Projeto Conte Sua História
Depoimento de José Pena Porto (Seu Pepe)
Entrevistado por Carol Margiotte
São Paulo, 23/01/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV713_ José Pena Porto (Seu Pepe)
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – “Seu” Pepe, bom...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História
Depoimento de José Pena Porto (Seu Pepe)
Entrevistado por Carol Margiotte
São Paulo, 23/01/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV713_ José Pena Porto (Seu Pepe)
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – “Seu” Pepe, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Muito obrigada por ter vindo hoje aqui.
R – De nada.
P/1 – Para começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo.
R – José Pena Porto.
P/1 – “Seu” Pepe.
R – Na Espanha chama “Seu” Pepe. É José, mas quando era novo, chamava-se Pepe.
P/1 – E me diga onde e quando o senhor nasceu.
R – Eu nasci dia 16 de março - agora, no documento, saiu 27. Porque lá, eu morava no interior, e para registrar no Cartório só quando o pai tinha que comprar um quilo de açúcar ou um litro de azeite, senão, ficava, não é? Interior não tinha um carro, não tinha nada, não é? Tinha que ir a pé uns cinco, seis quilômetros, já viu como era a vida lá…
P/1 – E qual o dia do nascimento do senhor?
R – Dia de nascimento mesmo? Dia 16 de março.
P/1 – E quando o senhor foi registrado?
R – Dia 27 de março.
P/1 – E o que o seu pai teve que levar para o Cartório para conseguir registrar?
R – O que ele teve que levar? Os documentos de nascimento. Registramos com o padre, não é? Fui registrado mas só sete dias depois de nascer.
P/1 – E, “seu” Pepe, o senhor sabe por que os seus pais lhe deram o nome de José?
R – O meu pai?
P/1 – Sabe porque lhe deram esse nome de José?
R – Porque tinha duas irmãs e eu fui o primeiro homem da família. Aí, José não sei por que (risos). Eu ia lá, trabalhei no campo sempre, muitos anos, até que fui para o serviço militar, fiz o serviço militar em Santiago de Compostela uns anos, depois voltei e trabalhei de pedreiro, canteiro, não é? Mais ou menos um ano e meio, aí vim para o Brasil. A vida de campo você sabe como é dura, não é? Para quem trabalha no campo, no interior, a vida é dura, não é? Namorei com a minha esposa cinco anos, eu tinha que ir a pé sete quilômetros, sete para ir e sete para voltar. De dia era bom, mas de noite, não tinha luz, não tinha nem nas casas, não tinha luz em nada. Aí, já viu como era a vida. Um dia, no meio da noite, um lobo me acompanhou mais ou menos um quilômetro. Um lobo, sabe o que é um lobo? Aqui não sei como é que chama.
P/1 – É lobo, mesmo.
R – Me acompanhou um quilômetro mais ou menos, à noite. Mas eu sempre tinha um pau na mão e aí eu parava, ele também parava. Assim... De onde está, dez metros. Eu parava, ele parava, eu voltava a andar, ele voltava a andar. Depois tinha um curso de carteiras, aí para ir no campo ele desapareceu e aí, dali um pouco, ele veio atrás de mim. E lá, costumava-se falar que _____00:04:15______, mas não foi. Ele desapareceu e nunca mais eu vi. Não, depois muitas vezes, mas isso muitas vezes, não é? Depois ____00:04:45______, Rio de Janeiro, Santos, para vir para São Paulo.
P/1 – E antes do senhor vir para o Brasil, eu queria saber um pouco mais da infância do senhor. Posso perguntar?
R – Pode.
P/1 – Antes de começar da infância, eu queria saber o nome dos seus pais.
R – Manuel Pena Maltinas e a minha mãe era Leonor Porto Ferreira.
P/1 – E o senhor sabe como eles se conheceram?
R – Como faleceram?
P/1 – Como eles se conheceram.
R – O meu pai trabalhava de criado numa casa, não é? E a minha mãe era a dona da casa. Eles se apaixonaram e fugiram de casa (risos), sem os pais dela saberem. Depois que voltaram, aí acabou tudo bem. Mas primeiro tiveram que fugir para poder se casar, porque a mãe da minha mãe não deixava. Ele era um criado e ela era de uma casa boa, não é? Não deixava (risos).
P/1 – E eles contaram como é que foi essa fuga?
R – Contavam sempre. E aí, foram trabalhar de caseiros, os dois. Trabalharam e aí vieram os filhos, duas irmãs, depois eu e depois veio mais… éramos sete irmãos ao todo lá. E trabalhando no campo mantinha todo mundo. Nunca nos deixou passar fome, nunca.
P/1 – O senhor lembra o nome de todos os irmãos?
R – Lembro. Um é Manuel, outro é Apolinário, a irmã é ___00:06:49___, outra ____00:06:51___ e a outra _____00:06:56____. Ainda tenho dois irmãos lá na Espanha, uma irmã e um irmão. Eu vou muitas vezes para lá e fico na casa do meu irmão.
P/1 – E “seu” Pepe, como é que era a casa de vocês, para caber sete filhos e ainda os dois?
R – Ah, dormíamos todos no mesmo quarto. não tinha outro lugar, não é? A casa não era nossa. Trabalhávamos… Meu pai, de caseiro, na casa, não é? Tinha um quarto só, uma cozinha e dormíamos todos num quarto, um na cama, outro no chão, dormíamos assim. A vida lá no interior é dura.
P/1 – E como é que era essa casa?
R – A casa era muito grande. Muito grande. Mas tinha o dono da casa que morava em cima, em dois quartos e uma cozinha, e nós morávamos num quarto; e a cozinha fizemos à parte, não é? Morávamos ali. Depois, para entrar na casa tinha a ____00:08:11____ das vacas deitadas lá. Sempre quando vinha para namorar de noite, tinha que passar - não tinha luz - onde estavam as vacas deitadas. Aí, passando pelas vacas para poder ir para a cozinha. Depois foram morrendo, não é? Só eu, uma irmã e um irmão sobramos.
P/1 – O senhor chegou a conhecer os seus avós?
R – Não. Um eu conheci, mas não lembro dele mais. Lembro que fui na casa dele, mas o rosto não me lembro mais como era e também morava numa casa pequena lá, também tinha um quarto e tinha que andar abaixado para poder entrar no quarto. O lugar chamava-se Sirigonde (?).
P/1 – E em que momento vocês todos se reuniam? Ficava a família toda inteira juntos?
R – Em dia de festa. Trabalhávamos no campo, mas em dia de festa, estavam os amigos. Baile no campo, com orquestra, era no Municipal. Traziam orquestras. O dia da festa fazia comida em casa, convidava os amigos, as famílias, sentavam-se todos, toda a família.
P/1 – E o que tinha de comida?
R – Tinha de tudo ali. Carne de porco, carne de vaca, doces, tudo como uma festa, não é? Mas era divertido.
P/1 – E ainda falando no Pepe criança, de que o senhor brincava?
R – Com as crianças, quando era noite. Levávamos as vacas para casa, que tínhamos que guardá-las. As vacas subiam no monte, nós as tirávamos e íamos num campo que tinha lá para brincar com as outras crianças. Era o que se fazia lá, não tinha cinema, não tinha luz na casa, não tinha nada. Tinha um campo lá, onde tinha árvores, e íamos lá brincar de esconde-esconde.
P/1 – Teve alguma coisa que o senhor fez nessa infância de brincadeiras que o senhor chegou a ser levado?
R – Isso não. Nunca tive. Sempre fui calmo. Sempre fui calmo, não brigava com nada, me dava bem com todos, com todas as crianças.
P/1 – E como era na hora de dormir para vocês se organizarem no quarto?
R – Para dormir? O pai e a mãe dormiam numa cama. Depois, as irmãs numa cama e os irmãos na outra cama, uns com os pés para cá, outros, cabeça… Assim que dormíamos.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouco como eram as divisões de tarefas em casa. Tinha? Vocês ajudavam os seus pais a fazer alguma coisa?
R – Não, não. Sempre obedecíamos todos ao pai. O que ele falava, todos concordávamos. Agora, o meu pai queria, à noite, tínhamos que estar juntos em casa para comer. De dia não, ia trabalhar, não dava para vir em casa para comer, outro ficava o dia inteiro no trabalho, sem vir em casa. Agora, à noite, ele queria que todos estivéssemos juntos para comer.
P/1 – E como é que era essa hora da comida?
R – Era comida do interior. Leite com batata, leite com pão, leite com… O leite tirava-se da vaca, era puro, não é? Tudo bem.
P/1 – E o senhor falou que ia para o campo trabalhar. O que o senhor fazia?
R – Eu cortava a terra no mato com uma foice, acabava com as enxadas para plantar um centeio, um trigo. Aquilo fazia na mão, tudo era feito na mão. E depois que eu fiz o serviço militar, já era casado, não é? Não, casei depois que terminei o serviço. Aí, fomos para uma casa a sós, tinha um vizinho que nos emprestou uma casa lá, que nós não tínhamos dinheiro para pagar o aluguel, aí fui trabalhar como pedreiro lá. Trabalhei quase dois anos de pedreiro, depois que vim para aqui. Vim para cá em 1954. Para o Brasil, não é?
P/1 – E “seu” Pepe, ainda pensando quando o senhor era criança, o senhor chegou a ir para a escola?
R – Eu tinha que ir, porque para a escola e para a missa tinha que ir. Eu ia de manhã, vinha comer e voltava de tarde para a escola. Era um professor só para todos. Não era um para cada coisa, era um professor só para todas as coisas, para tudo. E aí, ia. E, de tarde, quando dava aquela hora do recreio, do lanche, tinha que pedir para… Nós tínhamos o maestro... Para o maestro, para sair para guardar as vacas fora. E não ficava para a segunda aula. E assim foi a vida minha até vir para o Brasil. Quando vim para o Brasil, aí melhorou a vida, não é? Primeiro, trabalhei numa ____00:15:28___. Depois, tinha um cunhado, que estava aqui, foi para a Argentina, e ele meteu na cabeça dele de eu trabalhar com ele, de montar um bar. Aí, montei o bar. Primeiro tinha um português que tinha uma quitanda lá, eu vendia frutas, verduras e bebidas, não é? O português falou que ele ia fechar aquilo, aí eu disse: “Não vamos fechar”. Peguei uma cesta, punha verdura, punha banana, punha tudo para vender para as casas, passava vergonha, falava - “Verdureiro!” - e apertava a campainha das casas. Hoje não se vê mais. Depois, tinha um menino que dava para vender frutas, ele vendia tudo. Aí dava… Naquela época não era cruzeiro, era real, dava um real para ele para ele ficar mais contente. Assim foi a minha vida. Depois trabalhei no ____00:16:54_____ um ano e dez meses. Já não era como hoje, porque não tinha nada disso. Aí, fui pedir a conta, o dono me falou assim: “Você vai embora porque quer, não estou te mandando embora”. Porque eu era um bom empregado. Eu trabalhei um ano e dez meses e nunca perdi uma hora de serviço. Uma semana eu era da manhã, outra de tarde e a outra de noite. Eu nunca perdi um dia de serviço e não perdi nada. Um dia, machuquei o dedo, o meu parceiro falou: “Vai ao médico, que vai ficar uns dez dias parado”. Mas eu ia na farmácia fazer curativo, mas não parava de trabalhar, precisava de dinheiro, não é? Depois, roubamos um pouquinho na caderneta, quando eu fui… Um ano e dez meses, tinha mais ou menos quinze mil cruzeiros. Aí, o patrão da minha esposa... Ela trabalhava de empregada na casa e compramos um sobrado, emprestamos sete mil, sem documento, sem nada. Depois, quando foi ver, ela falou que ia sair, a patroa lhe falou que “vai para outro serviço, eu também pago”. Não queria deixar sair. Aí, ela falou que queria montar o bar, mas tinha os sete mil com ela. Disse: “Bom, você não os tem, mas dentro de quatro, cinco dias, eu vou alugar”. Deixou o endereço. Depois, eu aluguei aquilo e precisava de um fiador para alugar, não é? ____00:1910____ foi fiador para mim, da casa. Depois, quando minha esposa teve uma criança, aí ela ia no mercado central fazer compras - verduras, batatas, aquelas coisas. Quando ela ficou grávida, antes de ter o filho, queria vender. Comprei outro bar, tenho fotos. Comprei uma quitanda, comprei. Aí, o dono que eu vendi aquilo, também precisava de fiador, o que comprou de mim a quitanda, não é? Eu fui o fiador para o inquilino. Fomos alugar uma casa, eu falei se precisava de um fiador ou depósito, e o dono falou: “Não quero nada, quero que o senhor, no fim do mês, me pague o aluguel”. O aluguel vencia no dia primeiro, no dia 25 eu já pagava. Eu me aposentei. Eu não pagava aposentadoria, mas depois teve um amigo meu que falou: “Pagando cinco anos tem direito à aposentadoria”. Paguei cinco anos e me aposentei. Hoje, no mínimo, são quinze, não é? Naquela época eram cinco anos. É pouco, mas…
PAUSA
P/1 – “Seu” Pepe, eu posso voltar para a Espanha de novo? Tenho mais perguntas da Espanha para fazer, pode?
R – Quem, eu?
P/1 – Tenho. Posso?
R – Eu vou para a Espanha… Vou fazer noventa e três anos, não dá. Mas, durante dez anos, eu estava seis meses na Espanha e seis meses aqui. Estava seis meses na Espanha, no tempo do calor, aí vinha o frio, vinha para o Brasil, e passava seis meses aqui. Foram dez anos assim.
P/1 – Eu queria perguntar para o senhor: quando o senhor começou a ficar jovem e começou a frequentar essas festas, o senhor teve alguma primeira paixão que veio nessas festas da Espanha?
R – Tive. Antes da minha esposa, tive. Depois que comecei com a minha esposa, aí foi só ela, não é? Mas, antes, teve umas duas outras namoradas. Lá eu namorei com a minha esposa cinco anos e eu nunca entrei na casa dela. Enquanto eu não pedi para casar, eu não entrei na casa. Ficava lá fora, na porta da casa. Tinha uma outra irmã, também moça, umas vezes era o primeiro… O que chegava primeiro, ia para o primeiro, o que chegava depois ficava na porta da casa.
P/1 – E como o senhor conheceu a sua esposa? O senhor lembra da primeira vez que viu a esposa do senhor? Conte para a gente.
R – Dia sete de janeiro de… Agora eu não lembro o ano. Mas fazia um frio, era inverno. Tinha uma fogueira acesa, eu fui dançar com ela e não falei nada, mas na outra vez, eles tinham um abrigo, fazia muito frio, colocava as mãos por baixo para não fazer tanto frio nas mãos. Aí, falei com ela se podia acompanhar e ela falou que sim. Daqui para lá fui indo, conversei cinco anos com ela. Tinha outra. Aí eu falava que ia na casa do meu avô, o meu avô morava longe, falava que tinha que ir lá, que o meu avô estava passando mal, que tinha que ir lá e para ficar dois dias para ela não pensar que estava na caça, não é? Depois, conversei com ela e fiquei cinco anos com ela.
P/1 – Conte para mim, “seu” Pepe, como que ela era nessa época?
R – Quem?
P/1 – A sua esposa.
R – Ah, normal. Era bonitinha. namorei cinco anos e nunca entrei na casa.
P/1 – Então, e como era esse namoro? Já que o senhor não entrava na casa?
R – Só aos domingos. A gente só namorava aos domingos; às quintas-feiras, às vezes, escapava do serviço na casa do meu pai, aí ia lá, ficava uma hora, duas horas, voltava para casa. Aí, eu tinha duas irmãs, tinha que fazer um trabalho de casa, as duas irmãs falavam: “Vai que nós fazemos o serviço para você”. E eu podia escapar na quinta-feira. Quando via as minhas irmãs fazendo o serviço que era meu, começou a desconfiar. Assim é a vida.
P/1 – E quando o senhor chegava na casa dela, o que era o namoro?
R – Quê?
P/1 – O que era o namoro?
R – Conversava, conversar só. _____00:26:30_____, queria mais com ela.
P/1 – E como foi contar para a sua família que o senhor estava namorando?
R – Logo descobriram, não é? Quando eu começava a ir para lá, desconfiaram. Aí, o meu pai ____00:27:06______ quando o meu pai puxava um dinheirinho, ia buscar com o pai dela. Quando vendia um bezerrinho, dava um dinheiro. Tinha que casar com uma moça que mantivesse umas vaquinhas, tivesse uma caixinha. Mas __00:27:35____
P/1 – E quando o senhor foi conhecer os pais dela, como foi?
R – O pai dela eu conheci no primeiro dia que eu fui lá. A mãe dela gostava muito de conversar comigo, ficava lá cinco, dez minutos conversando, perguntando como eu era no trabalho, como eram os meus pais, queria saber para deixar namorar. Eu respondia tudo: “Trabalho com os meus pais…”. Aí o pai não, o pai: “Boa tarde”. E mais nada. Depois… Começamos assim…
P/1 – E como vocês decidiram casar?
R – Depois de cinco anos, eu fui para o serviço militar. E eu fiz uma promessa: depois do serviço militar, todo mundo casava, não é? Disse que quando saísse do serviço, podíamos casar. Ainda fiquei um ano sem casar. Depois casei, em 1950. Em 1950 eu casei.
P/1 – E nessa época do serviço militar, o senhor a via e encontrava com ela?
R – Eu era assistente de uma Brigada no Exército e ficava um mês em casa e outro no serviço. Sempre levava alguma coisa, fazia um chouriço, peixinho, ficava um mês no quartel e um mês em casa. E o pessoal da brigada falava: “Quando quiser ir para casa, fala comigo que, de alguma maneira, você vai”. Porque ia para a casa quando queria carne, pão de milho, ____00:30:03____. Ali por Santiago não tinha nada para fazer no quartel, ficava fora à vontade, não é? Assim foi o serviço militar. Aí, veio um cunhado meu para pedi-la em casamento, pedimos. Estava desconfiada de alguma coisa que acontecia diferente na casa _____00:30:44____ para comer, comprava um vinho. Fui com um cunhado meu pedi-la em casamento. Deu tudo certo. Os pequenos ficaram na porta da cozinha espiando, nós estávamos na cozinha conversando.
P/1 – Mas eu queria que o senhor falasse um pouco mais como foi o Exército.
R – O Exército foi bom. Primeiramente, foram três meses. Fomos para um campo, para Manto, dentro de uma barraca, um ferro no meio e as cordas, amarramos a barraca. Aí, de manhã fazíamos _____00:31:55__ quantos têm capitão, quantos…Depois íamos... Éramos três que estávamos lá. Na sexta-feira, até segunda-feira, para ir para casa. Aí uma vez ia eu, outra vez ia o outro e de outra vez, o outro. Sempre trazíamos um pão de casa, uma garrafa de aguardente, queijos, chouriço para nós comermos. Depois fomos para Santiago. Onde passava o trem tinha sete quilômetros - com a mala na mão, sete quilômetros a pé. Depois chegamos a uma barreira, que não passava o trem, tinha que passar de Coruña para Santiago, não passava o trem. Aí, tivemos que dormir lá. Frio, vento, chovia e fomos para o bar tomar café, ficar na calefação um pouco. Foi à noite. No outro dia, falaram que já tinham limpado e que podia passar. Aí passamos e quando chegamos lá, logo veio a Brigada que o meu pai conhecia. Me perguntou se eu queria ir para casa por quinze dias ou se queria esperar para o mês que vem. Disse que esperava o mês que vem. E assim foi indo a vida de militar. Como tinha a Brigada, um mês estava em casa, no outro mês estava lá. Mês de agosto, que era sempre festa lá, um ano fiquei agosto e setembro sem voltar para o quartel, porque ____00:34:38___ teve uma criança. Daí me falou: “Se quiser ficar agora em casa, pode ficar que eu vou ficar no quartel e, no fim de semana, vou para a casa da minha esposa”. Aí foi assim a vida. Eu voltei dois anos e fiquei no quartel dez meses.
P/1 – E aí, quando terminou o serviço militar e o senhor voltou para casa, como foi organizar o casamento?
R – Ainda fiquei um ano sem casar, namorando, tudo. Depois de um ano, pensamos em casar: “Agora está na época”, não é? Aí, casamos, ficamos um mês, dois meses na casa ___00:35:42_____, tínhamos que dormir todos num quarto, aí fui morar na minha casa lá. Tinha um quarto, uma cozinha, ___00:35:58___, um quarto grande. Depois, quando a família da minha esposa vinha, não tinha carro, não tinha ônibus, não tinha nada, dormia lá no quarto… Fazia uma parede de trigo, de centeio, e dormia todo mundo lá para o outro dia.
P/1 – Mas como foi a festa do casamento?
R – Nós combinamos com o padre e aí fomos para dali a uns três quilômetros, de noite, não tinha luz. Fomos para lá, éramos umas vinte pessoas e o padre falou: “Queria vir de noite, tanta gente”. Depois a casa ____00:37:37__ café da manhã, depois do casamento davam café, pão, manteiga, e aquela coisa. E aí, tinha um cunhado, foi até onde tinha ___00:37:51___ numa cidadezinha pequena, buscou um caminhão. Aí, tinha o caminhão e eu e a minha esposa fomos na frente e os outros todos no caminhão atrás (risos). Aí, para os homens demos cigarros e para as mulheres uns caramelos. Os meus irmãos mais novos ______00:38:53______, caramelos na estrada.
P/1 – E como foi o primeiro beijo? Foi depois do casamento, não é?
R – Depois do casamento.
P/1 – E como foi esse momento?
R – Como todos. Normal.
P/1 – E como foi esse começo de vida de casal? Só os dois?
R – Dormíamos todos num quarto. Nós queríamos ficar um pouco sozinhos, o vizinho tinha um quarto e cozinha lá, estava parado, nós fomos…
P/1 – E, “seu” Pepe, como foi a decisão de vir para o Brasil?
R – Eu tinha um cunhado aqui, como eu falei, não é? Ele nos falou para virmos para cá. Inclusive, pagou a passagem da minha esposa e eu paguei a minha, mas fui buscar o dinheiro lá para vir, eu não tinha dinheiro. E aqui, depois que eu comecei a trabalhar, também paguei a da minha esposa, que ele pagou. Depois, o meu cunhado foi para a Argentina. Tinha dois filhos, mas um morreu quando pequeno. Fomos passar lá o Natal e o meu filho quis ficar lá na Argentina. Tinha um bar aqui, vendeu, eu mandava o dinheiro todo mês. Depois eu tinha… Quando eu vendi aquilo, antes de comprar o bar, ia para a Argentina. Mas aí teve a revolução na Argentina, e aqui estou.
P/1 – Mas como foi arrumar a mala para vir para cá? O que o senhor colocou na mala?
R – Roupa de cama; carne de porco, que é salgada, não é… Chouriço; queijos; aguardente; conhaque, e fomos até Santos. Tinha um conhecido meu no porto, que mora em Santos. Mandaram vir, do meu cunhado, as cartas _____00:42:04_____ aí, viemos e ficamos com ele. Deixamos o baú no porto. Fomos comer e viemos buscar. Aí, quando fomos buscar, os caras tinham mexido em tudo. Eu tinha trazido conhaque e aguardente para os amigos que estavam aqui e só podia ter duas garrafas cada pessoa, duas para mim e duas para a minha esposa. Aí, as outras tivemos que pagar para… Não pudemos… Depois, pegamos o trem para São Paulo. Aí, foi o pior, não e? Não é como é hoje. Estava
na serra, aí buscava os outros. Subindo a serra, víamos mato para um lado, mato para o outro, era mato pequeno. Aí, falaram que iam deixar a gente no Brás, que a Estação da Luz era ruim, descemos no Brás. Ficamos lá na estação. Passamos por São Miguel, Matarazzo, todas aquelas… Penha… Aí, falei para a minha esposa: “Fica aí que eu vou ver se tem lugar para dormir”. Tinha aqueles hotéis, um senhor de cor já não entrava, mas um senhor branco lá, aí perguntei se tinha uma cama assim. Bom, deixamos a mala de mão, que a outra ficou na estação. Porque não andamos com ela, eram quase cinquenta quilos, não é? Aí fomos comer, não sabíamos como era a comida daqui, falou: “Arroz, feijão…”. Não sabíamos o que era o feijão. Aí, trouxe uma salada, o arroz e o feijão preto. Aí, a salada e o arroz comemos, mas o feijão preto não, nunca tínhamos comido feijão preto, então, não comemos. No outro dia, fomos na estação para pegar o baú, mas não cabia. Mandou outro colega, mas teve que ir com o porta-malas aberto, que não dava para fechar. Aí foi, passamos Santana, Tucuruvi, entramos na Vila Mazzei, ainda não tinha asfalto e nem tinha luz. Aí passamos o número da casa, voltamos, no meio da casa não se via o número, minha esposa perguntou: “______00:46:30____”; mas ali era um trilho para subir, o carro deu a volta e entrou ali. Aí fomos, ela tinha uma casa com dois quartos em cima e um porão embaixo, mas porão era alto, não é? Nós dormimos no porão. Depois, um colega meu, de Santo André, foi buscar meu cunhado - não sei quem era - buscá-lo para comer uma comida lá, fomos. Pegamos um trem na estação Santo André, não sabíamos a casa, não sabíamos nada ____00:47:44___ “Conhece a rua Martins Fontes?” Fomos. Depois, ao invés de vir de trem, viemos de ônibus, que vinha de Capuava, Parque Dom Pedro. Largo São Bento. Depois não sabíamos para onde íamos, entramos no trem, no bonde, descemos, perguntamos para um guarda para pegar o ônibus, mas não era, ele falou errado, para o outro lado. Aí, pegamos e quando chegou na Vila Mazzei virava à direita, viramos ali e fomos para casa. Depois viemos para Santo André. Tinha uma casa alugada, que tinha dois quartos, uma sala e uma cozinha boa, o banheiro era para três pessoas, tinha que primeiro encher a caixa em cima; depois para tomar banho, lavar a roupa, tudo, tinha que encher o tanque. Fui trabalhar no _____00:49:58____. Eram três sócios, eram dois gordos e um mais magro. Trabalhei um ano e dez meses. Eu nunca faltei uma hora de serviço, nunca perdi a hora. Ele falou: “Você vai porque quer, eu não estou mandando embora”. Aí tinha um encarregado, que era italiano, que cuidava do moinho. Ele: “Você vai embora. Se um dia não for bem no negócio, volta aí que você volta a entrar aqui”. Eu disse: “Está bom”. Depois, lá, com o bar, foi indo, foi indo e assim foi. Até que depois, vendi o bar e comprei outro bar. Tinha uma casa ali no Tucuruvi, falei para o dono se ele queria um fiador, ele falou que queria só que eu pagasse no fim do mês o aluguel direito. Aí, tinha um bar ali fechado, abriram um cinema ao lado. O turco que era o dono do prédio, um chinês queria montar uma pastelaria lá quando abriu o cinema. Tinha lá que não estava de acordo. Aí eu falei para o… Não, aluguei um caminhão, veio o filho do dono: “Por que você está tirando as coisas?” “As coisas são minhas”. Tinha um também que vendia doces de confiança e ele disse: “Eu tenho um salão assim e assim, dá para montar um bar”. Aí, comecei. Desde o primeiro dia nunca precisei buscar dinheiro, sempre fui indo para frente. Naquele tempo, tinha o carnaval na Avenida Tucuruvi, eu vinha com a bicicleta no meio do desfile. E assim era a nossa vida.
P/1 – E como foi essa primeira vez de ver um desfile de carnaval?
R – Depois que tínhamos aberto o bar, aí fomos assistir às escolas. Com o filho pequeno, mas fomos, não é? ______00:54:20______?
P/1 – Viaduto do Chá? Não? Eu não conheço muito essa parte central.
R – Não, tem o Largo dos Correios. Tem uma rua que sobe, não é? Uma vez foi ali o carnaval, nós fomos assistir ali. Depois foi no Ibirapuera, fomos no Ibirapuera. Depois, mudei para a rua Tutóia, aluguei uma casa ali que era uma pensão. Eu só alugava os quartos, na pensão. Aí, quando eu tinha que fazer alguma coisa... Um dia, subi no telhado e fomos parar em cima de um banheiro, não sei como não morri. A minha esposa vinha de ____00:55:29____, na rua Tutóia, tem uma comida, uma casa que era na rua Tutóia e vamos comer ali no ____00:55:43____. Assim era a vida.
P/1 – “Seu” Pepe, eu quero saber como foi a viagem de navio.
R – Bom, nós saímos da Província de ____00:56:00_____ que era de onde saía o navio. E a minha esposa tinha um cliente, e ficamos um dia na casa dele. No dia 19 de março, dia de São José, pegamos o navio para vir para cá. Saímos de navio... Espanhóis e argentinos, que o navio era argentino. Navio de guerra ainda. Ia vindo, aí começou todo mundo a cantar “Minha Espanha Querida”. Aí, quando foi de noite, que já não se via mais ___00:56:46____, águas portuguesas, pegava água daqui, passava para o outro lado. Era aquele movimento, de um lado para o outro. Aí, era um beliche, eu dormia na parte de cima; à noite veio uma _____00:57:13_____ para baixo, com o movimento que fazia o navio. De dia, subíamos para cima, tudo bem. Ficávamos no sol, quando era na hora de comer, comíamos e dormíamos. E saiu de lá e parou nas Ilhas Canárias. Parou ali, podíamos descer, ficou um dia. Mas eu disse: “Não vamos descer”. Depois outro dia, no Rio. O navio levou quinze dias para chegar aqui. Paramos no outro dia no Rio, também podíamos descer. Vinham aquelas pessoas com aqueles carrinhos, descalços no porto, eu disse: “Não, aqui não descemos”. Tive medo. Aí ficamos no navio. Chegou em Santos, e aí já contei, não é?
P/1 – Mas como foram esses quinze dias de expectativa para chegar ao Brasil? O que vocês pensavam que iriam encontrar aqui?
R – Não sabíamos. Como tínhamos o cunhado e a cunhada - a irmã dela - viemos tranquilos. Agora, chegamos no Brás, como eu contei, ali que foi pior para dormir, porque aconteceu tudo ao contrário, não é? Aí dormimos lá, e no outro dia fomos para a Vila Mazzei.
P/1 – E ainda no navio, “seu” Pepe, depois dos quinze dias, qual foi a primeira imagem que vocês viram de terra do Brasil? O senhor se lembra?
R – De terra foi nas Ilhas Canárias.
P/1 – Isso. Mas depois, quando já estava a caminho do Brasil?
R – Depois, no Brasil, vimos aquelas praias. Achei um lugar bonito. Paramos ali, mas ali não descemos. Mas em Santos tinha um amigo meu ali, conhecido, e fomos comer. Ele nos levou para comer, fomos no banco trocar um pouco de dinheiro, depois tive que pagar aquele negócio que tiraram todos… Fiquei sem dinheiro outra vez. Daí precisei de um pouco de dinheiro para vir para cá. Depois aqui, viemos e paguei também um dinheiro para ele, dinheiro para o meu cunhado, para a minha cunhada, mandei o dinheiro para a Espanha para… Que eu peguei lá o dinheiro de volta. Assim…
P/1 – E como foi a questão da língua? O Português e o Espanhol?
R – Eu não entendia. Um dia, estava na Vila Mazzei e fui buscar um filão de pão, aqueles filões grandes, daí o cara me falou: “Como que quer? Industrial ou caseiro?” _____01:00:51______, eu disse: “Me dá um caseiro”. Aí ele vinha com um filão daqueles caseiros. Não comemos, tinha um gosto ruim, não comemos. Nós gostávamos do outro, não é? Tinha um gosto ruim. Depois, um dia, tinha um grego que era conhecido nosso, comecei a trabalhar também com ele de pedreiro aqui, ali no Jardim América, pegamos um muro, aquele calor de 40 graus, 35 graus, eu disse: “Isso, para mim, não serve, eu não aguento”. Aí foi quando eu comecei a querer ir para Santo André. Apareceu aquele espanhol que morava lá, que era um pouco da minha família, fomos para lá. Chegamos lá, tinha dois quartos, ele dormia num quarto, tinha o outro quarto e, na sala tinha uma lona que era um quartinho. Aí nós ficamos lá acho que uns três meses, pusemos a cama lá, uma cama de madeira, mas não tinha lugar para nos despirmos, tínhamos que nos despir nos pés da cama para nos deitar, em cima da cama para deitar. Ficamos uns seis meses. Depois ele foi trabalhar na Bahia, ____01:02:51____, aí passamos para o outro quarto, a mulher dele ficou no outro quarto. Assim foi a vida ali.
P/1 – E o que foi mais difícil nesse começo aqui no Brasil? O que foi o mais difícil, pensando no país novo?
R – O que foi mais difícil foi o trabalho de pedreiro, não é? Meu cunhado também queria me levar para uma chácara lá, eu falei para ele: “Se fosse para ir para o interior, ficava na Espanha. Para o interior, eu não vou”. Aí, em Santo André, começou a vida bem. Melhorou. ____01:03:44____, abri a quitanda, o português falou que não dava seis meses para fechar, mas eu disse: “Eu não vou fechar”. A minha esposa foi trabalhar ali na Tiradentes, que tinha uma fábrica de doces, ela foi trabalhar ali, dez meses depois a fábrica fechou, aí ela foi para casa. Mas como ela ganhou aquele dinheirinho dos dez meses, a gente foi levantando. A gente ia no mercado fazer as compras e eu, como trabalhava, eu não podia sentar numa cadeira assim que eu começava a cochilar, não é? Até que depois, passamos para secos e molhados - naquela época não tinha supermercado - e aí começamos… Tinha um lá que fazia ___01:04:53____. Aí, começamos a vender bebidas, leite, pão. O leite vinha… Naquela época, era leite Leco ou Vigor - eu comprava Leco e Vigor e entregavam o leite. Depois, teve um ano que faltou a cerveja, mas tinha lá. Tinha o vendedor da Brahma, que tinha um por fora, vendia bebidas por fora o vendedor, e eu sempre comprava uma dúzia de pinga, uma dúzia de qualquer pinga e aí ele me mandava seis dúzias de cervejas ____01:05:58_____ só uma caixa. Antárctica… Entregava guaraná à vontade, mas cerveja era só uma caixa. Mas como eu tinha o negócio da Brahma, que me entregava seis dúzias, eu tinha oito dúzias toda semana, sempre tinha alguma cerveja. Mas na falta, tinha até que esconder cerveja para deixar para o meu filho, porque ele vendia muito por cada ____01:06:34__. Tinha que deixar para eles. Na falta do açúcar, tinha que esconder o açúcar, quando vinha o caminhão. Se viam o caminhão, formavam uma fila que nem sei. Vocês não pegaram isso, não é? Mas teve a falta do açúcar. Aí, tinha umas prateleiras, eu escondia o açúcar ali do freguês. Guardava para os meus amigos. Falta de cerveja, falta de açúcar ___01:07:32_____ Daqueles anos que tinha... Depois tinha um ali que vendia também mortadela, queijo prato, aquelas coisas, não tinha também máquina elétrica, era com a mão para cortar. Aí, tinha uma fábrica lá em Guarulhos que falaram que fazia linguiça de carne de porco. Eu pegava a minha bicicleta, uma bicicleta que tinha, ___01:08:13____ produto para lá, deixava lá, entrava de carro lá onde tem o aeroporto, a fábrica no meio do mato, tinha uma subida ali, eu puxando a bicicleta, tinha uma sacola de linguiça, todo mundo gostava daquela linguiça, porque era boa. Depois também tinha… Uma vez, o dono do bar... Ele era sócio do clube, na Serra da Cantareira. Aí eu já tinha o bar, já tinha vendido o bar, fomos até Mairiporã, tinha um posto de gasolina, paramos para comer linguiça e tomar uma cerveja. A linguiça de lá era boa. No começo foi ruim, mas nos outros dias tivemos sorte.
P/1 – E como era a freguesia?
R – Os fregueses?
P/1 – É.
R – Quando eu montei a quitanda - depois passei para secos e molhados, onde tinha esse bar passei para secos e molhados - ali também vendia para os fregueses. Tinha os bons, mas tinha alguns que eram ruins. Pagavam uma metade e deixavam a outra metade. Não tinham o dinheiro todo. Depois, quando vendi aquilo, perdi mais de cinquenta mil cruzeiros que não me pagaram. Que bom que foi para Caçapava, perto de São José dos Campos. Aí eu disse para um amigo meu, que conhecia lá, fomos até lá, ___01:10:42____. Nunca mais voltei para lá. Depois quando voltei para o Tucuruvi, mudei para ali. Ali não, ali não perdi nada.
P/1 – Tinha um nome a quitanda
do senhor?
R – Não. Sem nome. Era sem nome.
P/1 – Mas a freguesia chamava o senhor como?
R – Pelo nome. Conhecia todo mundo… Primeiro, quando havia a quitanda, como eu era novo, eu tinha uma porta na quitanda. Aí passavam, olhavam, olhavam, mas não entravam. Era um português, era velho. Vinha um, vinha outro… Tinha mais uma porta, a primeira que foi para secos e molhados, tinha uma coluna no meio e duas portas, depois tinha o fiscal da Prefeitura, porque não podia abrir… A quitanda podia, mas secos e molhados não podia. Aí, todo mês tinha que dar uma cotinha para deixar abrir. Todo mês, no fim do mês, vinha buscar, não tinha dia... Para poder abrir. Depois… Um dia, falou de manhã: “Não pode abrir, vai passar o fiscal aqui”. Aí eu disse: “Está bom”. Mas tinha uma escada para subir para a casa do lado, abri uma porta por lá ____01:12:44_______. Aí estávamos eu e a minha esposa na porta, passou o fiscal lá em cima, quando voltou para baixo, perguntou: “Tem telefone?” _____01:13:02_____ “Obrigado”. Foi embora,nunca mais apareceu. Assim que foi indo. Mas tivemos que todo mês, o fiscal, dar aquela cotinha.
P/1 – “Seu” Pepe, qual o nome da esposa do senhor?
R – Áurea Nunes Lopes.
P/1 – Eu queria saber como foi descobrir que a Áurea estava grávida.
R – Foi quase sem querer. Não queríamos ter um filho, porque estávamos começando com o negócio, não queríamos ter um filho. Mas aconteceu, ela falou: “Estou grávida…”. Não foi no médico, não foi nada. Aí depois, tinha um médico ali no Tucuruvi, que estava na hora de nascer a criança. Quando foi na hora de nascer, não programamos, tinha que pagar hospital, tinha que pagar médico e fui buscar uma parteira. Ela era na Vila Mazzei e nós estávamos no Tucuruvi. Era perto, não é? Mas fui de bicicleta buscá-la. Quando foi de manhã, a criança nasceu. Nasceu em casa. Aí, tinha lá uma amiga nossa, que tem aí na foto, que se chamava Amélia, que ficava lá. Ela trabalhava numa casa de família, mas à noite dormia lá. ____01:14:59_____ a minha esposa, com menos de um mês, sabia ____01:15:06_____ que não dava comida, só lanche, comprava a comida com o menino. Tinha um senhor que trabalhava na ____01:15:12_____ e era conhecido meu da Vila Mazzei, ele a via com a sacola e o menino, parava fora do ponto para ela entrar pela porta da frente, mandava descer antes do ponto, perto de onde tinha ____01:15:34____, mandava descer ali. Assim foi a nossa luta.
P/1 – E quando nasceu, vocês viram que era um menino ou uma menina?
R – Quando nasceu, a parteira falou que era um menino. Minha esposa e eu choramos, não é? “Um menino”. Aí, naquele dia, fiquei ____01:16:10____, quase meio-dia. Mas perto dele nascer, a minha esposa ficava no bar. Depois quando dava ali umas nove horas da noite ela disse: “Não estou me sentindo bem”. Aí eu fechei o bar às dez horas e cada passo pior, cada passo pior, até que eu fui buscar a parteira para ter a criança.
P/1 – E como vocês escolheram o nome dele?
R – A madrinha dele que escolheu. A madrinha que falou que José Antônio era bom, ela que escolheu. Aí, pusemos José Antônio.
José Antônio Pena Nunes. Pena por mim e Nunes pela mãe.
P/1 – E como foi esse começo de ser pai? Como foi descobrir ser pai?
R – Isso foi fácil também porque, na Espanha, tinha muitas crianças na casa - meus irmãos, tudo… Como era. Aprendi a ser pai com os meus pais, não é? Aquilo foi fácil. Ser pai. Depois, quando fomos para o Tucuruvi, ali tinha um bar fechado, na Avenida Tucuruvi, que tinha um cinema ao lado, não é? Eu comprei o bar fechado, pagava cinco reais por mês, mas não dava. Vinha um, vinha outro, uma pinguinha, uma cerveja, mas não dava. Aí, fui no outro lugar e aluguei lá para Gustavo Adolfo. Ali, desde o primeiro dia, sempre foi bem. A minha esposa me entregava comida lá; naquela época, comia muita carne de porco. Hoje não se pode comer. Comia muita carne de porco. Ela comprava um pedaço de carne de porco, cozinhava e me trazia carne de porco para comer. Sempre fazia uma batata com carne, outras vezes um arroz, uma coisa assim. Ela me trazia. Depois, à noite, vínhamos os dois para casa de bicicleta com a criança. Não podia vir de ônibus porque tinha que trazer a bicicleta, não é? Agora, quando eram cinco horas da manhã, quatro horas, eu levantava quatro e pouco, para abrir o bar às cinco horas.
P/1 – E, “seu” Pepe, como era contar as novidades para a família que ficou na Espanha?
R – A família estava bem, que engordamos. Contávamos da quitanda, depois quando tinha o bar, contamos que montamos o bar, então…
Mandávamos a fotografia do bar para lá, eles diziam que já estávamos ricos (risos).
P/1 – Mas como era feita essa conversa com a Espanha? Como vocês faziam?
R – Por carta. Naquela época não tinha telefone, não era como hoje que se liga o telefone e se fala na hora. Mas, naquela época, era por carta. Mandava a carta e para chegar a resposta demorava dois meses, porque era um mês para chegar lá e outro mês para vir.
P/1 – E quem escrevia?
R – Eu. Escrevia a mão, não escrevia muito bem, mas entendia a letra, não é?
P/1 – E como era quando chegava a carta de lá para o senhor?
R – Ah, era uma grande alegria. Porque falavam que estavam bem, não sei o quê… Que estava a família toda junta, quando havia festas. Aquilo era uma alegria para nós. Todos estavam bem, não é?
P/1 – Teve alguma notícia marcante que o senhor recebeu por carta? Alguma carta que ficou marcante porque o senhor ficou sabendo de alguma coisa que aconteceu lá na família?
R – Não, não. Só quando morreu a minha irmã mais velha, mandaram a carta, que eu não sabia. Depois quando o outro morreu, já fui à Espanha. Depois mandaram uma notícia e depois o meu irmão morreu, também morreu outro irmão, aí eu fui na missa de sétimo dia. Aí, eu e o meu filho de treze anos fomos para lá. Não, quando o meu filho tinha treze anos, fomos todos - o meu filho, eu e a minha esposa. Ficamos lá cinco meses. Ele perdeu aquele ano porque ficamos lá cinco meses. Aí eu peguei um carro lá para andar, mas depois o dono da agência falou que se eu quisesse ficar com o carro tinha que pagar mais oitenta mil pesetas. E aí o meu cunhado quis ficar com o carro. Fomos lá, pagamos mais oitenta mil pesetas e ficamos com o carro. Aí, fiquei cinco meses, o carro era do meu cunhado.
P/1 – E foi a primeira vez que o senhor voltou para a Espanha?
R – É, quando o meu filho tinha treze anos.
P/1 – E como foi voltar para a Espanha com a família toda? Como foi esse momento?
R – Naquela época, não tinha aeroporto ainda, tinha que ir para Campinas, não é? Aí, fomos para Campinas. Quando chegamos a Madri, antes de chegar a Madri, estávamos passando o mar, estávamos passando pela terra, aí olhei pela janela, que eu sempre gostei da vista da janela, já vimos aquela água batendo na terra, lá. Como nós éramos espanhóis, chegamos lá e passamos direto, não precisava passaporte, trá, lá, lá. Passamos direto. Mas aí, vieram nos buscar em Madri. O meu cunhado trouxe um táxi para nos buscar em Madri. Aí, trouxe um lanche para comer no caminho, tal. Hoje não dá para ir para lá, está muito caro. Fomos. Chegamos lá, todo mundo: “Eeeee”, abraçamos todo mundo lá, até gente que eu não conhecia estava esperando lá. O filho do Ligunte, o meu pai chamava de filho de Ligunte, era um ____01:24:55____ que se chamava Ligunte, não é? Aí, fomos na casa da minha irmã, saber como era lá, o meu pai estava me esperando, estava lá. Como demoramos, ele foi para casa, chegamos lá, paramos e fomos buscá-lo em casa. Aí, fomos todos comer na casa da minha irmã. Depois voltamos, ele foi para a casa dele e nós íamos para a casa da minha cunhada. Depois, ficamos lá. Uma vez na casa da minha cunhada e outra vez na casa da minha irmã. E o meu filho ficava na casa de um primo lá - era primo dele - dormia lá. E lá não tinha banheiro na casa. O meu filho sofreu, ficou dois dias seguidos sem banheiro, tinha que ir no mato (risos), sofreu. Depois acostumou e tudo bem. Foi duro.
P/1 – E ainda nessa viagem, que foram cinco meses, o que mais vocês fizeram por lá?
R – Onde?
P/1 – Na Espanha.
R – De comer?
P/1 – Não. Porque vocês ficaram cinco meses. Vocês passearam? O que vocês…
R – Claro. Peguei um carro. Daí passeávamos de um lado para outro, não parávamos. Fomos para Milão, ficamos em Milão, quase um mês em Milão. Tinha o meu irmão em Milão, fomos para lá. Chegamos lá, não sabíamos como ir para lá. Tinha o carro e fomos. Aí, vimos um posto de gasolina, tinha muito caminhão lá, perguntamos e falaram: “Se quiserem vir atrás de mim, estou indo para lá também”. E fomos. Mas ____01:27:57____, aí parou e me falou: “Moço…”. Não me lembro agora o nome de lá. “Entra à direita que vai ser…”, não me lembro agora o nome, mas era lá. Chegamos ali, estava sol, aí fomos tomar um café, depois saímos, pegamos pelo meio do mato, sem conhecer nada, uma serra, víamos uma casinha com uma luzinha lá”, ____01:28:46______ , aí chegamos, no alto da serra tinha um posto de gasolina. Eu não precisava de gasolina, mas parei para colocar um pouco, só para perguntar. Aí, perguntamos: “Fica muito longe?” “Uns cinquenta quilômetros”. Nisso, passou um caminhão na nossa frente. E o caminhão toda hora com o pisca-pisca para não deixar passar, um pisca-pisca que não podia passar. Não podíamos ultrapassar porque era cheio de curvas como é a Anchieta aí, embaixo tinha a represa de água que o meu irmão disse: “Se você cai lá, fica desaparecido”. Aí chegamos no final da estrada, deu sinal que podia passar. Passamos, chegamos numa avenida lá, estava chovendo. Eram dois carretos. Fomos indo, dando sinal para passar à direita _____01:30:12___, paramos ali. Aí perguntamos se conhecia a rua que íamos, fomos lá procurá-lo ____01:30:40______, fomos perguntar se conheciam a rua assim e assim, o prédio ali. “Eu conheço, ele mora no meu prédio”. Fomos na casa onde morava o meu irmão. Tinha a rua assim, por trás tinha outra rua com o mesmo nome, mas a outra ainda não era rua, hoje é, mas naquele tempo não era, era mato. Fomos lá, perguntamos, demos a volta, fomos. Tinha aqueles números das pessoas, aí apertou a campainha: “Quem é?” “É o seu irmão do Brasil que está aqui”. Mas era pequeno, não pudemos subir todos juntos. Subimos, ficamos lá, passamos lá quase um mês. Mas aí, com o carro, fomos à França, fomos ____01:32:58_____, mas nós fomos numa cidade pequena para ir para a França ____01:33:09 até 01:33:40____ disse: “Nós queríamos ir pela autopista”. “Bom, então tem que dar a volta”. “Mas por aqui é bom também”. Aí fomos pela estrada velha, chegamos lá. Depois para vir ____01:34:08____ depois voltamos. Aí, viemos beirando o mar. Tinha, lugares que a água batia no muro e você ia para a pista. Nós passamos ali em cada lugar… Na casa, tinha um cunhado da minha esposa, a filha dele ____01:35:00____ “‘Seu’ Pepe corre muito com o carro, pode acontecer alguma coisa”. Porque nós fomos… Tem a festa de San Ferdinando, que são oito dias, e nós fomos lá e fomos comer de noite numa cantina e _____01:35:30______ depois tinha ali uns dois quilômetros de estrada reta e ____01:35:42______, vinha ali a cem… A minha sobrinha: “Tio, vai me matar”. Aí fomos, chegamos lá, subimos todo aquele mato queimado que caia, paramos um pouco ali _____01:36:19____ tem uma muralha, que tem uma escada para subir ____01:36:36_____, tinha entrada, entramos, tinha um posto de gasolina ali. Tinha água no carro, tivemos que ficar dando volta para passar na estrada. ___01:37:12___. Chegamos na frente, tinha uma barreira. ____01:37:29_____, sem entrar na pista. Depois, foi tudo bem. Seguimos direto, depois saímos de noite, era também uma reta, ____01:37:57____. Assim foi. Depois, estávamos lá e a guarda civil ___01:38:23______ que não tinha bombeiros ___01:38:29 até 01:38:46 até 01:39:20___. A vida ali era assim, não é?
P/1 – E nessa viagem, “seu” Pepe, o senhor levou algum presente para a família, do Brasil para lá, para a Espanha?
R – Levamos café, levamos… Quando eu ia para lá, eu sempre levava café. Uma mala de café, levava dez quilos de café sempre. Primeiro ano, que eu fui sozinho, fui sem a minha esposa, eu fui a Madri para o casamento de uma sobrinha. Em Madri tinha __01:40:20_____, passei, mas dei sinal. Mala de mão. Aí, o guarda falou se podia ver, entrou ali na casinha ____01:40:38_____, aí passei, cheguei em Madri, tinha o carrinho para levar de um lado para o outro ___01:41:11___, bastante malas, um homem que estava operando me deu uma moeda que eu não sei de quanto foi, me deu uma moeda, puxa, mas para tirar um carrinho e enfiar no outro, aquela moeda não saía. Aí foi, a minha sobrinha me viu. Quando me viu sair, tinha uma porta assim: “Tio”, aí empurrei o carrinho, enfiou em outro que estava lá, aí tirou a moeda (risos).
P/1 – “Seu” Pepe, se o senhor puder contar para a gente, o que aconteceu com a sua esposa?
R – Ela morreu aqui. Ficou bastante enferma de câncer. Morreu no Hospital São Paulo. Não tinha convênio. Mas foi muito bem tratada no Hospital São Paulo. O médico operou-a, depois que operou foi para casa, ficou em casa, mas depois se sentiu mal ____01:42:52 até 01:43:10______. Depois que Áurea morreu, ela estava no quarto, não podia entrar, aí eu ia fazer um lanche de manhã ou de tarde, café com leite, sanduíche, me deixavam entrar lá, daí ela saía para o corredor lá, sentávamos lá, ficávamos uma hora, duas horas conversando. Um dia, estava na cama, telefonaram e falaram: “Aqui é do Hospital São Paulo”. Aí falei para o meu filho que não quiseram nos contar o que era. Chegamos lá, já estava morta. Eu tinha comprado o cemitério, levamos ela para lá, enterramos.
P/1 – E como foi depois do falecimento dela, “seu” Pepe?
R – O meu filho queria que eu fosse morar na casa dele. Mas eu disse: “Não”. Depois tinha as minhas vizinhas lá, que eram japonesa e brasileira, até nós fomos padrinhos de um filho dela. Tinha duas espanholas lá que estavam casadas também, uma já faleceu. Quando eu lavava roupa, que não tinha máquina de lavar, no tanque, lá, eu lavava roupa e as vizinhas depois vinham passar a roupa, não é? Passavam a minha roupa. Depois, uma delas também morreu, o marido da outra morreu na Espanha, de um desastre. Íamos ao cemitério onde está minha esposa, ao cemitério onde está a outra colega, que era no Morumbi. Todo domingo íamos ao cemitério, num ou no outro. Depois íamos para a casa de um ou do outro, jogávamos cartas lá até as onze horas e íamos para a casa.
P/1 – “Seu” Pepe, a gente está acabando a nossa conversa, mas tem alguma coisa, alguma história que ficou, que o senhor queira contar para a gente? Que o senhor ainda não contou para a gente?
R – Não. Acho que não tem mais nada.
P/1 – Que o senhor se lembre?
R – Não me lembro.
P/1 – E como foi se mudar para a casa do seu filho?
R – Agora? Depois eu tive uma casa na Tutóia, compraram a casa, não é? Era uma casa grande, tinha seis de frente por quarenta e cinco de fundos. Tinha dois quartos lá. Depois, veio uma companhia que quis comprar para colocar um prédio ali. Vendemos tudo. A casa onde eu morava, na Vila Santa Catarina, também vendeu. E aí alugamos uma casa ali, onde mora o meu filho. A minha neta casou, mudou para o apartamento que comprou, e aí mudei para o quarto dela e ali estou hoje.
P/1 – E como é ser avô?
R – É como filho. A gente gosta deles como filhos, não é?
P/1 – Fale os nomes deles. Dos seus netos.
R – Amanda é essa aí, e o Vinicius. São os dois que tenho.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouco da sua relação com eles.
R – É bom. Aniversário, Natal, sempre dou um presente para eles.
P/1 – “Seu” Pepe, como foi o aniversário de noventa anos?
R – Meu? Ah, foi bom. Fomos num restaurante lá comer. Fizeram um bolinho para mim, cantamos parabéns. Quando eu fiz oitenta anos, meu filho falou que íamos comer num restaurante, quando eu fiz oitenta anos. Eu morava na casinha que tinha alugado lá. Eles me levaram lá, quando chegamos, aí estava todo mundo esperando lá, cantando parabéns pra você. Aquilo foi… Me enganaram que iríamos a um restaurante. Tudo correu bem, graças a Deus.
P/1 – Então, eu tenho umas últimas perguntas para fazer para o senhor. Tenho mais duas, pode ser?
R – Pode.
P/1 – A primeira pergunta é: como foi contar a sua história hoje para a gente?
R – Como?
P/1 – O que o senhor achou de ter contado essa história para a gente hoje? Gostou?
R – Gostei.
P/1 – A gente adorou.
R – Eu gostei. não sei se errei alguma coisa, mas eu gostei.
P/1 – E a minha última pergunta, “seu” Pepe: quais são os seus sonhos?
R – Meus sonhos? Agora não posso ter. Vou fazer noventa e três anos, sonho de quê? Sonho de viver até o fim, bem. Com a família, não é? O meu sonho é viver junto com a família. Não posso esperar muita coisa. Vou ao médico, fiz exames, tudo, e o médico fala para fazer novos exames dali a um ano. Vou lá, o médico manda fazer exames de sangue daqui a um ano outra vez, não é? Exame de cabeça, de tudo. O médico queria colocar um marca-passo, eu não quis, eu disse: “Não”. Tinha um cunhado que tinha, na Espanha, e morreu disso. Mas hoje eu estou bem. Queriam me fazer um marca-passo há uns seis ou sete anos. Mas hoje saio à rua, tudo normal. Eu me lembro de tudo. Me lembro de coisas de quando eu tinha cinco anos de idade. Quando eu tinha cinco anos, eu me lembro o que eu fazia lá no interior, o que os meus pais faziam. Morava numa casa lá que ____01:52:40____, aí quando estava maduro ____01:52:49____ e aí, amarrava o ____01:52:54___ num tanque, punha numas pedras em cima. Depois tinha um poço lá na casa, onde se punha ali. Tinha um moinho de pedra e um rio pequeno que tinha lá. Então, treze quilos de milho levava oito horas que aquilo ia… Moía para dar para os porcos. Depois tinha a máquina que ____01:53:50_____ depois, naquela época, quando eu tinha dezoito, vinte anos, eu tinha muita força. Eu carregava um saco de cinquenta quilos aqui nas costas e levava por três quilômetros para o moinho para moer… Cada um era treze quilos, cinquenta e dois quilos. Eu pegava isso nas costas, o sacos assim, amarrava, não tinha carro, não tinha nada, quando muito levava num carro de boi… Mas quando era um saco só, nas costas. Três quilômetros, ou mais de três quilômetros a pé. Eu tinha muita força. Com dezoito, vinte anos. Tinha aquele forno para fazer o pão em casa, eu ia cortar lenha, eu ia metendo por baixo, um pouquinho em cima e ___01:55:26_____ varrendo para fazer o pão. Assim foi a minha vida.
P/1 – E quem fazia esse pão?
R – A minha mãe ou as minhas irmãs. Tinha umas arpas de madeira e elas compravam na padaria o fermento, punham na massa. Esquentavam a água e faziam a massa, na mão. Então, faziam todo o pão, faziam tudo aquilo. Aí, quando era no inverno, fazia muito frio, tampava ___01:56:11___ senão, não saía direito. ___01:56:25 até 01:56:37____ Quem fazia tudo era minha mãe e as duas irmãs. ___01:56:40 até 01:57:10___ pedaço de pão, tinha uma faquinha, cortava e ia comendo, sempre. Assim a vida, não é? A vida de quem mora no campo não é moleza.
P/1 – E como era para tomar banho?
R – Esquentava um balde de água e ____01:57:38_______. Os homens no rio e as mulheres no outro rio, à parte. Mas era pouco tempo, eram dois meses para tomar banho no rio. Depois, em casa. Uma vez, ____01:58:09_____, eu cortei… Fiz um corte grande e era para ir ao médico e eu não fui. Eu não fui ao médico. Tinha, onde passava aquela água, quando ela me via e me falava ___01:58:34_____.
P/1 – E como era passar o inverno, “seu” Pepe?
R – Agora é fácil, ____01:58:50_____. Meia de trabalhar no mato… Saía aquela fumaça, parecia que estava pegando fogo, era para secar, porque não tinha… Hoje todo mundo tem cozinha econômica, tem luz na casa, é diferente, não é?
P/1 – Como foi chegar a energia? O senhor acompanhou? Chegar a energia em casa, como foi?
R – Energia ____01:59:55_____. Tinha um rio e o meu pai e a minha mãe tinham uma ___02:00:13____ pouca coisa, dinheiro, mas ficou sem ele. ___02:00:25__ tinha um farol ___02:00:42 até 02:01:00___ uma cidade inteira, uma cidadezinha do interior para um lugar alto que aquilo ___02:01:09 até 02:01:23_____.
P/1 – Mas o senhor se lembra da primeira vez que chegou energia na casa do senhor?
R – Não, eu estava aqui.
P/1 – Sim, mas no Brasil, o senhor se lembra aqui no Brasil, a primeira noite que o senhor teve energia em casa?
R – Mandaram falar que a gente já tinha energia elétrica.
P/1 – E como foi?
R – Estava bom. O meu pai tinha uma casinha ali, mas tinha um vizinho lá que quando era o dia da festa sempre estava com luz, tinha um fio da casa do vizinho para a casa do meu pai. Meu pai ainda tinha…Aquela cozinha de lenha, e era só aquilo. Agora, quando nós fomos, quando o meu filho tinha treze anos, aí o vizinho emprestou a luz para lá para ter a festa.
P/1 – Mais alguma coisa, “seu” Pepe? Mais alguma história?
R – Não. Histórias têm muitas do interior. Histórias boas, histórias ruins, como todo mundo no interior é assim, não é?
P/1 – Então é isso, “seu” Pepe. Eu quero agradecer pelo senhor ter contado a sua história hoje para a gente. Foi muito bom.
R – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher