Programa Conte Sua História
Depoimento de Alexandra Araújo
Entrevistada por Carol Margiotte, Luiza Alves e Laura Garibaldi
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV695_Alexandra Araújo
Transcrito por Eliane Miraglia
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira ...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Alexandra Araújo
Entrevistada por Carol Margiotte, Luiza Alves e Laura Garibaldi
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV695_Alexandra Araújo
Transcrito por Eliane Miraglia
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Boa tarde!
R – Tudo bem? Boa tarde!
P/1 – Muito obrigada por estar aqui com a gente hoje, por ter vindo contar sua história de vida. E, para começar, seu nome completo?
R – Bem, meu nome completo é Alexandra Pereira de Araújo.
P/1 – Local e data de nascimento?
R – Eu nasci na cidade de Osasco, a data é 9 de dezembro de 1972. E eu sempre olho no calendário, e é um sábado. Eu acho que eu nasci na parte da... Não sei por que, num sábado. Acho que foi três da tarde, tal. No período da tarde.
P/1 – E seus pais contam - ou contavam - histórias do dia do seu nascimento?
R – Não. Acho que me interesso mesmo por saber a data do nascimento para... Não digo me dedicar, mas ler um pouquinho mais a respeito do que é que tem a ver. Por exemplo, Astronomia, Astrologia, nessa data do nascimento. Porque alguns conhecimentos são baseados em datas de nascimento. Então, é uma curiosidade minha, pessoal mesmo.
P/1 – Mas você já teve alguma descoberta?
R – Até hoje, não. Ela sempre permanece em aberto para a gente sempre estar descobrindo. Então, nenhuma descoberta a respeito. É só uma curiosidade mesmo. Porque é em dezembro, então sou Sagitariana - a gente começa a estudar um pouquinho da gente através disso. Você começa a se reconhecer. Onde você nasceu, em que data você nasceu, a que horas você nasceu... Porque vem um monte de informações a respeito disso. Então, você começa a observar para tentar se localizar onde você está, entendeu? É isso que eu acho.
P/1 – Mas com essas combinações de dados, desse dia e local do seu nascimento, você já conseguiu identificar alguma coisa sua, alguma personalidade?
R – Não, porque eu gosto muito de viajar, acho que ainda não achei um local assim... Entendeu? Não, não descobri nada. Só coisa de criança, que você vai lá brincar com uma pecinha, vai lá brincar com outra. Você acaba descobrindo... nada! Você vai pesquisando e, no fundo, você acaba não descobrindo nada.
P/1 – E você sabe por que seus pais escolheram Alexandra para o seu nome?
R – Então... Eu acho que sim. Minha mãe contou uma história que meu pai acho que estudava, estava se preparando para cursar a Universidade, enfim, estava fazendo algum curso, e acho que ele conheceu alguém cujo nome ele achou bonito. De uma moça. Acho que se chamava Alexandrina, acho que… Não sei, é essa a história. Aí parece que ele gostou do nome e nomeou Alexandra. Eu sou a primeira da família - tenho mais três irmãos. Então, sou a mais velha. Em seguida, é uma irmã - o nome dela é Patrícia. O terceiro irmão chama-se Rafael. E o quarto irmão, último, que é o caçula, chama-se Jesus, que foi uma homenagem, tem esse nome simbólico, foi uma homenagem que meu pai fez quando meu irmão nasceu. O pai dele faleceu, que era o nosso avô, o meu pai homenageou colocando o nome dele Jesus, que era o nome do meu avô. Interessante, não é?
P/1 – E falando nos seus pais, qual o nome deles?
R – Então... Minha mãe chama-se Adelaide. Meu pai já é falecido, chamava-se Osvaldo.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram? Qual a história da união deles?
R – Minha mãe deve ter contado, mas eu não me lembro muito bem. Mas a passagem, acho que era na região mesmo em que eles moravam, se encontraram, não sei. Que, antigamente, os encontros eram diferentes de hoje em dia, acredito eu. Então, não sei se alguém apresentou. Mas era na região. Ambos sendo de outra região. Meu pai migrou do Nordeste para São Paulo, com a família. Minha mãe também migrou do interior de São Paulo para morar com os familiares. E encontraram-se aqui, que eu sei. Aí eu apareci, desse encontro.
P/1 – E o seu pai contava a história de como foi essa migração?
R – Não. Na verdade, eu não me lembro se ele contava história a respeito. Mas o que eu me lembro, em relação à região dele, foi quando ele organizou uma viagem familiar, de São Paulo - onde a gente morava na época - até à região em que ele nasceu. Eu acho que tinha na época... Eu era bem novinha, acho que tinha seis, sete anos, não me lembro bem a idade. Mas a gente fez um mochilão, vamos dizer assim, saindo de São Paulo até Pernambuco, fomos de carro. Então, foi o meu pai guiando, fui eu, acho que foi um primo, a primeira vez. E meus avós. Foi como se fosse um... Como eles migraram em busca de trabalho, enfim, os avós e as famílias, quando vinham do Nordeste, acho que talvez tenha sido até um presente que o meu pai deu para os pais. Aí, essa viagem... Eu fui uma segunda vez também e então, nessa segunda vez, fui eu, de novo, não lembro se foram meus irmãos, e minha mãe foi. Na primeira, ela não foi. Na segunda, ela foi. Mas ela estava grávida acho que do Rafael, do terceiro. E assim... Uma aventura. E como eu adoro viajar para vários lugares diferentes, então me marcou muito essa viagem. Acho que a partir daí eu comecei a gostar. Tanto é que eu sou formada no segmento de Turismo e Hospitalidade. Então, a única coisa de que eu me recordo da região, se ele falava ou não, eu fui presencialmente - ele nem precisou falar. Ele simplesmente levou, seria um outro tipo de contação de história. E foi muito bonito, em termos de paisagem. Porque a gente não conhecia, não tinha acesso, alimento, desde pequena você ter essa experiência de ver diferenças do local em que você mora, ou seja, de uma cidade grande para uma cidade menor, ver outras dificuldades, ver outras belezas... Isso é o que eu lembro. Então, foi quando ele levou a gente para conhecer.
P/1 – Que cidade era?
R – Nossa! Que eu me lembre, a gente ficou numa cidade bem pequena, bem no interior, não sei se chega a ser caatinga, enfim, é uma cidade que eu lembro. Foi Ipubi. Depois eu não fui à cidade em que ele nasceu, a cidade em que ele nasceu chama-se Bodocó. E não lembro se tinha outra. Mas o que eu me lembro mais, que a gente ficou, foi na cidade de Ipubi. A gente ficava num sítio, no meio da... São vários parentes. Diferente lá a relação familiar, daqui.
P/1 – E que lembrança que você tem da viagem de carro?
R – Nossa! O perigo da estrada. Eu lembro que vi muitos acidentes. Caminhoneiro, principalmente, a gente chegou a ver acidentes. Acho que da paisagem, muito pouco. Eu lembro que assim... De nomes de cidades que a gente nunca tinha ouvido falar. O que eu lembro também? Lembro... Eu acho que assim... Acho que recordar da coragem de uma pessoa que tem que sair de um lugar e ir para um outro, rumo ao desconhecido. Porque a viagem, ela foi via interior, ela não foi via BR 101, então era mapa. Eu lembro que ele olhava muito o mapa, para a gente se localizar. Eu lembro muito de céu estrelado, muito de céu estrelado. Estrelas cadentes. Então, a gente estava andando por uma região onde existe uma carência de iluminação, de estrutura mesmo, de civilização, e era tudo muito natural. O lugar quente. Eu lembro também de passeios que a gente fazia com o gado, para o gado tomar água. O que mais? Ah, era outra realidade. Era outra flora, outra fauna, outros diálogos, era bem bonito. Outra cultura. A comida. E eu gostava muito de comer pãozinho. Pão lá, eu sentia que o pão tinha um gosto diferente. Ou eu gostava muito de pão. Eu lembro que o clima era muito agradável lá, em várias regiões pelas quais a gente passou, mas lá em específico. Porque ficava muito quente e aquela região era bem parecida com a Amazônia. De você... A gente fala: “depois do almoço” ou “antes do almoço”. Lá é: “antes da chuva” e “depois da chuva”. Isso eu lembro também. Eu lembro que eles me chamavam de galega, porque eu era muito branquinha. Eu lembro... Ah! Bem diferente. Lembro que eu vi frigorífico ao ar livre. Então eu tive contatos assim com outra realidade, que foi muito rica. Nossa, se eu for falar, não paro mais. Mas foi muito bom. Uma viagem muito boa. Muito saudável. Morro de saudade.
P/1 – E você lembra da chegada? De conhecer os parentes? Como é que foi essa acolhida? Você consegue lembrar da reação do seu pai? Se você puder, se tiver essa cena na cabeça, da chegada?
R – Não lembro; da chegada eu não lembro. Porque... Não lembro. Eu lembro muito bem da cidade. Que era uma cidade que tinha a igrejinha, um comércio em que todo mundo ia. E a atividade da cidade era assistir televisão no meio da praça. Porque não tinha televisão nas casas, antigamente. Então, as pessoas iam à praça, à noite, assistir, ter acesso à comunicação. É uma outra realidade brasileira assim, que eu gostei. Eu achei muito simples, mas muito rica. Essas coisas de andar a cavalo, experimentar comidas diferentes, muito interessante. A única coisa que eu me lembro é galega, e fui muito bem recebida lá também. Eu não sei se era parente, se era amigo, mas da chegada em si eu não lembro. Eu sempre percebia que eles se referiam à gente: “Gente de São Paulo”. Não era de lá. Eram estrangeiros, vamos dizer assim.
P/1 – E você consegue descrever como o seu pai era? Tanto fisicamente mas, principalmente de personalidade?
R – Deixa eu ver, deixa eu lembrar. Ele gostava de estudar bastante. A memória que eu tenho em relação a ele era de um homem trabalhador. Comum, trabalhador, dedicado à família. Para passar uma educação adequada para a família. Fisicamente, ele gostava de comer bem, era um pouquinho gordinho. Gostava de comer bem, gostava de beber muita cerveja também, que eu lembro. Ah, ele era uma pessoa tranquila, bem de casa. A gente nunca teve esses hábitos - isso todo mundo em casa - de feriado. De viajar em feriado. Sempre fazer coisas diferentes. Datas festivas assim, não existia uma comemoração específica. Então, é uma coisa bem família mesmo. Dentro de casa. Acho que ele gostava disso.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe. Então... Fisicamente ou...? O que é que eu lembro dela? Ela sempre foi, como profissão, dona de casa. Mas ela me contou que tinha muita vontade - dizia que ela sonhava até - quando era criança, de trabalhar com enfermagem, trabalhar na área médica. Então, depois que ela casou, teve os quatro filhos - eu mais três - aí meu pai começou a adoecer. Aí já mudou um pouco o sistema em casa. Meu pai começou a ficar mais em casa, cuidando da patologia. Aí, minha mãe voltou a estudar - nesse período todo mundo já estava grande, tal. Ela voltou a estudar e se formou na área de enfermagem. E o que eu me lembro dela é isso, dela sempre trabalhar na área que ela sempre quis. Que ela me contava. Mas quando eu era pequena, era uma dedicação só para os filhos, de arrumar para ir para a escola, de preparar o almoço, o jantar, o café da manhã, limpar a casa. Aquela atividade mesmo “do lar”, como se fala - a profissão. Mas aí ela abraçou a ideia. Acho que veio no momento certo, dela seguir a carreira que ela quis, que ela me contou que desde criança ela gostaria de seguir. Se deu bem. Trabalhou muito tempo em hospital público. Mas agora ela está aposentada. Está em outra fase da vida dela.
Eu não falei: aí, meu pai faleceu. Acho que quando ele adoeceu, contei que minha mãe começou a se dedicar à enfermagem. Ele faleceu quando eu tinha vinte e cinco anos, eu acho que foi em julho. Eu não me ligo muito nessas coisas, nem gosto, essa coisa de cemitério, acho que tinha que ser uma outra... Outro movimento. Esse, eu não gosto também. Aí, ele faleceu, a vida continuou, entendeu? Todo mundo. Cada um no seu caminho. E está todo mundo bem, está todo mundo bem.
P/1 – Se você se sente confortável de compartilhar com a gente, o que foi que aconteceu.
R – Ah, conto. Normal. Ele descobriu uma coisa super comum hoje em dia: descobriu que tinha diabetes. Bem jovem. Com trinta e poucos, jovem. Na faixa dos trinta, e diabetes não é nada desconhecido atualmente, nada mais é que... É o pâncreas que não reconhece a molécula para processar, essa deficiência. Aí, com restrição alimentar. É uma doença silenciosa e complicada. Muito complicada. Você tem muita restrição alimentar. A pessoa, ela tem, sim, uns sintomas que, a gente que está ok por enquanto, não consegue entender. Então, é uma pessoa que tem uma deficiência. Qualquer pessoa que tem uma deficiência motora ou bioquímica, então é o natural; o natural da gente é falecer. Mas foi por causa disso, foi agravando, outros órgãos, enfim.
Mas foi assim. Eu acho que a causa mortis é... Eu não lembro bem o que está escrito na ‘causa mortis’, mas começou dali. Dessa falha no sistema endócrino.
P/1 – E você já tinha vinte e cinco anos?
R – Tinha.
P/1 – Como foi depois? Como vocês se organizaram enquanto família?
R – Não, ficou tudo tranquilo. Porque quando a gente acompanha um familiar dentro de casa, com uma doença que não tem cura, crônica, com o tempo,.. É uma doença crônica, é uma queda, não tem jeito. Então, tem que se preparar. Minha mãe já era da área da enfermagem, minha irmã também se formou enfermeira, só que ela não está aqui, ela trabalha com outra área da Enfermagem. É uma coisa supernatural. Ninguém... Aconteceu... Tranquilo... É a vida. Mas cada um tem uma cabeça, a gente tem cabeça boa. A gente tem que aceitar as coisas também. Mas acho que a gente... Só uma observação: a gente tem uma referência - isso é uma opinião minha - meu pai e minha mãe dentro de casa, todo mundo tem a referência do pai e da mãe. Eu acho que quando um membro se retira... Eu acho que fica enfraquecido. Até socialmente falando. Acho que em vários aspectos. Não que você se enfraqueça, mas a estrutura familiar se enfraquece. Tem vários exemplos por aí. Se você conversar com amigos, parentes, que perdeu a avó, que tinha um carinho... Até com animais. Se você tiver um animal dentro de casa, que você cuida, que você tem uma afeição, nós somos animais também.
P/1 – Mas essa reflexão veio por quê? Pensando na sua história?
R – Ué, porque a gente faz parte de um sistema natural. O ser humano, os animais, tudo. É uma reflexão geral. Então, quando você perde algum familiar - ou o pai, ou a mãe, ou o irmão - de qualquer forma possível - trágica ou natural - dá uma enfraquecida, entendeu? Dá uma enfraquecida na estrutura. Você tem que se readaptar. Aquilo lá. Então, você tem uma pessoa que colabora fisicamente, colabora financeiramente, psicologicamente, você tem um comando, isso muda. Então, esse comando vai se dissociar. Esse financeiro vai se dissociar - passa para todos, não para um só.
P/1 – Mas de que forma a estrutura da sua família teve essa... Foi abalada?
R – Não sei. Talvez não a minha família. Eu acho que é o seu ‘eu’. Porque eu não sei o que o meu irmão pensa, o que minha mãe pensa. Nós temos uma família de seis pessoas em comum. A cada um afeta de uma forma. De uma forma afetou; dele afetou outra, entendeu? Cada um tem a sua experiência com relação a isso. Mas então, mas voltando à história... No todo, no geral, dá uma enfraquecida. Você tem uma maçã, duas maçãs na geladeira - duas todo dia. Aí tem um dia em que você passa a ter uma. Você se adapta a comer uma maçã por dia. Se você tiver duas maçãs, você come uma de manhã, uma à tarde, sei lá, ou de acordo com sua fome, entendeu?
P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós?
R – Conheci os dois, porque eu viajei para o Nordeste. Que são os avós paternos. Os maternos, não. Porque minha mãe veio para São Paulo porque ficou órfã muito cedo e ela conta que o avô - o pai dela, avô meu materno - trabalhava na lavoura. E a história é que ele trabalhava com algodão, na colheita do algodão, na manipulação. Parece que ele inalou um fiapinho do algodão e ele se instalou no pulmão. Aí, infeccionou. Como é que você vai tirar um fiapinho de algodão? Não sei se tinha técnica naquela época para fazer cirurgia de algum tipo, ou tratamento, eu não sei. E a minha avó... Minha mãe acho que contou... Ela, minha mãe, lembra dela, que ela vinha fazer exames aqui no Hospital das Clínicas. Minha mãe acompanhava. Mas ela não comentou o diagnóstico, o que é que deu. Então, ela perdeu os pais muito cedo. E como ela era a caçulinha, ela veio para cá e os irmãos cuidaram dela, tipo tutor, naquela época. Porque ela era... Tinha menos de dezoito anos na época, era bem novinha. Imagina! Então, ela nem sabe o que é ter duas maçãs na geladeira, entendeu? Por isso que é uma experiência muito individual. Às vezes, você come a maçã verde, a outra maçã, vermelha, enfim. Ou uma verde, uma vermelha. Duas vermelhas ou duas verdes. Então, cada um tem sua experiência a respeito.
P/1 – E só para deixar registrado, se você souber... O nome dos seus avós maternos?
R – Ai! Deixa eu ver. Avó materna: Alcídia de Pádua Melo. E o avô, tem o primeiro nome e o segundo nome é Landin. O primeiro nome eu não me recordo, acho que minha mãe não falava muito dele. Eu não tive contato também, físico. Então, só oral, de contação. E complementando, os meus avós paternos - eu já havia comentado - meu avô chamava-se Jesus Ribeiro e a minha avó paterna... Eu a chamava de vó, vó, vó, não a chamava pelo nome. Então, é vó. O nome da minha avó paterna é vó.
P/1 – Fale um pouquinho sobre eles.
R – Dos avós?
P/1 – O que você conheceu dos avós.
R – Então, vô Jesus eu lembro pouco dele também. Lembro que ele trabalhava, acho que era com venda de amendoim. Às vezes eu ia com ele... Fui uma ou duas vezes comprar provisão, amendoim, para ele fazer a venda. Não sei se era na zona cerealista aí da vida, ou no mercadão, não lembro. Isso eu lembro bem: ele não sabia ler, era analfabeto. Mas ele se localizava por números, tinha muita habilidade com números. Interessante, não é? Porque é uma linguagem também. Não só... Como é que se chama esse alfabeto aí? Alfabeto romano? Alfabeto romano que se chama? Esse alfabeto que a gente escreve, a, b, c e d? Enfim, o alfabeto. O que mais? A minha avó, o que eu lembro dela? Eu só lembro de um pé de goiaba, na casa da minha avó, de que eu gostava muito. E dona de casa também, ela sempre foi dedicada a ficar em casa. Eu lembro que a casinha deles, que eu frequentava porque morava perto quando era pequenininha - eu lembro bem - era uma casa muito fresca. Assim... De umidade. Não era muito quente, eu sempre me senti bem, o clima dentro da casa... Apesar de a gente morar num lugar quente, ela nunca ficava muito quente. Acho que era o material de construção também, de que era feito. Era bem... Essa a sensação de que eu me lembro. Era uma casinha fresca... Ah! Ela cozinhava bem, feijão. Eu lembro da minha avó, eu lembro muito dela no fogão fazendo feijão, sempre cozinhou feijão bem. O cheiro era muito bom. E meu avô, então, como eu falei, trabalhava com venda de amendoim.
P/1 – Em que momento você ia para a casa deles?
R – Vixe! Criança, não é? Porque a casa era bem próxima. Acho que tinha uma no meio. Era a casa dos meus avós, tinha a casinha do meio, o terreno, e outro terreno ao lado, que era o nosso. Então, nessa casinha - o terreno do meio - era de um outro tio, era um tio que morava lá, com minha tia e tinha os priminhos. Então era eu, a minha irmã e mais dois primos. O que eu me lembro... Assim, como frequência, era praticamente todo dia. Porque tinha as tias, as tias agradam, abraçam, você fica à vontade, eu ficava no pé de goiaba, era uma casa grande, então eu ia com frequência. Antes de ir para a escolinha, que eu me lembro, eu frequentava muito a casa da minha avó.
P/1 – E falando de casa, eu queria que você descrevesse como era a casa da sua infância.
R – Deixa eu lembrar. Eu lembro que tinha um quarto - era meu e da minha irmã, que a gente compartilhava - uma sala. Era um quintal imenso, era um quintal imenso. Tinha... Eu lembro de que tinha rosário, na frente, na lateral, aí tinha o espaço da garagem do veículo, tinha uma área muito grande de terra e a casa era mais ou menos em L. Então, nesse L, tinha o quarto da minha mãe e do meu pai, a salinha, tinha um quartinho - meu e da minha irmã - tinha o banheiro e a cozinha. Bem simples assim. Então, a casa era pequena mas o terreno era muito grande, que eu lembro. Muito grande! Então, a gente tinha muito espaço para se deslocar e para brincar. Isso é o que eu lembro. E o pé direito era baixo, não era alto. Eu lembro de que o pé direito era baixo.
P/1 – E tinha divisão de tarefas?
R – Então... Eu fiquei lá pouco tempo, nessa primeira casa da infância. Eu fiquei lá até os oito anos de idade. Tarefas... Eu ia para a escola e brincava, quando criança. Aí, quando eu tinha acho que oito anos mais ou menos, que foi logo depois das viagens que eu fiz, a gente se mudou para essa casa que a gente tem até hoje, no bairro Jardim das Flores. Aí já é uma casa grande, todo mundo começa a ficar grande, cada um passa a ter um quarto. Aí já começam as diferenças e as divisões de tarefas. Você vai crescendo, a mãe vai ensinando a fazer comida, lavar louça, limpar a casa. Então você já começa uma distribuição de tarefas dentro de casa. Mas eu não lembro específico, não. Como eu não ficava o dia inteiro, a gente sempre estudava mais... Então o foco era bastante de estudar. E tinha muita atividade extra: balé, natação - sempre teve muita atividade extra. E eu estudei em escola religiosa. Então, era bem severo. E a gente tinha... Era uma qualidade muito boa de aula, meio militar, escola meio militarizada, eu achava um pouquinho... Eu entrei na época do militarismo que tivemos aqui no Brasil, então eu lembro bem desse momento na escola. A obrigação maior que a gente tinha era estudar e apresentar um resultado satisfatório do investimento que os pais estavam fazendo na gente. Isso é o que eu lembro de casa.
P/1 – E ainda nessa infância, quais eram as brincadeiras do dia a dia?
R – Bom, as brincadeiras. Eu me lembro mais de quando eu mudei para a casa nova, então a gente brincava mais. Tinha bastante coleguinhas no bairro. Era um bairro, na época, meio... Relativamente jovem, e tinha crianças da minha idade, da idade da minha irmã, enfim, a gente brincava bastante na rua - de bola, de brincadeira de criança mesmo: esconde-esconde, pega-pega. Em casa tinha um pé de amora muito grande, lindíssimo. Então, eu lembro dessas brincadeiras que acabavam sendo brincadeiras... Pode ser, a gente ia colher bastante amora, porque era um pé bem frondoso, e a gente fazia suquinho, ou brincadeirinha assim de... O que mais, brincadeira? Acho que meu pai presenteou a gente com um mini buggy, acho que para a gente aprender a dirigir, aí a gente brincava andando de mini buggy nas redondezas. Então, aí depois ele deu uma... Tudo o que ele foi... Tudo o que ele deu de presente foi algo para a gente aprender alguma coisa. Então ele deu mini buggy para aprender a dirigir, porque já tinha marcha. Como é que chama aquele... Mobilete, não é? Aquela coisa que você sai... E mobilete para aprender a dirigir uma moto. Eu lembro também que a gente tinha um contato no exterior, meu pai falava Inglês, e ele ajudou acho que numa tradução de uma carta, de uma rádio, que ele recebeu uma carta de um sueco. Aí o meu pai traduziu e começaram a conversar em Inglês. E eu lembro que essa família da Suécia virou um amigo, o tal Penfriends - Amigo de Caneta - e ele dava bastante brinquedo para a gente. Lego... Porque é de lá. Eu lembro também, na infância, que a gente brincava de Lego em casa. Mais o meu irmão. E eu adorava, porque quando chegava alguma coisinha, então... Alguma coisinha de Lego, diferente, massa, não é? Olha que loucura! Brincar na rua, Lego, em cima da árvore de amora... Várias atividades ao mesmo tempo.
P/1 – E seu pai chegou a conhecer esse amigo?
R – Não. Fisicamente falando? Não. Só por imagens, fotos que um mandava para o outro. Uma amizade diferente assim, porque cada um se apresentava e ele dava alguma coisa relacionada ao país dele, e a gente também. Essas coisas: camiseta do Brasil, ele mandava uma camiseta de lá, ou uma boneca diferente. Lá na Suécia, naquela região nórdica, tem um cavalinho meio simbólico. Aí presenteou também. Então foi uma troca cultural, vamos dizer assim, de informações culturais.
P/1 – E tinha algum ritual quando chegava uma carta nova? Como é que era?
R – Ah! A gente queria abrir. Mas quem abria era o meu pai. Esse era o ritual. Tanto que tinha que esperar o meu pai chegar para abrir a carta. Porque vinha... Porque existia todo um charme: a espera, como vai chegar o pacote, se você tem que ir lá nos Correios, na encomenda, pegar o pacote, ver o tamanho, então tinha assim um ritual de recebimento e de abertura. Então, a gente queria ver o que era. Era interessante. Bem legal assim. O que eu sei é que essa família... O nome dele é Antero, desse senhor - nem sei se está vivo - e ele mostrava foto, encaminhava, porque não tinha o que tem hoje, manda por Whatsapp, enfim... Então, ele mandava uma fotos assim de paisagens, neve, muito diferente. Aí, mostrava as fotos em família, como eles se reúnem em família. Existia o hábito de... Ai, como é que chama isso? Não chega a ser um piquenique, um piquenique alimentar, mas familiar. Mas era numa floresta. Então ele mandava essas fotos. Então assim... Era interessante porque era uma forma de apresentar a sua cultura local para uma pessoa desconhecida, porque houve uma forma de contato inicial. Esse senhor ouviu lá, não sei como, por essas ondas, uma rádio daqui, da região do Sudeste, aí acho que tinha um tio que trabalhava nessa rádio e recebeu essa carta, falou: “Ninguém está entendendo”. Aí, ele ajudou a traduzir. A partir daí, ele se apresentou, “Eu sou tal, recebi a carta”. A partir daí nasceu uma amizade bem... Era uma amizade isso? Será? Não sei. Um contato com o exterior. Com o estrangeiro. Com o ET, alguma coisa assim. Que a gente nem sabe. É. A gente não sabe. Com outro. O outro. O desconhecido.
P/1 – Você se lembra quando foram as últimas cartas trocadas?
R – Nossa, teve uma vez... Então, foi se perdendo, ao longo do tempo. A última vez que eu me lembro, acho que ele mandou um cartão postal, eu não sei se foi no meu aniversário. Ah, não, foi de Feliz Ano Novo. E de Natal. Aí, ele ficou sabendo... Porque a gente contou, aí ele mandou esse cartão. Eu só vi assim: Greetings, Happy New Year e a assinatura dele, mas sem endereço. Não sei, se apagou. Da mesma forma que veio, se foi. Eu lembro dele, desse cartão, talvez eu tenha esse cartão até hoje em casa. Não sei se foi no meu nome, não lembro. Mas eu lembro que não tinha mais endereço.
P/1 – Mas isso quando seu pai já tinha falecido?
R – Já. Uns dois ou três anos depois, eu acho. Eu também não sei o que aconteceu com ele. Era um senhor também, não sei se ele está neste planeta ainda ou em outro. Perdemos contato!
P/1 – E ainda pensando na Alexandra criança, o que essa menina queria ser quando crescesse?
R – Eu lembro... Eu não sei se é uma coisa social mesmo, eu lembro que falava que queria ser médica. Aí mudou, eu não pensei mais nisso. Meu pai falou assim: “Nossa, mas você médica? Você tem que estudar muito. Tem que estudar bastante. Tem que se dedicar”. Eu não lembro o que eu queria ser não. Tanto é que eu demorei muito para escolher. Mas o que é o “ser quando crescer?”. A gente simplesmente é. Não tem que pensar em ser quando crescer. A gente é. Pode passar para a próxima pergunta. (risos)
P/1 – Está todo mundo bem?
R – Está tudo bem? Beleza? Alguém quer perguntar alguma coisa? (risos)
P/1 – Bom, então vamos entrar já na parte mais da adolescência. Como é que foi essa transformação no corpo, ou das ideias? Você lembra dessa fase?
R – Adolescência? Então... O que é adolescência? Quando eu tinha o quê? Tem uma idade? Aquela coisa? Quinze? Doze?
P/1 – Vamos marcar em relação à menstruação. Você lembra da primeira menstruação?
R – Isso que eu ia perguntar. Sim.
P/1 – Sua mãe falava com você sobre isso?
R – Uma vez eu sei que aconteceu alguma coisa aí. Aí eu fui parar no médico. Não sei o que era. E o médico conversava com a minha mãe. Aí, eu sei que ele falava assim: “Ah, você já explicou para ela?” Não sei qual foi o teor lá da conversa. Eu nem lembro direito. Porque se há uma coisa que eu acho muito incômoda é a menstruação. Então assim... Eu sempre tive fluxo intenso, sempre sofri com menstruação, então nem gosto de falar disso. Uma coisa que me... Não gosto. De estar menstruada, de estar nesse preparo. De menstruar. E depois, eu acho que essa natureza feminina, assim, é bem complicada, dolorosa também, cansativa, sei lá. Eu acho bem estranho isso.
P/1 – Mesmo não sendo muito legal, tudo bem eu fazer mais umas perguntas sobre isso?
R – Lógico!
P/1 – Mas você lembra dessas primeiras vezes, de sentir esse incômodo no corpo? Se você puder contar como era o descobrir: “Ah, eu vou ficar de novo menstruada?”.
Você lembra disso?
R – Nem lembro. A única coisa que eu lembro que me fazia bem era praticar esporte. Porque quando eu praticava esporte, como você trabalha muito bem a circulação, você tem uma eliminação, vamos dizer... Isso no meu corpo... rápida. Então, seu corpo é saudável, ele responde saudavelmente em relação a isso. Isso é o que eu lembro dessa... E gasto, não é? Você tem muito gasto com essas coisas que você compra. Eu não lembro muita coisa assim. Só isso que eu lembro. Aí, tem essa fase que a mulher fica grávida. Como é que chama? Não é grávida. Fértil. Ai, é um ciclo assim cansativo. Todo mês! É muito repetitivo. Acho que tinha que ser diferente. O que foi? É engraçado? Mas não é? Nossa! Muito!
P/1 – Mas o que você imagina? O que de diferente você acha que deveria ser?
R – Não sei também. Porque é a natureza, não é? Não sei. Eu nem vou questionar, porque é uma coisa que acontece. Então, tudo bem. Eu não lembro muito disso, só sei que é uma coisa que me incomoda. Que eu já tive que fazer uma cirurgia por causa disso. Eu tenho... Isso toda mulher... Existem pesquisas científicas... Que nasce aquela quantidade de óvulos que vai ser eliminada - wherever - e também a presença de nódulos, de miomas - como é que chama? - cisto. Porque é uma região muito delicada, que tem o nascimento forte de células, e é uma região delicada. Tanto na mulher quanto no homem. Então, uma região para ser assim preservada de várias coisas. Porque ali te dá sinais de muitas coisas. Sistema excretor... Enfim, é uma coisa delicada. Então... Eu estudei recentemente Anatomia, na Faculdade da Santa Casa, para entender um pouquinho mais do corpo humano. E eu vi que a parte... Todas, na verdade, incluindo esse sistema excretor - é bem delicadinho. A gente tem que olhar com carinho, entendeu? É isso.
P/1 – Mas hoje você tem algum cuidado com o seu corpo para amenizar?
R – Sempre!
P/1 – Se você puder contar um pouco quais são essas..
R – Antigamente eu gostava muito, como eu falei, de atividade física, que eu fazia muito coletiva - tanto na escola como fora, alguns clubes, tal. Hoje, para mim, não faz muito sentido isso, essa coisa coletiva. Então, estou fazendo práticas individuais, estou me envolvendo bastante com prática de yoga, que é essa parte física que a gente chama asana. E agora eu estou fazendo uma pós-graduação de práticas corporais da medicina tradicional chinesa, e o foco é Tai Chi Chuan - mas tem vários preparos para Arte Marcial. E é só você cuidar bem da alimentação, você ter um cuidado com o que você ingere, que não é segredo, não é mágica. E você ter uma atividade física, porque eu lembro bem que o professor falou, durante a aula de Anatomia, que a gente foi feito para andar, para se movimentar. Só que, atualmente - aí, outro professor falou dessa medicina tradicional chinesa - o que é que a gente faz? Senta, anda, come e dorme. A gente perdeu muito essa coisa de caça, de se movimentar, aí vai adquirindo vários tipos de maus hábitos, doenças. Então assim... Não é segredo nenhum. O que você faz? O que todo mundo tinha que fazer na verdade? É um cuidado com a alimentação e a prática corporal e mental, também. Porque agora a gente vai entrar numa coisa de saúde mental, daí é uma outra história. Por isso eu adotei, por enquanto... Agora eu estou seguindo mais por essa linha de bem-estar e saúde. E é isso que faz bem. Manter.
P/1 – E, voltando para a Alexandra ainda adolescente, eu queria que você contasse um pouco sobre os primeiros relacionamentos, a primeira paixão que você se lembra.
R – Bom. É, acho que eu me lembro assim, que eu comecei a me relacionar - eu não sei se a gente tem que colocar uma idade nisso, nova - acho que eu tinha uns dezenove anos. E eu fui sempre bem tranquila em relação a isso, a relacionamento. Acho que relacionamento é uma coisa muito delicada, também. Que é todo mundo louco. Todo mundo louco. Doente. Então você, na verdade, se relaciona com outro doente. E eu já me relacionei com várias pessoas assim interessantes. Pessoas interessantes, pessoas psicopatas, talvez. É, é, cada uma! Então, é tudo uma experiência, entendeu? Uma experiência de troca de ideia. Troca de carinho. De palavras. Normal.
P/1 – Mas tem algum que você pode contar para a gente como foi? Algum relacionamento?
R – Ai, foi tudo tão diferente um do outro!
P/1 – Talvez os primeiros relacionamentos, pensando na descoberta? Assim... Teve alguma coisa?
R – Nada. Nada especial. Porque cada um apresenta uma coisa: “Ah, então é isso? Ah, está bom”. Aí o outro: “Ah, é isso? Ah, está bom”. Então assim... Eu acho legal você se relacionar com várias pessoas, de diversas formas, não vamos também cair na baixaria. Mas você trocar coisas boas, entendeu? Não tem nada... Eu não gosto muito - não é que eu não gosto - eu não falo muito dessa coisa de relacionamento. “Ah, porque eu namorei com um, porque eu casei com outro”. Ai, eu acho - como diz meu amigo - muito fugaz, muito rápido, entendeu? Eu acho muito estranho casamento também. Não sei como as pessoas conseguem casar. Viver. Não sei como conseguem viver. Viver? Sei lá se é viver também. “Ah, eu sou casada há vinte anos”. “Ah, eu sou casada há trinta anos”. Como assim? Sei lá! Eu acho que o mundo é muito grande, o universo é infinito, então, possibilidades infinitas. Você se limitar a uma coisa só não, sei lá, você não evolui. Estou falando, casamento não é para a evolução, não sei. Mas eu acho... Cada um tem uma vida independente, cada um tem que seguir o seu caminho, seja ele para o Nordeste, para o Sudeste, para fora daqui, para fora do planeta. Cada um segue o seu caminho. Porque é individual. A gente nasce sozinho, a gente cresce sozinho, passa por essas experiências. Como você estava me perguntando: “O que você lembra da sua infância?” Isso. “O que você lembra?” Isso. Então assim... É um caminho solitário. Porque você morre bem sozinho, que é o declínio. Não adianta ter um milhão de pessoas ali ao seu lado. O que adianta? De que adianta o cerimonial protocolar fúnebre? De nada! Eu acho. Essa é a minha opinião. Então, a gente está sempre muito sozinho.
P/1 – Mas quando você se deu conta disso?
R – Também não sei. Ah, a vida, não é? Você vai tendo experiências, você vai vivenciando coisas, você vai lendo, você passa por perigos, entendeu? Você passa por coisas boas. Então, são várias coisas, são várias vertentes. No decorrer da caminhada, da trilha, você vai criando a sua história. Por isso, você conta a sua história. Essa história. (risos) Está engraçado?
P/1 – Está maravilhoso, não está?
R – Ai, pergunta alguma coisa. Com o que vocês ficaram curiosas, assim?
P/2
- Teve algum relacionamento que você teve que lhe marcou, que você traz para a vida, ou trouxe por um período?
R – Relacionamento? Você diz assim, pessoal, profissional?
P/2 – Pessoal, amoroso.
R – Amoroso? Deixa eu ver. Alguma coisa que... Minha pergunta... Se eu tive algum relacionamento que me marcou?
P/2 – Isso. Isso. Que trouxe algo para você, que lhe ajudou a se construir hoje como Alexandra?
R – Nossa, todos! Eu acho assim que todos contribuíram para essa construção de quem eu sou no momento hoje. Então você passa a ter recordações agradáveis. Eu já me relacionei com uma pessoa que gostava bastante de viajar. Outros que gostavam bastante de ficar em casa. Outra pessoa relacionada à música, à Arte. Um voltado - interessante - para rádio e tv, porque eu tive bastante contato com essa atividade, que eu achei diferente. Então, como eu falei da música, eu já frequentava estúdio. Uma outra pessoa era assim do mundo, viajava muito, se virava. Então aprendi muito a... “Não tem o que comer, tem que comer o que tem”. Achar. Então, cada um teve uma contribuição muito rica assim, eu acho que não tive nenhum problema, ou alguma coisa: “Nossa! Marcou. Ai, porque foi diferente!” Não. Porque cada um é um. Então... Existe um dizer, uma filosofia, que os outros são os mestres, são as pessoas que se relacionam com a gente que são os nossos mestres. Então, a gente sempre está aprendendo com todo mundo. Um relacionamento amoroso não é simplesmente eu estar com um homem. É eu estar com uma mulher, eu estar com um animal, eu estar com os familiares, com pessoas que você conheceu em outras vidas. Nessa vida. Então, para mim, o relacionamento amoroso ele vai além, ele vai além desse: “Ai, você tem alguém?”. ‘Meo’! Ninguém tem ninguém. Ninguém se relaciona. Todo mundo se relaciona com todo mundo. E cada um que passou, ou que foi só em pensamento, contribui com a formação de explicações, de respostas a questionamentos. Pergunta você!
P/3 – Não, é que teve uma hora que você falou que as pessoas são loucas e relacionar é um louco com outro louco. Teve alguma história muito louca que você...
P/1 – (risos) Muito bom!
P/3 – Que a pessoa era louca, psicopata?
R – Tem. Tem uma pessoa psicopata. Na verdade, eu não tenho uma profundidade na neurologia.
P/3 – É jeito de falar.
R – Mas entendi o que você quis dizer. Ah, sempre tem. Mas não lembro específico qual o grau da loucura. Assim... que me marcou. Mas nenhum foi são. Acho que nem eu, não é? Mas a gente é louco mesmo. A gente não é normal. E uma professora minha de Psicologia falou: “A gente só não está internado. Mas todo mundo é”.
P/1 – Só para a gente entender como é essa narrativa dos seus relacionamentos...
R – Eu sou lisa. Eu não respondo. Você reparou?
P/1 – Sim. Eu vou tentar também. Só para a gente entender: como é que começa? O que você sente? O que você percebe que o outro sente? Como se desenrola esse relacionamento? E como ele termina? Quando vocês percebem que... Se você puder contar para a gente como que é essa narrativa desses relacionamentos a partir de uma experiência que você teve.
R – Nossa, achei bem complexa a sua pergunta. Como é que eu sei? Não entendi.
P/1 – O que você sente? Como você consegue perceber que você sente alguma coisa por alguém, é correspondida? Conta como é essa linha narrativa desse relacionamento.
R – Não. São várias situações. Você está no ambiente de trabalho, você acaba conhecendo uma pessoa e começa a fluir bem a conversa, o andamento da história - ali é um relacionamento no trabalho. Deu certo. Aí, você volta a se falar. Você ajuda. O outro ajuda. É um relacionamento. Você vai em uma escola. Vai brincar de... Sei lá, pega-pega. É outro relacionamento ali. De cuidado, de competição. Eu não sei te responder assim claramente essa narrativa. Você gosta porque gosta. Deu bem porque deu bem. Ai, quando não dá bem também, não quero nem ver. Não quero nem ficar perto porque aquilo não te representa, não te traz nada, não agrega uma energia. Então, é tudo energia que o pessoal fala. Tudo energia. Energia.
P/1 – Talvez, para a gente encerrar essa parte de relacionamento, como a Lu tinha pedido...
R – Mas, engraçado... Eu quero perguntar: por que todo mundo pergunta de relacionamento? Porque a vida é feita de relações humanas? RP? Mas, enfim, vamos lá!
P/1 – Vamos lá. Se você puder contar um relacionamento que você teve, que tenha sido... Estou tentando, Lu...
R – Qual é a resposta? O que você quer que eu responda? Que eu fale uma pessoa?
P/1 – Você não precisa citar...
R – Não tem. Não tem uma pessoa. São várias coisas. A gente se relaciona até com os objetos. Com a comida. A relação é mútua. Com a natureza. Você entra no mar, você está se relacionando ali. O teu corpo ali no líquido, no estado líquido. É isso. Pronto.
P/1 – É isso mesmo. Contemplado?
P/3 – Sim. Não, na verdade eu queria fazer uma pergunta não sobre relacionamento, mas uma coisa que você trouxe na fala sobre relacionamento. Que você se relacionou com uma pessoa que era da área de música, e que você já frequentava estúdios. Isso é uma coisa que é importante na sua vida? Pareceu uma coisa que, enfim, está com você.
R – Claro! Você passa a ter acesso a outros ensinamentos, outros conhecimentos. Então, tinha uma pessoa que era relacionada com música, com estúdio. Aí, a pessoa vai contando histórias. “Ah, porque esse estilo de música é tal. Ah, a harmonia da música. Ah, as oitavas”. É um mestre! O cara está te dando aula. O cara está dando aula de música. Aí, o outro é bom de cozinha. “Ah, isso aqui é o alho, que é bom para não sei o quê. Esse aqui...”. Está dando aula de gastronomia. Teve uma vez que eu participei de um voluntariado, num sítio aqui em Sertão do Camburi, achei muito interessante, eu passei por uma vivência. Fui ajudar a produção do evento e teve vivência dessas pessoas, incluindo um plantio de banana e a produção da banana. Então, tinha o plantio, tinha a colheita e a produção do que se deve fazer. Outro conhecimento. Só que eu não me relacionei com ninguém amorosamente, vamos dizer assim. Pode até ser considerado um relacionamento amoroso, porque rolava muita energia bacana lá. Amor, amigo, etimologia. Entendeu? Respondi ou não?
P/3 – Não. Eu queria perguntar a importância da música na sua vida?
R – A música. Musicoterapia.
P/3 – A sua relação com estúdio, com a música. Foi mais nesse sentido. Você. Você falou da sua relação, mas eu quero saber, porque a pessoa na relação era envolvida com música, mas pareceu que lhe afeta de uma forma muito forte.
R - Então... Eu... A minha formação acadêmica, eu fiz Turismo e Hospitalidade, a princípio eu fiz Letras. Mas eu não dei sequência, porque eu não quis continuar. Até por causa de idioma. Aí eu fui fazer a parte de Turismo e Hospitalidade. Em seguida, eu fui fazer uma especialização na área de produção cultural e organização de eventos. Só que a minha linha de trabalho sempre foi organização de eventos. Tudo isso... Quando você vai em um estúdio, você vê como o cara organiza tudo aquilo para virar um produto. Então eu acho assim: o que foi para mim importante, não a coisa da música, para eu ficar lendo partitura, nada, mas a parte prática e técnica. Está tudo bem? A parte técnica. Então assim... Eu acho que me ajudou. Quando a gente conhece o trabalho, eu acho, do outro, você passa a valorizar aquilo de uma outra forma. Então a pessoa me explicou: “Olha, você entra no estúdio, grava o som, depois grava outro instrumento, grava outro instrumento, e aí vai a cantora. Aí o cara vai juntar tudo aquilo”. Quando a gente vai comprar, tem o CD pronto, coisa já no computador. Mas, por trás de tudo aquilo, tem muito relacionamento, muita conversa, muita criatividade. É bonito de se ver o resultado. É um coletivo.
P/1 – Alexandra, quando você começou a trabalhar e qual foi o seu primeiro trabalho?
R – Eu comecei a trabalhar com dezessete anos. Eu trabalhei... Não sei se foi de um a dois anos meu primeiro trabalho, eu trabalhei em uma gráfica, trabalhava na linha de produção, na montagem de documentos fiscais. Então, essa gráfica trabalhava... Porque hoje tem emissão de nota fiscal eletrônica. Eu trabalhei nessa área em que a gente montava os bloquinhos de notas fiscais. Esse trabalho também foi bacana, porque eu via toda a linha de produção, como é que eles montam para sair a impressão, depois tem toda uma parte jurídica também para isso. Eu lembro que eu ia ao Ministério da Fazenda providenciar a regulamentação desse material, dessa nota fiscal, que era uma nota fiscal ok, que estava de acordo, legal, enfim. Fiquei pouco tempo lá, fiquei dois anos só. Aí, continuei trabalhando. O meu segundo trabalho nem lembro qual foi. Mas do meu primeiro eu me lembro, porque eu comecei bem novinha. Trabalhava o dia inteiro também. Era esse período normal, comercial. Era próximo da minha residência. Lá em Osasco mesmo, praticamente no mesmo bairro. Trabalhava bastante.
P/1 – E o que te motivou a começar a trabalhar?
R – Nesse primeiro trabalho? A gente vai adquirindo responsabilidades e um pouco de consciência das coisas para você adquirir outras... Então você está em um sistema capitalista, você entra. Na verdade, me colocaram nesse sistema. Você trabalha com a cabeça. É outra fase da sua vida. Então, foi um caminho normal.
P/1 – Mas o que você fazia com o dinheiro que ganhava?
R – Nem lembro. Acho que pagava o colégio, porque aí eu estudava à noite, que é o ensino médio. Lembro de que comecei a pagar o ensino médio porque meu pai pagou até o ensino fundamental. Isso. Eu lembro que ele pagou. Aí, eu fui para o ensino médio e comecei a ter outras responsabilidades. “Agora eu pagar”. Entendeu? Foi para pagar a escola, que eu lembro, o dinheiro. Aí, você começa a comprar umas coisinhas para você, a roupinha que você quer, maquiagem, essas coisinhas aí. Mas era novinha, nem lembro direito. Eu tinha um dinheirinho para sair, comer Mc Donalds.
P/1 – E para se divertir, o que você fazia nessa época?
R – Que eu fazia a primeira, que eu estudava? Que eu trabalhava?
P/1 – É, para se divertir com os amigos. Como era a sua parte social?
R – Então...
P/1 – Nessa idade do ensino médio?
R – Na parte social. Acho que eu namorava nessa época. Então a parte social ficava bastante com o namorado, viajava com ele, com os familiares dele. Era novinha também. Mas a minha atividade social sempre foi ir para espetáculo de teatro, dança, cinema, sempre gostei. Eu lembro de que a gente ia muito também em concerto. Tinha um projeto aqui, no antigo Shopping Eldorado - não sei se é o mesmo nome ainda - que tinha uns concertos matinais aos domingos, aí a gente vinha assistir. Sempre foi relacionado com bastante cultura, assim que eu pude ter acesso. Mas esse hábito social assim de frequentar bar, assim, eu não tomo nada alcoólico. Nunca. Esse hábito assim de tomar álcool, de dançar a noite inteira. Eu gosto de dormir cedo, acordar cedo. Então, hábitos noturnos e vida social, pouquíssimo. Mais num casamento, numa festinha, essas coisas normais, festa de aniversário... Mas assim... Sair com amigos na rua, bem difícil. Acho que eu viajei mais do que eu saí. Acho que eu viajei mais para lugares diferentes.
P/1 – E nessa época ainda, tem alguma viagem que você fez que tenha sido marcante? Seja pela companhia ou pelo visual, pelo lugar a que você foi?
R – Nossa! Todos também. A gente vai cair naquela coisa. Porque cada viagem é uma viagem.
P/1 – Mas como você organizava essas viagens?
R – Quando eu era novinha? Aí eu ia com familiar. Quando eu era novinha, eu ia com pai, mãe, ia para o litoral. Ia com o pai e mãe do namorado; também iam bastante para o litoral. Quando eu comecei a viajar sozinha, aí eu me organizava para ir. Minha primeira viagem que eu fiz sozinha, longe, foi para a Alemanha. Aí, a partir daí, visitei vários lugares, tanto no Brasil quanto fora. O que foi mais marcante para mim em relação a essas viagens de que você fala, acho que a partir daí? Quando comecei eu a escolher o lugar para ir, entendeu? “Ah, vamos lá no final do ano, na praia?”. “Ah, está ok”. “Ah, vamos lá naquela casa?”. “Tá!” Porque não é a sua. Você está indo... Você está indo no banco de trás, entendeu? Quando você começa a fazer mais sozinha, é mais marcante. Porque é sua viagem, não é viagem alheia.
P/1 – E quando você percebeu que estava ao seu alcance viajar sozinha? Teve esse momento?
R – Ah, quando eu comecei a trabalhar. Você ganha independência financeira. Nesse sistema, independência financeira você compra.
P/1 – E por que a Alemanha?
R – Porque eu estudava Alemão. Porque foi um incentivo. Eu tinha estudado Inglês. Aí, eu queria fazer um outro idioma. Comecei a fazer Alemão. Achei muito interessante e aí eu fui para lá. Minha primeira viagem, que eu escolhi, foi: “Quero ir para lá”. Aí fui, gostei, e foi massa. Um país maravilhoso em termos de estrutura funcional. Tem probleminhas também. Eu fui para estudar, inclusive. Então, as viagens foram com propósito. A primeira vez que eu fui, eu falei: “Vou lá. Não vou no Biergarten”. Sabe o que é o Biergarten? Jardim de Cerveja. Então, não vou no Biergarten. Vou lá para estudar. Tem um propósito. Então eu fui, me matriculei em uma escola, para aprofundar o conhecimento, todos esses descolamentos são com um propósito. Estou me organizando para viajar agora no final do mês, com um propósito também. Eu vou participar da construção de uma sala de meditação em um sítio. Então, sempre com um propósito bacana. Aí existe essa troca, esses relacionamentos humanos, novos amores, novos... Não é?
P/1 – E você acabou criando algum costume nessas viagens? Do que levar na mala?
R – Quanto menos, melhor! Eu tive aula com um professor indiano, ele falou assim que: “Para um viajante, quanto menos bagagem mais longe você vai”. Então, nada de ficar levando secador, bobbie, não dá! Roupa que você lava, seca ali. Então. Aí eu namorei um rapaz que viajava muito e se virava muito. O que é que ele fazia? Ia com pouquíssima bagagem. Ia para uma cachoeira, tomava banho na cachoeira, lavava a roupa ali. Secava. Então assim... Você vai ficando craque em viagem. Quando você vai cada vez mais longe, então coisa que você pode usar durante um ano, que não gasta, seca rápido, é leve. E o básico. E você está bem, está bem de cabeça, está bem de espírito, está bem de físico. Aí você vai longe. Não tem que ficar carregando. Eu vejo... Eu já cheguei a ver... Eu já trabalhei com aviação também, então eu via aquelas pessoas viajando, carregando assim... É pesado! Faz mal para o corpo. Para a postura. Então, quanto menos, mais longe você vai. Não sei se tem sentido para vocês isso.
P/4 – Posso fazer?
R – Claro!
P/4 -
Você falou que trabalhou com aviação.
R – Ah, então... Era chique. Eu consegui bons empregos por causa do idioma. Não por causa de formação acadêmica, sempre por causa do Inglês. E eu estava procurando trabalho. E um dos trabalhos interessantes que eu encontrei foi para trabalhar com três companhias aéreas. Eles tinham... Criaram uma sala VIP para pessoas que eram viajantes frequentes. Esse pessoal de business, first class, primeira classe. Eles tinham o cartãozinho fidelidade, que é o cartão fidelidade nosso. Aí eles esperavam numa sala para eles, onde você servia iguarias internacionais, assim. E eles ficavam lá nesse período até eles serem chamados para o embarque. Então trabalhava... Eu atendia essa sala. A Lufthansa, alemão; a Swiss, que atualmente a Swiss era a antiga Swiss Air; e a KLM, que é holandesa. Então, eu pegava público europeu, por causa do idioma. A gente tinha uma sala, que seria a sala de espera de ônibus hoje em dia. Que é dessas mil e um, mesma coisa. Só que lá você tinha banheirinho ok, você tinha uns quitutes - é um agrado - para um passageiro que pagava uma taxa alta. Então, eu enfeitava a sala, na verdade. Eu ficava cuidando, a gente era um enfeite na verdade. Ficava lá recebendo as pessoas. “Aqui é o toalete. Aqui sua bebida”. Então era um atendimento, um concierge. Já ouviu falar nessa palavra? Concierge? Concierge virtual do cartão, que você liga, pede flores. Mesma coisa. Então, a pessoa tinha um concierge, um serviço de conciergeria, físico. Sala VIP dessas que têm nos aeroportos. Mas por causa do idioma. Só que antes de ir para a sala eu trabalhava na parte operacional de uma companhia que era terceirizada, acho que o nome dela era Transfly, uma coisa assim, ela fazia muito Caribe. Então, a gente fazia embarque e
desembarque. Eu fazia toda a parte operacional. Trabalhar com peso do avião... Porque tinha a parte técnica, fazia controle de voo, não eu, tinha os controller de voo, mas a gente fazia toda essa parte administrativa. Era um trabalho bonito também. Ônibus que voa. Então, trabalhava numa viação que voava. Mas foi... Era o Inglês. Meu Inglês estava muito bom na época, eu falava muito. Mas não foi nada técnico assim, de reparar aeronave, foi atendimento mesmo ao público.
P/1 – E nesse serviço de atendimento na sala, você chegou a receber algum pedido muito surreal, fora desse planeta, ou passou por alguma situação ali com algum cliente que não dava para atender?
R – Era tão rápido que eles entravam na sala, eram essas pessoas que viajam bastante a negócios e viajam muito, o que não tem glamour nenhum. Então o cara vai lá para querer sentar, trabalhar e ir embora. O contato era assim muito pouco, era praticamente visual, porque eles se apresentavam e quem tinha acesso era quem tinha cartão. Ele entrava e a gente falava: “Olha, está à disposição”. Então, é uma pessoa que é um viajante independente, ele está no caminho dele. Ele vai lá, pega um brigadeiro e volta para a casa dele ou para o destino que ele tem que ir. Era um trabalho rápido e objetivo, não ficava o dia inteiro lá, muito difícil. Porque a sala só abria quando o avião chegava. Só ficava nesse período. Quando ele taxiava, aí tinha a operação de tudo. E quando embarcava, ia embora. Trabalhava com esses voos três vezes por semana. Então, era muito bom. Eu gostei do ambiente internacional. Maravilhoso! Ah, sim! Se teve uma coisa inusitada? Teve! Um senhor, ele chegou ao Brasil, acho que ele perdeu ou esqueceu o passaporte. E eu o ajudei a emitir um passaporte temporário para ele sair do aeroporto. Então, como ele não tinha autorização para entrar no país, eu tive que, em nome da companhia... Eu tive que acompanhá-lo até o consulado, que é aqui na Faria Lima, para emitir esse passaporte temporário, voltar para o aeroporto, carimbar a saída dele do aeroporto, porque ele estaria... Não seria ilegal, foi escoltado até fazer o trabalho administrativo e voltar. Então, isso não foi inusitado, foi emergencial, foi um trabalho emergencial. Esse foi o mais diferente assim, de todo o comum, que era o pessoal entrar e descansar.
P/1 – E Alexandra, eu queria que você falasse como é o seu dia a dia hoje?
R – Agora?
P/1 – Como é a sua rotina hoje?
R – Atualmente, eu trabalho em caráter independente, em casa. Eu gosto bastante desse formato home office atual. Desde 2011, então eu trabalho por contrato para algumas empresas do segmento de evento corporativo e cultural também. E montei um espaço de massagem em casa, para atendimento, que eu estou indo para a linha de saúde e bem-estar. Então, além da formação clássica de trabalho, eu estou também trabalhando essa área de saúde e bem-estar. Com terapia. Eu fiz um curso de instrutora de Yoga, agora estou no Tai Chi, aprofundando um pouquinho mais no Tai Chi, e massagem. Então, não sei para onde vai isso, mas são atividades completamente distintas. Mas eu faço no mesmo ambiente. Por quê? Eu tenho um escritório em casa e um estúdio de massagem. Então, estou trabalhando essas duas vertentes. Eu participo de trabalhos voluntários, que acho que é uma forma de também você se relacionar com outras pessoas e ter acesso a outras realidades. Então, com ONG... Eu já trabalhei numa ONG, com crianças de deficiência intelectual, eu sou voluntária numa festa - uma festa matinal - que é uma festa diferente. E está em negociação eu dar aula de Yoga para a equipe de cozinheiros de uma ONG de acolhimento. Acolhe acho que cento e cinquenta homens à noite, que estão em risco, mas está em negociação ainda. Então, eu me envolvo também com voluntariado, que acho muito importante. Aqui também no Museu, porque você está estudando história, na verdade, de vida, mas são outros tipos de histórias, não aquela que aprendi, seja na faculdade ou ensino tradicional. Então, você tem acesso a outros tipos de conhecimento, porque eu já assisti a vários depoimentos aqui que eu achei fantásticos. Não adianta, cada um tem uma coisa boa para passar. Então, esse é o meu dia a dia. Eu estou disponível bastante para trabalho externo. Quando há trabalho externo, eu trabalho. Atualmente, a vida é trabalho, por enquanto. Você tem essa vertente comum, do mercado comum. E esse viés que eu estou fazendo, com tratamento terapêutico, que a gente pensa que faz para o outro, mas, na verdade, você acaba fazendo para você mesmo. Então, na verdade, é para mim mesma.
P/1 – E como você encontra esses trabalhos voluntários?
R – Ah, aí é pesquisando. Hoje em dia acho que é mais fácil, tem alguns locais especializados. Por exemplo, o Centro de Voluntariado. Você tem sites especializados nisso também, que ajudam a colocar em conexão: o Community Manager, ele trabalha com esse elo de comunicação intermediário entre quem quer e quem não quer, quem oferece e quem dá. Então, hoje em dia, é uma relação mais eletrônica para você saber disso. E eu comecei a me interessar por isso acho que de uns anos para cá. Porque eu estou com uns horários mais ociosos, aí eu acabo preenchendo dessa maneira. Eu acho que é o ideal para mim, por enquanto. Eu não sei até quando.
P/4 – Já teve algum trabalho voluntário de que você se arrependeu?
R – Não, nenhum. Porque, olha, cada voluntariado é um. Teve um de hospital, que foi... Muito pelo contrário. Teve um de um hospital que era para captação de recursos, era jantar beneficente, e era o show... A produção do show dos Demônios da Garoa. Vai ter na sexta-feira agora, que eu vou fazer, de uma cantora que eu não lembro o nome, que é da mesma empresa. Uma outra ONG, que é de apadrinhamento. Então assim... Não, nenhum.
P/4 – Qual foi o mais legal?
R – O mais legal? Então... Eu acho que ele está por vir. Ah, então... Porque cada um é uma história. Teve um que foi de deficiência intelectual, acho que esse daí foi um bem diferente, porque eu tive acesso a... Eles têm um projeto de criança e meio adolescente, crianças que têm problemas neuro. Eu, uma vez, vi uma criança... Eu nunca tinha visto, vi de longe, mas sabe pessoa que tem hidrocefalia, que é essa... Hidrocefalia, não, da Zika, a micro, microcefalia. Eu tinha... Um dos acordos - era Dia das Mães, aí eu dei duas massagens de presente, ficou acordado. Então, a mãe ia escolher quem queria fazer massagem. Uma mãe eu fiz tranquila, porque ela deixou acho que o bebê ou a criança que tinha um probleminha para alguém cuidar. E essa segunda mãe, não; ela não tinha com quem deixar a filha. A filha dela tinha a microcefalia, então a gente montou todo o local em que ela ia receber a massagem e o nenê ficou do lado da gente. Então assim... É chocante, é chocante. É um ser que não tem... Nem come. Ele come por... Injeta. Então, acho que isso foi bem assim... Você começa a olhar o ser humano, as relações humanas, a gente começa a olhar bem diferente. Porque a criança, Deus me livre. Quando eu fazia o curso de Anatomia, o professor falou assim: a galinha mesmo, o bichinho, a galinha, se a gente colocar uma touquinha na cabeça dela, ela vai parar de produzir, porque ela vai achar que é noite e vai dormir; ela funciona na luminosidade. É igual. A criança estava lá, a mãe só falou assim para mim... Ela chorava muito, eu falei assim: “Eu não vou conseguir fazer. Vamos pegar ela”. Comecei a conversar com a menininha, com o nenê. Ela falou: “Ah, não, põe um... Se a gente colocar uma venda nos olhos dela, fralda, ela vai dormir”. Então assim... É bem... É bem... Trabalhar com ONG que cuida dessa parte, com o social, com o humano, a gente passa a ser mais humano, sei lá, sobressai o humano. A gente passa mais para o divino, eu acho. Você sai desse humano e vai para o divino. A filosofia hindu fala que Deus está manifestado em tudo, em todos. Acho que todo mundo tinha que ter uma experiência internacional. Ser voluntário. Mas é um chamado dela, não é? Ser voluntário. Ver a dificuldade de uma mãe que tem uma criança dessa, aí você vê uma pessoa reclamando, rindo alto, falando alto, seja num telefone, sabe, um comportamento completamente fora de lugar, não sei. As pessoas têm que passar por muitas coisas assim para valorizar outras. Isso é o que eu vivo hoje. Como é o meu dia a dia? É passar a valorizar o outro, a outra coisa, de uma forma... Ter outras leituras, não uma só.
P/1 – A gente está caminhando para o fim, Alexandra. Tem alguma história que eu não fiz nenhuma pergunta para que você pudesse contar? E você quisesse contar para a gente?
R – Acho que não. Acho que elas estão por vir. As próximas histórias. Porque são várias.
P/1 – Alguém?
P/2 – Eu queria saber como foi essa sua mudança do curso de Letras? E o que despertou para fazer o curso de Turismo?
R – Então... Eu achei o curso de Letras fraco. Eu achei assim muito fraco, não sei. Ou não era o momento para mim, entendeu? Acho que também não gostei da estrutura da faculdade. Eu fiquei três meses. Então, em Letras tinha uma disciplina que trabalhava métricas poéticas. Eu tinha muita dificuldade para fazer essa divisão métrica. Aí eu comecei a me desinteressar. Falei assim: “Acho que eu não quero isso”. Eu fiquei em dúvida quanto ao que eu ia fazer. Pensei em fazer RP - área da Comunicação. Acho que eu prestei duas vezes RP, não passei. Aí surgiu um curso de Turismo. Não, já tinha. Mas onde eu queria fazer…. Eu fui até da primeira turma, me candidatei, passei pelo processo e cursei. E foi indo bem, gostei. Eu achei... Só que faltou bastante coisa. Aí é vivenciar, não tem jeito. É só você esperar ter a formalização do que você estudou para você conhecer. Mas foi muito bom assim, veio no momento certo, na época. Letras, eu achei muito difícil o curso de Letras. Acho que não era para mim mesmo, não é? Acho que eu já tinha outras habilidades para serem trabalhadas. Letras, você tem que ser um letrado. Eu não sou letrada. Você tem que ser muito... Tem que gostar bastante de ler. Eu não consigo ler um livro do início ao fim, eu paro várias vezes. Leio, aí depois de um ano vou voltar a ler de novo, eu tenho essa dificuldade. Do começo ao fim.
P/1 – E por que Letras, então? O que te motivou?
R – Pelo idioma. Porque quando eu fui pesquisar, eu queria fazer alguma coisa que utilizasse o que eu já tinha estudado, o Inglês. E a opção do curso era Letras, com habilitação em Inglês. Falei: “Nossa!”. Aí, eu vi que você pode trabalhar como intérprete - tradutor, intérprete. Mas aí acho que não era o que eu queria seguir quando eu fui ver exatamente, quando eu tive contato. “Ah, não! Acho que eu vou tentar uma outra habilidade”.
P/2 – Das suas viagens, para quantos lugares você foi? Faz uma lista para a gente.
R – Então... Teve uns lugares que eu só passei, outros que eu fiquei um tempinho. Vou falar de alguns que eu lembro. Eu estou viajando agora mais pelo Brasil. Bom. São Paulo, várias cidades do interior. Rio de Janeiro. Vou falar as capitais. Vamos lá! São Paulo, mas inclui o interior. Rio, BH, Recife, Curitiba, já morei na Ilha Bela, Buenos Aires, Santiago, Lima, Cidade do Panamá, Munique, Colônia, Basel – fica na Suíça, Amsterdã duas vezes, Barcelona, Reino Unido, Londres, Estados Unidos. Aí eu fiz umas viagens para umas cidades bacanas lá: Monterrey, Califórnia, que tinha até pista de Fórmula 1 no lugar, balneário bem diferente também. O que mais? Nossa!
Essas assim, as principais, que eu lembro. Agora as circunvizinhas, que eu fazia muita trilha: Teresópolis, Petrópolis, Saquarema, Búzios, Espírito Santo, Vitória, Vila Velha. Está bom? Tem outras: São Pedro...
P/2 – Qual o seu foco de destino agora, para viagem?
R – Então... Eu estou vendo, acho que a Bolívia. Eu pesquisei, comecei a pesquisar. A Bolívia, vamos ver agora se vai dar certo. E tem um site interessante, chama-se Worldpackers, conhece, não é? Então... Você tem acesso a vários lugarejos diferentes. Eu estou vendo esse para a Bolívia, de que eu falei, que tem uma cidade que se chama Florida, já ouviram falar? Fica bem ao Sul, Centro. Perto de Santa Cruz de La Sierra, e do outro lado, aquela cidade do Che Guevara, onde ele morreu - La Higuera. Conhece lá? Não? Mas sabe, não é? Ilha de Boipeba, que é uma ilha na Bahia, acho que pega entre o Centro-Sul. São esses que eu estou vendo assim, por causa de trabalho mesmo. Acho que é um trabalho voltado a Artes e outro voltado para terapia. Mas, para mim, destino é destino. Por exemplo: “Vai para Bruley?” “Vou”. “Vai para a Tailândia?”. “Vou”. “Vai para a Mongólia?”. “Vou”. Então assim... Sem fronteiras. Eu não tenho problema nenhum com qualquer lugar. Lugar que tem problemas sociais também. Seja no Oriente Médio, seja na África, apesar de que outros têm problema social também. Mas eu não tenho fronteiras, não. Só que eu acho que tenho assim uma coisa meio que com o Japão. Não sei por quê. Muito estranho. Acho que, sei lá... Esquisito. Uma coisa bem asiática, o japonês. Acho meio estranho. O Japão é um lugar que nunca me chamou a atenção. Eu iria, ok. Mas não, Nossa, que eu pesquise a respeito. S’il vous plait. Pode perguntar.
P/1 – Como foi para você contar a sua história hoje?
R – Super tranquilo. Para mim, é mais uma experiência. Normal. É uma conversa, não é? Eu acho que, no fundo, no fundo, a gente acaba falando coisas que, tranquila, tranquila, não sei se estou falando para vocês, estou falando para a câmera, estou falando para o mundo. Eu não sei se eu estou me apresentando. Se vocês estão querendo me conhecer também. Agora, eu quero perguntar: por que você fez o convite para eu fazer o depoimento?
P/1 – Energia.
R – Energia.
P/1 – Alexandra, para a gente finalizar, quais são seus sonhos?
R – Sonhos, olha... o que são sonhos? Então... É uma coisa que você pensa, que você almeja. Eu sonho, às vezes, à noite, quando acho que estou dormindo bem assim... O que é que eu sonho, não assim, estou bem. Sonhar é uma coisa muito longe. Muito longe. Às vezes, o que você sonha não é aquilo que acontece. E às vezes, o que acontece você não sonha. Então, é alguma coisa que inventaram aí. Sonho. Você está sonhando? Você sonhou? Sei lá. Quais são seus sonhos? Porque, às vezes, você planeja coisas que não acontecem, entendeu? Então, sonho nem existe. Sonho é só aquele chocolate mesmo. O bombonzinho. O Sonho de Valsa. Louco, não é?
P/1 – Então, Alexandra, muito obrigada. Foi um prazer te ouvir hoje.
R – Você gostou?
P/1 – Muito.
R – Mas assim... Eu nem imaginava o que ia falar. Então... Essa condução, posso falar?
P/1 – Pode!
R – Chega a ser até um pouco... Pelo amor de Deus, não se sinta ofendida, chega a ser até um pouco superficial do que a gente é. Do que a gente é. Do que a gente sente. Às vezes, algumas perguntinhas assim, só dão um direcionamento. Mas você não consegue passar o todo, às vezes.
P/1 – Se quiser falar a respeito.
R – Não. É só isso. Às vezes, a gente não consegue passar o todo. Parte do todo.
P/1 – Se ficou alguma coisa em aberto e você quiser falar melhor...
R – Acho que não. Acho que está. Eu que pergunto: vocês querem saber mais alguma coisa? Têm interesse?
P/1 – Tudo certo?
R – Nem você? Tudo ótimo?
P/1 – Muito obrigada, Alexandra.Recolher