Dez anos da Fundação Gol de Letra
Entrevista de Sóstenes Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Entrevistado por
Nádia Lopes e Camila Prado
São Paulo, 29/06/2009
Entrevista número: FGL_HV016
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Sóstenes, a gente começa com uma identificação. Então por favor, teu nome inteiro, data de nascimento, local de nascimento.
R – Sóstenes Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, nascido em 23 de março de 55, em Belém do Pará.
P/1 – E o nome dos seus pais.
R – Meu pai é Raimundo Vieira de Oliveira, minha mãe Guiomar Souza Vieira de Oliveira.
P/1 – Você sabe a história do seu nome?
R – A história do meu nome... Meu pai tava estudando a Literatura grega, na época, e quis pôr o nome. Tem uma coisa que a gente sempre brincava, que nordestino gosta de pôr nome diferente, porque sempre acha que o filho vai ser alguma coisa. E no caso dele teve dois filhos famosos. Então é uma brincadeira. E aí o nome grego, né? E o nome muito comprido é o meu e do Sócrates, que são os dois primeiros, os mais velhos, depois ele mudou, aí fez os nomes mais curtos. Mais aí ele quis por Sócrates, Sóstenes, Brasileiro pra diferenciar do grego, enfim, é uma coisa meio dele, assim bem... Ele é um perfil bem assim, um certo folclore, ele é bem nordestino.
P/1 – Bem, você já falou o nome dos seus pais. A origem dos seus pais?
R – Meu pai é de Fortaleza, nascido em Fortaleza. E minha mãe é nascida em Belém do Pará.
P/1 – E você sabe como eles se encontraram?
R – Meu pai é de Fortaleza, ele morava num bairro bastante pobre lá de Fortaleza. Ele é autodidata, prestou um concurso público pros correios que era uma das poucas chances que ele tinha, e aí ele foi transferido pra Belém. E aí conheceu minha mãe e lá ele prestou um outro concurso pra fiscal do imposto de renda, da Receita Federal, e aí foram transferidos... Ele foi transferido pra Ribeirão Preto.
P/1 – E qual é a atividade profissional dos seus pais?
R – Então, meu pai era fiscal... Ele já é falecido, foi fiscal de imposto de renda a vida inteira. Ele se formou depois de já... Quando se mudou pra Ribeirão, ele fez duas faculdades, Economia e Direito. A minha mãe não tem uma formação, ela trabalhava na justiça eleitoral. Trabalhou até casar, aí depois parou.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Nós somos em seis, tenho cinco irmãos, todos homens.
P/1 – Você pode dar o nome na ordem?
R – Sócrates, é o mais velho, Sóstenes, Sófocles, aí Raimundo, Raimar e Raí.
P/1- Os nomes bem diferentes mesmo, né?
R – São três com “S”, depois meu pai mudou. Aí Raimundo é o nome dele, então ele pôs o nome no filho. E aí quando ele foi por “R” ele já fez Raimar, que é a mistura de Raimundo com Guiomar. E aí como ele tava reduzindo ele foi pra Raí. Então foi bem... (risos), ele é bem cabeça livre pra essas coisas.
P/2 – Tem uma lógica dentro da viagem dele.
P/1 – Só voltando um pouquinho, quando vocês saíram de Belém, o seu pai foi pra Ribeirão, né?
R – Aham.
P/1 – Quantos anos você tinha mais ou menos?
R – Acho que eu tinha cinco anos. Tinha cinco anos. Nós éramos em quatro, o mais novo era bebê de colo ainda, o Raimundo, que é o quarto. E o Raimar e o Raí já nasceram em Ribeirão Preto.
P/1 – Da casa de Belém você não tem muita lembrança, têm?
R – Eu lembro pouca coisa, mas eu lembro. Tem algumas imagens, tem algumas imagens sim...
P/1 – O que você lembra?
R – E a gente voltou muito pra Belém depois, então eu... Essas imagens foram consolidadas. A gente voltava quase todo ano, tudo.
P/2 – Família lá?
R – Família lá, muita família, a família da minha mãe é muito grande. O que eu lembro era isso, família grande, pessoas simples. A gente morou no começo... Isso já sabendo depois. Era uma cidadezinha pequena chamada Igarapé-Açu, depois fomos pra Belém, depois já viemos pra Ribeirão Preto. Poucas, poucas lembranças, mas coisas simples, brincar na rua, essas coisas.
P/1 – A casa, se era grande, pequena... Bom, devia ser grande, porque você era pequenininho, né?
R – É, eu não lembro de muita coisa. Lembro de simplicidade, mais da rua do que da casa eu lembro. Mais da frente da casa do que da casa.
P/1 – Chão batido, não?
R – Chão batido, chão batido, exatamente, lembro disso, de brincar na areia, de brincar na terra, pouca coisa, mas eu lembro.
P/1 – Porque Belém era próximo de... Tinha um rio próximo?
R – Belém tem um grande rio, mas perto de onde a gente morava, não. Eram riachos, lembro de rios pequenos, uma cidade com bastante... Na época tinha bastante bairros com terra batida, uma coisa bem... Bem interior assim.
P/2 – Você já ia na escola nessa época?
R – Não, lá não. Eu fui... Comecei a ir na escola em Ribeirão Preto.
P/1 – E quando você foi pra Ribeirão Preto você sentiu essa mudança, mesmo tendo cinco aninhos, você sentiu?
R – Eu senti a vida inteira essa mudança, sempre me senti muito... Demorei pra me sentir assim é... Não estrangeiro. Acho que é por causa da cultura nordestina e nortista muito forte. Não sei porque, mas eu sempre tive isso muito forte, me senti muito... Sempre muito deslocado um pouco até de…
P/2 – Por mais que você tenha saído com cinco anos foi uma coisa que te marcou muito até agora?
R – Marcou. Eu não sei nem se eu saberia explicar muito bem, mas eu sempre me senti um pouco deslocado e... Mas não deslocado ruim, _____ uma coisa que eu queria, almejava, mas eu sempre me senti uma pessoa... Acho que os meus pais, aquela coisa do nordeste, do norte, uma coisa diferenciada, diferente do que eu conhecia, ia conhecendo no dia a dia da cidade.
P/1 – E a casa, você lembra? Era uma casa grande? Porque seis filhos, né?
R – Em Belém?
P/1 – Não, já em Ribeirão.
R – Ribeirão Preto era uma casa que a gente... Nós éramos em quatro, quando a gente chegou, era uma casa média, razoável, uma casa boa, mas não era uma casa imensa. Depois a gente foi mudar pra uma casa bem grande, quando nasceram seis, aí foi bem grande, mas essa era uma casa média.
P/1 – E você lembra do dia a dia na casa, o cotidiano da casa, a rotina?
R – É, eu lembro... O que eu lembro, coisa de criança mesmo, brincadeira, a gente jogava muito futebol, tinha essa coisa de futebol muito forte. Tinha poucos amigos na região. Eu não lembro muita coisa, não, mas eu lembro de um ambiente bem caseiro mesmo, uma coisa bem…
P/2 – Tinha irmão suficiente pra brincar.
R – Tinha muito irmão homem, é... Brincadeiras…
P/1 – Já era um time quase, né?
R – Depois virou, depois virou. Sempre foi, sempre foi muito homem, muito futebol, o futebol era presente o tempo todo.
P/2 – E teu pai curtia?
R – Não, meu pai não, mas não sei porque desde o Sócrates que já pegou todo mundo. Tinha um irmão que não jogava, os outros sempre adoravam e a brincadeira mais forte, mais presente, era futebol, sempre foi.
P/1 – E como é que foi a sua entrada... Assim, o grupinho de amigos ali, você tinha um grupinho na rua?
R – Tinha. Eu não tinha... Nessa época, na chegada, eu não fiz amigos muito fortes. Tinha amigos, tinha amigos, amigos de brincar.
P/2 – Você chegou numa cidade nova e entrou na escola?
R – Eu cheguei numa cidade nova e comecei a ir na escola. Eu não lembro se foi imediatamente ou se foi um ano depois. Eu acho que foi um ano depois. A gente fazia o pré com seis anos... Não, eu comecei no primeiro ano, primeiro… Então só com sete anos... Então eu demorei um tempo ainda pra começar a escola. Eu tive...
P/1 – E você lembra dessa escola?
R – Lembro, porque a minha família inteira estudou no colégio Marista de Ribeirão, a vida inteira, desde o primeiro…
P/1 – Que é essa escola?
R – Que é essa escola. Desde o primeiro ano até o último, todos os seis. Então é uma escola... A gente era muito conhecido, porque seis irmãos e... Então, pô, lembro completamente. Essa escola é a escola... Não tenho lembranças dessa época, no comecinho tenho algumas, boas e... Sempre boas, sempre boas, mas assim, lembro muita coisa da escola porque a gente ficou a vida inteira.
P/1 – Uma marcante assim que você…
R – Nessa época do começo?
P/1 – É, da escola.
R – Futebol também (risos). Um campinho que a gente jogava... Não, acho que a hora da escola, da classe também eu lembro bastante de ter... É uma escola também que... Engraçado por eu ver até fotos recentes, muitas pessoas do primeiro ano terminaram comigo. Então era uma coisa muito família, muito em casa mesmo, uma escola realmente maravilhosa. Então eu lembro de algumas cenas assim, uma coisa bem amigável, bem amistosa, bem em casa, me sentia muito bem.
P/1 – Você tinha uma matéria, uma professora predileta?
R – É, nessa época era uma professora por ano. Eu lembro do segundo ano, era a dona Carmem, que aliás era uma unanimidade na escola. Acho que quase todos que passavam achavam ela... Ela era tinha mais idade, uma senhora muito boa, muito humana, lembro dela. Na verdade eu lembro de todas, todas foram marcantes. Umas mais bonitas, outras mais... Essas coisas.
P/1 – E o que você mais gostava de estudar?
R – O que eu mais gostava de estudar? Não me lembro. Eu sempre tive facilidade…
P/1 – Educação Física.
R – É. Não, eu sempre tive facilidade com... Eu acho que Português e Matemática, eu acho que Português e Matemática. Eu não sei precisar, mas eu tenho a impressão que sim. Pensando hoje em retrospecto eu acho que sim.
P/1 – E essa escola era próxima da sua casa? Como era o percurso?
R – Essa escola era próxima dessa primeira casa, porque foi assim, acho que nós chegamos em 1960 nessa casa e 1964 ou cinco a gente mudou para uma outra casa um pouco mais distante, num bairro mais novo e tudo, era uma casa maior que meu pai construiu e tudo e... Eu lembro de ir de carro, muito... Quase a vida inteira eu fui de carro, de carona e tal. Eu me lembro mais dessa segunda casa, a primeira eu acho que era de carro também porque a gente era pequeno, mas não era tão próxima, mas a primeira casa era mais próxima.
P/2 – Fico curiosa com uma coisa, porque a gente falou dessa mudança tão grande de Belém do Pará pra Ribeirão Preto. Você lembra do que você sentiu pequeno? Mudando de mundo.
P/1 – Acho que até o clima, né?
R – É eu me sentia…
P/2 – Como era isso?
R – Eu me sentia muito deslocado. Eu lembro sempre isso, sempre... Eu me sentia muito deslocado. É como se eu tivesse que aprender... Acho que é uma coisa minha, mas eu tinha que aprender um pouco quase que a linguagem daquelas pessoas, a forma como elas reagiam as coisas. É como se eu tivesse que aprender tudo. Eu me sentia muito deslocado, não sei nem te dizer por que. Não sei se a gente em algum momento foi discriminado, mas... Eu não tenho essa lembrança, mas eu me sentia muito deslocado. Era muito…
P/2 – E aí como é que você foi se entrosando?
R – Eu era muito tímido. Fiquei a vida inteira tímido demais. Então eu era de poucos amigos, tinha uma reação (____?) era muito calado, a vida inteira eu fui assim.
P/1 – E da escola dessa... Você crescendo, porque praticamente você cresceu na escola, né?
R – Cresci na escola. Não, os meus amigos são todos da escola, tudo da escola.
P/1 – E que atividades vocês tinham mais crescidinhos pra se divertir na cidade?
R – Na cidade tinha um clube. Ribeirão sempre foi muito... Naquela época principalmente, era muito interior, ainda era uma cidade pequena. Era escola e clube, sempre, o tempo todo. O clube também era muito próximo da escola. Então quando ia no clube, os amigos. Depois quando começamos a sair à noite, aprender a sair à noite, tudo no clube. O clube foi o formador desse lado social, meninas e tal. A minha escola começou a ter mulher só na quarta série. Então o clube completava o que a escola não tinha.
P/1 – Você pegou a fase que começou a ter menina na escola?
R – Peguei, peguei.
P 1 – E como foi isso?
R – Primeiro ano foi muito legal, muito interessante, todo mundo, porque era isso, era um grupo de amigos que vinham, a maioria vinham juntos, aquela coisa de bagunça de homem, não sei o que. Quando as meninas chegaram todo mundo deu uma acalmada, uma mudada, já querendo impressionar de uma outra forma. Foi legal, foi muito legal. Aí pegamos o colegial inteiro.
P/1 – E esse clube era um clube esportivo? Era um clube…
R – É um clube, é, mais esportivo, piscina. Social também, as festinhas eram no clube.
P/1 – Bailinho…
R – Baile, exatamente, o réveillon. Era o clube que completava o lado que a escola não dá, a parte mais noturna, a parte mais social, mas era bem esportivo também, bem de esporte.
P/1 – E aí nessa época começou a pintar namoradinha? Como era isso?
R – É, na minha época era o seguinte: com doze, treze anos tinha uma coisa de festinha na casa de cada um, na época chamava até festinha americana, que as pessoas levavam uma coca, um sanduíche. Então formou um grupo que era ligado na escola com as meninas que não necessariamente eram da escola. Até antes acho que de começar a ter menina na escola, mas formou um grupinho e era uma coisa mais de sair, tal. Foi antes do clube. Não era nem no clube, não, era grupo de pessoas mesmo.
P/1 – E tinha uma música, um tipo de música que vocês curtiam na época?
R – Tinha, tinha. Eu até tô lendo, li recentemente, tô relendo a biografia do John Lennon, pega muito essa fase da década de sessenta, metade da década de sessenta pra setenta, onde a música ficou mundial. Foi quando realmente a música virou uma coisa, uma febre mundial. Então os Beatles, a música dos Beatles era uma coisa fora do outro mundo. E muitas músicas pops que já estavam começando, eram músicas americanas, muita música americana.
P/2 – Mas vocês dançavam, como que rolava?
R – E o Roberto Carlos, tinha o Roberto Carlos, tinha o pessoal da Jovem Guarda também. Dançava, dançava juntinho, sem ser juntinho, tal.
P/1 – E na sua casa, porque um bando de menino em casa, você lembra das conversas que vocês tinham? Porque vocês estudavam nessa escola Marista.
R – É.
P/1 – Não sei se a formação mesmo que vocês... Alguma coisa ligada à formação. Tinha alguma coisa do social já inserida naquela época ou não?
P/2 – Preocupação com…
P/1 – É, uma preocupação?
R – É, eu acho que por ser marista tinha sim. Tinha um pouco... Mas eu acho que se for colocar de onde veio, principalmente, eu acho que é mais com o meu pai assim. O meu pai era muito... Meu pai era uma pessoa que a vida inteira, a minha casa em Ribeirão, essa casa maior, por exemplo, cabia, a vida inteira iam pessoas... Vinham pessoas, parentes, mas não só parentes, outras também vinham de Belém e de Fortaleza, estudar e moravam em casa por um tempo, até se formar, ou até fazer alguma coisa que tinham que fazer. Então a minha casa era muito cheia e é sempre nessa postura do meu pai de trazer... Nós tínhamos... A nossa família era muito simples. Então muita gente que não conseguia estudar lá o meu pai trazia, ficava morando com a gente. Então isso era uma coisa mais do meu pai mesmo, da minha casa, do jeito que ele fazia, como ele lidava com as coisas. Então acho que esse lado social foi mais pra esse lado mesmo, da família e do meu pai, que era uma coisa muito forte mesmo.
P/1 – De acolher, né?
R – De acolher, exatamente, a casa sempre aberta, de não ter nenhum tipo de... Ele era muito pouco individualista nesse sentido. Ele dividia tudo, trazia pessoas, minha casa era muito cheia o tempo todo…
P/2 – Vocês cresceram com isso?
R – Crescemos com isso, exatamente, isso era muito evidente. Inclusive a gente falava até que era como se fosse uma embaixada de Fortaleza, ou de Belém, porque assim, mesmo as pessoas que não moravam lá, frequentavam direto, pessoas... Muitas pessoas que iam estudar em Ribeirão, de Fortaleza principalmente, pessoas jovens, bem mais jovens que ele, viravam amigos dele por esse jeito dele.
P/2 – É, até fiquei curiosa, essa coisa dele fazer as duas faculdades em Ribeirão, como foi? Não só vocês olhando isso: “Nossa, meu pai fazendo faculdade agora, depois de...”. Mas que perfil é esse?
R – É, ele era... Era uma coisa assim, porque ele era... Na verdade isso era uma confirmação daquilo que ele exigia muito da gente, estudo. E ele por não ter conseguido estudar, não ter podido e ter sido autodidata a vida inteira. Quando ele fez a faculdade,, ele era sério, depois ele começou a dar aula logo em seguida, formou, já começou a dar aula. E ele... Essa coisa do estudo sempre foi muito presente. Ele forçava muito, ele cobrava muito.
P/2 – O que ele falava? Você lembra? Como que era essa conversa dele?
R – Nossa era... Era cobrança direto, era uma coisa impressionante. Eu era um mau aluno, não era um bom aluno. Vim a ser um bom aluno na época de cursinho só, que aí eu me interessei, mas eu era mau aluno, eu não era um bom aluno. Ele me cobrava. Nossa era um sufoco, final de mês eu ficava escondido pra não mostrar o boletim, era uma coisa de louco. Ele era muito forte, muito…
P/2 – Mas como era a negociação, era bronca, ou era…
R – Não, bronca, bronca, ele não admitia. Ele era uma pessoa de figura tão forte que não é nem que ele batia, nem nada, mas o constrangimento de mostrar pra ele e ele se decepcionar, era muito forte pra nós, era uma coisa muito presente, muito…
P/1 – Você lembra de alguma situação marcante sobre isso?
R – É, eu lembro que muitas situações era isso. Eu muito preocupado na hora de entregar o boletim, ia pela minha mãe e ele era assim, ele era muito CDF mesmo. Por exemplo, eu ficava de recuperação, era um dos poucos, mas eu ficava e ele ia estudar comigo. Então era uma coisa, eu sempre... E era assim muito presente, ajudava, etc... Mas então eu lembro muito essa situação dele me ajudando, me ensinando quando eu ficava pra recuperação e tal. Um cara muito…
P/2 – Ele trabalhava, fazia faculdade e ainda ajudava vocês a estudarem?
R – Eu lembro dele me ensinando inglês, ele com um sotaque nordestino terrível, ele não tinha pronúncia nenhuma de inglês e ele me ensinava ali tudo…
P/2 – Como que ele falava?
R – Não, sotaque, eu não vou lembrar, mas umas coisas assim, imagina, muito engraçado.
P/1 – Mas tinha um incentivo pra seguir alguma área? Em casa tinha alguma conversa sobre isso?
R – Não, era assim, o estudo era o principal. Ele era liberal em tudo, tudo, a gente saía cedo. Eu não me lembro de ter dificuldade de sair a noite, de voltar, de ter chave, essas coisas não tinha. Era estudo, estudo era uma coisa sagrada pra ele. Por exemplo, mesmo quando a gente fez faculdade, ele chegou a sustentar, sei lá, cinco ao mesmo tempo, quatro, quatro ao mesmo tempo. E ele não abria mão, não quero que trabalhe, eu só quero que estude. Era uma coisa muito dele mesmo.
P/1 – E quando você tava concluindo o colégio você já pensava no que você ia fazer?
R – Não, então, eu não era um bom aluno, então eu não pensei, não, deixei pra última hora pra pensar e na época, por exemplo, era muito... Escolhia por causa de mercado de trabalho. Então pra mim foi muito claro que era ou medicina ou engenharia. Então eu não queria medicina, tinha algumas restrições que era a questão de eu não gostar de biologia, não me via como médico. Então eu escolhi engenharia, foi uma coisa mais…
P/2 – Mas seu pai não tinha uma expectativa de uma profissão determinada?
R – Eu não me lembro dele ter falado, mas eu tenho certeza que ele induzia a gente a procurar profissões que tivessem mais mercado e tal. Eu não sei se eu escolhesse, por exemplo, jornalismo, talvez meu pai não... Ou uma humanas. É que na época também não era muito comum, começo de setenta, meio, mas eu lembro que ele era um pouco desse lado prático na profissão.
P/2 – E tua mãe?
R – Minha mãe era sempre uma figura que deixava pra ele essas coisas. Minha mãe era só o lado carinho mesmo, o lado casa. Ela tinha um respeito muito grande por ele, intelectualmente. Então essas coisas tudo era ele que resolvia. Ela não apitava.
P/1 – Deixa só eu voltar uma coisa, você falou da sua mãe, eu fiquei imaginando a sua mãe. Como é que era a sua casa, seis meninos, você lembra? Devia ser uma coisa meio agitada.
R – É, as cenas... Tinha, tinha. Tinha umas cenas dela correndo atrás da gente
em volta da mesa, ela jogando chinelo, ela dava umas surtadas de vez em quando. Mas a gente não era nem muito... Eu acho que não era crianças muito agitadas e tal, era todo mundo muito calmo lá em casa, mas tinha umas horas que perdia o controle.
P/2 – Mas eram seis.
R – Seis, tinha uma hora que perdia o controle, não tinha jeito.
P/1 – E aí quando você fez a opção por engenharia como que foi? Você já saiu do colégio, foi direto, como é que foi?
R – É, eu fui fazer cursinho e tal, eu já fui pro... Na época era bem assim, eram dois tipos de cursinho, pra fazer medicina fazia um, que se chamava, acho que era CCEM, que se chamava na época. Era área de biológicas. E tinha a área de exatas. Então eu já fiz... Já fui fazer o cursinho pra exatas. E assim eu gostei, fiz legal, curti muito fazer e acho que aí que eu senti que eu tinha um... Que eu gostava de matemática, gostava de física, essas coisas, foi aí que eu tive consciência disso.
P/1 – No cursinho, né?
R – No cursinho, é. Aí foi uma coisa assim, gostei de fazer cursinho, fui bem, me interessei, estudei bastante.
P/2 – Você fazia junto com o colegial, com o terceiro, não?
R – Eu fiz com o terceiro, aí entrei em uma faculdade que era paga, aí não quis. Aí fiz mais um ano pra entrar na USP de São Carlos.
P/2 – Tem a de São Carlos.
R – São Carlos, eu fui pra São Carlos.
P/1 – E como que foi essa fase da faculdade, essa entrada?
R – Ah, a faculdade foi muito legal. A faculdade melhor fase da minha vida em todos os sentidos, principalmente no sentido cultural e político. São Carlos é uma cidade que tem um tradição sempre de muita politização, então eu aprendi muita coisa lá. Eu era uma pessoa absolutamente... Assim, não ligava pra isso, não conhecia muita coisa. São Carlos foi ótimo pra essa parte de me abrir a cabeça, culturalmente e politicamente.
P/1 – Mas assim, você teve que mudar também de casa, você teve que sair de casa.
R – E foi ótimo, putz, morar fora de casa foi maravilhoso.
P/2 – Deixa só voltar uma coisa pra perguntar da casa, que a gente falou da casa grandona, cada um no seu quarto na casa de Ribeirão, não?
R – Não, era um quarto onde quatro ficavam num quarto e eu e o Sócrates ficavámos em outro, os mais velhos. A gente tinha um…
P/1 – Privilégio.
R – É.
P/2 – Mas teve sempre que dividir o seu espaço, né?
R – Sempre, sempre, sempre. Tive que dividir e fui pra faculdade também e coincidentemente um amigo de infância meu entrou, então a gente morou junto durante seis anos…
P/2 – Vocês foram morar vocês dois?
R – Mesmo quarto, então foi muito…
P/2 – Numa república?
R – É, numa república de seis caras de Ribeirão e a gente morava eu e ele num quarto, amigos de infância, amigaço. Então foi maravilhoso, a faculdade foi tudo muito bom.
P/1 – E esse se virar sem os pais, no início, como foi?
R – Não, foi tranquilo, foi... Coisa de república, você divide. Tinha uns caras que eram mais práticos, outros que eram mais... Eu fazia meu papel, meu papel sempre foi um... Na verdade era um papel que eu exercia em casa também, de ser um pouco aquele cara que se dá bem com todo mundo, que é meio um equilíbrio de todos e tal. Eu meio que transpus isso pra república e foi ótimo.
P/2 – Porque tinha os mais bagunceiros e os mais organizados?
R – Não, tem pessoa... É, são os mais organizados, aqueles que resolvem, que são mais não sei o que. Eu não sou esse cara que resolve. Então eu era o cara que cuidava dos relacionamentos. Então era o cara que todo mundo gostava, eu era o equilíbrio dos relacionamento e tal. Fiz esse papel que eu fazia já na minha família, de uma certa forma. Então…
P/1 – Quanto tempo foi que você fez essa faculdade?
R – Seis anos.
P/1 – Seis anos, é tempo.
R – Fiquei um ano a mais.
P/1 – É bastante tempo.
R – Bastante tempo. E adorava, adorava, amava aquilo.
P/1 – E a mesma turma morando juntos?
R – Mesma turma, uma república, a mesma república o tempo todo. A gente tinha uma rede de quatro repúblicas que eram muito amigos, tinha uma grande de vinte e poucas pessoas que não se largavam, foi maravilhoso.
P/1 – Tinha festas?
R – Festas, muito violão, muito esporte. Tinha pouco estudo, pra falar a verdade tinha pouco estudo, mas o resto, o social era muito bom, maravilhoso.
P/2 – É que na verdade você saiu da casa com cinco irmãos e foi fazer engenharia, encontrou um monte de menino também, bastante homem.
R – Só homem, só homem. Quer dizer, tava à vontade, é, tava à vontade.
P/1 – E tem alguma situação marcante pra você dessa época?
R – Faculdade?
P/1 – É.
R – Ah, muitas, faculdade foi realmente uma coisa muito importante pra mim, me abriu a cabeça completamente, muita amizade, muita coisa... Eu acho que tudo, eu não citaria um caso, não, foi tudo muito legal, muito importante, pra mim foi muito importante. Me abriu a mente mesmo.
P/2 – Quando você fala abrir a mente como que é isso?
R – Não sei te dizer, eu não tinha uma visão cultural da vida, eu tinha uma visão, eu acho, muito estreita. Ribeirão é uma cidade muito conservadora, eu vivia num meio... O colégio Marista era um colégio legal, muitos amigos que misturava pessoas de vários níveis sociais. Mas eu por morar do lado da cidade que era um pouco mais... Porque morava um pessoal mais classe média alta e tal, eu tinha amigos muito bons, muito, mas era restrito, pessoal que não discutia política, cujas famílias não eram, não discutiam a questão cultural. Era uma coisa muito dia a dia, estudar, ter dinheiro. Quer dizer, a minha perspectiva de vida e com a qual eu não me identificava, tanto que eu não me interessava muito, era uma coisa muito assim, era isso, estudar, depois casar, depois ter filhos, depois morar... Continuar morando em Ribeirão. Então São Carlos abriu, porque era muita gente de São Paulo, eu sempre tive uma atração muito grande por São Paulo…
P/2 – Que ano que você entrou em São Carlos?
R – 74. Muita gente de São Paulo, muita gente de fora, muita gente do interior todo. Então essa coisa de... Abriu completamente e cultural nesse sentido, quer dizer, então mesmo assim a… Era uma época ainda muito rica, era época da ditadura, muita coisa acontecendo. Então eu peguei aquele resquício ainda que tinha do pessoal que veio da década de sessenta, muito forte. E as coisas se misturavam, a questão política com a questão cultural, toda, todo o movimento que acontecia no Brasil e tal. E que eu não participava antes de entrar, que eu não tinha essa noção, não conhecia muita coisa. Lá se abriu tudo, então pra mim foi muito bom.
P/2 – Você começou a participar, se politizar, como foi?
R Exatamente, exatamente. Não, comecei a participar, me politizar no sentido de entender as coisas. E não só entender da política, digamos, em si. Quer dizer, através da política eu comecei a entender como que era o mundo, que as pessoas podiam ser diferentes, as pessoas não precisavam ter um caminho traçado, não precisavam ser só aquele classe média de Ribeirão que eu conhecia, de trabalhar, de casar, ter filho. A vida era muito mais completa que isso. Então São Carlos me deu tudo isso, eu não tinha realmente isso. E meu pai era muito assim, quer dizer, como era uma pessoa que veio, era pobre, etc, pra ele a vida era isso. Quer dizer, se eu conseguisse isso eu não precisava de mais nada. Então eu fui ensinado a vida inteira pra ser isso e eu não me... Quer dizer, não me sentia bem nessa perspectiva, me sentia, eu achava que eu precisava achar uma outra coisa. Então São Carlos foi legal nesse ponto.
P/2 – Abriu um leque de oportunidades?
R – Exatamente, abriu, mas abriu muito. Eu acho que se eu tivesse aquilo talvez escolhesse outra carreira. Porque aí que eu vi que podiam ter outras carreiras, outras coisas.
P/1 – Você lembra de alguma atividade em particular que você começou a participar num momento, porque você pegou... Você estudou durante seis anos, você pegou um momento que o movimento estudantil tava começando a se levantar, 77, por aí?
R – Exatamente, exatamente. Lembro disso…
P/1 – Você lembra?
R – Lembro, passeata, a gente fez muita passeata, de ser reprimido... Eu lembro muito das assembléias, a gente fazia muita greve, era muita greve, mas não era questão da greve, era questão das discussões, pessoas que eu via extremamente politizadas com, pô, vinte anos, dezenove anos. Então esse ambiente mesmo, o ambiente era o que pegava aqui. Teve passeatas com repressão e tal, mas pra mim não era uma coisa que me marcou tanto, me marcava mais as pessoas, tem pessoas muito politizadas, tem pessoas que já eram de movimentos organizados contra a ditadura, que entravam com dezoito anos e já eram pessoas. Então isso impressionava.
P/1 – E quando você concluiu o curso… Durante a faculdade de engenharia, você chegou a fazer algum estágio, alguma atividade paralela?
R – Não, eu fiz no último ano, no IPT aqui, uma coisa mais pra ter uma experiência antes de começar a trabalhar, mas eu fiz muito pouco. Eu vivi realmente a vida lá.
P/1 – O IPT aqui em São Paulo?
R – IPT, é Instituto de Pesquisa Tecnológica aqui, é ali na USP, aqui dentro da USP.
P/1 – Mas você teve que se deslocar? No último ano você fazia lá e vinha pra cá?
R – No último semestre, no último semestre eu tinha uns dias que eu podia, eu vinha pra cá, o Sócrates tava morando aqui, eu ficava na casa dele. E tive uma experiência de estágio, como se fosse uma experiência profissional, mas até numa área que não era uma área que eu curtia, não, era organização e métodos, mas ainda perdidinho, não sabia muito bem o que eu queria fazer não.
P/2 – Você entrou com dezessete na faculdade?
R – Não, eu entrei com dezenove. Porque eu fiz dois anos, entrei com dezenove... Não, eu já tava assim, em termos de idade já tava maduro, mas eu... É aquela coisa, eu tava nessa de…
P/2 – Era muita coisa ao mesmo tempo, né?
R – É.
P/1 – Muita informação.
R- É, é.
P/1 – E como você pintou um primeiro trabalho aí nessa história?
R – Ah então, aí engenheiro de produção, formado engenheiro de produção, não era uma coisa que eu tinha me dedicado muito, não tinha uma identificação com a profissão, não tinha uma perspectiva, não tinha planejado uma vida profissional e saindo, muito ligado na questão ainda nessa questão ainda da parte cultural, política, querendo continuar aprendendo sobre isso, quer dizer, interessava ter uma profissão, mas não era isso que... Eu não ia investir, não tava a fim de investir nisso. E aí tive uma possibilidade de emprego em Ouro Preto, na área de produção mesmo, numa empresa de extração e manipulação de alumínio, chamada Alcan, uma multinacional, eu quase fui, fui fazer entrevista. E por uma coincidência, porque aí eu fiz uma outra entrevista aqui em São Paulo, na Promon que é uma empresa de engenharia de várias áreas, pra trabalhar na área administrativa, uma área financeira, é uma área que me agradava mais, eu queria ficar, não queria produção, não era uma coisa que eu me identificava, e acabou dando certo. Até por uma coincidência perdi todos os documentos, aí não pude voltar pra lá, aquelas coisas que acontecem na vida. E aí esse tempo que eu fiquei aqui foi que deu certo deu ficar aqui, aí eu desisti.
P/1 – Aí você entrou nessa empresa então?
R – Comecei a trabalhar na Promon.
P/1 – E você lembra como foi seu primeiro trabalho, você lembra disso? O primeiro dia?
R – Primeiro trabalho, eu lembro, um trauma muito forte. Eu trabalhava de terno, eu passei seis anos em São Carlos de chinela e assim, não é... Bem riponga.
P/2 – Pensando na cultura…
R – Muito pra esse lado riponga, completamente. Aí cheguei aqui já pus terno de cara, pá. São Paulo, que não é fácil, terno, um ambiente assim, uma escola. A empresa é muito organizada, muito boa, mas é uma escola... Uma escola forte, mas essa coisa da responsabilidade, da cobrança, de trabalhar muito... Aprendi a trabalhar rapidamente, mas foi difícil essa adaptação, pra mim foi muito difícil. Tive até um trauma muito grande, aí resolvi fazer pós, aí fui pro... Resolvi: “Não, vou largar, vou pro Rio de Janeiro e abri uma...”. Eu tava querendo muito voltar pra São Carlos, tinha isso na minha cabeça, tinha os amigos que tinham montado... Porque eu formei na USP e tinha começado a pouco tempo um departamento de engenharia de produção na Federal. E tinha uns amigos da minha época que tinham montado esse departamento, eu tava ajudando a montar uma área que tinha, era a área de economia, era o que eu tava fazendo na Promon, tinha uma pós no Rio de Janeiro que era uma pós que eles falavam que era boa e tal. E eu fui meio com essa... Tomei essa decisão de ir pra lá pensando em ir pra São Carlos. Por coincidência a Promon tinha um interesse, então abriu um espaço pra mim pra eu continuar trabalhando e…
P/2 – Ah, você foi ficando lá?
R – Eu fui ficando, porque eu consegui... Eles abriram espaço, falaram: “Olha, você vai, diminuímos o seu número de horas, você trabalha em horários não sei o que, facilitaram tudo. Por coincidência um chefe meu de São Paulo - essas coisas acontecem na vida também - meu chefe de São Paulo, era um cara que gostava de mim, foi transferido pro Rio, mesma época. Então ele abriu todo espaço e aí eu fui. Aí resolvi casar, casei, fui... Aí mudou.
P/1 – Mas você casou lá mesmo?
R – Não, é…
P/1 – Mas como é que pintou essa garota? Porque a gente não viu ainda a história.
R – Não, pois é, eu conheci em São Carlos…
P/1 – Na faculdade?
R – Na faculdade. Ela não estudava em São Carlos, mas ela tinha uma irmã que uma época fez cursinho em São Carlos, a gente acabou ficando amigo. Depois eu conheci ela, ela sempre ia pra São Carlos, porque era uma turma muito grande, então pessoas circulavam muito mesmo não sendo de lá, nem fazendo nada lá, circulavam nas festas. E aí conheci…
P/1 – Qual o nome?
R – É a Miloca, o apelido, é Emília o nome. E ela tava fazendo jornalismo em Campinas e aí já era... Já tinha terminado e voltado e ficou naquelas, ou casa ou... Promon ou pro Rio de Janeiro. Aí resolvemos, casamos e fomos.
P/2 – Mas você fez casamento, tudo aqui, foi pra Ribeirão?
R – Fizemos o casamento em Catanduva, é a terra dela, uma festança, uma coisa, todos os ripongas lá, muito legal.
P/1 – Mas você à caráter?
R – Não, não, não foi igreja, sem igreja, foi só civil. Um casamento bem... Bem não tradicional.
P/2 – Você foi o primeiro a casar na sua família dos seus irmãos?
R – Família? Não, o Sócrates já tinha casado já, o Sócrates já tinha casado e já tinha filho. Sócrates casou cedo. E então é isso. Aí fui pro Rio, aí uma nova fase, Rio e tal.
P/2 – Aqui em São Paulo você ficou quanto tempo nessa fase da Promon?
R – Foram dois anos. Assim, dois anos de crise, eu com crise interna, trabalhando, não sei o que, bem reconhecido. Tanto bem reconhecido que eles me abriram espaço no Rio, mas eu não tava feliz, tava em crise, crise mesmo. E aí falei: “Não, vou fazer pós”. Já pensando, não falava isso dentro da empresa, mas já tava pensando em ir pra São Carlos, voltar pra São Carlos, que era o meu…
P/2 – Era crise profissional e crise de ambiente? Era crise…
R – Era crise de lidar com a profissão, com a responsabilidade da profissão mesmo. Eu não tava feliz, não sabia se era aquilo que eu queria. Era a mesma questão de São Carlos ainda. Eu tava ainda precisando abrir o meu horizonte, a minha visão.
P/1 – Mas qual era o seu trabalho... Qual era a sua rotina?
R – Era a área financeira. Então eu trabalhava com orçamento principalmente, orçamento e (_____?) orçamentário. O trabalho era bom assim, dentro da perspectiva que eu tinha de engenharia de produção, que eu não queria ir pra fábrica, essas coisas, era um canal bom, era um lugar legal. Mas eu tava em crise, eu tava num momento ainda muito difícil. Eu queria voltar pra São Carlos. Comecei a achar que a universidade seria... Porque tem os amigos lá também, tem essa coisa, os caras querendo me puxar, gostavam de mim. E eu achando que a faculdade, a universidade seria um caminho legal pra mim, me daria liberdade, aquelas coisas, tava nessa…
P/2 – Você pensou em virar professor?
R – É, não só pensei como virei.
P/1 – E como foi isso?
R – Aí na pós pensando nisso. Então na verdade eu fui romper com a empresa, “eu vou pro Rio”. Consegui uma bolsa, então vou pro Rio. Eu nem pensava em casar, vou viver com pouco dinheiro e tal. Mas querendo abrir o espaço pra faculdade, pra universidade. E aí continuei lá, casei. Aí mudou muito por causa disso, porque deu... Eu trabalhando me deu condição de casar. Então o que foi ótimo também, porque, puta, eu ficar sozinho lá ia ser terrível. E aí a Miloca foi junto, ela formou lá, ela transferiu a faculdade, e nós tivemos dois anos lá muito legais, muito... Também muito ricos, porque o Rio de Janeiro, putz, maravilhoso…
P/2 – Onde você morou? Pra onde você foi morar lá?
R – Eu morei no Botafogo, numa rua que chama Dona Mariana, uma ruazinha muito legal, toda arborizada. E era perto do metrô, eu pegava o metrô ia trabalhar na Promon que ficava no Largo do Machado, é bem próximo. Aí voltava e pegava um ônibus e ia pra PUC, eu fiz pós na PUC, e ela estudava na PUC também. Então era assim, trabalho pra caramba, fazia pós, a gente viveu muito, saía direto, putz, minha casa vivia cheia de gente, todos esses meus amigos iam pra lá, porque Rio de Janeiro, né... Então foi muito legal, foi muito rico, muito, muito mesmo, dois anos muito intensos.
P/1 – E aí você terminou a pós e como foi o lance de dar aula?
R – Na hora que eu acabei a pós e abriu uma vaga em São Carlos na minha área, aquelas coisas também, tinha que ir.
P/2 – Você fez a pós em que?
R – Finanças. Eu tava trabalhando com orçamento, na parte financeira aqui, econômico-financeira. Fui fazer pós em finança por causa disso, não que eu amasse, mas fui fazer meio que dando uma sequência na minha vida profissional. E abriu uma vaga nessa área pra engenharia de produção lá. No ponto, acabei, dois anos, e fui pra São Carlos.
P/1 – E a sua esposa tinha terminado também, como foi isso?
R – Aí ela tinha terminado, coincidiu dela terminar, ela não queria ir, mas acabou indo. Aí foi... E pra ela foi bom também, porque aí ela começou a trabalhar, era jornalista, abriu uma vaga pra ela na TV Ribeirão. Então ela começou a carreira dela também num jeito legal, porque pra aprender televisão, foi num lugar menos, foi mais tranquilo. Então eu morava em Ribeirão, viajava, tudo.
P/1 – E como é que foi essa coisa de dar aula pra você? Até porque você falou que era tímido, e dar aula…
R – É, dificílimo, foi dificílimo. Não, minha trajetória é essa de procurar um caminho profissional, então tava... Era mais uma etapa.
P/2 – Você chegou em…
R – São Carlos.
P/2 – Em São Carlos e foi procurar dar aula?
R – É, eu já tava... Eu já fui contratado pela universidade. Então já entrei no departamento de engenharia de produção, uma parte era dar aula, uma parte era fazer pesquisa, aquelas coisas de universidade, vida completa de universidade, total. Universidade federal. Então você não podia fazer outra coisa, inclusive era contratado pra trabalhar lá. Aí fui trabalhando, gostava das pessoas, gostava da cidade, amava a cidade, mas demorei um tempo pra perceber que aquilo não era meu. Então quatro anos, mais uma crise.
P/1 – Ah, então você deu aula durante quatro anos?
R – Eu dei aula durante quatro anos.
P/1 – Mas dessa experiência…
R - Trauma, desde cedo, porque o nome era muito comprido, o nome era muito difícil. Porque eu tava comentando, quer dizer, Sóstenes adulto é um nome, Sóstenes criança é um nome horroroso, dificílimo, ninguém me chamava pelo nome, nem na família, todos lá em casa tinham um apelidozinho que era uma variação do nome. O meu era, por exemplo, Sóstenes, era Tenes, ficava uma coisa assim. Eu tinha dificuldade com o nome, então eu não gostava, nem do Brasileiro, nem do tamanho do nome, e tive uma rejeição e…
P/2 – Tem algum apelido?
R – Então, Tenes, virou Tenes, virou uma coisa da família. E aí quando eu... Antes um pouco, antes de ter filho eu li a biografia do Tom Jobim e aí eu amava o Tom Jobim, eu não sabia que ele tinha Brasileiro no nome. E quando eu vi que ele tinha brasileiro no nome eu comecei a achar charmoso e tal. Aí tanto que meu filho é Gabriel Brasileiro. Então ficou assim. É um Brasileiro, eu falei... Até falo pra ele: “Se você gostar vai virar sobrenome, porque um vai pondo, vai pondo, vai embora”.
P/1 – Legal. Bom deixa eu voltar lá que você tava dando aula... Dessa época que você tava dando aula…
P/2 – Ainda não tinha o Gabriel?
R – Não, não tinha. Nós tivemos filhos eu com quinze anos de casado. Então nós tivemos um tempão solteiros assim, casados solteiros.
P/1 – Entendi. Mas da época que você deu aula tem alguma situação marcante que você lembra?
R – Eu lembro uma situação marcante que foi aquela que me desencadeou uma crise. Eu dei várias matérias, então tinha aquele relacionamento, etc. E aí no quarto ano eu fui dar uma matéria que era uma matéria bem básica, chamava “Iniciação à Engenharia de Produção”. Você pega aqueles carinhas mais novinhos, carinha de dezessete anos, e você vai contar pra eles o que que é engenharia de produção. Na verdade você vai vender um peixe pra eles, você vai dizer que é bom, que aquilo é uma coisa que realmente você pode... E aí que eu entrei em crise completa, porque eu não achava aquilo bom. E aí foi... Então pra mim é o momento mais marcante, porque aí que eu realmente vi, eu falei: “Pô, não tô feliz, não vai dar certo”.
É um pouco assim história do que tinha acontecido já. Eu tava procurando, procurando, procurando, mas ainda não tinha achado. Então foi um momento muito forte pra mim.
P/1 – Aí você saiu da faculdade? O que você fez?
R – Acabei saindo. E foi assim, então dois momentos marcantes e um que é contraditório também, porque eu tinha sido escolhido o professor pela turma, aquelas coisas de turma de formatura. E foi muito próximo uma coisa da outra. Então era uma contradição muito grande. Então era isso, mas eu... Na hora que eu fui fazer essa matéria eu falei: “Não, não consigo, não consigo, não acredito nisso”.
P/1 – Mas você aceitou representar a turma?
R – Não, aceitei, aceitei.
P/1 – E tinha que fazer algum discurso, alguma coisa?
R – Eu acho que sim, eu não lembro agora do discurso, não, fiz algum discurso, mas uma coisa simples, com certeza, não me lembro.
P/2 – Quando você começou a dar aula, você tava falando da timidez, que foi difícil, como foi essa coisa de começar a dar aula?
R – Foi difícil, não, foi muito difícil. Eu sou tímido, sempre fui tímido, hoje em dia não sou mais, mas eu sempre fui tímido, muito exigente, então, putz, eu tinha que dar uma aula completa e isso me fazia sofrer muito, muito difícil mesmo. Tinha dificuldade de comunicação. Eu não sou uma pessoa muito de comunicação, então fazia um esforço muito grande, muito grande…
P/2 – Você lembra a primeira vez, a primeira aula?
R – Lembro.
P/2 – E aí?
R – A primeira aula foi horrorosa (risos). Eu acho que foi horrorosa, uma coisa muito difícil de falar e era muito difícil. Eu me senti muito mal, como se eu não tivesse fazendo uma coisa boa, e depois foi meio... Foi indo, foi indo, mas a primeira aula foi muito difícil, muito.
P/1 – Eram muitos alunos que você tinha?
R – É, a classe era sempre média de trinta mais ou menos, trinta e poucos.
P/1 – Deu friozinho na barriga quando você…
R – Deu frio de tudo quanto é jeito e eu lembro que foi uma aula... Foi uma aula até de uma matéria que eu não... Não era uma matéria que eu gostava, gostava de outras matérias, que era contabilidade. Então tinha que fazer um esforço muito grande e... Enfim, foi uma crise, foi uma crise sim, a primeira foi difícil, depois melhorou.
P/2 – Que matéria você gostava mais de dar aula?
R – Eu gostava mais de dar economia mesmo. Quando era um pouco mais pro lado humanas assim, falar um pouco da vida e juntar economia no meios, essas matérias eu gostava. Contabilidade eu nunca gostei, nunca.
P/2 – E você lembra de algum aluno que te marcou? Na verdade o que me veio a cabeça era algum aluno que tenha talvez se espelhado em você um pouco…
R – Então, essa turma que me escolheu tinha alguns alunos que os caras gostavam da... Foi a primeira vez que eu senti um reconhecimento, porque eu era muito... Eu tinha uma dificuldade muito grande de dar aula, mas eu era muito, como é que fala? Eu sou muito conciso em tudo, então eu não sou bom pra dar aula. Pra dar aula você tem que destrinchar, você tem que falar. Eu já vou no ponto, entendeu? Eu sou muito, tenho muita dificuldade de dar aula mesmo por causa disso. Eu não conseguia desenvolver um assunto, falar, dar exemplo. Eu já ia no ponto que eu achava que era o ponto importante. E nessa turma algumas pessoas se identificaram com isso, eu achei legal. Então teve um aluno, particularmente, que representava esses outros, que era o... Eu não vou lembrar o nome, era um cara que me falou isso, ele que explicitou isso: “Olha, eu gostei porque eu penso que nem você. Eu acho que as coisas são assim. Eu gosto da concisão, gosto dessa objetividade”. E eu me sentia muito mal com isso, porque eu queria, na verdade, era ser comunicativo, mas não conseguia, não conseguia.
P/2 – E você gostava logo da matéria que tinha a ver com humanas, né?
R – Exatamente, exatamente.
P/1 – E aí essa sua saída, como foi? Foi traumática?
R – É, foi traumática, foi difícil. Aí resolvi vir pra São Paulo, “Não, preciso ir pra São Paulo, eu quero ir pra São Paulo”. E eu não sabia muito bem o que fazer, só sabia que eu não queria mais. Eu tinha muito isso, a minha crise era a crise do não. Eu sempre tive uma atração muito grande por São Paulo, foi difícil os dois anos que eu fiquei aqui, mas eu tinha uma coisa com São Paulo muito forte. Bom, nessa altura do campeonato, olha, eu já tinha passado dois anos em São Paulo, na Promon, dois anos no Rio, mais quatro... Já eram oito anos de carreira. Então a crise me pegava muito. Eu não ter me achado, eu não ter me encontrado. E São Paulo representava pra mim uma coisa de um lugar que tinha muita oportunidade, tinha muita coisa, então São Paulo era quase que um caminho natural.
P/1 – Você não se apaixonou pelo Rio de Janeiro assim?
R – Não, eu amei o Rio, mas eu nunca consegui me ver lá assim. Amei, fiquei dois anos... Mas eu sabia que eu ia voltar. Essa coisa da família, acho que tinha que ficar mais ou menos próximo da família. Então o Rio nunca pensei assim, embora a Miloca quisesse, eu nunca pensei. Aí foi São Paulo, São Paulo, vim pra cá, mas aí vim sem saber o que fazer.
P/1 – E trouxe a Miloca?
R – E trouxe a Miloca, a Miloca fiel companheira.
P/1 – Largou o emprego do jornal que ela tinha?
R – É, ela largou e veio. Aí foi pra Cultura. Ela sempre foi muito companheira nesse ponto. Então pra ela foi ótimo também, veio aqui... Ela se deu melhor do que eu em São Paulo. Mas eu vim com muita dificuldade profissional, porque eu não sabia o que eu queria. Então eu tinha uma coisa com a música muito forte, eu sempre toquei…
P/1 – Peraí, como é que surgiu isso? Você pulou. Onde pintou a música?
R – É, a música eu não falei disso, vamos lá. A música tinha desde sempre, desde doze anos, tocava, gostava, amava. E em São Carlos desenvolveu muito, desenvolvi muito.
P/2 – O que você tocava?
R – Violão, violão. Em São Carlos desenvolvi muito, muito por conta dessa vida rica culturalmente, politicamente. Eu me desenvolvi muito, eu me senti muito dominando pela técnica do violão que eu não tinha tanto. E aí continuei e depois que eu formei continuei com esse violão muito presente.
P/2 – Só pra entender esse começo, você começou a tocar violão era…
R – Com doze anos.
P/2 -
Algum incentivo com o pai, ou te deu na telha, como foi?
R – Não, não. Eu de olhar tinha algumas pessoas que eu conhecia que tocavam, fui aprendendo, aí pedi um violão pro meu pai, ninguém em casa tocava.
P/2 – O que você começou tocando?
R – De música?
P/2 – É.
R – Putz... Era umas músicas, na época, deixa eu ver... Tinha uma, eu não vou lembrar, eu vou lembrar... Lá atrás, eram vários tipos de música... Tinha Beatles, era uma coisa que... Meio não tinha jeito, mas não era as que eu mais tocava não. Tocava muito música brasileira, sambas, bossa nova, uma coisa assim. Mas as mais simples, não era essa bossa nova mais sofisticada, eram as mais simples. E depois quando veio Caetano, Gil, aí foi meio tudo isso.
P/2 – E você montava banda?
R – É, toquei... Comecei tocando numa banda, mas depois tocava muito sozinho, depois disso... Só no começo tinha uma banda, depois tocava mais sozinho, sozinho que eu digo assim, em turma, mas não tocava em banda. E aí São Carlos desenvolveu muito e aí foi, Rio de Janeiro tocava muito e não parava de tocar.
P/2 – Você tinha isso de estudar ou era uma coisa... Como era a tua relação com…
R – Não, não, sem estudar.
P/2 – Era de curtir?
R – É... Acho que eu desenvolvia pela utilização.
P/2 – Igual o seu pai, autodidata…
R – Vai tocando, vai tocando... É, exatamente. E aí quando eu vim pra São Paulo, e eu vim meio querendo arrumar um emprego, tipo assim, meio período, uma coisa que me desse liberdade. E foi muito difícil achar, mas eu ia tentando, ia fazendo uma coisa aqui, outra ali. Fiz consultoria uma época. E estudei instrumento, pensando em tentar alguma coisa com música. Cheguei a tocar em barzinho, toquei um tempo em barzinho.
P/1 – Nossa, peraí, e a timidez de novo?
R – Difícil, muita cerveja, muita cerveja. Ah, uma época que eu fiz terapia eu discutia isso, acho que minha luta na vida inteira foi pra vencer a timidez. Então eu procurava caminhos.
P/2 – Você cantava quando você tocava, junto?
R – Cantava, cantava e tocava. Compunha, um tempo fiquei compondo e cheguei a gravar e procurei pessoas pra que pudessem gravar. Então tentava fazer chegar, mas tudo com muita timidez.
P/1 – Nossa, mas você lembra de alguma composição sua?
R – Tem várias.
P/1 – É? Tem alguma que é “aquela” que você fez?
R – Não, não sei. Agora, por coincidência, sábado, depois de muito tempo que eu não tocava as minhas composições, porque depois eu parei um pouco. Eu fui num show do Arnaldo Antunes, aí o Raí, filha da mãe, a gente tava lá conversando um pouco depois, o Arnaldo apresentando uma música que eles tinham acabado de fazer, no camarim, e aí o Raí falou: “Não, mas meu irmão, não sei o que”. Aí eu tive que tocar as duas, uma que eu tinha feito pro Raí. Eu cheguei a fazer nessa época... Quando o Raí foi pra França, teve um programa de Record, se eu não me engano, que foi gravar alguma coisa, e era uma pessoa conhecida, amiga da Miloca, e ela me pediu pra fazer uma música pra saída do Raí. Eu fiz e nesse dia do Arnaldo Antunes, o Raí pediu pra eu tocar e tal, foi legal.
P/2 – E aí? Você tocou numa boa?
R – Toquei, mas eu toquei porque eu amei aquele cara. Cara, eu gostei muito dele, que gente boa. Fiquei muito à vontade com ele, coisa que eu raríssima... Ele tava do meu lado, eu fiquei nervoso pra caramba, mas deu.
P/2 – E você tem essas letras?
R – Tenho, algumas, algumas eu perdi, algumas eu tenho de cabeça, algumas eu tenho escrita.
P/2 – Você tem alguma... Agora só pulando, a gente vai pro Gol de Letra bem depois, mas tem alguma, só pra não esquecer, que tem a ver com o trabalho da Gol, que tem alguma coisa que tenha te inspirado? De educação…
R – Não, de educação não, mas todas letras sociais, todas, todas as letras sociais, de situações…
P/2 – Se possível a gente gostaria muito de ver…
P/1 – Você não pode citar um trechinho de alguma só pra gente deixar guardado?
R – Ah, tem uma que eu toquei agora, por exemplo, que chama “Cidades” que a letra é mais ou menos assim: “É fruto da miséria, senhor, é falta da argúcia feminina, são altas violências, são cores da cidade embrutecida, partem os trens no metrô, no parque havia monges, no parque habitam seres com a dor...” E aí vai desenvolvendo nesse... Temática bem social.
P/1 – Que lindo, que lindo.
P/2 – Ah, legal, muito bonito.
R – É, tinha esse lado…
P/2 – Ah, legal, se você achar legal também, acho que até legal seria ter uma…
R – Mandar uma letra?
P/2 – Seria legal ter alguma coisa no livro.
R – Será?
P/2 – Ah, eu acho... Eu gostaria de dar uma olhada, se você achar legal…
R – Te mando, te mando.
P/1 – Bom, aí você vem então com um violão debaixo do braço, procurando emprego…
R – É, procurando emprego, a Miloca trabalhando, ela que sustentou, grosso modo, a família, que era de dois na época. Aí foi muito legal também, ficamos muito tempo, uma vida muito rica assim. E aí eu fazia... Às vezes eu trabalhava seis meses numa consultoria, parava e estudando música, estudando música, achando que ia conseguir, que queria e tal. Mas essa timidez era muito... Muito patente, eu não conseguia dar o passo. Eu falei: “Bom, vamos lá”. E acabei voltando a trabalhar normalmente, foi acontecendo de eu ir parando.
P/1 – Você voltou a trabalhar na área?
R – É, no dia a dia. Fui trabalhar no sindicato dos engenheiros. Trabalhar na área mesmo, de financeiro e tal. Conheci uma pessoa de lá, eu conhecia o pessoal do sindicato, e aí eu voltei a trabalhar lá e fui.
P/1 – E aí você ficou quanto tempo lá, nesse sindicato?
R – No sindicato eu fiquei de 92 a 98, bastante tempo. Cinco... Ou 97, cinco anos eu acho.
P/2 – O que você fazia no sindicato?
R – Eu cuidava da parte financeira, porque essa pessoa que era meu amigo assumiu a tesouraria, como tesoureiro do sindicato e eu fazia parte de financeiro, orçamento.
P/2 – Você curtia, gostava?
R – É, eu... Na verdade foi uma época que eu já tava meio trabalhando, é a área que eu dominava, tinha facilidade com aquilo, trabalhar com a área financeira, desenvolver programas, fazer orçamento e tal. Então curtia, curtia sim, não era uma coisa muita rica e tal, mas curtia. Já era uma fase de estar voltando mesmo. E foi tocando, mas fui diminuindo, fui diminuindo, aí fui meio que afastando isso.
P/1 – Pelo fato de ser sindicato você chegou a ter contato com discussão, alguma coisa que acontecia na categoria?
R – Eu cheguei a ter muito, muito, mas é que sinceramente eu nunca acreditei no modelo não. Eu acho que no caso do sindicato dos engenheiros é uma coisa muito de grupo mesmo. É um grupo que se reveza no poder... Não curtia, do ponto de vista ideológico nem um pouco, mas participava, tinha algumas pessoas interessantes, participava. Não era uma coisa que me pegava, não, não era um sindicato que eu curtia. Falar: “Puta, isso aqui é um trabalho legal.” Não achava, não. Achava que eles faziam algumas coisas, mas no fundo, no fundo era um grupo que se eternizava no poder e ali era o principal. Como eu acho que os sindicatos em geral são, hoje em dia pelo menos. Fora os que tiveram uma importância histórica, eu não acredito muito, não.
P/1 – Só uma outra coisinha, você cresceu até com a... Na faculdade você teve a oportunidade de ter acesso a um monte de idéias que você não tinha. Na fase que você deu aula, você veio pra São Paulo, você chegou a pegar transformações no nosso país, com movimentos…
R – Foram anos bem difíceis, né?
P/1 – É. E o que você lembra dessa época? Alguma coisa que você tenha participado nesse período…
R – Nesse período eu lembro de... Não lembro de coisas boas, não. Acho que é um período bem conturbado, teve a questão das diretas, né? Isso eu tava na faculdade ainda, foi uma decepção muito grande. Depois aquela coisa toda, os políticos que foram, o Sarney, o governo Sarney que foi horroroso. Aí aquela coisa de expectativa do Lula, aí foi Collor... Não lembro de coisa boa, não, me lembro de... Politicamente não me lembro e culturalmente acho que o Brasil também tava em baixa. Me lembro que musicalmente eu comecei a curtir muito os caras novos, tipo Lobão, Cazuza, que aí sim foi... Era interessante, era uma coisa que eu relacionava muito, a música com o momento cultural e político do país e tal.
P/1 – Bom, então pelo o que eu tô sentindo você está no sindicato dos engenheiros e a gente tá chegando numa fase que a gente vai conhecer o que que vai surgir.
R – Exato, exato.
P/1 – E aí como foi pintando essa coisa nova?
R – É, do sindicato, aí teve um... Também foi uma coisa que eu saí, porque eu também... Aí esse meu amigo saiu da tesouraria, aí o grupo que tava entrando não me interessava, aí eu resolvi sair. Nesse momento, aí apareceu, eu tinha um amigo - eu sempre tenho um amigo na história - tinha um amigo meu que a família dele tinha montado um pão de queijo, ali em Pinheiros. E ele não sabia o que fazer com aquilo e me perguntou: “Você quer pegar?”. Eu falei: “Quero”. E no final do sindicato já tava tocando esse barzinho, eu falei: “Pô, vou dar um tempo. Quero sair do sindicato, vou dar um tempo pra ver o que eu quero fazer”. E fiquei cuidando, levei uma cunhada minha que tava sem trabalho um tempo e tal.
P/2 – Era uma Casa do Pão de Queijo?
R – É, que na verdade acabou virando…
P/2 – Aquela franquia da Casa do pão de Queijo?
R – Não, não. Era no começo. Depois quando eu entrei já não era mais franquia, a gente pegou e fez uma outra coisa, fez uma lanchonete, que é em frente a FNAC, ali em Pinheiros, do outro lado da... Tem uma lanchonete que chama Praça (____?), até... O nome é mantido até hoje.
P/2 – Ah, de esquininha, é uma esquininha, né?
R – Bem esquininha, bem esquininha…
P/2 – Entre duas ruas?
R – É.
P/2 – Ah, é legal lá, já bati vários Pfs lá.
R – Já? Então, a Eliana é minha cunhada, irmã da Miloca. Eu que levei ela pra lá, acabou indo, depois eu acabei saindo, mas ela ficou. Mas serviu pra isso, pra ela... Também pra ela, ela tava perdida, coitada.
E aí eu fui pra lá e tal e apareceu um... Aí tem uma outra coisa também, um muito amigo meu da universidade, o Newton, ele montou uma Fundação chamada Unitrabalho, era uma fundação de estudo e pesquisas sobre trabalho. Foi em rede nacional, ligada às universidades, principalmente as universidades federais. E ele tava nesse momento dele também, é um cara que depois acabou... Tá no momento ainda, mas acabou criando uma carreira política. E nesse momento ele me chamou. Tô lá, cuidando do bar, ele sabia que eu tava ali, vamos que vamos. Aí fui, foi uma experiência bacana assim. E era perto de casa até.
P/2 – Qual era o trabalho da fundação Unitrabalho?
R – Unitrabalho eram projetos ligados ao mundo do trabalho, ligado às universidades. Metido com cooperativa, alguns projetos de cooperativa, projetos com economia solidária, na época nem tava ainda pintando, com Paul Singer já na época, eram pessoas boas nessa área de trabalho. O próprio Márcio Pochmann que virou secretário de trabalho aqui e hoje tá no IPEA, se eu não me engano. Então eram pessoas quentes. E eu trabalhava com projetos, era o cara que facilitava os projetos, era uma parte meio administrativa, mas já um pouco ligado nos projetos também. Eu tinha que estudar um pouco dos projetos, ajudar a pensar.
P/2 – Viabilidade dos projetos?
R – É, viabilidade, exatamente, ligar pessoas diferentes, tentar identificar pessoas que pudessem ajudar naquele projeto, tinha um papel um pouco de coordenação dos projetos. E era perto de casa, aqui em Perdizes. Então pra mim foi bem, foi bem legal.
P/2 – Quando você voltou pra São Paulo você já foi morar em Perdizes?
R – Não, morei na Pompéia, é quase Perdizes, ali perto da Apinagés ali, meio... É, Perdizes ali, mas oficialmente era Pompéia, mas quase Perdizes. A gente morou um tempo lá e depois a gente comprou um apartamento mais pro lado da PUC. E nessa época eu já morava lá, que é próximo da onde trabalho, meu trabalho era um, se eu não me engano é na, qual é a rua dela? Caiubi. E aí fiquei um tempo nessa Unitrabalho. E o mais interessante nessa Unitrabalho foi porque eu criei um vínculo muito forte com o Newton. O Newton depois virou reitor da universidade, da federal, lá de São Carlos, essa mesma universidade. Eu já tinha... Já era amigo dele de lá, mas ele veio pensado em trabalho, eu fui, criou um vínculo muito bom com ele e tal. E aí que desemboca em tudo, porque aí ele assumiu depois, ele resolveu ser candidato a prefeito em São Carlos. Ele ainda como professor da federal. E foi eleito. E aí ele me convidou pra ser secretário de esportes lá com ele. Não sei por que.
P/2 – Olha só.
R – Mas abriu um caminho muito interessante, porque eu fui pra lá e aí eu comecei realmente a trabalhar com projeto social, porque a secretaria, você tá lá trabalhando com povão, com público. Então dois anos depois o Raí me convidou pra vir pra Fundação, foi quase que natural pra mim. Eu falei: “Pô, porque não. Que bom”. E aí eu queria voltar pra São Paulo, porque também a Miloca não tinha ido, eu já tinha meus dois filhos. E então foi aí que encaixou. E quando eu vim pra Fundação eu vim já achando aquilo bem mais natural do que seria de outra forma, se eu tivesse dado um salto, vindo de uma carreira, sei lá, empresa, alguma coisa assim. Então foi meio acontecendo mesmo.
P/2 – Passou pelo Unitrabalho, daí foi pra Secretaria de Esportes…
R – Unitrabalho que já era, exatamente, a secretaria. E aí enfim pra Fundação. Então já foi esse lado um pouco mais voltado mesmo, né? Engraçado, teve uma preparação mesmo, agora falando me parece bem natural.
P/2 – Mas ao longo da tua vida essa coisa do esporte como que teve presente, porque o Sócrates jogando, né? Como que foi essa coisa do esporte na tua vida?
R – É, não o esporte é um capítulo à parte, realmente.
P/2 – A gente vai puxando, a música, o esporte…
R – É, não, um capítulo à parte. Eu amo futebol, sempre amei, sempre pratiquei vários esportes. Lá em casa sempre foi muito, todo mundo praticava muito esporte. Então isso é uma coisa que foi presente na minha vida.
P/2 – Mas quando você fala que praticava bastante esporte, era jogar futebol?
R – Futebol, basquete, handebol, jogava tudo, mas muito mais futebol, mas jogava tudo, tinha facilidade pra jogar. Tem essa coisa também, a gente tinha uma coisa meio física mesmo, facilidade... Tanto que o Raí também jogava tudo, o Sócrates também. E então o esporte era muito presente. E quando eu entrei na faculdade, também um detalhe, fui pra faculdade e jogava muito bem futebol, com meus amigos, achava que eu jogava muito... Eles achavam muito mais do que eu achava, mas me convenciam de que eu jogava muito. Eu jogava realmente bem. No primeiro ano da faculdade a parar assim, daí de férias em julho, fiquei dois meses treinando no Botafogo, o Sócrates já treinava lá. Eu fiquei lá vendo se eu queria, aquela coisa. E depois falei: “Não, não quero e tal, e voltei”. E o Sócrates... E era uma coisa muito interessante, porque eu fui, porque era lógico, era um sonho de criança ser jogador de futebol pra quem ama o futebol é um sonho. Mas eu achava que se alguém ia conseguir era o Sócrates, porque ele era realmente muito melhor. E aí quando eu voltei pra São Carlos, e ele começou a aparecer e... Aí entrou um outro fator na minha vida, que é ser irmão de gente famosa, que não é pouco, é muita coisa mesmo, faz parte da sua vida. As pessoas lembram de você, é... É engraçado, muda pro bem, mas também pra quem é tímido uma certa dificuldade. Eu lembro, por exemplo, que no último ano de faculdade o Sócrates veio pro Corinthians e pô, todo santo dia o cara tava na primeira página do Jornal da Tarde, não sei o que, virou uma febre Sócrates. Eu falei: “Cacete, e agora, como é que eu vou cuidar disso?”.
P/2 – E aí?
R – E aí, não, eu fiquei super exposto, porque…
P/2 – Sem pedir.
R – Quem não me conhecia passou a conhecer. Então é engraçado isso. Depois o Raí…
P/1 – Mas como que as pessoas te abordavam sobre isso? Elas chegavam?
R – Não, é uma coisa, você não tem noção. Principalmente o Sócrates que era Corinthians, era uma coisa de querer saber, de perguntar, de não sei o que. E eu jogava bem, então as pessoas também misturavam e se aproximavam e... Não, uma coisa muita querida, muito boa, porque eles sempre tiveram... Os dois tiveram carreiras muito boas, mas te expõe o tempo todo. Então o tempo todo você tá ali, você não é um... Não passa mais desapercebido de jeito nenhum. Pra quem gostava de passar desapercebido...
P/1 – Nossa, e ser irmão do Sócrates e do Raí então
R – Seguidos.
P/1 – Dois.
R – Pois é, seguido, e aí era a vida inteira. Isso entrou na minha vida de um jeito que não saiu mais. E até hoje, hoje eu só vejo o lado bom. Essa coisa da Fundação tem a ver com a imagem dele e então eu aprendi a lidar com isso muito bem. Mas isso entrou na minha vida, também não era previsto. Entrou com tudo.
P/1 – Deixa eu só voltar, você ficou antes da Unitrabalho você tava naquele barzinho que vocês transformaram?
R – Isso, isso.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá?
R – Só lá foi um ano, acho. Um ano e pouco, é…
P/1 – E aí Unitrabalho você ficou?
R – Uns três anos.
P/1 – Três anos. Aí você voltou pra São Carlos na Secretaria de Esportes. E aí você ficou quanto tempo?
R – Exatamente. Dois anos.
P/1 – Dois anos, tá. Porque você falou que depois você foi pra Fundação. Então a Fundação já tava instituída.
R – É, porque eu fui pra Secretaria de Esportes em 2001, 2002, e a Fundação é desde 99 funcionando. Eu participei, eu participava, nesse ínterim aí, antes ou durante a Unitrabalho, eu participava do Conselho Curador da Fundação. Então eu lembro que a gente fazia reuniões mensais, era uma coisa assim, eu era a experiência administrativa que tinha naquele grupo, porque as pessoas... O Raí não tinha, a Tina não tinha, nem a Rose, que era a pessoa do dia a dia, não tinha. Então eu era muito, era a pessoa que dava os conselhos administrativos. Isso, “vamos fazer isso”, “vamos fazer aquilo”.
P/2 – Era uma reunião mensal com o grupo gestor?
R – É, era um grupo gestor que no começo era só praticamente o Raí, a Tina, a Rose, era a pessoa do dia a dia. E depois nós incorporamos algumas pessoas que já estavam, tipo a Célia (_____?)... Ah não, a Sônia London, que participava sempre do começo. Depois nós puxamos a Célia (_____?), aí começamos a puxar um pessoal, mas também da ponta. E era um grupo que se reunia e tomava as decisões.
P/2 – E o Leonardo já tava?
R – Então, nessa época o Léo tava fora. Ele veio e ficou muito tempo aqui durante parte dessa formação. Ele veio em 2001, ficou, sei lá, um ano, vamos dizer. Um pouco no São Paulo, um pouco no Flamengo, participou da criação no Rio, ele tava acompanhando, depois já voltou de novo. Ele ficou pouco tempo.
P/1 – E você lembra... Antes, só pra fechar aquela coisa do departamento, da Secretaria de Esportes. Tem alguma coisa marcante?
R – Tudo foi marcante.
P/1 – É? Aprendizados?
R – Muito difícil, muito difícil lidar com... Eu nunca tinha lidado, sinceramente, próximo da miséria humana. Então foi um aprendizado, quando falo que um preparo, parece que era pra preparar pra vir pra cá. E lidava muito com a miséria humana, muito com a miséria humana em todos os sentidos. Não era só financeira, pessoas assim…
P/1 – Mas você lembra de alguma situação que você teve que lidar ali, que foi nova pra você? Alguém público?
R – Ah, eu lembro. Eu lembro uma situação sempre... Eu era secretário de esportes, a gente entrou... O Newton ganhou por cento e poucos votos, uma coisa assim, absolutamente surpreendente.
P/2 – Que partido era?
R – O PT. Uma coisa absolutamente surpreendente, totalmente surpreendente. Entrou, não tinha equipe, não se esperava... Ninguém esperava ganhar, o partido do PT em São Carlos era novo. Ele ganhou. A nossa entrada foi de muita porrada, porque você imagina, é um pessoal da direita... Da direita pior espécie, um pessoal muito corrupto, muito, com muitos interesses em jogo. Então era muito duro esse dia a dia. Imprensa na mão deles. Então tudo era contra, tudo era contra. Eu era até um cara que os caras... Tinha essa coisa de ter estudado em São Carlos, de sempre ter tido muita simpatia das pessoas lá, por ter sido irmão do Sócrates e do Raí. Então tinha uma simpatia.
P/2 – É o lado bom também.
R – É, eu era uma pessoa conhecida em São Carlos. Era uma pessoa conhecida e as pessoas gostavam, eu tinha trânsito com muita gente, porque eu acabei revendo. Mas é... Foi muito difícil. E eu lembro de uma situação que o time da cidade, era um time, como tudo na cidade, dependente da prefeitura completamente, um time de terceira divisão, sei lá. Que tinha um pessoal encastelado lá no Clube e mamando, mamando, mamando e a vida inteira a prefeitura financiando. Eu entrei pra dizer pros caras que aquilo tinha acabado. Então essa foi uma coisa muito difícil. Carnaval também. Carnaval a vida inteira os caras mamando e eu entrei pra dizer que tinha acabado. Então teve muito essa coisa de ruptura. Pra mim foi muito difícil lidar com isso, porque eu não tinha experiência nisso. Os caras bandidos, bandido mesmo, e eu tendo que manter um…
P/2 – E a Secretaria de Esportes tinha a ver com o carnaval é?
R – É, o carnaval... Na verdade o carnaval foi uma decisão de equipe de governo, quem vai ficar? Todo mundo tirou o corpo fora e meio que sobrou. Falei: “Ah, tá bom, vamos lá, vamos ver”. Essa parte foi muito difícil, tudo muito difícil. Eu lembro de umas situações assim, conviver com pessoas, pessoas de um nível moral mesmo muito baixo, é difícil, eu nunca tinha tido essa experiência. E foi bom, isso me deu uma experiência legal.
P/2 – Você tava falando da miséria humana, que não era só…
R – É, essa coisa do nível moral muito baixo. Então a pessoa mente o tempo todo, pô, tá ali pra fazer outra coisa e tá... E foi legal lidar com isso, porque eu consegui... Foi muito difícil, eu sofri muito também, aquela coisa toda e tal. Tava longe, minha filha tinha um ano, morria de saudade. Porque tava muito difícil lá mesmo, tinha hora que eu saía de lá dez horas da noite, ia dormir em casa, cinco horas da manhã eu tava de volta. Era só pra dar uma re-energizada. Então era muito difícil, o dia a dia era muito difícil, muita mentira, muita bateção na imprensa local e tal.
P/2 – O que você conseguiu fazer no meio dessa turbulência toda e…
R – É, isso que eu vou tô te falando, foi legal pra mim, uma experiência, porque eu consegui ser o que eu sou. Então eu fiz aquilo que eu acreditava. Eu tratava esses caras, bandidos ou não, do jeito que eu acredito que tem que ser. Então eu consegui ter um jeito de fazer a coisa que me deu uma experiência legal, que me deu moral pra... Até hoje na Fundação tem muito disso, de vez em quando você pega uns grupinhos lá que você vê que os caras tão querendo. Alguma coisa... E você tem que ao mesmo tempo falar não, mas, né? É meu jeito, o jeito que eu acho que tem que ser. Então foi bom.
P/1 – Agora a gente vai pra Fundação, tá? Tudo bem?
R – Vamos.
P/1 – Bom, você acompanhou essa... A discussão do surgimento da Fundação, como é que pintou essa ideia? Como ela apareceu pra você a primeira vez?
R – Como eu te falei. Eu nunca pensei nisso, nunca tive afinidade com isso. Eu tinha, digamos, desde a faculdade um compromisso, não sei se o termo é esse. Eu almejava ser uma pessoa intelectualizada, sempre lutei por isso. Então convivia com pessoas totalmente fora da questão da miséria, pessoas que, principalmente, eram pessoas ricas culturalmente, intelectualmente. Então essa é minha vida, eu tentei me formar desse jeito. Então lidar com o lado social, essa coisa de periferia e tal, é uma coisa que nunca me passou pela cabeça, não tava no meu espectro de preocupações. Mesmo tendo meu pai, uma pessoa que sempre foi preocupada com todo mundo e tal, mas acho que talvez por São Paulo, São Paulo é uma coisa assustadora. Essa coisa da periferia de São Paulo, você sente meio que…
P/2 – É tanto, né?
R - É outro mundo. Você não pensa nela, parece que você não vive aquilo, não quer viver. Então quando o Raí tomou a decisão foi uma coisa que eu me dispus a ajudar, porque era ele e tal, mas sem me envolver, digamos. Tentei o máximo ajudar sem me envolver. Porque eu não sabia lidar com aquilo, nem sabia o que era aquilo.
P/2 – Não conseguiu, né?
R – E aí aconteceram essas coisas, quer dizer, então já tava no trabalho, mas no trabalho também mexia com a intelectualidade. Então universidade, eram pessoas de nível... Enfim, era outra coisa. E aí quando eu fui pra São Carlos foi a quebra, foi realmente a quebra e tal.
P/2 – Mesmo, na verdade, a sua formação, essa formação política, esse lado político que foi te interessando ao longo da faculdade, tinha a ver com isso, mas não era próximo disso, é isso?
R – É, tinha a ver mais com a questão intelectual, era bem essa coisa da esquerda intelectual. Uma coisa mais teórica. Porque eu nunca tinha convivido com a miséria, eu não sabia nem conviver com a miséria, e aprendi, aprendi mesmo. E São Carlos foi um grande, putz, foi um achado. Porque aí entrou toda, miséria completa, miséria humana, financeira, moral e tudo. Eu olhei de frente. Quando eu vim pra Fundação, posso ir falando assim?
P/1 – Peraí, só uma coisinha. Então o Raí chegou pra você e falou assim: “Sóstenes, dá pra você trabalhar com isso?”. Como foi isso, ele chegou pra você e propôs que você fizesse?
R – Não, na época, quando ele voltou... Foi o seguinte: quando ele ficou fora, uma das coisas que eu fazia, que eu não contei aqui agora, é que eu cuidava das coisas dele. Então como eu tinha conhecimento do mercado financeiro, eu cuidava das aplicações dele. Então eu cuidava de coisas pra ele. Quando ele voltou, inclusive eu discuti o contrato com o São Paulo. Eu fazia um pouco esse lado já com ele. Então ele me convidar era quase que natural e eu ajudar ele em tudo que rolava. Então não precisou nem preparar muito, ________, ele foi me chamando e eu fui indo e fui entrando. Mas sempre com essa coisa de ser o cara que tem uma experiência administrativa, nunca como sendo uma pessoa que vai mexer com o social.
P/2 - Interessante o complemento entre vocês dois, né?
R – É, sempre foi, sempre foi. Não, o Raí, posso falar do Raí, que também é muito sintomático nessa história toda, eu lembro quando ele resolveu jogar futebol e eu era a pessoa que encostava nele, aconselhava, falava não... E ele muito inseguro, porque o Sócrates era uma estrela e ele tendo que lidar com isso. Então eu sempre fui muito próximo dele em todas essas coisas, desde o começo. Quando ele veio pro São Paulo, coincidiu da época que eu vim pra São Paulo também, uma coincidência mesmo. E eu cuidava dos contratos dele. Eu acompanhei a vida dele mais próxima, então a Fundação foi meio natural. Mas sempre era pra esse lado administrativo, eu nunca pensei de me envolver mão na massa, porque eu achava que não era a minha também. E depois de São Carlos não, depois de São Carlos ele me chamou porque tava em crise a Fundação, que já tinha coisa. E eu achei natural vir, porque eu já tava envolvido com esse outro lado.
P/2 – E você tava querendo sair de São Carlos também?
R – Queria voltar pra São Paulo.
P/2 – Ah, por causa dessa…
R – Eu tava com muita saudade, família, criança pequena. Eu tava louco pra voltar.
P/1 – Mas você…
R – Mas tava na dúvida, tava aquela coisa, o Newton me tentando: “Não, fica aí, fica aí, porque pô, você tá indo bem, não sei o que”. Mas eu assim, aí não tinha jeito de levar minha família pra lá.
P/1 – Porque você tava com uma criancinha já, que…
R – Ah, os dois são pequenos. Deixa eu ver, em 2002, quando eu comecei na Fundação, o Gabriel tinha cinco anos e a Nina tinha dois.
P/1 – Como é o nome da menina?
R – Nina. Então os dois eram pequenos. Morria de saudade, não tinha jeito de ficar lá. Mas eu fiquei... Cheguei a ficar tentado, porque aí eu comecei a gostar, depois de um tempo eu comecei a gostar.
P/1 – Mas esse contato? Porque até então o contato ainda é... Não era com a Vila Albertina?
R – Não, era com alguma coisa do Raí que exigia experiência administrativa. Eu dava opinião muito olimpicamente mesmo, é isso, aquilo, contrata, recurso, captação, dava muita... Me envolvia muito nessa parte.
P/1 – Reunião do conselho…
R – Nunca no projeto social em si. Conhecia lá e tudo, mas fui até pouco nessa época, fui umas três vezes só.
P/1 – Mas a primeira vez que você foi pra Vila Albertina você chegou a ir na época da reforma, não chegou?
R – Eu fui, não, eu fui na inauguração.
P/1 – E qual foi a sua sensação quando você chegou no local? Você tinha idea de como que era a Vila?
R – Não, não tinha ideia. Engraçado porque eu relacionei com o que? Eu, na época que eu toquei em barzinho, eu cheguei a tocar num barzinho mais ali pro lado de Cotia, ali aquela região. E eu lembro de sair por São Paulo sempre pra ir lá e eu achava uma parte muito feia da cidade, porque realmente é. E relacionei muito com essas duas coisas, pessoas com uma vida muito difícil e lugar feio, esteticamente é um lugar feio. Então relacionei com isso.
P/1 – Então seu primeiro contato foi na inauguração?
R – Foi na inauguração.
P/2 – O que você achou da escola? Não o entorno, você tá falando do entorno…
R – É, não, eu achei a escola maravilhosa, lugar grande. Mas tava naquela ainda de conhecer... Tava mais ligado às pessoas, tava muito cheio no dia em que eu fui, era uma festa, tava lotado de gente. Eu tinha muita preocupação de... Daquela coisa do Raí. O Raí era uma pessoa na época muito pública, muito mais do que é hoje, porque tava em atividade. Então eu ficava tentando entender quanto daquilo era, porque era uma Fundação, era um trabalho e quanto daquilo era o Raí, ídolo lá e tal. Tinha muita gente famosa, tinha Suplicy, tinha mais não sei quem. Então na verdade fiquei com uma impressão dúbia, não muito boa nesse sentido. Fiquei com um pouco de medo de que isso fosse a tônica da coisa, as pessoas estão lá, mas estão lá porque... E tinha um pouco.
P/2 – Você achou que poderia ser uma coisa que...
R – É, eu achei que era uma dificuldade aquilo, mais difícil de lidar ainda. Não é só um trabalho, você tem que lidar com... E eu como vivi muito próximo dos dois, eu sabia que tinha muito oba oba na vida deles. Isso meio que me incomodava um pouco, incomodava no sentido de preocupar. Era oba oba. Sabe, onde tá um ídolo tem muita gente, é difícil separar o jóio do trigo. Quem tá ali, por um motivo ou por outro. Então isso me impressionou de uma forma negativa, digamos, eu não fico muito…
P/2 – Você ficou receoso, né?
R – Fiquei receoso, exatamente.
R – Eu me sentia muito distante. Eu me sentia assim, eu vou ajudar, estou ajudando, mas eu não estou mão na massa. Esse momento ainda eu não pensava mesmo. Porque eu achava que não era comigo, eu achava que eu não tinha nenhum perfil pra isso, porque eu tava muito fora disso. Essa coisa do que eu procurava era outra coisa. Então não... Demorou.
P/2 – Quando você começou a desenvolver projeto lá em São Carlos e ter esse olhar social mais forte, você não começou a trocar ideia...
R – Não dava tempo. Eu fiquei afastado mesmo, porque eu fiquei tão envolvido lá, era uma coisa que me consumia muito emocionalmente. Então eu fiquei afastado, aí eu fiquei afastado completamente da Fundação, mas com essa coisa de estar participando do social muito fortemente. E quando o Raí chamou eu não pensei muito também, vai dar, não vai dar. Eu sempre achei natural. Ah vou, eu queria voltar. E lembro que o primeiro dia que eu cheguei na... Aliás, foi antes de começar efetivamente, o dia a dia. Eu voltei em junho, em maio, se eu não me engano, abril, maio, tinha uma reunião sobre planejamento na Fundação.
P/1 – Já isso em 2000 então?
R – Dois mil e dois.
P/1 – Dois mil e dois.
R – Dois mil e dois. Tinha uma reunião de planejamento. Eu lembro que eu entrei, era num auditório, do mesmo jeito que tá lá. Eu lembro que eu entrei pra participar da reunião, eu já tinha sido convidado, as pessoas já sabiam que eu ia, mas eu não tinha... Não tava assumido. Peguei dois dias em São Carlos, que eu tava lá, consegui sair. E nesse primeiro dia eu lembro que eu entrei e eu fiquei tão bem impressionado. Acho que aí eu senti o ar que a Fundação tem, todo mundo fala que quando vai lá que sente uma coisa diferente . Acho que aí que eu senti, porque na inauguração, tinha voltado a um evento e não tinha sentido. Primeiro uma equipe absolutamente comprometida, quer dizer, mesmo aquela equipe que era rachada. Mas assim, eu senti um compromisso, um despojamento das pessoas, um interesse, um discutir a forma como eles estavam discutindo a Fundação me impressionou tão bem que mudou completamente pra mim. Eu falei: “Puta, eu quero isso!”.
P/2 – Quando o Raí te chamou e falou nessa crise, o que que era a crise?
R – Então ele não falou. Porque aí foi assim, ele tinha me contado, e eu tava muito envolvido, eu ouvi, mas não registrei muito. Ele tinha contado o que tava acontecendo. Aí quando ele me convidou ele não falou. Então eu aceitei sem pensar muito nisso. E depois com o tempo foi caindo a ficha: “Puta, ele tinha falado disso, e tal, e tal e tal.”. Depois que eu vi o tamanho da coisa. Então eu não tava muito ligado nessa questão. Achava que eu ia chegar, não tava achando que tava a profundidade que tava. Sabia que tinha uma crise, mas não era uma coisa que tava registrada: “vai ser um problema”.
P/2 – Quem tava no seu lugar antes?
R – Não, era a Rose, que continuou. A Rose era uma pessoa que conheceu eles na época que o Raí tava jogando, antes de ir pra França, virou muito amiga deles. E quando eles começaram, ela era uma pessoa formada em administração e virou pessoa de confiança. Então cuidava das coisas do Raí, coisas pessoais, entrevistas, e acabou cuidando também do... E ela continuou. Eu vim pra ela continuar, não era pra ela sair. Eu vim como uma pessoa a mais. Aí não sei dizer se tinha, não sei até hoje dizer se tinha uma avaliação do Raí de que... Tinha avaliação dele e do Léo de que a coisa não tava indo muito bem, mas eu não sei qual era a posição dele em relação a Rose. A Rose era uma das pessoas muito chaves, talvez a principal pessoa dessa divisão. Por que? Porque na verdade ela namorou uma pessoa que foi pra lá e a pessoa foi uma pessoa que foi ruim, criou um clima ruim, saiu a Sônia, e aí a pessoa era uma pessoa com muita ambição, enfim, criou um racha lá dentro, muito por causa da energia dessa pessoa, do movimento que ela fez.
P/2 – Mas ele foi trabalhar em que área esse…
R – Era pra ser o coordenador pedagógico.
P/2 – Ah tá.
R – Só que nessa época, como era pequeno, o coordenador pedagógico era muita coisa, era quase tudo. Não tinha outras áreas, era pequeno, então o coordenador pedagógico era o cara, era a pessoa, era a figura. Ao mesmo tempo tinha outras áreas que estavam se formando, mas criou um racha, aí foi uma questão de... Aí a pessoa saiu, foi isso. Aí essa pessoa começou a fazer muita coisa rapidamente, o Léo e o Raí não gostaram, houve um... Enfim, eles não gostaram, acabaram tirando ele. E essa pessoa saiu e nessa saída dele provocou um racha lá dentro, porque tinha pessoas a favor, outras contra. Era uma coisa que já tava sem comando, e a Rose envolvida, porque ela era envolvida sentimentalmente. Então ela já não tava mais representando o Raí, e a Tina. Ela tava envolvida demais. Então ficou uma coisa... Então acho que ele já me chamou pensando um pouco em dar uma... Mas eu não acredito que ele tivesse pensando em mandar ninguém embora, não, até porque ele nunca falou.
P/2 – E aí quando você chegou e viu…
R – Então, aí eu cheguei e vi essa equipe, em maio, eu achei muito legal, o grau de discussão. Eu achei muito legal, porque eu não esperava. Era um projeto social, eu não sabia muito como é que rolava. E eu achei a discussão muito em cima, muito boa, muito idealista, eu adorei. Aí começou, vim. Eu era a pessoa que era acima da Rose, mas deixei um pouco no começo, era ela quem decidia, e fui aos poucos tomando pé.. E aí fui sentindo essa divisão, fui aos poucos sentindo. Até que um dia um dos grupos me chamou…
P/2 – Te chamou?
R – Me chamou pra uma reunião numa sala e pediu a cabeça de uma outra pessoa do outro grupo. Aí que eu: 'Opa! A coisa tá feia”. Aí eu chamei o Raí e o Léo, falei: “É isso, isso e isso. A coisa lá tá muito feia, não sei o que fazer, precisamos pensar. Vocês tem que me ajudar a pensar.”. E aí pensamos uma série de coisas. Eles decidiram tirar algumas pessoas, a Rose uma delas. Mas a idéia era preservar o resto, né?
P/2 – Mas só pra entender. No que diz respeito ao trabalho, essa cisão, qual que era a reclamação, por exemplo, desse grupo que se queixou do outro, qual que era a questão de trabalho?
R – A alegação era incompetência profissional de uma pessoa...
P/2 – Ah tá.
R - Porque tinha entrado no lugar no Nelson, que é essa pessoa que saiu e que foi provocadora de toda a crise, era namorado da Rose. Então saiu essa pessoa e entrou uma pessoa que realmente não era da área pedagógica, tinha umas dificuldades, mas era uma pessoa muito boa da área social, tinha uma experiência de lidar com jovem, mas que quando teve essa resistência as pessoas não confiavam e queriam também não confiar, queriam minar. Então já era um racha…
P/2 – Já tinha…
R – É, exatamente. E aí com essa pessoa entrou... Tinha uma pessoa por cima que o Raí tinha chamado que era a Zélia Cavalcanti, era da Escola da Vila, quando o Nelson saiu, aí ficou sem chão na área pedagógica. Chamou essa pessoa que não era uma pessoa pra assumir, mas era uma pessoa pra assessorar. E essa pessoa escolheu o Jiva, essa pessoa que entrou. Então tinha um racha contra essa pessoa Zélia, por que? Porque o cara tinha saído, a Zélia tinha entrado,
não foi bem recebida, e colocou uma pessoa dela que não foi bem recebida. Então o racha tava... Eles queriam na verdade que voltasse o Nelson, no fundo, no fundo era isso, mas isso já sabiam que também não ia acontecer. Então eles ficavam só contra, só contra, só contra. O racha mesmo, eu não saberia nem dizer, não fiquei muito…
P/2 – O pessoal da área pedagógica ficou…
R – Era um lado da área pedagógica e o outro lado da área social, digamos, com a participação da Rose que era administrativo do lado da área social. Era o pessoal que era do lado do Nelson, o Nelson que tinha saído, o Nelson Vilaronga. E essa pessoa era um pessoal, digamos, mais do lado da Zélia, um pessoal que tinha... Mais do lado pedagógico.
P/2 – Mas o Nelson era coordenador pedagógico?
R – Que tinha saído, é.
P/2 – Já tinha nessa época essa divisão se trabalho?
R – Área Social, Área... Tinha, já tinha.
P/1 – Quando você entrou já tinha a divisão, mas...
R – Já tinha, já tinha. A Célia, que era a coordenadora da área social, era uma pessoa muito forte. Ficava lá de segunda a sábado, impreterivelmente. Agitava, tinha as agentes, as “Mulheres em Ação”, era muito próxima dela. Tinha os meninos que tinha entrado, ficaram próximos dela, porque eram próximos do Nelson, ela ficou muito próxima do Nelson. Então ela tinha uma força muito grande lá dentro. E a área pedagógica era separado na estrutura, mas era unida muito. Quer dizer, o Nelson era muito unido com a Célia, eles faziam coisas juntos. Quando o Nelson saiu houve um racha mesmo. Então entrou uma pessoa que não era desse grupo. Então as áreas ficaram distantes, aí a diferença, e aí deu uma divisão mesmo. Aí pessoa, por exemplo, que tinha sido contratada pra trabalhar com comunicação, ficou de um lado. A que tinha sido contratada pra trabalhar com captação ficou do outro, rachou tudo. Ficou esquisito.
P/2 – E aí, como é que foi retomar essa…
R – Não, pois é, aí tudo foi acontecendo. Algumas pessoas, bom, a Célia, por exemplo, eu falei: “Não, eu não posso perder a Célia, porque eu nem tava dominando ainda o que tava acontecendo ali, preciso de pessoas próximas da comunidade. Então a Célia eu vou preservar”. Já tinha saído a Rose, tinha saído a Mônica, é uma outra Mônica que era da área de comunicação, era uma decisão do Léo e o Raí e... Quem mais... A única decisão minha de tirar ali foi do Jiva, desse cara da área pedagógica, não porque eu não achasse ele bom, eu achava, mas eu achava que eu precisava de alguém pra compor com a Célia. Como eu queria preservar a Célia e falei: “Bom, eu vou tirar ele”. Eu expliquei isso pra ele. “E vou trazer uma pessoa”. Mas aí depois essa coisa ficou tão assim que a própria Célia não se sentiu bem, então ela resolveu sair. Aí ela saiu, saiu a assistente dela. Aí quem mais? Foi saindo todo mundo.
P/2 - Nossa trocou, né?
R – Saiu a pessoa de captação também, porque já tava muito desgastada, ficou muito... O ambiente tava muito ruim. As pessoas estavam muito desgastadas. Então, quantas pessoas foram? Seis ou sete pessoas que eu tive que contratar todas.
P/2 – Tava chegando também?
R – Tava chegando. Mas aí foi difícil, mas foi bom, porque eu formei minha equipe do jeito que eu queria, então eu trouxe a Olga, trouxe a Mônica. Eu trouxe a Cris Saito que é de captação, a Fernanda que era assessora da outra Mônica, de comunicação, conversei com ela, puxei ela…
P/2 – A Cris Saito não tá lá, é a... Ah não Fabiana.
R – Ah, também tem a Fabiana, é, Fabiana Saito também, é por isso que você…
P/2 – É.
R – Mas na época eu contratei a Cris Saito. Então eu montei uma equipe... Foi legal, porque foi uma equipe também que se formou junto.
P/1 – Mas teve que ser muito rápido, porque tinha que atender a comunidade…
R – Tudo rápido.
P/1 – Como foi esse negócio, porque…
R – Foi do jeito que dava pra ser, tava tocando…
P/1 – Vocês conseguiram segurar, manter as atividades?
R – É, exatamente, conseguimos, conseguimos. Eu não me lembro agora na parte da área social, por exemplo, eu lembro que eu puxei a Olga muito rápido. A Olga era da rede da Vila Albertina, tava numa outra... Então ela participou do projeto. Eu tava contratando uma pessoa pro pedagógico, ela participou do processo e eu gostei dela e tudo. Aí na hora que a Célia resolveu sair eu já peguei ela e pus. Então foi... e ela conhecia. No caso da área pedagógica a Mônica entrou, mas tinha a Patrícia e a Andréia, que eram pessoas que estavam lá desde 2001, meio que eu deixei na mão delas pra tocar enquanto a Mônica entrava. Aí a Mônica entrou e compôs o grupo. Então deu pra…
P/1 – Deu pra segurar.
R – A parte de captação e comunicação deu pra tocar sem muita crise, deu pra... Sei que foi, tinha que ir, foi.
P/1 – Bom, você entrou em 2002 então, né?
R - É.
P/1 – Tá. Você lembra das atividades... Como é que era o seu dia a dia, porque você foi entrando ali na escola, você ia todos os dias? Como você foi se inteirando?
R – Não, todos os dias, todos os dias. Fui aprendendo. O que acontecia, o que era o Virando o Jogo, que era o FAC, o programa de jovens, como é que funcionava essa área de comunicação. O que a gente comunicava, como que era a captação, eu tive que aprender tudo, tudo. Eu não sabia mesmo. É gozado porque eu fiquei fora uns dois anos e a Fundação cresceu muito, explodiu, cresceu muito. Eu lembro que quando eu saí eu era do grupo gestor, era uma coisa pequena. Quando eu voltei, dois anos, depois tinha explodido um monte de área, não sei o que, e bá bá bá. Então eu tive que aprender tudo. Aí eu fui aprendendo, no dia a dia, contratei essas pessoas, eu sempre fui... A Fundação tem uma coisa, um histórico, uma cultura de delegar. Então as pessoas têm muita autonomia pra tocar. Isso também ajuda nesse momento.
P/2 – É verdade, todo mundo fala isso, essa autonomia.
R – É, tem, tem uma cultura. É um pouco o jeito do Raí, é o meu jeito também. Então a coisa vai acontecendo, tanto que…
P/2 – Acreditar no outro. Acho que tem a ver um pouco com a filosofia mesmo…
R – Tem.
P/2 – Pedagógica, com os alunos, né?
R – Porque vai desde o começo. É verdade, é isso mesmo, é acreditar. Então a coordenadora também já confia no educador. Isso é um pouco a linha da Fundação, às vezes, em épocas de crise, por exemplo, dá problema. Aquela coisa, por exemplo, a Rose tinha muita autonomia, então ela começou a fazer muita coisa errada, mas é um risco que se corre, né?
P/1 – Mas aí você foi pra Niterói também nesse meio tempo, ou não?
R – Em Niterói também. Em Niterói se formando, era o comecinho. Aí em Niterói o que houve foi que o... Aí foi uma coisa do Léo, ele resolveu por uma pessoa lá, pra ser uma pessoa que ele confiava. Ele tava indo pra Itália e é um cara que eu conheci e nós tivemos uma afinidade desde o começo, era o Cézar, é o Cézar Marques que vai depor aí também.
P/2 – Porque tava no workshop?
R – Tava no workshop, vai dar o depoimento e tudo. Então no Rio eu tinha essa tranquilidade de... A gente tinha assim, a gente dividia as coisas igualmente, embora eu estivesse hierarquicamente acima dele, mas a gente não fazia isso, trabalhava juntos mesmo. Então também facilitou, é um cara que eu me dei bem, a gente teve uma afinidade pessoal muito grande. Então as coisas foram se tocando.
P/1 – Mas você ia pro Rio?
R – Ia bastante pro Rio.
P/1 – E assim, quanto a modelo? Porque é um modelo diferente ali, do que era a Vila Albertina, tinha propósito, mas…
R – É, nessa época era Niterói. Não tinha, na verdade não tinha Rio de Janeiro. Era uma outra... É um projeto muito visualmente diferente. Você sentia coisas diferentes, porque a gente ia na comunidade, trazia as crianças pra aquele local, um local maravilhoso e tal. Tinha as suas particularidades, mas de uma certa forma era um projeto que não dava problema, problema que dava era o ônibus que quebrava. Era tudo muito assim, talvez por ser uma cidade menor. Então assim, não era uma cidade... A gente não tinha muito problema lá. Era tranquilo. Ia lá pra tomar decisões conjuntas, estratégicas, captação, não sei o que. Mais o dia a dia era muito tranquilo, não me tirava energia, muito pouco. E o Cézar tava lá também.
P/2 – Eu acho interessante que você... Eu tô lembrando, só fazendo uma ponte aqui, dele comentando que na república ele era o cara que conciliava, ele era o cara que fazia o meio de campo?
R – É.
P/2 – E aí você chegou na Fundação bem nessa…
R – Pra fazer isso, pra fazer isso.
P/2 – Nessa função?
R – Pra fazer isso. Essa questão do aprendizado, e aí pegando um pouco... Eu até falei isso depois, não sei com quem eu conversei, uma época que a gente fez um workshop, não me lembro quem foi, foi uma outra pessoa, não foi a Cristiana, não. Pensando na minha formação, o fato de eu ter aberto muito o meu leque, música, universidade... Isso me ajudou, porque embora tenha uma formação técnica de formação de faculdade, eu abri muito esse leque. Então me facilitou tomar pé das coisas, por exemplo, ter uma visão um pouco mais pedagógica até algumas vezes. Então o meu diálogo com as áreas ficou mais tranquilo, eu me senti muito, eu acho que eu peguei rapidamente. Diferente de se eu tivesse uma profissão mais de engenheiro mesmo, aquela coisa. Teria mais dificuldades eu acho pra trabalhar com outras coisas.
P/2 – Já tinha se ramificado…
R – É, tinha um pouco... Tinha procurado isso pra mim. Abrir mesmo a minha forma de ver as coisas. Então facilitou.
P/1 – Aí você falou do seu diálogo com as áreas, nesse tempo que você tá lá na Gol, como você sentiu o desenvolvimento de cada área ali dentro da Gol? Você conseguiu ver isso?
R – Quando eu cheguei, na verdade, eu não cheguei a tomar pé de como funcionava, mas eu sei mais ou menos. Ou acho que tem um momento que eu entrei que era uma coisa ainda... Tinha, na verdade uns jovens que um deles é o Alê que deu o depoimento, que tava ali gravitando na Fundação que tinha feito alguma coisa, tinha se impressionado muito, tava curtindo muito. Tinha um discurso muito forte de algumas mães, de que Fundação é isso, a Fundação é aquilo. Eu até falo que é uma fase mais folclórica da Fundação, a Fundação saía pra rua, as pessoas fantasiavam... Pessoas, os funcionários mesmo ali. Pessoas ligadas. Tinha uma coisa muito de movimento, era muito no entusiasmo. E o projeto em si era um projeto que a gente tocava. Tipo assim, preocupação com as crianças... Principalmente com as crianças, a gente não tinha... O Virando o Jogo, era coisa que não entrava muito na discussão. Tinha umas professoras de leitura e escrita, a área de educação física tinha uma proposta. Aí um ano tinha teatro, outro ano tinha música, mas você vê que não tinha... Eu lembro que quando eu contratei a Mônica começou a dar uma cara diferente, porque a Mônica gostava daquilo. Então ela começou a trabalhar, principalmente o Virando o Jogo, com formação de educador, ela deu uma cara sistematizada pras atividades.
P/2-
Pra todo mundo falar a mesma língua…
R – É. E aí é uma questão do que o educador tem que ser, como é que ele tem que ser. Então de lá pra cá a gente criou uma cultura de funcionamento mesmo dos projetos, um pouco a cara dela mesmo. Como ela tinha essa autonomia, ela se deu bem e tal, gostou. Então foi um pouco isso. Eu acho que até então era uma coisa muito de movimento, as Mulheres em Ação, os jovens que se aproximaram, era uma coisa do Nelson... O Nelson é um cara muito articulador, muito, um cara muito inteligente, muito energético. Então a Fundação era uma fase mais de grandes eventos. Então aquele bando de gente na rua. E passou a ser um projeto mais projeto mesmo. Os 240 do Virando o Jogo, os cento e pouco... Virou um projeto, a gente começou o projeto de esporte. Então começamos a pensar mais em projeto mesmo, ficou uma coisa mais sistematizada.
P/1 – Porque a idéia era consolidar um pouco mais as forças…
R – É, acho que foi... Foi isso, foi uma fase mesmo. Aquela coisa... Aquela impressão que eu tive do Raí quando eu fui na inauguração, aquilo continuou. E de forma positiva, muitas delas. Então muita gente envolvida, as Mulheres em Ação, quero estar, eu estou nesse projeto. Então virou uma coisa meio além do que era. Gol de Letra, mas o projeto em si não estava sendo avaliado, se as crianças tavam sendo bem encaminhadas, tinha movimento, era um movimento mesmo. E a partir da Mônica eu acho que tem uma coisa mais de sistematização. Então ela entrou e pela própria experiência dela e pelo interesse dela, ela foi sistematizando as coisas. Então: “Ah, o que nós fazemos aqui, é isso? Ah aqui nós damos aula disso? Porque isso não vai juntar com isso?”. Aí começou a falar o negócio de metodologia de projeto, é tudo com ela. E coincidiu com uma fase que a Fundação tava amadurecendo, precisava disso mesmo, já não era mais oba oba. Então foi um processo, foi um momento diferente.
P/1 – Você pegou o momento que a Fundação também começou a participar da Rede Vila Albertina? Ou você, quando você chegou já tava…
R – Participar de outras redes…
P/1 – Quando você chegou já tavam…
R – Já tinha a Rede da Vila Albertina, mas a gente começou a participar de outras redes, começamos a participar de vários fóruns, ser convidados e tal. Mas já tinha, a Rede da Vila Albertina já tinha com a Célia, começou com a Célia e depois a Olga deu continuidade.
P/2 – Você falou, na verdade você fez uma leitura bastante forte da atuação da área pedagógica. E aí eu queria que você fizesse, se puder, uma coisa parecida com o olhar sobre a área social. Como foi essa evolução? Porque você falou tão…
R – A área social também. A área social partiu de uma coisa que era mais de mobilização, era um pouco o perfil da Célia, e também o momento da Fundação. Então essa coisa de grandes eventos pra uma coisa mais família, que era também o perfil da Olga. Então casou um pouco com a entrada da Mônica, da Olga, elas tinham um perfil parecido, mas a Olga era mais focada na família, então como a gente vai trazer as famílias pra cá? Como a gente vai tá apoiando essa família? Qual é a participação dela no projeto? E as áreas começaram a voltar a conversar, a área social e pedagógica tinham que trabalhar muito junto. Porque foi uma coisa que nós mesmo falamos: “Olha, vocês vão entrar aqui, mas vocês tem que trabalhar juntos”. Eu tava com trauma, mudamos até a questão física mesmo, mesma sala. Então teve junto... A área social foi muito disso, por perfil das profissionais e pelo momento que tava vivendo.
P/2 – A mobilização na época da Célia você acha que não era pra família, era mais…
R – Era mais mobilização…
P/2 – Pra comunidade?
R – Mais mobilização. Ela não tinha um trabalho de família focado na vida das... Era mais mobilização, era mais comunidade, no sentido de mobilização. Então Mulheres em Ação era tudo a cara dela.
P/2 – E aí na verdade esse trabalho com família acho que acaba atrelando naturalmente a área pedagógica com a área…
R – Exatamente, uma união das duas leva a isso. Trabalhar famílias do programa, continuou com o trabalho de comunidade, mas perdeu muita força, e ficou mais força em família.
P/1 – E aí foi uma fase que começou a mudar um pouco os projetos? Porque teve que recuar em em Mulheres em Ação...
R – É, aí... Na verdade foi fortalecido o projeto das agentes sociais, é um pouco a continuidade do Mulheres em Ação.Então ficou mais pro lado das agentes. Então as agentes fortaleceu. E essa coisa do Mulheres em Ação ficou um pouco pra trás. Mulheres em Ação tinha uma coisa muito da Célia e das pessoas que começaram também, que eram as mesmas e tal. Essas pessoas depois com a Célia já tavam migrando pras agentes, porque aí tinha bolsa. Então na hora que você começa a dar bolsa, você começa a desarticular um outro projeto que era mais voluntário, digamos, então foi meio que natural. E... Que mais que você perguntou mesmo? Tem outra coisa.
P/1 – Não, era isso mesmo, se tem algum outro projeto que também teve uma alteração?
R – É, o programa dos jovens também, foi um programa que a gente, na época, foi feito... Porque é o seguinte, o programa dos jovens começou com uma oficina dos franceses, que vieram, workshop. E foi naquela questão de mobilização. O Nelson era muito ligado em teatro, então ele montou um grupo de teatro. As coisas funcionaram muito nisso entusiasmo de…
P/1 – Porque aí teve o Cara da Vila?
R – É, a Cara da Vila. E aí depois que tinha passado isso, ficou um projeto de jovens que era ligado a um projeto da Secretaria do Estado, que era projeto... Ai meu Deus, qual é o nome mesmo? É um projeto que a Secretaria do Estado, pagava o educador, esse educador era formado pela Secretaria do Estado e ele dava em vários lugares da cidade. Não vou lembrar o nome do projeto, mas lá também era assim. Então a maior parte dos educadores era isso. E a gente começou a formar um projeto nosso. Então contratava os caras tentando dar uma metodologia de trabalho, tentando trabalhar conjuntamente. Então foi uma fase de formação do projeto dos jovens também.
P/1 – Aí chega no FAC?
R – Que é o FAC, exatamente, o lançamento do FAC foi aí.
P/2 - Qual é a faixa etária do FAC?
R – É quinze a 21.
P/2 – Tá. Porque aí o Virando o Jogo é de sete a quatorze, né?
P/1 – E o FAC continua?
R – É, o FAC continuou e foi sendo estruturado, porque aí a gente não tinha... Começamos a contratar educador, educador começou a fazer parte da Fundação. Então ele ia pra lá, ele participava de reunião pedagógica. Antes eram os caras que eram da Secretaria do Estado que iam lá, davam uma oficina e saíam. Tinha essa coisa muito volúvel, digamos. E depois a gente começou a formar um programa mesmo. Era noite, era fim de semana... Ainda eram pessoas... Nós começamos a identificar pessoas que queriam fazer um trabalho diferente. Então pessoas muito boas entraram inclusive, mas eram pessoas já pensando num projeto conjunto.
P/2 – Que ano que o FAC iniciou?
R – O Cara da Vila foi 2001…
P/2 – O FAC inaugurou com o Cara da Vila, né?
R – É, isso. E aí o FAC mesmo foi final final de 2002 pra 2003, foi um pouco depois que eu entrei. Quando eu entrei ainda era essa coisa desse projeto da Secretaria do Estado, aí a gente foi formando.
P/1 – A sensação que dá é como se tivessem várias pessoas meio não tão ligadas à Gol de Letra, contribuindo, e depois a Gol de Letra vai tomando as rédeas, entendeu?
R – É.
P/1 – É a sensação que eu tenho.
R – É exatamente isso.
P/1 – Então assim, as agentes sociais são da própria comunidade, a formação é também interna, vocês mesmos garantem, é isso que eu sinto.
R – É isso, é isso.
P/1 – Vai de encontro um pouco com a missão mesmo da Gol de Letra, porque essa é uma outra coisa que…
R – É, eu acho que são um pouco as duas coisas. Um pouco é a missão, e é uma racionalização também, de por exemplo, enquanto durou a época do oba oba tudo era possível no voluntarismo, digamos. Então tudo acontecia mesmo no voluntarismo. Pessoas se aproximando, pessoas formando coisa, montando projeto... E depois de um tempo isso tende a arrefecer. Aí depois você tem que ver o que disso dá pra continuar, com que perfil, com que características. Então uma coisa de... O que a gente preserva, o que a gente não preserva.
P/2 – Essa época foi a época da avaliação, não? A avaliação foi depois... Foi 2006, né?
R – Não, a avaliação foi 2006, 2007.
P/2 – Não, pulei, desculpa. Acho que eu andei muito.
P/1 – Eu queria que você falasse... Tudo bem que você falou voluntarismo é uma coisa, mas em relação à voluntários, como era essa relação com a Gol de Letra? Ou ainda é?
R – Não, tinha, sempre... Tem até hoje, mas tinha muito isso na mesma perspectiva do voluntarismo, quer dizer, as pessoas queriam ajudar. Aquela coisa, o projeto Gol de Letra tava um pouco na mídia, as pessoas queriam ajudar. Então gente da comunidade queria ajudar, gente que era conhecida, que tinha um trabalho, queria fazer o trabalho lá, gente que queria ajudar de qualquer forma. Então foi muito isso, foi muito rico, muito rico.
P/2 – E dizer sim e dizer não, o que a gente quer, o que a gente não quer. O que a gente quer ser?
R – É, a gente queria tudo, naquela época a gente topava tudo, na verdade era isso. Então, por exemplo, o Edu foi um dos caras que foi pra lá como voluntário, tinha feito uma formação de voluntariado e a gente convidou ele pra ser o coordenador dos voluntários, pra organizar um pouco isso, porque era muita gente querendo e a gente sem saber como lidar com isso. E aí ele começou a montar um processo de seleção, de identificação de necessidades. E então foi isso, foi um pouco…
P/1 – Foi até ajudando na identidade da Gol de Letra, né? Quem que vem pra cá, vamos ver, né?
R – Exatamente, por exemplo, que áreas... Até uma coisa que não tinha discussão, por exemplo, tinha muita gente querendo dar aula, muita gente querendo lidar com as crianças. Então na época como é que faz? Dá, não dá? Até que a gente falou: “Não, isso não queremos”. Quem vai lidar com as crianças são os educadores. Então teve que meio que amadurecer isso. Não, não tem, essa área não, tem que ser em outras áreas. Então foi formando mesmo
P/2 – Têm até hoje essa área que olha a questão do voluntariado?
R – Tem essa área, na verdade a gente passou pra RH, mas a pessoa de RH nunca teve um perfil pra isso. E agora voltou pra DI, Comunicação. A gente tá tentando manter nessa área que é uma área que tem mais traquejo pra isso, mais sensibilidade pra lidar com... Porque as pessoas entram muito pelo site se oferecendo... Então você tem que dar uma resposta.
P/1 – Uma coisa, quando a Gol de Letra chegou lá, como é que ela conseguiu se firmar como uma entidade que não fosse confundida com assistencialismo? Porque isso era importante, desde o início, deixar claro.
R – É.
P/1 – Como que isso foi sendo construído?
R – É, eu acho que muito foi através das agentes, dos mediadores, monitores, são pessoas da comunidade que vão... As famílias, nas reuniões com pais. E a gente foi tomando algumas medidas. Eu lembro que no começo a gente recebia muita doação, as pessoas doavam xícaras, doavam tudo, e até teve uma coisa um... Eu lembro que coisas que me contaram, já não era da minha época, um pouco antes da minha época. Chegava um caminhão de coisas, vira e mexe saía gente pra comunidade, pegava e levava. Era uma bagunça. Com o tempo a gente foi negando, a gente não recebia mais. Então a gente começou a não receber doação. A gente explicava porque e quando recebia passava pra uma outra organização da Rede. Depois foi montando um... Aí as pessoas acostumaram com isso.
P/2 – Poder lidar com a expectativa também da comunidade, porque…
R – É, inclusive a gente incorporou no discurso, toda reunião de pais falava: “Olha, a gente não tá aqui pra...”. A gente falava até: “A gente recebe doação, mas a gente não vai... A gente vai passar pra outras organizações, porque não é a nossa, nós queremos ser uma referência pra vocês de oportunidade de emprego, de trabalho, de educação”. Então foi montando isso.
P/1 – E o que você detectou como a maior dificuldade que a Gol tinha ali na atuação? Assim com a comunidade, o que você…
R – Eu não sei... Eu acho que tem uma coisa, pelo menos eu com a visão que eu tinha, que eu cheguei, que eu mantenho até hoje, eu acho que sempre foi uma dificuldade muito grande, da Vila Albertina não ter uma comunidade organizada. Então você não tem um associação de bairro. Dizem que às vezes isso é ruim, mas eu sempre achei que era um problema não ter, porque são pessoas muito desinteressadas. Então eu acho que a violência, principalmente na época em que começou era um fator, mas eu acho que às vezes até importante é a questão do desinteresse, das pessoas não se animarem a querer alguma coisa.
P/2- Nem sabe onde começa, se a violência provoca isso, se…
R – É, exatamente, a gente não sabe, ou a própria miséria. Por exemplo, é muito difícil você trabalhar assim, quer dizer, não querendo ser assistencial, com uma comunidade que reage. Tem dificuldade de reagir, de querer. Eu acho que a gente demora, às vezes, muita coisa pra trazer pessoas. Então as agentes, por exemplo, são muito importantes. Eu acho que tem alguns grupos de agentes melhores que outros, porque vem pessoas com muito pique, isso é muito legal, porque eles dão outra dinâmica. O mediador e o monitor também. Os cara vêm, os jovens, principalmente o programa de jovens, é muito legal quando você pega uma turma boa que os caras agitam a comunidade, você vê que aquilo repercute, mas uma grande dificuldade é você ter um trabalho onde você quer ter um discurso mais politizado, digamos, de formação das pessoas. Então dar esse passo eu vejo como uma coisa muito difícil, mesmo quando a gente oferece pras crianças, chama os pais, mostra, quando isso é muito passivo incomoda. Eu sinto uma dificuldade de fazer esse pessoal participar mais. Isso é um desafio pra nós, porque a gente tem que identificar lideranças, é uma das nossas propostas, mas não é simples, é difícil.
P/1 – Mas você sente que isso com o tempo está sendo construído? Ao longo desse período que você está lá?
R – Eu sinto que sim, eu sinto que as pessoas que passam por lá se tornam pessoas fortes. E isso ajuda de várias formas, mas um pouco assim, a gente tem uma seguinte dificuldade: a nossa proposta foi sempre trabalhar com as pessoas mais necessitadas, então é difícil você avançar nessa área. Porque você vai pegar famílias mais desestruturadas possíveis. Então é aquela mãe que não fala “lé com cré”. Então a proposta contradiz um pouco, às vezes, uma expectativa que a gente mesmo tem, de construir uma comunidade consciente, porque a gente vai lá a gente pega aquilo que vem lá de baixo mesmo. Então tanto o garoto é o mais complicado de se tornar um cara consciente, mas é a nossa luta, tudo bem. Quanto a família também é mais desestruturada. Então isso é uma dificuldade.
P/1 – E no Rio a mesma situação?
R – E no Rio a mesma situação, no Rio é a mesma situação, exatamente.
P/1 – Mas é curioso, algumas pessoas que passaram por aí tem ligação com a comunidade, a gente sente que uma das coisas que a Gol consegue fazer é essa coisa do multiplicador, né? Aquele trabalho de formiguinha, mas…
R – Eles passam. É verdade, é formiguinha, essa é a questão. É uma coisa de formiguinha, você vê que os caras saem dali, você vai conversar com... Hoje eu cruzei com um garoto, eu fiquei pensando nisso. Eu falei: “Pô, como você tá?”. Jeferson e tal. “Como você tá? Não sei o que...”. E ele apontou, tava passando uma lotação ele tá, acho que é cobrador. Mas é um garoto muito... Uma família absolutamente desestruturada. Ele viu o pai morrer na frente dele, ele viu... A vó que cuidava. Então uma coisa complicadíssima. E eu fiquei pensando: “Pô, quanto nós ajudamos isso, quanto nós contribuímos”. E era um cara complicadíssimo, ele fez
o Virando o Jogo. Aí depois ele deu uma virada, aí foi ser mediador. Isso é uma coisa legal também da Gol, é uma proposta da área pedagógica, isso não foi orientação de ninguém, eles dão oportunidade mesmo pros mais complicados. Porque a nossa ideia é pegar as lideranças, mas muitas vezes se você pegar só as lideranças, você tá pegando uma nata. Você tá deixando alguém... Os caras que estão aqui e que precisam também um... E a área pedagógica sempre defendeu isso, sempre puxou alguns. Falou: “Ah, pelo menos uns vinte por cento a gente puxa”. E aí vamos ver, e corremos o risco. Às vezes o moleque vai lá e não dá certo, porque não era pra dar mesmo, mas outros nessa puxada eles vão embora. Eles vão mais modestamente, não vão chegar numa faculdade, não vão chegar num emprego, mas é um cara que não ia ser absolutamente nada e vai ser um cara trabalhando em lotação, vai ter relacionamento, sabe conversar, sabe atender as pessoas. Deu uma virada, já é uma virada, são aquelas pessoas que são criança travada, travada, travada, uma dificuldade imensa de se comunicar, de conversar. Então é isso, é formiguinha. E é em cadeia, são vários níveis que a gente trabalha.
P/1 – Eu achei interessante que algumas pessoas, por exemplo, uma senhora que passou aí, hoje ela tá se formando em pedagogia e pretende continuar esse trabalho num outro lugar.
R – Isso tem muito cara, isso tem muito... As pessoas começaram a acreditar. Isso é uma coisa, por exemplo, que eu não sei como medir isso, mas as pessoas começaram a acreditar que dá. Essa é a grande questão. É aquele garoto vendo mediador que vira um cara que vai na faculdade, ele começa achar que dá... Você quebra todo o ciclo. Tem uma fala do Vanderlei, que ele sempre falou, a família dele sempre, os homens eram ajudantes de pedreiro, as mulheres diaristas ou domésticas. E ele sentia que tinha quebrado aquele ciclo, não, quebrar ciclo também é uma coisa muito... É que são coisas, rupturas que vão acontecendo.
P/1 – Como a educação vocês conseguem passar essa idéia pela Gol, que é... Tem um tripé, não tem?
R- Tem.
P/1 – Você pode falar um pouco disso pra gente?
R – É, qual tripé?
P/1 – Da educação... Como é que era?
P/2 – Aprender, conviver e multiplicar.
R – Ah, isso, isso. É, então, é isso que eu estava dizendo, por exemplo, vamos dizer que a gente tivesse optado... Vou dar um exemplo contrariando o exemplo. Pela educação formal, se a gente tivesse decidido assumir uma escola. Você vai gastar tanta energia pra ensinar, a matéria, o conhecimento da humanidade, você não vai ter tempo de trabalhar pra esse tipo de público, é... O aprender, claro, você tem que estar ali. Outro dia eu vi uma apresentação, quinta-feira passada, uma apresentação das crianças na música. O grau de concentração delas, a confiança. Então aprender aquela técnica serve pra ela pra uma série de coisas. Lógico prender música, eu particularmente acho uma coisa fantástica. Aprender teatro que os caras vão, todas as atividades. Aprender então é fundamental, porque isso traz uma mudança pra dentro deles. Como que a gente trabalharia o conviver se não fosse assim? Como é que você pega um garoto desse... E hoje eu vejo... Quer dizer, não dá pra simplesmente falar: “Olha, a escola formal...”. Não dá, é difícil cara, não dá tempo de trabalhar o conviver. O conviver é conosco mesmo, é no prazer do cara estar ali, fazendo uma coisa, fazendo outra, jogando futebol, fazendo música, não sei o que. Você vai dando regras e você vai ensinando. E ali eles aprendem. Eu acho que a escola não dá, é muita... Porque eles vêm tão desestruturados que não dá. Tem que ter o nosso trabalho, tem que ter alguém completando. Então conviver eu acho que, puta, é o nosso ponto. E multiplicar é o nosso sonho, a gente batalha, batalha, batalha. E fala, e fala, e fala. E tenta, e tenta, e tenta. E as coisas acabam acontecendo aos poucos. Então, por exemplo, muita gente ligada ao projeto que não sai de lá, que vai lá toda hora, é um pouco esse compromisso político, é a nossa parte politica. Onde a gente consegue avançar no político? É tentar comprometê-los a ajudar a comunidade deles, é não olhar... Porque assim, a gente sempre teve essa discussão, o cara tende a negar aquilo, ele não quer, ele quer escapar dali, então ele quer escapar. E aí o trabalho é o nosso, digamos, nível de politização mais alta, é o cara aceitar a comunidade dele e lutar de alguma forma, estar ajudando.
P/2 – Multiplicar é disseminar a semente do que ele aprendeu.
R – Exatamente, exatamente, em todos os sentidos e principalmente nos valores, né?
P/1 – Sóstenes, só uma outra coisinha, quando você entrou teve algumas atividades que você pegou o surgimento delas, né? Por exemplo, o Torneio Gol de Letra , você lembra dessas atividades que foram surgindo?
R – É, tem algumas coisas que já foram um pouco na minha linha de gestão e tal. O Torneio, por exemplo, juntou duas coisas muito interessantes. Uma que eu tinha ido pra França, vi um torneio lá, um torneio parecido de empresas e tudo, e a gente ao mesmo tempo, tinha uma discussão e era uma coisa que eu fazia com muito gosto, com a Cris Saito, era a pessoa que eu contratei de captação. Foi uma pessoa que era muito energética, muito legal. E a gente bolou uma ideia de, naquela época, tinha muitos voluntários e tal, de montar um grupo de voluntários, a gente chamou de Comitê de Mobilização pra pensar estratégias de captação, era uma coisa que a gente tava ainda muito no tradicional. E era um grupo que se reunia uma vez por mês, um grupo de pessoas, jovens e muito ligadas, muito afim de fazer coisas. Era uma forma deles colaborarem na área deles. E a gente ficou discutindo e uma vez por mês se reunia, era muito gostoso, muito agradável. Um dos produtos desse comitê, foi pegar exemplo da França e transformar no que é hoje o Torneio Gol de Letra, é com empresa, que são dois dias, que tem um evento no Morumbi, é futebol de campo. Aí nós fizemos as adaptações. Então o Torneio foi uma dessas coisas, tem várias outras que a gente pensou que acabaram não funcionando, mas era muito rico mesmo a discussão. ______ das coisas muito legais. E qual a outra?
P/1 – Não, só…
P/2 – Como que funciona o Torneio, só pra entender melhor?
P/1 – O Torneio é um evento que a empresa doa vinte mil pra Fundação, participa de um torneio que a gente organiza num lugar fora de São Paulo, durante o fim de semana e algumas equipes se classificam e vão jogar um jogo no Morumbi. Primeiro disputam entre elas uma final no Morumbi, o São Paulo entra como parceiro nosso, então disponibiliza o Morumbi pra nós. E além disso rola uns jogos com personalidades, jogadores, ex-jogadores, artistas e tal.
P/2 – Contra essas empresas?
R – É, junto com essas empresas, a gente faz um evento. É muito gostoso. E os caras, primeiro que o sonho de jogar no Morumbi, que é um estádio... E jogar com ex-ídolos, com ídolos. E, às vezes, com artistas e tal. Então acabou casando várias coisas que a gente montou e hoje é um evento muito importante de captação pra nós.
P/2 – Quantas empresas que entram?
R – São dezesseis, esse ano a gente vai até ampliar pra vinte, estamos tentando trinta. Então é um evento que dá uma grana, tem no Rio agora também. Então a gente faz São Paulo e Rio. E foi uma coisa pensada num grupo de voluntários. Foi uma coisa também bacana.
P/1 – A Vera tava comentando hoje que lá na Odontoprev... Porque eles tem um time lá que se preparam e eles não veem a hora, eles já perguntam... “Não vamos esquecer do torneio”. Existe todo um…
R – Não, muitas empresas fazem um torneio interno pra participar as pessoas que vão participar do torneio. Então criou…
P/2 – Muito legal o efeito dominó. Você mobilizando a galera dentro das empresas…
P/1 – E tem uma torcida também? O pessoal falou que tem um rapaz, o dono da Odontoprev…
R – O Randal.
P/1 – Isso. Eles ficam falando assim: “Será que ele já contribuiu, será que não contribuiu?”. Existe toda…
R – Será que vai entrar, não vai entrar?
P/1 – Os funcionários conversando sobre isso. É interessante.
R – Não, e assim, não é só o evento de captação. Depois com o tempo a gente percebeu, muitas empresas começaram a ter relacionamento com a gente também. Vão todo o ano, os caras começam a conhecer a Fundação, começam a criar um relacionamento. Então eles começam a fazer outras coisas.
P/2 – É um evento de captação de parceiros e não só de recursos.
R – De parceiros, exatamente. Então fica uma coisa muito legal. E é um evento pra cima, todo bonito, fazemos um encerramento super gostoso. É muito bom, tudo muito bom.
P/1 – E como é você sente esse trabalho de captação? Porque é uma área difícil, né?
R – É uma área difícil, a gente sempre tentando se adaptar ao que nós temos de potencial que são os instituidores. O nome que a Gol de Letra tem, sempre tentou ampliar esse leque, fizemos várias tentativas, várias coisas. É uma coisa bem dinâmica, eu acho sempre um desafio muito grande, motivador até, você tem que pensar em coisas. A gente tenta minimizar o possível a participação deles, do Raí, do Léo, principalmente o Raí que tá mais... A idéia é que a Gol de Letra se desvincule um pouco, mas a gente sabe que é difícil.
P/2 – Desvincule da imagem deles?
R - É, é. Até essa coisa dos dez anos acaba ajudando um pouco nisso, vai divulgar o livro e tal. Então já existe hoje uma retro-alimentação, até a gente fala isso pro Raí, porque a Gol de Letra retro-alimenta a imagem deles. A imagem deles fica mais positiva, porque existe uma organização que tem uma imagem positiva. Então é uma coisa…
P/2 – Já tem uma marca construída, né?
R – Tem uma marca, exatamente, que depende, mas que retroalimenta também. Mas a questão de captação é um desafio o tempo todo e é uma parte que é legal porque nunca é só captação. Então essa coisa, por exemplo, a gente faz um evento desse, é muito relacionamento. A partir desse ano a gente quer trabalhar muito essa coisa de sócio, porque a gente já teve mais sócios e agora perdeu. Sócio, por exemplo, embora seja uma fonte de captação, é uma coisa muito bacana, porque é uma forma das pessoas participarem do projeto. O pessoal dá opinião, reclama às vezes, às vezes comenta. Às vezes fala: “Pô, que legal, aconteceu isso!”.
Então, é um relacionamento nosso com a sociedade mesmo, uma forma de atrair a... Então a captação não é só captação, é relacionamento na verdade.
P/2 – Como que o sócio participa? Como é a participação do sócio?
R – É, a grosso modo eles contribuem financeiramente, ou mensalmente, ou anualmente. Só que eles recebem todas as informações da Fundação. Por exemplo, torneio, a gente sorteia um sócio, faz uma campanha toda pro cara jogar no Morumbi junto. A gente convida ele sempre pros eventos, as feiras culturais, e tá sempre... A maior parte não consegue ir, não dá pra ir, mas com esse.... Com esse relacionamento, digamos, de e-mails, de informações, eles recebem todas as informações da Fundação, eles participam dessa forma. Alguns participam muito próximos, outros mais distantes, mas eles acompanham. E é uma coisa muito legal, porque se não a gente ficaria _______ ali também.
P/2 – É variado, né? Hebe Camargo, o Hermano Vianna…
R – Tem, de vez em quando tem uns vips, mas nem são os vips que eu acho mais legais, são os caras que se aproximam. Aquele cara que entra pelo site, é muito legal isso.
P/1 – Ah é? Você lembra de alguma coisa assim?
R – Tem, tem caras que depois mandam uma cartinha... Depois não mandam mais, mas mandam sempre uma primeira cartinha: “Pô, que legal!”. Ou quando você manda algum relatório, alguma coisa que aconteceu, um fato que aconteceu, a pessoa te devolve dizendo: “Pô, que bacana! Dá orgulho ser sócio de vocês e tal...” E é um cara desconhecido, um cara que entrou pelo site, se cadastrou.
P/2 – Isso era um material legal também pro livro, “Que orgulho ser sócio”.
R – É e tem um perfil diferente. É um cara que começou a participar. Nós temos até uma pesquisa, mas não é tão profunda, é um cara que começou a participar de projetos do terceiro setor. Não é um cara ligado muito no assistencialismo, bem que tem a cara da Fundação, de ter muito universitário, pelo menos quando começou era universitário ou recém formado. Então tem um perfil bacana.
P/1 – É legal isso, pegar pra gente…
P/2 – É, eu acho legal se tiver isso.
R – Nós temos lá um levantamento. Acho que aí era legal conversar lá com o pessoal de DI, se vocês quiserem eu posso... Eu acho que tem que conversar mesmo, pra ver o que tira, mas tem.
P/2 – Vocês que tão na pesquisa, ______ vê se tem cartas.
R – É, lá, isso, isso.
P/1 – Sóstenes, eu sei que eu vou ser repetitiva, mas eu vou perguntar uma coisa, até pra dar uma reforçada. Nessa trajetória que você tá, que atividades foram marcantes, o Torneio parece que é importante, que você pontuaria?
R – Marcante dos dois lados?
P/1 – É.
R - Tem essa chegada que pra mim é um componente muito forte de olhar uma equipe, de ver uma equipe profissionalizada trabalhando nessa área, é uma coisa que como eu tinha perdido uns dois anos eu fiquei muito gratamente surpreso, é uma coisa que eu tento ver até hoje, quer dizer, eu tenho um sonho com a Fundação ainda dela ser um organismo político, mais político do que ela é hoje, porque é uma coisa que é com tempo, construção. Então eu vi aquilo ali, vi pessoas... Eu vejo pessoas até hoje, profissionais que buscam um pouco isso, querem fazer mais do que simplesmente cuidar da criancinha, cuidar da família. É um projeto político, de uma certa forma, e eu acho que isso... Esse primeiro contato foi e até hoje é marcante.
P/2 – Político no sentido de cidadania, de __________?
R – É, político no sentido de estamos transformando. Estamos transformando a realidade nesse sentido, como um exemplo, um grande exemplo pro país, pra cidade, pra tudo. Bom, tem várias coisas. A questão do Torneio, na verdade não é nem o Torneio, o comitê de mobilização era um ato muito bacana, porque... Exatamente dentro desse contexto do político que eu tô falando, quer dizer, pessoas vindo ajudar. Eu sempre achei que isso é um grande barato da Fundação. Pessoas que se propõe a ir lá ajudar de alguma forma, que querem participar, que querem ajudar e aquilo, e isso é muito legal. E o comitê era muito bacana nisso, quer dizer, são pessoas totalmente diferentes, a gente ficava ali, era um ambiente muito gostoso. A gente discutia questões da Fundação, apresentava números. Eles opinavam, eles participavam, como se eles fossem realmente acionistas. Isso era uma coisa muito legal, uma experiência muito boa que eu acho que a gente vai tentar retomar agora, a gente quer fazer um comitê de comunicação. Isso é marcante, o Torneio marcante, mas como todo ano, mas é marcante também, um evento marcante... Teve uma morte de um garoto que realmente... Isso pra mim foi uma coisa absurda. Eu ter que lidar com aquilo foi muito difícil, com a família, com a comunidade. Foi um evento da gente sair da Fundação, descer todo mundo, a equipe toda na rua, todo mundo de camiseta, aí no velório era um... Uma sala numa igreja, era uma sala pequena, a maioria das pessoas ficavam na rua, mobilizou a Vila Albertina inteira, uma dor, um choro, grito... Nenhuma acusação pra Fundação, nenhuma revolta com a Fundação, mas muita dor. E a gente ali do lado e o garoto tava numa atividade da Fundação. E eu já tava vivendo aquilo desde o domingo, quando ele tinha morrido, porque eu fui com a mãe pra reconhecer o corpo e... Aquilo foi...
P/1 – Você foi com a mãe?
R – Fui, fui com a mãe, porque eu que fiquei, porque ela chegou, imagina o desespero da família e tudo. E depois nós fomos pegar o corpo pra levar pro velório... Agora esse dia, particularmente, o dia seguinte, o dia do enterro, uma dor, um choro, uma tristeza absurda... Aquela coisa que vira meio midiática, porque as pessoas vão influenciando as outras. A rua lotada, uma coisa muito forte.
P/1 – Nossa e pra Gol, realmente segurar, porque foi numa atividade da Gol, né?
R – Dificílimo, dificílimo, dificílimo. A gente preocupado, uma coisa que você não sabe lidar, porque você... Embora a gente acreditasse piamente que não tinha nenhuma responsabilidade, que as pessoas que estavam lá fizeram o que tinha que ser feito e tal, mas era uma coisa que foi com a gente. Então na nossa mão, né? Um garoto... Já não era tão garoto, quatorze anos…
P/2 – No MASP, né?
R – No MASP. Isso pra toda a vida.
P/1 – Mas foi uma demonstração de respeito dos dois lados, porque se não teve nenhuma acusação, a Gol de Letra é nossa família também.
R – Foi, foi, até hoje tem assim, a mãe um pouco cobra da gente um cuidado com ela, mas você vê que é sempre com muito respeito, é com muito... É impressionante, é uma coisa muito... Eles têm a Gol de Letra como uma coisa muito boa na vida deles, é da comunidade isso.
P/2 – Eu ia até perguntar isso, porque a gente falou de áreas e eu fico curiosa pra entender teu olhar sobre a comunidade, sobre a relação da comunidade ao longo desses anos todos com a Gol. A Gol lá encravada no meio da comunidade, que fato que tem…
R – É, eu sinto muito isso na rua, né?
P/2 – Como que é?
R – Tem várias situações, essa situação é uma delas... Teve uma vez... A gente tem um projeto de esporte que é num outro local, é junto com a Promove... Uma vez roubaram todos os computadores da Promove…
P/1 - Jogo Aberto, né?
R – É que do Jogo Aberto. Não era nem os nossos, era da Promove. E era uma época confusa, porque quando nós começamos o projeto de esporte a gente teve que lidar com um outro público, era um pessoal que frequentava ali o campinho. A gente reformou, deixou bonitinho, fechou. E era um embate direto. Então os caras muito agressivos e a
ngela, uma mulher tendo que lidar com isso. A gente distante, então sempre ia lá, mas era um pouco ela quem recebia tudo. E eu muito preocupado com isso, isso me tirava o sono, porque eu tava preocupado, saber como que as coisas iam acontecer, e ela... Mas ela muito bem, muito madura. Aí roubaram, nessa época ainda, conturbada, já tinha passado um pouco, não foi a pior, mas tava uma época difícil ainda. A gente estabelecendo relacionamento com aquele pessoal que é o pessoal mais ligado ao tráfico mesmo, ali na subida do morro. Algumas pessoas já começando a cuidar, ajudando. E aí roubaram todos os computadores. Alguém roubou. E foi o primeiro roubo ali. E não foi no nosso, mas foi ali do lado. E aí no dia seguinte dois caras me ligam dizendo que iam devolver, que quem roubou ia devolver e “como é que devolve?”. E eu tava com o meu carro, falei: “Não, vem aqui, a gente vai com o meu carro, a gente vai pegando tudo que tiver que pegar”. E eu passei umas três horas ali no... Subia e descia. Então também mais uma demonstração. E não era assim só uma questão do ato, era a forma como eu me relacionei com esses caras, conversava, chegava na casa do cara, mesmo hoje eu vejo isso, os caras tem um respeito... Assim, eu simbolizo aquilo, não é o Raí, sou eu que to ali na... E o respeito que tem é impressionante. É uma coisa assim que mesmo nas horas mais agudas eu falo assim, olhando no olho, ______, falo um não, ollhando no olho o cara respeita, respeita porque respeita. Isso é muito legal. Pra mim é um exemplo do que acontece na Gol de Letra. A Gol de Letra é isso. E a gente sabe que mesmo com isso as coisas, às vezes, fogem do controle. O cara tá se sentindo preterido porque o filho não entrou no programa, tem de tudo. E você tem que chegar e falar: “Olha, mas é assim”. E na hora que você vem e fala... Muitas vezes já fizeram isso, muitas vezes. Então: “Só de você ter me recebido, não sei o que”. Quer dizer, então tem uma relação mesmo muito boa.
P/1 – E bom, você falou desse...Quando você tava citando atividades... Fatos marcantes, você falou do velório, tem mais algum que você…
R – Então, esse caso que fala do relacionamento com a comunidade, é…
P/1 – Esse do computador também é muito bom.
R – É muito bom. Tem alguns casos, vários, dessa coisa que eu te falei de criança que não entra, pai, às vezes o cara é um traficante, conhecido, não sei o que, mas ele quer que o filho esteja lá dentro. E aí por algum motivo ou por outro ele não tinha entrado, aí eu tive que receber o cara. E o cara que já tinha surtado, ameaçado, não sei o que. E na hora que vai conversar comigo é diferente e eu converso e tal. Então esses casos, vários deles, são marcantes pra mim assim de nenhum negativo. Eu não tive um caso do cara se estranhar comigo, não, sempre foi muito... Casos difíceis, alguns, né? Mas sempre numa boa. Sempre resultado numa boa. Deixa eu ver o que mais... De comunidade, o que eu acho que são os mais importantes, eu acho que são esses os principais.
P/1 – E, bom só mudando um pouquinho,
a avaliação que foi feita, como que surgiu a ideia…
R – Pois é, a avaliação foi assim, aí a gente... Nossa tanta coisa. A gente fazia planejamento, faz ainda, os últimos dois anos diminuiu um pouco o ritmo, mas a gente sempre fez planejamento muito profissionalmente, sempre pegava todo mundo, coordenações. Teve uma época que até tinha mais recurso pra fazer tudo isso. E num desses planejamento a gente tirou a visão, porque na verdade foi... A visão foi uma consolidação daquilo que sempre foi dito, sempre foi pensado, sempre foi querido, que é ser uma instituição de referência, porque é pra influenciar o meio esportivo, outras pessoas a fazerem projetos. Então como tirou a visão, foi um pouco definir isso, que é ser uma organização de referência, naturalmente a gente começou a discutir a avaliação: “Pô, mais precisamos avaliar. Será que o que fazemos é isso mesmo? Precisa ter um resultado escrito, avalizado por alguém”. Aí tiramos e aí ficou essa coisa de procurar. E a gente fez um processo muito legal, porque começou a ter, isso em 2007, acho que era, ou 2006, uma série de encontros no CENPEC tratando da avaliação, do tema avaliação de projetos sociais. Então eram vários profissionais que iam lá e davam uma aula, um seminário. Durou dois meses, era um dia por semana, dois meses, uma coisa assim, ou três meses. E o Wilson, era o coordenador do Rio de Janeiro, e a Mônica, coordenadora de São Paulo, participaram. Eu participei de alguns. E aí nós participamos e vimos e decidimos o jeito que a gente queria, criar mais qualitativo. A pessoa que nos impressionou foi a Cristiana Bertoldi, que aliás depois nós tivemos até problemas com ela, deu alguns quiprocó no meio, mas foi a pessoa escolhida. Nós olhamos e falamos: “Nós queremos essa pessoa”. A visão que ela tem de avaliação, fizemos tudo direito, tudo direito. E aí contratamos, conseguimos recurso, naquela época tudo deu certo, recurso da Kellogg, projeto caro, um ano e meio. Então foi.
P/2 – Foi 2006?
R – 2006 pra 2007. Nós ficamos um ano e meio. Foi longo o processo e tudo. A gente não tinha experiência, mas foi muita discussão sobre avaliação lá dentro…
P/2 – Mas o que detonou essa necessidade de fazer uma avaliação naquele momento?
R – Então, essa coisa, a gente tinha acabado de estabelecer na visão que a partir de 2007 a gente queria se tornar uma organização de referência, tinha até o ano, agora que eu lembrei. Tava na visão. Então a gente tinha que correr atrás disso. Como a gente vai se tornar uma referência sem fazer uma avaliação? Então fomos atrás de fazer a avaliação.
P/1 – Ou seja, era uma meta já que tinha sido traçada?
R – Era uma meta que a gente procurou e coincidiu…
P/1 – Em 2007?
R – Então, tava estabelecido na visão 2007. E aí talvez a gente tenha atrasado um pouco, mas aí com essa... Calhou de ter esse seminário do CENPEC. Então detonou tudo. Daí fomos atrás do financiamento, aí tudo aconteceu.
P/1 – E os resultados? O que vocês acharam da avaliação?
R – É, assim, foi um processo muito amplo. E a Cristiana Bertoldi pecou por uma questão muito complicada. Na verdade nós contratamos uma equipe, e ela trabalhou muito sozinha, parte porque ela também não tivesse experiência, parte porque ela se apaixonar pelo projeto, então ela se apaixonou mesmo, se envolveu de um jeito que nossa senhora. E lidou com muito dado, com muita informação. Então nós abrimos muito, porque nós montamos a matriz de avaliação que a gente chama, é a proposta do que a gente vai fazer e com equipe. Porque a idéia era trabalhar a equipe dela e a nossa. Então era um processo interno e externo. Montamos e montamos aquilo que a gente sempre faz, queremos tudo. Mesmo com quinze meses e ela sem equipe também, não tinha uma equipe na verdade, ela teria que formar, ela era uma pesquisadora, mas não chegou a montar uma equipe, aí foi a falha dela. Então eu acho que a gente perdeu muita coisa que podia ter aprofundado mais. Ficou muito resultado na superfície. Então foi, no final eu gostaria de ter mais. Mas, por outro lado, a cultura avaliativa que surgiu depois disso na Fundação é uma coisa hoje que já funciona. Por conta disso as pessoas fazem avaliação, aprenderam muito sobre isso, os profissionais, as coordenações. Então tá bom.
P/2 – E nesse processo, no final da avaliação, quais foram as principais coisas que vocês tiraram daí?
R – É, nós tiramos muito do que a gente intuía, que confirmaram, né? Porque ela fez muita... É, como que chama?
P/2 – Dinâmica?
R – É, aquela dinâmica qualitativa que a gente faz com os jovens, com os garotos.
P/2 – Grupo focal.
R – Grupo focal, exatamente. Então tem muito grupo focal, muito levantamento, pra confirmar que as famílias se empoderam, que os jovens criam uma auto-estima mais forte. Tudo que a gente sabia, que intuía e tal. E eu queria ter podido aprofundar um pouco mais, um pouco talvez comparar com o cara que não tá ali, ter algum tipo de comparação que a gente não conseguiu, não conseguiu fazer. Mas deu resultados muito de, por exemplo, os jovens têm muito... Depois de um tempo tem muito mais condição de fazer um projeto pessoal, coisas assim.
P/2 – Eu queria saber se teve algum resultado que surpreendeu.
Porque o que você tá falando é muito a reafirmação da intuição de vocês, né?
R – Não, então, não. Eu achei que não. Porque não aprofundou. Os resultados foram os esperados, mas que serviu como uma confirmação daquilo que a gente não tinha uma medida científica, vamos dizer, metodológica. Então confirmou aquilo que a gente esperava, que é positivo... Ah, uma coisa que surpreendeu teve, porque a gente tinha uma base de comparação que gente faz o Virando o Jogo cinco dias, todos os dias. E fazia no Rio de Janeiro três dias por semana. E deu que os resultados são muito parecidos, isso nos surpreendeu.
P/1 – Apesar de ser só três dias…
R – Apesar de ser só três dias. O que pra nós foi um alento de certa forma, porque é um projeto mais barato, são três dias, mas você consegue envolver a família do mesmo jeito, você consegue, você tem um envolvimento com a organização bastante parecido, isso nos surpreendeu. E nem era... E lá nem era dentro da comunidade, lá era fora. E mesmo assim a participação das famílias era forte, isso realmente foi uma surpresa, mas (______?).
P/1 – Dá pra repensar até, né?
R – Dá pra repensar, é, você pode fazer um projeto mais barato, porque alguns ganhos... É isso mesmo, você consegue envolver a família, você já tá tendo ganho pra caramba em cima disso, você não precisa encher de atividades. De repente faz menos atividades, a criança fica ligada, o jovem. Então isso realmente é um caminho que é possível de ser usado.
P/2 – Até atender mais
se...
R – Atender mais pessoas, é exatamente…
P/2 – Ou três de... Sei lá.
R – Exatamente, exatamente. É um caminho.
P/1 – Sóstenes, uma coisa que me chamou a atenção é que você usou a expressão empoderamento aí e ao mesmo tempo você tinha falado que um sonho seu é que o Gol de Letra conseguisse chegar num estágio até de mais politização e tal.
R – É.
P/1 – Mas as pesquisas que nós fizemos, o que nós vimos? Que a partir da atuação da Gol de Letra muitas mães começaram a participar de conselho de escola, jovens a participar de grêmios…
R – É verdade, é verdade.
P/1 – Então tá tendo um caminho.
R – Não, tem sim, tem sim. É que a gente falou o negócio de formiguinha. Na verdade são coisas que vão acontecendo em vários ambientes, em vários espaços. Eu falo da politização mais é no sentido de lideranças, mas acho que isso é até um sonho, talvez até não seja bom, quem sabe associação de bairro, alguém que vai estar lutando, lutando mais. Tem pessoas influindo e se empoderando, mas tendo mais atuação no sentido de mudar o bairro acho que ainda... Mas isso acho que o tempo não é suficiente pra isso tudo não.
P/2 – E também tem tantos fatores envolvidos que não só a Gol de Letra presente na comunidade, né?
R
- Tem, tem.
P/2 – Saúde, educação…
R – Tem, tem, exatamente.
P/2 – Polícia.
R – É.
P/1 – E assim, como que você vê a relação da Gol de Letra com outras instituições ali na região? Como você sente isso?
R – Ah, nós temos relações boas. A gente não tem uma relação boa com escola. Quer dizer, não é que seja ruim, mas a gente não tem uma relação como gostaria de ter, eu acho que a gente teria que estar mais presente. E aí tem vário fatores, um é a própria escola, mudança de diretoria muito constante, você não consegue manter um relacionamento com pessoas. E também talvez a gente tivesse que mudar um pouco... Acho que principalmente
os relacionamentos assim, mas eu acho que a gente nunca teve uma proposta de aproximação realmente consistente com escola assim, a gente sempre... A gente nunca se colocou acima delas, não, pelo contrário, mas a gente sempre
teve uma disputa, do ponto de vista da linha pedagógica, entre como a escola trata e como a gente trata. Então a gente, por exemplo, a gente é muito mais de dar oportunidade. A gente espera muito mais, a escola é muito mais dura. A escola sempre questionou a gente, porque achava que só os melhores que deveriam ter direito na Gol de Letra, a gente sempre pensou o contrário, porque a gente tem que pegar os piores mesmo.
P/2 – É justamente com os alunos que eles têm problema que vocês…
R – É, eles achavam: “Pô, como esse cara que vive aprontando aqui você pegam pra ir na Gol de Letra?
Isso aqui não pode, porque fica parecendo um prêmio”. Tem umas concepções diferentes assim, que travou a nossa... Também um pouco o nosso relacionamento. Mas principalmente a rotatividade de diretoria deles. Então os relacionamentos são bons, subprefeitura é ótimo. As organizações, eles aceitam uma liderança da Gol de Letra, não que isso seja bom por si, mas acaba dando um relacionamento bom. E as escolas realmente são um ponto fraco, sempre foram.
P/1 – E você, o Sóstenes, como viu o seu crescimento, lições que você tirou dessa atuação na Gol de Letra?
R – Pessoal? Muito grande, muito grande. Eu não sei, pra mim a Gol de Letra se situou num momento da minha vida muito importante, porque eu... Na verdade eu tenho, digamos, ambições profissionais que passam
por um projeto como a Gol de Letra. É, de transformação, de achar que vale a pena lutar por isso, quer dizer... E sempre tive isso de uma forma muito teórica, política, não sei o que. E agora não, acho que é uma questão de comunidade mesmo. Então, por exemplo, acho que se a gente fizer um projeto de mudar aquela comunidade, conseguir ver isso, vai ser um sucesso, uma realização pra todo mundo que participa e participou do projeto. Então vejo um... Pra mim é uma coisa muito importante ter visto isso, um pouco de que você transformar uma comunidade já é tudo, não precisa mais que isso. Profissionalmente é um grande prazer. Então ter visto isso, um pouco mais assim no dia a dia, achei muito legal.
P/1 – Você sente isso, uma mudança?
R – É, eu sinto uma mudança em mim de acreditar nisso, porque antes eu era muito ou tudo ou nada, ou é uma coisa grande, ou então não adianta. Não, acho que hoje não, hoje eu gosto disso aí. Acho que me aproximar da área de educação que é uma coisa que eu nunca tive nenhum contato, me fez muito bem. Trabalhar com criança é muito legal, então você vê aquelas crianças e como elas vão se fortalecendo, é bem bacana, pra mim é realização completa.
P/1 – O que a gente sente é a missão da Gol de Letra de estar ajudando as pessoas a transformarem a sua realidade, também funciona num efeito contrário, as pessoas que atuam lá também de uma certa forma elas…
R – Também, também... Elas se apaixonam e se envolvem, porque aquilo passa a ser a missão delas. Elas se identificam com aquilo. Comigo aconteceu também, da mesma forma.
P/1 – E muda, e você leva isso pra você.
R – É, você vai mudando também seu conceito de mudança, de transformação, vai mudando, vai se adaptando, àquele dia a dia, àquela prática, é do dia a dia, é luta constante, constante.
P/1 – E como é isso na sua vida, como é a sua família? Como você conjugou isso, a sua família? Você leva esses valores isso pra casa?
R – Ah, acho que sim, por exemplo, pros meus filhos foi super importante, porque eu não tinha tinha um conhecimento desse público. Embora eu nunca tivesse preconceito, minha formação não é de rejeitar nenhuma classe social, mas o fato de eu não entender, de eu não conhecer, me deixava menos rico, vamos dizer assim. E hoje eu acho que eu conheço o ser humano de uma forma mais completa, conhecendo a pessoa numa situação dessa. Então eu acho que isso me ajuda muito com os meus filhos. Eu gosto de levar eles lá, eles reclamam que é longe pra caramba, mas eu gosto de levá-los lá. É muito importante pra eles verem, sentirem aquele... É real pra caramba…
P/1 – Eles participam de atividades com as outras crianças?
R – É, então de vez... Eles reclamam muito de ir pra lá, é muito longe, mas sempre que eu posso eu levo. Então agora, por exemplo, faz uns dois anos que eles não vão, mas agora eu quero retomar, fico sempre conversando deles voltarem. Acho muito legal viver com essa realidade, porque é a nossa realidade. A gente é isso um pouco também.
P/1 – A gente tá encerrando…
P/2 – Eu queria só perguntar uma coisa antes de encerrar na verdade. Eu fiquei curiosa da área de desenvolvimento institucional, ela mudou hoje? Ela sempre se configurou dessa forma?
R – Ela era separada de comunicação, hoje é uma área só.
P/2 – E aí vocês tiraram essa decisão a partir dessa avaliação ou não?
R – Não, não, foi um… Foi prática mesmo. A gente acha que tava, muitas atividades poderiam ser feitas com menos recursos, digamos, uma pessoa podia fazer mais de uma coisa. Então foi uma racionalização mesmo. Não foi da avaliação, não. Resultado da avaliação que a gente possa
ter usado…
P/1 – Ahn?
R – É a própria avaliação mesmo. A forma de avaliar os projetos que mudou.
P/1 – A cultura da avaliação que foi incorporada.
R – Cultura da avaliação, exatamente.
P/1 - Tem alguma coisa que você gostaria de deixar registrado que nós não perguntamos, não tenha te estimulado a falar?
R – Puta, acho que não, acho que eu falei tudo. Deixa eu ver? Às vezes a gente vai conversando e você vai lembrando umas coisitas. Não, acho que tem é... Quer dizer, como eu vejo, no resumo da coisa, essa coisa que a gente chegou a falar durante, como eu sempre me envolvi com família e tinha uma
relação com o Raí também diferenciada, eu acabei indo pra um lugar que me fez muito bem. Então tem um pouco essa história pra mim.
É... Não sei, foi legal. A Fundação é importante pra mim pra caramba.
P/1 – Eu acho, só uma curiosidade, eu acho curioso como o seu pai teve uma preocupação em trazer os nomes dos filósofos pra família e como vocês trabalham tão ligados a uma filosofia, a um propósito.
R – É, pode ser que tenha sido um desejo dele que acabou com... Ele acabou influenciando a gente, eu acho que sim. Em relação a área social, eu até falo isso pro Raí, não sei se ele... É a questão do futebol. O futebol é uma coisa que pega todas as classes. Ele é apaixonante muito por isso, porque pega a classe mais baixa, mais alta. E, por exemplo, o Raí e o Léo conviviam com pessoas muito simples que eram bons, muitos bons de futebol, mas na essência muito simples. Então eu vejo, por exemplo, eu vejo um prazer muito grande no Raí hoje quando ele vai ver um garotinho que é de um jeito assim, assado, ou que é mais topetudo, ou que é mais não sei o que, porque eu acho que é um pouco o sonho deles é esse, falar: “Porra, o Brasil é muito rico. Esse pessoal é muito rico, esse pessoal simples é muito rico”. Então esse desejo deles... Eu vejo muito através deles esse ponto. E eu sinto muito isso também, eu vejo uns garotos, umas garotas que eu falo: “Pô, que legal, são diferentes, são ricos, são criativos pra caramba e tem uma energia”. E poder ajudar eles a dar um... É muito legal.
P/2 – Posso perguntar uma coisa? Eu fiquei pensando aqui desse seu relato anterior, a Gol de Letra de conflito, de busca, de caminho. Como que a Gol de Letra entra nessa história da sua busca profissional e realização?
R – É. Área de humanas. Eu acho que eu cheguei na área de humanas onde eu sempre quis chegar, talvez. Eu acho que é isso. Eu tava falando isso do futebol, porque eu acho que nossa
família é premiada pelo futebol. O futebol é muito forte lá em casa, todo mundo é louco, sempre foi, criança. Então essa coisa do social entra um pouco por aí, o futebol é um pouco isso, o tempo todo. E eu acho que a minha procura era chegar no social. Hoje eu discuto educação, discuto as questões sociais mais complicadas. E ao mesmo tempo cuido de orçamento. A questão da música, sensibilidade artística, é uma coisa que eu curto ver as crianças curtindo. Por isso que eu falo, eu acho que o meu leque abriu e é legal, porque chegou na Fundação e eu posso aproveitar todas as experiências que eu tive.
P/1- Beleza.
R – Isso é ótimo.
P/2 – Legal.
P/1 – Bom, o que você achou de estar participando? Contribuindo com essa história?
R – Muito legal, muito bacana, muito rico. É gostoso de ficar falando. E eu até tô fazendo terapia, então tenho feito muito isso, mas mesmo assim é muito bom. E você vai guiando pra experiência na Fundação e eu não sei como é que são as outras pessoas, mas eu imagino que.= a Fundação seja muito importante pra elas também, porque é isso que eu ouço sempre. Então é legal, a pessoa vai vendo sua construção da sua vida e como que chegou lá e porque se identificou. Muito legal, muito bacana.
P/1 – É isso, muito obrigada.
R – Muito obrigado vocês.
P/2 – Só uma perguntinha, como você vê a Fundação daqui dez anos?
R – Não, a Fundação, sinceramente, é uma luta constante, eu acho que é um projeto que não dá pra... Ele não está num trilho, não dá pra dar num trilho, não consigo ver um trilho. É uma coisa de luta mesmo. E é luta das pessoas, é luta minha, é luta do Raí, é luta de quem tá envolvido. Eu gostaria de ver uma Fundação atuando politicamente, mas de uma forma diferente, não a política que a gente tá acostumado. Ser uma organização de luta política diferente de.. Talvez ligada a educação, talvez ligada a essa coisa que a gente faz mesmo, mas num mesmo mais de discussão, de fórum, colocando questões importantes. É como eu gostaria, agora... Tão longe disso que não dá pra saber o que vai acontecer.