Entrevistado por José Santos
Depoimento de Ricardo Gouveia
São Paulo, 28/10/2005
Realização Museu da Pessoa
Entrevista ABC_HV018
Transcrito por Ana Lúcia Queiroz
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Bom dia, Ricardo.
R – Bom dia, José.
P/1 – Queria te agradecer por você ter conseguido d...Continuar leitura
Entrevistado por José Santos
Depoimento de Ricardo Gouveia
São Paulo, 28/10/2005
Realização Museu da Pessoa
Entrevista ABC_HV018
Transcrito por Ana Lúcia Queiroz
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Bom dia, Ricardo.
R – Bom dia, José.
P/1 – Queria te agradecer por você ter conseguido driblar a chuva e chegar no Museu da Pessoa.
R – Cheguei antes dela, ela vai cair já.
P/1 – Então, queria te perguntar primeiro qual o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eu nasci em São Paulo, na Pro Matre Paulista, em 31 de dezembro de 1941, e só fui registrado em primeiro de janeiro de 1942.
P/1 – Ah, você nasceu no Ano Novo!
R – Bem na passagem!
P/1 – Qual é a primeira lembrança que você tem pequeno, mas que você se recorda dessa atividade de seus pais ligados à televisão, ao teatro?
R – É mais velho que a minha memória, desde criança pequena eles já faziam teatro amador, desde sempre.
P/1 – E você os acompanhava nessas atividades?
R – Também sempre, até depois de adulto.
P/1 – E quando criança, como era isso? Você se lembra de algum momento que marcou, de você ir a televisão com eles?
R – Televisão lembro, porque já foi bem depois, eu já tinha doze anos, já tinha feito teatro, já era veterano com doze anos. Já era veterano e estreei no dia do meu aniversário, na noite de 31 de dezembro, na Tupi, que tinha inaugurado um ano antes.
P/1 – E você estreou com o quê?
R – Com a peça Os três ursos, eu era o ursinho.
P/1 – E você gostava dessa?
R – Adorava. Até hoje adoro.
P/1 – E como é que foi o Sítio? Você se lembra desse momento deles estarem pensando a criação do Sítio? O Sítio é 1952, não é isso?
R –
É de 1952, sim, se não me engano. O Sítio, de fato, foi um convite, porque meus pais na época faziam teatro para a prefeitura. Aliás, essa peça que eu estreei na televisão, eu já tinha feito no teatro, em inúmeros teatros, teatros da prefeitura e cinemas, patrocinado pela prefeitura.
P/1 – Então eles estão convidados.
R – Sim, aí eles foram convidados para apresentar na televisão essa peça, “Os três ursos”, que foi quando eu estreei na televisão. E o negócio foi tamanho sucesso que convidaram eles para fazer um programa fixo, toda semana, sem saber o quê. Eles queriam uma coisa brasileira. Não sei se foi minha mãe, meu pai que disse que “uma coisa brasileira tem que ser o Sítio do Picapau Amarelo.” E foi assim que começou. Aliás, começou de fato na antiga TV Paulista, que hoje é a Globo, canal cinco, e o primeiro e segundo episódio do Sítio foram apresentados na Paulista. Depois foi para a Tupi.
P/1 – Ah, dois episódios.
R – Dois episódios, os dois únicos que meu pai escreveu. Do terceiro em diante foi minha mãe.
P/1 – E você participou sendo qual personagem?
R – Do Sítio eu era o Marquês de Rabicó, o porquinho.
P/1 – E como é que era o figurino do Marquês?
R – Ah, era uma malha de corpo inteiro, cor-de-rosa – o que não fazia a menor diferença porque a televisão era em preto e branco –, sem máscara, um capuz com as orelhinhas e com o rosto de fora.
P/1 – E o Júlio ensaiava com vocês?
R – Ensaiava, o meu papel não era um papel assim importante. Era quase figurante, aparecia de vez em quando.
P/1 – Vamos voltar por causa aqui dessa interrupção do telefone. Você estava falando como era seu personagem.
R – Eu estava falando que o personagem não era importante, era uma espécie de figurante. Acho que não precisa dizer isso.
P/1 – E você pôde conviver com esses atores todos da primeira geração do Sítio. A gente tem aqui Edy…
R – Edy, David José, eles não foram os primeiros, teve outros antes. David José foi o segundo ou terceiro Pedrinho. A Edy foi a segunda. Mas eles ficaram até o fim, foram os que ficaram mais tempo. A Lúcia Lambertini que era a Emília.
P/1 – E era tudo ao vivo?
R – Tudo ao vivo. Tinha um ensaio três horas antes de ir para o ar, só.
P/1 – Ah, um único ensaio?
R – Um único. Os atores recebiam os textos na véspera para decorar e tinha um ensaio três ou quatro horas antes de começar, e seja o que Deus quiser. Em geral, Deus queria bem, dava certo.
P/1 – E como que era o estilo do Júlio de dirigir?
R – Dependia da inspiração dele. Ele era muito bom diretor. Era psiquiatra, então ele aplicava isso à direção dos atores, dava muito certo. Mas de vez em quando ele ficava bravo, ficava furioso, ameaçava arrancar os olhos com saca rolha. “Se não decorar o texto eu arranco seus olhos com saca rolha!” (risos)
P/1 – E a Tatiana, durante as transmissões do programa ela estava no estúdio?
R – Não, ela estava em casa, sentada na frente da televisão, roendo a unha. Tem até uma fotografia dela nessa posição. Não sei onde anda essa fotografia, não me peça, mas chegou a ser tirada.
P/1 – Ela ficava roendo a unha lá, torcendo...
R – De nervoso, torcendo.
P/1 – Ah, que interessante. E o jeito da Tatiana produzir, ela batia à máquina?
R – Batia à máquina em uma incrível velocidade. Ela fazia direto no stencil do mimeógrafo, para copiar. Ninguém tinha que refazer. Já fazia direto no estêncil e já ia para os atores.
P/1 – Porque hoje ela já gosta mais de ficar naquela poltrona.
R – Ah, sim, aquela poltrona. Ela não pode mais escrever à máquina. Não tem mais força na mão. Escreve à mão agora, mas continua trabalhando.
P/1 – Ela contou que parou de contar os livros no centésimo?
R – Os livros... É, ela fez bem mais de cem. Acho que está mais para duzentos do que para cem.
P/1 – Ela escreve à mão e depois quem passa para o computador?
R – Minha filha, Nyra.
P/1 – Então é operação em família?
R – É.
P/1 – A gente estava fazendo o verbete “b”, de banana, porque o David contou que quando ele vai visitar a Tatiana, ele leva pencas de banana para ela.
R – Ela conta no livro dela, Transplante de menina, ela conta que foi a primeira coisa que a impressionou no Brasil. Ela chegou, viu aquele monte de banana no porto e não acreditou. Achou que era o país mais rico do mundo. Que lá na Rússia diz que banana se comprava uma vez por mês e uma banana que era dividida em pedacinhos pela família, de tão caro que era.
P/1 – quando você era criança, você estava se alfabetizando. A Tatiana contava histórias para você?
R – Contava, contava, não me lembro muito bem, mas contava. Contava histórias. Eu aprendi a ler muito cedo também, eu mesmo lia. Então foi igual a ela, aprendeu a ler cedo. Acho que ela aprendeu mais cedo ainda, mas eu aprendi cedo.
P/1 – E como é que você viu a sua mãe, com 60 e poucos anos, iniciando na carreira da literatura infantil?
R – Iniciando formalmente, porque não era de fato um início, ela sempre escreveu.
P/1 – Mas assim como texto, não como teatro. Ela começa em 1986 mais ou menos,
pela Ática, não é?
R – Foi pela Ática, Operação do Tio Onofre, se chamava. Aliás, eu adaptei para teatro, tenho uma peça de teatro dessa história dela.
P/1 – Você adaptou? Vamos falar um pouquinho disso porque o Alcir, que foi o primeiro desenhista desse livro, ele teve aqui contando um pouco dessa história e o pessoal da Ática também. Parece que eles pediram à Tatiana alguns livros, ela fez quatro livros de uma vez: Medroso, medroso, História de fantasma, Operação do Tio Onofre, e que eles aceitaram todos os livros.
R – Operação do Tio Onofre foi o primeiro, os outros todos vieram depois. E essa eu peça escrevi – a Operação do Tio Onofre – porque um grupo de teatro, não vou dizer quem é, encomendou para ela. “Não, nós queremos montar Operação do Tio Onofre, nós temos patrocinador, fazemos e acontecemos.” Então minha mãe não estava muito afim. “Você não quer fazer?” Eu disse: “Está bom, faço.” Sentei lá e fiz. Eles pegaram a peça e sumiram, nunca mais se ouviu falar deles, não montaram nada. A peça está aí até hoje.
P/1 – Mas a peça está aí.
R – Está aí. Isso já foi na era do computador, estava no computador.
P/1 – A gente está recolhendo em um verbete essas coisas assim, histórias da Tatiana, o jeito dela ser. Como é que você define o temperamento da Tatiana?
R – Agora você me fez uma pergunta difícil. Essa é difícil. Não sei muito lhe responder não. Ela é uma pessoa muito complexa. Ela não tem um temperamento, tem muitos.
P/1 – Fala então alguns episódios que você viveu... Jeitos da Tatiana ser.
R – Ah, eu não gostaria.
P/1 – Tá.
R – A gente também fez um verbete sobre gatos. Ela gosta bastante de gatos?
P/1 – Gosta, gosta, nós temos. Quer dizer, ela tem quatro gatos em casa. Mas um é dela, outro é da minha mulher e os outros dois são da mãe da minha mulher. Mas estão na mesma casa. Tem quatro gatos lá, mas o dela vive no colo dela.
P/1 – Ela gostava também de outros animais?
R – Gosta. Cachorro gosta, sempre. Sempre teve bicho na minha casa. Inclusive os mais estranhos. Já teve uma Irara, um quati, muito porquinho-da-índia... Até uma jaguatirica já teve. A jaguatirica meu pai ganhou de algum fã, veio em uma gaiola. Ela ficou uma semana só e teve que mandar embora, foi para o zoológico.
P/1 – É, um perigo.
R – Um perigo e o que cheirava mal! (risos)
P/1 – E Ricardo, nos 80 anos da Tatiana vocês fizeram uma surpresa para ela?
R – Sim, foi uma festa no Buffet França, grande.
P/1 – Ela sabia da festa, mas não sabia que ia ter uma surpresa?
R – Não sabia o que era a festa. Não sabia o que era a festa. Foi surpresa mesmo.
P/1 – E o que aconteceu na festa, foi uma coisa com os personagens do Sítio?
R – Foi, entre outras coisas. Passaram lá umas projeções com trechos de entrevistas na TV Cultura, porque do Sítio original – não existia videotape na época – não tinha nada, no máximo algumas fotografias. Mas tinha esses trechos desse programa que a Cultura apresentou, que a minha prima Sílvia conseguiu lá. E reuniram, todo o pessoal da época que há décadas não se via, estava todo mundo na festa. Tão bonita a festa! Muito!
P/1 – Tem mais alguma coisa, Marisa?
P/2 – [Tem] uma coisa que achei legal quando entrevistei a Edy Lima. Ela conta que a Tatiana comentava com ela, na época que surgiu a TV, que ela ia para a casa de vocês para assistir televisão. Ela disse que a Tatiana falava para ela: “O Ricardo também faz teatro, ele brinca de teatro.”
R – Brincava mesmo, no porão. Não tinha garagem.
P/1 – No porão?
R – No porão. Montamos eu com a molecada da rua. Montamos um teatrinho com cobertores e lençóis se dividindo, cortina, camarins. Tinha tudo lá, só não tinha pé direito, a gente tinha que andar abaixado.
P/1 – Que bacana, e vocês faziam coisas lá?
R – Fazia teatro lá. Por isso que eu te disse: a vida inteira, sempre.
P/1 – Então, Ricardo, eu acho que basicamente é isso, eu queria te agradecer.
R – Muito bom, eu que agradeço.Recolher