Eu nasci no interior do Estado do Piauí, às margens do Rio Parnaíba, mamãe disse que era domingo, estava lavando roupa num córrego perto de casa, por nome Roncador, e ali ela sentiu que eu estava vindo, só deu tempo dela chegar em casa. Tinha um córrego, o Tietê também, não estava feita es...Continuar leitura
resumo
João nos conta que seu nascimento foi anunciado num córrego às margens do Rio Parnaíba, no Piauí e foi também ao lado de um córrego, às margens do Rio Tiête que construiu sua casa em São Paulo. Em época de cheias, a família toda precisava se acomodar na sala, uma ilha, como denominava, para se proteger das enchentes. Mas lá era seu lar, fez um jardim com roseira, plantou pé de chuchu, de abacate... Essa e outras histórias desse lugar, poderemos conhecer em sua narrativa.
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Depoimento de João Costa e Silva Neto
Entrevistado por Julieine Dell’Anhol e Marcia Trezza
São Paulo, 05 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV06
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Fala seu nome completo.
R - João Costa e Silva Neto.
P/1 - Perfeito.
R - Um sonhador.
P/2 - Como é seu nome? ...Continuar leitura
Depoimento de João Costa e Silva Neto
Entrevistado por Julieine Dell’Anhol e Marcia Trezza
São Paulo, 05 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV06
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Fala seu nome completo.
R - João Costa e Silva Neto.
P/1 - Perfeito.
R - Um sonhador.
P/2 - Como é seu nome? Quando você nasceu? E onde você nasceu?
R - Eu sou João Costa e Silva Neto, eu nasci no interior do estado do Piauí, aquele interiorzinho era chamado de São José de Nazária, hoje São José de Nazária passou a cidade, fica a 45 minutos da capital, Teresina, às margens do Rio Parnaíba, eu sou do dia 03 de Junho de 1951. Mamãe disse que era domingo, ela estava lavando roupa tinha um córrego perto de casa, por nome Roncador e ali ela sentiu que eu ia chegar só deu tempo de chegar em casa, eu sou o segundo filho, somo cinco ao todo.
P/2 - Fala um pouquinho da sua infância, seu João.
R - Olhe, eu tinha uma infância muito boa, nós vivíamos na roça, era uma época que não tinha violência e depois eu tive a felicidade de ter pais muito maravilhosos, que eu nunca percebi um indiferença entre eles, nunca vi eles brigarem, eles não tinham vício, eles não bebiam, não fumavam, eles eram católicos, mas não eram aqueles católicos muito rígidos, a gente ia às missas não sempre porque no mato nem sempre tinha missa, mas nós tínhamos uns amigos que eram bem de vida, inclusive uns parentes do meu pai, e eles faziam os festejos e vinha um Padre celebrar uma missa, acho que uma vez por ano, mas mamãe era uma mulher religiosa, então, ela era presente naquelas rezas do interior, que as mulheres se juntavam, tinha as novenas, só uma coisa que eu percebia é que não eram os homens muito religiosos, eram as mulheres. Na hora da reza, nós estávamos lá fora contando história, os homens fumando, mas era cigarro de palha, naquele tempo não via as pessoas embriagadas, não existia ainda droga, naquele município, durante a minha infância, eu presenciei dois homicídios, mas eram dois brigões, dois valentões e eles se mataram. Não tinha roubo, ninguém roubava os animais, ninguém abusava nem de mulher nem de criança, eram outros tempos, mas a partir dos anos 80 aí a violência chegou ao Campo, eu creio que em todo Nordeste e em boa parte do Brasil. A nossa casa era feita de taipa, coberta de palha de coco, tem um coco lá chamado de babaçu, então, tira aquela palha, risca ela e dobra a folha e faz aquele estrado no chão que é para ela murchar, aí depois papai juntava uns amigos para cobrir aquelas casas, era um trabalho muito artesanal e não caia uma gota de água, então, quando a gente ia cobrir uma casa chamava-se os amigos, montava um porquinho, um cabrito, as galinhas e era aquele banquete, todo mundo comia e essas casas eram amarradas com um cipó chamado Cipó de Escada, é um cipó que é uma verdadeira corda, tudo isso nós tínhamos lá no mato à nossa favor, tinha o cipó, tinha a palha, as madeiras e essas casas eram muito bem feita e ficava uma parede igual essa. Se você quisesse depois tirar as varas depois que o barro secava, você podia rebocar com a mão, naquele tempo pobre não tinha colher de pedreiro, não tínhamos cal, não tínhamos privada, porque a gente não era orientado. Aquela região embrejava muito, porque um metro ou dois tem ali de barro de louça que quando chove muito ele não deixa a água descer, então, aquela região é de areia, o Nordeste tem muita areia, então, nos bons invernos, se tiver um pé de mamão ali, ele apodrece e morre e quando chega, porque o inverno que a gente chama é a chuva, os bons invernos começam a chover em dezembro e vai até maio, em dezembro a gente plantava milho, feijão, o arroz sempre plantava em janeiro se não chovesse morria, porque tem um cupim lá na terra que ele comia a batatinha do arroz nesse tamanho e ele morria, então, nossas plantações não eram com agrotóxico, era tudo natural, então, meu pai plantava arroz, milho, feijão, mandioca. Lá a mandioca é a venenosa, aquela que mata,
a macaxeira é diferente, aqui toda mandioca parece que não é venenosa em São Paulo, ali quando era no mês de julho nós íamos tirar aquela mandioca que tinha sido plantada um ano atrás, por exemplo, agora em 2018 nós tínhamos uma roça, plantava uma mandioca, só em 2019 em julho aquela mandioca estaria no ponto e, então, nós fazíamos a farinhada, era outra casa de palha que nós tínhamos no quintal e meu pai mandava fazer forno de barro redondo, assim enorme, e de baixo tinha duas fornadas igual àquela de fazer tijolo, de queimar tijolo e ali colocava-se lenha para fazer a farinha, aquela mandioca era cevada numa bolinha, chamava bola de catitu, era uma madeira tirada do Pequi, do Pequiceiro, e colocava-se uma tarisca, essa tarisca é como uma serrinha, o artesão serrava aquela madeira e colava elas nessa distância, e no meio daquela bola tinha um ferro com uns pinos, porque ela ia ser encaixada no outro eixozinho e cobria-se com uma madeira e ficava uma mulher sentada num banco de madeira com as mandiocas ali e ela ia colocando e tinha dois homens
rodando a roda de madeira, era tudo manual, naquela roda tinha um reio que era feito do couro do boi que vinha lá daquela roda, era uma roda muito grande, assim desse tamanho, uma roda muito grande de madeira e ela tinha aquele reio que era para ele ficar ali e ela ia lá no catitu também que tinha a parte para encaixar. Depois vieram os motores e aí o homem já não precisava fazer tanta força, então, aquela mandioca era ralada e caía num coxo feito de vara de coco, era assim tipo uma piscina, fazia umas varinhas amarradas com cipó nas madeiras e forrava com as esteiras também do coco, esse coco babaçu a gente fazia muita coisa, fazia esteira para sentar no chão, forrava-se aquele giral, aquela massa ia caindo e a água ia pingando, que aquela água mata também, chama-se Mão de Poeira, depois as mulheres pegavam uma parte daquela massa e iam lavar numas redezinhas amarradas nas cordinhas com água para tirar um pouco da tapioca, que é o polvilho, e tinha uma gamela grande de madeira para aparar aquela água, depois no outro dia derramava aquela água e o polvilho estava assentado lá e a gente deixava enxugar um pouco, tirava e botava lá no giral também em cima das esteiras para secar a tapioca. Não podia lavar toda aquela massa senão a farinha ficava ruim, a farinha tem que ter um pouco de tapioca. Levava-se também uma prensa para prensar aquela massa e depois de sequinha ia ser peneirada numa peneira muito grande, feita com a taboca, que é um bambuzinho chamado taboquinha, e depois nós íamos torrar ela, tinha um rodo de madeira enfiava-se uma vareta de taboca e torrava aquela farinha até ficar no ponto. Essas farinhadas duravam meses, duas semanas, se matava porco, galinha, bode, pode aquele pessoal estava trabalhando. Depois que terminava aquela farinhada do papai, ele ia fazer a de outros amigos e eles se ajudavam, ali não tinha dinheiro, era troca de serviços. Se fazia o biju da tapioca, nessa grossura, na pedra lá do forno, um biju desse tamanho, fazia também com o bagaço do coco Babaçu, na palha de banana que era para nós tomarmos café de manhã. Também matava uma vaquinha de vez enquanto, então, tratava o bucho da vaca, as tripas, mamãe tratava e torrava aquelas tripinhas para comer com biju de manhã, toicinho de porco, as vezes um pedaço de carne, mas aqueles homens tinham que comer bem, porque senão não aguentava aquele serviço, e toda aquela mandioca era trazida de uma serra, não era perto de casa, chamava Serra Grande, aonde nós fazíamos a roça. No lombo dos coitadinhos dos jumentos e dos cavalos se colocava uma carga, uma cangaia com dois jancá feito de taboca, assim com a média de 60 a 70 quilos e tinha que descer uma ladeira muito íngreme, os pobrezinhos desciam com nós ajudando naquela carga, porque nossa agricultura era naquela serra, chamava-se Serra Grande, só que lá em cima ela era toda plana, não tinha nem pedra de areia, mas na descida era custaneira de pedra e quando chovia bem naquela serra dava muito arroz, feijão, milho e mandioca. Aquele arroz era colhido também artesanal, papai fazia uns cofo dessa palha de coco, o cofo é assim um cesto e amarrava uma cordinha nele e na nossa cintura com uma faquinha pequena, não íamos cortando cacho por cacho e juntando e colocando no cofo e ele enchia que pesava, nós íamos voltar lá no estrado forrado com a palha.
P/2 - Crianças faziam isso?
R - Era criança, nós estudávamos de manhã quando tinha escola e depois ia para o serviço.
P/2 - Que idade o senhor tinha quando o senhor ia lá colher arroz, por exemplo?
R - Olha, quando eu comecei a ir para a roça acho que eu tinha menos de 10 anos. Nós estudamos porque mamãe sabia ler e escrever e bem, então, ela nos alfabetizou e quem era minha professora era minha avó que criou mamãe. Essa avó era prima do meu pai, mamãe perde os pais aos 10 anos, porque naquela época quem tinha uma tuberculose morria, mamãe perdeu a mãe de tuberculose muito nova e naquela época as pessoas não sabiam que tinham pressão alta, mas tinha, falava-se ‘‘fulano morreu de derrame, teve uma congestão’‘, eles contavam que meu avô materno tinha morrido de uma congestão, tinha comido uma leitoa e foi dormir e morreu, mas hoje eu acredito que ele tinha era problema de veia entupida, foi um derrame, teve um AVC e morreu. Minha bisavó por parte materna morreu de tuberculose, meus avós paternos morreram de doenças naturais, não, meu avô paterno morreu de câncer aos 55 anos, teve câncer na garganta, agora minha avó paterna meu pai não fala do que ela morreu, creio que ela morreu de velhice. Eles eram uma família grande, numerosa, papai tinha uma diferença de 15 anos, quando ele casou com ela, ele tinha 35 e ela tinha 20. Ele não sabia ler nem escrever, mas tinha as quatro operações de conta na cabeça, ele era muito bom em matemática.
P/2 - Um bom comerciante?
R - É, matava boi aos finais de semana para aqueles homens ricos. Então, papai matava aqueles gados de um pessoal que tinha gado para matar aos domingos e eu ia também de madrugada matar o boi com meu pai, era tudo artesanal, nós tirávamos o boi do curral, trazia na corda, correndo até um risco de ser morto por um animal daquele, mas meu pai era um homem muito cuidadoso, então, eu segurava aquele boi na corda e meu pai dava uma machadada ali no meio dos dois chifres e quando ele caia dava uma sangrada nele. Ali o animal não sofria, meu pai era prático nisso e a gente deitava aquele animal de costas eu segurava as mãos e ele botava a madeira de um lado para ele não virar, eu ainda era raquítico e o papai tirava o couro daquele animal bem tirado, nós colocávamos palha de coco de lado para não sujar a carne. Papai sabia todos os pedaços do animal, contra filet, patinho, tudo, Então, aquele homem que mandava papai matar o boi, ele dava para nós toda a bagagem do animal, o fado, a cabeça, o fígado e dava 2 quilos de carne, mãos e pés, era muita coisa do boi. Então, ali papai tirava aquela mão do boi, aquele ossinho que é a canela, ele limpava e mamãe colocava lá para defumar muitos meses depois papai quebrava aquele osso defumado, ela lavava ele primeiro, e ele colocava ele cozinha uns três dias só no foguinho baixo, sem sal e nem tempero, depois disso ela tirava aquele óleo que disse que era medicinal, o óleo do mocotó, aí ela ia temperar aquilo ali para nós comer o pirão, ali era o verdadeiro mocotó, aquele pirãozinho chegava a ficar escuro, você suava. Aquele azeite ela guardava para nós tomarmos com mel de abelha quando estava gripado e quando alguém passava mal de uma comida
aí não prestava não, ela vinha com azeite da mamona para nós tomarmos, que era um purgante horrível. Quando estava também começando uma gripe ela também queria dar esse azeite com açúcar
e tem lá uma batata chamada Batata de Pulga, lá no mato, que diz que tira o catarro do peito, ela também é um laxante, ela fazia o doce daquela batata para nós comermos. Então, nós éramos assim tudo era do mato e tinha uma árvore ali que chamava Pé de Muxumbo, ele tem ramo e sobe nas outras árvores, você tirava a casca e dentro era vermelhinho e fazia o chá quando estávamos com desinteria terrível que nada mais dava certo tomava aquilo
sarava e também tem a Chapada que era boa para o intestino e para tosse e a casca do Angica minha mãe fazia o lambedor do Angico.
P/2 - O que é lambedor?
R - Se cozinha a casca bem cozida depois coloca açúcar até virar um mel e depois tomava aquilo, é um pouco amarguento. Nós tirávamos mel de abelha para também comer, mas nos anos 60 para 70 chegou essa abelha no Brasil que nós chamávamos de abelha italiana, outros chamavam de abelha da Europa, no começo elas mataram muita gente, elas ficavam voando de um lugar para o outro até se estabilizar e nós não sabíamos que abelha era aquela.
P/2 - Do nada assim?
R - Do nada assim, porque elas tem ferrão. Então, as nossas abelhas brasileiras, Abelha Canudo e a Tiuba, que é uma abelha parecida com a italiana, mas ela não tem ferrão, ela criada domesticada. Essas abelhas desapareceram, Uruuçu também que parece uma italiana, mas não tem ferrão, ele mora em madeira ocada e a boquinha da entrada dele é feita de barro, chama Abelha de Ururçu, tem um mel muito bom, ele é do tamanho de uma abelha italiana. A Abelha Canudo é uma abelha pretinha, quando você vai tirar ela morde seus cabelos. Das abelhas que sobreviveram tem a Abelha de Arapurá, aquela que faz um cupim nas árvores, porque ela gosta muito de comer a florada das laranjas. Aqui em São Paulo tem algumas, já vi abelha de Arapuá, ela faz um cupim preto nas árvores e tinha outras espécies de abelha, tinha a abelha Trataíra, ela mordia e mijava em você, queimou que nem fogo, é uma abelha vermelhinha, nós tínhamos medo dela.
P/2 - Quem ensinava para você tudo isso?
R - Isso é de pai para filho, de geração, então, o que eu aprendi ali a gente não consegue esquecer, você é criado hoje, meus filhos não sabem disso, que foram criados aqui em São Paulo. Então, nós que fomos criados ali, nós sabemos até hoje o nome de todas as árvores, posso levar alguém lá e mostrar o nome de todas as árvores, Pediaré, que nós comíamos as frutinhas dele, que o veado come a fruta dele, a Cuti, a Paca, o Japu, o Murici é uma espécie de goiabinha, lá do mato, a Maria Preta é uma grutinha adocicada e é pretinha, O murici tem dois tipos, o verdadeiro que a gente faz suco e o amarelo que a gente come lá no mato, tem a Pitomba de Leite, tem o Puça que é igual a Jabuticaba só que ele é do tamanho de uma goiaba e ele dá na madeira, tinha o Pequi, tinha o Caju que era nativo, do mato, não era esses cajus que eram plantados.
P/2 - Vou perguntar uma coisa para o senhor, qual a origem do seu pai e da sua mãe?
R - Os meus avós paternos, papai contava que eles vieram de Ceará menino, bebê, os pais dos meus avós papai conta que eles morreram lá no Ceará, mas não falava qual era a região e nunca me veio a lembrança de perguntar...
P/2 - Qual a origem...
R - Eu não sei de qual cidade eles eram lá do interior, sei que era do estado do Cerará e eram quatro irmãos, era João Costa, meu avô, Manuel Costa, meu tio avô e Amanso Costa, meu tio avô, e Cassimiro Costa, que foi o último afilhado dele. Então, eles vieram para um lugar do Piauí chamado Campestre, depois de São José de Nazária nós mudamos mais para perto da roça, porque em São José de Nazária embrejava muito, fomo morar no Chico, no Chico não embrejava, era entre duas serras, depois do Chico vem Campestre, hoje tem água encanada, tem luz, ginásio segundo grau, tem posto de saúde, depois do Campestre vem Olho D'água, Santa Rosa, Pilões, Curralinhos, hoje é cidade também, tudo ali em volta de Teresina, que é o sul do Piauí.
P/2 - E da sua mãe, qual a origem?
R - Mamãe conta que seus papais eram de descendência de Parnaíba, é a parte marítima, pessoal conta que a cidade de Parnaíba possuía ao estado do Ceará, então, o Piauí não tinha mar fizeram um acordo para ganhar aquela tirinha, então, a mamãe é da família dos Araújo, mas ela tinha descendência com negro e índio e meu pai branco, meu pai é português, por é Costa e Silva e minha mãe também porque é Araújo, mas essa cor que eu tenho, esse narizão aqui é um pouco de índio, mas se você vê, esqueci de trazer uma foto dela, ela era uma das mulheres mais bonitas, mamãe era uma mulher bonita e inteligente, creio que se ela tivesse nascido numa cidade com oportunidade creio que ela teria se tornado não uma médica uma cientista, porque ela dava injeção até nela, dava injeção na veia, ela costurava, tirava nossas medidas, fazia roupa do jeito que você pedisse, ela fazia um paletó, ela era uma cozinheira de mão cheia e era uma super mãe, saudade da minha mãe.
P/2 - Qual o nome dela?
R - Maria Nazaré Araújo e Silva, uma grande mulher.
P/2 - Fala o nome do seu pai.
R - Vicente da Costa e Silva, um grande homem, nunca deu uma palmada em nós. Mamãe batia, era uma mulher rigorosa, se aprontasse ó.
P/2 - O pai não?
R - Não, papai defendia, chamava ela até de onça, gaviona, ‘‘Cê tá batendo nos meninos, sua onça’‘, detalhe é que nós não tivemos irmã mulher, todos eram homem. Meu irmão mais velho é de 1947, primeiro de Outubro de 1947, eu sou do dia 03 de Junho de 1951, o terceiro é do dia 12 de Agosto de 1954, o quarto é do dia 10 de novembro de 1957, mas fizeram o registro errado como se ele nascesse em 1956 e
meu irmão caçula é de 23 de novembro 1960. Desses parentes ricos do papai, uma tia que ficou viúva, ainda grávida, ela era funcionária dos Correios e os Correios era estatal naquela época, então, ela disse que ia ajudar todos os parentes pobres e ia pegar um filho década um pra dar estudo, comida e roupa e ela fez. Ela pegou meu irmão mais velho aos 12 e ele saiu da casa dela com cientifico fez
terceiro ano de contabilidade, ele estudou para concurso chefe, que ainda não era coligado com a Paulo Afonso, era a Barra da Boa Esperança que tem no Piauí para segurança, passou e estudou para ser um operador de força, de transformador e foi para o estado da Bahia, para Paulo Afonso, ele se aposentou bem trabalhando na Paulo Afonso.
P/2 - O senhor lembra de alguma história que aconteceu com você, com seus irmãos, ou só com você, alguma engraçada?
R - Muitas. Terrível. Eu era muito traquino, mamãe ficou doente quando meu irmão caçula tinha três meses e só descobriram a doença dela depois de muito tempo, ela ficou três anos mais na cidade do que em casa, quando ela voltou, aquele meu irmãozinho tinha três anos e eu tinha nove anos cuidando dele e dos outros dois, porque o mais velho estava estudando na capital. Eu lavava, passava e cuidava deles e meu pai lá na roça, aos nove anos de idade eu passei a cuidar de uma criança de três meses quando mamãe voltou ele tinha três anos.
P/2 - Você trocava fralda?
R - Não tinha fralda naquele tempo, a gente era pobre, quando ele adoecia do intestino, que ele fazia o cocozinho sujava a rede e aí nós não tínhamos mais onde deitar forrava e ia dormir no chão, no outro dia eu ia lavar tudo.
P/2 - O Senhor falou que era muito traquina, conta...
R - Eu era uma pessoa...
P/2 - Conta um causo assim para mim.
R - Minhas traquinagens eram assim uma vez nós tinha bode, galinha, porco, às vezes eu pegava um pouquinho de sal e chamava os animais para virem comer perto da biqueira da casa, que chamava biqueira onde a água cai, hoje chama biqueira outra coisa. Eu chamava os coitadinhos para comer um pouquinho de sal, as vacas, os porcos os bodes, e sempre ali nas biqueiras, os marimbondos gostavam de fazer sua morada e tinha uns marimbondos assim, eu ia por dentro e cutucava o marimbondo, só para ver eles pegarem os bichos e os bichos saírem ó, dando tudo que tinha. Outra hora, quando meus pais saiam de casa,
eu trancava os cachorros dentro de casa e começava a perturbar eles, quando eles iam me morder
eu subia na mesa, deixava os pobrezinhos loucos, mas um dia eu fiz uma coisa terrível, eu peguei um bodinho mansinho, encanguei ele com um cachorro e um gato e o que que aconteceu? Um bode encangado com um cachorro e um gato, o bode puxava para um lado, o gato mordia o bode e o cachorro mordia o gato e virou uma aí eu não dei sorte que mamãe chegou e eu ó, levei uma baita de uma surra, que ela não perdoava essas traquinagens.
P/2 - Você apanhava do que, seu João?
R - Ela batia com pedaço de pau, era o que tivesse, com reio, às vezes ficava aquelas marcas, naquele tempo os pais da gente surrava a gente sem dó. Outra traquinagem que eu levei uma surra, eu joguei uma pedra com estilingue, mas eu joguei à direção da casa do meu tio e para meu azar àquela pedra caiu na fonte da minha tia, ela foi lá e correu contou pra minha mãe que eu tinha jogada pedra na minha tia, outra surra, mas eu não era aquele menino que batia nos outros, apanhei de alguns moleques maior do que eu que gostava de bater na gente, mas eu juntava com meus primo e nós se defendia, também nós batíamos nos valentões, às vezes nós apanhávamos, mas eu tinha um primo que era da idade desse meu irmão mais velho que sempre nós brigávamos quando estava jogando bola, ele era caçadorzinho de conversa e uma vez, mas como ele era meio raquítico sempre levava a pior, uma vez se atracamos lá no campo jogando bola e eu derrubei e caí por cima e eu já grudei ele aqui, eu tinha uns dentes de ponta, eu ouvi, estalou isso aqui dele, o lagarto, se mamãe não chega acho que eu tinha arrancado pedaço, eu não soltava, aí nessa hora mamãe não me batia ela me defendia, porque ela dizia ‘‘você estava caçando conversa com ele’‘, se nós apanhássemos lá ela não batia em nós e também se nós batia, porque ela sabia que nós não mexíamos com ninguém, se nós apanhássemos era porque alguém era mais do que nós, mas nós sempre procurava não mexer com ninguém. Esse dito primo, outra vez nós jogando bola ele perturbando, perturbando, e eu digo ‘‘o que eu faço?’‘, isso lá no colégio, tinha um tijolo lá eu peguei meia banda de tijolo e fiquei observando ele, uma hora ele veio perto de mim eu dei uma tijolada aqui nos rins do pobrezinho e ele caiu lá e eu ó corri para casa, porque mamãe me defendia, aí eles falaram que iam me matar, mas não matava não, era só naquela hora, criança briga depois fica tudo bem.
P/2 - E medo, o senhor teve alguma história assim que o senhor ficou com bastante medo?
R - Eu tinha medo de gado, porque papai mandava eu pegar madeira nos animais e ele cortava as madeiras lá na serra e deixava e mais tarde eu ia buscar e naquele tempo se criava gado solto, mas era uns gados bonzinhos, mas eu tinha medo. Então, eu ia montado no jumento, mas na volta eu tinha que vir a pé aí carregava as madeiras e tinha uns cambito feito de madeira, amarrado com reio, você coloca aqueles cambito na cangaia e coloca ali as madeiras com jeitinho para trazer para casa, estaca para fazer cerca, essas coisas. Então, eu tinha medo de gado, mas eu ia, mas eu tomei gosto pela pesca, meu irmão não tinha esse dom, eu ia pescar sozinho de anzol e na época da piracema, depois que eu vim saber que era piracema, quando aqueles peixes estavam subindo lá do rio, nós tínhamos dois riachos que saia no Rio Parnaíba, um chamava Riacho dos Macacos e outro Roncador, o Riacho do Macaco saia no Roncador andava assim uns 100 metros os dois juntos e saia no Rio Parnaíba, esse Riacho do Macaco entrava na propriedade de uns vizinhos que não era da minha família e o outro continuava na propriedade dos meus tios ricos, esse Roncador os peixes não gostavam de fazer Piracema nele, gostava de fazer no Riacho do Macaco, porque era um riacho todo de barro, peixe gosta mais de água barrenta e ele tinha água mais profunda e eu me sentava ali na ribanceira às vezes aquelas cores iam subindo e elas iam fazendo um barulho assim, iam roncando e eu gostava de ver aquilo, nós não tínhamos tarrafa, não tínhamos engancha e no verão aquele rio seca fica aquelas praias e eu via aqueles homens matar e matar de tiro, mas não dava para gente, mas eu pescava Piau, pescava Ceva, pescava Mandin, o maior peixe que eu peguei de anzol foi um Mantubé, que é uma espécie de um peixe de couro e eu pesei lá na balança do meu avô que ele era comerciante, que ele deu 700 gramas e teve uma cheia nos anos 60, o Rio Parnaíba inundou tudo, quando baixou as águas nós achamos muitos peixes nos córregos e um dia eu achei um pintado desse tamanho vivo, porque as águas baixaram lá no Roncador e eles iam embora, isso já era mês de Julho, o riacho já não corria mais e eu achei ele num poço pequeno e peguei ele. Então, eu era o pescado da minha família, papai não gostava de peixe, odiava, mas mamãe gostava, ela cozinhava aqueles peixes com leite de coco, com cheirinho verde, fazia um pirão de farinha para nós comer com arroz branco com feijão, outra hora um peixinho assado na brasa, mamãe tinha forno de barro, papai mandava fazer, para assar bolo, para assar um peru, nós criávamos peru, assar um pedacinho de porco.
P/2 - E algum cheiro que o senhor lembra daquela época?
R - Muito cheiro, a gente não esquece, quando eu sinto cheiro de madeira, lembro do interior, cheiro de fogão a lenha, você viu falar de um perfume o Casa Blanca? Aquele perfuminho me marcou. Tinha um sabonete, o lifeboy, os primeiros comerciais das pastas de dentes, eu achava aquilo incrível, então, quando eu comecei a entender eu era o artista da minha família, eu gostava e gosto de música, eu não era apaixonado pelo futebol, mas eu sabia quem era o cantor que estava fazendo sucesso no Brasil em primeiro lugar, porque aí chegou o tempo da Jovem Guarda, e aí eu acho que cantava todas as músicas do Roberto, da Evinha, da Martinha, da Valdirene, do Vanderlei, do Antônio Marco, da Vanusa, da
ngela Maria.
P/2 - Você cantava aonde?
R - Eu cantava sozinho na roça, porque meu pai também era um grande cantor, ele estava lá trabalhando e estava cantando as músicas do Luiz Gonzaga ‘‘Passa a enxada no chão, vamos plantar algodão para vencer a batalha para poder viver no sertão’‘, então, meu pai passava o dia cantando ‘‘Passa a enxada no chão, vamos vencer a batalha para poder viver no sertão, porque a vida de lá não é brinquedo não’‘, então, papai era um cantor.
P/2 - Tinha outra que ele cantava, o senhor lembra?
R - Todas do Luiz Gonzaga, cantava aquela ‘‘Faz três noites que ao Norte relampeia, laralaralala, ô Asa Branca bateu asa e voou para o meu sertão, ai ai eu vou embora, vou cuidar das plantações’‘ Luiz Gonzaga ele cantou muito no Nordeste, mas aí veio a Jovem Guarda, veio a Música Popular Brasileira, veio o Roberto Carlos, a Evinha, a Martinha, a Valdirene.
P/2 - E quando você foi ficando jovem?
R - Aí veio o sofrimento, porque eu queria estudar e não tinha uma casa para eu ficar, eu fui aos 16 anos para a casa de um primo e fiz o terceiro ano, mas aquela casa ele não era pessoa muito boa, a esposa não, mas ele era difícil e eu fiquei um ano ali e eu achava bico de ajudante de pedreiro para ter meu dinheirinho, então, eu estudei um ano num bairro chamado Bairro do Poty. Enquanto, hoje só tem prédio, tem Shopping na margem do Rio Poty, então, ali tinha um colégio que eu não lembro o nome, em Teresina, mas eu sei a avenida onde era esse colégio, Avenida Jacob Almendra, ali eu fiz o terceiro ano primário com a professora Joazina, voltei muito triste para o interior, e aí eu vou esperar ficar de maior, eu também não passei no exército porque eu era raquítico, me alistei aos 16 anos, mas era raquítico, não tinha nem o primário, o que os militares iam querer um moleque raquítico que não tinha nem o primário? Então, eu fiquei triste, porque o meu irmão lá da capital ele serviu Exército, ele foi militar, porque aí quando ele foi para o exército ele já estava terminando o científico e ele estudou em um colégio chamado Liceu, esse Liceu era referência em Teresina e tinha a praça na frente na Rua Barroso, chamava Praça do Liceu, então, esse colégio estava entre a Rua Barroso e a Rua Rui Barbosa e na frente da praça chamava Rua Clodoaldo Freitas, então, aquela praça eu brincava muito, porque eu também ia muito para a casa dessa tia, ela morava na Rua Barroso no número 880, era uma viúva de um coração de ouro, ela só teve um filho, marido morreu ela estava grávida e esse filho da minha tia ela mandou formar ele em medicina lá em Salvador, porque ainda não tinha Universidade em Teresina.
P/2 - Mas você disse que voltou para casa triste...
R - porque não pude ficar estudando...
P/2 - e aí você foi crescendo quando jovem o que vocês faziam lá?
R - Fazíamos roça, mas eu dizendo para papai ‘‘Vou esperar ficar de maior e vou me embora’‘, então, aquilo era muito preocupante para ele, porque eu dizia para ele ‘‘Papai eu vou me embora para São Paulo ou Rio de Janeiro’‘, então, ele dizia ‘‘Menino, você é louco, o Rio de Janeiro é perigoso, São Paulo é perigoso’‘, e eu falava isso e eu não vim logo esperei ficar de maior. Ele tinha um primo que era político e me arrumou na prefeitura um emprego de varrer rua.
P/2 - Onde?
R - Em Teresina, aí eu já tinha meus 20 anos e fui varrer rua e aí terminei o primário num colégio chamado Centro Proletário a noite, aí já era a noite, esse ensino a noite eu não lembro agora como que chamava, já era diferente. Quando eu comecei o ginásio, eu fui transferido, não sei quem me colocou, eu fui varredor de rua e logo me tiraram para ser fiscal de varredor e logo não sei quem me botou num colégio para trabalhar de vigia a noite, era só para dormir. Esse colégio chama Eurípedes Aguiar, fica no Bairro da Primavera, perto do Bairro Aeroporto e eu fui trabalhar naquele colégio e logo me casei e fui morar perto daquele colégio na Rua Pernambuco no Bairro Primavera, numa casinha da Cohab alugada.
P/2 - O senhor tinha terminado o primário e aí o Ensino Médio o senhor fez...
R - Aí estava começando o ginásio, mas aí fui trabalhar a noite e parei. A diretora daquele colégio se sensibilizou comigo e me arrumou uma bolsa para eu estudar num colégio particular no Centro de Teresina lá pertinho da Igreja de São Benedito ali da Praça da Liberdade tem um colégio até hoje chamado Demóstenes Avelino. Esse colégio eu acho que é dos padres e eu fui estudar lá à tarde com a molecada e eu casado de aliança no dedo, fardado, então, ali eu estava me sentindo um peixe fora d'água, todos molequinhos e eu casado no meio da molecada, mas eu estava lá. Eu fiz o primeiro semestre, mas o segundo eu não aguentei e parei. Eu já não pensava mais de vir para São Paulo, já tinha casado, o sonho estava adormecido, mas um dia chegando de um plantão, eu estava com a minha filha com quase dois meses na casa do meu pai lá no sítio e minha esposa no hospital, porque ela criou água no pulmão, ficou quase que à morte, teve seis dias na UTI, mas já estava quase de alta, aí bateram palma na minha porta, eu já tinha voltado do plantão e ia me deitar, quando abri a porta era um moço muito bem parecido, ele se identificou ‘‘Eu sou pastor, meu nome é João Alves Feitosa, meu chara, sou pastor da Primeira Igreja Batista, eu vim aqui te convidar, porque eu tenho boas informações a eu respeito para em São Paulo fazer um curso de Evangelização e se você passar nós vamos te contratar na hora, assinamos sua carteira e você vai ser pago para evangelizar, só para entregar folheto de porta em porta, mas para isso você precisa de um treinamento’‘. Eu fiquei pensando e pensando e eu disse ‘‘Olha, eu trabalho a noite na Prefeitura, sou vigia, eu tenho uma filhinha que tá com meus pais no interior com quase dois meses’‘, minha filha nasceu dia 15 de Outubro de 1974, esse acontecido eu não lembro o dia, mas já era em dezembro ‘‘E minha esposa está no hospital assim e assim, então, não dá para mim’‘, aí me lembrei ‘‘Opa, mas eu sempre quis ir para São Paulo e agora’‘. Eu disse ‘‘me dá três dias, me dá o seu endereço que eu vou te dar uma resposta de sim ou de não, que é pra eu pensar’‘, quando ele foi embora eu já não me deitei mais, eu fui na Prefeitura, peguei ônibus, fui no centro da cidade, a Prefeitura fica ao lado da Praça da Bandeira, ainda está lá até hoje a Prefeitura velha e tem a nova e ao lado tinha um Colégio Normal que formava professoras para dar aula, chamava-se Curso Normal hoje não tem mais. Fui lá falar com Departamento Pessoal e a chefe do Departamento chamava-se Dona Mirian e nós estávamos na Ditadura, os Prefeitos e Governadores eram colocados pelos militares, aquele Prefeito naquela época ali chamava Jofe, era Coronel Reformado da polícia, um homem de uma cara muito fechada dava medo olhar para aquele cidadão, ele não transmitia muita alegria. Não sei dizer muita coisa dele, porque não o conhecia pessoalmente, mas a cara dele dava medo de olhar, ela disse que eu não podia ir para São Paulo, a Dona Mirian, só se o Prefeito desse autorização. Quando eu saí do Departamento Pessoal eu o procurei por conta própria, bati no Gabinete dele, mas me disseram que ele não podia me atender, porque estava em reunião. Essa pessoa que disse eu não sei quem era, eu não sei se era o assessor dele, sei eu uma pessoa me disse ‘‘Ele não pode lhe atender’‘ e nem perguntou quem eu era. Voltei para casa chateado, triste, a noite quando eu cheguei no meu plantão para trabalhar naquele colégio, no Eurípedes Aguiar, já estava o assunto ali. Creio que a Dona Mirian comunicou lá com a Diretoria do colégio me chamaram lá, mas ela não sabia que aquelas mulheres lá, a Diretora e a Supervisora de todo Setor Norte da Capital eram minhas amigas, elas gostavam de mim, elas tinham me apoiado em tudo e aí me chamaram e falaram ‘‘João, é verdade que você quer ir para São Paulo?’‘, aí eu disse é, ‘‘Como assim?', aí eu contei a história que tinha desse homem que tinha ido na minha casa esse pastor e que queria que eu fosse fazer esse curso, se eu passasse eu estaria empregado, que era uma organização séria, que cruzava muito com literatura, que a Igreja Batista é muito séria, os batistas é uma coisa qualquer e ela disse ‘‘Você não vai?’‘ e eu disse ‘‘Dona Mirian disse que eu não posso ir’‘ e ela disse ‘‘Pode ir sim, você vai’‘ e eu falei ‘‘Como assim? ela disse que eu não posso ir’‘ e ela disse ‘‘Não, você vai, não vai acontecer nada com você, pode ir’‘. Hoje eu entendo que elas iam segurar a bronca lá, ninguém ia ficar sabendo, eram só 15 dias, eu não ia receber nem uma advertência se eu não passasse, eu ia receber meu salário, porque se elas contassem talvez eu pegasse uma advertência. Nós vínhamos em nove pessoas fazer esse curso, lá em Perdizes na Rua Itapicuru, no número 366, eram os escritórios da Cruzada Mundial de Literatura, o diretor, Pastor Alberto Blanco de Oliveira, um bom advogado de 72 anos tinha quatro filhas, todas as filhas cantavam, batistas são ótimos cantores. Ali nós tínhamos almoço, café e janta, alojamento, nós só lavava nossa roupa e fomos estudar 15 dias na maior faculdade teológica da Igreja Batista lá em Perdizes. Eles me levaram para conhecer alguns lugares de São Paulo, me lembro que fui a um culto lá em Pinheiros, mas o que mais me chamou atenção quando me levaram no Centro de São Paulo na Rua Direita, fiquei com medo de me perder ali, nossa como voltar pra casa, nunca tinha visto aquele mundaréu de gente e às vezes eu saia só, porque eu queria conhecer São Paulo, nós pegávamos o endereço e saia de ônibus lá de Perdizes, mas voltava de táxi. Fizemos o curso e eu fui aprovado.
P/2 - Você passeava aonde em São Paulo?
R - Eu vinha para o Centro, vim algumas vezes. Depois que eu vim embora em 1982, para eu conhecer São Paulo eu pegava um ônibus lá do Centro e ia um certo trecho e voltava, eu conheci São Paulo assim, andando rua por rua, sozinho. Não sou de decorar nome de rua, mas eu ando em qualquer lugar de São Paulo.
P/2 - Você ia de ônibus e voltava.
R - Era. Então, quando eu passei naquele estágio dos 15 dias do curso, mandaram nós irmos para o Mato Grosso, uma boa parte. Eu fiquei muito feliz, porque sempre eu tive um desejo de andar pelo Brasil, então, pegamos um ônibus e cortamos o Paraná no meio, me lembro que quando o dia amanheceu nós saímos de São Paulo a noite, o dia amanheceu nós estávamos na cidade de Londrina, cidade maravilhosa, aquela terra de barro vermelho, aquelas plantações de soja que eu nunca tinha visto. Voltando um pouquinho atrás, nessa época tinha aqui em São Paulo o Supermercado Pegue Pague, lembra? Mas aquilo era fantástico, eu entrava naquele mercado, aqueles doces, aquelas guloseimas, eu levei quando eu fui embora para Teresina eu levei um monte de coisa daqui pra minha esposa, que lá não tinha ainda. Aí nós rasgamos o Paranazão, saímos daqui à noite, amanhecemos em Londrina, atravessamos um rio que sai no Paranazão que eu não lembro, esse rio agora é de balsa, passa Tônia, Ruarama, fomos dormir lá onde tem ponte, em Guaíra. Lá nós dormimos na casa dos pastores da Assembleia de Deus, no outro dia atravessamos de balsa 40 minutos para o estado do Mato Grosso, no Mundo Novo. Nos apresentamos para os pastores com as cartas que nós tínhamos e ali nós fizemos toda a cidade, o município do Mundo Novo, depois nós fomos para Eldorado, que é depois de Mundo Novo, depois a gente foi para Porto Morumbi, que de Mundo Novo tinha uma estradinha para Porto Morumbi, que é na margem do Rio Paraná, do lado do Paraná nós enxergávamos o Tônia, depois fizemos Amambai, conhecemos todo município de Amambai, visitamos ali aonde fica o Paraguai de um lado e do outro é Brasil, que aquela cidade...
P/2 - Foz do Iguaçu?
R - Não, depois de Amambai tem Ponta Porã e fizemos também evangelizamos Naviraí e Tapiraí, nessa primeira etapa, daí deu três meses ‘‘João você vai voltar para Teresina, que é seu lugar’‘. Eu fiquei triste, porque meus planos era buscar esposa e ficar no Mato Grosso, o Mato Grossense é um pessoal muito hospitaleiro, se você chegar numa casa e não comer eles ficam tristes. A primeira coisa que um Mato Grossense pergunta é ‘‘Já comeu?’‘, lá como tem uma diferença de uma hora para São Paulo, então, o café é ainda de madrugada, primeiro almoço é de nove a dez horas da manhã. Lá são dois almoços, um lanche e uma janta. Lá pelas duas horas tem outro almoço, mas eu duvido que alguém chegue na casa de um Mato Grosensse para não comer, pode ser uma casinha de madeira lá no meio da roça, mas tem fartura. O Mato Grosso tem mamão é nativo, eles deixam os mamões no meio da estrada e vai ficando tudo madurinho e você pode comer e nessa época era colheita de amendoim, você enchia os bolso e saia comendo amendoim. Manga também é nativa, manga e laranja ninguém comprava não, mexerica, pocã, abacate, banana tudo isso é nativo. Peixe, qualquer córrego do Mato Grosso tinha peixe naquela época. Eu acredito que se você colocasse um pedacinho de pano o peixe pegava achando que era uma isca e às vezes eu ia pescar com os amigos onde nós ficávamos. Um dia eu cheguei na casa de um fazendeiro, um jovem, os pais deles viviam em Presidente Prudente, mas ele gostava do Campo, ele largou a faculdade, largou tudo, ele vivia ali com a governanta, uma viúva que tinha seus filhos, na mesa daquele moço colocaram umas nove espécie de comida para a gente comer, nos mostrou a casa dele e o Mato Grossense tinha um costume, na hora da refeição eles tomavam leite, como se fosse suco, leite gelado. Depois eles colocavam uma panela cheia de coalhada, lá a gente comia muita coalhada. Também vi eles matarem um porco de mais 100, 200 quilos e eles derreteram as banhas e fritam aquela carne e guardava as latas de querosene e iam comendo. Mato Grossense comem bem, em toda casa tinha uma horta, tinha uma plantação de alho, de cebola.
P/2 - O senhor voltou para Teresina?
R - Voltei e fui conhecer o meu estado que eu não conhecia. Foi quando eu fui fazer Floriano, conheci São João do Piauí, lá onde fica a Serra da Capivara, São Donato, São João da Serra, Canto do Buriti, fizemos Elies Veloso, Santa Cruz dos Milagres, fizemos Angical, fizemos uma cidadezinha chamada São Miguel do Tapui, Assunção, mas tem outra antes de São Miguel, Monte Castelo, fizemos Baixa Grande, Pirpiri, fizemos ali em volta Pirapuruca, Cocal. A parte que eu fiz, então, eu andei boa parte do meu estado que eu não conhecia e eu fiquei nesse serviço, fiz aqui três meses primeiro, em abril mandaram eu voltar, isso já de 1975, mas eu fiquei aporrinhando eles que eu queria voltar para o Mato Grosso e eles deram permissão no final de 1975 eu não esperei nem eles me darem o dinheiro, eu comprei as passagens para São Paulo.
P/2 - Aí veio com a família, porque você veio para São Paulo?
R - A primeira vez ou a segunda?
P/2 - Não sei.
R - A primeira vez eu vim para fazer esse curso.
P/2 - Não, depois.
R - Depois eu ainda estava nessa empresa, mas meus pais não queriam que eu trouxesse a esposa, eles ficaram com preocupados, então, ela ficou com meus pais.
P/2 - Mas era uma Igreja, não era uma empresa, não é?
R - Era uma empresa, porque eles tinham toda tramitação de contabilidade, nós tínhamos carteira assinada, a Cruzada Mundial era uma Organização mantida por mais de 100 denominações, sem nenhum fim lucrativo, elas tinham um alvo de evangelizar o Brasil e o Mundo através da literatura.
P/2 - Só da Igreja Batista?
R - Não, eu era da Assembleia de Deus. Para trabalhar nela, você Pentecostal, não Pentecostal, só não podia ser das Igrejas que tinha aquele conflito de, por exemplo as dos nossos irmãos Adventistas, que eles guardam o sábado, então, não podia nem os Testemunhas de Jeová, mas os Avivamento Bíblico, Assembleia de Deus, Batista, Batista Renovado e os responsáveis aqui pelas Cruzadas Mundiais de São Paulo eram essa Pastor Alberto Blanco de Oliveira, que era o diretor da Primeira Igreja Batista de Perdizes. Então, a pessoa para trabalhar na Cruzada ele era indicado pelo seu pastor, se ele tivesse um bom comportamento e fosse um membro à altura. Então, no meu caso eu fui indicado, eu não sabia.
P/2 - Você não frequentava nenhuma.
R - Eu era da Assembleia de Deus.
P/2 - Já era?
R - Já era, não podia participar disso se não fosse evangélico e tinha que ser membro de uma
R - Já era, não podia participar disso se não fosse evangélico e tinha que ser membro de uma determinada Igreja, que era meu caso.
P/2 - João, vamos só fazer um intervalinho para água, que agora você vai chegar em São Paulo.
R - Então, a segunda volta para São Paulo foi novamente em Dezembro. A primeira foi em Dezembro de 1974, para vim fazer o curso, e a segunda, já trabalhando na Cruzada Mundial de Literatura eu tive autorização para retornar ao estado de Mato Grosso do Sul, que ainda não era Mato Grosso do Sul, estava em tramitação. Chegando aqui em finalzinho de Dezembro para Janeiro, aquelas festas não tinha muitas passagens, os ônibus tudo lotado para o estado do Mato Grosso, as pessoas naquela época viajavam pouco de avião, mas eu fiquei um pouquinho aqui com a turma, nos escritórios da Cruzada, passei o natal com eles. Depois fui para Dourado, lá desembarquei, fizemos Dourado, Rio Brilhante, Fátima do Sul, Deodábua, Iviema, Nova Andradina, Baitaporã, Taquarosul, Anaurilândia e um pedacinho do município de Três lagoas. Quando já estávamos chegando em Maio de 1975, eu vim em Dezembro, tinha deixado a esposa de dois para três meses esperando nosso segundo filho, que é o Merlin, ele nasceu dia 10 de Maio, eu ainda estava no Mato Grosso, então, eu precisei voltar às pressas para Teresina, porque eu mandando dinheiro para ela, o carteiro falsificou a assinatura dela e pegou aquele dinheiro, eram 600 Cruzeiros, aí eu mandei mais 450 Cruzeiros, mas as coisas não estavam muito boas aqui comigo. Eu tinha um supervisor, não vou entrar muito em detalhe, mas ele não gostava de mim, eu uma pessoa, não estou me gabando, puxando brasa para minha sardinha, mas eu sou uma pessoa carismática, onde eu chego eu faço muita amizade e aquilo começou a incomodar aquele nosso irmão e vou contar uma coisa aqui para vocês e isso é verídico, não é fantasia, naqueles dias não orávamos para que Deus mostrasse o que nós tínhamos que fazer e o que não deveríamos fazer e se tivesse alguma coisa de ruim para acontecer, nós orávamos e Deus mostrava e eu tinha que contar para os outros, porque aquilo acontecia mesmo. Isso passou a incomodar aquele supervisor e nós estávamos em Nova Andradina, terminamos de fazer aquela cidade e município e fomos para Iviema, eu achei por bem depois que a gente buscou de Deus de não ri de ônibus, não sei porque era mais de 60 quilômetros, não tinha asfalto e nós fomos de bicicleta, e aquilo ele não gostou muito porque nós fomos de bicicleta. Quando estávamos chegando na cidade de Iviema, um dos nossos colegas era Índio e ele desceu o aterro com a bicicleta e deslocou a clavícula, só aconteceu isso, mas talvez se nós tivéssemos ido de ônibus, creio que teria acontecido algo pior, porque senti de não ir e convenci meus colegas a ir de bicicleta e aquilo aborreceu muito ele. Chegamos na cidade de Iviema e fomos recebidos pelo pastor das Assembleias de Deus de Iviema e naqueles dois dias ia ter uma Santa Ceia ali e quem ia Ministrar aquelas Ceias era o Pastor de Nova Andradina, que nós já tinha estado com ele que muito nos acolheu e nós nos afeiçoamos muito a ele e ele a nós. Na hora daquele Culto, naquela primeira oração, Deus mostrava ali claramente que tinha alguém ali que queria matar outra pessoa, era um irmão que queria matar o outro. Não sei se vocês já ouviram falar em profecia, e esse foi dado aquela profecia ali, não era porque a gente mais do que o outro, porque Deus quer dar, então, a profecia é assim, Deus dá na nossa boca e aqui, por exemplo eu estou orando com vocês aqui e Deus me mostra algo aqui e eu não sei de quem é, é de vocês, uma comparação, a profecia é isso, e o Espírito de Deus começa a falar na minha boca e eu vou falando aquilo que Deus vai colocando as palavras e para quem é, a pessoa vai saber, a profecia é isso. Foi dado ali que tinha alguém que queria matar outra pessoa e Deus não queria aquilo.
P/2 - Mas isso foi você que...
R - Eu que transmiti essa mensagem, na oração eu comecei a falar aquilo. Aqui tem alguém que quer matar o seu próprio irmão, mas Deus está dizendo para se reconciliar agora e se você levantar e ir embora você morre, volta, eu não estava vendo, estava com meus olhos fechados. Terminou a oração, o culto procedeu, teve a Santa Ceia, depois me chamaram lá, os irmãos, o Pastor daquela Igreja e o Pastor responsável ‘‘Olha irmão, tudo aquilo que Deus deu na boca do irmão é verdade, é verídico, isso estava acontecendo aqui, o Diácono daquela Igrejinha lá de Iviema estava pensando em matar ali o Pastor daquela Igreja. Aquela Igreja tinha um cooperador, eu não sei o porque do desentendimento e ele estava ameaçando de matar o outro, mas aquele dia após aquela oração para aquela Santa Ceia, Deus mostrou aquilo e o Pastor disse para mim ‘‘Nós acreditamos que foi Deus, porque o irmão não sabia dessa história, o irmão chegou aqui agora, ninguém tinha falado, só nós sabíamos dessa história’‘. Então, isso é profecia. Então, aquilo também causou mal para aquele irmão, porque a notícia corre, então, eu estava numa reunião lá em Bataquaçu, uma tarde, e ele disse com todas as letras e para nossos irmãos ‘‘Vocês tomam cuidado, o irmão João, este irmão é um homem maligno, ele é usado pelo demônio’‘, mas naquele dia Deus tinha me dado uma paz tão grande que eu acho que eu era mais crente do que eu sou hoje. Hoje eu saberia me defender, não de maneira agressiva, então, naqueles dias eu ficava quieto, tivemos ali uma reunião muito tumultuada, você ser taxa de um homem maligno e também ver seus colegas serem advertidos para tomar cuidado com você e eu pedi permissão para aquele supervisor, não vou falar o nome daquela pessoa, não sei se ele ainda é vivo, que eu precisava ir na cidade na divisa de São Paulo, chama-se Presidente Epitácio, eu estava com a minha apendicite muito inflamada, andando de bicicleta que eu precisava passar no médico, isso foi no domingo aquela reunião e ele deu uma carta que tinha recebido da minha esposa vindo do Piauí, quando ele foi embora eu abri aquela carta, naquela carta eu recebia uma acusação que eu tinha deixado minha esposa abandonada, às esmolas, e aquela carta quem tinha me mandado era meu pastor lá de Teresina, que ele dorme no Senhor, chama-se Paulo Belisário de Carvalho.
P/2 - Seu filho já tinha nascido?
R - Naquele momento já, ‘‘Fui informado que sua esposa está aqui mendigando abandonada, se você não vier aqui falar comigo eu vou escrever uma carta para a Cruzada aí de São Paulo, você vai passar muita vergonha’‘, aí eu digo ‘‘pronto, agora eu tenho dois inimigos, um lá no Piauí e outro aqui, o que que eu fiz?’‘. Eu tinha uma bicicleta Caloi toda montada, naqueles dias tinha que fazer tudo numa bike, hoje eu não sei mais fazer, tinha que trocar pneu, consertar, botar remendo, era o tempo que as bicicletas na esfera tinha um cabelo, quando dava problema você tinha que ir lá, tirar aquilo, ajeitar, eram umas esferas, tinha que fazer tudo aquilo, hoje não sei mais, sou um bom motorista de bike, nunca tirei carta de carro, entendo alguma coisa de carro, de sinalização, mas nunca quis tirar uma carta, nunca quis pilotar uma moto., mas de bike em ando em São Paulo em qualquer lugar, na Dutra, na Marginal eu tenho coragem de andar, porque eu entendo de sinalização de trânsito, numa bike e falei para a dona da casa que eu estava hospedado, era uma irmã da Igreja Presbiteriana, não lembro o nome dela, uma senhora muito humilde, uma pessoa muito bondosa, eu disse ‘‘Irmã, essa bike é minha, tá paga, estou deixando para um dos seus filhos, quando meu supervisor vier aqui’‘, porque nós tivemos aquela reunião e ele disse que estava indo para Campo Grande, ainda não era Capital, mas já era cidade, ‘‘e eu disse para ele que eu ia passar no médico, mas eu não vou mais, eu preciso ir em São Paulo resolver um problema’‘, peguei um ônibus que fazia baldeação em Presidente Epitácio, era da Andorinha às nove da noite, seis da manhã eu estava aqui na Rodoviária velha, peguei um táxi fui para o escritório com aquela carta e mostrei para Pastor Alberto Blanco, mostrei todos os recibos de dinheiro que eu mandava para a minha esposa, até aquele que foi roubado que eu tinha mandado mais 450 Cruzeiros e que eu estava recebendo aquela acusação e eu precisava ir e ele disse ‘‘Então, vai compra as passagens agora’‘, cheguei na segunda feira de manhã, não lembro o dia de Maio de 1975, comprei as passagens na mesma tarde e viajei para Teresina, para Itapemirim, cheguei lá fui lá na Igreja no escritório falar com meu Pastor ‘‘Que história é essa Pastor?’‘, ‘‘Foi fulano que contou’‘, ‘‘Mas minha esposa vem aqui todo mês trazer o dízimo, ela está na casa dos meus pais, ela não está abandonada, olha aqui meus recibos que eu mando dinheiro para ela, minha esposa está na casa dos meus pais e eles moram no sítio, meus pais são bem de vida, papai não deixa ela gastar um centavo, esse dinheiro eu mando para ela é só para ela comprar leite para a nenê, para a mais velhinha, roupa e remédio’‘. Chegando em Teresina, peguei um táxi e ela tava com 15 dias de resguardo, estava na casa de uma irmã, que também já é falecida, saudosa, irmã Antônia Rosa, uma grande mulher, muito bondosa, peguei um táxi da Capital e fui 45 quilômetros para o interior, lá para São José de Nazária, deixei minha esposa com o nenê e fui nos correio de imediato ver o que tinha acontecido com aqueles 600 Cruzeiros, só que essa minha tia que era funcionária aposentada dos Correios, quando eu cheguei lá que eu disse que era sobrinho da Dona Maria José Veloso, falei para diretora ela disse ‘‘E o que o senhor quer?’‘ e eu disse ‘‘Aconteceu isso e aquilo’‘, vamos lá no caixa e falou ‘‘Eu quero saber onde está o dinheiro desse homem aqui’‘, aí a caixa começou a chorar ‘‘Não, é que o carteiro me obrigava a falsificar assinatura, ele pegou o dinheiro da esposa dele’‘, ‘‘Paga agora os 600 dele’‘. Então, com uma semana que eu tinha chegado, curtindo meu neném, minha família, recebi um telegrama de São Paulo que eu estava sendo demitido, mediante informações Ozias, falei o nome do irmão. Porque ele me caçou lá em Mato Grosso, caçou os colegas, ninguém sabe, ele foi para Presidente Epitácio e desapareceu, disse que ficaram uma semana me procurando, aí ele resolveu ligar para São Paulo, aí foi contado que ele foi resolver um problema lá em Teresina, aí ele já não gostava de mim, olha esse homem não serve mandamos ele embora. Vocês anotam outra coisa aí, o que acontece com quem faz mal para um inocente, depois de alguns meses que eu estava lá em Teresina desempregado, os irmãos me ligaram, sabem o que aconteceu com o Ozias, não, a Policia Federal cercou a casa dele em Campo Grande, seus filhos estavam envolvidos com drogas e ele inocente e a esposa foram todos presos e a Cruzada Mundial deu seis meses de suspensão nele. Aconteceu isso, mas não ficou só nisso, depois me ligaram, você sabe o que aconteceu com Ozias, não, ele virou a perua e matou um dos nosso irmãos afogado num rio lá no Mato Grosso, falei meu Deus do céu, e esses sinais eu via aqui em São Paulo de pessoas que queriam me fazer o mal, só não morriam, mas acontecia algo e eu vou contar um trechinho. Eu trabalhava no Banco do Brasil, eu queria as coisas tudo direito, então, meu colega fazia tudo para prejudicar nossos colegas e eu tinha que defender, fiquei seis anos trabalhando no Banco do Brasil no Santo Amaro ali, fui segurança ali, eu era funcionário da empresa Pier, trabalhei nela por 15 anos e um dia não aguentei mais e sai dali, porque o Valmir fazia muita malvadeza prejudicava nossos colegas, mas eu criava uns cachorros aqui na favela, que eu morei 14 anos na favela e 16 no Singapura e hoje eu moro no Praça das Américas. Um dia eu ia levar um cachorrinho de raça para um dos meus colegas vigilantes, levar um cachorro de raça, dentro de uma caixa, pegar ônibus, metrô, era um sacrifício, no sábado não pude levar aquele animalzinho, quando cheguei lá ele não gostou, me ofendeu, falou um monte de coisa, ele disse que tinha pessoas influenciadas dentro da empresa e ele ia me tirar, que enquanto não me tirasse não ia sossegar
e eu passei a noite ouvindo aquelas palavras, eu senti um mal estar e eu disse, pronto já sei que esse vai levar uma paulada, porque não é o primeiro que mexe comigo. No domingo eu folguei, quando eu voltei na segunda, falaram Neto, meu nome lá na empresa era Neto, nome de guerra, sabe o que aconteceu com fulano, não, ele bateu a Brasília, rapaz, ele quase apanhou do dono do outro carro e é um carro caro, vai pagar 20 mil e não pode, 20 mil Cruzeiros, e nós dissemos, rapaz não mexe com neto, o neto é feiticeiro, quem mexe com Neto sempre acontece alguma coisa. Chegou um dia um mocinho para trabalhar lá no banco, nosso colega, moço novo, muito agitado, um dia nós discutimos ali no vestiário, ele disse ‘‘Eu vou bater na sua cara Neto’‘, falei ‘‘Na minha cara nunca apanhei, não é você que vai bater, mas eu vou ver você apanhar aqui dentro daqui a sete dias você apanha nesse banco’‘, aquelas palavras saíram da minha boca e esqueci, antes dos sete dias eu estava chegando, ‘‘Neto, Neto, o fulano apanhou, brigou com outro rapaz’‘ e nós falamos, rapaz, mas não era o Neto que fala nada não, justiça de Deus, viu gente. Não mexa com inocente, não faça ameaça para gente inocente, porque os inocentes Deus cuida, isso não é coisa do mal, então, ninguém faça o mal para o inocente, aqueles que procuram o mal dos seus semelhantes, se seu semelhante estiver na inocência na justiça, pode até fazer, mas papai do céu de vinga, Deus é vingador, não vamos por nossas mãos, deixa que Deus põe a dele, porque as mãos de Deus é pesada, a nossa pode se machucar. Então, acontecia essas coisas.
P/2 - Então, me diz uma coisa, você acabou vindo para cá
P/2 - Então, me diz uma coisa, você acabou vindo para cá, agora pela última vez, até chegar em São Paulo e contar como que você chegou, aonde você foi morar...
R - Sim, Vamos terminar lá rapidinho, aí eu fui mandado embora, mas eu tinha umas reservinhas de dinheiro, quando eu casei com a minha esposa ela morava na casa de uns irmãos e esse irmão era muito durão e era também um Major reformado da polícia, mas ele gostava de mim, quando eu casei com essa jovem, morava com eles e ele se afeiçoou a mim e ele também era da minha igreja e ele tinha sido um das autoridades lá da cidade de Picos e tinha propriedade dele no lugar chamado sitiozinho, lá no município de Adão Expedito Lopes, ‘‘vai lá cuida do meu sítio’‘, fiquei um ano cuidando de mais de 30 gados e um cavalo e sem salário, mas eu tinha umas reservinhas e fiquei lá um ano, de lá eu ia perder meu INSS, tinha uma Indústria de roupa lá em Picos chamada Indústria Coalho, que é dos Pernambucanos, eu fui lá eu fiquei 5 meses, mas era uma ditadura muito grande e resolvi pedir minhas contas e voltei para Teresina. Eu tinha uns parentes ricos influenciado com DNR, falaram para São Geraldo ‘‘dá emprego para esse moço aqui’‘, então, o funcionário da DNR falava com a empresa dar emprego e eles tinham que dar.
P/2 - O que é DNR?
R - DNR era a Estrada de rodagem. Então, eu fui ser vigia da São Geraldo, estava nela dois anos e recebi um convite para dirigir uma igreja no Maranhão, Igreja do Missionário Davi Miranda, ela tinha chegado no Piauí em 1977.
P/2 - Quem convidou você? Como que te acharam?
R - É porque eu conheci ele lá em Teresina, fazendo visita lá com eles, eles gostaram de mim e perguntaram ‘‘Não quer dirigir uma igreja?’‘, eu falei que não tinha condição, eu fui Evangelista, lá os costumes eram outros, era diferente da Assembleia de Deus, naqueles tempos as igrejas não tinha, hoje a democracia de hoje, quando a Assembleia de Deus descobriu que eu estava de namorico com a Deus é Amor, então, nós fomos excluídos, era como que fosse excomungada um católico quando, naquela época era excomungado, quando traia a Igreja. Então, fomos excluídos, porque nós estávamos indo na Deus é Amor.
P/2 - Quem estava indo?
R - Eu e a esposa.
P/2 - Deus é Amor é a outra?
R - Igreja Pentecostal Deus é Amor, essa igreja foi fundada pelo missionário Davi Miranda. Aí nos ofereceram uma igreja por um salário, mas não registrava em Caxias, no Maranhão, aí fui dirigir uma igreja e fiquei um ano. Essa igreja prosperou e tinha que fazer também um programa de rádio, rápido de meia horinha, uma radiozinha que não tinha muita potência, mas era uma rádio que recebia muitas cartas e eu que sempre gostei da comunicação, então, estava me sentindo o máximo, conversar com pessoas, receber cartinhas e era um programa pequenininho de cinco minutos, veja só, cinco minutos e dava para falar tanta coisa. Mas com um ano...
P/2 - Era um programa religioso?
R - Religioso. Com um ano, eles falaram ‘‘João, vamos te mandar para o Belém, você vá’‘, fizemos todas as tramitações e fui para Belém, mas cheguei lá, ele não cumpriram com o que estava combinado e eu resolvi sair.
P/2 - E a sua mulher foi junto?
R - Sim, sempre com ela.
P/2 - Para o Maranhão também?
R - Também, porque para ser um Ministro de uma Igreja tem ser casado e estar com a esposa.
P/2 - É um Ministro?
R - Um Ministro.
P/2 - O que faz?
R - O Ministro é o responsável pela igreja, ele prega, atende os cultos, eu só não podia batizar e nem fazer as Santas Ceias, porque eu não era ungido a presbítero e nem um Pastor, mas eu era um dirigente, mas é uma responsabilidade.
P/2 - Você que fazia as falas, tudo?
R - Então, eu que abria os cultos, eu que era o responsável por aquela igreja. Tudo o que acontecesse ali, eu tinha que responder.
Juliene: E tinha pastor, também?
R - Não, era só eu. Eu era tudo, ali. Só não era um pastor consagrado, mas eu sabia administrar os cultos... ali eu fiz muita amizade, com pastores de outras igrejas... os batistas... eu sempre tive uma amizade muito grande, com os batistas, e fiz muita amizade naquela cidade. Aí, me mandaram para Belém do Pará, mas não cumpriram com aqueles acordos que nós tínhamos concordado... voltando um pouquinho atrás, o gerente da empresa, que eu trabalhava, disse: ‘‘se não der certo, volta’‘. E não deu... depois de um ano eu voltei, ele me deu meu emprego de volta e uma casa para morar, na São Geraldo, lá em Teresina. Mas... isso já foi no começo dos anos 80... que eu fiquei dirigindo essa igreja nos anos... de 79. Então, eu voltei para São Geraldo... mas em 82, eu achava pouco meu salário, eu trabalhava dia e noite... eu pedi umas férias – que eu tinha férias vencidas – e vim aqui em São Paulo, já pensando em não voltar mais. Eu falei para a esposa: ‘‘fica aí, quietinha’‘, deixei o dinheiro das férias com ela – que eram quatro cruzeiros que eu tinha recebido – comprei um saco de arroz, de 60 quilos...
Juliene: deixou para ela?
R - Aí, vim para cá.
Juliene: Deixou o arroz para ela.
R - Para ela… e dinheiro. Vim sem dinheiro, só com a coragem e a cara. Daqueles quatro mil cruzeiros, eu deixei para ela... vim com 150 cruzeirinhos, no bolso. Porque eu vinha com a mesma farda deles, eu comia onde os motoristas comiam... chegando aqui na garagem, onde eu moro, aqui do lado, que hoje é da (inint) [01:21:54], com três dias eles me chamaram, e disseram: ‘‘Senhor João, o senhor não é daqui. Você tem que sair daqui. Você está aqui comendo, bebendo e dormindo’‘., eu falei: ‘‘muito bem, eu saio agora. Me faz um favor. Liga para Teresinha, fala para o gerente lá, que eu estou me demitindo’‘.. E eu não tinha para onde ir, e eu fiz isso. Me demiti. E tinha um funcionário, lá, da limpeza, que morava aqui na favela – que hoje é tudo de bloco, mas era favela com, com banheiros coletivos, água e chafariz – me levou para um quartinho dele, que era do tamanho disso aqui... era a cama dele, da mãe e o fogão. Esse é meu amigo até hoje, é irmão da igreja que eu estou hoje... não vou falar o nome, porque a gente pode até ser processado, se falar o nome das igrejas... a igreja que eu sirvo hoje. Aquele irmão, eu não sei como ele me viu e me levou para lá. E eu fui trabalhar numa firma, aqui perto, da Dom Vital, que estava em construção... uma firma muito grande... parece que era gráfica – hoje não sei o que é – de ajudante de obra. Dia 30 de junho eles deram os meus direitos, dia seis de julho eu estava numa empresa, que já não está mais aqui, a (Mangoflex) [01:23:07]... entrei nela... eu saí da São Geraldo ganhando 16 cruzeiros, era o salário mínimo, pago por região... era o salário de Belo Horizonte, não era nem o de Teresina. Mas como ela era de uma empresa mineira, nós recebíamos o salário de Belo Horizonte. E entrei aqui ganhando 58... e com as horas extras dava 58 cruzeiros. Mas eu não conhecia o lado da comunidade. Alguém me vendeu um barraquinho, que disse que ia sair os terrenos da prefeitura, eu comprei esse barraquinho.
Juliene: Iria sair o quê?
R - Os terrenos… iria sair terreno... iria ser autorizado a fazer casa de (bloco) [01:23:44], aí eu comprei um barraquinho e mandei buscar a esposa.
P/2 - E como era o seu barraco? (O que tinha) [01:23:48]?
R - Eram um barraco pequeno, todo remendado... eu aumentei mais, fiz banheiro, que não tinha... era só um quarto, fiz mais um... aí, comprei o do vizinho, que veio a óbito, fiz um mais grandinho... eu tinha pato, tinha ganso, tinha cachorro de raça, tinha o porquinho da índia, tinha coelho... eu tinha umas 30 galinhas botadeiras, era o brinquedo dos meus filhos... meus filhos estudavam de manhã e de tarde... meus filhos não brincavam na rua... nem pipa eu deixava eles empinarem, eu tinha medo deles aprenderem coisas ruins... em frente à nossa casa, eu contabilizei – deixei de contar, depois disso – mais de 17 óbitos... pessoas que eram assassinadas, entre elas, e pessoas – eu creio – algumas inocentes. Mas Deus nos guardou, ali. Nós achávamos bala de 38, de carabina, nas madeiras, no sofá, nas camas... mas nenhuma nos atingiu... Deus nos guardou. Nisso, eu posso dizer que eu vi a mão de Deus. Depois de 14 aí, saiu aqui...
Juliene: Espera um pouquinho (inint) [01:24:57]. Você foi trabalhar nesse lugar...
R - nessa (Mangoflex) [01:25:02]
eu fiquei 11 meses.
Juliene: Como vigia?
R - Vigia.
Juliene: Mas aí, você disse que venderam um barraco para você... um barraco...
R - Um barraquinho, me venderam.
Juliene: que você falou barraquinho.
R - Sim.
Juliene: Você não sabia onde era?
R - Não, sabia. Eu comprei o barraco, já sabendo onde era o barraco. Só que eu não sabia o que era morar numa comunidade, nunca tinha morado.
Juliene: Entendi.
R - É como se você escorregasse num despenhadeiro e caísse num lugar muito feio... isso, com todo respeito... mas é assim, a gente que veio lá do interior, da roça... e, de repente, você cai num lugar onde você vê pessoas com armas, onde as regras são outras... nós estávamos ainda na ditadura... era do tempo do governo do Paulo Maluf... a Rota matava, eles também matavam... existia um conflito muito grande... mas eles não mexiam com os pais de família, desde que você ficasse no seu cantinho. E eu fiquei trabalhando de vigia nessa firma, 11 meses. Mas eu queria ser um segurança armado, eu fiz concurso e passei... dia primeiro de dezembro de 83, eu estava na (inint) [01:26:20], com carteira assinada... eu fiz curso, passei... curso de tiro, e morando aí... eu trabalhava armado, não trazia minha arma para casa, nunca quis porte de arma, só usava a minha arma no banco... Deus me guardou, que eu nunca atirei em ninguém, graças a Deus, nunca apontei uma arma para um cidadão, mesmo que ele merecesse se apontar...
mas Deus me deu a graça, com um 32, de tirar uma vítima de dois homens... que iam levando ele para matar, porque ele não tinha dinheiro. Isso, duas da manhã, lá nas Nações Unidas... eu estava no banco, lá, trabalhando de plantão naquela noite.
Juliene: Ele (estava na porta do senhor) [01:26:58]?
R - Não. Ele ia sendo levado, como refém, e correu para cima da gente, pedindo socorro. Nós estávamos numa parte mais alta, ele não sabia qual era a minha arma, quando eu engatilhei aquele 32, eles estavam de (766) [01:27:12], não deu tempo... e eu fiz um medo, eu disse que iria matar eles, mas eu não iria... mandei eles levantarem a mão para cima e virar as costas, para eu atirar e mandei eles correrem, mas não atirei. E chamei, pelo rádio, e salvamos aquele homem... aquele homem passou mal, depois disso... tivemos que chamar a ambulância, para levar ele para o hospital... provocou vômito, do medo... o colega, que estava do meu lado, na hora, também, deu um branco, paralisou, ficou uns cinco minutos, paralisado. Não viu nada daquilo. Então, acontece isso...
Juliene: onde você trabalhava, nessa época? Qual o banco? Onde era o banco?
R - Banco do Brasil... era o centro de processamento de dados. Lá, eu fiquei de 83 até 91.
Juliene: Voltando aqui, para o lugar em que você morava... você disse que morava perto do rio, não é?
R - Aqui, onde esse rio sai desse outro.
Juliene: Não, mas... que diferenças você percebeu entre os rios, que você viveu na infância e aqui?
R - Muito grande.
Juliene: Ou então, de lugares que você viveu?
R - Muito grande.
Juliene: Fala das tuas sensações... da tua mulher [01:28:21].
R - Os rios, lá do nosso nordeste, naquela época... quando chove... aqueles riozinhos, nós chamávamos de grutas... tinha as
grutas e os riachos. Eles enchiam com abundância, mas no verão eles secavam. Então, ali nós tomávamos banho, mamãe lavava roupa, e lá, tinha um lugarzinho chamado Roxinho. O Roxinho... vinha água de umas partes altas, que não eram contaminadas. Então, nós pegávamos aquela água, para beber, na época de chuva. No verão, nós apanhávamos água do rio Parnaíba... mamãe botava um paninho limpo, na boca do pote, para coar aquela água... e o rio Parnaíba é um rio de águas mornas. Você pegava uma água à noite, ela só estava boa para tomar no outro dia. Aquele potinho de (barro) [01:29:07] ficava geladinho. Nós não tínhamos geladeira, não tínhamos rádio à pilha, não tinha televisão... era com lamparina, para a gente estudar... mas mamãe tinha máquina de costura...
Juliene: de pedal?
R - Sim. Quando eu me casei... a gente casava, mas não tinha preparo, nós não tínhamos nada. A gente passou muita fome. Os filhos chegaram um atrás do outro... porque, um é de 74, o outro é de 76, o outro é de 77. E nesse intervalo, tinha um problema: ela engravidava e abortava, naturalmente. E o último aborto, ele tinha três meses de gerado, já estava mexendo... aí, parou. Ela tomou um susto, na casa dos meus pais, e essa criança foi tirada... fizeram uma curetagem, mas depois, tiveram que abrir, porque ela teve uma forte hemorragia, ela quase morreu... isso, ela estava com 28 anos, então, ela não teve mais filhos, depois dito. Foi tirado tudo. Tirado útero, ovários, tudo. Então, nós só tínhamos esses três filhinhos. Mas, em 86, ela foi lá de férias, do nordeste... quando vem, em 87, traz uma bebê de três meses, para criar. E a gente criou, mais bem criada do que os primeiros. Ela estudou, ali no Ranchinho da Mônica... o parquinho dela foi ali. Eu paguei o curso da Microcamp, para ela, por 18 meses... quando estava na febre da informática... não está formada, porque é danadinha, é compulsiva... eu não vou pagar faculdade, mas ela ainda começou a fazer. A mais velha se formou em Nutrição Técnica, lá no (inint) [01:31:04].
Juliene: Quais os nomes delas?
R - A mais velha, Jezielma... uma moça muito estudiosa... ela veio a casar, quase com 30, quando ela arrumou um companheiro... ela, agora, está com os seus 43... o segundo, aos 16 um amigo meu pediu, para trabalhar numa farmácia, que já não tem mais, aqui nessa rua Cabo Antônio Alves, que é a segunda rua, aqui, depois dessa, (inint) [01:31:29].
Juliene: Qual o nome dele?
R - Era Sozoel, que já é falecido... meu filho trabalhou lá, dos 16 até ir para o quartel... ele passou no quartel, foi servir no Barueri, o Merlin, aí, ficou o Jaziel no lugar dele. E o Jaziel ficou nessa farmácia até seus 20 para 21, foi quando o dono morreu... a farmácia ficou com os filhos, não deu certo... eu mandei o currículo do meu filho, para uma firma, aqui na Viaduto Curuçá e na Dutra, e pegaram ele, está lá, até hoje. Ele é metalúrgico, o caçula. Essa firma é de um japonês. E o mais velho foi militar por nove anos, mas não me deu ouvidos. Eu falei: ‘‘leva a sua transferência, para terminar o segundo grau, e vai fazer uma faculdade’‘, não fez. Quando entrou o presidente Fernando Henrique, mandou todos os cabos de carreira, de nove anos para baixo, embora. De dez anos, ela não poderia mandar, mas quem tinha ainda nove, podia. O meu filho foi um desses, cortado. E ele amava a carreira de militar. Ele foi um bom militar. Ele fazia todo o serviço burocrático, lá, do exército, em Barueri. Senhores coronéis, se um dia ouvirem essa reportagem, pelo amor de Deus, vocês teriam (que recontratar) [01:32:44]
meu filho, porque ele foi um militar honrado. Ele fez todos os combates, nunca foi preso por indisciplina, foi um bom atirador... depois que saiu de lá, e para arrumar emprego? Ficou um ano desempregado, já casado, mas depois ele trabalhou numa empresa de rastreamento por satélite... um coronel do exército... é onde ele está, até agora. E...
Juliene: mas o senhor estava falando que... aí, quando o senhor chegou aqui, o lugar que o senhor morava aqui, como era... em que ano o senhor chegou?
R - Em 82.
Juliene: Como era aqui?
R - Era bem diferente. Aqui, nessa escola, morava um casal de portugueses, eles criavam cavalo, gado, peru... era uma casinha de uns portugueses, aqui, um casal de idosos. Desse lado de lá, tinha um monte de pneus de trator, e também tinha uma grande lagoa, ainda, de (lagoa) [01:33:40], que tinham tirado areia, virou um açude... e quando essas lagoas enchiam, que caia aqui no córrego, vinha com os peixinhos e eles morriam, porque os córregos já eram poluídos. Do lado... aquele de lá, não tinha uma casa sequer, tinha uma mata muito grande... tinha frango d’água, tinha ariranha, tinha guaxinim... tem um senhor, que ele já não mora mais aqui, nessa primeira casa, aqui da esquina... quem mora hoje, aí, é outra senhora... que é... os portugueses, que eu conhecia ele... ele disse que chegou a ver até cobra (sucuri) [01:34:14] nessas lagoas...
Juliene:...quando o senhor chegou, então, não era tão diferente da sua época, lá, da sua cidade... onde o senhor morava, aqui... que tinha bastante mata?
R - Tinha. Aqui no Tietê tinha uma vegetação imensa, tinha capivara... você via rastros de guaxinim, porque tinha uma ponte de tambor... como eu vinha lá do banco, eu atravessava ali, para economizar. Eu pegava o Praça do Correio, aqui... às vezes, ia até o final dele... lá eu pegava um ônibus, para Santo Amaro... e, às vezes, vinha de metrô. O metrô Tatuapé, só vinha até o Tatuapé. Esses prédios, do lado de lá do Tatuapé, não existia... eram uns dois. Do lado de lá do metrô, não tinha um prédio sequer. Os primeiros prédios do lado de lá foram feitos no governo Jânio Quadros, quando ele assumiu a prefeitura, nesse último tempo de governo dele... fez uns prédios (inint) [01:35:08], depois que começaram a pipocar os prédios... mas não tinha prédio, do lado de lá. Do lado de cá, na (inint) [01:35:15] Garcias, tinha o Banco do Brasil – eu trabalhei lá, fui segurança lá – depois virou não sei o que da Receita Federal, e ali, no hospital municipal, tinha uns prédios ali em volta, só. Parque Novo Mundo, quando eu cheguei, em 82, tinha esses prédios, aí. Os Três Marias, perto de onde eu moro, mas estava com problema, não tinha sido liberado... ainda ficou uns três anos, para ser liberado. Não estava autorizado ninguém morar.
Juliene: E o rio era limpo?
R - Não. O Tietê não era limpo, estava desse jeito aí. Vinham as máquinas, cavavam, porque não estava feito esse canal... fizeram esse canal, mas não fizeram (os guardinhas) [01:35:58]... já caiu muito carro, aí dentro. Já houve muito acidente, aí. Senhores prefeitos, se ouvirem essa reportagem, por favor, coloque (inint) [01:36:07] nesse rio. O povo do Parque Novo Mundo é um povo cometaque merece respeito, é um povo trabalhador... porque o Parque Novo Mundo tem uma história... tem mais de 150 anos, o Parque Novo Mundo... tem uma história muito grande. Dizem os antigos, que isso aqui era chácara, antigamente. Você, indo ali, na vila Maria Baixa... eu acredito que antes da Dutra era tudo emendado... ali onde é a Cometa, você vê as ruas todas de tijolos, perfeitas... pois a Dutra separou.
Juliene: Esse canal não tinha antes?
R - Não, isso é recente. Isso aqui era tudo terra, ribanceira. Não existia.
P/2 - (Isso) [01:36:51], mais ou menos em que ano, senhor João?
R - Nós mudamos para esses prédios, do Cingapura... saímos do barraco, em 96, foi bem antes que foram feitos os canais, demoraram um pouco para fazer, canalizar esse córrego. Demoraram um pouquinho.
Juliene: Mas tinha um córrego.
R - Um córrego, tinha. Então, o Tietê... também não estava feita essa canalização, ele enxia... aquelas casinhas enchiam todas de água... a água ia até o Bradesco...
Juliene: entrava na sua casa?
R - Aqui no barraco, nós tomemos muita enchente... mês de fevereiro, época das cheias...
Juliene: E aí, (conta um dia, de enchente para mim) [01:37:31].
R - Era assim. Quando eu comprei, era só um vão. Aí, eu fiz a cozinha e a sala nessa altura, então, nossa ilha era ali.
Juliene: Não enchia a sua casa?
R - Não. Enchia na parte dos quartos, aí nós mudávamos tudo para a parte alta, depois tinha que lavar tudo. Mas ali eu plantei... eu tinha pé de rosa, tinha um jardim, ali... minha esposa sempre gostou de planta... tinha um pé de chuchu, que deu muito chuchu... tinha um pé de abacate... quando eu saí desse barraco, eles mandaram derrubar... tinha que derrubar, para ir lá para o Singapura. Aí, em seguida, veio uma pessoa e já fez de novo, e o pior é que cortou o pezinho de abacate, que já dava abacate há uns três anos... cortou o pé de rosa... eu tenho foto daí tudo, com essas coisas todas. Hoje está bem diferente. Aí, o pessoal começou a fazer as casas, porque no governo – não sei se foi do Jânio ou da Erundina, ela começou fazer a urbanização da favela... ali onde é o (Ozen) [01:38:31], ali o pessoal teve a felicidade, fizeram as casas ali. Alguns conseguiram. Depois parou. Mas hoje está tudo de bloco, bem feito... mas era tudo de madeira. Teve um incêndio, uma vez, aqui, muito grande... as irmãs, as freiras , ali da (inint) [01:38:49], vieram me acordar com medo de eu morrer queimado... a minha esposa não estava em casa, eu estava dormindo, trabalhava à noite... mas a gente foi muito feliz e é, nesse lugar, porque Deus nos guardou, não perdi meus filhos, estão todos vivos... a gente sente muito, assim, porque a gente viu muitas perdas... pessoas jovens, outras mais maduras... mas não era isso que nós queríamos, para o nosso país, de ter uma história e, nessa história, ter que contar uma parte triste. Quem sabe um dia, as autoridades olhem com mais carinho e vejam que uma nação só é uma nação justa, se tem educação, para todos, segurança... se um pai tem a certeza que tem um emprego, e tem comida para botar na mesa, e tem uma escola para os seus filhos. Outra coisa, que as nossas autoridades precisam olhar com carinho é para os nossos professores. Professor é tratado com descaso.
Juliene: Senhor João, teve algum episódio na tua história... aqui, você falou, mostrando para a gente, nas fotos, você falou que você morou na favela... você falou favela.
R - Favela.
Juliene: Você achava que era uma favela?
R - Quando eu fui, eu já sabia. Só que eu não sabia que era aquilo. Achava que era uma coisa normal. Mas quando a gente se depara... naqueles dias não estava organizado, que nem hoje. Quem morava aqui, não podia passar ali... eu passava, não tinha nada a ver com ninguém. Mas você está sujeito a ser morto. Para você ir, às vezes, no atacadão – eu vi quando fizeram bem no atacadão – às vezes, não podia passar por aqui, tinha que dar volta... não podia ir lá na Marconde, mas eu, como cristão, como evangélico, eu evangelizava onde sentia de ir, onde me convidavam... nunca tive medo. A gente via as pessoas olhando... e o episódio que eu conto é que, nesse (Ozen) [01:41:02], onde eu ia trabalhar – ainda trabalhava lá no banco – e eu vi quando alguém disse: ‘‘não mata o homem’‘, que eu olhei, tinha uma pessoa em cima do muro, com um tijolo, para me dar uma tijolada... e eu ia morrer, porque não era para passar ali, quem morava nos predinhos do (Singa) [01:41:17].
Julieine: E por que essa rivalidade? O que você ouvia?
R - O que eles achavam é que o morador contava coisas, para os daí, dos de lá. O morador era envolvido, mas nem todos estavam nessa história. Nós nunca nos envolvemos... o nosso envolvimento com as pessoas da comunidade, que você tem que ter é: ‘‘bom dia’‘, ‘‘boa tarde’‘, e o respeito. Mas nós tínhamos que separar: ‘‘eu não posso guardar seus objetos na minha casa...eu posso te dar uma comida da porta para fora, mas não posso guardar suas coisas’‘, porque, se você guardar uma vez vai ter que guardar sempre. Eles não te obrigam, mas eles vão com uma isca: ‘‘deixa eu me esconder aqui’‘, ‘‘não. Na minha casa, não. Dá licença, na minha casa, não’‘.. Você tem que ter pulso firme.
Juliene: E não dava medo?
R - Não. Eu vou dizer uma coisa, aqui... se algum dia eles ouvirem... vocês não vão me interpretar mal, mas o bandido gosta de ouvir a verdade, ele não gosta da mentira. É melhor você ser sincero com ele, do que você mentir para ele, porque, depois, ele vai ficar com ódio. Então, nunca minta para um bandido. ‘‘Não posso guardar as tuas coisas’‘, ‘‘me desculpa que eu não posso andar com você’‘. ‘‘Quer uma carona, no meu carro?’‘, ‘‘não. Me perdoa, (meu amigo) [01:42:50], mas eu não vou no teu carro, porque se a polícia chega, ou se você tiver jurado de morte, eu vou morrer junto com você’‘.. Não é discriminação, mas cada um no seu quadrado.
Juliene: Mas você chegou a ter uma conversa assim?
R - Sempre tive. ‘‘você não quer uma arma, não, senhor João?’‘, ‘‘não, meu amigo. Obrigado. Se eu tiver que ter uma arma, eu vou comprá-la pelos meios legais’‘.. Não quero arma, não quero ficar com o nome (retido) [01:43:11], não quero ficar com meu rabo preso, eu quero andar no Parque Novo Mundo de cabeça erguida, porque eu sou cidadão... se porventura, um dia alguém me matar aqui, eu não quero que a minha família diga: ‘‘ele foi morto porque devia..’‘., não. Podem até me matar por engano, mas por cumplicidade não. Somos cidadãos de bem, honrados, então, nós temos que preservar nossa família, nossa integridade, separando as coisas. Você lá e eu cá. Somos todos iguais, somos pobres, somos trabalhadores... mas temos um nome a zelar. Eu preciso ir lá no aeroporto, comprar uma passagem para Fortaleza, para Teresina, e não ser (embrecado) [01:43:53], porque meu RG está limpo. Eu tenho passaporte, que eu tirei em 2016, com os meus parentes lá em Imperatriz... isso eu estava no Tocantins. E eu já comprei um curso de 30 dias, lá no Canadá, e eu preciso ir para o Canadá e eu já conversei com a imigração e está tudo certinho, porque nós temos que andar certinho. Não é porque tem isso aqui, não. É lutando, ralando. Quando eu vim para essa escola, aqui, eu já estava de namoro com Canadá há dois anos. E parece que uma coisa chama a outra... eu já paguei a minha primeira parcela... se Deus quiser, eu vou conseguir. São 20 parcelas... está prevista a viagem para o dia seis de abril de 2020... no ano que vem, lá para julho eu já compro a passagem... agora eu já vou dar entrada na documentação, que são 280, pode parcelar em até três vezes. Agora, o visto é quase 500, esse tem que pagar a dinheiro. Daí, depois tira-se o visto americano, porque se pega um voo com escala para os Estados Unidos é mais barato do que um voo direto para o Canadá... e essa escola que eu vou é lá em Toronto... está tudo já certinho.
Juliene: É um curso de?
R - Eu vou estudar inglês, lá, 30 dias, se segunda a sexta, de manhã e de tarde, e tem a casa que vai me receber, vai me buscar no aeroporto de Toronto, vai me dar café, dormida e jantar e eu almoço lá na escola.
P/2 - Isso vai ser um sonho realizado para o senhor, senhor João?
R - É, porque eu tenho um sonho de atravessar o Atlântico... e isso foi uma promessa, que Deus me fez, um dia. Eu sei que para ir para o Canadá, não é bem... eu vou cortando um pedacinho do Atlântico. Eu tenho muita vontade de ir em Portugal. Tenho até uns amigos lá, mas ainda não deu certo. Eu tenho uma parente, que mora na Espanha, ela vive me chamando para ir lá, mas ainda não deu certo, no sentido de ir lá, ainda. Mas a minha paixão sempre foi o Canadá, há muitos anos. Mas quem vai ao Canadá pode ir em outro lugar.
P/2 - Como era, para o senhor, criar os seus filhos na época da ditadura?
R - Vamos começar por mim. Eu conheci a ditadura porque meus tios eram políticos, da arena. E eu era muito – e sou – curioso... eu ia na biblioteca das escolas da capital e pegava os livros, que falavam de comunista, que falavam da Rússia, e eu devorava aqueles livros, sem ninguém ver, e botava lá. Eu acho que se fosse com a minha (cabeça de hoje) [01:46:40] eu tinha morrido, porque tinha virado comunista, achando que era coisa boa, mas não era. Foi uma grande desilusão. Então, eu devorei tudo que foi livro de espionagem, toda briga dos Estados Unidos com a Rússia... isso me interessava, eu achava de mais... eu achava que Cuba era um céu, porque eu queria estudar, e dizem que lá todo mundo estudava e se formava... ‘‘onde é que eu estava vivendo’‘. Eu cheguei a ser filiado do partido comunista, o PCdoB, mas nunca frequentei reunião. E fui petista por muitos anos, de brigar na rua, mas quando eu vi tudo aquilo que aconteceu... hoje eu não sou mais... não tenho mais afinidade à política. Eu sou político, sou crítico e vou criticar até a morte... eu não admito um homem e uma mulher que não têm voz própria. Para ser comunista, você não tem voz própria, para ser comunista é só uma elite... infelizmente, nós vivemos numa democracia que não é democracia.
Juliene: Foi na época ditadura, que ela perguntou.
R - A ditadura era assim. A gente dizia que a ditadura era boa. Boa por quê? Porque não tinha ainda a violência no campo... o criminoso era fichinha, era pouquinho... não tinha droga... se você não fosse contra eles, você vivia bem. Você não podia ser comunista e nem se opor aos militares. Mas era muito bom para viver a ditadura no campo, porque não tinha roubo, as escolas eram boas, os hospitais... mas era aquela época do coronelismo. Por exemplo, na casa dos meus parentes ricos, a gente via um queijinho na geladeira, mas não podia pegar. Só se eles dessem. Mas a minha tia, que era muito boa – que Deus a tenha – nós comíamos o que ela comia. Mas, naqueles dias os senhores do Nordeste – isso eu posso dizer lá, do meu estado – podiam bater nos empregados, as patroas batiam nas empregadas, davão chicotada... outra coisa que se fazia muito, naquela época: pegava-se um filho, de um homem pobre, e dizia: ‘‘eu vou levar seu filho para estudar’‘. Era mentira. Ele iria ser um escravo, ele iria trabalhar naquela casa noite e dia, ele não iria ter nem ânimo para estudar. Ele tinha que lavar, cozinhar, passar e apanhar... e comer pouquinho. Isso tinha. Isso existia naquele tempo. A minha esposa foi criada em regime de escravidão, pelos parentes ricos. O meu sogro tinha muitos filhos... tiveram 16, morreram seis, criaram dez... e ela foi levada para uns parentes, na capital, aos nove anos. Apanhava muito, e só podia chegar na escola atrasada... a parenta dela falou com a diretora: ‘‘ela só pode chegar tal hora’‘, e tinha que sair antes da aula acabar. Minha mulher é uma mulher muito inteligente, mas não teve chance de fazer nem o primário. Ela é destra... lá obrigavam ela a escrever com a mão direita... esses parentes dela, que ela foi criada, estão todos formados... quando eu me casei, eu disse: ‘‘vamos processar essa família’‘, mas ela não quis... mas eu queria processar aquela família, que muito judiaram dela... apanhou muito, naquela casa... batiam na cabeça dela, obrigavam ela a levantar 4 e meia da manhã (para) [01:50:13] varrer um quintal no escuro, e ela morrendo de medo... ela disse que criança de dez anos ia para o mercado central com eles, que eles eram donos de loja, e vinha com aquela cesta de compras... se arrebentando mas tinha que vir. Eu não passei por isso, porque, como eu era um moleque muito traquino, só quem poderia bater era a minha mãe, mas nenhum parente eu ia deixar, por que eu fugiria. Desde pequeno eu já tinha as minhas ideias próprias... mas existia isso, naquele tempo, e ainda existe, hoje.
Juliene: (inint) [01:50:52] perguntar alguma coisa.
R - Pode perguntar.
Juliene: Ela tinha perguntado como o senhor criou seus filhos, nessa época, da ditadura. (inint) [01:51:12].
R - Quando nós chegamos aqui, logo teve as ‘‘diretas’‘, em 84... eles eram pequenos. Quem viu toda essa ditadura foi eu. Meus filhos não foram ligados à política, eu criei ele, aqui, assim. Eu deixei eles na escola até os 15 anos, e, à tarde, os meninos... eu botava para estudar no Ozen, que ensinava (os deveres) [01:51:31]. A filha, eu não botei no Ozen porque eu tinha medo, eu só tinha ela de mulher... então, essa filha eu criei debaixo de sete chaves. Mas, minha filha, aos nove anos, já fazia café, já tinha interesse pela cozinha. E ela se formou em Técnico em Nutrição. Ela é uma grande estudiosa, boa em português... eu queria que ela entrasse na USP, porque eu sabia que ela tinha passado no vestibular, mas ela: ‘‘papai, mas aí eu não posso trabalhar, lá é o dia todo’‘, ‘‘mas eu te sustento’‘. Até hoje ela está arrependida, porque não foi para a USP, porque eu queria que ela tivesse entrado na USP, porque eu sabia que ela passava no vestibular. Mas ela casou com um moço, também, muito bonzinho, que é filho... a terceira geração – ou é a segunda – de italiano... ele já esteve aqui, no (inint) [01:52:17], meu genro, Renato... ele é formado pela FATEC, tem o terceiro ano de Engenharia Civil, é um moço muito estudioso, então, deu certo com a minha filha.
Juliene: E os filhos?
R - Meus dois netos, que ela tem com ele... um de 14... são ótimos, estão tirando boas notas... um bom menino, com 14 anos... está tocando violino na igreja, já, e meu genro toca violoncelo. Estudou um ano, já foi oficializado, e meu neto foi oficializado agora. Está tocando violino. E outro neto, do meu segundo filho, diz que vai embora para o Canadá... e ele é bom em inglês... em tudo quanto é matéria... ele é o número 500 em matemática, no Brasil, o Jonas. Eu tenho orgulho dos meus netos, são estudiosos, não dão trabalho na escola... eu fui a uma reunião desse segundo neto, agora, que é o Jonas – meu filho estava para o nordeste, com a minha nora – e só tive elogio dele, é só nota boa. É nove, é dez... algumas é oito.
P/2 - Ao todo, quantos filhos e quantos netos, senhor João?
R - Três netos, e quatro filhos, com adotiva. São dois meninos e duas meninas, os filhos. A Jezielma tem 43, o Merlin tem 42 e o Jaziel, 41. Um detalhe. Jaziel... esse nome é de minha autoria. Eu queria um nome que não existe no mundo... minha filha ficou 15 dias sem eu registrar, porque eu estava formando um nome... e lá na bíblia tem o Jaziel... mas Jaziel não dava certo... eu fui bolando e criei Jezielma. J-E- Z- I-E-L- M-A. Pessoas mandam cartas para ela e não acertam esse nome... mandam errado, e ela não gosta... mas esse nome fui eu que criei, para minha filha. E o Merlin eu li um livro, quando eu estava na cruzada, de um missionário que lutou na Segunda Guerra Mundial, ele escreveu um livro: ‘‘Não estou com raiva de Deus’‘, missionário Merlin... eu me apaixonei por aquele livro. eu disse: ‘‘se esse menino nascer e for um menino, eu vou colocar o nome desse missionário’‘, e nasceu menino... e o Jaziel é nome da bíblia. Eu disse: ‘‘se eu tivesse uma filha’‘, não podia mais ter, ‘‘eu iria colocar o nome das filhas de Jó, que é Cássia’‘, mas na hora me atrapalhei, coloquei Cássia... não era para ser Cássia, era Kézia.
Juliene: A última, não é?
R - A última. Quando ela veio... ela tinha... nome não estava registrada. A mãe disse: ‘‘o nome dela é Janaína’‘, eu disse: ‘‘não, nega, esse nome aí não é bom. É nome lá, daquelas coisas..’‘., é lá de umas entidades. ‘‘Espera aí, vamos dar outro nome para ela’‘, só que eu iria botar kézia e colocamos Cássia, mas está bom. E assim foi registrada, como Cássia, e está aí, até hoje.
Juliene: Você se aposentou?
R - Eu estava com quase 30 de serviço... porque tinha cinco na prefeitura, cinco na São Geraldo, um ano e meio na Cruzada Mundial de Literatura, tudo registradinho... cinco meses na indústria (Coelho) [01:55:45], registrado... tenho 11 meses na (Mangoflec) [01:55:51], registrado, e fui para a (inint) [01:55:54] e fiquei nela 15 anos. Aí, eu adoeci, e achavam que João iria morrer e não tinha mais jeito, e eu não morri, e estou aqui, vivo, e me aposentaram... eu estou há 20 anos aposentado. Agora, eu disse: ‘‘eu vou estudar’‘, eu sou uma pessoa bem impulsiva, inquieta... adoeci em 98, fiquei um ano pela Caixa, em 99 fui aposentado definitivo, e em 2000 fui convidado para dirigir, aqui, as igrejas do meu bairro, e fui um dos dirigentes, por quatro anos, responsável pelo Parque Novo Mundo, pela Bela Vista – que, naquele tempo, era uma favela ali, na chácara Bela Vista – e pela Marconi, nós tínhamos uma igreja... e fui tesoureiro, também... mas com quatro anos, falei: ‘‘não quero mais’‘. Eu falei: ‘‘eu vou abrir uma igreja para mim’‘, porque eu não posso fazer tudo o que eu quero. Eu quero uma coisa, eles querem outra... eu não posso ajudar ninguém. Então, eu sou uma pessoa tudo corretinho...
eu não posso mentir, eu não posso roubar, então, tem que fazer... eu não pegava, deles, um centavo, sou aposentado, mas eu precisava fazer alguma coisa, ajudar alguém, que precisava e não podia... chamei o (inint) [01:57:13]: ‘‘não quero mais, sem briga’‘, ‘‘para onde você vai?’‘, ‘‘eu vou ficar aqui. Deixa eu ficar aqui, eu vou pensar’‘.. Mas, com um ano eu fui numa determinada igreja... eu já conhecia ela, assim, por alto... algumas coisas eu não gostava, mas outras me incomodavam, porque eles são muito organizadinhos... eles não têm templos alugados, são todos próprios... e lá não tem programa de rádio, nem de televisão, não vai em casa de ninguém, e, também, eles não pedem dinheiro, lá, é voluntário, a gente não sabe quem ajuda... eu estava achando aquilo muito ótimo, e fui para lá... lá eu não quis mais ministério, graças a Deus não me chamaram, então, eu estou livre para viajar... em 2009, eu levei uns irmãos para o Ceará, porque eles queriam ir, levar o carro, e tinham medo de se perder. Eu disse: ‘‘eu não sou motorista, mas eu conheço a (Rio Baiano) [01:58:13] vamos embora’‘, (fomos) [01:58:14] lendo as placas, e levei eles... me apaixonei por aquela cidade, aluguei uma casa, com a autorização da minha esposa – isso em abril de 2009. Fiquei pagando aluguel em abril, maio, junho e em julho eu me mudei com ela. Ela só aguentou até dezembro, preocupada com os filhos... isso era uma casa com duas suítes, três banheiros, três quartos enormes... o nosso quarto de dormir era maior do que isso aqui, mais comprido... e eu sempre gostei de casa grande, ali eu estava no céu.
Juliene: Você está morando em Singapura?
R - Não. Aí, com aquela barulheira, em 2014, eu aluguei um apartamento aqui, no Praça das Américas, e estou aí... e aluguei o meu... desde 2014 eu estou no Praça das Américas, até agora, porque tem um amigo... meu irmão tinha um apartamento aí – e tem – e comprou um, que foi para leilão, falou: ‘‘vai morar lá... não precisa pagar depósito, não’‘. Eu pago tudo direitinho para ele. E estou aí. São três quartos, tem segurança, tem piscina... é bom para os netos tomarem banho no calor... ela não perguntou nada, não é?
Juliene: Algumas coisas.
R - Eu me achei nessa escola, aqui. Eu conheço o pastor daqui, vi quando fez essa escola... tenho muita afeição pelo pastor dessa escola... como é o nome dele?
P/2 - Lauro.
R - Onde ele me vê ele me cumprimenta e eu cumprimento ele. E eu vim aqui... eu comecei a estudar dia cinco de fevereiro... foi numa segunda, domingo foi quatro, sábado três, sexta dois. Eu vim dia dois de fevereiro, aqui, fui bem recebido e me matriculei. Saí daqui, corri, fui lá no (Romão) [02:00:14], também me matriculei, levei meu histórico. Estudei aqui na segunda, dia cinco, à tarde e à noite, estava lá no Romão. Apanhei um pouquinho, na matemática, foi difícil, mas eu consegui... cada matéria, 25 dias... e aí, fomos para ciências... eu sempre gostei de ciências, foi muito bom...
Juliene: Telecurso (que você fez) [02:00:39]?
R - Não, é o EJA, que nós estamos fazendo. Depois fomos para a professora de artes, uma japonesa... ali foi a glória... porque a arte, você pega uma caneta e vai lá, naquela lousa... sempre eu pensei: ‘‘eu queria ser um artista, queria ter uma tela’‘... aí, vai, faz aqueles riscos, aí depois você forma o que você quer... forma a pessoa... então, quando eu peguei aquela aula, com a professora de arte, meu Deus... professora (Wasti) [02:01:11], uma grande professora. Depois, fomos para a professora de inglês, aí eu levei para ela: ‘‘olha aqui, meu caderno de inglês, que eu estou’‘, ela disse: ‘‘tudo isso’‘, eu digo: ‘‘nossa professora lá, nós escreve. Eu estou gostando, porque melhora a nossa caligrafia’‘.. Aí, as aulinhas de inglês, lá, foram maravilhosas. Entramos de férias, lá e aqui, e eu pedi para voltar aqui, porque eu preciso aprender a falar inglês... mas a minha esposa começou a passar mal... maio, junho... aí eu interrompi, esse segundo semestre, fiquei afastado... aí, pedi para voltar, agora, eles deixaram... porque eu vim aqui, expliquei a minha situação... estou aqui de novo, e lá nós estamos fazendo, agora, geografia... que eu gosto muito dessa matéria, fizemos história... uma coisa muito legal, a história do Brasil, do mundo... você conhece desde o começo... então, a gente passou pela Mesopotâmia Antiga, pelo Egito... e tudo aquilo estava me interessando, porque história é coisa fantástica. E eu descobri que a história, a geografia, a ciência e a artes estão juntinhas. A arte tem um pouco da ciência, a ciência tem um pouco da arte e da história e da geografia... parece que essas quatro matérias não podem se separar. E a matemática, que a gente diz que não gosta, não é que a gente não gosta, é que ela é difícil. Sem a matemática o homem não vive, porque a matemática é a base dos cálculos, então, é uma matéria que a gente precisa entender... ela é difícil. E ontem, nós tivemos aula lá – foi passado na tela – eu nunca tinha visto aquelas estrelas, que são maiores do que o sol. Então, a gente viu todo aquele universo... se a gente pudesse ir lá, tocar naquilo... coisa fantástica... então, a gente está lá. Aí, falta português, que são 50 dias. As outras matérias são 25 dias. Aí, no final do ano, a gente termina o português. Mas, também, o português não é difícil, porque a gente vai ler e vai entender. O difícil é a matemática, e o inglês, porque a gente fala uma coisa e escreve outra. Mas nessa segunda volta, agora, eu estou começando a encaixar, aqui... amanhã vai ter uma prova...
Juliene: (inint) [02:03:52] Nós vamos encerrando, agora.
P/2 - O senhor sente saudades, lá do norte?
R - Muita. Nesses 36 para 37, eu nunca perdi o vínculo com o nordeste. Eu sou um nordestino, eu ainda falo a língua do nordeste... às vezes, até os filhos me chamam à atenção. Então, eu corrijo, também, quem diz: ‘‘eu vou para o norte’‘, eu digo: ‘‘norte é de Belém para lá. O nordeste é o nordeste. O Piauí e o Maranhão, já é meio norte... mas depois do Maranhão, que entra no Pará, já é norte’‘.. Infelizmente, nem todo mundo estudou, nem gosta de geografia... então, mistura uma coisa com a outra. O nordeste, a gente tem muita saudade, porque nós temos uma história ali. Nossa parentela... meus irmãos estão lá, todos, nas capitais... meus tios, que já morreram, meus primos... e é impossível alguém negar a sua história. É como que alguém viesse lá do estrangeiro... veio para cá, por alguma circunstância, mas ele nunca vai esquecer. Aqui, graças a Deus, eu me aposentei e criei os meus filhos, mas com todo respeito, eu vivo em São Paulo como uma pessoa exilada, que não vê a hora de voltar para a sua pátria, e não tem mais jeito. Por que não tem mais jeito? Porque meus pais não estão mais vivos. A gente perdeu, praticamente, as raízes... aquele lugar, que a gente nasceu, a violência tomou conta... tem pessoa que nós não sabemos de onde elas vieram... ali, onde eu nasci e me criei, são pessoas estranhas. Eu tenho meus irmãos, na capital, minhas cunhadas... mas a gente tem uma coisa. Quando a gente vai lá: ‘‘se eu pudesse, eu não voltava mais’‘. A gente chega lá, a gente chora, quando chega, e quando sai chora outra vez. O aeroporto em Teresina, hoje tem uma movimentação de aeronave 24 horas. O único intervalo, que não tem aeronave é das 4 às 6 da manhã. Isso é muito bom, é um progresso... lá tem a TAM tem a VARIG, a GOL, a AZUL, e outras empresas menores... e eu gosto muito de avião, sou muito apaixonado pela aviação... se eu pudesse, eu morava dentro de um avião
Juliene: A gente pode engatar uma história na outra (inint) [02:06:21] está acabando.
R - Só se nós fizermos outra história.
Juliene: Eu acho. Você falou que ela perguntou pouco... eu também, porque a gente não sabe perguntar.
R - Eu não deixo vocês falarem... a culpa é minha.
Juliene: Não, é ótimo. Quando menos a gente pergunta, é porque a entrevista está indo muito bem. Fala o que mais que a gente vai encerrar.
P/2 - É isso, mesmo. O senhor se encontrou, aqui em São Paulo, não é?
R - É. Aqui foi onde eu consegui criar os meus filhos e ter voz.
P/2 - E o senhor morou todo esse tempo somente aqui (inint) [02:07:01]?
R - 14 nos barracos, 16 no Singa e estou aqui, desde 28 de março de 2014... esses 36 anos, aqui no Parque Novo Mundo.
P/2 - E como foi o senhor morar em Singapura?
R - Quando foram feitos aqueles predinhos, a gente achava que era só para essa comunidade, mas não era. Aí, veio a (Bebinha) [02:07:26], veio (do pau queimado) [02:07:27]. Então, como eles ainda não eram organizados, houve muito conflito. Muita briga, muita morte, muito tiroteio. Na minha janela, aqui, do meu apartamento, tem a marca de uma bala que eu nem troquei. Eles estavam brigando – eu ainda trabalhava – cheguei, de manhã, estava o rombo na janela, (varou) [02:07:47] a cama onde o meu filho dormia, e o guarda-roupa... essa bala rodou na sala, caiu na estante, tendo de uma vasilha. Minha esposa estava no outro quarto, deitada, com a caçulinha, e a mais velha estava lavando uma louça, na cozinha. Quando eu cheguei, eles me contaram – eu ainda trabalhava naquele tempo – eu falei: ‘‘onde essa bala?’‘, (zoom) [02:08:08] aqui na sala, aí, fui ver o rombo, lá no guarda-roupa. Meu filho, que era militar, estava de férias, lá para o nordeste. Aquela bala passou no lugar da cabeça dela, onde era o travesseiro. E o outro estava de férias, lá para Minas Gerais, (com a Varzelânea) [02:08:24]... uma moça, sobrinha da minha esposa, morou com a gente, casou aqui, com a gente, foi morar lá. Aí, daqui a pouco, alguém bateu na minha porta: ‘‘Senhor João, o senhor achou uma bala, aí na sua casa?’‘, ‘‘achei’‘. ‘‘Senhor João, me devolve a minha bala’‘, ‘‘está aqui, meu filho, a sua bala’‘. Porque aquela bala... ele achava que, se a gente mostrasse para a polícia: ‘‘vai descobrir a arma’‘. Meu filho, que era militar: ‘‘papai, porque o senhor devolveu?’‘, ‘‘meu filho, nós não precisamos disso. Eu devolvi’‘., ‘‘está aqui, meu filho, a sua bala. Leve’‘. E levou.
Juliene: As brigas eram lá no prédio, mesmo?
R - Eles se desentendiam entre si.
Juliene: Eu perguntei (inint) [02:09:04] se eles brigavam lá no prédio... eles eram moradores do prédio?
R - É porque, era assim. Em casa de bloco, tinha eles, a família deles... então, eles transitavam por todos os condomínios. E como havia esses desentendimentos... sabe aquela briga de criança: ‘‘você ficou com mais balinha do que eu’‘? É mais ou menos isso. Você pegou mais balinha do que eu, não dividiu... ou então, você comeu o docinho da vovó e não deu para mim. Mais ou menos isso. Então, briga de criança é tapinha, mordida, e briga de adulto é bofetada, e briga de alguns adultos é tiro, facada, e outras coisas. Aconteciam essas coisas.
Juliene: Agora acalmou (inint) [02:09:56]?
R - Olha, hoje são assim, as coisas. A gente observando, vendo a mídia, ouvindo as reportagens...
Juliene: O senhor fala se o senhor quiser.
R - É. O que hoje, está acontecendo no Brasil – não só aqui no Brasil... temos a situação do Rio, que é a mais gritante, porque lá eles enfrentam, mesmo, as autoridades... aqui, nós ainda não temos isso em São Paulo, ainda, graças a Deus.
Juliene: Eu digo aqui, (inint) [02:10:25]
R - Olha, vamos dizer assim, que... tem uma aparência de calma, mas é uma calma que temos (inint) [02:10:46], temos que estar em alerta, porque a gente pode pisar num formigueiro. É isso.
P/2 - E quando o senhor morava aqui, já tinha esse movimento funk?
R - Não. Tinha forró. Eles faziam forró, as pessoas faziam as festinhas... mas não era essa coisa... loucura. Depois veio o forró... antes do funk, que se fazia... que vinha aqueles tocadores, tecladistas... (e de quem) [02:11:22] já dormia mais. Depois, mudou para o funk. Eu acredito que o funk veio pelo seguinte... porque se coloca vários carros de som e não paga para ninguém. Já o forró, quando tinha, tinha que pagar alguém para tocar o teclado e cantar. O funk não. São vários carros de som ligados ao mesmo tempo... a música eletrônica tomou muito o lugar da música ao vivo. Então, se fazer um funk é a coisa mais fácil. A pessoa gosta...
Juliene:
E que o senhor acha que modificou, em relação ao funk, na comunidade?
R - Isso tira muito o sossego, porque as pessoas já não dormem mais... isso deixa... trabalha a semana toda, final de sema você quer descansar. Não pode dormir. E se está tendo uma festa dessa, se tem uma emergência, nenhuma ambulância consegue entrar, só se chamar a polícia e os bombeiros, para poder permitir permissão para entrar ali. Porque tem tanta gente que você não tem onde colocar o pé. Não é que a gente tem nada contra o funk... se tivesse casas específicas, à prova de som... aí sairia caro... então, o funk é uma coisa que se tornou mais acessível e barata... é uma cultura... também tem as pessoas que ganham dinheiro... tem os cantores, tem os raps... eu não posso de falar disso com precisão, porque eu não entendo disso... a minha musicalidade é gostar de música, da música popular brasileira... se eu fosse um artista, eu não sei tocar nenhum instrumento... não entendo de partitura. Mas tenho a capacidade de mandar alguém: ‘‘pega o gravador, que eu faço uma música imediata’‘, vem a fluência da letra e da melodia, imediatamente. E nunca escrevi isso, porque tinha medo... a dificuldade que a gente tem na escrita, de colocar um ‘‘S’‘ no lugar de um ‘‘C’‘. Mas sempre tive uma facilidade de inventar música.
Juliene: Quer terminar com a música?
R - Pode ser.
Juliene: Se o senhor pudesse falar para a gente, se der...
R -
Cantado, posso.
Juliene: Mas o que o senhor achou de contar a sua história, hoje? Que vai ficar gravada (para o senhor) [02:14:06]?
R - O que eu achei... eu estou muito agradecido a Deus, em primeiro lugar, porque eu nunca esperava de um dia, dar uma entrevista assim. Isso aqui, para mim, está sendo uma coisa muito séria e importante. Eu estava comentando com ela, quando nós fizemos a passeata... a gente fez aqui... com ela e com o coordenador Willian... eu gostaria de, um dia, escrever um livro, contar a história dos animais, dos bichinhos lá do mato, do peba, do jabuti, do (taputi) [02:14:39] e essas coisas. Aí, aquilo foi uma luz que foi entrando, no final do túnel. Aí, ela me contou: ‘‘senhor João, é assim... o senhor topa?’‘, eu falei: ‘‘claro que eu topo’‘. Isso aqui, para mim hoje está sendo muito importante. Porque, se amanhã eu não estiver mais aqui, eu sei que eu vou deixar um pedacinho da minha história... porque, sempre eu pensei: ‘‘eu gostaria tanto de deixar um DVD gravado, com as minhas melodias’‘ ... eu não sei tocar... eu não posso pagar alguém para fazer os arranjos, para me acompanhar, mas hoje eu consigo mandar alguém pegar um violão e eu entrar junto com ele, porque eu aprendi a cantar por escala, um pouquinho, antes eu não sabia. Mas não é tão difícil. Mas inventar uma música é como tirar doce da boca de uma criança. É isso.
Juliene: Dá para fazer um verso, agora?
R - Cantado é melhor. Eu invento uma coisa... um verso... se eu for falar um verso assim... já não flui bem...
Juliene: Não... agora o senhor conseguiria cantar uma música sobre...
R - o que nós fizemos aqui?
Juliene: É.
R - Sim, claro. É bem facinho.
Juliene: Então, canta, só um pedacinho.
R - Deixa eu fazer aqui, um exerciciozinho, para ver se melhora a voz... deixa eu beber um pouquinho de água.
Juliene: Mas se quiser.
R - Não, é rapidinho. É só para aquecer... é só um pouquinho, para a voz não ficar feia... e para cantar, eu acho melhor em pé.
Juliene: Ele tem que arrumar a câmera.
R - Um, dois, três... cantar um pedacinho de uma melodia, a respeito dessa conversa, que a gente teve aqui, com esses amigos dessa entrevista... alguns trechinhos, se não sair muito legal, que os amigos nos desculpe: (canto) ‘‘lá-lá-lá-ri-lá-lá-lá... foi aqui que eu encontrei minha liberdade... eu fui... eu fui chamado para contar a minha história, eu falei de tudo que eu nunca imaginei. Agora, eu contei o que eu sabia... falei de coisas que eu vi, do Piauí ao Maranhão, de São Paulo ao Mato Grosso, e contei aqui um pouco nessa linda entrevista... lá-lá-iá-lá-iá’‘.. Assim fica mais difícil, agora, se fosse uma coisa mais romântica.
Juliene: Mas eu adorei.
R - Gostou?
Juliene: Muito bom. Emocionante. Obrigada pela sua história.
R - Imagina, eu agradeço. Vocês não sabem o presente que vocês me deram.
Juliene: E você deu para nós.
[02:18:05]Recolher
Título: Um sonhador
Data: 05/09/2018
Local de produção: Brasil / São Paulo / São Paulo
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