que milhares de moradores dos conjuntos vieram se infiltrar, e a gente não tem mais aquele entrosamento com tantas pessoas como nós tínhamos antigamente, é uma coisa de um lado é bom e de outro lado é ruim, mas que melhorou pro bairro indiscutivelmente.
P/1 - A gente ta encaminhando pro final da entrevista, e eu vou perguntar algumas coisas do seu dia a dia hoje. Com quem o senhor mora hoje, quem mora na sua casa?
R - Eu resido com a minha esposa.
P/1 - Algum filho,ou não?
R - Temos diariamente, graças a Deus, a presença dos nossos netos, que a minha esposa cuida, e as minhas filhas trabalham conosco, trabalhamos todos juntos no Escritório Comercial Amaury, fazemos uma família no escritório e em casa.
P/1 - Agora só pra registrar na gravação, tem netos? Quantos?
R - Eu tenho sete netos e atualmente a maior alegria que eu posso ter são os netos, a família maravilhosa que eu tenho e os amigos, que é a verdadeira fortuna, que eu costumo dizer que é a nossa família e os amigos.
P/1 - O senhor tira dessa experiência toda de vida sua, alguma frase, alguma filosofia assim que possa resumir?
R - Eu acredito que o fator da felicidade é a paciência, nunca tomamos uma medida de pronto quando trata-se de coisa séria, dentro do possível nós temos que aguardar um pouco, refletir, porque certos atos que tendem a praticar ou certas decisões, se não tiver um pouco de paciência, inclusive como dizia um amigo meu falecido que eu caminhei muitos anos com ele, “nós temos que aprender nessa vida a engolir sapos, é engolindo sapo que nós conseguimos ir em busca da felicidade e controlar os problemas que, às vezes, nós acabamos tendo condições de contornar, ajudar, resolver, devido esse sapo que nós engolimos em determinado momento, que requer paciência e muito cuidado”. Então isso aí é uma filosofia de vida que a gente acaba aprendendo no dia a dia, e pela experiência que a gente adquire na vida.
P/1 - O senhor tem algum sonho pra realizar?
R - Olha, o sonho que eu tenho pra realizar eu sei que isso aí depende da vontade de Deus, queria ver os meus netos criados e formados, mas eu tenho plena certeza que eu mesmo vindo a falecer eu sei que vou pro céu. Se existe céu, eu vou pro céu, isso eu tenho certeza. Eu tenho certeza, porque eu penso e pratico o bem com todos, indistintamente, não tenho inimigo, tenho adversário, mas eu procuro sempre fazer o bem.
P/1 - Muito obrigada pela entrevista, muito bonita.
P/2 - Obrigada, seu Amaury.
R - Eu que agradeço, e desculpe se eu fugi do assunto.Recolher