Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Rodrigo Antonio Mendonça
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 8 de março de 2005
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número SOS_HV049
Transcrito por
P/1 – Boa tarde, Rodrigo, obrigado por você ter vindo. Você podia...Continuar leitura
Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Rodrigo Antonio Mendonça
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 8 de março de 2005
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número SOS_HV049
Transcrito por
P/1 – Boa tarde, Rodrigo, obrigado por você ter vindo. Você podia começar falando o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Boa Tarde. O meu nome é Rodrigo Antonio de Agostinho Mendonça. Eu estou com 27 anos, nasci em Cafelândia, interior do Estado de São Paulo, só que eu vivo desde que eu nasci na cidade de Bauru.
P/1 – E a sua família é de Bauru ou de Cafelândia?
R – A minha família é toda de Bauru, onde eu estudei, onde eu trabalho, onde eu vivo.
P/1 – E seus pais fazem o que?
R – Minha mãe é advogada, meu pai é comerciante. Eles são separados, divorciados. Eu sempre vivi numa família muito grande, um monte de gente e eu decidi trabalhar com meio ambiente.
P/1 – Você tem mais irmãos?
R – Tive um irmão que faleceu num acidente, e tenho três irmãos por parte do meu pai.
P/1 – E os seus avós, também eram da região?
R – Sim. Minha avó materna e meu avô materno, também os paternos, eram todos da região, onde eles construíram a vida deles, onde eles participaram, enfim, da vida da cidade.
P/1 – E seu pai é comerciante, ele trabalha com que comércio? Qual o ramo?
R – Meu pai vende de tudo e cada hora está mexendo com uma coisa. Agora, a minha mãe optou pela área do direito e está lá trabalhando.
P/1 – E seus avós também eram comerciantes ou eles faziam...
R – Não. Eu tive contato com os meus avós maternos. A minha avó sempre cuidou da casa, coisa de família mais tradicional, e o meu avô sempre trabalhou muito. O meu avô trabalhou muito em indústrias, na área de mecânica, ele trabalhou em muita coisa, meu avô sempre trabalhou bastante.
P/1 – E como é que foi a sua infância? Você poderia contar um pouquinho?
R – Minha infância foi bem divertida. Eu aprontava bastante, mas eu, desde pequeno, sempre gostei de meio ambiente, de árvore, de bicho, de floresta. A vizinha coitada, eu subia em cima da árvore, brigava com a rua inteira. Desde pequeno eu sempre me dediquei a ações de meio ambiente. E já com quinze, dezesseis anos, eu já estava participando de entidades ambientalistas. Com quinze anos eu cheguei a participar da Rio-92, da Conferência das ONGs de Meio Ambiente no Rio de Janeiro, aí eu decidi que eu queria trabalhar com meio ambiente. Comecei a participar da SOS Mata Atlântica, participar do Greenpeace, de outras entidades. Em 1994, eu com dezesseis anos, fundei uma ONG no interior do estado de São Paulo.
P/1 – Vamos só voltar um pouquinho. Quando você estava na escola, como que era essa questão assim, antes? Você participava de algum movimento ligado à questão ambiental?
R – Não. Eu que levava as campanhas, abaixo-assinados para dentro da escola, queria organizar protesto, a diretora ficava louca, a professora também. Na minha família ninguém trabalhava com meio ambiente, eu não tive contato nem na escola, mas era a minha paixão, então eu que criava o fato, eu que criava a notícia. Eu era um menino muito estudioso, chegava a ser chato, e depois eu fui ficando mais tranquilo.
P/1 – Quando você levava as coisas para a escola, como que chegavam essas informações para você poder levar para a escola?
R – Ficava sabendo de uma campanha, de um abaixo-assinado... A SOS tinha um abaixo-assinado pelo Rio Tietê, Amigos da Terra um abaixo-assinado em defesa dos animais, o Greenpeace contra a usina atômica, eu pegava os abaixo-assinados, passava na escola, recolhia duas, três mil assinaturas. Todo mundo assinava e ninguém sabia para quê que era, mas assinava. E eu ficava super contente em estar ajudando, dentro das minhas limitações, ajudar alguma coisa, enfim, na luta pelo meio ambiente.
P/1 – E como é que os amigos te viam?
R – Eles sempre achavam que eu era louco, meio estranho, mas meus amigos sempre apoiaram isso, foi muito legal. Na minha família também, tudo que eu sempre quis fazer minha mãe apoiava, desde participar de um protesto, de uma coisa maior, até mesmo montar uma estrutura própria, montar uma ONG, enfim, participar das atividades da SOS Mata Atlântica. Isso desde pequeno sempre tive apoio, inclusive dos meus amigos que não entendiam direito, achavam, não sabiam exatamente o quê que eu estava querendo com aquilo, mas o pessoal apoiava.
P/1 – E você acha que você teve uma pré-adolescência e uma adolescência normal, dentro dos padrões, ou você se diferenciava bastante por conta dessa sua paixão por questões ambientais?
R – Normal não foi, hoje eu vejo, não foi nem um pouco normal. Eu vivia cercado de livros de meio ambiente, de árvore, de bicho, de rio, de água. Todo fim de semana ia analisar água dos rios da minha região, levava meus amigos para conhecer a poluição, esgoto, participava de protesto. A hora que minha mãe via eu já tinha pegado o ônibus e ia participar de um protesto em outra cidade. Minha infância não foi normal não.
P/1 – E você consegue focar um ponto que a partir dali foi que você começou a se interessar por essa questão, alguma coisa que te chamou a atenção, alguém que te falou alguma coisa? Ou não teve isso?
R – Acho que foi todo um processo. Eu acho que teve alguns pontos que foram importantes, entre eles a Fundação SOS Mata Atlântica. Na época a Fundação coordenava um programa, o Projeto Observando o Tietê, de monitorar a qualidade de água dos rios do Estado. E aí, de repente chegava na minha cidade um cara, um Mário Mantovani, com uma mala cheia de kits de análise de água, um negócio super interessante. E aí eu fui conversar com o Secretário do Meio Ambiente da minha cidade, falar: “Olha, eu quero uma mala dessas”. E aí todo mundo com medo, aquele monte de reagente, produto químico. “Como vai dar na mão de um adolescente?” No final conseguimos uma mala daquela e aí eu me realizei. Acabei montando um laboratório na minha casa e eu analisava a água de todos os rios da região, denunciava, saia no jornal, na TV, em todo lugar. Isso foi um ponto bem interessante para mim. Uma outra participação na Rio-92, que eu decidi ir e na escola quase reprovei de tanta falta, porque eu peguei do nada e resolvi ir pro Rio de Janeiro e ver toda aquela concentração de pessoas, todo mundo lutando pelo meio ambiente, por um mundo diferente. Aquilo me motivou bastante a trabalhar com o meio ambiente. E alguns amigos que me apoiaram, o Gazeta, que era na época o Secretário do Meio Ambiente da cidade, também me deu uma força. O pessoal que realmente acreditou e possibilitou eu poder crescer, enfim, trabalhando com o meio ambiente, trabalhando com aquilo que eu gostava.
P/1 – Assim, só voltando um pouquinho, da Rio-92, como é que você fez para ir? Como é que foi? Você tinha quinze anos?
R – Quinze anos.
P/1 – E como é que foi isso?
R – Eu estava na oitava série e já gostava muito de meio ambiente, mandava cartas para ambientalistas, para as entidades. Eu fiquei sabendo que ia ter a conferência da ONU no Brasil, no Rio de Janeiro, aí eu começava a acompanhar as notícias nos jornais, e aí eu comecei, em casa mesmo eu falei: “Eu quero participar disso, eu quero estar lá”. Eu via os protestos que iam acontecer... Cheguei em casa, eu falei: “Mãe, eu quero ir pro Rio de Janeiro. Vou de qualquer jeito.” e não sei o que. Aí minha mãe pegou e arrumou uma tia para me acompanhar a tiracolo e acabei indo. Fiquei quinze dias no Rio de Janeiro acompanhando, participando das manifestações, de tudo que estava acontecendo, dos debates, e voltei super realizado e disposto a estar trabalhando cada vez mais para o meio ambiente. Fiz muito contato, comecei a mandar carta para o mundo inteiro trocando ideias com ambientalistas, com o quê que eu poderia estar fazendo. Até que, dois anos depois, eu decidi montar uma Organização Não Governamental no interior do estado, formada por jovens dispostos a cuidar do meio ambiente. E isso foi bem interessante, isso foi todo um processo muito interessante.
P/1 – E, assim, o que mais te chamou a atenção, o que mais te marcou na Rio-92?
R – Acho que o espírito da conferência, porque eu tive a oportunidade de participar agora da Rio+10 na África do Sul ,em Johanesburgo, e era um outro espírito. Na época da Rio-92 o mundo estava saindo do pós-guerra, estava saindo da Guerra Fria, estava um mundo de paz, enfim, todos imbuídos de uma boa vontade, de um mundo melhor. Enfim, já tinha ocorrido a queda do muro de Berlim... O discurso ideológico era um discurso de paz, de meio ambiente, enfim, de combate às desigualdades sociais. E hoje, dez anos depois, a gente vê um espírito completamente diferente, um espírito de guerra, guerra no Iraque, conflitos que já eram para ter terminado, principalmente no Oriente Médio. Situações onde o meio ambiente é colocado como principal entrave ao desenvolvimento do país, uma situação bem contrária a dez, doze anos atrás. Enfim, o espírito da conferência é o que realmente marcou, todos juntos por um mundo melhor.
P/1 – E quando você resolveu montar a sua ONG, como que foi isso? Era você sozinho? Dá para você contar um pouquinho esse processo?
R – A cidade que eu moro, Bauru, tem todos os órgãos de meio ambiente. Federal tem o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], estadual tem a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, CETESB [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], DPRM [Delegacia de Polícia Regional Metropolitana], Tem o Conselho de Meio Ambiente Municipal, tem uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mas faltava uma entidade não governamental, uma instituição da sociedade civil. E na época eu estava como voluntário, estagiando voluntariamente na Secretaria do Meio Ambiente da cidade. Eu não podia levar a SOS Mata Atlântica para a minha cidade, apesar de estar desenvolvendo nos projetos da Fundação na minha cidade, e de outras entidades também. Aí eu decidi que a cidade tinha que ter uma ONG. E aí reuni alguns amigos, reuni o Secretário do Meio Ambiente da cidade, reuni alguns professores e decidimos montar uma instituição que é o Instituto Vidágua. Completou agora dez anos, nós temos um monte de projetos em desenvolvimento, vários projetos, inclusive em parceria com a SOS Mata Atlântica. O que eu talvez tenha ficado mais feliz em conseguir concretizar é o site Clickarvore, que foi uma ideia minha que eu levei para a Fundação. Eu não consegui desenvolver ele sozinho, eu tinha feito o site, mas eu não conseguia recursos para manter o site. A Fundação abraçou a ideia e hoje é um dos sites ambientais mais acessados no Brasil, estamos chegando a quase cinco milhões de árvores clicadas para plantadas, e é um projeto nosso que cresceu bastante.
P/1 – E quando você pensou na ONG, como que você pensou ela? Qual era o foco dela?
R – A gente estava muito ligado, na época, com a questão do rio que fornece água para a nossa cidade, que é o rio Batalha. Então a gente tinha um laço muito forte com o rio, a gente queria criar um foco inicial, um projeto inicial, e adotamos o rio da nossa cidade, o rio Batalha. A gente teve que levantar toda a história desse rio, saber por que ele chamava rio Batalha, conhecer as batalhas que aconteceram nas margens desse rio, entre os índios e as pessoas que vieram ocupar essa região. Tivemos que conhecer os problemas ambientais do rio para cuidar do rio. Tivemos que conhecer as árvores que existiam, os animais, enfim, nós organizamos expedições, levantamentos, análises de água, fizemos um amplo levantamento desse rio, alguns projetos para recuperar esse rio, e por isso que a gente acabou escolhendo o nome da instituição Vidágua. A vida da cidade depende da água desse rio e é um rio super importante para uma região, ele percorre onze municípios, cento e sessenta e sete quilômetros de extensão, mas ele está totalmente degradado, e a gente optou por priorizar esse rio no início. Hoje a gente tem ações em outras áreas, em outros rios inclusive, outros projetos. Hoje a gente prioriza muito a ação de educação ambiental, mas esse foi o foco inicial, tanto que a gente lutou muito por ele e nós conseguimos, em 1996, transformar ele em Área de Proteção Ambiental municipal. E em 2000 toda a sua bacia hidrográfica se transformou em Área de Proteção Ambiental estadual, uma área de dois mil trezentos e setenta e dois quilômetros quadrados, que acabou virando uma Unidade de Conservação para proteger, para cuidar desse rio.
P/1 – E como que a ONG tem dez anos, você tinha dezessete? E como que era isso? Porque assim, dezessete anos, qual a credibilidade que as pessoas viam em você? Porque, assim, era olhado como uma criança, como que foi essa relação?
R – Era engraçado que eu não conseguia nem registrar a entidade no cartório. O cartório olhava e falava assim: “Você tem que ter dezoito anos para poder”. E era muito engraçado. Mas mesmo assim, uma pessoa ou outra acreditava, botava fé. No começo a gente... nos primeiros anos a entidade sobreviveu com o recurso dos próprios membros, porque ninguém queria dar um patrocínio para uma instituição que estava começando, que não tinha um passado, que estava sendo coordenada por um adolescente, enfim, mas algumas pessoas acreditaram e com isso o trabalho começou a crescer, fortificar, e hoje nós estamos super consolidados, um trabalho muito forte. Mais de mil professores já participaram dos nossos cursos de educação ambiental, de capacitação; nós temos hoje um viveiro de mudas que atende toda a região, com mais de duzentas mil mudas plantadas por ano, nós temos projetos de políticas públicas; nós participamos hoje, eu represento a instituição no Conselho Nacional do Meio Ambiente. Os nossos projetos tiveram um alcance regional muito forte, sempre em parceria com outras entidades, com a sociedade, enfim, foi um processo de amadurecimento e de construção. No começo muita gente não acreditava no trabalho.
P/1 – Você começou bem antes, você começou na Rio-92 a fazer essa troca de correspondência com outros países, com as pessoas de fora, com ambientalistas. O que chamava mais a atenção? Qual era o assunto mais discutido?
R – Os assuntos eram os mais variados possíveis, mas o que chamava a atenção é que as pessoas no mundo todo estavam se organizando. Estava ocorrendo um verdadeiro “boom” de Organizações Não Governamentais. A maioria não prosperou, mas a gente via que tinha muita gente bem intencionada querendo fazer muita coisa, não sabendo nem como. Não só fora do país, muita coisa rolando já no nosso país, muitas entidades já consolidadas, inclusive, em nosso país. E eu queria saber como participar disso tudo, como trazer essas instituições para a minha cidade, como mudar, enfim, os paradigmas, como cuidar do meio ambiente da minha cidade, o quê que eu poderia fazer. Eu queria saber o quê que as outras pessoas estavam fazendo para ver se eu também poderia fazer aquilo na minha cidade. E foi um processo, até que eu comecei a participar de algumas entidades, a SOS Mata Atlântica foi uma delas, como filiado e como voluntário, então sempre que a SOS ia fazer um evento a gente corria, dava jeito de ir participar, denunciava. Teve um caso que foi muito interessante, foi uma grande mortandade de peixes que aconteceu em 1993 no Rio Tietê, numa cidade próxima de Bauru, que é Barra Bonita. Uma usina de álcool lançou rejeitos químicos no rio, o produto da destilação do álcool, e trinta toneladas de peixes morreram. E eu dei um jeito de ir para lá, colhi as amostras, fiz um laudo. Eu nem era biólogo, nem podia assinar um laudo técnico, mas fiz um laudo e mandei para a SOS Mata Atlântica. A SOS Mata Atlântica correu lá na cidade, pegou o laudo, levou no promotor e o promotor abriu uma ação contra a empresa com base no laudo que eu fiz, um laudo de um adolescente de quinze anos. Então a gente fazia as denúncias, às vezes a imprensa, às vezes a gente denunciava pelo telefone, porque a imprensa geralmente não perguntava a minha idade, então achava que estava falando com um biólogo, com um técnico, e às vezes saía uma grande notícia. E o pessoal olhava: “Não é possível. Como é que deram espaço para esse moleque?” e tal. E o negócio ia andando e foi crescendo, foi bem legal.
P/1 – E como que era visto, nessa adolescência, a sua posição, o que você fazia, pela sua família? Como que era isso?
R – A minha família achava estranho, mas sempre apoiou, eu sempre tive apoio. Eu às vezes precisava de transporte, então pedia para a minha mãe me levar na beira do rio, minha tia, minha família. Precisava de dinheiro para comprar saquinho para plantar, para produzir muda em casa, ou uma enxada, uma cavadeira para poder plantar árvore, e minha família sempre ajudou em tudo. Eu não tenho nada a reclamar. A minha família apoiou sempre, até as idéias mais mirabolantes que eu tinha, então não posso reclamar de nada. Às vezes a gente só contava depois que tinha feito, mas minha família sempre apoiou.
P/2 – E aí, com dezessete para dezoito anos você terminou o colégio e aí você fez alguma faculdade, você foi para algum curso?
R – Eu tinha um sonho de fazer Biologia, eu queria fazer Biologia. Mas, ao mesmo tempo, eu estava me envolvendo com muitas denúncias, com problemas ambientais graves e eu não tinha um respaldo jurídico. E aí eu acabei optando por fazer Direito, para poder trabalhar nessa área jurídica, então, foi a área que eu acabei optando. Na faculdade eu já fazia muita coisa, em 1999 a gente conseguiu aprovar um dos primeiros códigos ambientais municipais do estado, ajudei todo o processo de elaboração, e aí foi todo um processo. Eu acabei optando pelo Direito sem largar a Biologia, eu não fiz a faculdade, mas todo ano a faculdade me chamava para dar uma palestra, pelo menos, pros biólogos lá e é uma das minhas paixões, enfim. Mas eu acabei optando pelo Direito e agora eu estou fazendo Jornalismo para estar atuando também em uma outra área, que eu acho importante do setor ambiental, que é a comunicação. Os ambientalistas têm uma dificuldade muito grande em se comunicar com a mídia, uma boa parte das notícias acabam sendo deturpadas, só mostram um lado da moeda, enfim. E eu acho que a área da comunicação também é uma área bem importante, sem deixar de lado o trabalho que eu tenho realizado junto ao Direito Ambiental.
P/2 – E você fez a faculdade de direito foi em Bauru mesmo?
R – Comecei aqui em São Paulo, na PUC. Ao mesmo tempo eu estava estagiando na SOS Mata Atlântica como voluntário. Mas eu não queria abandonar a entidade que eu criei em Bauru e eu decidi voltar para a cidade, para não abandonar o trabalho, e não deixar a entidade morrer. Tinha um medo muito grande de a entidade desaparecer pelo simples fato de eu ir morar em São Paulo, e aí eu voltei para Bauru e comecei a construir, enfim, fortalecer o processo. Transferi para Faculdade de Direito de Bauru e ao mesmo tempo começou a surgir uma outra situação. Por estar muito em evidência, por causa dos projetos, começaram a pintar convites para eu sair candidato e me envolver com política. E eu acabei saindo candidato a vereador já em 1996, com dezoito anos. Eu tive novecentos e noventa votos, faltou pouquinho para eu ser eleito lá na cidade. E acabei tomando gosto, quatro anos depois eu acabei sendo eleito vereador na cidade, com mil oitocentos e noventa e cinco votos. Então eu comecei a integrar outras áreas também.
P/2 – E como foi a sua atuação nesse primeiro mandato como vereador?
R – Foi bem louco. Foram quatro anos muito difíceis, eu cheguei até a pensar em desistir. O pessoal mais velho, muito conservador, não acreditava muito, não botava muita fé nos meus projetos. No começo eles aprovavam quase todos, então eu cheguei a apresentar cinquenta e dois projetos nesses quatro anos e vinte e um eu consegui aprovar e transformar em lei. Mas muitos que eu aprovava eles acabavam revogando depois, na hora que eles viam os efeitos. Então, por exemplo, eu fiz um projeto aumentando a área de preservação nos fundos de vale, nos córregos da cidade, e a hora que eles viam que as pessoas não iam poder mais construir casa na beira dos córregos e muitos vereadores, ligados ao setor imobiliário, que quer explorar inclusive essas áreas de fundo de vale, acabaram revogando essa lei. Eu tive alguns embates fortes em relação a essa questão de Direito Ambiental, enfim, de políticas públicas, de alguns projetos que eu apresentei. Alguns eu consegui aprovar não sei como. Hoje oitenta por cento da
minha cidade é Área de Proteção Ambiental por causa de projetos que eu elaborei, fiz e acabaram passando e hoje eles estão vendo os resultados. A cidade está sendo pressionada, mas foi uma experiência muito positiva, tanto que agora eu acabei sendo reeleito, fui o mais votado da cidade. O pessoal achava que eu não ia passar dos quinhentos votos, eu tive quase seis mil votos, eu fui o mais votado da história agora da minha cidade.
P/1 – Rodrigo, como foi você resolver ser vereador?
R – Sinceramente, eu não sabia nem o que o vereador fazia. Quando eu realmente me lancei, com dezoito anos, sabia que era um cargo político, que era o responsável pelas leis da cidade, mas eu não conhecia a tramitação da câmara, eu não sabia como é que funcionava. Eu nunca tive atuação política partidária, eu fui um vereador mais técnico, até por me dedicar a questões ambientais, eu estava mais preocupado com questões ambientais do que outra coisa. Mas eu acabei, depois da primeira eleição que eu perdi, com dezoito anos, eu resolvi me inteirar, me informar, fui ler o regimento, fui lendo como é que funcionava a lei orgânica do município, fui me aperfeiçoar. Até que na segunda eleição eu já sabia, mesmo sem ser vereador eu já sabia como é que funcionava a Câmara, como é que a gente apresentava projeto... Tanto que no primeiro dia, já apresentei quase dez projetos. Aí criou a maior discussão na cidade, “Onde já se viu? A Câmara Municipal não vai trabalhar só para ele”.
P/1 – Mas você foi convidado por alguém para ser vereador ou foi você que foi lá e falou: “Não, eu...”?
R – Eu fui convidado na época, pelo pessoal do Partido Verde. E eles me convidaram, eu não botei muita fé, mas dez dias antes da eleição eu tomei gosto e resolvi fazer campanha, de bicicleta mesmo. Acabou dando certo, isso foi legal.
P/1 – E aí, quando você foi eleito, você foi pelo Partido Verde?
R – Então, aí o Partido Verde entrou na maior crise na cidade. O Partido Verde sumiu, voltou, sumiu. Porque eu mesmo nunca fui de militância política, mesmo tendo sido eleito vereador, eu não participava do partido, de reunião, de nada disso. E aí acabei entrando num outro partido, foi uma situação super complicada, porque eu era uma pessoa muito polêmica, só arrumava encrenca. Então todo político quer trazer indústria para cidade e eles me viam como um político que queria fechar as indústrias da cidade, as indústrias poluidoras. E aí eu acabei tendo espaço só num partido super conservador, que é o PMDB, e eu acabei sendo eleito pelo PMDB. Foi até uma situação que a maior parte da população ainda acha que eu sou do PV. Mas eu acabei tendo que mudar de partido por uma situação, que o PV praticamente deixou de existir na cidade. Eu não tinha condições de manter sozinho o partido na cidade, então acabei optando por ficar num outro partido. Mas mesmo assim é tentar mudar o próprio partido, enfim, criar uma situação diferente.
P/1 – E a sua campanha para se eleger, agora pelo PMDB, quando você foi a primeira vez, você focou na questão ambiental. E qual é o que você mais discutia?
R – A gente tentava mostrar para as pessoas a importância da questão ambiental. As pessoas ainda enxergam o meio ambiente como uma questão ligada a uma praça, ao zoológico, aos animais, as pessoas não se sentem inseridas no meio ambiente, não sabem que quando se fala em meio ambiente, se está discutindo a qualidade da água que essa população bebe, do saneamento, da questão do lixo, da questão da qualidade do ar, das doenças que são transmitidas para a população pelos problemas ambientais. Enfim, a gente procurou mostrar para a população a importância do meio ambiente na vida dessas pessoas. Isso é um processo bem interessante porque, quando a gente começou a discussão, o tratamento de esgoto da cidade não era prioridade e hoje passou a ser a prioridade número um da cidade. O lixo, ninguém discutia a questão do lixo, hoje o lixo é uma das
prioridades da cidade. Então isso foi um processo bem interessante. A própria campanha eleitoral em si, você já consegue ter um espaço na mídia, enfim, um espaço para poder debater assuntos que você considera relevante. Isso foi muito interessante, inserir a discussão ambiental numa discussão política. E agora até teve alguns fatos interessantes. Agora na última eleição, como eu fui o mais votado, tem vereador que brinca e fala assim: “Ah, agora eu vou começar a plantar árvore também”. Aí outro fala assim: “Ah, eu vou cuidar das praças”. Então começou a despertar, porque o pessoal falou: “Poxa, você conseguiu ser eleito com a bandeira ambiental, talvez essa seja uma boa bandeira”. E outras pessoas estão seguindo nessa mesma linha, isso está sendo muito interessante.
P/1 – E você fez uma pesquisa para saber qual a faixa etária que mais votou em você, a classe? Você tem ideia disso?
R – Eu tive muito voto da juventude da cidade e muito voto junto a formadores de opinião. Então as pessoas que acompanhavam o nosso trabalho pelo jornal, pela TV, enfim, por tudo aquilo que a gente vinha realizando essas pessoas acabaram votando, acreditando, isso foi um processo bem interessante. Mas nem por isso eu deixei de ter voto nos bairros mais pobres, e fazendo uma campanha super tranquila, sem precisar comprar voto, sem precisar, enfim, fazer qualquer tipo de apelo. Apenas discutindo os problemas ambientais de cada um dos bairros, discutindo porque que aquela população vivia sem o esgoto, porque naquela região existe o problema, por exemplo, da leishmaniose, da dengue, que são doenças ligadas a problemas ambientais.
P/1 – Só voltando um pouquinho, antes da eleição. A sua mãe é formada em Direito, teve alguma influência por você escolher a profissão ou não?
R – Eu estaria mentindo se dissesse que não. Mas, por um outro lado, não me motivou a atuar na área que a minha mãe atua, que é no ramo realmente de Advocacia. O Direito no Brasil ainda é muito ligado às questões particulares, é a briga do vizinho, é o divórcio, são situações ligadas, enfim, a uma indenização... A prioridade do Direito no Brasil, da Justiça, não é o direito público, o direito comunitário, o direito ambiental, e talvez por isso eu tenha obtido um exemplo do que não fazer. Então acabei optando por uma outra área do direito, completamente diferente da área que minha mãe atuava. Mas teve influência sim. Eu pude perceber que o Direito, mesmo para muitas pessoas, achando que não tinha nada a ver com meio ambiente, que o Direito era um instrumento para poder fazer muita coisa, criando leis ambientais, processando empresas que estavam poluindo... Inclusive, em diversos momentos a gente teve problemas na área jurídica, de processar, de fechar empresa, de criar fatos, enfim, ligados a essa questão do Direito Ambiental.
P/1 – E quando você terminou a faculdade você continuou alguma coisa na faculdade, na área, ou não?
R – Na faculdade não. Eu fui convidado a integrar um programa internacional de formação de líderes ambientais, que é praticamente uma especialização, acho que até um pouco mais que uma especialização, na área de desenvolvimento sustentável, que é o Programa Lide. Esse programa me ajudou muito do ponto de vista de crescer profissionalmente, de conhecer outros ambientalistas, outras pessoas que atuavam nisso, não só no Brasil, em outras áreas, inclusive no mundo. E eu concluí esse programa agora ano passado, em 2003, 2004, a gente concluiu um programa. E isso me ajudou também na minha formação.
P/1 – E esse programa é feito onde?
R – É um programa financiado pela Fundação Rockefeller. Muitos ambientalistas no Brasil já participaram desse programa e esse é um programa de formação de lideranças na área de meio ambiente. Foi um programa que, para mim, acabou desenvolvendo alguns outros... outras qualidades que eu não tinha e que eu acabei aprendendo, enfim, me aperfeiçoando dentro desse programa. Existe uma organização no Brasil que coordena que é a ABDL, Associação Brasileira de Desenvolvimento de Lideranças, e foi um programa que para mim foi muito válido.
P/2 – Você tinha reuniões, tinha aulas? Como era a estrutura desse curso?
P – É um programa diferente. É um programa onde a gente acaba se relacionando com problemas concretos. A gente vai conhecer problemas de outros países ou de outras regiões do Brasil, e aí conhecendo problemas de perto e soluções criativas para esses problemas. E com o desenvolver algumas situações que o programa considera como situações ou qualidades de uma boa liderança... Para resolver o problema, precisa ter, como por exemplo, trabalhar em grupo. Talvez pela ausência de outros ambientalistas na minha cidade eu sempre trabalhei muito sozinho e dentro desse programa a gente acaba aprendendo a trabalhar, por exemplo, em grupo. Mesmo montando uma organização, no começo muita coisa acaba centralizada comigo, assim como outras situações, como gerenciar um conflito. Eu sempre fui uma pessoa de partir pro embate, e aí, nesse processo, a gente acaba aprendendo a como criar diálogo. Um caso que ficou famoso, inclusive, foi o caso das indústrias de baterias Ájax que eram, são ainda, uma das maiores fabricantes de baterias automotivas do Brasil. Elas possuem uma fábrica em nossa cidade e a gente vivia denunciando elas, até que a gente entrou com uma ação e conseguimos fechar essa empresa. Uma empresa com mais de mil funcionários, mas que tinha contaminado mais de vinte mil pessoas e mais de quinhentas crianças estavam doentes com problemas neurológicos em decorrência da contaminação dessa empresa. Foi um embate, um conflito. E é difícil para saber gerenciar um conflito como esse, com a imprensa em cima, com opinião pública dividida, uma parte da população defendendo os empregos, uma parte da população defendendo a saúde da própria população que estava contaminada, estava doente, enfim, e ao mesmo tempo uma discussão política em torno disso também. O pessoal olhava e falava: “Poxa, um vereador fechando uma empresa, que contra-senso”, e ao mesmo tempo a gente tendo o apoio da maior parte da população. No momento que a população era informada do que estava acontecendo, que a água estava contaminada por chumbo, o ar contaminado, o solo, os alimentos, tudo contaminado, a população doente... Uma situação como essa é onde a gente acaba amadurecendo, aprendendo, sabendo como lidar com esse tipo de problema.
P/2 – Com a sua formação na área do Direito, você conseguiu dialogar melhor com essa questão de leis e ter uma noção mais abrangente nisso. Rodrigo, o quê que você acha da legislação ambiental brasileira? Muito se diz que ela é extremamente avançada, abrange tópicos que em outras não é abarcado. O que você tem a dizer sobre ela?
R – Eu acho assim, a legislação ambiental brasileira, desde os anos 80, com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a 6938 de agosto de 1981, a gente tem alguns marcos importantes. Nós temos uma legislação, até de certo modo, eficiente, o problema é que nós não temos instrumentos para colocar essa legislação em prática. Eu acho que esse, talvez, seja hoje um grande desafio no Brasil. E um outro grande desafio é manter essa legislação, porque as pressões são cada vez maiores, toda vez que essa legislação começa a entrar realmente em funcionamento, pegar, porque no Brasil muitas vezes tem essa história de que tem lei que não pega, ocorrem pressões no sentido contrário para acabar com essa Legislação Ambiental. É o que está acontecendo agora com a legislação de Licenciamento Ambiental, nós não temos hoje, no Brasil, estruturas de fiscalização. Então, não adianta você ter uma lei proibindo a poluição, punindo a poluição, se você não tem fiscal, um técnico capacitado para ir lá monitorar e combater esse tipo de poluição. A mesma coisa em relação ao desmatamento. Você tem uma região hoje como a Amazônia, sendo devastada a um ritmo de vinte e cinco mil quilômetros quadrados por ano, uma área assustadora, uma área maior que a França, dentro do Brasil, na Amazônia, já foi devastada. A mesma coisa em relação à Mata Atlântica, quatro, cinco campos de futebol sendo devastados por minuto em um bioma que é um dos mais ameaçados do planeta. E você tem uma legislação hoje que proíbe o desmatamento. Em relação à Mata Atlântica nós temos o decreto 750, que proíbe o desmatamento da Mata Atlântica, mesmo assim ele acontece. Nós não temos fiscalização, nós não temos políticas públicas, os orçamentos da área ambiental são sempre os menores. Orçamentos menores, a um por cento do orçamento de todo o Governo do Estado, do Governo Federal, são aplicados na área ambiental. Então não adianta você ter a legislação se você não tem instrumentos para colocar ela em prática. O Brasil tem muita legislação, muitas precisam ser aperfeiçoadas, a gente não pode parar no tempo só porque nós já temos leis demais, então para por aí. Não, nós temos que aperfeiçoar essa legislação, aperfeiçoar o Sistema Nacional do Meio Ambiente, e, para que isso aconteça, nós precisamos realmente de parcerias da sociedade, do governo, de políticas públicas sérias, consistentes, que não sejam meros projetos demonstrativos, mas que elas sejam realmente políticas públicas, que elas realmente modifiquem de maneira estrutural essa situação de degradação ambiental que a gente vive no país.
P/2 – Você disse que quando foi fundado o Vidágua a cidade carecia de outras ONGs ambientais. E depois do Vidágua, surgiram novas ONGs? Como que foi essa movimentação na sua cidade, em Bauru?
R – Isso foi bem interessante. O primeiro projeto nosso de recuperar o rio Batalha, nós começamos a organizar fóruns de discussão para cuidar do rio Batalha, e acabou surgindo uma outra ONG só para cuidar do rio Batalha, que é o Fórum Pró Batalha, que é uma entidade hoje que trabalha em parceria com a gente. Outras instituições acabaram surgindo, principalmente em áreas correlatas com a área ambiental, como por exemplo, a área de proteção aos animais, questões ligadas à cidadania, isso foi bem interessante. Associações que não lidavam com o meio ambiente, por exemplo, associações de moradores, passaram a trabalhar, a ter projetos também na área ambiental. A gente acabou movimentando os próprios órgãos ambientais, por ter uma ONG na cidade cobrando, eles começaram a trabalhar mais, a eficiência deles, com certeza aumentou. Outros projetos acabaram surgindo, principalmente em decorrência dessa cobrança da ONG, enfim, da entidade ambientalista em relação a todos.
P/2 – E hoje há uma integração entre essas diferentes ONGs?
R – Há. Pelo menos na nossa cidade a gente tem uma integração. Muitas vezes a gente vai pro embate, mas sabendo respeitar as diferenças, sabendo respeitar os problemas dentro de um processo democrático.
P/2 – E como é a relação dessas ONGs, ou da que você faz parte, com as ONGs de fora da cidade, como a SOS, como o Greenpeace, como tantas outras ONGs ambientais?
R – A gente sempre procura trabalhar em parceria, a gente sabe que sozinho a gente não vai conseguir avançar muito. Então, com a SOS Mata Atlântica a gente tem uma parceria desde a fundação. Integrantes da SOS Mata Atlântica participaram da nossa fundação, a gente tem uma parceria, um laço muito forte. Os maiores projetos nossos, que é o Clickarvore, que está plantando árvore hoje no Brasil inteiro, é uma parceria nossa com a SOS Mata Atlântica. E com as outras entidades a gente também mantém essas parcerias. A gente ajudou a criar muitas entidades na região, isso foi um processo muito interessante. Cidadezinhas da região viam o nosso exemplo, queriam criar uma entidade, a gente ia lá, levava o estatuto, ajudavam eles também a criar a sua própria entidade, isso foi um processo muito legal. Hoje a gente atua em parceria com eles, a gente doa muda para eles, eles estão plantando, enfim, a gente manda um projetinho que a gente fez na nossa cidade para eles tentarem aplicar na cidade deles, a gente também tem muita parceria com as outras entidades dentro das redes, dentro dos fóruns. Então existe a Rede de ONGs da Mata Atlântica, a gente está na coordenação do Estado de São Paulo, tentando ajudar as outras entidades a lutar pela Mata Atlântica, a gente já atua no Fórum Brasileiro de ONGs para estar atuando, interagindo, com as outras entidades na área de políticas públicas. A gente participa também da Rede de ONGs do Cerrado para ajudar o Cerrado também, que está sendo devastado num ritmo muito grande. Enfim, a gente procura atuar aonde a gente pode, tanto para conhecer o que está acontecendo quanto para, enfim, trazer outras iniciativas para nossa cidade.
P/2 – E como você vê a situação da Mata Atlântica hoje? Qual é a real situação?
R – A Mata Atlântica está totalmente fragmentada. Houve um processo de devastação totalmente desequilibrado, os nossos processos históricos, os nossos ciclos econômicos, eles têm início com a devastação da Mata Atlântica, o ciclo do Pau-brasil, da cana-de-açúcar, o ciclo da pecuária, o ciclo do café, que foram ciclos de devastação da Mata Atlântica. Então ela é o nosso bioma mais ameaçado, mais devastado, mais fragmentado. A gente, mesmo com todos os esforços que estão sendo feitos e que vão ser ainda feitos nos próximos anos, o nível de extinção de espécies é gritante. Estamos perdendo, a cada dia, centenas, se não milhares, de espécies da nossa Mata Atlântica. Ela nunca vai ser a mesma que foi no passado. Nós vamos ter que saber como lidar, como conservar a Mata Atlântica e ao mesmo tempo lidar com a população brasileira, que praticamente oitenta por cento da população vive dentro da Mata Atlântica, em áreas que eram ocupadas pela Mata Atlântica ou que ainda estão ocupadas pela Mata Atlântica. Como o país desenvolver sabendo respeitar a Mata Atlântica e como recuperar grande parte do que foi devastado? Que muita coisa que foi devastada estava em área de manancial, estava em cabeceira de rio produzindo, gerando água para a população, eram florestas que poderiam estar fornecendo renda, como ocorre ainda em algumas regiões com a exploração, por exemplo, do palmito. Enfim, a Mata Atlântica precisa ser valorizada. A sociedade brasileira precisa saber que ela mora dentro da Mata Atlântica, as pessoas vivem na Mata Atlântica, as pessoas precisam saber respeitar a Mata Atlântica. As pessoas acham que as leis que protegem a Mata Atlântica apenas impedem o desenvolvimento. Isso é um grande contra-senso. Noventa e três por cento da Mata Atlântica foi devastada. Então você, a princípio você tem noventa e três por cento do bioma para ser ocupado, para ser utilizado. Como saber agora conservar esses sete por cento e como fazer ele aumentar um pouquinho? Como a gente pode, enfim, recuperar áreas que estão degradadas? Tudo isso vai ser um longo processo. Nós temos muitas áreas que ainda podem ser transformadas em Unidades de Conservação, muitas áreas que precisam ser recuperadas urgentemente. Corredores ecológicos precisam ser criados, porque senão a gente vai perder outras espécies, enfim, é uma situação muito difícil.
P/2 – E quais são os principais inimigos para a conservação desse bioma hoje?
R – Eu vejo um só, o próprio homem. É a falta de conscientização, é a falta de, enfim, de respeito com a Mata Atlântica, com o meio ambiente que existia aqui. Muitas vezes as pessoas só fazem a análise de quanto que o meio ambiente da pro homem numa relação simplesmente econômica. A gente tem que analisar que antes disso tem um dever ético inclusive, uma questão ética de a gente respeitar as espécies que existiam aqui, a floresta que, ao longo de milhões de anos, evoluiu para ser o que é a Mata Atlântica hoje, toda essa riqueza de espécies, essa diversidade. Então a partir do momento que o homem aprender a viver com a Mata Atlântica, dentro da Mata Atlântica, respeitando a Mata Atlântica, com certeza isso vai mudar. Mas a gente vê muita dificuldade aí pela frente, a gente vê o tempo todo ainda desmatamentos acontecendo. Uma queda de braço entre aqueles que querem o desenvolvimento a qualquer preço e aqueles que lutam por um desenvolvimento sustentável, enfim, políticas de governo totalmente esquizofrênicas onde um Ministério quer a conservação e outro quer a devastação. Conflitos instalados que precisam ser repensados.
P/1 – Enquanto você estava falando, eu voltei um pouquinho numa fala sua, que você falou que foi para Johanesburgo. Como que foi essa experiência, as pessoas que estavam lá? E o quê que você tirou de lá?
R – Johanesburgo, a Conferência da Cúpula da Terra que aconteceu em 2002, foi um momento de avaliação de um processo que começa em 1992, na Eco-92. Uma série de tratados acabaram sendo assinados. Aconteceu um quadro de mudanças climáticas, a comissão de biodiversidade, a declaração de florestas, a Agenda 21, enfim, uma série de
processos foram lançados, e precisava ter um momento de reavaliação disso tudo e de se criar novas iniciativas, novos processos. A Conferência de Johanesburgo para mim foi um grande fracasso, fracasso onde o homem, de uma maneira geral, como humanidade, falhou. Falhou em acreditar na capacidade de a gente avançar nessa discussão. Os países estavam muito mais preocupados com a guerra no Iraque, com a questão, enfim, do 11 de setembro e não estavam realmente focados na questão ambiental. Estavam observando a questão ambiental só nos custos, custos e custos e não, enfim, os benefícios que a conservação ambiental pode gerar. Então para mim foi uma experiência muito importante de poder estar participando da conferência. Enfim, foi uma chance muito boa, eu agradeço a todos aqueles que me ajudaram para poder participar dessa segunda conferência dez anos depois, numa situação já diferente. Em 1992 eu era um mero expectador, em 2002, em Johanesburgo, eu já era um ator dentro do processo, eu participava das discussões, dos debates, entrava nas salas de reunião, interagia, fazia “lobby”, enfim, mas mesmo assim foi um grande fracasso. Para mim, eu saí muito decepcionado da conferência, porque nós não conseguimos avançar, pelo contrário, nós regredimos. Numa avaliação muito clara, a gente regrediu muito nesses dez anos. E enfim, muita coisa vai ter que ser repensada.
P/1 – Ainda pegando essa fase que você já falou um pouquinho de algumas coisas. Como que foi, que você falou que fez um estágio na SOS. Como que foi esse estágio?
R – Eu já fazia um estágio por telefone, por carta, enfim, voluntário, atuando. Pegava os projetinhos da SOS e aplicava na minha cidade, via o quê que dava, mas por um tempo eu comecei a frequentar a Fundação, e era aquele que faz tudo. Para mim foi muito importante, mesmo interagindo com coisas simples, por exemplo, passando um fax, atendendo um telefone, ajudando a colar os selos nas cartas. Para mim foi muito importante para ver o funcionamento de uma instituição de perto, como era o dia-a-dia, a correria, receber uma denúncia e correr, tentar encaminhar para que a polícia ambiental ou o IBAMA pudesse chegar lá e impedir a devastação da área que estava acontecendo naquele instante, para mim foi muito importante. Mesmo que tenha sido por um intervalo de tempo muito pequeno, enfim, alguns meses, mas para mim valeu muito a pena, não só pelas amizades que eu fiz dentro da Fundação, por conhecer outros ambientalistas, mas realmente por entender a luta mais a fundo, saber realmente quais são as estratégias que a gente pode ter, o quê que a gente pode fazer, tudo aquilo que a gente pode, enfim, envidar esforços para salvar a Mata Atlântica.
P/1 – Com toda essa bagagem que você tem, essa troca de informações, as experiências de ter participado da 92, de ter trocado figurinhas com outras pessoas, outras entidades em Johanesburgo, ter convivido com a SOS... Como é que você vê a questão ambiental, os ambientalistas no Brasil com a comunidade ambientalista internacional? Você acha que está no mesmo nível? Que a gente tem muito que ensinar ou a gente tem muito que aprender? Como que é isso?
R – Eu acho que, num determinado momento, o movimento ambientalista acabou se profissionalizando, acabou amadurecendo as discussões, mas eu acho que ainda falta muito diálogo, tanto em relação às entidades nossas com as nossas próprias entidades e com as entidades de fora do Brasil. Tem muita instituição de fora do Brasil que adoraria estar ajudando a salvar a Mata Atlântica, enfim, dentro das suas possibilidades ou em outras campanhas. Enfim, está faltando esse tipo de diálogo, esse tipo de conversa. As entidades ambientalistas no Brasil, mesmo elas participando de redes pela internet, elas precisavam começar a somar mais os seus esforços. A gente vê muitas ações isoladas, muita dicotomia, muitas entidades às vezes sem saber como lidar com determinado problema, enfraquecidas. A gente vê situações de ameaça, uma verdadeira crise instalada, e a gente começa a ver, inclusive, assassinato de ambientalistas, de pessoas que lutam em movimentos sociais ligados também à questão ambiental. Tivemos o caso da missionária Dorothy, tivemos o caso do senhor Júlio, lá no Rio de Janeiro, casos bem recentes, e ao mesmo tempo nós temos ambientalistas sendo ameaçados no Brasil todo. Ou seja, existe uma crise hoje entre o setor ambiental e o setor de desenvolvimento e a gente precisa saber lidar com tudo isso. Eu acho que está faltando esse tipo de diálogo, está faltando o diálogo também do Governo com a sociedade civil. Por causa de alguns péssimos exemplos de algumas ONGs em situações bem isoladas, que desviaram dinheiro, que praticaram irregularidades, as pessoas não estão enxergando nas ONGs o papel real da sociedade civil. Muitas pessoas estão tendo, inclusive, preconceitos com a sociedade civil, com as não governamentais. Isso não pode acontecer, a sociedade civil tem que dialogar com a comunidade. A sociedade civil organizada, sejam Institutos, Associações, Fundações, precisam estar permanentemente dialogando com a sociedade, tentando entender as reivindicações da sociedade, tentando entender os processos. A mesma coisa o Governo, nós não podemos ter políticas completamente opostas dentro de um mesmo Governo. O Governo tem que saber qual que é a sua linha, para onde ele quer atuar. Hoje a gente vê hidroelétricas devastando a Mata Atlântica, nós vemos ações de governo devastando a Mata Atlântica ao mesmo tempo que a gente tem o Ministério do Meio Ambiente tentando salvar a Mata Atlântica. Isso é inviável. Ao mesmo tempo em que a gente tem o setor agrícola no país recebendo bilhões de investimentos, tem o setor ambiental que todo ano sofre cortes nos seus orçamentos. Enfim, essas situações não podem mais acontecer. A sociedade civil organizada precisa dialogar, seja com o Poder Público, seja com a sociedade, mostrar a que ela veio, para quê que existe uma Fundação, uma Associação, enfim, qual é a importância e o quê que muda na vida das pessoas.
P/2 –Rodrigo, você, lá atrás falou que, logo no começo, na época que ainda você tinha quatorze, quinze anos, você já se interessava pela SOS, pelos projetos, tomou contato. Como foi esse contato? Como você tomou conhecimento da Fundação?
R – A gente via pela TV, no jornal. Desde pequeno eu adoro ler jornal, ficava sabendo alguma coisa, tinha um tal de Mário Mantovani fazendo tal coisa, tinha o Samuel, um pessoal assim querendo cuidar do Rio Tietê, querendo cuidar da Mata Atlântica. Isso criava certa sedução na gente, de querer participar disso, participar dessa luta, desse processo. E, ao mesmo tempo, eu já convivia com os meus problemas locais, a árvore do vizinho, o vizinho que batia no gato, enfim, a praça mal cuidada, a coleta seletiva que a prefeitura tentava fazer e ninguém participava e a gente queria saber por que que as pessoas não participavam. A gente tinha os problemas locais bem pontuais, problemas que eu, como criança, adolescente, podia estar participando, podia estar me envolvendo. E acabava me envolvendo. E isso ia criando em mim uma coragem de participar de coisas maiores, com a vontade de participar de coisas maiores. Então, quando a fundação criou um projeto lá na cidade, a gente correu lá e abraçamos o projeto, abraçamos a ideia, como o projeto de outras entidades. Agora, o que foi interessante nesses projetos da SOS Mata Atlântica foi acreditar e confiar em pessoas que estavam atuando em cada uma das cidades onde tem a Mata Atlântica ou, no caso mais específico do Projeto Tietê, nas cidades banhadas pelo Rio Tietê. Então a SOS chegava numa cidade, eu pude acompanhar muitas viagens da Fundação pelo interior do estado, por exemplo, na cidade Nova Europa, onde quem gostava de cuidar do rio era o padre da cidade. Então a SOS chegava, entregava uma malinha de análise de água para o padre da cidade, o padre ia lá cuidar do rio. Chegava à Barra Bonita, era o Comandante Hélio Palmesan, era um comandante do navio que era ele que gostava do rio, então a SOS confiava nessa pessoa a atribuição de cuidar do rio. A gente, em cada cidade que chegava, Araçatuba, (____?), querendo desenvolver o turismo e querendo cuidar do rio Tietê. Ou numa outra cidade em grupo de escoteiros. E essa situação de você confiar nas pessoas que já atuam naquela região, mas que não têm um nome como o nome da Fundação SOS Mata Atlântica tem, isso é muito importante. É valorizar o que já está sendo feito e potencializar essas ações. Eu estava louco para cuidar do meu rio, mas não sabia como e a Fundação me ajudou nisso, me ajudou nesse processo. Então, eu sentia o maior prazer de ir lá todo fim de semana saber como que estava o meu rio, ligar para a rádio, ligar para o jornal e denunciar: “Olha, o rio está poluído, deu quatro miligramas por litro de oxigênio”. O jornalista: “Mas o quê que é isso? O que quer dizer esse negócio de oxigênio? Oxigênio tem no ar, não tem na água”. “Não, tem na água”. E aí explicar. Então isso era muito interessante, valorizar realmente quem atua na região, as pequenas entidades, as pequenas instituições e fazer inclusive com que elas possam crescer, progredir, e ampliar seus projetos.
P/2 – E quem eram essas pessoas da SOS que você primeiro travou contato?
R – Quem mais me incentivou foi o Mário Mantovani, que na época era superintendente, depois virou coordenador de relações institucionais. O Samuel Barreto que hoje está na WWF, que entrou como biólogo para cuidar do projeto e de repente estava lá no meio, nem sabia direito o que estava fazendo, envolvido com um monte de grupo de monitoramento. O Claudinho, a Mariana, educadora ambiental, os dois educadores ambientais do programa. O Adauto, cuidando da parte financeira da Fundação. Às vezes a gente entrava em contato com ele e ele sempre era muito atencioso com as nossas iniciativas, enfim. O Beloyanes sempre coordenando os voluntários, as ações, enfim, e que sempre que a gente queria trocar uma idéia sempre se dispunha a ajudar. A Dona Erundina, que é a eterna zeladora da SOS Mata Atlântica, a faxineira, que serve cafezinho, serve chazinho, mas que a gente chegava lá, ficava trocando ideia com ela e ela incentivava para caramba o nosso trabalho. Enfim, todo mundo lá dentro, o pessoal sempre ajudou, sempre se dispôs a ajudar, mesmo nas horas mais difíceis.
P/2 – E nesse período que você passou a ter contato mais direto com a SOS, você consegue se lembrar quais eram as principais frentes de atuação da Fundação, do que ela estava focada naquele momento?
R – A SOS, acompanhando nesses doze, treze anos que a gente acompanha a Fundação, não como funcionário, mas como alguém de fora, mas se relacionando com a Fundação, a gente vê que a Fundação passou por várias mudanças. No início campanhas bem focalizadas, a campanha “Estão tirando o verde da nossa terra”, enfim, a campanha pela despoluição do rio Tietê, a campanha Desmatamento Zero, pela aprovação da lei da Mata Atlântica que, enfim, que até hoje não conseguiu ser aprovada. Mas eu vi que também, em alguns momentos, a gente de fora sentiu que às vezes a Fundação acabou caminhando para uns lados que nem toda a sociedade ou todos os outros ambientalistas acabavam concordando. Mas eu acho que foi tudo parte de um processo de amadurecimento institucional, a entidade saber que caminho é o melhor para ela, como fazer a captação de recursos, como conseguir, enfim, ter o apoio da iniciativa privada, ter o apoio da sociedade. A SOS aprendeu muito nesses anos e isso, para quem está de fora, também é muito interessante. Observar momentos da Fundação, em épocas em que a fundação achava, por exemplo, que não deveria se envolver de maneira alguma com política, e momentos onde a Fundação estava envolvida em política pública pela Mata Atlântica de maneira muito mais clara. Reconhecer alguns erros... Então acho que a Fundação pôde amadurecer em todo esse processo e hoje tem tudo para ser, enfim, a maior e mais importante entidade ambientalista do Brasil.
P/2 – Você citou alguns projetos da SOS. Teve algum que tenha te chamado a atenção por um motivo específico, que você tenha um carinho especial por ele?
R – Eu tenho um carinho especial pelo Núcleo Pró Tietê, pelo programa Observando o Tietê, até porque foi assim onde eu... um dos primeiros projetos que eu me envolvi de cabeça mesmo. Eu nem sabia de onde vinha a água da minha cidade e de repente eu estava monitorando a água da minha cidade, denunciando, cuidando do rio da minha cidade. E teve um outro que foi muito interessante que foi o Clickarvore. Eu queria plantar árvore, ninguém me dava dinheiro para plantar árvore, pedia patrocínio e nenhuma empresa ajudava. E eu queria arrumar recurso para poder reflorestar as margens do rio da minha cidade, reflorestar outras áreas de Mata Atlântica. Eu tive a idéia de fazer um site onde as pessoas clicavam e plantavam árvores. E nesse site aparecia a marca de empresas que patrocinavam o plantio dessas árvores. Eu fiz o site e procurei a Fundação, e na hora a Fundação abraçou a idéia, e hoje é um dos grandes projetos da SOS Mata Atlântica. Milhões de árvores já foram plantadas, projetos espalhados no Brasil inteiro, nos dezessete estados da Mata Atlântica. E foi uma chance de a gente trazer uma sugestão, essa sugestão ser abraçada. Isso que é legal na Fundação, às vezes uma idéia positiva acaba se transformando num grande programa, num grande projeto. E aí eu tenho um carinho especial por esse programa, por esse projeto, que realmente está ajudando a reflorestar a Mata Atlântica. Se pro empresário às vezes é marketing, ele tem uma propaganda no site, enfim, a pessoa que planta árvore vê a marca daquela empresa, pras entidades ambientalistas que recebem os recursos para plantar essas árvores, isso faz a diferença. para aquele rio que recebeu aquelas árvores, aquelas mudas, esse projeto fez a diferença. E hoje nós já estamos passando dos três milhões de árvores plantadas, estamos chegando a quase cinco milhões de árvores clicadas. Enfim, é um projeto que para mim eu tenho um carinho todo especial.
P/2 – Muita coisa mudou no movimento ambientalista, nas organizações ambientais nesses últimos dez, quinze anos. Levando em conta tudo isso, o que você acha, quais são as perspectivas para a Mata Atlântica daqui para frente?
R – Eu acho que tem perspectivas muito positivas. Eu acho que o Brasil, se ele souber aproveitar algumas oportunidades, como agora a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, saber aliar pesquisa científica com a conservação da Mata Atlântica. As pessoas precisam saber as riquezas que existem dentro da Mata Atlântica, para as pessoas conservarem a Mata Atlântica, precisam conhecer a Mata Atlântica. Quando a SOS fez os primeiros Atlas de monitoramento do desmatamento da Mata Atlântica, de mostrar a Mata Atlântica, mostrar o que tinha, o que estava sobrando na Mata Atlântica, isso foi um grande passo. A sociedade passou a enxergar a devastação que estava acontecendo no quintal da casa delas, mas as pessoas não tinham idéia da dimensão disso tudo, enfim, do tamanho do estrago que estava sendo feito. Então eu acho que existem oportunidades sendo criadas. A sociedade civil vai ter que saber como lidar com essas oportunidades, como se aperfeiçoar, como ter metas mais claras, como que as entidades ambientalistas podem estar realizando planejamento e buscando a concretização desse tipo de planos, desse planejamento. A gente precisa disso tudo. Nós não podemos, e aí eu falo como ambientalista, nós não podemos ficar preocupados o tempo inteiro de correr sempre atrás do prejuízo. Você tem que se antever, a gente tem que trabalhar na prevenção, na precaução dos problemas ambientais. E aí eu acho que as entidades ambientalistas ainda têm um longo caminho a percorrer, de amadurecimento de idéias, de amadurecimento de profissionalismo, enfim, de amadurecimento político, de discutir políticas públicas do nosso país em relação à Mata Atlântica. Eu acho que isso é até mais importante do que a própria aprovação do projeto de lei da Mata Atlântica. Se existirem políticas públicas concretas para a Mata Atlântica, independente de ter uma lei, a gente vai ter a conservação da Mata Atlântica.
P/1 – Rodrigo, a gente está chegando ao final. Você queria falar alguma coisa que a gente não te perguntou, que você acha que é importante? Voltar um pouquinho a alguma coisa que você acha que você não falou o bastante?
R – O que eu tenho a dizer é que a SOS, para mim, foi muito importante na minha vida e nas escolhas que eu fiz, nas decisões que eu tomei, que com todas as dificuldades, com todos os problemas que aconteceram nesses anos, a fundação foi para mim muito importante, e ela é toda especial no meu dia-a-dia de trabalho. Eu não vou me esquecer nunca dos projetos, das ações que eu desenvolvi com a Fundação SOS Mata Atlântica. E por isso a gente torce que agora, com o aniversário da Fundação, a Fundação cresça ainda mais, que ela possa, enfim, consolidar as suas iniciativas, consolidar os seus projetos, enfim, conservar a nossa Mata Atlântica.
P/1 – Como que você vê a Fundação daqui a uns dez anos?
R – Eu acho que a Fundação não vai ser muito diferente do que ela é hoje, em termos de estrutura, até porque a estrutura não é o mais importante. Eu acho que a grande questão é que, em dez anos, eu acho que a gente pode amadurecer ainda mais todo esse processo, que foi, de certa forma, se consolidando. Eu acho que agora a gente tem uma fase de transformar todo o conhecimento que a gente criou sobre a Mata Atlântica, enfim, toda uma opinião pública que se formou em relação à Mata Atlântica. Eu acho que o grande desafio da Fundação vai ser realmente consolidar tudo isso, conseguir a transformação das áreas prioritárias para a conservação da Mata Atlântica em Unidades de Conservação. Conseguir realizar projetos de fortalecimento de núcleos da fundação espalhados por toda a região onde exista Mata Atlântica. Eu acho que a Fundação tem, nesses próximos dez anos, que aprimorar ainda mais o relacionamento da Fundação com outras instituições que também atuam no bioma Mata Atlântica. Eu acho que, nesses dez anos, eu acho que ela tem mais é que consolidar tudo aquilo que ela já começou, todo esse processo que avançou bastante, mas que precisa se estabelecer de uma maneira muito positiva como uma política pública do Brasil. Não da mais para a sociedade civil ficar conduzindo o poder público na luta pela Mata Atlântica. Não, o poder público tem que ter consciência de que a Mata Atlântica é prioridade. Eu acho que a SOS vai ter um grande papel daqui para frente em consolidar tudo isso. Enfim, seja nas suas frentes de educação ambiental, seja nas suas frentes de políticas públicas.
P/1 – Você queria deixar um recado para a SOS, por esses dezoito anos?
R – Desejar muita boa sorte, que a Fundação SOS Mata Atlântica possa, enfim, consolidar todos os seus projetos, que a Fundação possa realizar os seus sonhos, que é a conservação da Mata Atlântica, enfim, é a proteção da Mata Atlântica. Eu desejo toda a sorte do mundo para a Fundação, para os seus fundadores, para todos aqueles que lutam no dia-a-dia da Fundação. Um grande abraço a todos e realmente uma boa sorte para todo mundo.
P/1 – Rodrigo, qual o peso que tem a questão ambiental na sua vida?
R – Total. Eu não saberia fazer outra coisa na vida hoje se não lutar pelo meio ambiente. Eu penso em meio ambiente vinte e quatro horas por dia, eu sonho com o meio ambiente, eu trabalho hoje ajudando mais de dez instituições na área de meio ambiente. Estou no Conselho Nacional do Meio Ambiente, estou na presidência do Comitê de Bacia da minha região. Na Câmara Municipal eu trabalho com meio ambiente. Eu não saberia hoje sem meio ambiente, é a minha vida e é o que eu vou fazer para o resto da vida.
P/1 – Você quer falar mais alguma coisa?
R – Não.
P/1 – Então nós te agradecemos pelo seu depoimento.
R – Obrigado.Recolher