Um século de desenvolvimento industrial no Brasil -100 anos da White Martins
Entrevistado por Débora Querido e Consuelo Monteiro
Depoimento de Carlos Kazume Oyama
São Paulo, 7 de novembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Depoimento WM_HV051
Transcrito por Claudia Lucena / MW Transcrições (M...Continuar leitura
Um século de desenvolvimento industrial no Brasil -100 anos da White Martins
Entrevistado por Débora Querido e Consuelo Monteiro
Depoimento de Carlos Kazume Oyama
São Paulo, 7 de novembro de 2011
Realização Museu da Pessoa
Depoimento WM_HV051
Transcrito por Claudia Lucena / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P1 – Primeiramente bem-vindo senhor Carlos, muito obrigado por ter se disposto a vir até aqui, obrigado pelo seu tempo. Para começar a entrevista eu gostaria de pedir ao senhor o nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Kazume Oyama, eu nasci em 2 de julho de 1957, sou
engenheiro eletrônico, tive muita experiência na área industrial, mas hoje eu estou na área de serviços.
P/1 – Onde o senhor nasceu?
R – Eu nasci em São Paulo, sou paulistano, paulistano da gema.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai José Oyama e minha mãe Joana Iko Oyama, ambos falecidos, infelizmente.
P/1 – Eles eram aqui de São Paulo?
R – Minha mãe era daqui de São Paulo e meu pai era do interior, de Catanduva.
P/1 – E seus avós que vieram do Japão?
R – Meu avô veio do Japão, minha avó não.
P/1 – E o senhor sabe o nome deles, um pouquinho a história deles?
R – Então, a história do meu pai é uma história um pouco difícil. Porque quando meu avô veio do Japão,
ele se casou, mas faleceu muito cedo. Teve
dois filhos. Quando ele faleceu meu pai era muito pequeno e minha tia menor ainda. A minha avó não tinha condições de sustentar os dois. Quando ela casou novamente teve que ceder o meu pai para outra família. Ele foi cuidado por outra família. Não tive contato obviamente com meu avô, e meu pai foi cuidado por outra família, não é? Os pais que cuidaram era um casal com um filho só, e aceitaram cuidar do meu pai. Isso em São Pedro, aqui no interior de São Paulo. Minha avó cuidou da minha tia,
conseguiu cuidar da filha dela, mas meu pai não teve essa mesma sorte, foi cuidado por outra família. Não que tenha sido uma tragédia, mas ele foi cuidado não pelos pais de sangue, entendeu?
P/1 – E o senhor chegou a conhecer essa família que o criou?
R – Ah, sim, conheci, conheci sim. Eram mais velhos, eles morreram. Mas aí meu pai já estava aqui em São Paulo, já estava maior, conseguiu se virar. Mas o início da infância dele foi um pouco difícil. Por que vamos dizer assim, pais
adotivos, não é? Mas eu só fui saber dessa história mais tarde quando era adulto. Meu pai quis omitir toda a história. E ele era vendedor ambulante de hortaliças, sabe, ficava vendendo com esses carrinhos de madeira, foi uma infância difícil para ele. Mas, um batalhador, depois ele teve sucesso.
P/1 – E aqui em São Paulo ele continuava...
R – Não, meu pai não teve formação educacional condizente com o sucesso, era muito trabalhador e tinha muito jeito de cuidar de manutenção, então quando ele era jovem começou a se interessar por material elétrico, foi um autodidata. Começou a mexer com motores elétricos e começou a ter técnica de enrolar motor. E ele se tornou um profissional conhecido aqui em São Paulo. Mas ele cuidava de manutenção de motores elétricos. Abriu um negócio próprio, difícil também, porque ele administrava e fazia manutenção. Então ele tinha a sua renda, mas não era uma renda muito elevada, ele se tornou um eletricista.
P/1 – E ele tinha um lugar para trabalhar ou ele ia nas casas? Como era?
R – Não, ele dividia uma lojinha no Jabaquara, uma loja pequena, e dividia com um torneiro mecânico. Dividiam as despesas. Disso, quer dizer, a infância, adolescência, e começo de vida dele não foi muito fácil. Enquanto ele casou com a minha mãe no começo de vida deles, eles moravam nos fundos dessa loja que era alugada. Era engraçado que no início eles não tinham geladeira nem fogão, sabe, então quando eu nasci eles não tinham geladeira, eles guardavam o leite, por exemplo, no vizinho, entendeu? Então a gente vai lembrando essas passagens... Foi uma vida difícil, mas conseguiram criar os três filhos, somos três. No início nós morávamos nos fundos dessa loja, e na frente ele cuidava dos motores e depois nós alugamos outra casa saímos de lá.
P/1 – Até que idade, mais ou menos, você ficou nessa casa?
R – Eu fiquei até uns quatro anos.
P/1 – Você lembra alguma coisa dessa casa?
R – Olha, eu lembro muito pouco dessa casa, mas eu lembro muito bem da loja porque depois fui crescendo e também comecei a mexer. Talvez tenha sido engenheiro eletrônico por essa proximidade com as coisas elétricas, não é?
P/1 – O senhor o ajudava lá na loja?
R – É, acho que atrapalhava mais do que ajudava, sabe? (risos) Mas eu tentava fazer alguma coisa, pelo menos recolher o lixo, desmontar, porque criança normalmente desmontar consegue, montar é que é difícil, não é? Mas a gente fazia isso, ficar desmontando as coisas, meu pai me apoiava nisso, se é que se pode dizer dessa forma. (risos)
P/1 – Depois a sua família se mudou?
R – Então, a loja era no Jabaquara, Avenida Jabaquara, e nós fomos para um local próximo, chama Vila Gumercinda. Antigamente não tinha a Imigrantes. Essa Vila Gumercinda fica bem próxima a Ricardo Jafet que é mais conhecida como Imigrantes, não é? Naquele tempo tinha o rio Ipiranga. Foi onde a gente passou a infância
era um matagal enorme, o rio era limpo, pra você ter uma ideia a gente pescava. Uma região ainda não muito explorada pelo ramo imobiliário.
P/1 – O senhor falou de rio, de pescaria, de que mais vocês brincavam lá, o senhor, seus irmãos?
R – A
gente jogava muita bola, gostava muito de esporte ao ar livre, coisas que criança gostava de fazer. Era pião, bolinha de gude, taco, futebol, a gente gostava de empinar pipa, não tinha tantos fios elétricos, não tinha tanto problema assim naquela época. Era mais ao ar livre. Isso dava um sossego pra minha mãe porque criança dentro de casa é um terror então a gente estava sempre na rua.
P/1 – E era perto do museu, não?
R – Era próximo, ficava a uns dois quilômetros aproximadamente.
P/1 – Vocês chegaram a brincar lá no jardim?
R – Não, não, a gente ficava mesmo na redondeza, depois a escola ficava próxima então a gente, ou ia a pé pra escola ou pegava o ônibus. Mas o normal é que a gente fosse a pé.
P/1 – E ainda falando da família, tinha na família alguma festa, alguma tradição japonesa?
R – Na verdade assim, todas as férias a gente se reunia no interior, em Ribeirão Pires. A gente unia todos os primos e japonês naquela época tinha muitos filhos, então eu tinha muito primo, a família era enorme. Como era um sítio relativamente grande, a gente reunia todos os primos, chegava a encontrar 15, 20 numa mesma temporada. Ficávamos na casa desta avó e a gente compartilhava as mesmas brincadeiras que
fazíamos quando estávamos
em casa. Empinar pipa, jogar bola, lá podia ir pescar tranquilamente, nadar no rio, coisas assim bem, coisas de interior mesmo, sabe? Então a gente tinha que acordar cedo para ir buscar o leite que entregavam numa rua de terra próxima, assim, a uns 500 metros aproximadamente. Então as crianças acordavam e iam buscar o leite e o pão. Então foi muito marcante na época porque a gente fez com que a família ficasse bem integrada. Mas mais tarde eu fiquei sabendo que na verdade essa não era a minha família, porque, como eu disse pra vocês, o meu pai foi criado por outra família.
Essa era por parte do segundo casamento da minha avó. Mas isso não mudou nada, porque a gente teve o mesmo tipo de relacionamento posterior, então foi marcante na minha infância. Eu, como era o mais velho, eu sempre cuidava, eu fazia as pipas pros mais novos, tomava conta quando tinha que nadar no lago: “Cuidado com isso, cuidado com aquilo”, então foi uma passagem boa. Eu, como era o mais velho, também fui o primeiro a entrar na faculdade, então isso fez com que eu virasse um pioneiro pra família, então todos os outros seguiram o caminho. Fui o primeiro a casar com uma brasileira, isso causou certo stress na família. Porque os japoneses são um pouco tradicionais e aí eu tive alguns contratempos e depois disso também abri o caminho para os demais, não é? (risos) E misturamos toda a família.
P/1 – De várias formas foi pioneiro. (risos) Falando nesse pioneirismo, a gente entra na parte da educação, o senhor também deve ter sido o primeiro a ir pra escola?
R – Sim, naquele tempo a escola pública era acessível então todos nós fizemos o ensino fundamental em escolas públicas. Felizmente a escola que era próxima à nossa residência era pública e de boa qualidade. Fiz o ensino fundamental
na escola pública. Mas naquele tempo tinha um exame chamado admissional, por que se você conclui o primário, para você passar pro colégio, você tinha que fazer um tipo de um vestibular. Então tive que passar por um processo seletivo. Terminei o colégio na escola pública e quando estava terminando o terceiro colegial, eu já tinha em mente entrar na faculdade. Naquela época eu tinha 17 anos e como meu pai não tinha muitos recursos, o que eu fiz? No segundo semestre, eu fui fazer um cursinho, o semi-intensivo do Anglo para entrar em Engenharia. Eu trabalhava para custear o cursinho. Fazia o terceiro colegial e fazia o cursinho. Naquele tempo era o MAPOFEI, o vestibular concentrando todas as faculdades, entendeu? E aí uma das opções
foi a FEI, a Faculdade de Engenharia Industrial. Naquela época uma das faculdades mais renomadas e consegui entrar.
P/1 – O senhor falou que já trabalhava nessa época, em que?
R – Pois é, comecei a trabalhar muito cedo, eu era office boy. Naquele tempo
admitiam-se menores trabalhando, então eu trabalhava como office boy de uma loja de autopeças. Quando eu fiz essa proposta de custear o cursinho eu tive apoio dos donos dessa loja. Eles flexibilizaram um pouco o meu horário, então eu fazia o cursinho de manhã, trabalhava à tarde e à noite terminava o terceiro colegial. Era um ritmo bem alucinante, porque o Anglo também era bastante puxado. Eu chegava em torno de seis e meia no cursinho, comia um lanche, ia pro trabalho e depois à noite passava em casa, ia pra escola, e voltava onze e meia mais ou menos. Então era todo dia esse...
P/1 – A escola era perto?
R – A escola do colegial sim, mas o Anglo ficava na Liberdade, onde é até hoje.
P/1 – E nessa época o senhor imaginava o quê para sua carreira?
R – A bem da verdade, assim, com 17 anos é difícil você formar uma opinião com relação ao futuro, mas uma coisa eu tinha certeza: eu queria poder ajudar os meus pais. Eu queria ser realmente um vitorioso, não é? Então o fato de eu ter conseguido entrar na faculdade, de eu ter, nessa etapa, conquistado uma série de vitórias, era isso que eu queria continuar fazendo. Ter uma projeção, uma vida melhor, para que eu pudesse proporcionar uma vida digna para os
meus pais e até os meus irmãos também, menores que eu, eu queria poder ajudar mesmo.
P/1 – O senhor sempre pensou na Engenharia, que matérias gostava mais?
R – Como eu tinha muita facilidade com exatas e como também naquela época só tinha três opções então eu escolhi a área de exatas. Engenharia fazia mais sentido para mim. Então, vou ser sincero com vocês fui por exclusão. Eu não queria Medicina e não queria área de pessoas, então optei pela área de Engenharia.
P/1 – Nessa loucura toda dava tempo de sair, se divertir um pouco?
R – Dinheiro contadinho, não é? Ia para a balada de ônibus, coisa impensável neste momento, mas era o que a gente fazia. Então a gente tinha os bailinhos de garagem, sabe? Como a maioria do pessoal morava em casa, as baladas eram feitas em garagens. O dono da casa proporcionava uma festa, reunia todos os amigos era assim que se divertia.
P/1 – Sempre ali próximo do Ipiranga?
R – Sempre próximo do Ipiranga, Saúde, que é mais próximo do Bosque da Saúde, do que do Ipiranga, então era naquela região.
P/1 – E foi nessa época que o senhor conheceu a sua esposa, não?
R – Não, eu conheci a minha esposa no último ano de Engenharia. Então, quando eu entrei na faculdade, a FEI é paga, naquela época uma faculdade particular não era uma coisa muito acessível para maior parte da população. Para mim não era diferente, então nós tínhamos dificuldade e tal, mas, combinando com meu pai eu falei assim: “Vamos fazer a faculdade, vamos enfrentar mais esse desafio”. Mas, assim, foi uma passagem marcante para mim porque nós enfrentamos o primeiro semestre, aí chegou um momento que meu pai veio conversar comigo e ele não... Não sei o quanto vocês conhecem dos japoneses, mas é um pessoal bastante orgulhoso, aliás, eu também sou orgulhoso, imagino que tenha sido difícil para o meu pai abrir o jogo e dizer que ele não conseguia pagar a faculdade. Naquela época aquilo me deu um choque, porque eu tinha feito o primeiro semestre e tinha gostado muito. Não queria sair da faculdade, então eu falei assim: “Vamos dar um jeito”. Fui buscando alternativas, continuar trabalhando seria importante. Naquele ano a Caixa Econômica Federal abriu um programa de crédito educativo, consegui me candidatar à obtenção da bolsa. Tinha alguns critérios. Uma coisa me chamou a atenção. Tínhamos que assinar um termo que era um atestado de pobreza. Sabe, aquilo marcou porque quando eu falei pro meu pai e mostrei pra ele esse atestado, eu percebi como ele ficou... Por assinar aquilo. Acho que foi a primeira vez que eu vi o meu pai chorar. Então eu tenho certeza. O sucesso que eu conquistei hoje,
aquilo que eu tenho hoje, eu devo a esse momento, que foi um momento marcante. Não esqueço, é uma coisa... A
gente procura fazer com que os nossos filhos sejam poupados, não é? Tivemos que passar por isso naquele momento e com isso consegui o crédito educativo. Foi muito bom porque financiou os meus estudos, daria uma bolsa, uma ajuda de custo. Tinha um ano de carência depois de formado para começar a pagar. Engraçado, naquela época, quando eu recebi o carnê de financiamento, a gente recebia um carnê para pagar, eu falei assim: “Não é possível, só isso?” Fui conversar com o pessoal da Caixa: “Não, é isso mesmo, está certo.” “Acho que esse dinheiro vai financiar os estudos de outras pessoas, então eu quero pagar tudo.” Fiz um acordo e ainda consegui um desconto de 50% no valor do meu débito. Fiquei super feliz, porque no fundo a gente pensa num sacrifício, mas não foi tanto assim. Essa
foi uma passagem importante para mim, ficou marcado. Mas você estava falando de quando eu conheci a minha esposa. Quando eu estava me formando, conheci a minha esposa num baile de carnaval. Engraçado, a gente pensa que essas coisas de conhecer numa festa de carnaval não dão certo, mas foi lá que a conheci. Ela estava terminando a faculdade também falei assim: “Olha, vamos combinar o seguinte: depois que a gente se formar, começamos a deslanchar,
e a gente pensa em casar” e foi o que acabou acontecendo.
P/1 – Ela também fez Engenharia?
R – Não, ela é assistente social, ela
foi mais para a área de humanas.
P/1 – Mas ainda na faculdade, quais eram as áreas que o senhor mais gostava?
R – Eu gostava muito de eletrônica. Mas via que tinha muita dificuldade em projetos. Também me incomodava um pouco ficar em bancada de laboratório.
Eu gostava daquilo, mas não era a minha praia. Então eu comecei a trabalhar mais na área de produção. Tanto que meu estágio foi na área de produção. Comecei minha carreira já num cargo de chefia, na área de manutenção e produção.
P/1 – O
senhor falou de estágio. Onde o senhor fez estágio? Fez iniciação científica?
R – O estágio eu comecei numa empresa alemã, chamada Telefunken. Hoje não existe mais. Eu peguei um período bastante promissor para os engenheiros, tinha uma carência de profissionais naquela época, isso em 1979. Eu trabalhava na Telefunken fazendo estágio lá na área de produção de TV. Aí
recebi um convite da Philco para que eu assumisse um cargo de chefia, antes mesmo de me formar. Então aceitei o desafio. Fui chefe de manutenção e engenharia antes de me formar, uns três meses antes. Comecei minha carreira na indústria dessa forma.
P/1 – Você falou que era uma época boa para os engenheiros, explica um pouquinho esse contexto.
R – Pois é. Não imaginava, porque o Brasil passou por uma recessão muito grande. O
Brasil sempre foi o país do futuro. Hoje estamos fazendo com que esse país seja o presente, mas
naquela época se falava muito que o Brasil era um país promissor. E os cursos de Engenharia, apesar de ter alguns importantes, não era o suficiente para atender toda a demanda. Então muitas empresas começaram a se formar naquela época, eu me lembro que a Petrobrás tinha um processo seletivo bastante importante, com muitas oportunidades para engenheiros, isso em 1978, para estagiários. A própria Itautec também teve um processo bastante importante. As empresas estavam se preparando para o futuro e foi nesse momento que eu me formei. Logo
em seguida, em 1982 provavelmente, 1983,
tivemos outra recessão. Tínhamos um índice de desemprego bastante amplo. Mas eu sempre consegui me manter empregado nesse período. Saí da Philco e depois fui pra Itautec.
P/1 – O senhor falou da Petrobrás, da Itautec, o senhor chegou a fazer algum processo de seleção antes de ter se formado?
R – Sim, eu participei do processo, tanto do Itaú como da Petrobrás. Em ambos. Mas por opção fiquei em São Paulo, porque a Petrobrás era fora, na plataforma do
Rio de Janeiro, em Campos. A
Itautec
era
aqui em São Paulo. Era uma empresa ainda muito embrionária. Eu estava numa boa empresa, uma empresa multinacional naquela época. Então resolvi ficar.
P/1 – E o senhor lembra se a maioria de seus colegas de Engenharia foi para indústria?
R – A escola pública que nós frequentamos era uma escola muito boa. Todos os meus colegas de turma estão muito bem. Alguns optaram pela área de Medicina, outros optaram pela área de Engenharia e outros mais na área de Ciências Humanas. Todos eles tão muito bem, cada um em sua área. Alguns são jornalistas, médicos, administradores, outros são empresários. Mas da faculdade, eu tive mais contato com o pessoal de Engenharia obviamente. Hoje todo o pessoal que eu ainda
tenho contato, está como executivo em grandes empresas. Então, assim, eu vim de uma safra muito boa. Todos bem posicionados, muito felizes de... O sucesso atrai sucesso, então acho que o grupo que conquistou é o grupo que permanece. Acho que isso faz todo o sentido.
P/1 – E a indústria, então, foi o que mais absorveu esses engenheiros?
R – Na época sim, porque muitas empresas estavam montando seu processo produtivo no país, tanto é que São Paulo começou a ser o pólo industrial. Existia um processo de você tentar descentralizar... De abertura da zona franca de Manaus, essa iniciativa mais recente de centros na Bahia, no Paraná, mesmo no Sul. Como o Brasil é um país continental, era importante nós descentralizarmos para dar oportunidade também para as outras regiões. Mas na época o centro das atenções era o eixo São Paulo – Rio. Mais São Paulo, tanto que São Bernardo se tornou o centro da indústria automobilística. Não é mais, mas naquela época era isso que estava se formando estrategicamente, um pólo da indústria automobilística.
P/1 – O senhor nunca chegou a pensar em ir para esse setor?
R – Eu ia. No tempo da Philco, nós éramos fornecedores da Ford. A Philco na época pertencia à Ford e nós fabricávamos os rádios que iam ser montados dentro dos carros, entendeu? Então a gente não deixou de atuar no mercado automobilístico, éramos fornecedores indiretos. Mas claro que muito das técnicas, muito do conhecimento advém da indústria automobilística. Hoje, muito das ferramentas são oriundas da indústria automobilística. Ferramentas de qualidade, conceitos, avaliação de mercado, indicadores, tudo isso advém da indústria automobilística. Naquele momento foi importante para o país, estar
preparando o mercado para absorver mão de obra especializada na indústria automobilística, não é?
P/1 – O senhor sabe mais ou menos quando essas inovações da indústria automobilística começaram a se expandir?
R – Olha, há muito tempo atrás. Porque tudo o que você utiliza hoje de técnicas produtivas e qualidade advém da indústria automobilística. Mesmo na época da década de 1980, muitos exemplos vinham da Ford, tipo produção em série. As técnicas da Toyota. Tudo isso começou a se tornar referência inclusive para outros mercados. Quando, na Segunda Guerra Mundial, a gente... O Japão obviamente sofreu muito com a guerra, mas na reconstrução não bastava produzir muito, tinha-se que produzir bem. Aí, começaram a se desenvolver uma série de ferramentas. Círculos de qualidade, certificações, técnicas para aumentar a produtividade, indicadores. Hoje se fala muito em Six Sigma, também vem da indústria automobilística. Então são práticas que acabam se permeando dentro do mercado como um todo. Têm ferramentas muito interessantes, a FMEA,
o Six Sigma como eu comentei. Na época tinha muito a questão do just in time de se fornecer exatamente na hora que você precisa para que não gerar estoque. Foi um período bastante fértil para a área de Engenharia e hoje é quase uma condição sine qua non, um pré-requisito, para as empresas bem sucedidas. Ferramentas adequadas para que você possa fazer uma boa gestão da sua empresa.
P/1 – Comenta um pouco a situação da Philco nesse momento, ela fornecia para Ford, o que mais ela produzia?
R – Pois é. Na indústria automobilística ela demandou uma série de fornecedores. Começou uma estratégia de se criar subconjuntos para melhorar a capacidade produtiva. Porque se você verticalizasse tudo talvez você ficasse com dificuldades de gestão. Então, por esse motivo, a Ford, que era basicamente mecânica, teve a ideia de ter uma fábrica de eletrônica. No início era basicamente um carro mecânico, mas começou um embrião da indústria eletrônica para suportar os avanços tecnológicos da indústria mecânica. Hoje você vê carros com vidro elétrico, com injeção eletrônica.
Foi uma iniciativa super importante. Na época nós produzíamos o rádio, mas também produzíamos relógio digital, era uma novidade aquilo, colocar um carro com um displayzinho de LCD. Aquilo era um acessório importantíssimo. Hoje vocês não dão valor nenhum para esse tipo de tecnologia, mas na época era o supra sumo. Foi importante para a Ford ter um braço em eletrônica. No início não foi tão relevante. Com o passar do tempo essa tecnologia embarcada, que o pessoal chama, começou a ter mais ingredientes. Vidro elétrico, injeção eletrônica, bombas elétricas, os bancos movidos a motor,
uma série de, vamos dizer assim, acessórios. Os carros quando começaram era tudo basicamente mecânico. Aquele momento foi importante. Os engenheiros eletrônicos também tiveram participação nisso. Começaram a embarcar uma série de recursos nos carros.
P/2 – Era uma característica do momento industrial brasileiro?
R – Acho que não o brasileiro. Internacionalmente a maior parte das grandes empresas investiu bastante em eletrônica.
P/1 – Estávamos falando um pouco dessa tecnologia. O senhor depois foi para a Philips. A atuação da Philips também era parecida?
R – Não, nós éramos fornecedores de rádios e componentes do rádio. Naquela época também teve um boom internacional de componentes eletrônicos. A
Philips era uma das grandes nesse ramo. Juntei-me à Philips nesse período como Gerente de Produto na área de componentes eletrônicos: diodos, resistores, circuitos integrados, transistores era a minha praia. Mas foi um período curto da minha carreira, fiquei quase dois anos.
P/1 – Explica um pouquinho pra gente o que são essas...?
R – Quando você tem uma placa eletrônica, para que ela funcione você precisa de uma série de componentes. Diodos, resistores, circuitos integrados são os componentes vitais para que funcione a eletrônica. Então o meu papel era auxiliar a indústria de consumo. Íamos oferecer subsídios para que eles pudessem desenvolver novos produtos. Naquele tempo começou os “três em um” da vida, sabe, rádios que
tinham mais funcionalidades. A tecnologia começou a avançar rapidamente naquele período, então apareciam muitas oportunidades. Quando eu saí da Philco e me juntei à Philips foi uma questão de oportunidade mesmo, de dar uma alavancada na minha carreira. Nesse período o Brasil estava tentando desenvolver uma política industrial e naquela época se desenhou a reserva de mercado. Ficaram proibidas as importações, então nós restringimos o mercado de tal forma que pudéssemos absorver tecnologia na área de eletrônica. Foi feita uma grande licitação em que dois grandes grupos puderam explorar esse mercado com incentivos fiscais:
o Itaú e o Bradesco. O
Itaú montou a Itautec, já tinha a Itautec como um embrião, e o Bradesco a Digilab. Foram as duas grandes empresas daquela época. Surgiu uma terceira, a Elebra, para explorar a área de eletrônica. Foi uma grande oportunidade e nesse momento a Itautec decidiu entrar na área de componentes eletrônicos. Aí me puxaram para trabalhar nessa área para desenvolver o mercado de componentes eletrônicos. Porque assim, na eletrônica, entendemos que onde tem o maior valor agregado, o coração da coisa é o componente eletrônico. Os chips contém uma série de funcionalidades que são baseadas na inteligência, na propriedade intelectual, entendeu? Conseguir miniaturizar colocando todas as funções dessa placa enorme dentro de um componente eletrônico era o grande apelo da reserva de mercado. Poder absorver essa tecnologia aqui no Brasil. Para isso eles quiseram fechar o mercado. A ideia poderia ser boa, mas na verdade trouxe um atraso tecnológico muito grande para o país porque muitas tecnologias não eram acessíveis. Tentamos desenvolver nossos próprios computadores,
tentamos desenvolver uma série de softwares, mas não conseguimos
realizar. Tanto que depois culminou com a abertura de mercado, que eu não me lembro muito bem a época acho que foi na época do Collor.
P/1 – Final da década de 1980.
R – É
acho que noventa e pouco, não me lembro muito bem a data. Foi um período em que a abertura fez com que, isso valia não só para o mercado de eletrônicos, mas também para os carros. Não sei se vocês lembram essa época, não
tínhamos
acesso a carro importado, então a gente ficou sempre com os fusquinhas da vida, os fiatzinhos. A abertura de mercado fez com que nós avançássemos brutalmente na questão de tecnologia, tornando-a
acessível à população.
P/1 – E
essa importação de tecnologia vinha de onde?
R – Dos mais diversos centros, dos Estados Unidos basicamente, mas vinha do Japão, vinha da Europa.
P/1 – O senhor comentou que ainda na década de 1980 houve tentativas de desenvolver uma tecnologia própria. Como a Itautec, investia nisso?
R – O processo de fabricação de componentes eletrônicos é um processo bastante complexo. Podia-se dividir isso basicamente em três grandes blocos:
um do projeto em si, do desenho do componente eletrônico; outro que era a fábrica de difusão, a fabricação do chip, e o
terceiro
a montagem desse chip para que você pudesse acessar o mundo externo. Geralmente o componente tem alguns terminais que dão acesso ao mundo externo. Então a Itautec investiu nessas três áreas, tanto na área de projeto, timidamente na área de difusão e fortemente na área de produção. Tínhamos bons projetistas, boa fábrica, mas a gente não tinha difusão. Por quê? Porque a gente nunca conseguiu viabilizar uma fábrica de ponta, de chip. Porque os investimentos eram caríssimos. A questão da precisão, a questão do ambiente controlado dificultava e muito você montar uma fábrica de fusão. Até hoje, poucos centros detém a fabricação de chip. Então apesar da Itautec ter investido nessas duas pontas a defasagem da fábrica de difusão, atrasando o investimento, comprometeu toda a cadeia. Então a gente fazia aqui, e tinha que mandar para fora para difundir o chip, para depois voltar e montar. Não era um processo harmônico. Isso fragilizou muito a questão estratégica, e no final da década abandonamos inclusive o projeto. Ficamos somente com a montagem e os testes de componentes eletrônicos, que é a fase final do processo. Isso não tem muito valor agregado, não tem muita propriedade intelectual nisso, culminou com o fechamento da fábrica.
P/1 – E nesse período de montagem o mercado já estava aberto?
R – Permaneceu em torno de dez anos com o mercado aberto, mas só montando.
P/1 – Uma curiosidade: em alguma dessas fases se utilizava gases?
R – Sempre se usaram gases. Quando você tem o processo de acuracidade, de precisão, você precisa de um ambiente inerte, entendeu? Normalmente nós protegíamos com gás e o gás era o nitrogênio. Como se usava muito alumínio,
o alumínio se oxida muito fácil. Armazenávamos o alumínio puro em cabines de nitrogênio gasoso, nós tínhamos um tanque de nitrogênio e o insuflavámos dentro das cabines. Em
alguns equipamentos
produtivos nós usávamos gases para tornar o ambiente inerte.
P/1 – Também era o nitrogênio?
R – Também era o nitrogênio.
P/1 – Era basicamente o nitrogênio?
R – A gente usava oxigênio também. Por quê? Porque quando você fazia fusão, por exemplo, a conexão que se
fazia do chip com o ambiente externo era com fio de ouro, entendeu? Então para você fundir o ouro nós usávamos maçarico que era alimentado por oxigênio, então ele fazia uma bolinha dentro de um ambiente inerte para fazer uma fusão bem feita. Para isso a gente usava oxigênio e nitrogênio.
P/1 – E o senhor já tinha contato com a White Martins nesse período?
R – Eu tinha contato com gases em geral, e na época da Itautec eu fui contratado para justamente montar uma fábrica de montagem e testes. E nós começamos com uma fábrica pequena na região do Ipiranga, perto da matriz que ficava ali na Avenida do Estado. Depois o Itaú saiu de lá montou na
Conceição. Mas o centro nervoso era ali, onde ficavam todos os computadores,
e nós montamos uma fábrica pequena do lado. O grande salto foi em 1990 quando construímos uma fábrica em Jundiaí. Saímos do zero, construímos uma fábrica enorme com toda a infraestrutura. Desde o tempo da pequena fábrica no Ipiranga tínhamos fornecedores de gases. Naquela época
comprávamos da Air Products, mas quando
fomos para Jundiaí comecei a ter contato com a White Martins, porque o provedor de serviços de gases para nós era a White Martins, isso foi em... 1987... 1988.
P/1 – E aí o senhor foi junto com a Itautec para Jundiaí?
R – Isso, porque eu era o responsável pela manufatura, era o Gerente de Manufatura da Itautec, na área de componentes eletrônicos.
P/1 – E até quando o senhor ficou na Itautec?
R – Na Itautec eu fiquei 18 anos, fiquei muito tempo.
P/1 – E ainda lá em Jundiaí como...
R – Pois é. Fiquei quase dez, eu morava em São Paulo, trabalhava em Jundiaí, então eu me deslocava todos os dias para lá.
P/1 – A unidade lá ainda existe?
R – Ela existe, mas não fabricando componentes eletrônicos, que era o principal produto naquela época. A planta continua lá.
P/1 – E quando o senhor saiu ainda era o responsável da unidade de componentes eletrônicos lá de Jundiaí?
R – Sim, isso mesmo.
P/1 – Como foi a saída da Itautec?
R – Como eu fiquei um pouco decepcionado com o modo como as coisas caminharam, principalmente dentro da política industrial desse país quando se montou a reserva de mercado e a gente não conseguiu viabilizar a questão da tecnologia em desenho, da arquitetura de componentes. Como ficou só a área de montagem, e o mercado ficou competitivo, nos tornamos muito sensíveis às variações de preço. Nós continuamos insistindo, quer dizer, na verdade eu continuei insistindo nessa área, mas certo momento da minha carreira eu fiz uma reflexão e resolvi mudar o rumo. Optei pela área de serviços. Isso culminou mais ou menos com a vocação de São Paulo também. Como eu não queria sair de São Paulo e a maior parte das indústrias estava saindo de São Paulo, fiz uma análise, uma reflexão e optei pela área de serviços. Foi por esse motivo que eu fui para a
área da saúde e me juntei ao Einstein.
P/1 – Comente um pouquinho essa demanda por serviço em São Paulo, o senhor voltando ao mercado...
R – Tínhamos uma política que era mais voltada para a indústria, e a estratégia do governo de descentralizar as atividades industriais correu bem. Hoje
temos pólos importantes fora de São Paulo. Houve uma série de iniciativas na questão de serviços em todas as áreas, não é? Serviços bancários, serviços de suporte na área de informática, desenvolvimento de softwares, aplicações. Uma expertise muito mais voltada a serviços. Percebi que minha carreira deveria se voltar para área de serviços. Para que pudesse prover, não produtos, mas serviços agregados. Foi por esse motivo que eu optei por mudar a minha carreira.
P/1 – O próprio Grupo Itaú também se voltou aos serviços?
R – Acho que todas as empresas que de alguma forma tem produtos profissionais, começaram a identificar que agregar valor seria agregar serviços, entendeu? Você não podia ter um produto como commodity, simplesmente entrar numa guerra de preços. Você tem que atrelar ao fornecimento de um determinado produto, serviços de retaguarda. Da mesma forma qualquer empresa
tem que estar sempre voltada ao pós venda. Não basta você fornecer um produto, mas fornecer assistência à utilização desse produto faz a diferença. Então comentando um pouquinho sobre essa questão dos gases. Os gases do ar é mais ou menos isso. Se você tratar como commodity você vai estar sempre sujeito a pressão de preços. A partir do momento que você agrega serviços você começa a trazer um diferencial para aquele que recebe o serviço. Como eu estava fazendo esse movimento na minha carreira optei
procurar na área de serviços. E a área de serviços de saúde estava num momento de profissionalização. Procurava identificar profissionais no mercado para agregar valor à área de serviços. Porque serviços muitas vezes é intuitivo. “Vou prestar um serviço”... Quem recebe o serviço
precisa perceber que aquilo tem um valor, não é pura e simplesmente ser contratado para fornecer apenas aquilo que foi concebido, não é? Mas poder ampliar um pouquinho mais sua atuação. Serviços têm muito essa característica, tem um valor percebido. Se não se percebe um valor vira uma commodity, entendeu? Então esse movimento da saúde começou atrair outros profissionais de outras áreas, que foi meu caso. Fiquei bastante empolgado com o projeto do Hospital Albert Einstein de certificação de qualidade. Foi o início da
questão da certificação. O Einstein como sempre é o pioneiro. Começou a identificar, a estruturar a organização para que pudesse dar um salto de qualidade. Como eu já tinha muita experiência na área de produção, com técnicas de produção, de produtividade, de qualidade, tinha tudo a ver. Apesar de eu não conhecer a área de saúde, até porque eu não sou médico, sou engenheiro, as técnicas de gestão estavam enraizadas, entendeu? Então foi uma troca bastante importante. Essa experiência que a gente adquiriu na gestão industrial, com todas essas ferramentas de qualidade, pôde ser aplicada também na área de saúde. Claro que agente deu uma roupagem diferente, um modo de implementar diferente. Porque obviamente são características de um público de consumo diferente, de alguém que precisa se reabilitar, não é? Então tem que ser tratado de uma forma diferente. Mas as técnicas de mensuração, de evolução, elas podem ser aplicadas. Foi um momento importante porque a saúde também estava se profissionalizando e eu peguei carona nesse crescimento.
P/1 – E quais foram as principais dificuldades?
R – Eu
diria que é outra realidade, completamente diferente. Uma das maiores dificuldades que eu senti era justamente a questão de quem era o cliente. Quando você olha a área de consumo, você vê um produto voltado para o consumidor, não é? A questão de saúde nem sempre é uma questão de opção. A pessoa está precisando de ajuda. A percepção dela muda completamente. As grandes diferenças são: primeiro a pessoa não está lá porque quer. Está lá
porque precisa. O
modo como você trata essa necessidade do cliente muda completamente a maneira como você vai implementar. Outra questão é: nós trabalhamos com médicos. Os médicos também têm suas práticas
protocolares, têm características técnicas diferentes. Atender a essa necessidade do médico também é um desafio. Então começamos a trabalhar no sentido de criar uma infraestrutura adequada para pudéssemos
prestar um serviço de qualidade, sob o ponto de vista de
suporte à boa prática, tanto assistencial como médica. Isso nós conseguimos equacionar. Estamos conseguindo também utilizar
recursos que minimizem o impacto sobre o meio ambiente. Existe um plano diretor para resolver isso, mas ainda temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito à segurança do paciente, à questão dos protocolos de atendimento, aos protocolos dos médicos, ainda temos um bom caminho a percorrer.
P/1 – O senhor entrou no Hospital Albert Einstein em que cargo?
R – Entrei como Gerente de Engenharia e Manutenção, porque na verdade eu fui contratado para que fosse contemplada essa questão da infraestrutura. Muitas vezes você vê um hospital pela sua aparência externa e nós estávamos preocupados em garantir que toda a funcionalidade da estrutura estivesse garantida. Para se garantir isso tem que olhar o bastidor. Começamos então,
a avaliar o sistema de ar condicionado, o sistema de abastecimento de água, de energia elétrica, geradores, gases, como a gente queria os sistemas redundantes para poder
garantir a segurança no uso das instalações: esse era o meu desafio. E, assim, entendemos que nós demos um passo gigantesco, nós temos uma estrutura de primeiro mundo. Acredito que as nossas instalações não devem nada para ninguém.
P/1 – Falando um pouquinho de infraestrutura, quer dizer, é o principal (risos). Só para deixar mais claro. O senhor poderia contar um pouquinho a história do Albert Einstein, como
começou essa estrutura, como ela foi se desenvolvendo.
R – Ela foi idealizada por imigrantes judeus. Judeus empreendedores. Na época eles se juntaram, e começaram. Eu não estava obviamente nessa época, mas o sentimento de gratidão do povo judeu... Começaram a idealizar um hospital a
partir de um terreno doado pela Klabin. E de uma série de iniciativas voluntárias de pessoas que realmente queriam fazer daquilo
realidade. Primeiro com pronto atendimento, depois a maternidade. Aí começou a
crescer. É
uma entidade filantrópica, não tem dono, tem uma série de conselheiros que suportam a operação do hospital. Está organizada com uma governança corporativa muito bem estruturada. Tem como desafio a sustentabilidade do hospital e perpetuar essa atividade. É uma iniciativa louvável da comunidade judaica. O espírito é justamente esse: poder
realmente ratificar esse sentimento de gratidão para a comunidade brasileira. Isso não só na prestação de serviços de saúde, mas também disseminando conhecimento, respeitando a legislação, proporcionando oportunidades para as pessoas menos favorecidas,
atividades filantrópicas, como por exemplo, o atendimento pediátrico na unidade de Paraisópolis. A questão da responsabilidade social bastante forte sabe? Para a favela que é a segunda maior de São Paulo. Então é assim, uma série de atividades que colaboram para essa iniciativa que tem se tornado um sucesso, não é?
P/1 – Quantas unidades têm hoje o hospital?
R – Somos nove unidades, a central que fica no Morumbi e oito distribuídas na Grande São Paulo.
P/1 – E o senhor foi cuidar da infraestrutura das nove?
R – Na
época eu cuidava de infraestrutura. Hoje existe uma Diretoria de Engenharia e Obras que não pertence a mim. Nesse crescimento da organização
fui convidado para compor a diretoria de suprimentos e logística, então toda a parte de compras fica sob a minha responsabilidade, entendeu?
P/1 – Quais cargos o senhor ocupou?
R – Na verdade foram esses dois: Gerente de Engenharia e Manutenção, depois o nome mudou porque nós criamos a Engenharia Clínica, que é uma engenharia mais voltada a equipamentos eletro médicos. Depois eu fui exercer essa
função já no cargo de Diretoria de Suprimentos e Logística.
P/1 – Conta um pouquinho sua rotina na empresa, suas funções dentro da Logística.
R – Meu dia a dia se mistura entre atividades, vamos dizer assim, de atendimento às necessidades médicas assistenciais do hospital, e outra parte um pouco mais estruturada que é planejar a
demanda, a administração na utilização dos recursos materiais do hospital e obviamente toda a negociação com os fornecedores. Temos uma base de fornecedores bastante elevada,
mais de três mil fornecedores ativos. Então a minha tarefa está voltada tanto pro dia a dia na administração dos problemas diários que tem um hospital, mas também na questão de um relacionamento de médio e longo prazo com os fornecedores. Obviamente tudo isso dentro de metas bastante audaciosas de gestão. Redução de custos e
aumento de margem, fazem parte do nosso metiê, não é? Não tem como escapar disso.
P/1 – Você falou dos fornecedores de médio e longo prazo. Quais seriam os de curto prazo?
R – Os de curto prazo são aqueles que realmente não tem nenhum tipo de relacionamento com o hospital. Significam uma relação mais comercial. Por exemplo, preciso de um determinado produto, compro e abasteço. Esse é, vamos dizer assim, o relacionamento comercial de curto prazo. Os de médio e
longo prazo a gente constrói pautado em outros valores, mais especificamente em relação aos gases, por exemplo.
A White Martins faz parte do nosso grupo de fornecedores, portanto, não basta me fornecerem só o
gás. Temos que nos
preocupar
com o desperdício, com a qualidade. O relacionamento que você constrói
extrapola a relação comercial. Tem que ser pautado
em
ações não só comerciais. Então, por exemplo, identificar oportunidades de melhoria contrapondo às
dificuldades na gestão do próprio consumo do gás. O desafio é assim: tudo bem, a gente pode aumentar os negócios, mas o uso deve ser otimizado. Alguns casos que
fizemos juntos, por exemplo, o nitrogênio: no abastecimento, quando o nitrogênio entra em contato com o ar ele solidifica em gelo gerando certo desperdício de água. Dessa forma, fizemos um trabalho juntos de capturar essa água que escorre e reutilizar. Fizemos um trabalho, por exemplo, de redução de pressão para reduzir o consumo, entendeu? Esse é um trabalho que não visa simplesmente uma relação comercial, mas sim uma relação de ganho futuro, porque o meu crescimento vai ser o crescimento
dos meus fornecedores. Esse é o meu maior desafio, fazer com que exista uma relação de médio, longo prazo, de ética, de transparência, de ganho. É isso que a gente procura desenvolver no nosso trabalho, não é?
P/1 – Uma parceria mesmo.
R – Sem dúvida. É isso que eu entendo por
relacionamento de médio, longo prazo. A gente deixa para o dia a dia uma compra spot, isso é um relacionamento pontual. O que mais nos interessa é um relacionamento que dê continuidade na relação.
P/1 – O senhor deu alguns exemplos de medidas que, junto com a White Martins, vocês fizeram para reduzir custo. Impossível não pensar na sustentabilidade. O senhor também já tinha comentado os protocolos.
Como tentar protocolar viabilizando a sustentabilidade?
R – Olha, eu não tenho a resposta, assim, objetiva com relação a essa questão, mas o que a gente procura fazer é ter indicadores que possam despertar ações do corpo clínico. Acredito que nenhuma ação de sustentabilidade a gente consiga fazer sem que haja um compromisso entre as partes. Como eu disse, eu sou engenheiro, não sou médico, então quem sou eu para dizer para o médico qual material ele tem de utilizar ou que medicamento ele deve utilizar. Posso
fornecer elementos que permitam
uma boa gestão. Posso dizer: “Na sua cirurgia o senhor utilizou tais e tais
medicamentos. Alguns médicos utilizaram outro tipo de material a custos
menores”. Isso eu forneço. Isso pode despertar e rever ações da prática dele. Essa relação de continuidade também é uma ação de médio, longo prazo. Com os parceiros médicos, eu tenho tido muito sucesso com isso. Agora não é uma tarefa fácil porque nem todas as doenças são iguais, nem todos os tratamentos são iguais, então padronizar na área de saúde ainda é um desafio. Naquilo que tiver uma dispersão normal, numa curva que seja administrável, você consegue protocolar, caso contrário é muito difícil de fazer isso.
P/1 – Mas são vocês na sua área que ficam de intermediários entre a fornecedora White Martins e os médicos que são os usuários mesmo?
R – Exato, é isso mesmo. Então, sob ponto de vista de infraestrutura o que a gente procura fornecer é o gás no ponto de uso. Que esteja na qualidade desejada, que esteja no custo adequado, isso eu posso garantir. Mas o protocolo de uso do gás eu preciso da ajuda do médico. Então esse é o nosso papel, esse é o nosso desafio quando a gente fala sobre relacionamento entre o hospital com o fornecedor, não é? E nos organizamos internamente para
trabalhar com o corpo clínico e o corpo assistencial que são as enfermeiras. Então não existe uma resposta objetiva, mas existe uma, vamos dizer assim,
existe uma negociação da priorização de uma ação mais econômica ou uma ação mais de assistência ao paciente.
P/1 - Em relação à White Martins com o corpo médico, o seu papel acho que ficou bem claro...
R – O meu problema sempre foi interferir na prática dele, então quando você fala de padronizar sempre você está restringindo.
P/1 – Você estava falando da importância dos protocolos no hospital...
R – Então, a estratégia de termos protocolos é no sentido de você propiciar o melhor procedimento para deter determinada situação. A gente não quer padronizar, não é uma questão de utilizar esse ou aquele. O que nós vamos procurar evidenciar é que durante uma boa prática se você coletar informações relevantes você pode fornecer um protocolo que trará o melhor resultado, isso de forma científica, isso de forma, vamos dizer assim, histórica, não é?
Então vai propiciar uma ferramenta importante para uma boa assistência ao
paciente, não há intenção nenhuma de restringir a utilização em caso de necessidade. A questão é que a gente procura simplesmente ter uma ação mais protocolar.
P/1 – O senhor falou de pesquisas no sentido de estar elaborando essa estrutura protocolar, existe alguma parceria do Hospital Albert Einstein com universidades?
R – O
que a gente procura quando a gente começa a discutir uma relação que extrapola a relação comercial é justamente nesse aspecto. Eu posso ter ações de pesquisa, evidenciar um determinado resultado, seja ele bom ou ruim, mas que propicie a adoção daquele determinado tipo de protocolo, essa é uma maneira. A outra questão é mais educacional, eu posso ter a ajuda dos fornecedores no sentido de educar na correta utilização daquele material. E executar ações de responsabilidade social que possam permear o atendimento público, entendeu? Então nós temos muitas alternativas nesses relacionamentos que podem ser desenvolvidas, mas o mercado ainda está muito aquém daquilo que poderia oferecer de benefícios. O meu papel também é despertar esse interesse nos fornecedores para que a gente possa dar muito mais do que simplesmente produto, entendeu? Então é um desafio grande porque aquela questão da sustentabilidade está ligada a sustentabilidade financeira que na área de saúde não deveria ser o principal foco. A gente precisa dar a melhor assistência possível para o paciente, claro que saúde tem custo, mas a gente precisa ter foco no paciente e não no custo.
P/1 – Ainda nessa ideia de parceria, de pensar serviços para que não seja apenas uma commodity, comenta um pouquinho da relação específica entre
Albert Einstein e White Martins. O que já foi feito, o que está sendo feito, o que já foi conquistado.
R – Pois é. Citei alguns exemplos de ações que nós fizemos em conjunto, mas acho que não custa repetir. Tivemos ações de reutilização de água, já foram feitas. Redução de pressão de realimentação da rede para utilizar melhor o gás. Temos um sistema de monitoramento que minimiza a entrada de caminhões para reabastecimento, ele só vai quando tiver com o nível baixo. São ações que melhoram, otimizam os recursos de modo geral.
P/1 – Mas eu digo assim, para
próprio paciente mesmo, tem alguma ação que o paciente sinta diretamente?
R – O paciente não percebe esses benefícios diretamente porque é uma questão de infraestrutura. É como
se você tivesse uma energia elétrica,
você coloca na tomada, funciona ou não funciona. Ele não vai ver a qualidade, por exemplo, da energia elétrica, se ela está em 110 volts, se ela está em 60 hertz,
não percebe isso, só sabe se tem ou não tem. O que nós procuramos fazer é que a assistência ao paciente seja a mais tranquila possível. O que ele vai perceber é que se
precisar do gás,
o gás tem que estar disponível, entendeu? Então não há uma percepção nítida por parte do paciente no gás especificamente.
P/1 – Mas então tem um armazenamento no próprio hospital?
R – Temos,
temos um sistema de armazenamento e
também
um banco de cilindros em caso de emergência, entendeu? Então nós temos sistemas redundantes que garantem que o paciente não perceba a ausência daquele insumo, esse é o papel do hospital, não é? Quer dizer, você ter uma infraestrutura que garanta a utilização sem problemas para o paciente. Porque na verdade o paciente quando está em nossas instalações, está de alguma forma,
fragilizado. Se estiver
na cirurgia ele está anestesiado, portanto ele não tem noção do que está
acontecendo naquele momento, ou quando está dentro do nosso apartamento. De qualquer forma ele está fragilizado precisando de atenção. Uma série de recursos é disponibilizada para que ele se sinta o melhor possível. Ele não tem a noção completa dos recursos que são utilizados para que ele se sinta dessa forma, desde o sinal de TV,
o sinal do telefone, o WI-FI, sabe? Refeição, limpeza, é uma gama de serviços que a gente coloca à disposição, não pode falhar, e o gás é um deles. Não pode falhar. Ele só vai perceber se falhar entendeu?
P/1 – Então essa parceria da White Martins com o Hospital Albert Einstein está mais no sentido de abastecimento e de garantir que não vai ter falhas.
R – Sob o ponto de vista do paciente você pode resumir dessa forma. Mas, por trás disso, temos o sistema de monitoramento, o sistema de garantia da qualidade. Por exemplo, temos a rastreabilidade das origens dos gases, entendeu? Tudo isso o paciente não percebe. O nível de serviço do fornecedor
é monitorado o tempo todo. Não poderia simplificar demasiadamente dizendo que nosso relacionamento está simplesmente ligado ao abastecimento, não. Por trás do abastecimento nós temos uma série de ações conjuntas para que realmente a gente tenha o nível de serviço bastante elevado. A questão da pureza do gás, a questão da rastreabilidade, da equipe especializada e técnica que suporta essa operação, da disponibilidade das fábricas, tudo isso precisa estar claro neste relacionamento.
P/1 – E esses são os serviços que a White Martins oferece?
R – Exatamente, é isso que nós precisamos que ela ofereça.
P/1 – O Hospital Albert Einstein entrou no programa Cliente Mais da empresa, o que mudou, quais foram as melhorias?
R – Esse tipo de ação é a que realmente fortalece o comprometimento a médio, longo prazo: a White Martins percebe que precisa oferecer mais do que simplesmente o produto. Precisa evidenciar as melhorias que faz no atendimento do fornecimento do produto, entendeu? Então acho que ratifica esse compromisso, evidenciando, relatando, formalizando o nosso conhecimento. Porque no fundo o que a gente está procurando fazer é formalizar o conhecimento. Toda a evolução
é retratada,
formalizada, para que isso não caia,
seja uma
aquisição de conhecimento.
P/1 – Existe algum treinamento por parte da White Martins aos médicos e enfermeiras?
R – Por parte da White Martins eu não sei, não sei te dizer.
P/1 – Mas para sua área?
R – Para a equipe de infraestrutura nós temos treinamento técnico, por exemplo, no que diz respeito à questão da engenharia clínica. A questão da aferição, a questão da certificação do ponto de uso, sem dúvida. Isso precisa passar por treinamento, por uma checagem in loco das condições de utilização, isso é importante, não é?
P/2 – O senhor esteve diretamente envolvido com alguma questão dentro do hospital que exigisse um projeto da White Martins que ainda não tivesse sido desenvolvido, seja no berçário, seja na maternidade, seja na área de pneumologia, radioterapia, radiografia? Sentiram essa necessidade? Houve um impulso de se juntar forças para atender essa demanda que estaria aparecendo em alguma área do hospital?
R – Muito desses exemplos que eu citei foi a partir dessa percepção por parte da White Martins de que estar relacionada com o Hospital Albert Einstein poderia trazer benefícios que extrapolam simplesmente a relação comercial. Quando você desenvolve estudos para reduzir pressão da tubulação, por exemplo, e traz benefícios para a operação, é um trabalho a quatro mãos. Porque na verdade ele não pode simplesmente reduzir a pressão e não medir na ponta, então esse trabalho foi a quatro mãos, no fundo foi uma ação conjunta.
P/2 – E onde é que estava afetando o fato desta não aferição acontecer, estava afetando o berçário, a sala de cirurgia, o pronto-socorro?
R – Como é uma rede distribuída para o hospital inteiro,
afeta a operação toda, um conjunto todo, então o que nós tínhamos antes e depois? O antes era um consumo muito maior de gás do que eu tenho hoje, então o fato da gente ter feito esse trabalho em conjunto reduziu nossos custos. A questão, por exemplo, de alguns serviços que a própria White nos fornece de acondicionamento, aquele ponto de uso está adequado, então isso também foi uma demanda nossa de que pudesse garantir o ponto de uso. A
White Martins tem se disposto a nos ajudar quando nós temos algum desafio pela frente. No que diz
respeito à redução de custos, à melhor utilização dos gases, algumas ações em conjunto foram feitas com o ozônio para lavagem de roupa, utilização de
nitrogênio para tentar garantir uma melhor utilização e armazenagem dos hortifruti... A White tem suportado toda a demanda que ela captura como oportunidade e a gente oferece.
P/1 – A
lavanderia hospitalar com ozônio, a gente sabe que a White Martins teve numa empresa, a Chanceler, que atua nesse setor. Ela teve parceria com o Hospital Albert Einstein?
R – Teve. Fomos os primeiros a utilizar a lavanderia hospitalar da White. Um dos aspectos tecnológicos que nos interessou, foi que a utilização do ozônio poderia reduzir a temperatura que o enxoval fosse submetido e com isso a gente tinha uma redução do desgaste da roupa e uma ação desinfetante, porque poderia ter algum tipo de bactéria impregnada no enxoval. Então nós somos parceiros, nós realmente investimos nessa oportunidade, nessa atividade.
P/1 – Hoje esse serviço continua terceirizado ou é feito por vocês?
R – Continua terceirizado, continua porque nós não temos condições de ter uma lavanderia nesse momento.
P/2 – A mesma coisa para as águas servidas, como é o esquema das águas servidas no hospital?
R – O que é águas servidas?
P/2 – Efluentes com resíduos bacterianos, resíduos contaminados.
R – Quanto a efluentes a gente não tem tratamento, porque na verdade quem presta serviço é a própria prefeitura, então a gente não tem nenhum tipo de tratamento de esgoto, por exemplo, porque hoje quem presta esse serviço é a prefeitura.
P/2 – Existe algum projeto nesse sentido, alguma demanda?
R – Nós chegamos a estudar, mas essa questão de tratamento de efluentes está ligada também a uma ação um pouco mais ampla junto com o governo, se for uma ação que seja compartilhada com a gente, não haveria problema. O que a gente fica preocupado é que hoje nós pagamos uma taxa por isso, impostos
pagos pelo serviço que é oferecido pela prefeitura.
P/1 – O senhor está no Hospital Albert Einstein já há algum tempo. Hoje está
na logística. Consegue comparar quando o senhor entrou e como é hoje? Operações que antes eram feitas, de uma maneira geral, um quadro geral.
R – O quadro geral é um quadro de muita evolução nesse período. Esse período de 12 anos de mudança, o cuidado com a infraestrutura trouxe ganhos excelentes, não só de
garantia do abastecimento, mas também sob o ponto de vista de economia, de redução de custos, da melhor utilização desses recursos, entendeu? Então acho que é notório o crescimento que nós tivemos nesse último período. Acho que a gente foi muito bem sucedido na nossa estratégia de revitalizar toda a infraestrutura, trazendo novas tecnologias, readequando outras, sempre com foco na garantia de que a infraestrutura vá atender todas as necessidades da instituição, a garantia de médio a longo prazo no que diz respeito ao meio ambiente e uso de recursos naturais, não é?
P/1 – Deixando um pouquinho a parte de serviços de lado... O senhor viaja muito também, não é?
R – Viajo um pouco.
P/1 – Como concilia todos os compromissos profissionais com a família, como é o seu cotidiano familiar?
R – Acho que tudo que conquistei até hoje é por que
tenho a base familiar muito sólida. A relação que eu tive com meus pais e a família que eu constituí me dão um suporte muito grande e muita tranquilidade para que eu possa pegar novos desafios. A
questão de compartilhar certa ausência em viagens
é mitigada um pouquinho com a minha presença nos assuntos que diz respeito a minha família. Então estou sempre participando nas coisas dos filhos, tenho uma esposa que me suporta nesse sentido, mas, assim, eu já sofri muito mais com isso, hoje acho que a gente está
numa certa estabilidade, então procuro conciliar essas viagens com minha presença mais ativa nas questões familiares.
P/1 – Quantos filhos o senhor tem?
R – Eu tenho dois, eu tenho um casal.
P/1 – Que idade eles têm?
R – O meu filho tem 24 e minha filha tem 23. Minha filha se forma em Engenharia de Produção esse ano na Mauá, o filho faz FAAP, nesse momento. Até o primeiro semestre ele era jogador de futebol. Joga no Nacional da Ilha da Madeira, em Portugal, mas
ele teve uma lesão, enquanto está
se recuperando está estudando.
P/1 – Pode se tratar lá no Albert Einstein (risos).
R – Pode, ele usa os recursos do Einstein (risos). Usa sem dúvida.
P/1 – Senhor Carlos, a gente falou aqui muito da sua trajetória, de forma geral. Pensando em todas as empresas que o senhor passou, tem alguma situação que o senhor, olhando para trás, tenha orgulho de ter enfrentado, considera uma das suas maiores conquistas?
R – Eu me orgulho com cada pedacinho do que eu conquistei. Toda a minha trajetória profissional, todas as empresas que participei que tive contato, mesmo aquela que eu não trabalhei, sempre são motivos de orgulho, sabe? Porque eu acho que o relacionamento que a gente desenvolveu ao longo desse período todo me deixa com orgulho. Entendo que o fato de estar aqui já é um motivo de orgulho, então nominar as empresas acho que seria uma injustiça. Mas, assim, em cada momento eles tiveram a sua importância e eu guardo com muito carinho todas as passagens, por menor que sejam, porque assim, quando você enfrenta com dificuldade, você conquista você tem que dar valor. Então essa questão do conhecimento, essa questão da memória, é fundamental, esse tipo de trabalho, por exemplo, vai perpetuar, talvez não só para os
meus filhos, mas para os netos, bisnetos, não é? Quem
sabe? Pelo menos a gente contribui com alguma coisa que poderá ser absorvida por outras gerações. Esse é o papel da gente, a gente tem um papel que, apesar da vida ser uma passagem,
é também uma tarefa que você tem que executar durante essa passagem. Acho que essa tarefa está bem feita, está sendo bem feita, não é?
P/1 – O senhor vivenciou vários períodos da industrialização brasileira,
como o senhor vê esse processo hoje?
R – Veja, é um assunto polêmico, porque muitos acham que perdemos muito tempo, muitos acham que nós não atingimos o estágio necessário. Temos divergências com relação ao estágio atual do país. Acho que foi um processo democrático, nós passamos por uma série de etapas
importantes para que a gente pudesse chegar ao ponto em que estamos. Pessoalmente acho que poderíamos ter tido melhor resultado, poderíamos estar melhores. Acho que é um país abençoado, um país bastante amigável, sem grandes crises, não temos muitas catástrofes naturais, não estamos submetidos a tensões sociais muito grandes a não ser a questão do desequilíbrio entre as diversas camadas sociais. Mas talvez por isso a gente seja tão condescendente, se você comparar com outras sociedades. Sou feliz com a minha família, sou feliz onde estou e feliz que o Brasil está conquistando algo que não tinha conquistado até então.
P/1 – A White Martins está
fazendo cem anos, como
o senhor enxerga a empresa ao longo de todo esse tempo?
R – Os cem anos têm que ser motivo de orgulho para essa organização. As empresas passam por diversas dificuldades e você perenizar isso exige esforço. Acho que a White Martins deve se orgulhar realmente de comemorar os cem anos, comemorar todos os anos. Porque eu acho que em cada ano de vida ela vai acrescentar alguma coisa, entendeu, e isso tem que ser comemorado.
P/1 – E como que o senhor enxerga... O senhor veio aqui contar as suas memórias para gente. Dentro dessa história, o senhor acha que mais memória pode ser trazida à tona?
R – Olha, eu não sei, eu estava vindo para cá e imaginando o que você ia perguntar, o que podia ser interessante da minha vida, a minha vida talvez seja muito comum assim como a de outras pessoas. Então eu falei assim: “Vai achar alguma coisa interessante ou aquilo que eu sou mesmo”. Então eu não sei te dizer se... Repete a pergunta... Como a colocou?
P/1 – Se o senhor acha que mais memórias podem vir colaborar com...
R – O fato de ser uma pessoa comum, e
ficar absorvido no seu dia a dia, ficar nessa loucura de São Paulo, nesta atividade cada vez mais pressionada, você esquece às vezes de fazer justamente isso que a gente está falando:
comemorar. Então normalmente a gente só comemora grandes feitos, não é? E
perde um pouquinho comemorar cada feito, por pequeno que seja. Se você tivesse o hábito de comemorar isso as memórias seriam preservadas. Muitas
vezes a gente é negligente com a memória, tem um monte de coisas que você conquistou e coisas que são importantes, são importantes porque solidificou uma imagem ou uma carreira. Eu acho que a gente precisava ter tempo de reflexão para resgatar muito dessas memórias que ficariam perdidas, entendeu? Eu tenho muitas memórias, comentei algumas coisas, mas, assim, é nesses momentos que a gente resgata isso, sabe, que a gente dá valor.
P/1 – E você gostou de resgatá-las?
R – Ah, foi ótimo.
P/1 – Então muito obrigada por ter vindo aqui, por tê-las resgatado
com a gente, o Museu da Pessoa e a White Martins agradecem.
R – Obrigado, o prazer foi meu.
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