Meu nome é Gustavo Carvalho da Silva, nascido em Ribeirão Preto, nasci em seis de maio de 1986.
Meus avós maternos, eu conheci. Os paternos, não. Meu avô é Celso de Souza Carvalho, pai da minha mãe, um cara bem único, diferente, engraçado pra caramba, cheio de manias. Aquele sujeito que sai...Continuar leitura
Meu nome é Gustavo Carvalho da Silva, nascido em Ribeirão Preto, nasci em seis de maio de 1986.
Meus avós maternos, eu conheci. Os paternos, não. Meu avô é Celso de Souza Carvalho, pai da minha mãe, um cara bem único, diferente, engraçado pra caramba, cheio de manias. Aquele sujeito que saiu do campo e foi começar a criar os filhos na cidade. Eles são de Joaquim da Barra, onde, em muitos momentos da infância, a gente acabou se reunindo lá. E minha avó, Sara Anselmo, é aquela senhorinha de filme, de novela, que cuida dos netos, todos os filhos e tal. Tem sempre um bolo, um pão de queijo em casa.
Meu avô trabalhou muitos anos na colheita de soja. Ele fazia muita colheita em Goiás, Mato Grosso, na época em que começou, e ele tinha uma equipe, vamos chamá-lo de empreiteiro, e ele ia muito para essas colheitas na época de safra. A minha avó veio do corte da cana, ela trabalhou muito tempo no corte da cana, acordava cedo. Era engraçado. Às vezes, a gente estava na casa dela e dava duas, três horas da tarde, ela estava voltando. Era uma época em que as coisas eram muito legais de se conhecer porque a pessoa vai para o canavial, veste uma roupa, está um baita de um calor, a pessoa veste uma roupa super de frio e volta toda suja de fuligem. Era bem legal. Então, eu tive um contato muito bom com meus avós e os respeitava muito, também. A gente brinca assim que, dos netos, eu era o que mais passou tempo com eles porque eu ficava ali, muito na vontade de aprender o que eles estavam fazendo, diferente.
Eu fui uma vez no trabalho do meu avô, ele foi pra Minas, norte de Minas, fazer uma colheita de soja, e esse foi o meu primeiro contato com a engenharia, de fato, entre todos os registros que já fiz, retrospectivas da minha vida... Porque meu avô fazia medida de terra no passo, que era uma medida antiga que as pessoas usavam, ele saía andando, contando quanto, qual era a área que ele tinha pra fazer. E aí teve um dia que ele até brincou comigo e com um primo meu, ele falou: “Eu vou a pé e vocês vão de carro” - a gente estava com um outro tio, pai desse meu primo -
“e eu vou acertar a distância”. Líquido e certo. Acertou e tal. Era bem legal.
A gente cozinhava ovo no motor da colhedeira, sabe? Tomava banho gelado na bica. Tinha uma moça lá que era a cozinheira oficial da fazenda e, então, você dormia 7 horas da noite em um dia e no outro dia acordava, parecia café de novela, sabe? Leite, suco, fruta. Um negócio bem legal. E com a minha avó nunca fui ao seu trabalho porque desde sempre existiu muita restrição aos canaviais. Pela questão do perigo, muita gente bebia no corte da cana e então o pessoal acabava não tendo muita noção e então eles não deixavam a gente ir, mas já fui a canaviais, a usinas etc.
Meu avô era violeiro. Ele tinha o hábito de... “Vou cozinhar”. Então, ele pegava o violão, colocava em um lugar lá, aí ele ia na cozinha e colocava, sei lá, um torresmo pra fritar e, enquanto fritava o torresmo, ele se sentava em uma cadeira - ele era manco de uma perna - e ficava tocando violão até ficar pronto. Ele queria que todo mundo estivesse ali. Ele andava de bicicleta. Ele subia na bicicleta só por um lado, que era o lado que ele não precisava da perna. E teve uma passagem engraçada na Copa de 94. Isso é fato. A Copa de 94 a gente estava assistindo na casa deles, em São Joaquim da Barra, o Brasil acho que fazia 20 sei lá quantos anos que não ganhava a Copa, a seleção era ruim e meu avô acompanhou todas as Copas e ele já estava bem chateado por esse jejum. E o Brasil foi campeão, o Baggio bateu aquele pênalti no final e ele saiu correndo no corredor, e era um corredor grande o da casa, e ele saiu correndo e não mancou. E, naquilo, todo mundo estava comemorando, pulando e tal, todo mundo ficou quieto, olhou e falou: “Mas espera aí. Faz 50, 60 anos que a gente o conhece, ele manca e hoje não mancou?” Foi bem engraçado.
Meu avô dormia, às vezes ele perdia meio a noção do lugar onde ele estava, e aí teve uma passagem que o namorado de uma prima minha foi na casa de uma tia, ele estava deitado no sofá, todo mundo conversando, aquele monte de gente, família, criança brincando e, de repente, ele acordou e olhou para o cara sentado, assim, no sofá do lado dele, virou e falou - a gente achou que ele ia perguntar se o cara estava bem, falar um oi, pegar na mão do cara - Ele olhou para o cara e falou: “Você está feliz?” Do nada. Ele estava dormindo. Então, ele tinha esses lapsos assim, né? Trocava o nome da gente. Tinha neto dele que tinha acabado de nascer. Ele chamava um de Danilo e o outro de Daniel. Sendo que o Danilo era o mais velho. O Daniel tinha acabado... sabe essas coisas assim? Confundia muito. Ele era muito engraçado.
Como os meus avós se conheceram, eu não sei. Eu nunca perguntei, também. Mas sei que eles eram muito juntos. Meu avô era aquele cara à moda antiga, ia pra safra, toda semana vinha um cara tipo esses caixeiros viajantes, ele recebia, trazia o dinheiro pra minha avó. Ele chamava minha avó de o caixa da família, sabe? Minha avó não tinha muito estudo, mas dinheiro, vixi, sabia o que precisava e o que não precisava. Controlava super bem. Mas eu não sei onde eles se conheceram.
Minha avó sempre foi mais tranquila. Minha avó era aquela mãezona. Ela recebia muito a gente, e eu falo, a gente ia de férias na casa dela e virava aquele rolo, aquela casa cheia de moleque, eram sete netos, três aqui de Ribeirão, mais quatro de São Joaquim, e ficava todo mundo na casa dela, e ela sempre muito calma, sempre muito paciente. Um machucava, outro fazia isso.
Ela gostava de uma pinguinha e tomava a pinguinha dela, fazia comida e eu lembro uma passagem legal porque minha avó descobriu diabetes, acho que ela estava com 50 e poucos anos e aí era aquela diabetes que deu trombose. Deu uma trombose nos dedos do pé dela. Eu lembro que o último maço de cigarros que ela fumou, quem comprou fui eu. Ela falou: “Vai lá, compra um maço de cigarros pra mim. Esse vai ser o último maço de cigarros que eu vou fumar”. Aí ela parou de fumar, parou de beber, se tratou, cuidou e eu lembro também que, quando ela faleceu, demorou um pouco pra cair a ficha porque eu trabalhava nessa época e ela tinha ficado com a minha irmã, sozinha, em casa. Minha irmã não trabalhava, e minha mãe tinha ido a uma consulta no oftalmo, com meu padrasto, aí minha avó passou mal, ela tinha saído do hospital, tinha inalado aquele veneno da dengue e veio pra Ribeirão, o pessoal fez todo o processo, mas ela já estava com a imunidade muito baixa e aí ela veio e passou mal em casa; minha irmã me ligou desesperada: “A vó está passando mal”. Na época, eu não dirigia. Devia ter o quê? Uns 16, 17 anos. Aí eu vim, peguei um amigo lá do trabalho, ele me trouxe em casa, quando eu cheguei, tava o pessoal do Samu, os socorristas, a minha irmã já estava desesperada, eles estavam tentando reanimá-la e o socorrista chegou e falou pra mim que ela tinha falecido. Foi a primeira que alguém falou pra mim que alguém tinha morrido. Nas outras vezes eu sempre fiquei sabendo de outra pessoa: “O Fulano morreu”. Mas foi a primeira vez que alguém chegou e falou, e eu tive que correr atrás de tudo: fui atrás de velório, fui atrás de liberar o corpo, fui atrás de mandá-la para o IML, pra fazer autópsia. Depois o trâmite de levá-la daqui de Ribeirão pra São Joaquim, porque ela estava na minha casa, aqui em Ribeirão. E aí, eu só dei conta que ela tinha morrido quando enterrou, que foi onde eu parei e falei: “Putz”. Então, assim, essa é uma das passagens que eu lembro muito: essa questão do cigarro e essa questão do falecimento dela.
Meu avô viveu mais. Ele, nossa, viveu mais. O meu avô arrumou namorada. Alugou a casa dele, morou com a minha tia, tinha umas manias. Ele secava carne no carro porque, antigamente, era mais fácil você comprar algumas carnes e secar em lugares. Você coloca uma telinha. O pessoal faz isso até hoje, né? Principalmente esse pessoal carreteiro, sei lá. Ele secava carne no carro. Teve uma passagem que meu avô precisava usar óculos pra dirigir, e eu já tinha tirado carta nessa época. E um dia - aqui em Ribeirão tem um Poupatempo, que está dentro de um shopping - ele falou: “Vamos lá no Poupatempo renovar minha carta” e, como ele tinha essa dificuldade, essa “pseudo” dificuldade de caminhar, eu falei pra ele: “Vamos fazer o seguinte: eu vou lá, já pago todas as taxas com você, depois você só entra, tira a foto e fala: ‘Ele está ali no carro’”. Fui.
Na época, havia um trevo bem simples aqui em Ribeirão que acontecia muito acidente. E ele tinha um carro, um golzinho 86, que é aquela refrigeração a ar, sabe? Fazia barulho de geladeira. E aí ele entrou nessa rotatória em uma velocidade, cara do céu! Ele entrou na frente de uma carreta e eu pensei: “Agora eu vou”. O cara da carreta juntou no freio, aquele barulhão de buzina, eu falei: “Ai, meu Deus!” Cheguei lá no shopping branco, branco assim. Ele olhava pra minha cara: “O que foi?” Eu falei: “Você quase matou nós dois! É o seguinte: eu vou resolver toda a documentação para você e vou embora de ônibus. Você não tem condição de dirigir”. “Não, eu sou motorista” – falou – “já dirigi caminhonete, caminhão, colhedeira etc.” A gente foi, resolveu tudo e, na hora de voltar para o carro, ele viu que eu fiquei assustado, pegou e deu a chave do carro e falou: “Nunca mais, com você do meu lado, eu dirijo”, e desde então, nunca mais, quando a gente saiu junto, ele dirigiu. Ele sempre me dava a chave pra dirigir.
Loucura! A gente ia no Mercadão Municipal de Ribeirão, porque ele gosta muito dessas coisas que você compra, meio exóticas: queijo de Minas, essas frutas que você não acha em qualquer varejão. Hoje, acha mais, mas sei lá, há 10 anos, você não via. Então, ele gostava de graviola: “Quero tomar um suco de graviola”. Pô, você vai lá no Mercadão e você acha. Algumas castanhas e tal. E ele parava o carro no meio da rua. Aqui tem uma rua que chama General Osório, se não me engano, e é uma rua extremamente movimentada, passa ônibus, passa gente. Ele parava no meio da rua e falava: “Desce lá e vai lá comprar”. Eu falava: “Tem que parar em um estacionamento. Não pode parar no meio da rua”.
E não adianta. Você falava, falava e não adiantava. E aí ele morreu depois da minha avó, quando ele morreu, acho que eu já estava no segundo ano, no primeiro ano de faculdade. Em 2007, acho. E ele era engraçado porque meu avô era petista, corintiano. Então, cara, ele era polêmico. Polêmico, polêmico, polêmico. E teve essa questão da política, do Lula ter virado presidente e tal e ele era “fãnzaço” do Lula, sindicato, não sei o que e tal. E eu sempre tive umas ideias um pouco mais liberais e então eu o questionava muito. E tinha algumas questões que ele não conseguir responder. E aí, quando ele vinha de São Joaquim, pra ficar na minha casa, que ele tinha consulta no HC, ele ficava assistindo todos os jornais da televisão pra ver alguma coisa boa que o Lula tivesse feito. A hora que eu chegava em casa, dez e meia, que eu ia jantar, ele vinha e ficava discutindo: “Está vendo, olha lá, ele fez isso, fez aquilo, fez aquilo outro”. E eu falava que ele era pé frio, porque quando eu tive esse contato com futebol, foi através dele, minha mãe e meu pai já eram separados, mas enfim, eu tinha muito contato com ele. E ele torcia pra Portuguesa, teve época que a Portuguesa era forte, tinha um timaço, era Lusa. Dener, César, Zé Roberto, Flávio Conceição. Puta, era um timaço. E a Portuguesa caiu, né? Foi caindo, foi caindo e eu falei pra ele: “Mas você é azarado. Você torce pra Portuguesa e a Portuguesa caiu”. Ele falou: “Agora eu vou virar corintiano”. Mas aí o Corinthians caiu também (risos). E aí eu falava pra ele. Até, quando ele faleceu, foi o ano que o Corinthians contratou o Ronaldo, tal, que deu aquele boom no time e eu falei pra ele: “Será que agora vai ganhar alguma coisa?”, e ele faleceu e não teve oportunidade de ver tudo isso que o Corinthians acabou ganhando depois. Falei: “Deu sorte”. “Deu sorte para o Corinthians porque ele parou de torcer”.
Meu pai era funileiro. Eu acho que ele fez 60 anos no ano passado. Inclusive, ele me mandou um vídeo agora, porque ele agora ele virou violeiro. Tocando violão no barzinho, não sei o quê. E minha mãe vai fazer 60 anos esse ano, Mariluce. Ela é minha heroína. É a pessoa em quem eu me inspiro, tipo uma mulher de fibra, venceu muita coisa, sabe?
Meu pai e minha mãe se separaram quando eu tinha seis anos de idade, então, eu cresci nesse ambiente com duas famílias ou duas casas, sei lá. Eu nunca tive esse negócio de ter um pai e uma mãe dentro de casa, fazendo atividades juntos e tal. E meu pai, depois que separou da minha mãe, até por conta da relação e tal, ficou um tempo sem ver a gente e aí eu acabei me apegando mais à minha mãe, inclusive, até pelas conquistas que ela teve. Ela conta uma passagem, isso eu não lembro, eu devia ter uns seis, sete anos de idade. Meu pai tinha ido embora de casa e ela estava chorando - ela conta isso pra todo mundo, ela se acha orgulhosa - eu cheguei pra ela e falei: “Para de chorar. Levanta e vai fazer alguma coisa”. Com seis, sete anos de idade acho meio difícil uma criança fazer isso, mas enfim, ela falou que foi meio um choque de realidade, sabe? E aí foi onde ela começou a buscar algumas coisas na vida dela e, graças a Deus, hoje ela está bem pra caramba, mora com meu padrasto. Eu tenho um sobrinho, filho da minha irmã, e ela cuida dele desde sempre. Então, é bem legal. Ela teve um câncer na mama, minha mãe, venceu um câncer que assustou todo mundo e ele foi meio que a razão dela se curar, sabe? Então, eu falo que eu devo um pouco a ele essa cura da minha mãe.
Eu sou oriundo da zona norte aqui de Ribeirão Preto, que é a periferia. É um bairro que ainda hoje vive muito de si mesmo. Uma cidade do tamanho de Ribeirão, o poder público acaba tendo dificuldades de fazer algumas coisas chegarem. Então, é um bairro de Cohab. Por exemplo, pra construir um muro, pra fazer, sei lá, você fazer um cômodo a mais em casa, isso é bem difícil. No entanto, a laje na casa que minha mãe mora hoje, que eu cresci, foi colocada em mutirão. As pessoas se juntavam nos finais de semana e iam enchendo laje. E na época que meu pai saiu de casa, a casa não era quitada, era eu e minha irmã mais velha, e ele era a única pessoa que trabalhava em casa, né? Então, ela começou a garimpar. Trabalhou com faxina, depois ela trabalhou como auxiliar de cozinha, depois ela foi trabalhar como serviço de limpeza em um hospital maternidade aqui em Ribeirão e aí foi pra Nutrição dentro dessa mesma maternidade. Tudo que ela construiu e conquistou foi através do trabalho dela, entendeu? Ela me fez acreditar que não existe outro jeito de você conseguir as coisas na vida a não ser trabalhando. E isso é uma coisa que ela sempre me ensinou. Se você quer alguma coisa, produz que você vai ter. Não tem o que fazer. Meu pai, eu até costumo brincar, que a parte difícil de se criar filhos ele meio que terceirizou pra ela. E ela tirou de letra.
A minha infância na zona norte foi engraçada. Passei minha vida inteira no mesmo bairro, na mesma casa e minha mãe está lá até hoje. Eu continuo visitando lá, tenho amigos, pessoas com quem ainda me relaciono.
Quintino Facci II. Sempre foi esse nome. Nunca mudou. É conhecido como Complexo Aeroporto, aqui em Ribeirão. Porque são vários bairros de nomes distintos, próximos, que às vezes, o que divide o bairro é uma rua ou uma casa ou uma avenida e então é tudo uma coisa só, sabe? E era legal, por quê? Ia brincar na rua, jogar bola na rua, correr na rua e escola. Antigamente, tinha um ambiente um pouco mais acolhedor. E foi bem legal, eu tenho história de muitos amigos que a gente fez muita coisa junto: andei de skate, comecei a jogar basquete nesse lugar, muitos deles eu conheço de lá até hoje. Escola, as primeiras relações com estudos, com provas relacionadas a estudo foram lá. As primeiras namoradas e conquistas, as pequenas conquistas, tipo: eu participei de uma feira onde você tinha que escrever uma redação e tirei uma nota legal. Um concurso de matemática. E assim foi, sabe? Foi bem legal.
Eu mesmo, sempre gostei muito de estudar. A gente tinha muita coisa. Por exemplo: a gente invadia festa de 15 anos. A gente foi em um monte de festa de 15 anos. Teve uma festa de 15 anos que a gente foi que era de uma amiga da escola. A gente não era convidado. As pessoas esperavam a gente ir, mas ninguém convidava a gente. Éramos em quatro amigos, assim, muito próximos, e aí a gente ia agregando as pessoas. Teve uma passagem legal que a gente foi em uma festa de 15 anos, em um salão lá, que as pessoas queriam que a gente fosse embora. “Vocês não foram convidados”, era buffet.... Não era buffet, era uma mulher que fazia salgadinho e tal. Só que a gente animou tanto, mas tanto a festa, que os convidados falaram: “Não, deixa eles, que eles que são o negócio da festa”.
E a gente ficava até tarde na rua, e muita gente... Teve um caso legal: a gente andava de skate e estávamos na frente da casa de um amigo. Vizinho a ele tinha uma família bem complexa, sabe? O pessoal brigava, bebia muito e a gente sempre os socorria. O cara batia na mulher, a gente ia lá e socorria e falava: “Não, vai ficar tudo bem”. E a gente fez uma rampa de ferro. A gente foi no serralheiro, cortou a chapa e a rampa ficou até pesada e a gente ficava pulando o dia inteiro. Aí choveu e nós não conseguimos tirar a rampa da rua. E o cara chegou mamado. A gente a pintou de marrom, um marrom quase preto, parecia um madeirite. O cara falava: “Vou quebrar essa rampa. Vou quebrar”. E ele veio e pulou em cima da rampa, pra quebrar a nossa rampa, mas ele escorregou, porque tinha chovido e a gente ainda passava vela pra escorregar. Ele bateu com a cara no chão. Abriu isso aqui dele. E aí a gente teve que socorrê-lo porque a gente era a única salvação que ele tinha. E aí o levamos no postinho e o pessoal sabe que era um cara que já dava trabalho há bastante tempo, aí deixou ele lá esperando com a testa toda aberta.
Teve um outro caso, que eu estava até contando domingo pra minha mãe que, como eles eram muito intensos, a esposa dele um dia cortou, deu uma facada nele com a faca de pão. Sabe essas faquinhas de serra? Deu a facada. E aí, puta, aquela gritaria: “Vai morrer”. Um cortinho desse tamanho. Pegamos o cara, socorremos, mas quando tem facada, dá polícia e os caras queriam saber se era a gente que tinha dado facada nele e ela veio de casa, com a faca meio suja de pão, meio suja de sangue e falou: “Não, fui eu que dei a facada. Eu o amo”. Sabe essas coisas, cara? Puta, meu. Loucura.
O bairro era muito violento. Eu costumo dizer que nós passamos um período de 94 a 2000, acho que foi isso mesmo, seis anos, bem difíceis. Eu vi amigos, colegas de escola morrerem, vi um assassinato, presenciei um assassinato de frente, foi uma coisa que chocou muito. Era uma época que a gente falava que era uma guerra entre bairros e gangs, por um poder que nem eles sabiam do que se tratava. A gente tinha algumas frentes que eram pessoas que a gente conhecia ou que eram amigos que às vezes estudavam na mesma sala, jogavam bola no mesmo campo que, do dia pra noite, se tornaram inimigos. Tem uma história até bem triste de um amigo. Ele tinha entrado nesse mundo de criminalidade, de uso de drogas e tal e aí o pessoal que se relacionava com ele pediu para ele ir matar um outro cara, que era amigo dele, de classe. Os caras estudavam juntos. Eles se conheciam. E ele foi, né? Mas ele errou e aí ele voltou pra casa e ele já estava com tudo pronto, porque ele tem um irmão que morou ou mora até hoje, não sei, nos Estados Unidos e aí, na sexta-feira o diretor nosso, da escola, que era muito amigo das famílias e tal, falou para o pai: “Tira seu filho daqui, que ele vai morrer”. E o pai, mais do que nunca, foi e fez: “Vou levar pra casa desse tio, irmão, fora do Brasil”. No domingo, ele foi se despedir dos amigos, e esse cara que ele tinha errado os tiros foi lá e o matou. Foi bem, assim, uma perda muito grande, porque era um cara que a gente cresceu junto, sabe? A gente não achava que ia dar nisso, entendeu?
Era coisa de toque de recolher, de você não poder sair de casa, não poder pegar um ônibus pra ir ao centro da cidade à noite. Você voltava já com medo. E esse assassinato que eu presenciei, a gente estava jogando bola em um campinho e aí chegaram alguns caras já com... a gente falava “com a encomenda pronta”, pediram pra gente sair e aí eu saí, e morria de medo da minha mãe porque eu esqueci o chinelo, falei: “Puta, se eu esquecer esse chinelo e os caras pegarem e roubarem, minha mãe vai me matar”. Pensava na minha mãe me matando, não no cara e no que estava acontecendo. E, na hora que eu fui buscar o chinelo, eu vi os caras dando um tiro no cara, o cara caindo, assim. Foi uma cena extremamente chocante, sabe? Eu fiquei um tempo martelando isso na cabeça.
A rua que a minha mãe mora, e que eu morei muito tempo, tem até hoje um cara que meio que cuida do bairro. Ele é tipo um, sei lá, segurança, e ele sempre falou pra minha mãe que, se eu ou algum dos meninos da nossa turma ali, se envolvessem com droga ou criminalidade e tal, que ele iria fazer a gente entender que isso não era bom, ele ia bater na gente, né? E, cara, você teria medo dele. Ele é muito grande (risos). E ele é feio e então, de tão feio, você fica com medo. Porque ele é grande, ele é forte e tem um aspecto bem rabugento!
Ele é um morador antigo. Acredito que hoje ele deve ter uns 40, 50 anos e ele sempre teve muita relação com essa questão de criminalidade. Ele sempre transitou nos dois mundos, sabe? E, assim, eu, desde pequeno, sempre pratiquei esportes. Então, eu tive essa mentalidade de vida saudável, de resultados e, como eu sou grande, joguei basquete. Era muito promissor. Então, eu não tinha muito tempo de me envolver com essa galera e eu ficava um pouco restrito a essa galera, inclusive, porque minha mãe também, depois de um tempo, começou a se relacionar com meu padrasto, que é policial rodoviário militar aposentado, né? E ele sempre deu relatos pra gente daquilo que acontecia, entendeu? E a gente via também muitos amigos, muita gente que acabava tendo vidas destruídas. Mães, cara, putz, tem várias mães que a gente conhece lá que até hoje vê a gente como filho porque perdeu o filho da nossa idade, nessa condição, sabe? É bem chato.
E assim: por um tempo eu dei uma desligada, um pouco, dessa galera porque eu tinha um amigo muito amigo, a gente era praticamente irmão, e aí ele faleceu, teve um infarto fulminante com 20 anos. Eu costumo brincar que era bem na época que ele estava conseguindo conquistar as coisas dele. Eu já estava entrando, se eu não me engano, terminando o curso técnico pra entrar na faculdade, e ele também já estava se ajeitando no trabalho e tal. Um dia ele chegou em casa e me ligou: “Vamos assistir o jogo”. Acho que era uma final de alguém. “Vamos assistir o jogo lá em casa” “Beleza. A hora que eu chegar, não sei o que, papa”. Ele chegou em casa, o último lugar que ele passou antes de morrer foi na minha casa e eu não estava. E ele chegou em casa e teve um infarto fulminante. E é uma morte que a gente sente muito porque era um cara muito querido por todos. Ele era meio que um cara que juntava a galera, sabe? E aí a galera, depois disso, foi seguindo caminhos mais cada um na sua.
Até os 19, 20 anos eu joguei basquete. Inclusive, até recentemente, teve um projeto que eu participei do início dele, que eles estão montando um time adulto agora, estão disputando o campeonato nacional para acessos e tal e é bem legal. Tem um amigo nosso que está na final do NBB. Saiu daqui. Rafael Hettsheimeir, que é um cara, putz, um jogadorzaço, sempre foi. Não é porque é amigo nosso, não, mas sempre foi diferente.
Eu tive o prazer de treinar com o Nenê, que está na NBA. Teve um período que ele passou aqui na região e a gente bateu uma bola, mas ele não era “O Nenê”. Ele era um cara que estava se preparando. E eu joguei basquete dos meus oito anos de idade, até 20, 21. Hoje ainda brinco um pouco, mas não é mais o importante. Só pra não enferrujar. Mas eu joguei basquete, joguei no Sesi aqui em Ribeirão Preto, que tinha um histórico muito grande com basquete, foi campeão um ano antes da gente ir pra lá. Joguei no Recreativo, no Clube Recreativo, que é um clube que fez uma parceria com a Uniara, na época de ouro da Uniara, onde fizeram várias finais com times aqui de Ribeirão, com COC e tal. Cheguei a treinar em Franca, tive o prazer de conhecer Hélio Rubens, Helinho, que são pessoas icônicas do basquete nacional. Rogério, Chuí, Demétrio, esses caras todos eu tive o prazer de conhece-los. Tive o prazer de estar a centímetros do Oscar Schmidt, que é uma referência muito grande. Treinei com o Pipoca. Então, assim, o basquete me deu muitos amigos e me levou a lugares que eu nunca tinha imaginado ir.
Eu tentei ser profissional. Eu corri o estado quando eu tinha 16 pra 17 anos, e fiz testes em vários clubes do estado. Joguei em Rio Preto, montamos um timaço em Rio Preto. Foi um ano muito bom. Era o Arba, Associação Riopretense de Basquete. E, nesse ano da federação, a gente conseguiu ir para as finais, era um time ótimo, gente de tudo quanto era canto. Tinha um menino de Jaú, o Marcelo. Nossa, o moleque era muito bom. Eu não sei nem o que virou dele. Era um moleque muito bom. Tinha o Cirilo, que era um lateral magro. Ele era muito grande, então ele chegava no ataque muito rápido. Um cara de muita definição. E a gente fazia parte desse quinteto. E aí nós tivemos uma final contra o Pinheiros, clube tradicionalíssimo de São Paulo, jogamos lá e ganhamos o primeiro jogo, era melhor de três jogos e teríamos um jogo em São José do Rio Preto. E, nesse ano, começaram a ter alguns problemas da Confederação Brasileira de Basquete, no repasse de verbas aos times e às federações. E aí muito time começou a acabar e nós estávamos lá em Rio Preto e esse time do Arba também parou as atividades.
A gente quis jogar a final, mas os caras simplesmente falaram: “Não, nós não vamos porque não temos condições de pagar a multa”. A gente queria jogar, inclusive até para sermos vistos. E os caras falaram: “Não, não tem como, não vai rolar”. E não rolou. Aí eu voltei pra Ribeirão e fiquei procurando time pra jogar, mas aí eu comecei a ver, cara, que o COC aqui, que era o maior time que tinha na região, em Franca, os times estavam começando a parar as atividades. E eu comecei a ver um monte de amigo meu, que investiu a vida no basquete, tudo quebrado. O cara não tinha dinheiro para comprar uma bicicleta. E não é ruim, mas era o sonho do cara indo embora. Eu pensei: “Eu não vou ficar assim, não”. Eu sempre quis dar orgulho para minha mãe e falei: “Não. Não vou pelo esporte, eu vou pelo estudo”. E aí comecei a correr atrás das coisas que me trouxeram até aqui.
Eu estava sentado quando pensei nisso. Quando eu voltei de Rio Preto, o meu pai tinha uma oficina de funilaria e pintura próximo da minha casa, lá no Quintino I, um dos bairros próximos da minha casa, Quintino II. E aí meu pai falou: “Não, vem trabalhar comigo e aí você vai vendo o que você quer fazer”. Falei: “Beleza”. Eu montava e desmontava caminhão. Meu pai funileiro de pesado, caminhão. Eu montava, ele fazia a funilaria e a pintura e tal e depois eu desmontava e depois eu montava. Fazia isso o dia inteiro. E aí, meu pai tinha uns funcionários lá, aqueles caras tapados, sabe? Que trabalham para beber e farrear e eu ficava escutando aquelas conversas e aquilo não entrava na minha cabeça. Eu falava: “Não, estou fora do meu habitat”, e um dia eu cheguei para o meu pai e falei: “Vamos profissionalizar o seu negócio?” Porque o sonho do meu pai era que eu seguisse a profissão de funileiro, que ele gosta muito e aí ele falou: “Vamos profissionalizar”. Aí fomos atrás, começamos a comprar peças, começamos a fazer. Só que aí eu via que a coisa não mudava, sabe? Toda semana os caras iam lá, recebiam, meu pai tinha semana que ele recebia 10, 20, 30 mil reais e chegava na sexta-feira não tinha nada. Porque foi pagando picado um, outro, fez churrasco, comprou cerveja, não sei o quê. Eu falei: “Não, isso não é vida”.
Aí, eu sempre tive contato com o pessoal do Centro Paula Souza, que é a escola técnica aqui de Ribeirão, e aí eu falei... Não. Antes disso, eu fui guardinha, que é aquele Menor Aprendiz, que o pessoal chama hoje. Com 16 anos. Eu jogava basquete e trabalhava como guardinha, em uma empresa grande aqui, de engenharia, em Ribeirão. Fazia obra de infraestrutura. Eu gostei muito de trabalhar lá porque era um ambiente diferente. Eu trabalhava seis horas, depois treinava e depois ia pra escola. E aí, no meu horário de almoço, eu sempre levava documentos na Engenharia, onde o pessoal fazia projetos e tal e conheci uma engenheira na época que estava começando a pegar o autocad, que é um programa de desenho e tal. Aí eu falei pra ela: “Eu posso te ver desenhar?”. Ela falou: “Pode”. Ela me mostrava, me ensinou alguns comandos e ela ia fazendo: “Isso aqui faz isso”. Super paciente, gente boa pra caramba.
Mas eu trabalhava na área de contabilidade, com arquivo e o cara da contabilidade queria que eu fizesse contabilidade pra continuar trabalhando lá. Eu falei: “Pô, legal, hein?”. Só que aí eu via os cursos - na época era moda ser contador - mas eu percebi que não gostava desse negócio de contabilidade, não. Mas aí tinha surgido uma vaga para eu jogar em Cravinhos, disputar um Sub-21 lá. Falei: “Quer saber? Eu vou parar com isso e vou lá”. Joguei, fomos campeões, tal, mas era um time que era desse projeto que eu falei, eles não tinham muita grana para ir para outros campeonatos, então só ia ficar aqui na região, mesmo. E aí, quando eu parei de jogar lá, eu fui no Centro Paula Souza e tinha que escolher um curso técnico pra fazer. Pensei: “Vou escolher técnico em edificações, porque mexe com desenho, tal, se bobear faço uma Arquitetura e estou em casa”. Na primeira aula que eu tive no Centro Paula Souza, depois desse fato com meu pai, eu vi que não era Arquitetura que eu queria porque eu tive uma aula de cálculo estrutural com um professor assim que era um fenômeno. Marcelo Mienas. Um cara fenômeno. Fenômeno. Entende demais. Ele explicou e eu falei: “É isso que eu quero fazer”. O chamei de canto: “Professor, como é que eu faço?” “Se você quiser fazer isso, tem que fazer Engenharia”. Aí eu viabilizei minha vida pra isso. Então, foi legal que, com 15 dias, eu arrumei um estágio. Com 15 dias de curso.
Consegui estágio em uma construtora que chamava Forsaitt. Eu comecei a estudar em julho. Final de julho, começo de agosto. Em setembro eu sofri um acidente que eu quase morri. Eu bebia muito, nossa! Sabe aquela fase de adolescente, que você acha que vai conseguir beber toda a cerveja do mundo em um ano? Então, era o que eu fazia. E aí eu estava fazendo o curso, já na metade para o fim, não, no começo, foi bem no começo, eu peguei e tomamos quase uma caixa de cerveja numa sexta-feira, num botequinho próximo do curso, eu sentei no capô do carro de um amigo meu, que estava também no curso e, numa rua aqui de Ribeirão, chamada Capitão Salomão, ele acelerou o carro, eu sentado no capô, ele me jogou pra frente e eu caí entre duas árvores que, se você passar lá hoje e olhar, você fala: “O Gustavo não cabe aqui. É impossível”. Esse momento, pra mim, foi um divisor de águas pra tudo que aconteceu na minha vida até hoje. Eu ia pra balada de sexta-feira e voltava na segunda pra casa. Ia emendando balada, sabe? E bebia e tal e não sei o que. Eu sempre gostei de dirigir, mas nessa época ainda não tinha carro e tinha acabado, recém tirado carta e tal, aí eu sofri esse acidente e eu lembro que o bombeiro, na hora que ele me viu no outro dia em casa... em casa, não, no hospital, ele falou que eu só não tinha morrido porque eu tive o reflexo de proteger a cabeça. Eu acho que eu tenho um corte nessa sobrancelha, ou nessa, eu nunca sei. Ele falou que eu tive... porque eu quebrei esse braço em três partes, quebrei o fêmur e tenho um ralado na canela, de fora a fora. Minha mãe ficou louca.
Quebrei aqui, e aqui, e aqui, e aqui existe um osso que chama ulna e rádio. Agora eu não sei se o rádio é aqui, sei lá, mas existe no antebraço um osso que chama ulna e rádio que, segundo os ortopedistas – eles estudaram pra isso – você nunca consegue quebrar os dois juntos. Porque um protege o outro. Então, quando um quebra, o outro protege, pra não ter uma lesão maior. Eu consegui quebrar os dois. Tenho platina e tal.
E no hospital fiquei refletindo sobre tudo aquilo. E foi muito legal o seguinte: essa empresa, que eu entrei, a Forsaitt, não sabiam no que eu daria, nem o que eu seria, mas eles não me mandaram embora. Eles falaram: “Não, nós vamos te pagar um dinheiro aqui, que é um auxílio e você vai continuar com a gente. A hora que você ficar bom, você volta”. E o Centro Paula Souza também não excluiu a minha bolsa, falaram: “Não. Você vai fazendo os exercícios domiciliares e aí, quando você ficar bom, você volta”. Deu seis meses, eu voltei. E aí a vontade de fazer era muito maior, sabe?
Eu lembro que, nesse período, foi um período que eu fiquei muito afastado da igreja. Eu sou católico. E, sabe, eu tinha enchido o saco: ir à igreja, fica um monte de gente falando na sua cabeça, puta coisa chata e tal. E aí eu lembro que, todo dia da semana, quando eu estava em casa, eu dormia tipo o dia inteiro porque não tinha o que fazer. Eu ia pra fisioterapia de manhã, ficava a tarde assistindo TV, não tinha o que fazer. Aí eu lembro que, no domingo, era o único dia que eu acordava cedo. Falava: “Puta, acordei 8 horas da manhã, cara! Que loucura!” Semana inteira. Um dia minha mãe falou assim: “Vai na igreja”. Pra que que eu fui? Só tinha um lugar, na frente do padre, assim, pra mim. Na frente. Aí sentei lá. Fui tudo de qualquer jeito: de chinelo, bermuda, sabe? Peguei uma camisa mais ou menos e fui. Aí, naquele dia, parece que o padre preparou a missa pra mim. Parece que é sempre assim, né? Você está na... a missa é pra você. Puta, aquele puta tapa na cara, eu falei: “Caceta”. Aí voltei no outro domingo. Aí fui melhorando. Aí teve um dia que o Padre Rodriguinho, virou amigo também, gente boa pra caramba, corintiano também (risos), eu sou são paulino, mas tenho amigos corintianos que era melhor não os ter. Principalmente nessa era de WhatsApp. E aí viramos amigos e tal e um dia ele me chamou: “Vamos fazer o seguinte: vai ter uma quermesse aí. Faz o seguinte: vai ajudar”. Puta, eu fui, cara, foi a maior sensação da vida! As pessoas todas felizes, aquela confraternização, aquele negócio bacana, sabe? Aí, então, voltei à igreja.
Nessa época, eu estava no Centro Paula Souza estudando, fiz um ano e meio de curso e depois já entrei direto pra faculdade. Fiz a prova lá, passei. Eu prestei várias faculdades públicas, mas nesse período foi quando minha irmã engravidou, minha mãe descobriu o câncer e meu pai descobriu um quadro de hipertensão, pressão alta. Aí eu falei: “Puta, eu vou sair daqui trabalhando e vou morar em uma cidade fora, dando gasto pra minha família e preocupação com o pessoal que está aqui”. Então não fui, fiz Engenharia aqui em Ribeirão, sou muito bem formado pelo Centro Universitário do Moura Lacerda, inclusive dei aula lá depois de formado e, nesse período, foi um período que as coisas começaram a acontecer. Por quê? Na Forsaitt, eu não sabia fazer nada. Eu cheguei lá passando fax. Passava fax e fazia café. Eram as duas coisas que eu fazia e um dia eu enchi o saco. Aí cheguei e falei para coordenadora lá: “Se for pra ficar passando fax, eu não estou estudando pra isso” “Está bom, então”. Ela pegou e me deu um orçamento em Excel, na época, eu não sabia mexer, sabia o básico: sabia abrir, colocar em negrito e fazer uma gradinha. Ela virou e falou assim: “Então me entrega esse orçamento até sexta-feira”. Me deu lá o orçamento pra fazer. Falei: “Orçamento até sexta-feira. Ixi. E agora?”. Mas eu sempre gostei de fuçar e então eu peguei um dia aquilo. Eu tinha comprado um computadorzinho velho em casa, juntei tudo aquilo e fui, vai daqui, vai de lá e não sei o que, e fiz. Saiu com um monte de erro, mas entreguei. Ela falou: “Posso confiar nesse cara”. E aí, com um ano e meio de Forsaitt, eu comecei a fazer, gerar todos os orçamentos. Não colocaram a mão mais em nada, inclusive as duas maiores obras que eles ganharam na época que eu lá estava, foram obras que eu fiz orçamento, fui no local, fiz medição. Foi bem legal.
Eu aprendi muito na raça, mas também aprendi muito com os caras da ponta: mestre de obra, pedreiro porque, se você chega para o cara e fala: “Como é que você faz?”, o cara vai querer te explicar do jeito mais cheio de detalhe possível, para mostrar que ele é bom. Uma coisa que eu aprendi na construção civil e na vida: quando o cara é mais ou menos, fala para ele que ele é bom. Por quê? O cara vai te amar pro resto da vida. Tudo que você pedir, o cara vai fazer. Tudo. Eu tenho uma passagem, trabalhando em uma empresa, em uma construtora chamada Mesquita, lá em Jaboticabal. Tinha um cara, mestre Edson. Para você ter uma base, ele trabalhou na construção de Itaipu. Mestre de barragem. O cara trecheiro, couro grosso, aquele cara que, pra você ter uma base, um dia os peões, um do Maranhão, outro do Piauí, os caras estavam brigando de facada, de jogar televisão pra rua, ele chegou, fez os caras parar de brigar e ainda fez os caras pagarem a televisão. E ainda tomou a faca dos dois, ainda. Para você ver o tanto que o cara era diferente. E quando eu entrei na Mesquita eu trabalhava com planejamento nessa época. Eu fui contratado lá pra instituir o planejamento. Já estava no terceiro ano de faculdade. E aí conheci o mestre Edson e a gente precisava dele pra algumas atividades, a gente entender como elas aconteciam e ele era um cara extremamente fechado. Não conversava com ninguém. Só sabia mandar. Só que aí, o que você faz? Como é que você chama? “Eu chamo Edson”. Você não chama o cara de Edson, chama o cara de mestre. Chega lá na peãozada, você engenheiro, com um uniforme diferente, capacete branco, não chama o cara de Edson, chama o cara de mestre. O cara já enche. Aí você pergunta pro cara, o cara fala: “Não, eu faço essa parede desse jeito” “Mas tenta fazer assim, que eu acho que vai melhorar o seu jeito de fazer” O cara te adora. Você não tem que chegar: “Eu quero aquilo”. Não. Dá a volta no cara. O cara vai ficar feliz com você. Tanto é que, até hoje, pra se ter uma base, faz quatro anos que eu saí da Mesquita, quase cinco, ele me manda mensagem até hoje perguntando quando ele vai trabalhar na obra comigo. Até hoje. E com os caras lá ele não se dá. Nem a pau.
Quando eu trabalhava na Forsaitt, eu estava no curso técnico e, como eu gosto demais da engenharia, eu tive uma imersão muito grande nisso e quis aprender. E eu sempre me enfiei no meio da galera. Tanto que, quando nós trabalhamos na Forsaitt, teve a queda de bandeira do Unibanco, o Unibanco virou Itaú. E o Unibanco ia fechar em uma sexta-feira às cinco da tarde e, na segunda da semana seguinte, ou quer dizer, três dias depois, tinha que ser Itaú. Então, nesse final de semana, nós viramos, de Unibanco pra Itaú, 30 agências. Em um final de semana. Trabalhando direto. O que eu fazia? Eu era meio que apoio dos caras. Então ia, levava material, ficava, olhava o projeto: “Faz assim, faz assado”. Não chegou o negócio, ia em uma obra buscar, sabe? Cara, pra você ter uma base, nesse final de semana, eu fui acho que pra umas três, quatro cidades diferentes. Em coisa de duas, três horas, sabe? E aí eu meio que eu me embrenhava nos caras, perguntava, não sei o que, papapa.
Trabalhando na Forsaitt, na Forsaitt a matriz é São Paulo e eles têm uma unidade em São José do Rio Preto e tinha uma unidade aqui e os negócios em Rio Preto começaram a ficar melhores e eles falaram: “Pô, Gustavo, nós vamos ter que ir embora, tal, não sei o que”. Me deixaram aqui um tempo, cuidando da Forsaitt aqui, mas aí chegou um dia que teve que fechar. As coisas estavam acontecendo lá. E aí eu estava no meio da faculdade, não dava pra sair daqui e ir pra lá, então comecei a procurar coisa por aqui em Ribeirão. Daí trabalhei em uma concreteira, em um laboratório e foi engraçado porque, como eu sempre tive essa relação de querer resolver as coisas, na concreteira, em três meses, não tinha mais nada pra fazer. Trabalhava em um laboratório, pra você ter uma base, eu e o outro estagiário que entrou, nós organizamos o laboratório inteiro e então a gente sabia qual era a sequência de corpo de prova que tinha que romper, do mês.
Explicando, a gente tinha uma sala, que eles chamavam de laboratório, de rompimento de corpo de prova. Corpo de prova nada mais é do que um cilindro de, sei lá, 40 centímetros, 30 centímetros, que você tira do concreto, de tempos em tempos, a cada lote, pra saber a resistência do concreto a 7, 14, 21 e 28 dias. Em 28 dias ele tem que chegar a 80% da capacidade dele para resistir pro resto da vida. Então, o que a gente tinha que fazer? Tirar esses quatro corpos de prova, tirar essas amostras e mandar o laudo para as construtoras que contrataram o concreto dessa concreteira. Quando nós chegamos lá, era uma bagunça. Tinha corpo de prova vencido, tinha o tanque que estava furado, balança sem aferir. Era um buraco que eles jogaram tudo lá dentro. Entrou um outro estagiário, o Fábio. Aí eu falei: “Puta merda, Fábio, nós vamos ter que arrepiar, cara” Ele falou: “Não, vamos embora!” Aí, nós fizemos o quê? Nós pegamos... ele tem uma etiqueta e nós pegamos todas aquelas etiquetas, ligamos construtora por construtora de Ribeirão e de fora de Ribeirão, pra saber de quem era, se já tinha rompido, se era interessante o cara saber ou não. É, não é. Mandamos a balança pra aferir, aferiu, trouxeram de volta. Nessa semana, a gente já tinha tudo organizado o eu precisava mandar e o que não precisava e aí nós levamos mais ou menos um mês pra zerar isso e aí a gente tinha que fazer análise de areia, de pedra e de cimento, todo dia. Só que aí, como os caminhões chegavam por lote, então o cara já trazia amostra pra gente. Então, era só pesar e tal e o cara só trazia pra gente porque a gente conversou com o cara porque antes o cara jogava o cimento lá e falava: “Pega aí”. Cara, cilindro de 12 metros! Como é que você entra dentro de um cilindro pra tirar uma amostra desse tamanho de cimento? Loucura. Então a gente pediu pro cara: “Vamos combinar o seguinte: antes de você despejar, põe um pouquinho pra gente”. A gente deu um potinho. Aí você só coloca a etiqueta do lote e já era. “Fechou?” “Fechou”. Aí a gente já encurtou um espaço. Pra pegar os corpos de prova, como o motorista da betoneira já tirava isso, o que a gente fazia? Na hora que o cara voltava, ele não deixava dentro do caminhão, ele já deixava na portaria. A gente vinha e pegava de hora em hora. Então, quer dizer, isso, tecnicamente, fez com que o serviço tivesse um processo, uma sequência: “Isso vai acontecer desse jeito”. Então, nós ficamos três meses colocando em ordem, colocamos e não tinha mais nada pra fazer. Era só romper o corpo de prova. Eram quatro corpos de prova. Vamos supor: se tivesse dez obras, era 40. Até a hora do almoço a gente já tinha acabado.
Então, não tinha o que fazer. A gente deixava dentro de um tanque lá e eu falei para o Fábio... porque eu ia embora, tinha dia, duas horas da tarde, cara, era muito vagabundo. Uma pessoa que trabalha ir embora duas horas da tarde, eu era muito vagabundo. Aí eu falei para o Fábio: “Eu não vou ficar aqui, não, cara”. Ele falou: “Não, fica, tal, não sei o que”. Eu falei: “Não. Eu não estou aprendendo nada aqui. Tudo que eu tinha que aprender, já aprendi”.
Eu saí e fui para uma outra construtora, uma construtora menor, que fazia obra comercial aqui em Ribeirão e aí eu trabalhei com um chefe, nossa, que chefe pé no saco! O cara queria que eu trabalhasse de sábado, domingo e ele não acreditava que eu conseguia ser produtivo durante a semana. Ele não acreditava. Tanto é que, em tudo que eu acabava de fazer, ele sempre arrumava alguns defeitos pra fazer. Aí teve um dia... ele teve uma empresa que quebrou aqui em Ribeirão e ele prestava serviço para uma outra empresa, aí foi o dia que eu acho que ele começou a acreditar em mim um pouquinho. Por quê? Ele tinha um banco de dados de umas informações que ele queria e ele falou assim: “Você consegue pegar pra mim?” Eu falei: “Consigo”. Ele olhou: “Mas como assim você consegue?” Eu falei: “Você não está pedindo? Eu consigo”. Ele falou assim: “Mas você nem sabe o que eu estou falando”. Eu falei: “Você quer que eu pegue ou não quer? Se for pra você ficar me questionando, então nem fala”. Fui, peguei pra ele e tal, era um banco de dados aí, eu vi como fazia, aprendi, tirei, ele olhou e ficou: “O cara é foda, mesmo”.
Aí teve uma discussão que ele me mandou embora. Eu tinha feito um negócio lá e ele queria que eu fosse trabalhar no sábado e aí eu corri na sexta pra entregar, pra não trabalhar no sábado. Porque, cara, tinha festa na sexta, faculdade, entendeu? No sábado acordar cedo era foda. Nessa época eu não bebia mais, mas eu gostava de ir às festas. Se fosse pelo menos uns dois sábados por mês até... mas todo sábado, não. Aí ele pegou e me ligou no sábado de manhã e falou pra eu ir na construtora, eu fui. Ele falou: “Tudo que você fez está errado, que não sei o que”. Eu falei: “Me mostra o que está errado, que eu estou aqui e eu corrijo” “Não, eu não vou te mostrar. Pra mim você é um engenheiro incompetente, você não vai dar nada, você é preguiçoso, não sei o que, papapa, papapa, papapa” e eu escutei aquilo numa boa. Peguei e falei... tem até a Tânia, que é uma amiga nossa aqui, lembra disso... ele terminou de falar e eu falei assim: “Na minha opinião incompetente não sou eu, incompetente é você”. Ele arregalou um olho, ficou vermelho: “Como você ousa me chamar de incompetente?” Falei: “Você é incompetente porque você me contratou pra ser seu funcionário. Me manda embora. Você está gastando seu tempo me xingando e meu tempo ouvindo você me xingar. Se está errado e você não quer me falar onde está errado, me manda embora”. Ele me mandou embora: “Então, você vai ser mandado embora”. Fui.
Uma semana depois, eu tinha feito algumas coisas pra ele e ele já tinha acostumado, né, porque ficou automático, ele nem tinha tanto trabalho, aí ele me ligou: “Preciso conversar com você”. Fui lá, conversei com ele. Ele virou e falou: “Você quer voltar a trabalhar com a gente aqui?” (risos) Falei: “Estou parado, lógico que eu quero”. Voltei a trabalhar com ele.
Eu não encanei com esse tratamento porque desde sempre eu tive comigo assim: existe hierarquia, cada um tem o que merece. Eu acho que quando você está errado, você tem que abaixar a cabeça e ficar quieto. Quando você está certo, você tem que brigar pelo seu ponto de vista e eu sempre fui assim. Minha esposa até briga um pouco comigo porque ela fala que eu sou do contra. Porque quando eu não concordo, eu não concordo, mesmo. Nem com ela. Ela fica louca. Mas aí o cara ficou, não sei o que, eu falei: “Eu não vou ficar, também, pedindo um alto salário” porque eles não estavam, na época, pagando nem pra engenheiro. E eu estava empregado. E eu precisava do emprego pra pagar a faculdade, tinha um carrinho. Então eu falei: “Eu não vou, também, sapatear, né? Se ele melhorar, qualquer cem conto pra mim, já está ótimo! É mais um dia de gasolina que eu consigo pagar”, entendeu? E aí voltei, mas aí, seis meses depois, mesmo na faculdade... Por que eu não gostava de trabalhar de sábado? Porque o sábado eu aproveitava pra fazer curso de coisa que eu não sabia. Então, todo sábado eu fazia curso o dia inteiro de coisa que eu não sabia.
Eu fiz um curso de project, fiz um curso de linguagem de programação, fiz um curso de banco de dados, fiz um curso de gestão de projetos, eu fiz um curso de Excel avançado, eu fiz um curso de idiomas... E tudo eu que pagava porque eu sou de uma turma na faculdade que 15 caras entraram. Em um ano só tinha eu na turma de engenharia. Até pensei em trocar de faculdade na época e o coordenador ainda falou: “Não, fica aí”. Por quê? Não ia abrir turma para eu fazer as matérias que eu precisava. Tanto é que eu tenho alguns amigos, a gente tem um grupo da faculdade que ficou até hoje, tinha uns caras que eram os turistas da faculdade. E eu e mais uns dois caras, que depois a gente foi se conhecendo, inclusive se tornaram padrinhos de casamento do meu filho e tal, a gente meio que começou a carregar esses caras nas costas. Porque a gente estava passando pelas matérias e chegava matéria que era só nós três. E três alunos... precisava de cinco para abrir uma turma. Aí você fazia prova, trabalho, pra passar os caras. E tinha até umas cenas engraçadas porque a engenharia, assim como qualquer outro curso, você precisa ir na escola (risos). Se você não vai, é difícil aprender. Eu acho difícil, mas enfim, tem gente que não. E aí tinha alguns caras que já faziam oito, nove anos de curso. Engenharia são cinco anos. Tinha uns caras que estavam lá e não saíam. E eu sempre fui tranquilão. Na época que eu trabalhava no Jaboticabal, eu ia pra casa tomar banho e depois ia pra faculdade. Chegava sete e meia, oito horas, mas eu estava ali e aí ia fazer prova, dia de prova. Aí, puta, aquela sala cheia de gente. Abarrotada. E os caras me ligando. Minha mãe conta isso até hoje pras amigas dela lá: “Pô, Gustavo, você não vai vir? Você não vai vir? Você não vai vir?” “Calma, eu vou tomar banho, pô. Estou fedido, né?” Aí cheguei, a mesa lá no fundo da sala, do lado, lá no fundo. A mesa dos professores, acho que de binóculo, ele não me via. Eu sempre gostei de jujuba. Aquelas gominhas de sabor, com açúcar pra caramba. Aí, na minha mesa, tinha um refrigerante e vários pacotinhos de jujuba dos caras, na mesa, pra eu fazer a prova dos caras.
Eu sempre fui assim, sempre falei para os caras: “Até dou uma força pra vocês, mas é assim: eu vou fazer minha prova primeiro, depois eu vou embora”. Então, eu fazia a minha prova, colocava todo meu raciocínio em uma folha e largava em cima da mesa e ia embora. Quem pegar, pegou e assim, com isso, nós levamos muito cara porque senão não formava em cinco anos. Não formava. E tinha uns professores que até já sabiam como funcionava o esquema. Eu dei aula depois nessa mesma faculdade que eu me formei e virei amigo dos caras. Os professores: “Você era foda, passou os meninos, não sei o que” e era assim, não tinha jeito.
Agora mudou. Hoje a molecada é assim: eu costumo dizer que a molecada, hoje, está mais preguiçosa, só que ela tem mais domínio da informação. Ela consegue aprender a mesma coisa, de muitas formas diferentes. Mas não sabem como usar isso. Então, eles penam um pouco, mas eles conseguem mais. Tem menos cara vagabundo hoje, na faculdade. Porque o cara vai pra faculdade, ou ele estuda, ou ele estuda. Não tem solução. E o cara que está tendo hoje o acesso ao ensino, seja ele público ou privado, precisa estudar, porque é a única forma dele ser alguma coisa na vida. Então, nós estamos tendo a ascensão de uma galera, que não tinha esse contato com a universidade. Tanto é que a gente costuma brincar que hoje, ter uma faculdade não é mais pré-requisito. É uma obrigação. Então, o cara que vai para a faculdade hoje já está em um outro nível. É isso que eu costumo dizer.
A Engenharia também mudou, não é mais um lugar só de homem, hoje nós estamos vendo um domínio das mulheres. Na minha época era só homem. E a menina que tinha na sala era homem também. Porque ela se masculinizava para se igualar. Hoje, não. Você tem um ambiente mais feminino dentro da Engenharia, mas na época que eu me formei, era só homem. Os caras até brincavam: “Vocês não fazem festa?” “Que jeito? Esse monte de cara feio aí, não sei o que”.
As meninas entraram na Engenharia pra provar que elas conseguiam. E pela questão do senso analítico, da atenção e da capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, elas estão dando um baile na molecada. Eu falei isso em uma formatura que eu fui, a última formatura que eu participei: que, se as meninas continuarem nesse nível, daqui a pouco a Engenharia vai ser dominada, os cargos de gestão e diretoria, por mulheres. Não vai ter vez pra molecada, não.
As pessoas que mais me ensinaram na Engenharia, foram mulheres. Na Forsaitt, a Wilma, que eu brinco que ela é minha mãe de profissão. Ela me ensinou o caminho das pedras, confiou em mim demais e a gente tem uma amizade muito grande, até fora do trabalho. Ela é de São José do Rio Preto, eu vou muito... eu ia mais, né, mas eu vou muito à casa dela. Inclusive, ela também teve um câncer no intestino e passou por um momento muito difícil, que a gente conseguiu apoiar, graças a Deus. E assim, a gente era engraçado, por quê? Trabalhava eu, ela e a Dani, que era uma menina que também fazia engenharia, mas ela cuidava da parte financeira. A minha prima trabalhou lá também, na Forsaitt, com a parte de RH e uma amiga nossa, a Verônica, que a gente chamava de Dick Vigarista, sabe, da Corrida Maluca? Ela era igual O Dick Vigarista. Ela é igual ainda. Então, estava tudo na mesma sala. E a Wilma e eu fazíamos os orçamentos e então a gente dividia as obras, as reuniões e tudo o mais e tal e aí tinha vez que a gente saía no pau, brigaiada lá, mas dentro de uma ética profissional, óbvio, assim. A gente discutia e tal e grita e joga e fala, não sei o que, babababababababa e todo mundo ficava horrorizado: “Puta, eles vão se pegar” e aí a gente parava, ia lá e tomava um café e começava a rir e conversar de outras coisas, sabe? Pra distensionar. Aí o pessoal ficava alucinado porque eu e ela trabalhávamos muito pilhados e a gente fala até hoje: a gente se entende e a gente tem uma sintonia tão grande, profissional, que a gente se entende sem precisar falar muito um com o outro. Então, ela é minha mãe de profissão.
E teve a Tânia, que trabalhou comigo e com esse engenheiro maluco aí, ela me deu mais noções de orçamento. Eu aprendi na Forsaitt, mas com ela eu aprendi algumas coisas que faltavam. E quando eu vim pra Habiarte ela era orçamentista, a coordenadora de orçamentos da época. Aí, quando eu entrei, foi porque ela tinha saído, por um motivo de saúde e tal e ela sempre me falava: “Aqui você vai se dar bem porque é o estilo que você gosta: é profissional e pegada, assim, o tempo todo”. Então, cara, eu sempre tive muito... a mulher, no trabalho – e eu fui criado por mulheres: minha mãe, minhas tias e tal – tem o senso analítico que faz te enxergar algumas coisas que, pra gente, são muito óbvias. Fala pra caramba porque ambiente que você trabalha com muita mulher, você tem que escutar coisa que não precisa, mas elas têm essa questão viva de entender vários cenários. Isso eu acho legal. Foi onde que eu aprendi muito.
Eu trabalhei na Mesquita, em Jaboticabal. Fiquei na Mesquita e na Mesquita eu andei, conheci o Pará, o Paraná, Minas, Mato Grosso... tudo a trabalho, indo e voltando. E depois eu vim pra Habiarte. Depois eu vim pra duas construtoras aqui em Ribeirão. Uma de um cara que não era construtor, ele gostava de gastar dinheiro. O cara gastava dinheiro. Recebeu dois milhões de uma medição, comprou uma casa e uma caminhonete e foi pra Paris. Não pagou ninguém. A peãozada chegou lá querendo matá-lo. Eu falei: “Gente, calma, pelo amor de Deus” “Não, nós vamos matá-lo” “Não, não pode matar. Matar vai preso” “Não, não dá nada” Os caras são malucos.
Eu saí da Mesquita, foi em 2015, final de 2014, começo de 2015. Não, foi no meio de 2014. Eu viajei para os Estados Unidos, voltei pra Ribeirão, para o Brasil e aí estava na Mesquita, já estava formado, falei para os caras: “Pô, eu estou querendo voltar pra Ribeirão, vou casar e tal” e teve o convite desse menino, que tinha feito faculdade comigo: “Trabalha comigo, vou te pagar um bom salário. Beleza?” “Beleza”. Show de bola. Aí fui trabalhar com ele, ele tinha uma empresa de infraestrutura também. E a gente estava desenvolvendo um projeto legal. Nós fizemos um plano de negócios pra empresa, pra ele continuar crescendo sempre, expandir, tal, não sei o que, papapa e aí tinha os equipamentos, ele tinha várias mãos de obra e tal. Perfeito. Aí, de repente: “Vai sair uma medição de dois milhões de reais” “Legal. Bom que dá pra estruturar fluxo de caixa, paga todo mundo e você ainda guarda um dinheiro pra investir na empresa”. Aí, recebeu na quarta-feira. Eu lembro como se fosse hoje. Foi em uma quarta-feira que ele recebeu essa grana. Ele foi no banco descontar o cheque, do banco da empresa que pagou a gente e não voltou mais. Aí, eu e o contador, que era o cara da época que também tinha o mesmo nível que eu, falou: “Mas pô e aí, cara? Sumiu?” “Não. Ele ligou e falou que na segunda ele vem e resolve tudo” “Ah, beleza”. Chegou na segunda e nada desse cara lá e os caras iam receber na quarta-feira seguinte. Aí esse cara me pega e me posta no Facebook uma foto debaixo da Torre Eiffel. Todo mundo tem Facebook. Os caras, os coordenadores, os encarregados dele tinham. E aí um, o Rogério, um dos encarregados, ligou: “Gustavo, o fulano está em Paris?” Eu falei: “Ah, pô, eu estou sabendo a mesma coisa que você. Eu vi no Facebook aqui, mas às vezes é uma foto antiga”. Tentando amenizar a do cara, né? “Não, Gustavo, está errado isso aí. Se não receber quarta-feira, na quinta nós vamos aí para o escritório resolver isso aí”. Falei: “Não, fica calmo” porque ele já tinha atrasado salários, mas quando ele atrasou salários era porque realmente não tinha e aí os caras tinham atrasado a medição, furou e tal, beleza.
Quarta-feira foi todo mundo lá para a porta da construtora. E aí a mulher do cara me chega com uma caminhonetona. Sabe aquelas caminhonetonas? Cheia de coisa. Porque a mulher do cara não foi. Ele foi fazer um curso, fazer não sei o que e a mulher do cara não foi , e ela chega com uma caminhonetona sem placa e todos os caras lá na porta. “Ai, meu Deus do céu!” “Não, vim buscar uns cabos, uns negócios, pra pôr na casa nova”. Esses caras, doidos. Aí, na sexta-feira virou... não sei se você já viu quando junta um monte de sem-terra junto, com facão na mão e aquela gritaria e canto de guerra. Fecharam a rua, sabe? Aí eu cheguei lá e falei para os caras: “Não, gente, faz o seguinte: vai pra casa, né?” “Não, nós precisamos receber, não vamos, não sei o que. Vamos entrar aí dentro da empresa e tomar tudo que está aí porque esse cara...” Cara, foi um caos. “Calma, gente” “Nós vamos matá-lo” Falei: “Não, não é matando que resolve. Se vocês o matarem, vocês não vão receber do mesmo jeito”. “Não, vamos matar”. Cara, caos, caos, caos.
Como resolveu? Conversamos lá com os encarregados, os caras queriam, mesmo, partir pras vias de fato, eu e o outro contador que não deixamos. Tinha um dinheiro no caixa, do fluxo de caixa, que nós pagamos aqueles que a gente sabia que realmente não tinham condições de fazer nada, porque tem cara que reclama que não recebe, mas o cara tem grana, tem de onde tirar, mas tinha cara que não tinha, tinha cara que veio trabalhar porque precisava e não tinha outro jeito. Aí nós fomos nesses caras, chegamos para os encarregados e falamos: “Nós temos uma grana aqui, nós vamos pagar sem autorização do cara e pega os caras mais críticos que você tem aí, não vai ser tudo, porque se tiver dez, quinze caras, não dá pra pagar integral e a hora que ele voltar a gente vê o que faz” e foi assim que resolveu. No entanto, esse cara está fugido de Ribeirão até hoje. Ninguém sabe onde ele está.
Graças a Deus a galera entendeu minha posição lá. Eu encontro com uns e outros e até hoje o pessoal entende bem: “Você salvou a gente”.
Depois dessa eu fui para uma construtora chamada Pafil, aqui em Ribeirão também, foi uma experiência bacana. Uma empresa pequena, começando a crescer, sabe? Procurando um espaço, um lugar ao sol e com um projeto bem bacana, mas ainda com uma matriz gerencial meio confusa. Aí eu me desentendi com o engenheiro mais velho lá, que a gente tinha também o mesmo nível de hierarquia e ele começou a achar que eu era meio que um estagiário dele. Eu tinha que parar de fazer tudo que eu estava fazendo pra atendê-lo e aí, um dia que eu falei que eu não queria: “Não posso, cara, estou resolvendo...”, aí azedou. Aí, quando azeda, não tem muito o que fazer. Aí ficou cada um para um lado e ele, por ser mais velho, devia ter 60, quase 70 anos e eu com 30... Então teve esse conflito porque, pra mim, era tudo muito simples, e pra ele não. Se eu não fizesse do jeito dele, estava errado. Aí surgiu a vaga na Habiarte.
Eu mandei um currículo pra Habiarte. Liguei aqui do nada e falei: “Eu quero falar com o pessoal do RH”. “Mas você quer falar sobre o quê?” “Eu quero falar sobre vaga”, “Mas é pra você?” , “Não. Eu quero falar sobre vaga”. Aí falei com a Marina, que é a coordenadora de RH da Habiarte. Falei com a Marina: “Meu nome é Gustavo, eu quero me apresentar, não sei o que” “Manda um currículo”. Mandei. Ela me ligou no outro dia: “Vai ter uma vaga aqui pra auxiliar de planejamento. Vem fazer uma entrevista”. Vim, falei com a Tereza, que é a diretora da área, só que aí ela precisava de um assistente e eu já estava num nível um pouco mais avançado e ela já tinha uma coordenadora e ela preferiu também ser alguém que estivesse no final da faculdade, inclusive até pra ensinar algumas coisas, porque você chega viciado e perde o que o funcionário tem de melhor. Aí não rolou.
Mas aí a Marina me ligou no outro dia e falou: “Gustavo, vai surgir uma vaga de uma outra área, que eu acho que é o seu perfil. Aguenta uns três meses que depois eu te ligo”. Eu saí desse doido e fui pra Pafil. E aí, trabalhando na Pafil, eu morava próximo ali, ia a pé, tranquilo, é aqui dentro do Ribeirão Shopping, eu ia a pé, tranquilo. Um dia eu estou no Pão de Açúcar, fazendo umas compras e o meu diretor atual, Tamar, me ligou, falou: “A Marina me passou seu contato e nós estamos precisando de alguém aqui para área de orçamentos. Vem aqui bater um papo”. Eu fui. Aí joguei limpo com ele, que eu tinha trabalhado com orçamentos na época da Forsaitt ,e nessa outra construtora aí com a Tânia, e depois eu só trabalhei com planejamento. Trabalhei na Mesquita, trabalhei na Pafil, só com planejamento. Na Mesquita eu fiquei cinco anos; na Pafil foram sete meses, só com planejamento. Eu falei: “Faz tempo que eu não trabalho com orçamento, não sei o que, papapa”. Ele falou: “Faz o seguinte: me manda umas planilhas que você criou, algumas coisas que você fez aí”. Eu mandei pra ele e, no dia que eu vim conversar, ele já tinha visto e falou: “O que você não souber, você me pergunta”. Aí falou: “O salário é esse. Tem que fazer isso, tal, não sei o que”. Eu já tinha fechado um plano lá com o pessoal da Pafil e falei: “Não vou querer aceitar, fechei lá com os caras um projeto, não sei o que, papapa, não sei o que”. Beleza. Aí não rolou. Eu cheguei em casa e minha mãe falou: “Você está louco” porque, desde quando eu entrei na faculdade, eu sempre tive o desejo de trabalhar em uma das grandes construtoras de Ribeirão, até por conta da história, da consolidação, do tipo de produto e tal. Aí eu peguei e liguei pra ele de novo: “Aquela vaga lá está aberta ainda? Não sei o que”. Ajustamos tudo e tal, cheguei aqui, deu certo, foi 14 de setembro de 2014. Aí cheguei aqui: “Você vai fazer isso, a mesa é essa, a primeira obra que nós vamos fazer é essa aqui”. Beleza. Não sabia nada. Fazia tempo que eu não trabalhava com orçamento, ainda mais de prédio, alto padrão, produto chique, cheio de negócio, um milhão de projetos, papapa e tal. Falei: “E aí, você vai me ajudar?” Ele falou: “Não. Aqui estão os projetos, aqui está seu telefone, se vira”.
Só que eu sempre fui muito motivado no ‘se vira’. Porque, puta, eu falei: “Agora eu estou aqui e não tem muito o que fazer”. Eu comecei a ir atrás, a ir atrás, a ir atrás, a ir atrás, a ir atrás, a ir atrás. Hoje, se eu não em engano, eu acho que eu tenho mais ou menos 200 ou 300 mil metros quadrados de obra entregue na Habiarte. E a gente conseguiu chegar em um nível, em uma maturidade muito bacana, muito em função disso: não sabe, busca, vai atrás, retroalimenta com os caras de obra...
Meu trabalho é assim: eu começo sempre depois da viabilidade. O projeto tem um estudo de viabilidade, para ver se o negócio é rentável ou não. E aí eles determinam a viabilidade dos novos negócios e um valor. Dentro desse valor, o pessoal de projetos desenvolve um projeto. Então, o que eu faço? Eu transformo todo aquele projeto, o sonho do prédio, em dinheiro. Tudo aquilo eu transformo em dinheiro. Eu analiso todos os projetos, dimensiono esses projetos com as informações colocadas pelos projetistas, pertinente de cada... eu vou chamar de disciplina, vai: estrutura, elétrica, hidráulica e tal, a gente chama de disciplinas. Tudo. Arquitetura, elétrica, hidráulica, tudo.
Eles mandam o projeto, tipo: “Eu tive esse sonho. Vai ser assim”.
Aí eu pego esse projeto, extraio dele medidas de unidades e, através dessas medidas de unidades, eu vou coletar preços e produtividades. Por exemplo, vamos supor: eu preciso, para fazer uma parede, 13 unidades e meia de tijolo 1939, seja de 14, 11 ou nove centímetros. Então, eu preciso saber quanto custa cada tijolo e quantos tijolos eu preciso para fazer um metro quadrado. Com isso em mãos, eu preciso saber quanto custa o cara para fazer isso, se eu for contratar empreitada. Se eu for contratar o cara da empresa para fazer eu preciso saber quanto tempo ele leva para fazer o metro. E aí eu multiplico isso pelo quantitativo que eu levantei. Eu faço isso para tudo: elétrica, hidráulica, estrutura de alvenaria, arquitetura, acabamentos etc. Então, eu traduzo tudo isso para uma planilha de orçamento onde, depois disso feito, eu entrego para a equipe de obras, para a diretoria de obras, para os engenheiros e coordenadores pertinentes, e esse pessoal, com isso em mãos, sabem qual é o máximo que eles podem gastar e o que foi pensado naquele orçamento, de acordo com as premissas de projetos.
Quando nasce o prédio, já nasce com preço de venda, isso, antes do orçamento. Porque quem define a venda é o mercado. O orçamento vem para chancelar se aquilo, realmente, que eu estou pensando, é viável. Então, vamos supor: o prédio custa um, o orçamento deu um, então está legal. O orçamento deu 1.10, então espera aí que tem alguma coisa que precisa mudar, entendeu? A venda já está programada lá. Então, eles têm até um limite. Que, nem, por exemplo, fechou o orçamento, está um pouco acima da viabilidade, aí é o trabalho que a gente tem, depois, de otimizar os recursos, de usá-los da melhor forma possível e o Suprimento fazer o trabalho de reduzir o máximo de preço que o mercado vende.
Quando fui professor no Moura Lacerda, participei muito de trabalhos de conclusão de curso. Teve um aluno que quis estudar o porquê da corrupção e da discrepância em orçamentos. O que acontece? Se você for analisar o Mané Garrincha e o Maracanã, quando começou a falar de Copa do Mundo, eles tinham um prazo para começar. Com 90 dias de obra acontecendo, não tinha uma folha de projeto no canteiro. Não tinha. Os caras estavam trabalhando na escuridão, não tinha. Então, o que acontece? A construção civil... por que tem muita construtora envolvida? É muito fácil você manipular porque veja: se você pega e muda um centavo em um negócio que tem milhões de metros quadrados, vira uma coisa absurda. Só que não são engenheiros que fazem. São pessoas negociando coisas. Que nem, por exemplo: eu vou usar Ribeirão e São Paulo, que têm problemas semelhantes. Asfalto. O asfalto de Ribeirão e o de São Paulo vivem esburacados. Por quê? Para você fazer um asfalto que dure 30 ou 50 anos, o que você precisa fazer? Você precisa ter uma escavação de mais ou menos uns 80 centímetros e tem que fazer alguns trechos que a gente chama de camadas, leitos e subleitos, para absorver o impacto daquilo que passa em cima, certo? Só que, se você for alugar uma máquina para escavar 80 centímetros, em uma avenida que tem dez quilômetros, é um preço absurdo. E a concorrência de obra pública é pelo quê? Pelo menor preço. Então, o que o cara faz para ganhar dinheiro? Ele não faz 80 centímetros. Ele faz 20. Mas ele ganha por 80, entendeu? Então, é aquela história assim: não é feito por engenheiros. Eu costumo dizer que o Brasil, infelizmente – isso não sou que estou falando, são os números – e a gente, graças a Deus, agora, está vendo isso na prática, com prédio caindo, ponte caindo, barragem caindo. Por quê? A gente tem muito aquela ideia de sempre buscar o melhor preço. E não buscar a melhor qualidade. E às vezes o barato sai caro. É igual asfalto. É igual estádio. É igual não sei o que. Por quê? Os caras recebem por aquilo que eles deveriam fazer, só que eles não fazem. Eu já trabalhei em obra pública e não tenho coragem, hoje, em trabalhar mais em obra pública porque eu vi um dia um cara colocar, passar cabo de elétrica dentro de um tubo de PVC marrom. Ele falou assim: “Mas qual é o problema? Porque o conduíte também é de PVC”. Ótimo, mas o tubo de PVC marrom não é preparado para um superaquecimento de um cabo. Ele vai pegar fogo. O eletroduto, não. Ele é preparado. Então, em suma, o poder público, se não fosse tendencioso e se tivesse gente do ramo e séria para fazer, não tinha esse problema.
O maior desafio da minha vida profissional foi Castro, no Paraná. Nós fomos fazer uma usina, na época em que eu trabalhava na Mesquita, chamada Evonik. Eles são aqueles que patrocinam o Borussia Dortmund, sabe? Eles têm vários negócios e eles fazem um produto que é um açúcar da pele da casca do milho. Sabe aquele bagacinho que gruda no dente da gente? Eles fazem açúcar daquilo, para ração e para alguns alimentos.
Era em um lugar que não tinha nada. Um descampado, frio e tal. E aí eu estava no Jaboticabal, a gente estava fazendo essa obra lá no Paraná e eram várias empresas fazendo alguns serviços. Tinha empresa de instalação mecânica, a gente estava fazendo instalação civil, tinha instalação... tinham várias empresas. E aí nós criamos um planejamento para gente poder medir quantas obras nós estávamos fazendo e em quanto tempo nós iríamos fazer. Era uma solicitação da Evonik, alemã. E eles estavam com uma gerenciadora que chamava... eu não lembro o nome da gerenciadora, uma gerenciadora de São Paulo, uns caras super rigorosos e tal. E aí o meu chefe, o Mesquita, virou e falou: “Você vai lá resolver porque nós estamos correndo o risco de tomar multa”, e a multa lá era um milhão de reais por dia, de atraso. Por quê? A gente tinha uma etapa que chamava inserto metálico. A gente fazia uma base de concreto, colocava quatro ou seis bitolas de aço onde o cara, depois, vinha com uma estrutura metálica e parafusava naquilo lá. Só que o cara que ia parafusar a estrutura metálica, precisava me fornecer o inserto metálico dimensionado pra receber aquela estrutura. E nós só poderíamos concretar com o inserto metálico no lugar. Aí, chegamos lá na reunião com o pessoal da Evonik, uma salona assim no meio do nada, aquele puta canteirão, parecia a Nasa. Coisa mais bonita. Limpo, monte de vidro, máquina de café, alemão de um lado, americano do outro, gente de São Paulo. A mesa, pra você ter uma base, parecia que tinha uns dez metros de mesa. Aí começou: “Pá daqui, pá de lá, a Mesquita está com um atraso e ela vai ser multada, não sei o que, papapa”. Eu pedi a palavra: “Meu nome é Gustavo, eu sou representante da Mesquita e eu estou parando a obra da Mesquita agora”. Todo mundo na mesa virou, vrummmm, obra de 80 milhões de reais! “Mas por que você está parando a obra agora?”, perguntou o coordenador da gerenciadora. Falei: “Nós estamos parando a obra agora porque a gente está com um adiantamento de 90 dias e estamos atrasados 60 dias por conta da equipe da instalação mecânica, que não nos fornece o inserto metálico. E nós temos várias frentes de trabalho onde, se eu não tiver o inserto, nós não vamos trabalhar e isso só tem atrasado o restante do nosso trabalho”. E virou aquela discussão, parecia a cúpula das Nações Unidas. O pau quebrando. Pa, pa, pa, pa, pa. E falei assim: “E eu não tenho mais nada pra falar nessa reunião, eu estou indo embora”. Catei eu e meu estagiário, juntamos as coisas e estamos indo para o canteiro da Mesquita. E aquele rolo. Do caminho que devia dar 100 metros, 200 metros, do caminho do escritório desse pessoal até o nosso canteiro, meu chefe da Mesquita me ligou, mas ligou bravo, querendo matar: “A hora que você chegar aqui, você está demitido. Eu vou te mandar embora. Você está ficando louco. Eu te mandei pra resolver o problema, não pra perder uma obra dessas, não sei o que, papapa”. Fui escutando: papapapapapa. Cheguei no canteiro e falei: “Puta, o que eu fiz, velho?” Eu estava com a razão, mas não podia ter falado daquele jeito com os caras. E o pau quebrando. Só sei que eu almocei, que você almoça com aquele mal-estar e fala: “Puta, que bosta que eu fiz? O que eu faço agora?” Falei: “Calma”. Voltei pra obra e o engenheiro lá, o André Vicari, falou: “O diretor da gerenciadora quer que você vá lá na sala dele agora”. Falei: “Já tomei uma enrabada do cara de longe, vou tomar enrabada do cara de perto”. Fui rezando, falando: “Tomara que a enrabada seja...”. Fui com tudo que eu tinha, também: computador, papel, projeto. Parecia um porta treco. Cheguei, ele falou: “Senta aí”. Sentei. Mário chamava ele. Um cara, assim, também, fora de série. “Corajoso da sua parte o que você fez na mesa de manhã, hein? Quantos anos você tem?”.
Falei: “27” “Corajoso, hein?” Ele falou assim: “Você sabe que, se eu sou seu chefe, se eu não sei o que está acontecendo, eu te mando embora”. “Mas você sabe o que está acontecendo?” Ele falou: “Sei”. Aí ele me deu um documento e falou: “Lê aqui”. Ele tinha redigido uma ordem multando a empresa da instalação mecânica, da serralheria e fazendo um aditamento no nosso contrato de dez milhões de reais. Porque realmente nós estávamos parados por ineficiência dessas outras empresas e ele falou pra mim: “Faz o seguinte: fala para o Mesquita que você vai ficar aqui pelo menos 30 dias porque você vai ajudar a fazer o planejamento dos caras aqui”. Aí eu fiquei só esperando. Eu cheguei no canteiro, o Mesquita me ligou: “Pô, Gustavo, foi mal. Nossa, eu estava nervoso. Os caras me ligam, também, aí, falando que você cancelou a obra, que vai todo mundo embora”. Eu falei: “Não, Mesquita, está bom”.
E, assim, era muita grana. Mas na hora que o cara falou que ia fazer um aditamento e quem ia pagar eram os caras que estavam nos atrasando. Eles iam pagar nossos dias parados. Porque, assim, cara, estava falando de construção e corrupção e tal. Eu tive oportunidade de trabalhar com alemães, japoneses e americanos. Esses caras não têm meia conversa. Não existe. O cara vira e fala assim: “Eu te contratei pra fazer 80 centímetros”. Ele vai toda hora medir pra ver se tem 80 centímetros. Não é todo dia. É toda hora. Ele deixa um cara junto com você. E se você falar pro cara, não tem meio sim. Ou é sim ou é não. Com os caras não têm conversa. Eu tive oportunidade de conhecer um chinês em uma palestra, que foi secretário ou ministro de transporte na China. Uma sumidade. Fala português, fala chinês, fala de tudo. O cara é... aí ele ficou horrorizado porque no Brasil nós temos multa de proibido estacionar. Ele ficou horrorizado. Ele falou: “Espera aí: se é proibido estacionar, como é que vocês pagam multa para um lugar que não pode estacionar?" Falei: “Não, é porque tem gente que para”, “Mas é proibido”, “Mas tem gente que para”. E ele ficou horrorizado, entendeu? Porque a gente sabe e, assim, eu costumo brincar que nós vamos chegar um dia em um nível que nós vamos entender isso. Vai demorar, mas nós vamos chegar. Eu tenho fé nisso. Que o pessoal fala: “Mas nos Estados Unidos funciona, na Europa funciona”, mas eles estão em um nível de maturidade diferente. Eles são uma civilização mais antiga, eles tiveram períodos, né? Nós vamos chegar lá, entendeu? Mas esse, pra mim, foi um desafio. Inclusive também por conta da língua, que eu tive que me virar um pouco.
Eu ainda não sai do país para trabalhar ou estudar. Para os Estados Unidos eu fui a passeio, mas pretendo ir em breve.
E eu sou casado. A Roberta é bancária, e é engraçada essa nossa... Na época em que eu sofri o acidente, eu comecei a frequentar mais a igreja, eu conheci o pessoal e tal e aí tive mais esse contato com Deus etc. Não só de frequentar, mas de ter experiências bem interessantes, assim, com pessoas e tal. E aí eu fui convidado para ser catequista. Eu era estagiário do estagiário da catequese. Tinha um estagiário e eu o substituía quando ele não queria ir. E aí trabalhava com a Luzia, que era a chefe do esquema. Um dia que a gente estava lá e tal, ela falou: “Marcamos uma reunião, o padre quer falar com a gente”. Falei: “Puta, mas eu sou estagiário. O primeiro dia que eu venho, já tem reunião”. Eu nem comecei e os caras já querem... beleza, então vai, vamos lá. Achei que tinha feito cagada, já, entendeu? Beleza, vamos lá. E fui. Aí veio mais um casal: o Rafael e a Ana Paula. Aí o padre: “O negócio é o seguinte: nós precisamos ter um grupo de jovens aqui porque o bispo quer. Vai ter a Jornada Mundial da Juventude de 2013 aqui...” – isso foi em 2011, final de 2011 – “e eu preciso ter um grupo de jovens aqui e vocês vão começar o grupo de jovens”. Eu falei: “O quê? Não. Espera aí, velho, hoje é meu primeiro dia, padre. Eu não sei nem o que está rolando. Deixa eu fora”, “Não, você vai ficar e vai ajudar”. Falei: “Está bom. Deve ser Deus me pondo aqui. Vamos lá, né?” Os caras falam que, se você negar o chamado de Deus, Ele... então, não vamos contrariar o Homem!
Fizemos alguns encontros, vieram uma meia dúzia de jovens, tal, começou a pegar, instituiu. Beleza. E o padre falou assim: “Vamos fazer o seguinte: tem um grupo de jovens em um bairro próximo aqui, eu queria que vocês fossem lá, vissem como é que eles são e tal, não sei o que”. Aí eu fui. Era o grupo que a minha esposa fazia parte. Aí conheci o pessoal, vi lá uma japonesinha metida, falei: “Zé Ruela aquela menina lá”. Morreu. E eu tinha um parceiro, o Alan... tinha, não, tenho até hoje, a gente sempre gostou muito de ouvir música de sábado à noite. A gente foi em um barzinho aqui em Ribeirão, que tocava Vinil Verde, eles eram cover dos Los Hermanos. Los Hermanos é clássico, né? E os caras tocam igualzinho, então a gente ficava lá sentado, eu com minha aguinha com gás e ele com a coquinha dele, escutando, até altas horas. Aí, no outro dia, eu esqueci, cara: tinha um encontro de jovens, velho. Cheguei em casa sete horas da manhã dessa balada aí. Cheguei já dormindo. Na hora que eu fechei o olho, cobri assim, minha mãe falou: “O padre está lá na porta te esperando”. Falei: “Por quê? O que eu fiz de errado?” Será que de novo, né, velho? Aí eu lembrei: puta, eu tinha um encontro de jovens. Falei: “Ah, mãe, eu não vou, não”. “Então você vai levantar da cama e vai lá falar pra ele que você não vai”. Falei: “Puta, você nem pra me ajudar também! Fala que eu estou doente” “Negativo. Vai lá você e fala”. Aí fui: “Padre, eu não vou” “Não, você vai. Você se comprometeu, você vai. Eu vou te liberar da missa. Então você tem uma hora” – era umas oito horas da manhã – “pra aparecer lá. E onde que o Alan mora que eu vou lá buscá-lo também”. Falei: “Se é pra me ferrar, ele vai junto comigo: mora ali, padre, olha”. Ele foi lá e fez a mesma coisa. Aí chegamos lá, tinha acabado a missa, tal, e tinha um negócio que eles iam fazer meio que umas dinâmicas com grupos que eram separados por cor. Aí a menina falou: “Tem verde e tem azul” porque só tinha nós sem a cor, eu e o Alan. “Tem verde e tem azul, qual você quer?” Falei: “Alan, pega qualquer um”. Pegou o verde, que tinha umas menininhas mais novinhas, ele 20 e poucos anos e eu não estava nessa vibe, eu estava mais tranquilão, tal, com sono, peguei azul, sentei na cadeira e a coordenadora dessa galera azul aí era minha esposa. Eu sentei na cadeira e pum, dormi. Dormi, velho. E ela falou, falou, falou, falou, falou: “O que você acha?”, perguntou pra mim. Cara, eu estava dormindo. “Você concorda com o que eu falei?” Olhei para um lado, olhei para o outro, assim e falei: “Não concordo”, “Como você não concorda?”, “Eu estava dormindo, como é que eu vou concordar com uma coisa que eu nem ouvi o que você estava falando?" E começou a brigar: “Porque você não pode vir no encontro e dormir. Vai dormir em casa, não sei o que”. Eu falei: “Beleza. Está bom. Tranquilo. Show de bola”. Aí, morreu.
No domingo seguinte a gente ia no tal grupo de novo pra fazer esse intercâmbio, tal, não sei o que e aí ela veio conversar comigo: “Desculpa aquele dia lá, foi mal, mas você não pode dormir”. Fechou. E aí a gente meio que começou a trocar ideia. Aí, um dia, eu estava conversando com o Rafael, que era aquele um daqueles da reunião, e o Rafael falou: “Gustavo, você virou coordenador do grupo de jovens. Para com essas baladas suas, essa saição aí que você fica. Você precisa arrumar uma namorada na igreja, cara. Vai lá, não sei o que”. Falei: “Velho, mas ninguém da igreja me quer. É lógico, é outra vibe. Ninguém na igreja me quer”. Ele falou: “Mas e a Roberta?” Eu falei: “Não, a Roberta é muita areia para o meu caminhão, né, velho? Menina estudada, estudou fora do Brasil, trabalha no banco. Eu sou um estudante de Engenharia que estou buscando um lugar ao sol”. Ele: “Não, vai, tal, não sei o que, papa”. Morreu. Aí, num sete de setembro, ele falou: “Vamos assistir um filme”, o Rafael. “Demorou. Eu vou na casa do meu pai, vou levar uns negócios pra ele e depois eu encontro vocês no shopping”. Eu cheguei e lá estava ela, e a galera do grupo dela não foi. Estava só eu.
Daí eu sempre fui um cara que procurei me organizar e tal. Aí foi indo, começamos a trocar ideias, ela comprou um apartamento - que quando a gente casou a gente veio morar - e como sou engenheiro, já tinha trabalhado com manutenção predial, fui lá, olhei pra ela, fez um jantarzinho com a galera, me chamou, fomos em uma balada juntos, vai daqui, vai de lá, não sei o que, papapa, começamos a namorar. E foi engraçado porque a primeira vez que a gente estava em uma conversa, tal, ela pegou meu celular e tinha uns contatinhos, né, velho? Sempre tem. Ela viu uma mensagem, meio que ficou sem entender, falou: “É o seguinte: se quiser me namorar, acabou”. Eu falei: “Puta merda. Então tá”. Aí, a gente foi jantar na casa de uns amigos e foi engraçado porque foi quando chegou a cruz de Cristo, da jornada, aqui em Ribeirão. Ribeirão, não. Aqui na região, chegou em Sertãozinho. E, no sábado, nós fomos almoçar na casa de um casal de amigos, tal e eu comi pra caramba aquele dia. Comi. Puta. Comi, comi, nossa! E a gente ainda não estava nesse processo de namoro, estava só ali, né? Aí eu peguei, chegou em casa e ela pegou e me deu um beijo, cara. Puta. Eu falei: “Agora eu estou com a dez!”. Pressão baixou, cara, e como eu tinha comido pra caramba, eu vomitei tudo. Lavei a rua. Vomitei tudo. Aí ela não sabia se ela ria ou se ela me ajudava, né? Aí eu falei: “Não, faz o seguinte: deixa eu ir embora”. Não tem mais o que você fazer, né, velho? Aí decidi, então, a gente começou a namorar e aí eu falo: “Essa ama, viu? Porque ver o cara vomitar e ainda dar um crédito para ele, tem que ter disposição, viu?”
Ela é japonesa. Ela morou dez anos no Japão. Morou, trabalhou, só não estudou. Ela foi campeã brasileira, foi campeã paulista e sul americana de ginástica aeróbica. Ela ia para o mundial, mas aí, como eles não conseguiram o patrocínio, foi quando ela foi para o Japão. Ela foi campeã paulista, brasileira e sul americana de ginástica aeróbica. E, como ela e dupla dela, o Sílvio, não conseguiram patrocínio para ir ao mundial... Ele foi para os Estados Unidos, largou, vendeu tudo: casa, móveis e tudo e foi para os Estados Unidos e ela foi para o Japão. Meu sogro e minha sogra já estavam lá, o pai dela é japonês de origem, de pais e mãe japoneses. Aí foi. E assim, cara, uma pessoa bacana pra caramba, sabe? A gente se casou em 2015, viajamos para os Estados Unidos em 2014. E a viagem foi engraçada pra caramba. A gente só dava risada. A gente foi no Starbucks lá, e o americano faz promoção, cara. Brasileiro não sabe lidar com isso. Não sabe. E foi eu, esse amigo que nós fomos na casa dele jantar, que já não tinha mais a namorada, porque eles tinham largado nesse meio tempo em que a gente estava organizando a viagem, e foi a minha esposa, na época namorada. A gente morrendo de fome, cara. E a gente foi no Starbucks e o café, 12 dólares. Oito dólares, 15 dólares. Porque é o mesmo preço daqui, só que é em dólares. Aí chegou uma mulher do nosso lado com um monte de bolo e ela falando: “Free degust”. Eu não entendia inglês e a mulher falando rápido, né? Eu: “Não quero, não”. Só daqui: “Não quero, não”. E o meu amigo também: “Não. Sai daqui”. Ela falou: “Dois pastel, é de graça. Ela está te dando”. “Então me dá uns quatro aqui, vai”. “Me dá uns quatro, que aí eu já pego o café de 12 dólares, que já vale a pena, já”.
E eu sempre tive o sonho de ir para os Estados Unidos, fui, assisti um jogo da NBA, tive oportunidade de ver LeBron James jogar ao vivo, na minha frente. Ele, Carmelo Anthony, Chris Bosh, Dwyane Wade. Parecia uma criança em um parque de diversões, cara. Puta, foi animal. Vi neve. Coisa que eu não tinha visto na vida. E aí nos casamos em 2015, eu e ela, a gente organizou tudo, sabe? Parceirona, mesmo. E aí nós fomos para o Chile. Eu comecei a beber vinho. Puta, acha que eu sou entendido pra caralho. Sou nada. Mas aí você vai lá, tem uns cursinhos, conhecemos uns caras lá e eu sempre tive muita curiosidade, eu gosto muito de perguntar as coisas e, chegando lá, inclusive, o cara até me mandou mensagem esses dias. Eu conheci um cara, olha que loucura! O cara faz estudo histórico da Cordilheira dos Andes. O cara era militar e ele é motorista de van. Eu, esperando lá um outro casal que tinha se perdido, aparecer, a gente começou a trocar ideia com ele e o cara contou uma puta história do povo andino, não sei o que. Ele falou: “Estou escrevendo um livro e vou te mandar um lá no Brasil”. Mandei até o endereço para ele semana passada. Ele terminou o livro e lembrou de me mandar, cara. O livro vai chegar aí nos próximos dias.
Nos casamos em 2015, em 2016 nós descobrimos que a gente estava grávido da Ana, nossa primeira filha e, cara, criança é incrível. O tempo que ela passou com a gente foi bacana. Ela nasceu no dia 29 de outubro de 2016. Pensa em uma criança feliz, parceira, sabe? Esperta pra caramba. O pessoal da escolinha em que ela estudava conta que achava engraçado, né? Porque quem a levava pra escola todo dia era eu. Quando ela começou a andar, o que eu fazia? Como ela queria andar, então eu saía no estacionamento, pegava na mãozinha dela e a gente ia até a salinha dela. E muito pai vem correndo e vai, não sei o que, e pega no colo, criança chorando, e ela ia numa boa, assim. E muita mãe até brinca. Era engraçado ver um pai gigante e a criancinha desse tamanho de mão dada, com paciência pra ir até a sala. E foi quando ela aprendeu a andar. Tem até uma mãe, a mãe do Ian, que fala que ela ficava fazendo igual com as criancinhas que não andavam, no berçário. Ela pegava na mão e queria fazer as crianças andarem. E aí, em maio do ano passado, no dia primeiro de maio a gente descobriu que ela estava doente, ela resistiu 11 dias, né, antes de falecer e a gente ficou bem abalado. Tanto eu quanto a Roberta, minha esposa.
Mas em outubro, a gente descobriu que estava grávido do Renan, que é o bebê que a qualquer hora pode estar por vir e é isso, cara. Uma pessoa que me ensina todo dia o sentido de ser casado. Eu brinco com ela que, se, depender de mim, se eu soubesse que ia ser assim, eu tinha casado antes. Porque é uma mulher incrível.
Eu acho que deu pra dar uma pincelada em tudo, falar em temas bem bacanas. A história da vida é grande, tem muita coisa que às vezes você vai deixar de falar...
E ah, cara, a gente vive tendo sonhos, não é? Eu tenho um sonho de passar uma temporada fora do Brasil. Sei lá! Estados Unidos, Europa, Canadá... conhecer a rotina, o dia a dia desse pessoal, ter essa experiência, seja estudando, seja trabalhando ou não, sei lá. E assim, o sonho mais importante que eu tenho é poder deixar um legado bacana para o meu filho ou para os meus filhos, que seja assim, sabe? Acho que eu sou uma pessoa muito privilegiada porque, tudo que eu procurei fazer na vida, eu fiz. Então, não sou uma pessoa frustrada com nada, não.Recolher