"Eu morava na Vila Maria e comprei esse terreninho aqui. Era uma chácara, foi loteada, não tinha luz, não tinha água, não tinha, sabe o que é nada? Era um relógio que distribuía água para todo mundo e é por necessidade de tudo isso que hoje eu faço esse trabalho de correr atrás de asfalt...Continuar leitura
resumo
Seu Leocárdio teve que fazer um longo trajeto para ir trabalhar todos os dias, para poder usar o dinheiro da condução para construir a sua casa, da qual ele tem orgulho de dizer que isso tudo teve um preço, mas que tem quatro paredes até o dia que Deus quiser.
história
imagens (1)
.jpg)
Leocárdio José
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Leocárdio José Teixeira dos Santos
.jpg)
Leocárdio José
história na íntegra
- Vídeo na íntegra
-
Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
Depoimento de Leocárdio José Teixeira Santos
Entrevistado por Diego Silva dos Santos e Fernanda Augusta de Morais Mello
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV08
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Boa tarde. Eu quero saber o seu nome, o lugar que você nasceu e a data.
R - Meu nom...Continuar leitura
Depoimento de Leocárdio José Teixeira Santos
Entrevistado por
Diego Silva dos Santos e Fernanda Augusta de Morais Mello
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV08
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Boa tarde. Eu quero saber o seu nome, o lugar que você nasceu e a data.
R - Meu nome é Leocárdio José Teixeira Santos, nasci em Formosa e registrado em Chorrochó, porque onde eu morava não tinha cartório.
P/1 - Quando?
R - 09/12 de 1943.
P/1 - Bom, o seu nome não é um nome muito comum que a gente vê muito por aí, de onde surgiu o seu nome? Você sabe se tem alguma história por trás?
R - Não, existiu um livro que chamava Almanaque, não sei se você conhece e as pessoas escolhiam o nome por aquele que estava escrito naquele livro, então, por acaso foi escolhido dessa forma.
P/1 - E os seus pais?
R - Meu pai chamava Militão e minha mãe chamava Eva. E minha mãe é do Piauí e meu pai é da Bahia.
P/1 - E o que seus pais faziam?
R - Trabalhava na roça.
P/1 - Na roça.
R - Trabalho de roça, plantar, colher.
P/1 - E você ajudava eles?
R - Ajudava sim.
P/1 - O que você fazia lá?
R - Meu pai ia cavando aquelas covas, eu saía atrás jogando a semente e cobrindo com terra, aquele trabalho de roça mesmo que o pessoal costuma fazer.
P/1 - E você começou a ajudar eles com qual idade mais ou menos?
R - Uns 12 anos para 14 anos, por aí.
P/1 - Você sempre morou em Chorrochó?
R - Não, morei na verdade no sítio na verdade, perto desse lugar que eu falei Formosa. Chorrochó é uma pequena cidadezinha que tem um pouco distante onde tem o cartório, foi lá que eu fui registrado.
P/1 - O que você fazia lá? Sem ser ajudar seus pais na roça.
R - Olha, a grande verdade esse trabalho que eu faço hoje como líder comunitário eu sempre fui uma pessoa que eu nasci sempre olhando para as outras pessoas. Tem um pessoal lá que, vamos supor, nordeste lá chove pouco. E aí quando chove todo mundo tem pressa para plantar porque acha que a chuva vai embora e que depois não vai colher. Aí o que acontece? Eu tinha uns colegas lá que tinha roça grande e de repente chovia, precisava plantar rápido e não encontrava trabalhador e algumas vezes eu sugeri as ideias de unir o grupo de pessoas, nós escondidos para que ele não soubesse que nós íamos fazer aquilo e invadia a roça dele cedinho para limpar a roça dele rapidinho porque a gente sabia que ele não estava encontrando trabalhador. Então, eu sou muito ligado a movimentos, ajudar as pessoas, sempre fui uma pessoa assim.
P/1 - Você teve irmãos?
R - Tenho um só, tinha, faleceu já.
P/1 - Um só? Como que era a infância de vocês?
R - Olha, sofrida. Na roça você sabe que não tem coisa fácil, tudo é difícil.
P/1 - Vocês só trabalhavam na roça?
R - Só trabalho de roça só, é a única atividade que tem. Escola na verdade a gente estudou numa escola na casa do meu tio que a prefeitura arrumou uma professora, colocou na casa dele que ele tinha mais condições e aí aquelas crianças da redondeza tudo ia para lá.
P/1 - E como que era?
R - A escola?
P/1 - É. Quando vocês ficavam lá, como que era?
R - Escola só para você ter uma ideia o relógio funcionava no dia que o sol estava quente, era uma tábua com o prego, não marca minutos, só meia hora ou uma hora. Que é de acordo com aquela sombra daquele ferrinho que é colocado como ponteiro vai rodando, então, vai acompanhando a sombra, então, aquele era o relógio: “já é uma hora” ou meio dia, coisa parecida. Então, aquela era a forma de controlar o horário da escola por aquela tábua quando o sol estava quente no dia que não tem sol não tem hora.
P/2 - E a sua... era irmã? Era mulher?
R - Eu tenho uma irmã, uma faleceu já e a outra está viva ainda, mora em Serrinha aí perto de Feira de Santana.
P/2 - Como que era o nome delas?
R - A Maria que faleceu e a outra chama Lindaura que ainda é viva ainda.
P/2 - E o senhor é o mais velho?
R - Eu sou o mais novo. Ou seja, a minha irmã a que morreu era mais nova que eu e eu dos homens eu sou o mais novo, o meu irmão (inint) [00:05:08] que morreu.
P/2 - Então, vocês eram em quatro irmãos?
R - Quatro irmãos, duas mulheres e dois homens.
P/2 - Entendi.
P/1 - E até quando vocês ficaram nessa escola? Vocês iam todos os dias? Como que funcionava?
R - Eu não lembro mais muito tempo, quanto tempo a gente ficou, mas eu acho que deve ter ficado ainda em torno de uns dois anos nessa escola na casa do meu tio, por aí.
P/1 - E o que você aprendeu nessa escola?
R - Olha, coisa muito pouca. Quer dizer, dá para ler e escrever o próprio nome e o trabalho que eu faço hoje na grande verdade dá para mim ler, mas a gente fez o que antigamente chamava primário. Incompleto, por exemplo, foi o que eu fiz.
P/1 - E você só estudou nessa escola e depois não estudou mais em outros lugares?
R - Não, só nessa escola mesmo.
P/1 - Só nessa escola. E você morou lá em Chorrochó quanto tempo?
R - Em Formosa, Chorrochó só era o registro do cartório.
P/1 - Sim, em Formosa.
R - Em Formosa eu fiquei até a idade dos 22, 25 anos, por aí.
P/2 - O senhor disse que não brincava, não tinha muita...
R - Não, não tinha atividade de brincadeira, brincadeira a gente ficava naquela história de correr, se esconder, correr atrás dos outros e não tem brincadeira. Às vezes ia no mato, cortava uma vara, tinha uma vara verde, a gente até tirava a casca, tirava os anéis, fazia cavalo até para correr montado naquela vara lá, as brincadeiras eram essas. As meninas, por exemplo, elas brincavam com aqueles sabugos do milho, enrolada num papel, um pano, fazia boneca, era naquele sabugo de milho.
P/2 - E além disso, mas dava para divertir com os amigos? Faziam alguma outra brincadeira...
R - Não, não tinha muito brinquedo assim não, as brincadeiras eram bem limitadas, quase não tinha, era trabalhar mesmo e só.
P/2 - E aconteceu alguma vez alguma história que o senhor lembra até hoje com outras crianças?
R - Olha, o que aconteceu foi que tem um camarada lá que ele é religioso e ele tinha muitos quadros na parede e aí a gente cismou de trancar o gato dentro da coisa e dá uma chicotada nele e ele voou nos quadros e começou a derrubar os quadros do camarada tudo no chão, aí a gente passou um vexame terrível. Com medo de quando ele chegasse todo mundo ia para o reio. Isso é o que eu me lembro bem disso daí.
P/2 - Mas quem era essa pessoa que o senhor fez isso?
R - Era um senhor que chamava Diosvaldo, ele morreu da picada de um cascavel na verdade, ele desceu para a roça de manhã e o cascavel picou ele e ele morreu. Ele era muito religioso, ele levantava cedo, chamava os filhos, rezava lá uma oração e depois ia para a roça molhar as plantas, ele sempre foi assim. E aí infelizmente a cascavel tirou a vida dele na roça.
P/2 - Esses quadros que tinham na parede você lembra o que era os...
R - Era imagem de...
P/2 - De santo.
R - De santo pelo fato de ele ser devoto, católico, daquele santo que ele tinha aquela simpatia, digamos assim, por aqueles quadros.
P/2 - E seus irmãos estavam juntos com você quando você fez essa...
R - O filho dele estava, ele saiu para feira e a gente ficou lá e aprontou essa daí.
P/2 - Da cobra.
P/1 - E o que você tem para contar de histórias de cobras? Que antigamente tinha bastante em roça.
R - É, cobra eu lembro que lá no interior não tem casa de laje no sítio, tudo é de telhado só com o caibro e a ripa para segurar as telhas. E dá muito rato por causa que a roça é tudo colada com as casas e os ratos invadem os telhados e as cobras também, aquela cobra que chama cobra corredeira ela vai no telhado. E aí ela correndo atrás do rato lá em cima do telhado ela se embolou com o rato e caiu dentro da minha rede que eu estava dormindo na rede e aí quando eu vi caiu aquele bolo de coisa lá e eu vi que era uma cobra, pulei, quase me machuquei lá com medo da cobra. Isso aí foi uma coisa que eu lembro muito bem disso daí. Coisa de roça tem tudo essas coisas aí.
P/1 - E hoje em dia você tem medo de cobras?
R - Olha, cobra sempre é um animal perigoso, sempre foi, até pelo veneno que ela tem e umas histórias de pessoas que morreram por causa de picada de cobra.
P/1 - Na sua infância, então, você basicamente morou na roça com os amigos brincando um pouco e estudando pouco.
R - Brincando pouco e estudando pouco, realmente.
P/1 - Você tinha alguma vontade naquela época?
R - Como assim?
P/1 - De realizar alguma coisa que você não conseguiu...
R - É, acho que a grande verdade é que naquela época lá, eu não tenho vergonha de dizer, quando eu vim para cá em 70 eu não sabia o que era uma televisão, eu vim ver uma televisão aqui depois que eu cheguei que lá não tinha, era só rádio, programa de rádio.
P/1 - O que você ouvia no rádio?
R - Muita música sertaneja que a gente ouvia, até as pessoas que eram muito chegadas em novela na época assistia novela no rádio. Que fazia um sucesso danado e as músicas que a gente escutava era tudo através do rádio.
P/1 - Tem alguma música que te marcou?
R - Não, eu nunca fui muito ligado nas músicas não. Fui uma pessoa muito de trabalhar mesmo, meu pai ia para a roça e ele nem me chamava, eu já acompanhava atrás dele, ele fazia às vezes cuidando dos animais, eu estava ali perto dando ração, fazendo outra coisa parecida. Ele ia cavar naquelas covas para poder ir jogando a semente, tampando com o pé, isso é trabalho da roça. Ele cortando às vezes cacho de banana, carregando para casa, tudo isso é trabalho de roça, mas ele saiu para a roça eu já saía em seguida atrás.
P/2 - Vocês conversavam? O senhor conversava com ele? Vocês conversavam, você e seu pai?
R - É, não muito, ele dizia “precisa fazer isso” aí mandava fazer eu ia fazer, quer dizer, não tinha muito aquela troca de ideia até porque a falta de conhecimento, de informação dos próprios pais também não tem muita coisa para passar para a gente.
P/2 - Ele não contava história para você?
R - Não, o que eu lembro que ele contou um dia que quando a gente chegasse à não sei quanto tempo – às vezes eu estou vendo algumas coisas parecidas e eu lembro dessa história que ele contou, que eu acho que ele já ouvia do avô dele – que quando a gente chegasse aí não sei quantos anos para a frente que visse o osso de uma vaca dizia assim: “olha, esse osso aqui é do bicho vacum” ele dizia assim, que nem hoje a gente vê o dinossauro aí que não existe mais, a vaca também diz que vai chegar lá um tempo aí que o pessoal também não tem mais boi, não tem mais vaca, não tem mais nada, alguém vai ver o osso e não sabe que bicho era aquele, vai servir de estudo que nem o dinossauro outra vez.
P/2 - Por que será que ele falava isso?
R - Acho que ele já tinha ouvido de outras pessoas.
P/1 - Você veio para cá para São Paulo com quantos anos?
R - Eu tinha acho que uns 28 anos quando eu vim para cá.
P/1 - E antes de você vir para cá você só trabalhou na roça?
R - Só na roça. Inclusive eu trabalhei num lugar, Euclides da Cunha, eu vinha e trabalhava para uma pessoa lá em Euclides da Cunha distante 18 léguas de casa e o pessoal que vinha para a feira do sábado vinha de caminhão e eu trabalhava a semana toda e quando chegava sexta-feira eu mandava o dinheiro todinho que eu ganhava todinho para o meu pai e não ficava com nenhuma moeda, mandava todinho para ele pelo pessoal que vinha para a feira que conhecia ele.
P/2 - O senhor trabalhou em várias fazendas lá na região?
R - Não, eu trabalhei só mesmo em Euclides da Cunha, nesse lugar que eu estou falando e depois eu trabalhei em Sergipe na estrada de rodagem, negócio de terraplanagem, essas coisas aí, trabalhei cinco anos na terraplanagem, divisa de Sergipe com Bahia.
P/2 - O que o senhor fazia nesse trabalho?
R - Cavava terra por metro, fazia aterro que não tinha a tecnologia, era tudo no carrinho de mão aqueles aterros pesados lá, cascalho a gente carregava caminhão de cascalho na pá. Tudo assim, tudo trabalho manual, não tinha maquinário para fazer esse serviço que faz hoje não.
P/2 - Serviço pesado?
R - Serviço pesado. A gente ficava debaixo de uma lona 200 e poucos garimpeiros lá com uma lona e ali dormia todo mundo ali embolado debaixo daquela coberta que nem fosse um circo. E aí amanhecia o dia e todo mundo já começava a cavar terra, outro carregar, outro transportar para ali, para cá e esses aterros que a gente vê por aí tudo feito manual.
P/2 - Que estrada era? O senhor lembra?
R - Estrada que liga de Tucano que é uma cidadezinha da Bahia até Sergipe.
P/2 - E aí o senhor começou a passar a vida e aí você teve vontade de vir para São Paulo? Como que foi?
R - Aí eu vim para São Paulo, foi uma pessoa que mora aqui em Santo Amaro, ele mora perto da represa, e ele foi para lá passear e ele conversando e aí eu tive umas ideias de vir para cá. Tanto que eu vim para cá, fiquei numa pensão aqui no Canindé, na rua da madeira, um colega morava na pensão, morei lá acho que uns 15 dias. Depois eu vim para a casa de um parente aqui no Jaçanã e aí arrumei um serviço e estou até hoje aqui. Morei em Guarulhos na Vila Maria.
P/2 - Você lá em Formosa ou nessas cidades que você passou, lá você também não tinha diversão? Você só trabalhava?
R - Não, não tinha, não tinha. Só trabalho.
P/2 - E à noite? Fazia alguma coisa à noite?
R - Deitava, anoiteceu lá, seis horas está todo mundo dormindo, escureceu. Só que levanta cedinho também, não amanhece até umas horas deitado, seis horas da manhã, de seis à seis, amanheceu o dia, clareou um pouquinho, cuidar das criações, criar uma ovelha, uma cabra, uma vaca, coisa parecida, coisa mesmo de sítio.
P/2 - É.
P/1 - E quando você chegou aqui você começou a se divertir ou veio só para trabalhar mesmo?
R - Não, quando eu cheguei aqui eu arrumei um serviço na fábrica de móveis, aí não me dei bem porque tinha um cheiro de tinta muito forte. Aí depois eu arrumei trabalho numa fábrica de papelão, essa o qual eu passei operador de impressora. E depois eu trabalhei numa revendedora de ferro, 15 anos, lá em Bonsucesso, em Guarulhos.
P/1 - Nesse meio tempo, além do trabalho, teve algo que aconteceu? Algo que te marcou?
R - Olha, não muito não. Eu trabalhei no aeroporto de Cumbica depois que eu saí de lá dessa revendedora de ferro, na plataforma de carga, eu fazia entrega, quando o encarregado faltava eu substituía o lugar dele para fazer roteiro dos caminhões que saía para a rua, separar as notas e soltar serviço para o pessoal entregar na rua.
P/2 - Voltando antes de chegar no trabalho de Cumbica, o senhor falou que trabalhou em revendedora de ferro?
R - Era uma revendedora.
P/2 - Como que é isso?
R - Hoje a Sabesp não usa mais essa tubulação de plástico, mas ela já usou muito, antigamente ela usava tubo galvanizado, tipo essa perninha desse coiso aqui ela usava para encanamento de água. A empresa revendia esses produtos para construção civil, a gente fazia entrega na Paulista, a Sabesp comprava caminhão fechado, a gente levava ali em Santana numa unidade que eles têm lá e usava muito em obra.
P/2 - E quando o senhor chegou aqui em São Paulo qual foi a sua impressão?
R - A impressão é de uma pessoa que vem de um lugar pequeno, sem conhecer nada e eu não tenho vergonha de dizer quando o pessoal dizia assim: “ó, tenha cuidado quando o semáforo estiver aberto”. Eu andava para mim as luzes todas as acesas, tanto fazia do farol como a lâmpada, para mim tudo era luz, eu não tenho vergonha de dizer isso. Aí depois é que você vai tomando conhecimento da coisa. Eu chegava no ponto do ônibus eu ficava preocupado porque nossa eu venho dum lugar desse tamanhozinho, de repente você chega no ponto do ônibus fervendo de gente e ali todo mundo naquela loucura, correndo para pegar o ônibus, aqueles negócios tudo, é muito estranho, a gente demora a se adaptar àquela situação lá.
P/2 - E depois como é que o senhor foi vendo farol, como é que o senhor foi se...
R - É, aí foi clareando aos poucos, quando eu trabalhei na rua fazendo entrega e nessa revendedora a gente fazia entrega na rua e aí eu fui conhecendo. Tanto que eu passei a conhecer tanto as ruas que a maioria dos motoristas novos que entravam eu era o ajudante que era colocado com aquele motorista novo por conhecer a cidade. E aí clareou bem que hoje já dá para andar com as próprias pernas sem precisar esquentar muito a cabeça.
P/2 - O senhor viajou de ônibus para cá?
R - Eu vim de ônibus, três dias de viagem aí corrido. Dois dias e uma noite que vem de lá para cá.
P/2 - E como foi essa viagem?
R - Essa viagem a gente viaja para algum lugar que você não sabe como que você vai encontrar a situação, se vai ser bem aceito, se não vai ser bem aceito, se você vai encontrar trabalho, se não vai, é um monte de coisa que acaba passando um filme na cabeça da gente. Que nem esse trabalho que eu faço hoje comunitário, por exemplo, no início é difícil, as pessoas não lhe conhecem, não dá confiança, você pede uma coisa as pessoas não dá muita atenção, até você pegar confiança, saber para quem você vai pedir, como você tem que fazer, é só o tempo mesmo, só o tempo constrói tudo isso.
P/1 - E você é casado?
R - Eu sou assim, eu sento, converso ali uma palavra, duas, se a pessoa conseguir conversar bastante, eu vou acompanhando, do contrário eu fico na minha ali, eu gosto mais de ouvir do que falar. Observar bastante as coisas.
P/1 - Na sua adolescência, quando você mudou para cá, você já tinha alguma namoradinha de infância?
R - Lembrança de alguma coisa?
P/1 - Namorada.
R - Teve uma namoradinha lá, mas foi poucos dias também, não foi muito tempo não.
P/2 - Por quê?
R - Ela foi embora para algum outro lugar e depois aí...
P/2 - Você lembra o nome dela?
R - Maura, o nome dela era Maura.
P/2 - E quantos anos você tinha nessa época?
R - Eu não tenho ideia, nem lembro mais, acho que devia ter uns 12, 13 por aí, uns 14 no máximo.
P/1 - E depois dela, teve alguma outra?
R - Aí depois teve essa que hoje é minha esposa, que eu vim para cá, trabalhei bastante aqui, depois é que eu voltei lá e casei e vim embora para cá.
P/2 - O senhor foi lá só para arrumar uma namorada?
R - Não, na verdade eu vim, quer dizer, eu namorei com ela e vim embora para cá, depois eu voltei, noivei, vim embora de novo, ela ficou lá. Só que aí eu trabalhei mais um tempo, voltei, casei e estamos aqui até hoje.
P/1 - E como foi esse casamento?
R - Já tem uns 40 e poucos anos já.
P/1 - E como que foi?
P/2 - O dia.
P/1 - Como foi o dia?
R - Olha, eu não sei, muita coisa não porque no interior não tem muita coisa, é só a papelada mesmo ali, pouca coisa, não tem festa, não tem aquelas coisadas. Coisa simples mesmo, quase que nem um casamento no cartório civil aqui.
P/2 - E o nome dela, como que é?
R - Maria.
P/2 - Maria.
R - É.
P/2 - E ela morava perto da sua casa lá?
R - É, morava num sítio perto.
P/2 - Pertinho?
R - É.
P/2 - E como vocês começaram a namorar? Como foi?
R - Através de uma festa que teve lá no sítio lá onde ela morava, onde o pai dela mora lá.
P/2 - Então, o senhor pode contar como foi? Como o senhor ficou interessado?
R - Não tem, agora na verdade eu nem lembro como foi que aconteceu, eu ia muito na casa do tio dela que morava perto, ele gostava muito de caçar e eu ia para lá caçar mais ele. E aí a gente acabou pegando uma amizade porque a casa do pai dela, que é irmão desse casado com a tia dela, morava pertinho e aí a gente ficou, se aproximou e veio embora para cá, depois eu voltei lá e acabamos casando e estamos aqui até hoje.
P/1 - E vieram para cá faz quanto tempo?
R - Olha, já faz aí uns 40 e pouco anos já.
P/1 - Tiveram filhos?
R - Uma filha.
P/1 - Qual o nome dela?
R - Zenaide.
P/1 - Como que foi ser pai?
R - Uma experiência de pessoas que não têm muito experiência sobre o assunto. Você não tem muito sonho, você vê, a criança chega e você tem aquela ansiedade como qualquer pai, qualquer mãe tem ansiedade de aparecer um filho e tal, mas você não tem aquela cabeça tão cheia de sonho, os sonhos vão surgindo depois.
P/1 - Você tinha qual idade quando você foi pai?
R - Eu tinha 28.
P/1 - Foi logo que chegou para cá? Para São Paulo.
R - É. Uns 30 anos, por aí.
P/1 - E a sua mulher tinha quantos anos na época?
R - Acho que 22, acho que era 22, eu sei que ela era mais nova do que eu uns 10 anos.
P/1 - Entendi.
P/2 - O senhor falou que veio conhecer televisão aqui, o senhor lembra a primeira vez que o senhor viu a televisão?
R - Na pensão onde eu estava, até aquele programa dos Trapalhões quando eu vi passando aquilo lá eu achei bem interessante, foi o primeiro programa que eu lembro que eu assisti. E aí era preto e branco ainda também na época. Depois foi surgindo a outra televisão à cores, aí até que eu tinha uma preta e branca, depois troquei por uma até usada à cores aí, aí você percebe que a coisa muda bastante. Bem diferente.
P/2 - E a sua sensação a hora que o senhor viu aquele programa na televisão, teve alguma sensação?
R - Eu achei interessante porque a gente assistia programa de rádio, só ouvia voz. Estar vendo a imagem é outra coisa. É o caso que eu estava falando para ele aqui do CD que eu tenho aqui da área que a gente mora hoje, era tudo de terra, inclusive até passamos aqui na frente, contar história é uma coisa, você ver é outra coisa. É que nem televisão, o rádio para televisão a diferença é muito grande.
P/1 - Você demorou para se acostumar com a cidade grande?
R - Demorou, eu tinha medo, eu morava na pensão, eu ia na esquina e já olhava para trás com medo de me perder. Porque já pensou se eu fico aqui no meio desse negócio? Não conhecia ninguém. Então, eu ia não muito longe, eu ia um tantinho pequeno da pensão, 15 dias que eu fiquei lá foi assim. Mas depois aí você vai saindo com os colegas, aí vai, vai, vai, aí depois vai embora, mas demora um pouco à de adaptar.
P/2 - Como que o senhor chegou, o senhor em São Paulo: “agora eu vou para essa pensão”, como que é isso? Cidade grande.
R - Essa pensão era um colega que morava lá e ele pediu quando eu viesse para cá procurasse ele, que hoje eu nem sei onde ele está que também não vi ele mais.
P/2 - Você falou que depois da pensão você veio para o Jaçanã e ficou na casa de uma parente.
R - É, morei uns dias com ela e também, aí ela tinha um irmão, ele morava num quartinho lá pertinho da onde ela morava, que morava um monte de rapaz solteiro lá nos quartinhos, tinha duas, três camas em cada quartinho daquele e ele falou: “não, vai lá, fica comigo lá”. Mas aí nós dormíamos numa cama de solteiro os dois na mesma cama, eu só ia ficar à vontade – que eu estava desempregado – quando ele ia trabalhar que eu ficava à vontade na cama que era dele na verdade, que eu não tinha uma cama, depois foi que eu comprei, depois de passado um tempo.
P/2 - Ela era o que do senhor?
R - Era prima.
P/2 - Prima?
R - Ela mora nessa rua, subindo aqui.
P/1 - Você tem algum apelido?
R - Aqui alguns me chamam de seu Leo.
P/1 - Leo?
R - É, outros chamam de seu Léo.
P/1 - Na sua infância teve algum apelido?
R - Não, não tinha.
P/1 - Era Leocárdio mesmo?
R - Era Leocárdio mesmo.
P/2 - O senhor não falou da sua mãe, que lembrança o senhor tem da sua mãe? Como ela era?
R - A lembrança que eu tenho é que ela era uma pessoa muito trabalhadeira, ela gostava de criar porco para engordar, para vender, criar galinha, vendia ovos, aquelas coisas, plantava verdura e vendia para um povoadozinho que tinha lá, naquele tempo do pau de arara, mas tinha uma pensão que dava almoço, então, ela colhia as verdura e eu ia vender lá naquele povoadozinho lá. Sempre ela tinha um trocadinho na mão, nunca deixava de ter. Ela era uma pessoa muito prevenida, às vezes chegava visita num lugar que não tem uma venda para comprar uma bolacha, um açúcar, não tem nada, você tem que comprar longe, mas ela tinha sempre guardado alguma coisa ali para se chegasse uma pessoa ela fazia um almoço mais rápido, tomar um café, tinha sempre uma bolachinha guardada lá para se chegasse uma pessoa de repente que ela não estava esperando, ela era muito prevenida nesse sentido.
P/1 - E como que eram seus pais com vocês?
R - Pessoa simples, nenhum dos dois sabia ler e nem escrever o próprio nome, mas sempre tiveram o cuidado de dar o que eles puderam para gente mesmo precário que nem eu falei que era na casa do tio, mas eles fizeram esse esforço porque quando chegava uma carta de amigos inclusive que tinha em São Paulo, tinha o Antônio Monteiro lá que é quem lia as cartas pro meu pai porque ele não sabia ler e aí essa situação depois que a gente aprendeu um pouquinho aí não precisou mais, a gente mesmo lia a carta para eles. Quer dizer, quando você não sabe ler antes de você saber o segredo o outro que vai ler sabe primeiro. Tem tudo isso diferença de não ter a leitura, mas nem por isso eles deixaram de se interessar, a gente aprendeu não muito porque também não tinha condições de dar muito estudo também.
P/1 - E teve algo que marcou você em relação aos seus pais?
R - O que marca na verdade ele deixou uma grande herança para nós que foi a moral dele, dele ter o seu nome ali e todo mundo acreditar porque ele trabalha muito por dia, o dia a dia na roça, fazendo cerca das roças, cavando barragem para quando chover juntar água, fazer aqueles negócios lá e o povo acreditava muito no trabalho dele porque o relógio dele era o sol, o sol estava saindo ele estava lá no pé do serviço, quando o sol acaba de escurecer que ia embora ele já estava largado, era de sol à sol, o horário dele era aquele, certinho. E meio dia tem aquele negócio que eu falei, o sol está quente, você fica de pé a sombra fica debaixo do sapato, o relógio era ali, ali era meio dia, pisou na cabeça que quando você fica de pé meio dia, também se não tem sol também não tem relógio, funciona assim o horário da roça.
P/2 - Voltando para os dias atuais. São Paulo. O que mais te chamou atenção quando você chegou aqui?
R - O que mais me chamou atenção foi um dia lá na Praça do Correio que o ponto de ônibus ali, que ainda existe o ponto de ônibus na Praça do Correio, mas naquela época era o seguinte: os ônibus era muito pouco e era muita gente e a cavalaria ficava ali do lado controlando a fila. Veio um senhor lá, eu não sei se ele não sabia ou se ele deu uma de esperto, ele furou a fila e entrou no ônibus e o cara da cavalaria desceu do cavalo, foi lá, puxou ele pelo braço e trouxe, pôs ele na fila. Eu não sei se ele não entendeu o que estava acontecendo ou se ele tentou dar uma de esperto. Aquilo eu fiquei ligado naquilo lá que até poucos dias eu estava contando para os meninos isso daí, hoje o pessoal reclama do transporte, mas aí eu falei disso que era muito pior e mudou muito dali para cá porque hoje você vê é metrô, é ônibus, é tudo e não dá para o povo, é gente demais.
P/2 - Daquela época, não sei se quando você chegou aqui ainda tinha trem que vinha para cá, não tinha mais.
R - Não, esse bondinho do Jaçanã já não tinha mais aí tinha só a história na verdade do bondinho, não tinha mais não. Logo surgiu o metrô também de Santana que também tinha que ir para Santana e de Tucuruvi veio bem depois.
P/2 - O senhor lembra da construção do metrô? Como que as pessoas...
R - Eu lembro da primeira construção ali quando estava fazendo Santana, eu lembro daquela época lá que a gente fazia entrega na rua e a gente passava por ali e via as máquinas trabalhando ali.
P/2 - Tem alguma coisa na sua memória dessa construção?
R - Não.
P/2 - Alguma imagem, algum som.
R - Não, não tem porque eu não acompanhei muito, às vezes eu passava de passagem só para fazer uma entrega, não tinha muito tempo nem de estar olhando com cuidado ali.
P/2 - E com a chegada do metrô mudou alguma coisa aqui na região?
R - Olha, com certeza mudou e muito porque só hoje o pessoal que ia para Santana a maioria não vai mais, vai para Tucuruvi. E também tem ônibus direto para Santana, quem quer ir para Santana já pega o ônibus direto, outros que vai para outros locais já pega Tucuruvi, já vai direto, então, mudou muito. Até porque quando eu cheguei aqui tinha duas linhas de ônibus aí embaixo na avenida, hoje com esse ônibus que sai aqui tem 14 linhas e não dá para o povo, o metrô está indo para Tucuruvi e não dá para o povo, mas melhorou bastante apesar do povo quer mais, tem direito, mas se você olhar há 20 e poucos anos atrás, 92 quando eu cheguei aqui até agora que só tinha duas linhas de ônibus naquela época mudou muito, é que as pessoas sempre reclamam, não tem jeito.
P/2 - Quando o senhor mudou para este bairro? Para essa comunidade foi em 92?
R - É, em 92. Comprei um terreno em 89, dezembro de 89 e mudei em 92 para cá que eu morava na Vila Maria.
P/2 - Aí você mora lá nesse lugar até hoje? Ou não?
R - Eu moro aqui, duas ruas para baixo aqui.
P/2 - Você e sua mulher moram lá?
R - É, e a filha também mora junto. Eu morava na Vila Maria e eu comprei esse terreninho através de um parente que mora aí: “você paga aluguel, compra um terreninho e tal”, mas eu comprei um terreno num lugar onde não tinha nada, era uma chácara, foi loteada, não tinha luz, não tinha água, não tinha sabe o que é nada? Era um relógio que tinha lá num lugar lá que distribuía água para todo mundo e aí por necessidade de tudo isso foi que hoje eu faço esse trabalho que eu faço correr atrás de água, correr atrás de luz, correr atrás de asfalto, de esgoto, disso, daquilo. E quando eu estava construindo aqui eu morava na Vila Maria, eu vinha sexta-feira de tarde, dormia, trabalhava sábado e domingo. De tarde eu ia embora a pé daqui onde eu moro para Vila Maria, 11 quilômetros a pé porque eu tomava o dia todo sem tomar banho não ia pegar o ônibus que não tinha lugar para tomar banho. Aí o que acontece? A empresa me dava a condução em dinheiro, eu chegava aqui comprava saco de cal, pacote de prego, coisa parecida e gastava o dinheiro. Eu não podia dizer para a empresa que eu não fui trabalhar porque não tinha dinheiro porque não tinha passe, era dinheiro mesmo. Aí o que eu fazia? Batia o pé da Vila Maria ao aeroporto de Cumbica de a pé, três e meia da manhã eu estava na Dutra só Jesus para ir trabalhar. Quando os outros chegavam lá sete horas antes das sete eu já estava lá. Então, eu passei por isso, tenho as quatro paredes lá que nem vocês viram aí, mas essas quatro paredes ela tem um preço. Trabalhei 15 anos na empresa, pedi para ser mandado embora, fiquei desempregado para construir aí, construí, entrei para dentro e fiquei desempregado e andei essa trajetória todinha de a pé para poder hoje eu ter essas quatro paredes aí até o dia que Deus quiser.
P/2 - O senhor andava 11 quilômetros para ir e 11 para voltar? Durante...
R - De tarde no aeroporto de Cumbica como eu trabalhava na entrega o encarregado era muito bonzinho e quando ele tinha uma carga para cá de tarde ele falava: “olha, fica por aí que surgiu uma carga para lá e eu vou dizer que você foi para a rua fazer entrega, pode subir no caminhão e descer lá na sua casa”, então, eu vinha embora no caminhão que vinha para o lado de cá e descia em casa e ele ia fazer as entregas que ele me liberava para mim vir embora senão eu ia ter que voltar, já tinha ido a pé e ia ter que voltar. Olha, aqui da Vila Maria, ali não sei se vocês conhecem a Praça do IPAN, da cerejeira ali, eu morava ali na rua Osaka, eu batia o pé dali ao aeroporto de Cumbica, é longe. Não sei quantos quilômetros dá que eu não tive oportunidade de ter para medir a quilometragem, mas é longe.
P/2 - E alguma vez aconteceu alguma coisa que o senhor lembra ainda?
R - Aconteceu o seguinte: vinha um cara com um saco nas costas bem na saída da Fernão Dias com a Dutra. Olha só, três e meia, quase quatro horas da manhã lá vem o cara com o saco nas costas. O cara veio de frente comigo, quando ele chegou pertinho ele avançou para cima de mim, eu voei para o lado da rua, quase fui atropelado por um carro que estava passando. Não sei qual era a intenção, mas ele não insistiu, só deu aquele voo e foi embora. Aquele dia eu passei um apuro danado, viu, muito medo.
P/2 - E quanto tempo você ficou fazendo essa caminhada?
R - Essa trajetória? Aí uns três ou quatro meses.
P/2 - Depois parou de fazer como?
R - Aí eu mudei para cá, aí não precisou mais fazer essa trajetória.
P/1 - Quando você aqui, esse tempo que você ficou desempregado, foi muito difícil?
R - Eu fui uma pessoa que eu nunca me apertei muito. Quando eu fiquei na Vila Maria desemprego já que eu tinha perdido a conta e o dinheiro a gente gasta tudo. Quando você sai, você vai comprando material e vai gastando. Às vezes quando eu estava desempregado, na Vila Maria tem muita padaria. Ali... por ali, eu via um monte de lenha lá na porta da padaria eu já ia no cara lá: “e aí, o senhor vai querer pôr essa lenha para dentro não?” Quantas vezes eu ganhei dinheiro para carregar aquela lenha para dentro da padaria e eu me saía bem porque ele me pagava e ainda me dava um monte de coisa para mim trazer para casa. Aí depois eu arrumei emprego, graças a Deus, mas mesmo assim eu trabalhei na feira cinco anos, só sábado e domingo, trabalhava no serviço e como sábado era livre eu fazia feira no Bom Retiro, fazia feira na Vila Maria, fazia feira na Vila Matilde e o Vila Carral com o português dia de sábado e domingo.
P/1 - E como que era trabalhar na feira?
R - É bom, muito bom. É sofrido porque quando a chuva cai não é nada fácil, mas (inint) [00:41:24] na porta do mercadão que nós ia para a Cantareira cinco horas da manhã carregar o caminhão, com chuva ou sem chuva tem que carregar. E também na hora que estava arrumando a banca ou desarmando pode chover, fazer sol, você tem que fazer o seu serviço, mas é divertido. Naquela época a feira era boa porque os mercados tudo tem feira, então, a feira livre ficou fraca, não tem muita coisa mais.
P/2 - O senhor trabalhava de vender as coisas?
R - É, vender. O português ele tinha 12 metros de banca, trabalhava quatro pessoas com ele.
P/2 - Vendia o que?
R - Laranja, mamão, melancia, todo tipo de fruta.
P/2 - O senhor falava alguma coisa para chamar cliente?
R - Falava.
P/2 - Não quer falar para a gente?
R - Olha, na verdade a gente fica fazendo propaganda das frutas. Como é que é que o pessoal costuma falar? Eu até esqueci...
P/2 - Algum verso?
R - O roteiro da feira, viu?
P/2 - Moça bonita não paga.
R - É, tem um monte de coisa que o pessoal...
P/2 - Mas também não leva nada.
R - Comenta sobre a feira. É divertido, muito divertido. E ele era um feirante que ele era bem embasado na feira, conhecimento no mercado, ele pegava mercadoria não pagava, pagava quando voltava da feira, ele tinha confiança, o mercado confiava nele. Melancia ele arrematava uma pilha de melancia, levava tudo, tanto que o feirante que estava junto dele não gostava dele porque ele não tinha condições de fazer a mesma coisa, que nem, digamos, o pão de mel não pode competir com (inint) [00:43:02] e o feirante que disputava com ele, que estava do lado dele não gostava porque levava a pior porque 11 horas ele virava o preço e tudo para limpar mesmo, ele não gostava de levar nada de volta. Às vezes eu vejo ele no domingo quatro horas da tarde ainda está a feira lá e as pessoas ali mendigando aquele negócio, a banana já está com a casca preta e mesmo assim os caras ainda estão ali, faz um preço bom para vender para não encalhar, com ele não encalhava não, 11 e meia ele fazia a queima mesmo.
P/1 - Tem alguma história para contar? Alguma história que te marcou no trabalho da feira?
R - A história da feira é que português é bicho meio esperto, você sabe disso. Aquele tempo que apareceu a nota de cinco ele já com o pacotão de dinheiro no bolso desse tamanho, aí o caminhão dele ficava fora da feira, aí ele ia lá, separava as notas maiores, punha no outro bolso e ele costumava fazer o teste com os camaradas que trabalhava com ele, deixava o dinheiro lá no laxo do carro, aí ele deixava o avental em cima do banco, aí depois ele dizia: “ah, pega o avental para mim lá que eu esqueci” para ver se o cara pegava o dinheiro. E naquela época eu bebia umas cachaças, aí um dia ele falou para mim: “o seu defeito é só beber cachaça” porque ele deixou o dinheiro duas vezes lá, eu digo: “seu Manoel, o senhor andou deixando o avental lá e deixou cair dinheiro lá no chão”. Aí ele começou a perceber que eu estava de olho que ele estava fazendo o teste, aí ele falou para mim isso daí, eu lembro disso.
P/2 - O senhor era esperto, só...
R - É, ele falou assim: “o seu defeito é só beber cachaça” porque ele já tinha deixado o dinheiro duas vezes e eu não tinha pegado.
P/2 - Como que o senhor começou a beber cachaça?
R - Ali na roça, coisa de roça que não tem muita coisa para fazer, você vai naquelas festinhas de interior lá e lá o que roda mesmo a maioria do pessoal não tem outra brincadeira, beber cachaça a maioria. Teve um dia que veio umas parentes aí e eu bebia aqui até um tempão lá, tem mais de 20 anos já que eu deixei, muito mais de 20. Um dia veio umas parente do interior e elas queriam ir na casa de um parente que tem em Santo Amaro. Nós fomos lá, chegou lá na hora do almoço o cara falou assim: “você quer tomar uma?” eu digo: “se tiver eu tomo, se não tiver...” “não, vou buscar” aí ele insistiu e foi buscar, mas eu tomei só uma mesmo porque o prato já estava na mesa, depois ele diz: “olha, vamos para a beira da represa lá mostrar a represa para as mulheres que elas não conhecem” ele tinha uma perua, nós entramos dentro, fomos lá para a represa. Aí quando chegou lá eu falei então: “vocês podem ir para a represa que eu vou ficar olhando a perua” aí veio um cara com um coco com um canudinho e me ofereceu aquele coco lá, olha a ideia, eu fui muito idiota: “não quero não, acabei de almoçar agora”. O cara foi embora, daqui a pouco o cara volta de novo e insiste para mim tomar aquela água do coco, não é que eu caí na onda? Olha, o que tinha dentro do coco eu não sei, na verdade é que eu não sei que horas eu voltei para casa, não sei que horas eu cheguei, se o cara não veio trazer as mulheres em casa elas estavam lá até hoje. No outro dia eu pensei comigo, eu digo: “nunca mais” prometi para ninguém, para mim mesmo. Aí fica aquela história: um vinhozinho, nem guaraná, acabou, de garrafa esquece que eu não quero nada. Já vai quase 30 anos já. Muito chato. Fui levar a mulherada para conhecer lá e depois o cara veio trazer elas e eu não sei de nada, não vi nada, eu acho que o coco devia ter uma droga muito forte dentro porque o que aconteceu foi grave, viu? Não era bêbado não, porque eu só tomei uma sozinho, porque o prato já estava na mesa e não deu tempo de tomar mais.
P/1 - Você conhece esse homem que te deu o coco?
R - Não, o cara estava na beira, a represa do Guarapiranga é quase que nem uma praia.
P/1 - Sim.
R - Aquilo ali de domingo é fervendo de gente lá e aí eu caí nessa daí feito idiota.
P/2 - Quando você chegou aqui, você já falou um pouco, mas descreve mais esse lugar como era.
R - Aqui?
P/2 - É. Como chama esse lugar que você construiu sua casa?
R - Hoje esse lugar ele é reconhecido na prefeitura como área Guapira um, ou seja, um bairro, uma área com esse nome na prefeitura.
P/2 - Qual o nome?
R - Guapira um. Porque tem o Guapira dois que é aqui em cima e tem o um ali embaixo ali. Esse Guapira um ela pega essa rua, sobe os ônibus, pega a estrada (inint) [00:47:57], dá a volta com a outra rua que tem embaixo que chama Maria (inint) [00:48:01], ou seja, esse eixo aqui até o (inint) [00:48:04] é o Guapira um.
P/2 - Por que tem esse nome? Guapira.
R - Esse nome foi o nome da prefeitura porque quando o loteador loteou ele não era o verdadeiro dono, ele é um arrendatário da Santa Casa. E nós compramos, qual é a obrigação de quem compra o terreno? Ir na prefeitura, saber se é legal, se não é legal. Eu não tinha experiência nenhuma, eu não sabia o que a prefeitura sabia, sabia o que era a prefeitura, mas não sei qual é o papel da prefeitura, a gente não sabe, não tem experiência nenhuma, não é que nem hoje que a televisão está aí para todo mundo, mesmo assim o povo ainda cai no golpe. Comprei, passado determinado tempo: “ah, não é do cara, vai tirar todo mundo”. E Erundina era prefeita e ela entrou no meio da história e negociou a área por causa do (inint) [00:48:57]. Então, esse nome foi batizado por eles como Guapira um. Só que segundo informação que eu fiquei sabendo depois ela negociou no sentido de fazer que nem ela fez aqui esses predinhos aí, mas a ocupação foi tão rápida que não deu tempo, aí, então, ficou o pessoal mesmo, construíram e tal, mas foi por isso que eles denominaram como Guapira um, por essa razão aí.
P/2 - O que é Filhos da Terra?
R - Filhos da terra eu não sei bem a história dos Filhos da Terra, quando eu cheguei aqui já existia essa ocupação dos Filhos da Terra, mas foi logo na gestão da Erundina.
P/2 - É uma ocupação então?
R - É, uma ocupação, Filhos da Terra foi uma ocupação muito grande que ficaram chamando aí de Serra Pelada um bocado de tempo. Agora que ganhou aí esse nome de Filhos da Terra e está aí até hoje, agora eu acho que já é o nome original mesmo, mas muitas vezes chamavam de Serra Pelada no início.
P/2 - Quando o senhor chegou aqui já tinha?
R - Já existia esse pessoal aí já. E aí por necessidade a gente vai correndo atrás de água, atrás de luz, atrás de asfalto, atrás do esgoto, de acordo vai surgindo com o tempo a gente vai correndo atrás. A comunidade, ou seja, uma liderança nunca ele termina o serviço. Por quê? Quebra uma… é um vazamento de água, é um carro que bate no poste e quebra, é uma manutenção na rede de telefone, ou seja, não falta serviço, é só querer trabalhar, é o que eu faço.
P/2 - O senhor falou que quando o senhor era jovem lá na roça ainda o senhor fazia uma ação já como se fosse uma liderança. Conta de novo que a gente teve que parar àquela hora.
R - Foi o que eu digo... que nem fosse o mutirão hoje, que chamam de mutirão aqui. Eu tive essa ideia, quem teve o Mariano lá, que esse Mariano ele tinha uma roça nossa, a roça do Mariano é enorme, cheia de algodão, o algodão estava todo morrendo, precisava arrancar e ele queria plantar feijão. E com essas ideias que a gente reuniu um grupo de pessoas, cinco horas da manhã já tinha mais de 50 pessoas na roça, solta foguete, dá tiro de espingarda para acordar em casa, ele ver que na roça tem coisa estranha, ele não sabe de nada, ele aparece, ele mata porco, ele mata bode, ele dá almoço para todo mundo e fica que nem como se fosse uma festa e o serviço dele vai resolvido.
P/2 - Acordam ele assim?
R - Ele dormindo e acordou com os tiros lá de foguete lá para a roça, tudo escuro ainda que era para ele ficar atento que alguma coisa estava acontecendo na roça.
P/2 - E quando ele viu?
R - Quando ele viu, ele chegou lá e ele não teve surpresa nenhuma porque é o pessoal todo conhecido. Mas aí a moda pegou, daquilo ali começou a surgir outras pessoas, aquele que tinha condições de dar o almoço a gente ia de manhã, também escondido, ele não podia saber, é segredo. E o que não tinha a gente ia de tarde porque ele não precisava dar almoço porque todo mundo já tinha almoçado, aquela pessoa, às vezes, não tem condições.
P/2 - E fazia escondido? Não? Aí ele via.
R - É, ele não estava sabendo que nós ia baixar lá meio-dia, é tudo na surdina e a coisa que ele dava era uma bebida ali para tomar um café ou um lanchinho simples ali que ele não precisava tanta despesa. Agora quando o cara tinha condições de dar o almoço a gente tomava a porteira logo da roça era cinco horas da manhã.
P/2 - E você que deu a ideia de ser surpresa? Escondido?
R - Porque no início eu falei: poucas chuvas, quando molha todas as terras todo mundo, nossa, tem pressa porque acha que a chuva vai embora e que as terras vão secar, então, não acha trabalhador que está todo mundo envolvido na roça e a forma de ajudar mais rápido para ele fazer o que ele quer é desse jeito aí. Porque tira um dia só de todo mundo e todo mundo ajuda.
P/2 - Muito bom. Mas eu perguntei por que vocês faziam escondido como uma surpresa? Por quê?
R - Porque se ele souber não tem graça nenhuma, para pegar ele mesmo para ele sentir que a coisa é novidade. Porque a pessoa se ela fica sabendo não tem graça nenhuma, a graça é ele chegar na roça e ver a roça já cheia cinco horas da manhã.
P/1 - E dessa época, você tem alguma saudade?
R - Eu tenho sim das amizades que a gente arruma, ali é como se fosse uma festa, todo mundo envolvido com o maior interesse de ajudar mesmo, não vai lá para enrolar não, vai trabalhar mesmo, todo mundo com clima de festa, que nem fosse um evento grande.
P/2 - E aqui? O senhor fez alguma vez isso aqui?
R - Não, aqui não, até porque o sistema é diferente. Muito diferente. A única coisa que eu fiz diferente aqui porque nós tínhamos umas ruas numa situação muito séria que está o vídeo aí para ver e fui na prefeitura várias vezes, como as ruas não era oficial tinha dificuldade de conseguir arrumar as coisas: “porque não pode” “porque isso” “porque aquilo” e aí surgiu a ideia de procurar uma empresa particular. Fizemos um folheto com as propostas de preço à vista, preço financiado em duas, em três, quatro vezes, distribuído nas casas. Para chegar o valor da obra eu contei as casas que tinha na rua, só as que dá frente para a rua, viela não entrou. Então, vamos supor, tem 100 casas, divide o valor: “essa rua fica quanto?” “Fica tanto” divide o valor por 100: “ó, dá tanto o pagamento”. Aí a gente levava o folheto com as propostas, o X ia no lugar do sim ou não, quando ele vinha para a reunião ele já vinha com o plano dele prontinho. Então, é muito simples de resolver e aí contratamos a empresa e ela fez quatro ruas, foi 254 mil reais de obra que a gente gastou e essa rua é a primeira rua à direita aí que é a rua Bailão ela tem 750 metros ela custou 91 mil reais para os moradores, 144 pessoas. Então, a rua que eu moro é uma rua pequena, 250 metros e ela custou para as pessoas 37 mil e 500 reais. Então, aí totalizando o total das quatro deu 254 mil. Boleto bancário, não teve nada de sair arrecadando dinheiro, cada um pagou direto no banco para a empresa.
P/2 - E o senhor que teve essa ideia?
R - É, o que eu fiz, que eu não faço mais, jamais, a empresa exigiu um representante legal ir assinar um termo de responsabilidade, eu assinei, hoje eu não tenho coragem de fazer isso mais.
P/2 - Na época todo mundo pagou ou o senhor teve que...
R - O pior é que daí a pouco começaram a não pagar e o dono da empresa veio para cima de mim para me fazer a cobrança, sorte que tinha uma moça que trabalhava no escritório deu a ideia de contratar dois estagiários que estavam se formando em advogado para fazer a cobrança porque ela achou que se eu fosse cobrar não ia dar certo. E aí eu me saí bem nessa daí porque quando o assunto é advogado as pessoas leva a coisa mais à sério, senão eu ia arrumar um monte de encrenca e não ia resolver o problema, mas graças a Deus. Isso eu não faço mais, é uma coisa que eu fiz até sem pensar muito pela necessidade que havia de fazer o pavimento.
P/2 - Senhor Leocárdio, o senhor chegou tinha a ocupação e como era as outras áreas?
R - As outras áreas, essa rua que sobe os ônibus aqui ela era asfaltada só dali da (inint) [00:57:17] até aqui, daqui para cá foi feita através dessa empresa que foi contratada e mais três ruas abaixo dessa daqui.
P/2 - Tinha mata?
R - Como assim?
P/2 - Tinha vegetação, mato em algum lugar?
R - Não, não tinha não, já existia as ruas, porém, a rua essa que custou 91 mil ela é um pouco estreita, ela tem cinco metros, só que o cara da empresa ele foi esperto, quando ele foi pavimentar, para não fazer remoção de nenhuma casa, ele mediu a largura da rua pelo lugar mais estreito que ele encontrou e aí ele tirou a rua com cinco metros sem precisar tirar ninguém. Porque se ele pegasse um lugar mais largo ia ter que tirar ela toda retinha ia ter que tirar alguém, então, ele teve essa inteligência de procurar o lugar mais estreito que deu cinco metros sem precisar fazer nenhuma remoção.
P/2 - Aí foi tudo com cinco metros?
R - Tudo com cinco metros. Hoje ela faz falta porque a gente vê a dificuldade que as pessoas têm de passar dois carros, mas para evitar que fosse feita a remoção de pessoas.
P/2 - E só mais uma coisa que eu queria perguntar. O senhor disse que o terreno que o senhor comprou teve dificuldade, explica melhor.
R - É pelo fato de ser uma chácara, uma chácara só tinha bananeira, capim, pé de abacate, de manga, essas coisas, não tinha rua, foi feito um caminhozinho para passar uma charrete e loteou dessa forma.
P/2 - E aí comprou o terreno, mas ele era irregular?
R - Era irregular, loteamento irregular. Mas aí...
P/2 - Quem vendeu não podia? Por que ele era irregular?
R - Pagava uma taxa desse tamanho para a Santa Casa para ele plantar, não para lotear. Talvez por muitos anos com orientação de advogado, põe na cabeça do cara um monte de coisa lá e ele acaba entrando no jogo e o povo compra por falta de informação, de conhecimento das coisas. Hoje está tudo bom, mas corremos risco. É tanto que eu mesmo paguei para eles algumas prestações, depois que eu vi que eu tinha entrado numa furada eu depositei em juiz, (inint) [00:59:35] fez depósito judicial. E aí é tanto que depois que a gente já recebeu os títulos de posse, que nós já recebemos o título de posse pela prefeitura no governo do Cassab, aí ele falou que quem tivesse dado o depósito judicial podia entrar na justiça para receber de volta. Aí a gente recebeu o dinheiro de volta, aí tirou a preocupação, mas no início foi uma preocupação muito grande porque hoje para mim comprar um terreno eu quero saber se tem projeto de obra que vai passar por ali, se é o primeiro dono, se é o segundo dono, tem conta de luz atrasada, tem água atrasada, mas aí hoje eu tenho essa experiência, mas naquela época eu não tinha. Perguntasse o que a prefeitura faz, se ela limpa bueiro, se ela tampa buraco, se ela faz asfalto de rua, eu não sabia.
P/2 - E o senhor que construiu a sua casa?
R - Foi, eu e um pedreiro, o ajudante foi eu mesmo.
P/2 - O senhor era o ajudante?
R - É.
P/2 - E quem teve a ideia, a planta da casa: “vai ser aqui...”
R - A ideia eu mesmo fiz o desenho, quando eu comprei o terreno eu ficava à noite na mesa riscando no papel, fazia de um jeito não dava, fazia de outro, tinha dia que a mulher perguntava: “você está bom da cabeça? Você tem certeza que você está bem?” Porque eu ficava desenhando. Foi eu mesmo que fiz o desenho, mas deu certo, ficou bacana, ficou bom.
P/2 - Você consegue contar para a gente como que era a sua casa, você chegando no portão, tipo...
R - Olha, você sabe a José Pina, aquela italiana que teve aqui?
P/2 - Sei.
R - Ela teve em casa, ela desenhou tudo, ela fotografou, eles fizeram uma matéria, fizeram uma história, um livro, eu tenho esse livro, eu não tenho ele aqui, mas eu tenho esse desenho do que ela fez, ela desenhou tudo. Eu posso trazer aí uma hora para você ver.
P/2 - Quanto tempo levou para o senhor fazer a casa?
R - Olha, para mim entrar para dentro mesmo acho que demorou aí um ano e pouco.
P/2 - E quando ficou pronta? A última parte.
R - Pronta, pronta ainda não está. O meu terreno ele sai para duas ruas, por falta de dinheiro eu dividi ele no meio, a primeira parte eu vendi, peguei o dinheiro e aí eu fiz a parte debaixo, que eu tenho hoje 16 metros de construção que antes era 32 metros o terreno total e aí hoje eu tenho metade só. Aí embaixo eu tenho uma garagem de oito metros, tem dois cômodos que faz fundo com a garagem que sai para o corredor de lado que mora minha cunhada lá e eu moro em cima.
P/2 - E a vizinhança como era aqui? Quando o senhor mudou para cá.
R - Olha, quando eu mudei para cá, logo no início da construção tinha duas pessoas de frente que inclusive era onde eu pegava água para beber. E tinha uma mina ali perto que a construção a gente pegou tudo água da mina.
P/2 - Quem pegou?
R - Pegava água da mina para a construção. Essa construção hoje ela está canalizada e jogada dentro de uma galeria que está lá.
P/2 - Faz o que? Galeria? Não entendi.
R - Foi canalizada a mina, ela tem uma galeria e ela cai dentro da galeria e vai embora.
P/1 - Aqui tem bastante mina d’água.
R - A maioria das pessoas construiu com água dessa mina e tem outras por aí também que foram aterradas.
P/2 - O que o senhor achou quando fizeram isso com a mina?
R - Olha, não tinha muita alternativa porque existia um córrego e essa água da mina corria para o córrego. Então, o que eles tinham que fazer? Hoje essa mina corre uma tubulação por dentro do corredor da casa que foi construída no lugar da mina, só que a mina está no lugar do corredor, não dentro da parte da casa, então, ela desce e cai dentro da galeria que tinha um córrego, canalizou e foi embora. Era obrigatório, querendo ou não, de fazer isso porque senão ela podia dar um problema na residência que está morando hoje.
P/2 - A vizinhança era amiga ou não? Ninguém se conversava.
R - A gente não tinha muitas ideias a trocar, às vezes eu ia lá pedir um pouco de água e tal, sempre tem aquela quando chega em algum lugar que a gente não conhece ninguém sempre tem aquela desconfiança não sei porquê das pessoas ficam assim meio distante aos poucos, mas graças a Deus o que eu tenho de bom é os vizinhos lá, eu tenho bons vizinhos, graças a Deus.
P/2 - Aqui no bairro a gente já percebeu que tem bastante gente que veio do Nordeste, e você conhece alguém daqui que é lá perto da sua região da onde você morava? Lá de Formosa ou...
R - É, tem pessoas que quando eu cheguei lá encontrei, mas aí as pessoas esse cuidado, digamos assim, há poucos dias eu tive lá um esquenta pé com um camarada justamente por ele dizer: “não, eu cheguei aqui primeiro” aí eu falei para ele: “mas o que você fez para melhorar o seu lugar?” eu digo: “não se trata de quem chegou primeiro, se trata de quem está fazendo alguma coisa”. Aí o clima esquentou um pouco, os vizinhos entraram lá e tal, depois ele pediu desculpa. Então, nem todas as pessoas têm o cuidado de fazer o que eu faço: registrar. Ele pode até ter 50, 60 anos, mas ele não tem nada de concreto que possa apresentar: “olha, era assim, era assim, era assim”. Se você ver esse vídeo que está aí e você vê que as ruas eram desse jeito e que hoje elas estão asfaltadas e eu contar a história sem ver o vídeo poucas pessoas acreditam, poucas pessoas acreditam.
P/2 - Esse vídeo que o senhor falou é da história que contou que vocês...
R - É da situação da área como um todo. Foi filmada a área inteira, rua por rua. E descemos porque como as ruas estão aqui em cima e a (inint) [01:06:10] que está na parte debaixo e outras ruas já eram asfaltadas, o que foi minha ideia? Filmar, pegar uma televisão, levar até a subprefeitura, passar esse vídeo lá porque a gente chamava eles para virem aqui: “não, que o pessoal já foram lá, não sei o que lá”. Aí tinha um administrador que o nome dele eu esqueci agora no momento, que era do Parque Edu Chaves, um dia eu digo: “olha, sabe de uma coisa? Eles não vêm? Vamos fazer assim: vamos pegar a televisão e vamos levar lá” deixamos a televisão dentro do carro, subimos, marcamos uma reunião, chegou lá, eu falei: “seu Zildo” parece que o nome dele é Zildo, uma coisa assim: “seu Zildo é o seguinte: o senhor autoriza a gente passar um vídeo que a gente fez?” Aí ele olhou para mim, eu acho que ele pensou: “ah, como que vai passar? Ele não tinha televisão”. Eu digo: “se o senhor autorizar eu tenho uma televisão aí no carro” “pode trazer”. Aí levamos, passamos o vídeo lá para ele ver, foi aí que surgiu a ideia de ele ir conosco depois na secretaria de vias públicas, ele foi duas vezes tentar ver se fazia o trabalho nas ruas, mas aí como as ruas não eram oficiais, secretaria de vias públicas não aceitou, ele até tentou, mas não deu, foi aí a ideia de fazer particular. Fui lá pedir autorização para fazer o serviço porque precisava ter autorização da prefeitura, era um tal de Omar que estava no poder nesse dia, ele não deu autorização por escrito, só fez assim: “ah, vai lá, vai lá”. Eu sei que também não apareceu ninguém para perturbar, fizemos até o último serviço, não veio ninguém para barrar, para fazer isso, fazer aquilo, graças a Deus. Mas é difícil, é muito difícil, precisa ter muita iniciativa, tem que estar ali, tem que acreditar, fazer coisas que as pessoas confiem que você está no caminho certo porque se você começa a fazer tudo errado as pessoas não confiam e acaba não dando certo.
P/2 - O senhor faz parte de alguma associação?
R - Não, só trabalho comunitário mesmo, mas eu até tenho orgulho eu posso dizer do que eu faço e o quanto as pessoas acredita no meu trabalho. Eu agradeço a Deus primeiramente ele me ter me dado essa força de eu acompanhar tudo isso até agora, mas também agradeço a Deus e os órgãos públicos porque sem eles a gente não consegue fazer nada, Secretaria da Habitação fez a sua parte, a subprefeitura com sua dificuldade, mas estava presente sempre nos momentos mais difíceis, Sabesp aí que é uma companheira muito bacana e só tenho a agradecer a Deus, foi um aprendizado na verdade.
P/1 - Você é conhecido como rei dos protocolos. Foi nessa época que você começou a pegar esses protocolos?
R - É, eu sempre tenho o cuidado, que nem eu falei: protocolar tudo. E aí eu fui guardando, fui guardando. É tanto que no dia que eu fiz essa matéria que ela falou que já viu e que está aí eu apresentei para a moça que veio fazer a matéria os protocolos para ela, aí ela viu que está lá que as últimas duas mil solicitações feitas na prefeitura.
P/1 - Mas com esses dois protocolos no currículo, você acha que ainda precisa melhorar aqui na comunidade?
R - É, agora mesmo eu fiz protocolo de oito ruas que é para limpar os bueiros que a chuva está chegando, os bueiros precisam estar limpos, foram os últimos que eu fiz agora, oito, quer dizer, os moradores mesmo que mora na rua não estão preocupados que o bueiro está entupido ou não, mas eu passo por ali e eu vejo que está entupido e precisa limpar que a chuva está chegando. E aí eu vou guardando. Nos últimos 10 anos, que é conforme está a matéria, de 2006 a 2016, que é os últimos 10, eu fiz mais de duas mil, isso porque só está a prefeitura, se for incluir Sabesp, CET, entre outros, aí eu não sei quantos pode acontecer.
P/2 - E deu resultado? Dá resultado?
R - Todos esses protocolos eles foram selecionados, foram resolvidos, não tem nada pendente porque eu cobro. Demora um mês? Eu vou lá: “o que aconteceu?” Não resolveu? Vou de novo. Fizeram metade? Eu faço outro cobrando: “finalizar o serviço” eu acompanho, não é só dizer: “não, eu fiz e dei as costas” eu quero resultado. É por isso que algumas pessoas se incomoda às vezes porque eu fico ali batendo porque se não for assim não funciona.
P/2 - A gente falou pouco da sua filha, sua filha está hoje com mais ou menos quantos anos?
R - Ela tem 40.
P/2 - Tem 40 anos?
R - É.
P/2 - Ela praticamente cresceu aqui então...
R - É, nasceu na Vila Maria, mas ela acabou se formar na verdade aqui.
P/2 - Aqui. E aí você tem alguma lembrança dela por aqui? Ela estudou por aqui?
R - Ela se formou graças a Deus na Fundação Cásper Líbero, ela fez Relações Públicas. Apesar de ela estar em uma área que ela faz massagem, inclusive ela já fez voluntariado aqui no mutirão de massagem. Já tem mais de 10 anos que ela está na área e apesar de ela ter se formado em Relações Públicas, mas o que ela aprendeu tem tudo a ver com atendimento público. E o que me marcou na época que ela estava estudando é que ela estudava na Fundação Cásper Líbero onde é uma fundação que tem muitas pessoas de classe média alta lá, inclusive a maioria dos jornalistas são formados lá e graças a Deus ela teve oportunidade de se formar lá. E o que fez eu fazer a correria para que essas ruas fossem asfaltadas é que ela gosta muito de tênis branco e quando ela chegava que eu ia lá no banheiro que eu via o tênis dela todo amarelo do barro e eu às vezes imaginava que ela podia até ter vergonha dos colegas lá onde ela estava na escola que o pessoal costuma chamar pé de barro o pessoal que mora na periferia, esses negócios tudo. Nunca falei isso para ela, mas eu me preocupava com isso e aí eu corri atrás para que aquela situação fosse resolvida e fica bom para ela e bom para todos. Foi assim que eu tive a ideia de correr atrás das ruas para serem asfaltadas. Outra coisa que me marcou muito também foi uma eleição, ali eu gostaria eu ter registrado aquela cena: o povo descendo a maioria, chovendo, com o saco plástico no pé para ir tirar lá na avenida porque só lá era asfaltado e vinha dos bairros aqui de cima e o povo com o saco plástico para poder não sujar o sapato. Ali merecia ter registrado, mas aí nós tínhamos aquelas ideias que tem hoje de fazer isso.
P/2 - Então, o senhor está contando aqui e deixou registrado.
R - É então, mas merecia, viu? Merecia ter hoje aquele registro lá.
P/2 - E em relação à segurança, conflitos, era muito em paz aqui quando o senhor chegou?
R - Na verdade toda vez existia esse tipo de coisa, (inint) [01:14:35] dos militares ainda, que hoje o jovem não pode trabalhar porque isso, porque aquilo, tem um monte de coisa aí que atrapalha que eu nunca vi, serviço não mata ninguém não, trabalho pelo contrário ensina as pessoas à terem responsabilidade. A maioria dos jovens daquela época dos militares eu cansei de ir fazer entrega em empresa e eu via office boy carregando papel de um escritório para o outro, às vezes dentro da empresa, trabalhando de empacotador nos mercados, um monte de pessoas jovens fazendo isso. E aí veio aí o estatuto não sei das quantas que criança tem que estudar e a maioria das vezes elas não estudam, não trabalha, fica do lado de fora da escola. Porque naquela época eu lembro que eu morava no Jardim Brasil ali na avenida Jardim Japão e eu morava sozinho, e tinha um barzinho que ficava aberto até mais tarde e eu fiquei lá até umas horas da noite. E eu ia andando, naquela época a viatura era um fusquinha. Parou um fusquinha daquele no meu pé, eu fui ignorante na verdade, eu merecia até levar umas bolachadas. Porque naquela época eles queriam saber se você estava trabalhando registrado e eu estava com a carteira registrada no bolso, aí eu falei para o polícia assim, ele falou: “dá o documento” desceu um, pediu documento, aí eu falei: “olha, o documento está aqui, eu trabalho, não sou vagabundo não” eu tinha bebido a cachaça, a cachaça dá coragem para tudo. Aí ele falou assim: “é, mas quem não é vagabundo não fica na rua uma hora dessa. Ó, vou dar uma volta, se eu lhe encontrar você vai viu?” e eu para casa, fui embora. Então, eu lembro dessa cena, então, naquela época as coisas eram levadas mais à sério, as pessoas trabalhavam, tinham aquela preocupação de ter um documento registrado para comprovar que realmente está trabalhando. Não é que nem hoje não, hoje as coisas hoje a gente vê algumas cenas por aí e a gente fica muito triste com o que a gente vê nas ruas.
P/2 - Aqui mesmo, não?
R - Olha, qualquer rua que a gente entra sempre a gente está encontrando coisas desagradáveis, essa é a grande verdade. E a gente vê pelas reportagens aí todo dia nas ruas. Rio de Janeiro, por exemplo, é triste...
P/2 - É que eu perguntei para saber aqui mesmo, sabe seu Leocárdio? Como que era e como é hoje, mas pelo que o senhor está falando não teve…
R - Graças a Deus ainda apesar de todas as falhas que existe a Zona Norte ainda é um dos lugares mais tranquilos porque comparado com a Zona Leste e Zona Sul aqui é mais sossegado. E eu ainda acho por um motivo: aqui nas Palmas até o Tremembé todinho existe uma porcentagem de coronelzada aí muito grande e eu acho que é por isso que essa região, apesar de todas as falhas, talvez ainda seja mais tranquilo por essa razão.
P/2 - O senhor conhece alguém deles?
R - Não, pessoalmente não, mas eu sei que mora muita gente desse pessoal aí para... Tremembé, aí para o Horto Florestal, por aí está cheio desse pessoal e eu acho que isso deixa a região mais tranquila. É tanto que até seguro de carro da Zona Leste e Zona Sul é mais caro, tudo por causa do roubo de carro para aqueles lados de lá. De acordo com o que a gente vê a segurança, tudo aí mostrando a imprensa, a região da Zona Sul e Zona Leste é mais violenta do que Zona Norte, graças a Deus.
P/1 - O que você ainda deseja fazer para a comunidade?
R - Olha, eu pretendo continuar, até que eu puder andar com as próprias pernas eu pretendo continuar fazendo esse serviço. Por quê? Você tem que estar com a cabeça ocupada para alguma coisa, quando você ocupa a mente você ganha e o povo ganha porque você está atraindo sempre coisas novas para as coisas, é uma coisa que eu faço que eu gosto, eu sempre gostei de estar junto com as pessoas, conversando, trocando ideia, é um aprendizado, cada vez que você conversa com uma pessoa que nem a gente está conversando hoje é mais uma coisa que você aprende na vida. Reunião você não vai na reunião só por ir à reunião, você tem que ouvir, falar se você tiver alguma coisa e cada vez que você vai tem gente que diz assim: “ah, eu vou lá para ouvir a mesma coisa? Vou não”. Não é a mesma coisa, sempre tem alguma coisa diferente, é só a pessoa se interessar que vai ter coisa diferente. O meu trabalho é um trabalho que ele não tem fronteira, se eu passar na Vila Maria e eu ver um vazamento lá que eu sei que a perda de água pode fazer falta para nós amanhã eu anoto o número da casa, a rua, o CEP da rua, coisa parecida. Eu passei ali na (inint) [01:20:10] Tucuruvi a Comgás tinha feito um conserto ali e eu peguei o jornal, que dentro do jornal tem um jornal que tem o telefone de todas as 31 subprefeituras e eu guardei. Como eu sei que ali é a prefeitura de Tucuruvi que atua naquele pedaço fizeram o conserto, puseram uma chapa de aço grande, mas não cobriu todo o buraco, deixou um buraco que dá para o pé entrar e é na faixa de pedestre ali. Aí eu perguntei para o cara do bar: “o que foi isso aqui?” “ah, foi a Comgás que fez esse serviço aí, foi embora e largou aí”. Liguei na prefeitura de Tucuruvi, expliquei o que estava acontecendo, além do barulho dos carros que passam por cima da chapa o risco de acidente, dois dias depois eu passei lá já tinham arrumado. Que nem ela viu a foto, aqui no Açaí ali na Praça do Jaçanã, o caminhão manobrando para encostar ali no atacadista bateu a traseira, quebrou o poste, um buraco que deu para mim pôr a mão para dentro. Lá na frente tem outro, colocaram um tambor, encheram de concreto, também deve estar quebrado porque ele está com aquele anel de coisa, deve estar quebrado. Ou seja, na mesma rua dois postes na sequência. Na Domingues Carneiro, ali perto da Casas Bahia, dois postes lá também estavam para cair, eu consegui trocar os dois lá. A rua que vai para o Horto, o poste todo rachado, dois transformadores lá em cima e ele todo aberto, ou seja, consegui tirar. Está aí a foto aí, ali embaixo, naquelas barracas de bananas perto do CEU, o caminhão passou e levou metade do concreto do poste, eu já corri e já troquei lá. Quer dizer, eu não fico focado, ou seja, centrado numa determinada área, meu trabalho funciona por onde eu estiver passando. Eu posso ajudar? O que eu posso fazer? Vou fazer isso, isso e aquilo, então, o meu trabalho é nesse sentido.
P/2 - O senhor vai pessoalmente...
R - É.
P/2 - Na subprefeitura.
R - Eu faço o relatório...
P/2 - E vai pessoalmente.
R - Relato o que eu vi, vou até a Eletropaulo, levo duas vias, deixo uma via, o homem vai carimbar a minha outra que eu fiz, já levo as fotos, anexo o relatório que eu faço e assim funciona. Porque se eu chego lá: “ah, tal rua tem o poste quebrado” se você leva foto já junto resta ele tomar decisão de já fazer o trabalho que tem que ser feito porque a prova já está lá e a imagem é a única coisa que não mente.
P/2 - Você falou que você tinha poucos momentos de diversão, hoje em dia que você está mais sossegado um pouquinho, tem alguma coisa que você para se divertir?
R - Não, eu não sou muito de sair de casa, nem gosto muito de sair de casa. Eu dou uma voltinha, venho até aqui e já volto para casa, sou mais assim. Aí a minha filha me deu um gaveteiro desse tamanho assim e lá tem as gavetas onde eu guardo as minhas papeladas, controlo tudo ali, quando eu estou sozinho o que eu faço? Ponho ordem tudinho ali na sequência, do jeito que eu quero e estou sempre dando uma viradinha lá para ver como é que está. E gosto de assistir jornal, notícia, coisa parecida. Não sou muito de televisão, de ficar o tempo inteiro lá assistindo televisão, mas sempre o jornal de manhã, o SPTV, o Jornal Nacional, coisa parecida, eu sempre assisto. Mas eu não gosto de passear, sair, quando eu vejo essa maluquice aí feriadão não sei quantos milhões de carro descendo para Santos, eu digo: “gente, tem tanto lugar importante para as pessoas passearem sem ser ir tomar um banho na praia” que eu não sei quantas horas para ir, não sei quantas para voltar, eu não teria coragem de fazer isso não.
P/2 - O senhor já foi para Santos alguma vez?
R - Eu fui uma vez à serviço, mas...
P/2 - Nem chegou a ir para a praia?
R - Não.
P/2 - Dar um mergulho?
R - Nunca fui lá não. Se eu falar para você que eu não ando de metrô, eu não ando de metrô, tenho uma preocupação danada com o metrô naquele trecho que ele passa debaixo do chão porque eu sempre tenho desconfiança dessa mão de obra que é feita aí pelo que a gente vê. E um dia um colega meu que é de Guarulhos ele falou que faltou energia lá por alguns segundos no trecho que estava debaixo do chão ele falou que o povo quase se matou, eu tenho muita preocupação com isso porque já imaginou as falhas que tem dado aí se o metrô está lá debaixo do chão e demorar uma meia hora? O povo se mata ali dentro, tomara Deus que não aconteça, mas eu tenho essa preocupação.
P/2 - Você nunca andou de metrô?
R - De jeito nenhum e nem vou, eu tenho um pavor terrível.
P/2 - E de trem?
R - De trem eu já fui até Jundiaí, já faz tempo, muito tempo.
P/2 - Mas o trem anda na superfície.
R - Avião, avião só se ele cair em cima de mim andando na rua porque eu tenho a preocupação o seguinte: o cara é de carne e osso, pode dar uma queda de pressão, ele pode, sei lá, o que pode acontecer com o cara - todo mundo não pode pensar que nem eu senão ninguém vai para lugar nenhum -, mas eu tenho essa preocupação.
P/2 - Mas de ônibus você anda por São Paulo inteiro?
R - De ônibus eu quero ver o mundo andando por aí, parando aqui, descendo ali, tudo bem.
P/2 - Aqui na região Norte, que lugares o senhor acha bonito, que agrada ou é interessante?
R - Olha a Praça do Jaçanã tem uns terminais de ônibus ali na praça, eu acho ali até bem elegante ali. Agora o que me chamou atenção mesmo é aquela lá no Ibirapuera onde tem aquela estátua e a praça Princesa de Isabel, aquele cavalo lá eu acho interessante.
P/2 - Se o senhor pudesse pôr um monumento aqui, o que o senhor colocaria uma estátua aqui. O senhor escolheria alguma coisa?
R - Eu nem sei, viu.
P/2 - Ou um enfeite qualquer, se o senhor pudesse além de consertar, ajudar a consertar, pudesse enfeitar.
R - Olha, inclusive o que eu vejo muito, esse negócio que nem a Silmara faz um trabalho tão bacana aí dos pontos viciados de lixo que cria nas esquinas porque é tudo ocupação sem planejamento, ele não imagina que uma rua tem que ter largura para o caminhão do lixo entrar para fazer a coleta do lixo, que vem material que o caminhão não entra, tudo isso o povo não pensa, só pensa em fazer as ocupações, fazer as casinhas e ele não lembra disso. Mas o que precisava melhorar na nossa região na verdade é nosso sistema viário, o nosso sistema viário está ultrapassado. Veja bem: nós dependemos da Maria Amália e (inint) [01:27:10] Fagundes, todos esses bairros aí atrás, Jardim Felicidade, Vila Airosa e outros bairros que tem aqui nesses fundos depende ou da Maria Amália ou da (inint) [01:27:22]. Quando chove o pessoal chega em casa uma hora da manhã porque não consegue atravessar nesses córregos aqui. Já está ruim, você vê, você pega o ônibus para ir para Tucuruvi, você sobe a Embira, aí a Embira deixa estreitinha, chega na Madeireira o ônibus faz isso, faz isso para poder ir para lá. Agora disse que vai fazer um shopping ali onde era o Carrefour, você imagina quando aquele shopping estiver feito ali o que acontecer? Então, o nosso sistema viário precisava melhorar porque se for realmente a construção de um shopping ali vai virar um caos ali que ali é um funil, além de o Tucuruvi aí que já tem um problemão aí na (inint) [01:28:12] por ali, pára tudo. Então, o que precisava melhorar mesmo na nossa região nosso sistema viário.
P/2 - Porque aí o caminhão de lixo entra também?
R - Foi ontem que eu vi um caminhãozinho pequeno, que a empresa tem um caminhãozinho pequeno, ele entra na rua onde o grande não entra e passa o lixo de um caminhão para o outro, estava passando ali no meio da rua num espaçozinho que tem lá porque o caminhão grande não entra. Então, é por isso que tem esses pontos viciados que o pessoal chama de lixo por ser essas ocupações sem planejamento.
P/2 - O que é ponto viciado de lixo?
R - Tem uma esquina que todas as vielinhas apertadinhas não entra caminhão e todo mundo vem ali onde sabe que ele vai passar ali e acaba gerando um ponto viciado que nem o próprio pessoal da prefeitura chama de todo mundo colocar o lixo ali. Por que acontece isso? Porque não dá condições de o caminhão coletar lixo na porta de cada um.
P/2 - O senhor falou que estudou só o primário e não terminou, o senhor falou: “eu sabia ler um pouco, escrever um pouco” o que o senhor aprendeu todo esse trabalho que o senhor faz?
R - Inclusive, colocou na matéria que esses estudos me faz falta, eu não sei mexer, por exemplo, na internet, eu não tenho celular porque eu não sei fazer o que o celular exige. É tanto que além de uma conta que tem que pagar a mais que eu tenho telefone fixo em casa eu não sei fazer o trabalho que o celular, hoje todo mundo faz tudo no celular, eu não sei fazer isso, por quê? Pouco conhecimento da situação.
P/2 - Mas o senhor consegue fazer tudo isso que o senhor falou?
R - Eu faço na prática e com algum aprendizado do dia a dia, quer dizer, o dia a dia me ensinou a fazer isso, mas eu sei ler, escrever, de repente eu posso ler uma coisa e não entender bem o que está porque não é só ler, tem que entender. De repente tem algumas coisas que deixa a desejar que eu não estou entendendo, até agradeço a Deus por isso, por eu ter uma filha que se formou, que tem um conhecimento que quando, vamos supor, eu faço um relatório do meu jeito, aí ela passa a limpo, mas as ideias são minhas, ela coloca lá algumas coisas que ela acha que não está certo. Então, é em cima disso, o interesse de eu ter feito tudo que eu pude para ela se formar foi por eu não ter o conhecimento que eu precisava que hoje eu agradeço à Deus por tudo e por ela ter aprendido que se formou também com um esforço muito grande porque ela já passou pelo que eu passei também, eu arrumei serviço para ela no aeroporto lá no escritório da empresa que eu trabalhava e muitas vezes a Dutra enchia de carro, batida de tudo jeito e ela pegava o ônibus, veja bem a trajetória dela: ela saía daqui, pegava o ônibus para o Jaçanã, pegava um para o centro de Guarulhos e um do centro de Guarulhos para o aeroporto porque não tinha o ônibus direto, três ônibus já. De tarde para ela ir estudar ela pegava o ônibus para a (inint) [01:31:55], pegava o ônibus para a estação São Joaquim e ia estudar na Cásper Líbero. De noite eu ia esperar ela ali no sacolão ali embaixo que ela chegava meia noite, uma hora da manhã e eu lá esperando ela chegar para poder ela não subir sozinha. E aí nessa trajetória toda ficou quatro anos nessa luta aí, fazendo isso. Quando ela vinha lá no Armazém ela já dizia: “olha, já estou chegando, estou aqui no ônibus, estou em tal lugar” aí eu estava esperando ela ali. Aí tinha dia que ela pegava os Filhos da Terra, eu ia esperar ela lá embaixo, demorava, demorava ela não chegava, aí: “acho que ela foi pelos Filhos da Terra” aí eu via em casa, chegava em casa ela não estava, eu voltava de novo, daqui a pouco ela aparecia uma hora da manhã, quantas vezes ela não chegou uma hora da manhã? Ela trabalhava no Etapa e estudava na Cásper Líbero. Ela fez curso no Etapa também lá e lá ela conseguiu o serviço lá que ficou lá um bocado de tempo. Aí o que ela fazia? Quando ela Dutra parava ela batia o pé do centro de Guarulhos no aeroporto de Cumbica a pé para não chegar atrasada porque o trânsito parava tudo, não tinha ônibus para lá. E aí ela pegava seis conduções por dia para chegar em casa de noite. Ela se formou na garra.
P/2 - Mas só para concluir essa parte. Mas eu perguntei: o que o senhor acha que o senhor aprendeu fazendo esse trabalho que o senhor faz como liderança de tantos formulários. Fazendo esse belo trabalho.
R - É aquilo que eu acabei até falando: vai surgindo os problemas, a gente vai aprendendo. Eu sempre fui muito frequente das reuniões de prefeitura, de Sabesp, de Secretaria da Habitação. Quando eles vinham fazer trabalho na área os arquitetos e tudo eu acompanhava o passo a passo, então, isso foi um aprendizado para mim saber onde eu tenho que ir, onde eu tenho que cobrar, porquê isso, porquê aquilo. Foi a necessidade e uma frequência nas reuniões para que eu pudesse aprender e saber onde eu posso cobrar.
P/2 - Teve alguma vez que o senhor reuniu pessoas para ajudar a cobrar?
R - Tem um vídeo aí que a gente fez uma reunião na prefeitura de Tucuruvi e também aqui nesse mutirão já chegamos à fazer reunião com 150 pessoas.
P/2 - O senhor chamando?
R - Chamando, de porta a porta com o pessoal da Secretaria da Habitação. O salão da Jady aí muitas vezes a gente fazia reunião aí no salão dela. E aí a lista de presença é que diz a quantia de pessoas que estiveram presente porque eu sempre pedia para elas fazerem para a gente saber quantas pessoas estavam presentes.
P/2 - Por que é importante correr atrás disso?
R - Por que é importante...
P/2 - Correr atrás da comunidade...
R - Porque você anda pelas ruas você vê a maioria só sabe reclamar, se todo mundo senta e reclama e não levanta da cadeira nada acontece, alguém tem que se levantar da cadeira para a coisa acontecer. É o que eu estou falando: a política é uma sujeira só, a imprensa mostra porque todo mundo vê, só que o que você espera de um país que não tem governo? Está ruim com o governo que está aí? Ruim com ele, pior sem ele. Sem governo não tem emprego, não tem saúde, não tem educação, querendo ou não, pouco ou muito, são eles que fazem. A tecnologia que existe hoje? Trabalho de governo, vão para outros países, outras ideias, outras empresas que vêm, outra que vai. O produto que o Brasil vende para outros países, que compra de outros países, ou seja, existe aí uma troca de conhecimento que acaba gerando esse interesse. Eu tenho falta de iluminação na minha rua, se eu ficar só reclamando que não tem luz jamais vai acontecer, eu tenho que ir lá e dizer: “não tem” e ficar atrás para poder realizar. A minha filha foi assaltada aqui na entrada da rua quando saiu da (inint) [01:36:43] ali, chegou em casa triste, tinham levado o celular dela, isso há muito tempo atrás. E aí eu fui lá olhar onde tinha acontecido, aí eu percebi que existia um bocado de poste que tinham feito a economia de lâmpada quando fizeram a iluminação, não colocou lâmpada, estava o local muito escuro. Eu percebi isso, tem umas fotos que mostram isso, aqueles bracinhos antigo que era grudadinho no poste, não é que nem hoje que ele vai no meio da avenida. O que eu fiz? Peguei um abaixo assinado, corri a (inint) [01:37:21] todinho, de um lado, do outro, peguei assinatura de todo mundo. Fui na subprefeitura, protocolei, foi o engenheiro comigo na prefeitura da Sé numa reunião, fomos recebidos. Fomos na Ilumi, levamos o problema para a Ilumi, veio aí e trocou todas as iluminações. Arrumei um topógrafo ele fez o mapa para mim do lugar onde não tinha as lâmpadas, levei tudo lá, colocou lâmpada nos postes que não tinha, trocou toda iluminação da (inint) [01:37:52] e das travessas. Se eu estivesse ficado só sentado e reclamando até hoje estaria do mesmo jeito.
P/2 - Muito bom.
R - O trabalho que foi feito de pavimentação de rua, prefeitura não conseguiu fazer porque as ruas não eram oficiais não vamos esperar, a resposta foi essa? Vamos procurar outro caminho, faz particular. Nós poderíamos estar amassando barro até hoje. Você tem que ter ação, você tem que agir, não pode só reclamar.
P/2 - Muito bom.
P/1 - O que você achou de contar essa história da sua vida?
R - Olha, eu acho interessante porque até de acordo com o que vocês me perguntaram eu vi e vocês ouviram também o que eu falei, vocês me perguntaram umas coisas que eu não imaginava que vocês iam perguntar, mas também eu falei outras coisas que talvez vocês não sabiam e esse conhecimento do que eu apresentei, do que vocês ouviram eu acho importante. Que nem, eu já falei isso para a Jade várias vezes, que muita gente conhece aqui o mutirão como creche, a creche, creche, mas aqui é um trabalho muito importante, o que esse pessoal faz aqui é importante para tanta gente. Às vezes as mães – que eu acho que eu acabei de falar no início – ela entra ali, ela leva o filho na creche, ela não fecha o portão na hora que entra, vai embora e não fecha o portão na hora que vai embora que eu vejo. Se acontece alguma coisa ela vai culpar o pessoal do mutirão, ela tem a responsabilidade de fechar o portão porque ela acabou de deixar o filho dela. Então, isso é importante. E aí muitas vezes é ingrato o trabalho que eu faço, que outras pessoas fazem que nem o caso do mutirão. Eu vejo o pessoal na fila do leite, pega o leite ali, todo mundo leva o leitinho para a casa, beleza. Mas se a Jady precisar de uma pessoa daquele que levou o leite para fazer uma limpeza de uma sala dessa, para limpar um banheiro se houver necessidade ele vai dizer que ele não tem tempo, a maioria. É por isso que a pessoa tem que gostar desse trabalho, fazer com todo carinho que ela acha que ela está fazendo o bem para ela mesmo e para outras pessoas porque o povo é muito ingrato nesse sentido, ele quer tudo, deveres caminham junto com...
P/2 - Direitos?
R - Deveres e...
P/2 - É direitos?
R - É, direitos e deveres caminham juntos. A pessoa tem o direito e deveres de fazer isso. Agora não, senta, reclama, reclama, reclama e aí não se levanta da cadeira, gente faz alguma coisa para melhorar, faz alguma coisa, é muito importante. Eu gosto do que eu faço e faço com todo carinho, cada coisa que acontece dá vontade de fazer mais. Só não gosto assim: quando eu vou num lugar uma vez, duas, três vezes não acontece eu fico meio aborrecido porque eu quero resultado. Não é só andar, cadê o resultado? A Jade tinha um pé de árvore aqui na porta do mutirão que a curva era meio fechada na hora dos ônibus virarem, de acordo as fotos estão aí para mostrar. Aí eles: “Seu Leocárdio, o senhor me ajuda eu a resolver isso aqui?” “o que você quer?” “dá uma abertura aqui. Muitas vezes eu saio de casa e chego atrasada porque dá um dó danado aqui” eu digo: “ó, não é uma tarefa fácil, mas eu vou tentar” tirar um poste, tirar dois pés de árvores que tinha aí, abrir mais, recuar um pouco a curva. Menos de um estava tudo resolvido, se eu ficasse só reclamando e sentado até hoje ainda estaria do mesmo jeito, então, tem que agir. Eu gosto do que eu faço.
P/2 - E sonho?
P/1 - E quais os seus sonhos?
P/2 - Ou um sonho que o senhor tenha.
P/1 - É.
R - Olha, os governantes, digamos assim, que o sonho meu é de todos, é eles encontrarem um caminho para que possa melhorar essa situação que está aí do desemprego, tanta gente chegando as contas e não tem da onde tirar dinheiro para pagar, que eles encontrem o caminho que seja bom para eles e bom para todos. Porque quantos jovens aí que sonha, eu não posso dizer para a minha filha ou outra que tem um filho ou uma filha: “não, esse país não tem jeito” porque aí nós estamos tirando o sonho de pessoas que estão sonhando, mesmo não acreditando você não pode dizer disso, você tem que insistir acreditando e torcendo para que eles encontrem o caminho para que dê certo para todo mundo, que o povo precisa na verdade é de emprego, quando você tem emprego você tem tudo, você vive feliz quando você está trabalhando e cumpre com seus deveres.
P/2 - Muito bom. Muito obrigada. Parabéns.
R - Obrigado você.
P/2 - Parabéns pelo seu trabalho, viu?
[01:43:20]Recolher
Título: Quatro Paredes
Data: 13/09/2018
Local de produção: Brasil / São Paulo / São Paulo
Entrevistador: Diego Silva Entrevistador: Fernanda Augusta de Morais Melo Personagem: Leocárdio José Teixeira dos Santos Autor: Museu da Pessoahistórias que você pode se interessar
Vocação para o gol
Personagem: Gino OrlandoAutor: Museu da Pessoa
Tricolor hermano
Personagem: José PoyAutor: Museu da Pessoa
O zagueiro que marcava Pelé
Personagem: Roberto Dias BrancoAutor: Museu da Pessoa
A esperança de uma sociedade mais bonita
Personagem: Paulo Reglus Neves FreireAutor: Museu da Pessoa