Programa Conte Sua História
Depoimento de Silvana Caetano
Entrevistada por Carol Magiotti e Julia Tom
São Paulo, 20/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH _ HV 728 _ Silvana Caetano
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Dona Silvana, b...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Silvana Caetano
Entrevistada por Carol Magiotti e Julia Tom
São Paulo, 20/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH _ HV 728 _ Silvana Caetano
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Dona Silvana, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Muito obrigada por ter vindo aqui hoje.
R – Eu agradeço e quero ficar tranquila.
P/1 – Vai ficar super tranquila, tenho certeza. E, para começar, eu queria que a senhora falasse o seu nome completo.
R – Silvana Maria Marques Gomes Caetano.
P/1 – O local e a data de nascimento da senhora.
R – São Paulo, 13 de abril de 1956, na rua Frei Caneca. Muito paulistana.
P/1 – E Silvana, a senhora sabe por que seus pais lhe deram esse nome?
R – Não. Meu nome era outro, era Isabel Letícia, mas ficou Silvana. Não pergunta, pergunta que não dá para saber.
P/1 – Mas como que a senhora sabe dessa história?
R – Porque minha mãe me conta. Isabel é da minha avó materna. Eles queriam pôr Isabel Letícia, mas no fim ficou Silvana.
P/1 – E sobre o dia do nascimento da senhora? Seus pais contaram como foi?
R – Sexta-feira, 13. Só. Era uma sexta-feira santa, por isso que eu conto a história que eu sou uma bruxa.
P/1 – E falando nos pais da senhora, quais os nomes deles?
R – Meu pai, Lourival Batista do Amaral. E minha mãe, Maria Aparecida Marques.
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouquinho sobre eles.
R – Do meu pai eu não tenho muito o que contar, porque ele não foi uma pessoa presente, não é? Mas os irmãos, os primos, minha avó... Sei deles, mas não foram presentes. Agora, minha mãe, só tem mulher na família, então matriarcal, os homens morreram todos. Quase todos. Espero que não morra mais nenhum. Mas a minha mãe é meu ídolo, sempre. Trabalhou bem, vive bem, minha mãe é ótima.
P/1 – E você sabe a história deles, como eles se conheceram?
R – Olha, eles se conheceram a minha mãe tinha vinte e dois, vinte e três anos, meu pai também; eles têm a mesma idade. E namoraram, sei lá, não sei muito. A gente não tem fotografia, não tem nada documentado. Mas a minha avó paterna foi um espinho na vida deles, então prefiro nem comentar, foi um espinho.
P/1 – E pela parte da sua mãe, o que você conhece sobre a história dela?
R – Então... Da parte do meu pai eu sei que são imigrantes espanhóis, sei mas não faz diferença. Da minha mãe, a minha avó materna é descendente de índio, então, é uma coisa bem forte. Todas as mulheres lá em casa têm uma característica assim, um nariz diferente, é uma pessoa forte. Vieram do interior, de Itaí, perto de Avaré. Meu avô era farmacêutico lá na cidade e casou com a minha avó. Minha avó era muito nova, acho que quinze anos. Eles tiveram três filhos. Três filhos - dois morreram logo. Três filhos homens. Aí, minha tia Gessi e a minha mãe... Aí o meu avô morreu, mas morreu aqui em São Paulo. E eles todos estavam aqui. Minha avó é uma batalhadora. Casou-se outra vez, teve mais três filhos, porque gosta de ter filho (risos). Mas é uma família comum, normal.
P/1 – E além da senhora, os seus pais tiveram outros filhos?
R – Não. Nem meu pai depois que separou da minha mãe, nem minha mãe depois. Só eu mesmo.
P/1 – E onde vocês moravam na sua infância?
R – A minha mãe sempre morou no centro da cidade. Rêgo Freitas, depois General Jardim. A minha adolescência eu passei na General Jardim, bem quase esquina com a Sabará. Minha adolescência, infância de dez anos. Mas a família da minha mãe morava na Penha - mora ainda, porque a minha mãe foi para lá depois que eu casei. E a família do meu pai, na Lapa. É um bairro de que eu não gosto, não faz parte da minha vivência.
P/1 – Eu queria falar ainda dessa parte da infância, sobre casa, que você me descrevesse como era essa casa no Centro onde você passou a sua infância.
R – Era um apartamento. A minha mãe nunca morou em casa. A minha avó sim, porque eu fiquei bastante tempo com a minha avó. Até dez anos eu fiquei com a minha avó, depois eu fiquei com a minha mãe. Mas assim... Minha mãe sempre morou em edifício, sem quintal, sem jardim, só o jardim mesmo da frente do prédio. E isso me fazia falta porque na casa da minha avó tinha quintal, tinha fruta, tinha horta, tinha tudo. E na casa da minha mãe não. Então eu transitei, como eu falo sempre para a Núria, eu tive quatro mães. Para substituir a família do meu pai eu tive minha avó, minha tia mais velha, a minha tia mais nova e a minha mãe. Quatro mulheres. Nós somos diferentes, diferenciadas.
P/1 – Então me fala um pouco como era essa rotina de se dividir entre a sua casa no Centro e a casa da sua avó, na Penha.
R – Eu estudava na casa da minha avó, sempre estudei lá. Eu só ia para a casa da minha mãe na sexta-feira. Minha mãe trabalhava de segunda à sexta, então sábado e domingo eu ficava com a minha mãe. E os outros dias eu ficava com a minha avó. No colégio. Tanto é que hoje o pessoal do colégio, a gente se reúne, depois de cinquenta anos a gente continua se reunindo. E assim... Lá na minha avó era melhor porque tinha avó, tinha avô, tinha as tias. O que eu falasse que quisesse fazer, tudo podia. Era bom.
P/1 – E que lembrança você tem... Pode ser até a imagem... Que você tem da sua avó? Qual é a imagem que fica da sua avó?
R – Tem muitas. Ela sempre fazendo comida. Ela era muito magrinha, muito pequenininha, mas sempre ativa. E, graças a Deus, com aquele cigarro que ela fumou desde os sete anos até o último dia da vida dela. Ah, tem muitas, nem sei quantas!
P/1 – E ela tinha algum jargão, alguma expressão dela?
R – Ah: “Quando eu morrer vocês vão ver que falta eu vou fazer para vocês!” (risos). Porque era marido, uma filha, outra filha mais velha, outro filho e eu. Cinco pessoas na casa. Não tinha ninguém que ajudasse. “Quando eu morrer vocês vão ver a falta que eu vou fazer”. Graças a Deus demorou para morrer (risos).
P/1 – E pensando nas comidas, era uma avó que cozinhava?
R – A minha avó cozinhava muito bem. Mas assim... O que eu lembro dela quando eu era adolescente, ela falava assim: “Faz aquele macarrão que você sabe fazer, que eu não sei”. Minha avó cozinhava sempre carne de porco, adoro carne de porco. E eu aprendi a fazer um macarrão super fácil, e ela gostava daquele macarrão. Então eu com dez, doze anos fazia macarrão para ela, porque ela não queria comer a comida dela. Ela matava o frango lá no quintal. Destroncava o pescoço do frango e deixava pulando no quintal. Está vendo por que eu não queria lembrar? (risos)
P/1 – E você participava desses momentos?
R – Eu ficava escondida, acho que eu ficava escondida. Não sei, mas eu via alguma coisa. Era interessante. Hoje eu falo, mas eu ficava com medo. Mas depois a gente comia o frango. Porque não tinha supermercado para comprar. E tinha meu bisavô que morava também. Não morava na mesma casa, mas no mesmo quintal. Eu ficava mais tempo com meu bisavô do que com a minha avó. Adorava ficar com ele.
P/1 – E o que vocês faziam juntos?
R – Olha, eu acho que eu o enchia bastante (risos). Porque ele me chamava todo dia para almoçar: “Vem que o almoço está pronto!”. Eu tenho a panelinha dele lá na minha casa. A panelinha, ele fazia carne bem picadinha. Ele morreu com noventa e sete anos, ele devia ter uns setenta. Fazia carne picadinha e angu de farinha de milho branco. Ele não gostava de farinha de milho amarela. Isso eu lembro. Sinto até o gosto da comida. Bom. Ficava bastante com meu bisavô. Ele tocava viola, sentava no banquinho. Na casa dele tinha uma cadeira de balanço deliciosa. Era assim, no mesmo quintal, mas era uma casa independente. Também era bom.
P/1 – Tem alguma música que ele tocava e que você se lembra?
R – Ah, qualquer uma que toca de viola eu choro. Melhor não comentar. Qualquer uma. A viola dele não ficou para mim, nem a cadeira de balanço, nem o banquinho. Só a panela.
P/1 – Só a panela. E ainda falando do funcionamento da casa, você falou que bastante gente morava junto. Como que cada um se distribuía nesses espaços?
R – Olha, a casa era grande, não era pequena, não. Era grande. A minha tia Gessi e a minha tia Vilma dormiam no mesmo quarto, eu dormi no quarto com elas a vida inteira - até os dez anos eu acho que dormi com elas no mesmo quarto. Era o quarto da minha avó e do Ginão, que era padrasto da minha mãe, mas eu chamava ele de Ginão mesmo. Aliás, eu chamo todo mundo pelo nome. Minha avó Isabel, a tia Gessi, a tia Vilma e eu. Meu tio Ico dormia no outro quarto, daí tinha uma sala, a cozinha. A casa continua igual, tem algumas modernidades. E depois o quarto do meu tio ficou do outro lado e do lado da garagem. E era assim. A minha avó fazia tudo. E reclamava.
P/1 – Só faltou o nome do seu bisavô.
R – Felício. Feliciano Soares de Oliveira. Uma gracinha ele. Segurou o meu filho no colo.
P/1 – E ainda sobre o funcionamento da casa, como era a divisão de tarefas?
R – Não tinha divisão de tarefas. Por isso que minha avó reclamava (risos). Porque todo mundo trabalhava, menos eu e ela, não é? Aliás, ela trabalhava em casa. E ela lavava, passava, cozinhava, fazia tudo e reclamava de tudo (risos). Mas era uma pessoa ótima.
P/1 – Quais eram as reclamações que vinham?
R – Ah, que ela tinha que fazer tudo. Ela me levava na escola. Porque não era pertinho, tinha que descer uma rua, atravessar uma avenida. Ela me levava todo dia na escola porque eu era pequena, seis anos, sete anos. Ela não reclamava muito, não. Acho que não reclamava, não.
P/1 – E Silvana, como era o momento de ir para casa da sua mãe?
R – Era bom. Daí assim... Ou minha tia Gessi me levava, ou minha mãe me buscava. E eu me lembro que de vez em quando minha mãe vinha de táxi. Gente, vocês não imaginam ir para a Penha sem a Radial Leste. Não dá para acreditar. Só tinha a Celso Garcia. Hoje eu sei que só tinha a Celso Garcia, naquela época não sabia nem que tinha possibilidades. Aí, minha mãe vinha de táxi, sempre era um carro muito grande, fazia muito barulho. Pegar aquela Celso Garcia. Ou se fosse de ônibus, chegava na metade do caminho eu já estava passando mal de enjoo. Até hoje eu sou assim. Mas eu dou graças a Deus a quem construiu a Radial Leste. O Metrô depois, mas a Radial Leste é prioridade.
P/1 – E você consegue descrever para mim como é que era esse dia da chegada da sua mãe, da sua ida para casa, o que você organiza, quais eram os sentimentos?
R – Só na adolescência, mas quando era criança pequena eu não lembro. Minha mãe também vinha passar o final de semana na minha avó às vezes, mas a maioria das vezes eu ia para a casa dela. Eu não lembro.
P/1 – Vamos ficar ainda na infância. Eu queria que você me contasse qual é a memória mais antiga que você tem da escola.
R – Nossa! Bom, eu tenho uma amiga até hoje, a Meire. A minha avó me levava para a escola, me deixava numa rua que o avô da Meire levava nós duas para a escola. Era um colégio de freiras, todo mundo sabia que naquele horário ia um pessoal. Então, minha avó me deixava naquele ponto e eu ia com a Meire. E a gente é amiga até hoje. O que eu lembro? Tinha umas freiras muito chatas que, graças a Deus, quando eu encontro com elas, elas falam: “Oi, tudo bem?” “Tudo bem”. “Nossa, como você cresceu!”. “Que bom”. E só. Mas era sempre bom. Eu era muito bagunceira. Porque eu tinha um cabelo vermelho, então quando eu apontava lá na esquina o pessoal já falava assim: “Lá vem o foguinho”. Bem lá na esquina, antes de chegar na escola todo mundo já sabia que eu estava chegando. Eu era triste. Mas continuo sendo triste (risos).
P/1 – Mas conta uma que você chegou a aprontar na escola.
R – Bom, eu sempre era mandada fora da sala de aula, na disciplina ‘religião’. Sempre. Sempre. Porque eu era posta para fora. Madre Vicentina sempre me colocava porque eu fazia pergunta que não era pertinente. Mas eu perguntava e não aceitava qualquer resposta. Até hoje, não é?
P/1 – Mas lembra de alguma pergunta?
R – Não. Eu só sei que eu ficava do lado de fora da sala. Sempre. E hoje as meninas falam: “Mas você era muito...”. Como é? Tem uma das minhas amigas que fala assim: “Você era muito...”. Ah, não lembro.
P/1 – Ah, vamos lembrar depois!
R – A Rosa que fala que eu era provocativa, alguma coisa assim. Porque na minha casa todo mundo é cristão. Cristão que eu digo é católico apostólico romano, de ir à missa. Se eu fosse para a casa da minha mãe e não fosse à missa no domingo, quando chegasse em casa, minha mãe dizia: “Como não foi à missa? Tem que ir!”. Às vezes era ir para a casa da minha mãe só para me levar à missa. E eu sempre desmaiava na igreja. Porque não podia comer antes de ir para a igreja, não é? Era
uma criança que fica inquirindo: “Mas por quê? Por que eu tenho que obedecer? Deus não vai fazer isso comigo”. E era sempre mandada para fora. Imagina, eu ia para a missa e desmaiava e a freira queria que eu ficasse na aula de ‘religião’? Nem ferrando. Não ficava.
P/1 – Tem algum desmaio que tenha sido assim...
R – Ah, sempre. Desmainho assim, uma tontura, dormia na igreja. E a tia Gessi fazia eu ir todo domingo. Por isso que eu não vou hoje. Só vou três vezes por ano.
P/1 – Quais são essas três vezes?
R – Dia 19 de março, sempre, que é dia de São José, porque o colégio em que eu estudei era Colégio São José, então, eu tenho uma afinidade com ele. Dia de São Francisco, em outubro. E às vezes, às vezes, dia de Santo Antônio. Claro, não é? (risos).
P/1 – Por quê?
R – Claro, não é? Tem que desencalhar (risos).
P/1 – Com essa parte religiosa, Silvana, você chegou a fazer algum tipo de promessa, a família tinha algum ritual nessa parte religiosa?
R – Promessa eu nunca fiz porque eu acho que não é troca. Desde pequena. Por isso que eu ia para fora da aula, nunca fiz troca. Nem para passar de ano, nem para ir bem na prova, nada disso. Não, elas não faziam. Minha tia reza até hoje, muito. Cinco horas da tarde você não liga para a casa da minha mãe, porque elas não atendem ao telefone. Porque estão rezando o terço, a novena, até seis e meia. Então, não ligue. Então, já era assim, continua assim.
P/1 – Silvana, ainda falando da sua infância, dava tempo de brincar?
R – Sempre dava.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouco das suas brincadeiras.
R – Sabe essas suculentas que são modernas hoje? Quando eu era criança a gente brincava de fazer bife com aquelas. Todo mundo tinha uma suculenta em casa, todo mundo. É claro que minha avó brigava porque eu pegava. Tinha um lugar para eu brincar de casinha, eu pegava aquelas folhinhas e brincava de fazer comidinha. Claro que ninguém comia. Isso eu lembro. De queimada. Mas eu nunca fui de brincar na rua, eu sempre brincava em casa. Os meninos e as meninas da rua brincavam na rua e eu não brincava, não. Eu não sou radical. Ariana sem ser radical (risos).
P/1 – E normalmente com quem você brincava?
R – Eu sou primeira neta. As minhas primas vieram bem depois. A minha prima acima acho que nasceu quase dois anos depois. Então eu não brincava com ninguém na rua. Ou eu estava com a avó, ou com a tia Geni, não estava assim na rua. Só na escola mesmo. Mas crianças pequenas, só mesmo o pessoal da casa; não brinquei com outras crianças. Por isso que eu sou exclusivista.
P/1 – E, Silvana, se você se sentir confortável de responder essa pergunta: você participou do processo de separação dos seus pais?
R – Eu era muito pequena. Acho que eu tinha oito meses, acho que eu era muito pequena, então eu não sei. Mas eu me lembro do meu pai na escola, indo me buscar. Ele não me levava para casa, mas ele ia me ver. E eu achava estranho, achava muito estranho, mas eu não sabia. E eu nunca perguntei para a minha mãe. Porque se ela contou, contou, se ela não contou... O que minha mãe contou, eu acredito; o que contaram eu não acredito. Só acredito no que minha mãe conta. Se ela não está confortável para contar, eu também não pergunto. Por quê? É melhor não falar.
P/1 – Se você quiser...
R – Não... Eu só sei que quando eu estava grávida do meu filho, já vinte anos depois, quando a minha avó paterna estava no hospital, meu pai foi na minha casa, me chamou, falou: “Vai lá ver sua avó”. Eu fui. Ela conversou comigo, me pediu perdão e eu nem sabia por quê. Eu falei: “Ah, está legal”. Mas até hoje eu não sei por quê, não quero saber. Então, é isso.
P/1 – E tinha algum combinado de quando você via seu pai, quando ele lhe visitava?
R – Então... A gente se via na casa da minha madrinha, que era prima do meu pai. Então a gente tinha contato, mas fora isso, ele ia na escola, a gente conversava, mas você sabe que criança não entende e sai andando. E só.
P/1 – E você tem uma memória de vocês três juntos?
R – Olha, a única memória que eu tenho foi no meu aniversário de quinze anos, que meu pai me levou para jantar num restaurante, no centro da cidade. Eu não sei exatamente onde, mas eu sei que era... Talvez no Largo de São Francisco, tinha um restaurante ali, não sei se era Leiteria Americana, qualquer coisa assim. E eu jantei com os dois. Mas assim... Eu não queria, eu queria jantar com a minha mãe, não queria jantar com meu pai. Eu me lembro que foi aniversário de quinze anos.
P/1 – E só voltando um pouco para a infância, para a gente encerrar essa parte da infância, o que a menina Silvana queria ser quando crescesse?
R – Sabe que eu não sei? Eu acho que eu queria ser enfermeira. Mas eu tenho medo de injeção! Eu sempre pensava em enfermeira, talvez primeiro, não é? Não lembro. Não lembro não, já passou tanto tempo. Mesmo se eu tivesse tido algum plano, o plano B é que foi executado.
P/1 – E falando dessa passagem da infância para a adolescência, com quem você conversava, ou conversavam com você, sobre entrar nessa fase de adolescência, as transformações no corpo?
R – Minha avó não conversava nunca, quem conversava era a minha tia Gessi. De vez em quando. A minha mãe conversava tudo. Daí ela me explicou tudo o que precisava ser explicado. Mas assim... Eu falei: “Ah, minha mãe está falando. Sei lá o que ela está falando”. Porque as meninas contavam na escola, não é? Então a gente tinha informação da escola. Mas a minha mãe sempre falou tudo, sempre contou tudo.
P/1 – Mas como foi esse momento de conversa com a sua mãe? Teve algum momento que sua mãe lhe chamou para conversar?
R – Ela não chamava para conversar, ela só conversava. Porque assim... Nessa fase de dez, onze anos minha mãe trabalhava na rua São Bento e eu vinha da casa da minha avó e minha mãe não podia me levar para casa. Eu me lembro, minha mãe falava assim: “Você vai para casa agora”. Passava lá na rua São Bento, ficava com ela, ela me levava até a Praça do Patriarca, no ônibus, e falava assim: “Você vai descer no ponto da Santa Casa”. Ela falava com o motorista, então ao dez anos eu era independente. Eu podia fazer esse trajeto. Então, minha mãe só conversava comigo, ela só me ensinou o que precisava ser ensinado. Ela não parava para agendar uma conversa, ela só falava. Então, ela me ensinou que eu podia andar de ônibus sozinha, que eu tinha responsabilidade. Foi assim a vida, não era agendado.
P/1 – E com a sua tia, como eram esses momentos?
R – Sargento. Por isso que eu sou sargento também. Eu falo para ela até hoje, porque a gente almoça pelo menos duas vezes por semana juntas: “Tia, você só fala não! Cuidado para atravessar a rua, você vai ser atropelada”. Eu não vou ser atropelada. Desde criança ela tinha aquele cuidado, mas que se torna insegurança. A minha mãe não: “Vai, tome o ônibus…”. Com dez anos. “... E desce lá, você é capaz”. É bem diferente. Mas ainda me sinto presa à minha tia Gessi. Sessenta anos de convivência.
P/1 – E nessa fase de adolescente como é que foi ficar mocinha?
R – Foi na casa da minha avó. Me lembro como se fosse hoje. Minha mãe chegando no final de semana. E daí eu não falei para ela, mas ela já tinha me falado. Não falei nada. Depois no final do dia, que já tinha almoçado na avó, aí que ela percebeu e conversou. Mas ela conversou e falou: “Eu já tinha te falado, é assim, e assim”. Tomou as providências necessárias. Mas eu sei que foi no final de semana e minha mãe estava na minha avó. Como eu só tive filhos homens, eu não tive esse processo para passar para eles.
P/1 – E nessa época de adolescência, o que você fazia para se divertir?
R – Eu ia para a casa da minha mãe, né? Então sempre ia a um restaurante, ia ao cinema, ia ao teatro, sempre fazendo algum programa. E as meninas da escola... Porque na segunda eu voltava para a escola, e as meninas da escola diziam assim: “Você foi assistir tal filme?” Eu contava: “Eu fui assistir tal filme”. “Nossa, mas aqui nem tem cinema”. Então, até hoje, quando a gente se encontra, elas falam: “Mas você era muito vanguardista, você fazia tudo o que a gente queria fazer e não fazia”. Então eu fazia, mas era normal eu fazer. E para elas não, para elas era diferente. “Nossa, você conheceu...”. Imagina, eu fui jantar algumas vezes num restaurante que acho que nem existe mais - Pierre Le - tinha dança, tinha coisas. Tinha outro também. Que eu me lembre, eu tinha quatorze anos. E eu chegava e contava para as meninas que eu tinha ido em tal lugar. “Nossa! Como é que você foi nesse lugar e a gente nunca vai nesse lugar?”. Mas hoje elas vão para onde elas quiserem. Tem Metrô (risos).
P/1 – E quem eram suas companhias para esses lugares?
R – Minha mãe. Tinha uma amiga da minha mãe, a Miriam e o filho dela, a dona Clarice... No final de semana a gente sempre estava com alguém, sempre tinha programa. O Carlos foi meu grande amigo da adolescência. Não posso nem comentar depois.
P/1 – Fale um pouco sobre o Carlos.
R – Olha, adorava o Carlos. Eu gosto dele até hoje. Mas muito difícil o relacionamento. O meu mundo é gay, então quando eu descobri que esse meu amigo era gay, tinha quinze anos, dezesseis anos, eu não fiquei confortável. Não foi bom. Porque meu sonho era ter casado com ele.
P/1 – E como ele te contou?
R – Olha, nem sei como ele me contou. Sei que a gente viajava junto, a gente fazia bastante coisa juntos. Com a mãe dele. Não sei. Mas eu fiquei sabendo. Bom, no meu casamento, o lindo foi de terno cor de rosa. Explicou? (risos).
P/1 – E, Silvana, ainda sobre ele, teve algum momento em que você percebeu o que você sentia, que foi marcante, que você tinha percebido que você sentia alguma coisa diferente por ele?
R – Não. É porque a gente vivia junto, sempre, desde criança. As nossas mães eram amigas, trabalhavam juntas, a gente tinha convivência sempre. A gente tem a mesma idade. E tenho saudades dele.
P/1 – Nessas saídas você conheceu mais alguém? Teve alguma outra paixão? Como eram as paqueras nessa época?
R – Olha, sempre tive paqueras, mas era muito engraçado porque eu tenho uma outra amiga de cinquenta anos que a gente ia nos bailinhos, no Círculo Militar – mas o Carlos não ia nesse Círculo Militar, que era outra turma. Ela conheceu o marido dela e ele hoje fala: “Eu só conheci a Fulana porque você estava lá, porque eu queria paquerar você, mas não deu certo, tive que casar com essa”. São coisas que acontecem e que a gente ouve a vida inteira, não é? Mas era normal. Não tive muitos namorados.
P/1 – E você consegue me falar o que mudou no relacionamento entre você e o Carlos depois que você soube que...
R – Nada, não mudou nada. Eu continuo gostando dele do mesmo jeito, me encontro com ele. Aliás, eu encontrava com ele com bastante frequência, com o marido dele também, com bastante frequência. Eu acho que não mudou nada, eu continuo gostando dele.
P/1 – Mas na época...
R – Eu fiquei triste, mas eu não quis nada. Ele continua sendo meu amigo até hoje.
P/1 – E se você puder contar para a gente o primeiro beijo como foi...
R – Ah, não...
P/1 – Não? Ou então de alguma outra paquera que tenha sido uma experiência muito legal.
R – Você sabe que eu não lembro? Você fez uma pergunta(risos), eu preciso lembrar. Sei não. Ah, eu sei! Lembrei (risos). Melhor não ter lembrado.
P/1 – (risos) Mas agora eu fiquei super curiosa.
R – Vou contar só para você dar risada. Carnaval em Itanhaém, eu devia ter uns treze anos, quatorze anos. Claro que eu fui para o baile. O primeiro beijo a minha mãe chegou atrás, não sei. Chegou, viu que eu estava beijando, me pegou pela orelha e me levou embora (risos). Está vendo? Tinha esquecido! (risos). É verdade! E não era nem um galã de cinema (risos). Era só um moleque da rua, que a gente tinha se conhecido. Nossa senhora! Que vergonha. Acho que nunca mais eu olhei para a cara dele, não é? Mas eu passava as férias lá. Acho que, Nossa, quando eu lembrava disso. Olha, que bom que eu esqueci, não é? (risos) Nossa, minha mãe me pegou, acho que não foi pela orelha, mas foi pelo pescoço e me levou embora. Era inauguração de um clube na cidade. Eu me lembro do gordinho (risos).
P/1 – E como foi olhar para sua mãe depois disso?
R – Sei lá, acho que eu fiquei com raiva, sou Áries!
Acho que eu fiquei com raiva uns dias. E com vergonha também, não é? Fiz alguma coisa errada. E só (risos).
P/1 – E nessa época já de muitas decisões, como foi o seu primeiro emprego?
R – Eu trabalhei rápido. Eu trabalhei no Banco Mercantil, uma seleção que teve, eu tinha dezesseis anos. Trabalhei. Olha, trabalhei acho que uns dois anos no Banco Mercantil, na Avenida Paulista. Era bom.
P/1 – Por que lá?
R – Porque acho que só tinha lá. Não tinha uma profusão de prédios, mas esse prédio...
P/1 – Não, eu digo por que esse trabalho lá, como surgiu essa oportunidade para você?
R – Sabe que eu não lembro? Mas eu vou pensar. Eu não lembro, mas eu me lembro que eu trabalhei no Banco Mercantil com dezesseis anos. Eu fiz uma seleção e passei. Eu estava entrando no colegial, ou sei lá, fui fazer... Porque eu fazia Turismo perto da minha casa e daí eu me lembro de que eu ia para a Paulista de ônibus, o ônibus passava, mas não lembro. Mas eu trabalhei lá muito tempo.
P/1 – E o que você fazia com seu salário?
R – Gastava em tudo o que eu queria, não pagava escola. Pagava condução. E não lembro, mas eu gastava. Nessa época, eu comecei a namorar meu marido, tinha dezesseis anos. Eu acho que eu gastava em roupa, cabeleireira. Não era muito, não. Mas eu lembro que tinha uniforme. Tinha um guarda-pó azul horrível. Porque eu trabalhava na parte de Contrato, Arquivo. E a gente ficava suja. Era muito pó. Mas era bom de trabalhar lá, conheci tanta gente.
P/1 – O que você foi fazer lá, Silvana?
R – Arquivista. Era bom de trabalhar. Era trabalho registrado, recebi até meu PIS. Era bom. Dezesseis anos, acho que era Menor Aprendiz. Não tinha esse nome porque faz quarenta e muitos anos, mas era bom de trabalhar lá, eu gostava.
P/1 – Mas, na prática, o que você tinha de fazer no dia a dia?
R – De manhã eu ia para a escola, depois eu chegava, acho que entrava às duas horas e saía às sete. Eu trabalhava com contrato, tudo o que me mandavam fazer eu fazia. Mas eu me lembro que tinha muito contrato. Companhia Docas de Santos. Tinha adendo, adendo, adendo, que o número do processo era mil e adendo do processo mil, mil e um. Eu sei que eu ficava no arquivo o dia inteiro. Era um tipo de um cofre em cada andar, tinha um tipo de um cofre mesmo e você ia lá, pegava os processos, trazia. Olha, primeiro separava a documentação de cada processo e depois ia colocar nas pastas. Todo dia tinha trabalho, era trabalho mesmo.
P/1 – E tem algum documento ou algum processo curioso que você encontrou?
R – Esse Doca de Santos é que tinha tanto empréstimo para Docas de Santos que tinha uma infinidade. O dia que você fazia, que você colocava os adendos nos processos era muita coisa. Eu me lembro Docas de Santos. Tinha a Pirelli também. Não sei mais, mas acho que a Docas de Santos era devedor do banco, muito devedor.
P/1 – E qual é o nome do seu marido?
R – José Flávio.
P/1 – Como você conheceu o José Flávio?
R – Em Itanhaém! Depois do tal do beijo (risos), com quatorze, depois eu conheci lá. Nas férias. Eu tinha ido com meu tio, minha mãe, com minha tia, todo mundo para a praia e daí conheci o Zé Flávio lá. E a gente ficou casado trinta anos.
P/1 – Mas teve algum momento específico de você lembrar de vê-lo pela primeira vez?
R – Olha, ele era o maior da turma, o resto era tudo baixinho, ele era muito alto. Aí eu me lembro de que eu falei para o tio. Porque assim... Quando a minha mãe ficou sabendo que eu estava fumando, eu devia ter quatorze anos. Sim, naquele tempo era moderno. A minha mãe pegou um maço de cigarro dela e falou assim: “Se você tiver que fumar, você fuma o meu cigarro, ou então eu compro cigarro para você. Não fuma de ninguém”. Isso lá com quatorze anos. Claro que nunca mais eu fumei na frente dela, nem na frente de ninguém. Mas nesse dia eu pedi um cigarro para o meu tio: “Tio, me empresta um cigarro”. Daí eu fui lá e pedi para o Zé Flávio acender o cigarro. Santa também não era, não é? Daí que a gente começou a conversar assim, que eu fui lá para pedir para acender o cigarro, claro que eu devo ter tossido, qualquer coisa assim (risos), mas foi assim que a gente se conheceu.
P/1 – E como foi o primeiro encontro de vocês, que vocês marcaram só vocês dois?
R – No mesmo dia, na praia e depois, à noite, a gente saiu. Depois, quando veio para São Paulo, a gente continuou saindo, e daí foi.
P/1 – E como foi levá-lo para sua casa para apresentar para a sua família?
R – Então... Ele já conhecia minha mãe, não é? Porque quando ele foi me buscar em casa, você acha que minha mãe ia deixar assim, rápido? Foi a tia, a mãe, o tio (risos). “Tchau” (risos). Porque era assim. Aí, meu tio falava assim: “Ah, a Silvana ficou com aquele grandão lá da praia, daqui a pouco eles chegam”. E, realmente, depois ele me levou em casa. Daí, claro, tem que conversar por quê, onde, quando, essas coisas. Daí para conhecer minha avó demorou. Mas a minha mãe que era importante. Daí a gente casou.
P/1 – Mas como foi essa decisão de ter um casamento? Como vocês foram construindo esse relacionamento?
R – O Zé Flávio era muito mais velho do que eu, não é? Dez anos quase. E eu era uma menina de dezesseis. Não foi fácil, não. Ele tinha vinte e cinco, eu tinha dezesseis, era bastante diferença. E daí ele sempre foi o dominante, mas eu sou ariana. E a gente ficou casados trinta anos.
P/1 – Mas nesse começo como foram esses combinados de pensar em casamento?
R – Eu acho que foi natural, porque eu era muito elétrica, eu sou muito pilhada. E ele era mais tranquilo. Mas eu conheci todos os amigos dele no mesmo dia em que a gente se conheceu, já conheci todo mundo. E a gente saía, ia acampar. Imagina, ia acampar. Final de semana a gente sempre passava juntos. Acho que foi natural, não foi nada assim muito planejado. Eu não queria casar, imagina, ir à igreja casar? Não. Tanto é que eu entrei em cinco minutos e saí em dez (risos). Eu não queria, não gosto disso. Só a bênção e está bom, chega.
P/1 – E como foi o planejamento para o casamento?
R – Naquela época, quarenta anos atrás, a gente não planejava como vocês planejam hoje. Um ano antes da igreja, mais um monte de festa. A gente não tinha dinheiro para fazer festa. De qualquer jeito, não ia fazer mesmo. A gente guardava moedinha para ir ao cinema no final de semana, não dava para fazer grandes planejamentos. Mas a gente fez uma viagem legal de lua de mel, a gente foi até Porto Alegre de carro. Não era o Fusca amarelo. Acho que foi no Fusca amarelo sim! Tenho quase certeza que foi. A gente fez uma viagem legal. Mas assim... Não teve planejamento, era igreja e Cartório, era um dia um e no outro dia o outro, convidamos os amigos próximos. Claro que a gente vai para o cabeleireiro, enfim, chega atrasada. Normal.
P/1 – E o vestido de noiva?
R – Não queria vestido de noiva, não é? Mas tinha que ter. Imagina. Vestido de noiva branco. Imagina se a Silvana fez vestido de noiva branco? Fiz até uma parte, mas daí ele era todo coloridinho de florzinha amarela. Tenho até hoje, se quiser te dou (risos). Estou guardando para minha neta. Todo de florzinha azul, amarela, laranja, vermelhinha. Bem bonitinho. Mas assim... Eu detestava ter que experimentar, comprar o sapato que ia doer o meu pé. Nossa, até hoje. Podia deletar essa parte, não é?
P/1 – E como foi o começo dessa vida a dois?
R – Olha, acho que foi um pouco decepcionante porque eu queria agradar de qualquer jeito. Nunca cozinhei nada, só o macarrão da minha avó. Nunca fiz comida. Fui fazer almoço, não é? Nossa! Nossa, chorei muito naquele dia. Fiz picadinho, porque todo mundo gosta de picadinho. Menos o meu marido. Ele não gostou do picadinho. Falou: “Na minha casa o picadinho não é assim”. Eu falei: “Então, é assim que eu sei fazer”. Por isso que eu me tornei uma boa cozinheira. Eu sou uma boa cozinheira. Aprendi com a minha sogra também, foi bom. Mas eu fiquei muito frustrada. Imagina que eu ia cozinhar e a pessoa não ia gostar. Cozinhar ok, mas a pessoa não ia gostar? E só.
P/1 – E onde vocês foram morar?
R – Na Avenida Paulista, pertinho do meu trabalho, pertinho do trabalho dele. Na Paulista com a Pamplona, um apartamento alugado, que a gente também não tinha dinheiro para comprar. Mas foi ótimo morar ali. Ele vinha do trabalho, eu vinha do trabalho, mas logo depois eu saí do Banco Mercantil de São Paulo, que não existe mais, agora é outra coisa. Depois eu tive o Gustavo lá, engravidei do Flávio lá no mesmo apartamento, depois fui para o Campo Belo, morei dezesseis anos no Campo Belo.
P/1 – Conte para a gente como foi a primeira gravidez.
R – Foi ótima, não tive nada, não tive problema nenhum. Só enjoo. Mas foi ótimo.
P/1 – E como foi esse começo, de desconfiar da gravidez?
R – Ah, a gente não desconfia, a gente sabe exatamente. Eu conheci o Zé Flávio num bar em Itanhaém que se chamava Gustavo. E meu filho chama Gustavo. Mas eu queria que ele chamasse Guilherme. Então, desde o primeiro dia que eu soube que estava grávida até a hora em que o Gustavo nasceu. Aliás, eu achava que era uma menina, porque não tinha ultrassom para a gente saber, tá? Não tinha novidades. Eu achava que era uma menina e nasceu o Gustavo. Mas eu não tive problema nenhum, foi parto normal. Só as minhas roupas... As minhas roupas, eu fiquei indignada. Porque eu estava grávida, aí acabou que eu não usei as roupas. Mas tinha umas roupas na casa da minha mãe, e essas roupas que estavam na minha mãe e que eu não trouxe para a minha casa porque não trouxe, quando eu vi minha tia Gessi tinha dado todas essas minhas roupas que ficaram na minha mãe: “Ah, ela não vai mais usar. Se ela não levou não precisa”. Nossa, eu fiquei muito brava. E o Gustavo estava para nascer. Então, quando o Gustavo nasceu muitas coisas aconteceram, não é? A mudança, parar de trabalhar. Eu sempre gostei de trabalhar, sempre gostei de falar muito. Parei de trabalhar, daí fiquei só em casa - ou ia para a minha sogra, final de semana ia para a minha sogra; no domingo, ia para a minha mãe, minha mãe almoçava em casa. Não era bom ficar sozinha. Não é bom ficar sozinha. Era engraçado porque durante a semana eu fazia comida, aí no final de semana a minha sogra fazia comida e mandava alguma coisa. Minha sogra era ótima. E dava para a gente almoçar na segunda. Mas na terça já tinha que fazer comida outra vez, então eu não gostava de fazer comida, não gostava da cozinha, fui obrigada. E hoje eu me considero uma ótima cozinheira.
P/1 – Eu queria que você contasse como é que foi esse momento do parto, de ter a expectativa de nascer menina e vir um menino? Como foi esse momento?
R – Então... Esta semana eu contei de novo, porque eu não canso de contar. Meu obstetra tinha falado assim…. Eu fui lá na terça-feira, o Gustavo nasceu na sexta... Ele falou: “Não, ainda vai demorar, a medida não está certa, tal. A partir de vinte e cinco de abril você já está com a carta, você vai para o hospital assim que você sentir alguma coisa. Vai para o hospital, me chama que eu vou fazer o parto. Do dia vinte e cinco de abril até o dia cinco de maio”. Na terça. Na sexta-feira eu acordei com dor, falei: “Tem um negócio errado”. Ele falou: “Qualquer coisa você vai ao hospital e faz o exame e tal”. Eu falei: “Flávio, tem negócio errado, é melhor a gente ir ao hospital”. Fui para o hospital com mala, com tudo, mas estava semi-arrumada porque era só para o dia vinte e cinco. Daí, cheguei ao hospital e a obstetra falou: “Não, nem vou chamar o doutor Honório, não está na hora. Pode ir para casa, vai demorar uns quinze, vinte dias”. Eu fui. Com a minha sogra. Já tinha avisado à minha mãe, porque naquela época não tinha celular, era bip - a gente já tinha bipado a dona Cida. Ela foi para a minha casa. Pediatra que seria dos meninos: “Não, é assim mesmo, fez exame de toque, vai doer. Relaxa, toma Buscopan que vai passar”. Gustavo nasceu naquela mesma noite às quatro horas da manhã. Não passou, não. E daí o Zé Flávio dizia assim: “Vou te levar ao hospital de novo, mas você não vai me fazer passar vergonha outra vez”. Porque já tinha ido de manhã e a obstetra falou: “Não, não está na hora”. Voltei lá meia-noite, já estava nascendo, sem anestesia, sem nada. Só nasceu. E foi ótimo. Mas na hora que ele falou: “Ai, é um menino!”. Meu marido: “Menino? Maria Amélia, ela ia chamar Maria Amélia” (risos). Mas foi bom, aí tinha esse nome de Guilherme, que era o melhor amigo do meu sogro, aí não dava. Politicamente incorreto. Aí, ficou Gustavo. Mas aquele pequenininho assim, muito pequenininho. Outra coisa que eu me lembro: no dia seguinte ao que Gustavo nasceu, veio a enfermeira para me dar uma injeção antitetânica: “Mas não vou tomar”. E não tomei até hoje, injeção antitetânica. Não tomei, nem tomo. “Tem que tomar”. “Não tem que tomar nada”. Já tinha nascido, para que vai tomar a injeção? Não tomei. Minha mãe diz isso até hoje: “Não tomou a antitetânica porque não quis. Tem outro filho, mas não toma essa vacina”. E não tomei mesmo. Levar aquele pacotinho para casa. Mas foi bom.
P/1 – E como é que foi esse começo da maternidade? Os desafios, as descobertas?
R – Nossa! E as crenças. Todo mundo tirava os ouros para dar banho no menino. A sogra, a mãe, a cunhada. No dia de dar banho no menino em casa tiraram todas as jóias, todos os ouros, trouxeram os ouros de casa para pôr na banheira: “Ah, porque tinha que dar banho de ouro”. É. Não está filmado, mas teve banho de ouro (risos). Era assim que era. Agora eu não sei mais como é. Se eu fizer isso, minhas noras me matam: “Vai pôr ouro na banheira do menino!”. Nossa, escalpelada (risos).
P/1 – E você como mãe, como foi esse primeiro filho? O que foi mais difícil?
R – Acho que tudo foi difícil, tudo foi difícil. Gustavo era muito pequenininho, muito. E eu não tinha neném em casa, nunca teve. Era diferente, era ruim. Mas eu me saí bem porque eu amamentei o Gustavo até um ano e tralalá, viajava com ele para qualquer lugar, nunca fui de ficar em casa. Ele se acostumou bem, não tive problema não.
P/1 – E como era a participação do seu esposo?
R – Ele não participava muito, não. É tudo diferente. Eu vejo meus filhos hoje, é muito diferente do que era. Só a gente que tomava conta das crianças, mal levava para passear assim no carrinho de vez em quando. Mas foi tranquilo. Nem fiquei insegura, nem nada. Nunca teve problema de doença, foi tranquilo.
P/1 – E a decisão de ter o segundo?
R – Então, foi um ano e nove meses de diferença. Não era... É super pouco hoje, mas na época era natural. Não teve muito planejamento. Aí, claro que eu fiquei esperando a Maria Amélia de novo, mas ela não veio. São dois meninos. Aliás, continuam sendo meninos.
P/1 – E qual o nome do segundo?
R – Flávio.
P/1 – E como foi essa escolha do nome?
R – Pois é (risos). Sem escolha, só tirei o José porque lá na casa do Zé Flávio todo mundo é José - o pai, o avô, os dois filhos. Só tirou o José. Porque o José Flávio não era tratado de José, era só Flavio, então ele pôs o nome de Flávio. E eu gosto.
P/1 – E depois teve mais uma gravidez.
R – Tive mais uma gravidez, mas não foi para a frente. Não teve Maria Amélia. Sem Maria Amélia.
P/1 – E como foi acompanhar a família crescendo, os filhos crescendo, como foi isso?
R – É sempre bom, eu participo bastante. Mas era atribulado porque dois meninos em casa não era fácil, não. E sempre teve muitos moleques na minha casa - os dos vizinhos, os amigos da escola. Eu preferia trazer para a minha casa. E sempre foi bom.
P/1 – Queria que você contasse de uma imagem que você tem dos quatro juntos, dos filhos, você e seu esposo.
R – Ah, a gente sempre viajava, todo final de semana a gente ia para a praia, ou ia para o interior. A gente estava sempre junto. No carro um queria dormir, outro queria conversar, outro queria jogar bola... A gente sempre ficou junto. Muitas imagens, muitas coisas.
P/1 – Para alguma viagem que foi feita de carro vocês tinham alguma atividade para fazer, para passar o tempo?
R – Ah, se cantava, batia palma. Não tinha cinto de segurança, que era muito melhor, as crianças não iam presas, às vezes iam lá no porta malas, eles gostavam. Era diferente, era tudo diferente. Se bem que eu faço isso com meus netos; quando a gente viaja, a gente vai cantando, vai brincando. Mas as crianças vão no iPad, celular, hoje.
P/1 – Silvana, eu queria que você falasse como ficou a sua parte de desenvolvimento profissional.
R – Eu só voltei a trabalhar quando os meninos tinham dez anos - oito anos o Flávio. Que eu fui trabalhar na Secretaria de Educação. E trabalhei lá bastante tempo, acho que seis anos. Também saí porque, claro, tinha que cuidar de outras coisas, não é? Mas eu gosto de trabalhar, estou sempre trabalhando, estou sempre procurando coisa para fazer.
P/1 – Mas como foi essa sua decisão de voltar a trabalhar?
R –
Ah, eu não sei ficar muito tempo parada, eu nunca parei, na verdade. Eu sempre fiz algumas coisas, mesmo quando os meninos... Sempre vendia alguma coisa, fazia um curso de cerâmica, sempre estava no meio, não podia ficar parada. E, claro, eu gosto de gastar meu dinheiro, muito. Quando tem pouco, eu gasto pouco; mas quando tem muito, eu gasto muito (risos). Sempre trabalhei, não foi decisão, eu gosto de trabalhar. Os meninos não precisavam de mim em tempo integral. Quando eram pequenos e precisavam, ok, mas depois, não. Depois, você tem que viver.
P/1 – E teve algum momento em que essa diferença de idade entre você e seu esposo começou a aparecer mais, essa diferença de geração - são dez anos. Como que foi esse amadurecimento da relação entre vocês?
R – Eu era muito jovem, Carol. Para mim não teve amadurecimento, foi uma consequência. Eu nunca pensei que ele era mais velho do que eu. Hoje eu sei. Eu nunca tive consciência de que tivesse essa diferença. Hoje eu sei, porque eu gosto de cantar, eu gosto de dançar, eu gosto de dar risada. E ele achava que era demais - dar risada, cantar, dançar. Mas em casa a gente dançava, a gente fazia baile de carnaval, a gente aproveitou bastante. Acho que depois, quando ele chegou nos cinquenta é que ficou mais difícil a idade, acho que pesou quando eu estava com quarenta e ele com quase cinquenta.
P/1 – Por quê?
R – Não sei, acho que as coisas vão modificando, não é? Já quase trinta anos de casamento, a gente se acomoda. E não tem muita perspectiva de falar: “Olha, vou fazer tal coisa”. Ele não gostava de viajar de avião. Eu também não gosto, hoje, mas eu faço viagens mais longas, ele nunca poderia fazer uma viagem longa. Porque imagina ficar sem fumar? Não dá, não rola. Eu acho que foi com uns quarenta anos, quando eu tinha quarenta anos e ele tinha quase cinquenta que a gente percebeu que tinha idade diferente.
P/1 – E o que vocês fizeram com isso?
R – Nada. Segue o barco (risos). Eu não sou de discutir a relação, Carol. Se vem falar em discutir a relação, estou fora. Não vem discutir comigo, não.
P/1 – Mas hoje como é o dia a dia de vocês?
R – Ele morreu! (risos) O dia a dia é ótimo (risos).
P/1 – Silvana! (risos). Se tiver clima para isso, se você puder contar como que aconteceu o falecimento dele.
R – Olha, hoje eu posso contar. Porque assim... A gente tinha algumas discussões sérias, não é? Por isso que eu falo: “Não quero saber de DR”. Porque eu tive discussões sérias com ele. Um dia antes dele morrer... Ele morreu com cinquenta e seis anos e eu tinha quarenta e oito, não é? Ele já estava aposentado, então homem aposentado em casa, ai, ai, ai, não é fácil, não. Só rindo, não é? Desculpa, eu tinha que falar que ele tinha morrido, não dava (risos). A gente discutiu um dia antes porque ele estava chato, muito chato. Mas ele saía todo dia, ia conversar com os amigos. Ele voltou, a gente acabou discutindo, eu falei: “Ah, sai fora, eu não quero discussão, DR comigo não funciona”. Daí a gente foi dormir, estava tudo bem, meu filho tinha voltado para casa porque meu filho tinha morado fora quase dois anos. Ele subiu, a gente dormiu. No dia seguinte, a gente levantou, tomou banho, se arrumou para sair, desceu. Olhou na escada, assim, o último momento que eu vi o Zé Flávio vivo, desceu, na escada ele olhou e eu olhei para ele. Foi a última vez que a gente se viu. Ele desceu, o meu cachorro veio me chamar, uns quinze minutos depois, o Jacó. Aí eu desci, ele já tinha morrido. Hoje eu falo que ele morreu, mas eu fiquei muitos anos... Imagina, ele foi embora, não é? Foi difícil. Esse ano já faz treze anos. Demorei para falar que ele morreu. Meu filho... Um filho estava trabalhando no Nordeste e tinha que avisar, não consegui falar. E o meu outro filho estava em casa. Daí eu chamei o Flávio. Foi um choque porque eu chamei o Samu, o Samu veio, ele já estava em óbito, não teve o que fazer. E é isso.
P/1 – E como foi depois disso?
R – Ah, foi tudo um susto, não é? É tudo um susto. Você fica sem respirar. É muito ruim. Mas passou.
P/1 – Se eu estiver forçando muito você avisa, tá? Mas na rotina, como foi redescobrir essa Silvana sem uma companhia ali todo dia? O que você foi fazendo para tocar sozinha?
R – Eu não tinha muito o que pensar, tinha que ser prática. Muitas coisas você tem que fazer, documentação, que é lógico, que não dá para você falar: “Ah, Fulano foi embora, me largou aqui”. Não, você tem que ser prática. Tem que ir no Cartório... Pegar Atestado de Óbito é horrível. É muito ruim. Credo. E daí ainda lá no Atestado de Óbito está escrito. ‘A viúva’. Vai tomar banho. É esquisito. Se está doente você vai se acostumando, agora quando morre assim, de um dia para o outro, oito dias você tem que ir lá fazer documentação. Tem que ir no serviço avisar. É tudo prático, você não tem tempo de chorar, nem de falar que está doendo, nem nada, você tem que fazer. E foi assim, um ano de muito trabalho, não foi pouco, não. Mas deu tudo certo. Mas pegava. Logo depois, dois anos depois os meninos casaram. Mas no dia da missa de sétimo dia foi uma farra. Porque todos os amigos dos meus filhos foram para a minha casa depois da missa. E assim... Além da missa de sétimo dia, no dia seguinte também, os amigos dos meninos foram para a minha casa, então eles não deixaram a gente sozinhos, nenhum dia. Isso foi bom, muitos amigos. Mas são coisas práticas que você tem que fazer e tem que fazer. Se você não fizer, ninguém vai fazer. E é assim. Mas eu não chorei durante bastante tempo, demorei para chorar.
P/1 – E quando foi que você conseguiu?
R – Não lembro. Mas ficava muito brava com ele. Acho que todo dia eu ficava brava com ele. Isso quer dizer, eu fui uma legítima obsessora.
P/1 – E tirando toda essa parte burocrática que esse acontecimento traz, como é que foi essa coisa da Silvana se descobrir e ter que seguir a vida?
R – Eu sempre fui fazendo... Eu era sempre atropelada, eu sempre fazia tudo. Hoje, com sessenta - hoje que eu digo, quando eu cheguei nos sessenta - não quis mais atropelar ninguém, nem fazer tudo. Aliás, agora eu não quero fazer nada. E não tenho feito mesmo. Só o que é necessário, às veze nem o que é necessário. Porque sempre fiz. Provedora, não da parte financeira, mas a provedora de comprar as coisas e trazer para casa, o prático sempre fui eu que fiz. Então eu continuei fazendo.
Mas assim... O fato dele não estar aqui dificultou, porque ele era uma pessoa super chata, punha até a vírgula e os centavos do lado, que eu graças a Deus não ponho, eu só arredondo para cima. E eu tenho dificuldade com a parte contábil da casa. Mas dá tudo certo, não tem problema (risos).
P/1 – Você chegou a fazer alguma viagem sozinha depois que ele foi?
R – Ah, algumas, algumas.
P/1 – Tem alguma que você queira contar?
R – Ah, eu sempre... Todas são boas. Sempre é bom viajar. Melhor é chegar em casa, mas é bom ir viajar. Imagina que eu nunca tinha ido para a Europa porque ele não atravessava oceano. Foi muito bom ter ido sozinha. E eu quero andar sozinha, eu já estou achando que eu não preciso de companhia (risos).
P/1 – Conte para onde você foi nessa viagem. Como foi o roteiro?
R – Nossa, é muito. A gente foi para a Espanha, Paris, fez bastante parte rodoviária. Itália, Suíça. Foi muito boa a viagem. Conheci uma pessoa maravilhosa no caminho, que é meu amigo até hoje. A gente se conheceu em Madri e a gente tem contato, ele vem para a minha casa, fica na minha casa. Eu é que não fui na casa dele ainda, mas tudo bem. Mas ele vem sempre para a minha casa. Ama o Mateus de paixão. Mas o meu mundo é gay! Faz sete anos. Sete, oito anos que eu viajei, a minha primeira viagem internacional longa. Porque eu já tinha ido para a Argentina, por aqui perto. Mas uma viagem longa foi a primeira vez, muito bom. Deixei a minha netinha pequenininha de meses aqui. De meses. Três, quatro meses. Mas eu fui, foi ótimo. Preciso voltar.
P/1 – Você chegou a ter outro relacionamento depois disso?
R –
Ah, não. Não foi relacionamento porque, como você falou, eu sou ariana. Ariana não gosta de relacionamento, porque ariana tem que estar no comando. Então, difícil.
P/1 – Eu queria que você explicasse quando você fala que seu mundo é gay.
R – Porque eu trabalho com moda. Você vai no seu cliente, você vai conversar com estilista. Expliquei? (risos). Depois esse meu amigo que eu conheci, que é de Belo Horizonte, quando ele vem para São Paulo e fica lá em casa, os amigos dele são gays. E a gente se encontra, a gente vai jantar, a gente vai almoçar, vai até o teatro, a gente sempre está fazendo alguma coisa. Meu mundo é gay, meu mundo, da Silvana. Porque tem lá minha família, tem minha mãe, meus filhos, meus netos, mas a parte de relacionamento e de amizade, meu mundo é gay. Eu vou para o cabeleireiro, em qualquer cliente que eu vá tem sempre um. É claro que eu tenho afinidades.
P/1 – Como você entrou para o ramo da moda?
R – Então... A dona Cida... A minha mãe trabalha numa empresa há cinquenta anos. E ela tinha duas representações, dessa empresa que ela trabalha e da outra. E quando ela se aposentou, ela falou: “Não quero mais, você fica com essa”. E claro que eu fiquei com a representação dela e eu estou até hoje, há vinte anos. Então, São Paulo Fashion Week. Tem alguma coisa normal São Paulo Fashion Week? Eu sou normal, eu sou normal para mim, mas o resto é normal para cada um. Tenho clientes ótimos, mas vou fazer o quê se eu vou no casamento de um porque ele me convidou? Daí eu chego lá e são dois homens lindos casando. O que eu faço? Aceito na boa.
PAUSA
P/2 – Talvez a última pergunta em relação ao seu marido, eu queria que você falasse como ficou a relação com a parte da família dele.
R – Olha, eu me dou super bem com todo mundo. A minha cunhada frequenta minha casa, minhas sobrinhas, tudo igual, como se não tivesse acontecido nada. Mas eu sinto falta da minha sogra hoje, que ela já faleceu há trinta anos quase, mas ela é uma constante na minha vida. Ela me ajudou muito, ela foi carinhosa. Porque, imagina, casar com dezoito anos? Ela me ajudou muito, ela me preparou para algumas coisas que eu não sabia. Porque a minha mãe é uma pessoa independente e a minha sogra era muito dependente. Então ela fez o contraponto, porque eu seria como a minha mãe, muito independente. E ela me ajudou a acalmar esse jeito ariano que a gente tem, de ser a quebra linha toda. Ela me ajudou muito. Então, ela faz parte da minha vida rotineiramente, mesmo ela não estando aqui. O bom senso que eu precisava ter, era rápido, você tinha que ser rápida. E ela me ensinou muita coisa. Tanto é que no dia em que eu fui ter o Gustavo ela foi comigo para o hospital, depois a médica falou: “Ah, não é nada, vai demorar quinze dias”. A gente ainda saiu para fazer compras, o que faltava, juntas. Ela foi uma companheirona. E eu também fui uma companheirona para ela. Foi um relacionamento bom, que hoje eu falo: “Ah, queria tanto ter um relacionamento com as minhas noras como eu tive com a minha sogra”. E o mundo é diferente, é muito diferente.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Ivone. Toda família dela, não é? Eu vou a todos os aniversários, todos os casamentos, todas as festas todo mundo me liga, me chama e fala: “Venha”. Está vendo? Eu não tenho mais sogra, não tenho mais sogro, não tenho marido e sou chamada para todos os eventos? Então porque eu vivi mais na família do meu marido do que da minha. Trinta anos com ele, eu tinha só dezoito quando eu casei.
P/1 – E, Silvana, eu queria que você falasse um pouco sobre ser avó.
R – É uma delícia, não é? Mas assim... Meus filhos me deram netos muito tarde. A minha neta nasceu eu já tinha cinquenta e cinco anos, agora eu tenho dor! (risos). Não era para ter. Minha mãe não tinha dor quando eu dei os netos para ela. Minha mãe fazia tudo. Hoje eu faço, mas depois eu sinto dor. É fato. Mas assim... As crianças são uma benção na vida da gente. Claro que eu queria que o Zé Flávio estivesse aqui, mas ele não está. Então, eu sinto que, às vezes, eu não consigo estar presente em tudo, não é? Eu fico assim, um pouco chateada por não estar presente em todos os lugares. Eu tenho três netos, vai nascer a quarta neta agora. Queria estar mais perto deles, mas eu faço umas coisas legais, vocês vão gostar. Essa aí eu vou contar. Duas meninas - eu tenho duas noras - daí eu falo para os meus netos: “A vovó é uma bruxa”. Eu conto pra eles: “A vovó faz arroz, vovó faz mágica. Faz comidinha, faz brincadeira, costura, borda, pinta. Vovó é uma bruxa”. Tem até uma aranha assim pendurada na minha casa (risos). Então eles sabem que eu sou uma bruxa. Tem uma vassoura pendurada, de bruxa, na minha casa. Mas eu sou uma bruxa do bem, eu falo para eles, eu explico para eles: “Vovó faz um monte de mágica. Vovó sabe ler, escrever, pintar, cozinhar, gosta da vassoura, gosta da aranha”. Eu falo que eu sou bruxa. Antes eu falar que sou bruxa e os meus netos entenderem do que eles ouvirem de outras pessoas: “Sua avó é uma bruxa!” (risos). O que é melhor? Politicamente correto. Então, vovó é uma bruxa. O Pedro outro dia chegou lá em casa, estava com uma faxineira nova, ele falou: “Essa vassoura é da minha avó”. A moça olhou. “É, a minha avó é uma bruxa” (risos). Uma bruxa do bem, uma feiticeira do bem, legal!
P/1 – Por que isso? Por que se apresentar assim?
R – Porque é legal, é lúdico, as crianças vão entender. Você já pensou uma nora falar assim: “Sua avó é uma bruxa”. Não vai falar. E se falar para algum dos meus netos, ele vai falar: “Mamãe, a minha avó é uma bruxa” (risos). Você não gostou da história? Eu adoro essa parte (risos). E é uma renovação ter os netos. Eu falo que eu tenho dor, mas é porque eu só faço arte. Eu deito com eles no chão, eu faço Pilates, eu subo, eu desço, vai de cavalinho. No dia seguinte, realmente, estou imprestável. Mas sou fã de carteirinha. Brigo com a Maria Luísa sempre, ela é ariana.
P/1 – Fale o nome deles.
R – Maria Luísa, que vai fazer oito anos. Rafael, que tem três e o Pedro que tem três. Eles têm dez dias de diferença um do outro, de duas noras diferentes, nasceram no mesmo ano, dez dias de diferença. Haja dinheiro para comprar presente, não é?
P/1 – E agora está vindo...
R – A Lis. Até dia dezoito ela nasce. Minha japinha. Eu tenho uma nora japonesinha e tenho um mesticinho.
P/1 – A gente está caminhando para o fim, alguém quer fazer alguma pergunta, das finais? Certeza?
R – É a última oportunidade.
P/1 – Silvana, a gente está caminhando para o fim, eu tenho mais duas perguntas para te fazer. Mas antes delas, você tem alguma história que queira contar que eu não te estimulei para que contasse?
R – Não. Eu achei ótimo o tal do roteiro, porque senão eu já teria me perdido. Porque eu sempre tenho uma história para contar. Qualquer uma. Mas acho que está tranquilo.
P/1 – Posso ir para as duas últimas?
R – Pode.
P/1 – A primeira é: como foi para você contar a sua história hoje para a gente?
R – Ah, foi inquietante. Porque assim... A primeira palavra que vem, inquietante: “Nossa, vou contar minha história, o que eu vou contar da história?”. Aliás, ontem eu estava olhando as fotografias, eu falei: “O que eu tenho para contar? Eu sou uma pessoa comum, uma pessoa normal, não tenho nada para contar”. Mas assim, só tenho a agradecer. Vocês foram super gentis, eu fiquei tranquila, me senti segura e foi muito bom. Agora precisa ver o que vai ficar na nuvem, não é? (risos).
P/1 – Fica tudo na nuvem.
R –
É, pois é. Um atestado, não é? Mais um adendo. Mais um adendo na minha história. Agora está documentado. Nem vou contar as outras histórias que eu conto sempre, falo: “Vai lá e assiste” (risos).
P/1 – Vai facilitar (risos).
R – É (risos).
P/1 – Na verdade eu não vou para a última. Eu tenho mais uma antes dela, que me ocorreu agora. Queria que você contasse sobre o seu fusca amarelo.
R – Olha, quando eu conheci o meu marido ele tinha um fuscão azul marinho. E depois, quando a gente estava para casar, a gente comprou um fuscão amarelo. Quando você falou, eu não sei exatamente a época, mas e a gente foi viajar para o Sul com o fuscão amarelo. Então, por isso que eu lembro bem da chapa e assim, poderia ter escolhido qualquer outra cor, mas acho que era moderno naquela época. Melhor que azul calcinha, porque tinha a opção: ou era o amarelo, ou era um azul claro, bem clarinho. E era diferente, não é? Porque o fusca era diferente. E todo mundo tinha fusca. Imagina que eu viajei com meus filho no fusca, sabe, naquele buraco que tinha lá atrás? A gente punha as crianças. E ninguém morreu. Ninguém usava cinto de segurança. Mas é válido, tem que ter o cinto. Mas naquela época, a gente não pensava nisso. Nossa, viajei para muitos lugares com aquele fusca! E depois, quando o Gustavo já tinha nascido, acho que eu estava grávida do Flávio, a minha mãe ficou com o fusca amarelo. Porque o Zé Flávio dizia assim para mim: “Você tem que aprender a dirigir, como é que você vai fazer para levar seus netos para passear? Você tem que aprender a dirigir”. E isso foi bem marcante, porque eu lembro do fuscão amarelo, ele botou a minha mãe para dirigir lá em Itanhaém mesmo, numa estrada de areia. Ele ensinou a minha mãe a dirigir. E foi no fusca amarelo e ela ficou muito tempo com ele depois. Porque, claro, com duas crianças você tem que ter uma Brasília amarela (risos). Aí cabe (risos). E era amarela mesmo. Depois tive Paraty. Sempre carro utilitário, nunca mais tive um carro comum, sedan, sempre utilitário. E é a história do fusca amarelo. Deve ter fotografia dele em algum lugar.
P/1 – E como é a sua relação hoje com a sua mãe?
R – Nossa, é ótima! A gente se fala uma vez por dia pelo menos. E daí assim... O que me deixa insegura e ansiosa de vez em quando é a falta que ela vai me fazer quando ela não estiver aqui, eu vou ficar muito mal. Porque a gente se fala todo dia. E hoje eu estava no Uber: “Estou indo para uma reunião” “Mas que reunião? O que você vai fazer?” Eu falei: “Mãe, depois eu conto”. Que eu também não sabia, ia contar o quê? Ela falou: “Ah, está bom”. Mas eu sei que a hora que eu chegar em casa ela vai me ligar para perguntar que reunião era essa, se era de trabalho. Porque ela sabe que eu vou para várias reuniões de trabalho, mas quarta-feira é o meu rodízio, então eu não saio. “O que essa daí foi fazer na rua hoje?” Então, é ótima a minha relação com a minha mãe. Mas a gente não pergunta nada, nada. De vez em quando eu falo: “Será que meu pai está vivo?”. Ela fala: “Ah, se ele tivesse morrido já teria avisado, alguém já teria avisado, então ele não morreu”. E daí essa parte a gente só fala isso. Mas ela vai para o bingo, se ela quiser; ela faz tudo o que quiser. E fica me regulando. Já arranjou programa para o domingo: “Domingo eu não posso, mãe, eu vou sair” “Como você vai sair?” “Então, eu vou”. Mas eu tenho que pedir autorização para sair. Ela é uma graça. “Estou cansada de ficar aqui em casa presa. Sua tia quer ir no supermercado, na feira. Eu não quero mais”. Aí ela vai para o bingo. Quando eu crescer, eu vou ser como ela.
P/2 – Quais os seus sonhos hoje? É a última pergunta (risos).
R – Olha, para falar a verdade, eu não tenho sonhos, nem faço planejamento. Daí vocês vão perguntar: “Como não faz planejamento?” Não. Porque toda vez que eu planejo alguma coisa, eu falo assim: “Daqui a seis meses eu vou para tal lugar, fazer tal coisa”. Não dá certo. Tem que ser no susto. Eu não planejo. Planejo, no máximo, uma semana. Porque pode ser que não dê tempo. Não tenho sonho. Quero ir para Portugal, mas sem expectativas, sem planejamento. Imagina se eu vou fazer no Word o meu planejamento. Mas nem ferrando que eu vou fazer (risos). É a semana e está bom. E assim... Mentalmente, porque eu aprendi com a minha mãe. Claro que é cômodo. Quando você faz a sua agenda você já sofre com as coisas que você está escrevendo, já sofre antecipado. Então, faz na cabeça, ok. Se não tiver alzheimer dá para fazer na cabeça. Mas eu não faço planejamento a longo prazo, nem tenho sonhos.
P/1 – Muito obrigada!
R – Obrigada vocês! Sempre é bom conversar.
P/1 – Foi uma delícia te ouvir. Obrigada mesmo, Silvana!Recolher