Programa Conte a sua História
Depoimento de Luciene Maria Figueiredo
Entrevistada por Felipe Rocha e Maria Regina
São Paulo, 21/06/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV688_Luciene Maria Figueiredo
Transcrito por Eliane Miraglia
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Primeiramente, m...Continuar leitura
Programa Conte a sua História
Depoimento de Luciene Maria Figueiredo
Entrevistada por Felipe Rocha e Maria Regina
São Paulo, 21/06/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV688_Luciene Maria Figueiredo
Transcrito por Eliane Miraglia
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Primeiramente, muito obrigado pelo seu tempo, sua disposição e por estar aqui com a gente hoje, Luciene. É um prazer tê-la aqui no estúdio do Museu. A gente sempre começa as entrevistas com, por favor, seu nome, local e a data de nascimento.
R – Luciene Maria Figueiredo, nasci em São Paulo, 9 de setembro de 1960.
P/1 – Tá legal. Luciene, fala um pouquinho pra gente sobre os seus pais. Qual que é o nome dos seus pais, quem que eles são? Fala um pouquinho para a gente.
R – Infelizmente, quem eles eram, que eles já faleceram. Meu pai, Natal Alves de Figueiredo, nasceu em Catanduva, em 1917. Era fazendeiro de café. E minha mãe, Antonieta Benincasa, depois de casada, de Figueiredo, né? Era filha de imigrantes italianos e nasceu em Campinas. Infelizmente, ela faleceu, eu tinha 27 anos, e meu pai foi cinco anos depois.
P/1 – E fala um pouquinho pra gente sobre eles. Quem que era o seu pai? O que ele fazia?
R – Ele era fazendeiro. E, quando ele veio pra São Paulo, eles tiveram comércios. Mas tanto o meu pai como minha mãe, eles não tinham estudo. Meu pai estudou até o segundo ano. Minha mãe estudou 50% a mais, até o terceiro ano. Eu não conheci meus avós, mas parece que o pai do meu pai, ele meio que determinava: “Você vai ser médico. Você vai ser padre. Você, Seu Nato,” – que era o apelido do meu pai – “não vai estudar, vai cuidar de fazenda”. Então, ele determinou que meu pai não iria estudar, porque ele achava que meu pai não era inteligente para estudar.
P/1 – Você falou do seu avô. Você sabe pouco, mas o que você sabe sobre seus avós, sobre a origem da família. Você falou de origem italiana?
R – Então, o pai do meu pai era um fazendeiro de café muito rico. A família Figueiredo fundou Catanduva, uma cidade no interior de São Paulo, ainda tem muito Figueiredo por lá. É uma família muito grande. E a família da minha mãe eram imigrantes italianos que vieram para o Brasil e se estabeleceram em Campinas. E é engraçada essa coisa, né? Porque meus pais, parece que eles casaram fugidos porque a família... A minha mãe tinha 16 anos, meu pai, 18. E a família Figueiredo não queria. Antigamente, era essa coisa, né? Imigrante tinha esse preconceito ridículo. E, depois, como o mundo dá volta, a minha mãe terminou recebendo uma herança, de um tio italiano que não tinha herdeiro, deixou para ela. Então, é aquela história, dinheiro vai, vem, dinheiro é relativo. Quem que é rico? Quem que é pobre? Com relação a quem?
P/1 – Mas conta um pouquinho melhor essa história. Como eles se conheceram? Você falou que foi fugido? Como que foi isso?
R – Pelo que me contaram, o meu pai ficou sabendo que tinha uma fazenda que tinha um monte de meninas, dentre as quais... Era uma fazenda de imigrantes italianos e tinha umas moças bonitas. Daí, ele foi conhecer. E no dia que ele conheceu minha mãe já se apaixonaram.
P/1 – E aí teve esse problema de a família não aceitar?
R – É.
P/1 – E como que foi essa fuga? Você sabe como foi o casamento?
R – Não tenho ideia. Não tenho ideia. Sei que fugiram, casaram e tiveram sete filhos. E eu sou a sétima filha.
P/1 – E você nasceu em Campinas?
R – Não, não, não. Nasci em São Paulo.
P/1 – Em São Paulo?
R – Quando eles vieram para São Paulo, que, no final, ele queria vir para São Paulo, para os filhos estudarem. E eu não era nascida. Os meus seis irmãos, que são bem mais velhos que eu – tanto é que minha irmã mais velha já faleceu, ela faleceu até jovem, quer dizer, jovem considerando que hoje em dia as pessoas vivem até 90. Ela morreu com 70. Eles vieram para São Paulo em 59, eu nasci em 60. Então, eu já sou paulistana e com uma diferença de idade bem grande com relação aos meus irmãos. O meu irmão mais novo é dez anos mais velho que eu.
P/1 – Uma diferença grande!
R – Grande, grande. Eu sempre fui meio paparicada por ser a caçulinha e com uma diferença muito grande. A minha irmã mais velha era 21 anos mais velha que eu. Já era casada quando eu nasci. Eu tenho uma sobrinha que tem diferença de um ano só, mais nova que eu.
P/1 – E, quando seus pais, eles vêm para São Paulo, você sabe como que é essa vinda? Você falou que ele veio para São Paulo porque ele queria uma vida melhor para os filhos, pelo jeito.
R – É. Queria que estudassem todos os filhos. E São Paulo sempre teve a fama de ser um lugar próspero e tudo o mais, e acho que ele cansou de fazenda. E porque ter fazenda é vida dura também. Deve ser. Nunca tive. Mas deve ser uma vida sofrida. Então, acho que eles queriam outro tipo de profissão.
P/1 – E como que era? Ele se estabelece desde o começo na Parada Inglesa? Quando?
R – É. Eles vieram para a Parada Inglesa, e eu nasci lá.
P/1 – E como que era a casa que vocês viviam?
R – Era muito grande. Eu lembro que era muito grande. A primeira casa até virou prédio. Era na Ataliba Leonel. E, na segunda casa que eu morei lá, até hoje mora um irmão, na Francisco Lipi. Também uma casa bem grande.
P/1 – Como que foi para você crescer ali na Parada Inglesa? Como que era o bairro?
R – Ah, um bairro simpático. Até hoje, pelo fato de o meu irmão morar lá, eu ainda frequento. Eu estudei num colégio ali na Parada Inglesa, Externato Padre Luiz Tezza, que ainda existe, onde eu conheci pessoas que são grandes amigos. A minha amiga que mora em Londres eu conheci no externato, e a gente, hoje em dia, com o Facebook, dá para ter contato com o pessoal. O ano passado fizemos uma festa de reencontro, todo mundo cinquentão já. E é gostosa essa coisa de se ver, né? Então, a primeira escola que eu estudei, lá na Parada Inglesa, entrei com sete anos, não fiz pré-escola, nada. Minha mãe tinha dó de me botar na escola. E é um barato, né? Porque me colocou para estudar piano com cinco anos. É. E na escola com sete. Ó que barato! E é uma escola muito boa, esse colégio de freira. Externato Padre Luiz Tezza é uma escola de bairro. E, daí, eu fiquei da primeira à oitava série.
P/1 – É uma escola religiosa?
R – É, colégio de freira. Eu fiz primeira comunhão, eu fui criada dentro de uma escola católica.
P/1 – Você lembra do seu primeiro dia de aula?
R – Lembro, lembro. Eu cheguei assustada porque imaginava que escola era um lugar que as pessoas cantavam, mas de repente não era bem isso. Pode dar uma paradinha?
P/1 – Pode, sem problema.
R – Pronto, tudo bem!
P/1 – Você estava falando que você esperava uma coisa, o que você esperava? Qual foi o choque?
R – Acho que porque eu cheguei na escola, já tinham começado as aulas, não sei, um dia, dois dias, não sei quantos dias eu perdi. E eu cheguei achando todo mundo muito estranho, e não era aquilo que eu esperava. Acho que minha expectativa, demorei para entrar na escola, sete anos. Eu lembro que a minha sobrinha já estava na escola, e eu ainda não estava. E foi assim, não foi legal no começo. Daí, foi engraçado porque tinha uma lousa no pátio, que eles falavam que era o quadro de honra. O quadro de honra ficava o nome dos melhores alunos da classe. E, um dia, eu estava no pátio e uma colega falou assim: “Olha, olha, você está de primeira aluna”. Eu olhei e falei: “Não sou eu, está vendo? Lucieny com ‘y’. O meu é Luciene com ‘e’”. E eu fui primeira aluna da classe durante os oito anos. E, gozado, não é tão fácil. Eu nem sabia, mas, de repente, eu tirava nota mais alta que todo mundo. E foi uma escola, era uma escola muito boa. Era uma escola muito boa. Aprendi muito lá. Foi legal. Tenho boas lembranças.
P/1 – Você falou que fez amigos que você guarda até hoje. Você lembra qual que era a turma? O que vocês faziam lá? Como que era na aula?
R – Eu era arteira. Se eu não curtia o professor, eu conversava na aula. Eu fazia... Eu não era quietinha. Eu era bem agitada e gostava de brincadeira de menino. Gostava de esporte. Eu fui baliza nessa escola. Fui diretora do centro cívico. Fui diretora de departamento cultural. Fazia o jornalzinho da escola. É, lembranças bem legais.
P/1 – E tem algum professor que foi marcante lá? Algum professor, professora que marcou esse período de oito anos que você ficou na escola?
R – Tiveram vários professores legais. A Irmã Letícia, que foi a que fundou o colégio. Ela era do Santa Marcelina, então, era uma pessoa muito rígida. Mas eu acho que ela conseguiu ter uma estrutura de colégio muito boa. O ensino era bom. Só tinha muita religião, né? Como todo colégio de freira. Depois do externato, fui para o Santa Marcelina, que é ali nas Perdizes. Daí, foi outro choque. Porque, imagina, eu fui para uma escola onde as meninas tinham avião. Então, engraçado, uma vez, uma olhou para mim e falou: “Você não tem avião?” (risos) Sim! Eu não tinha avião. Então, eu fui de um colégio que era do nível meu socioeconômico, num bairro, Parada Inglesa, e que – é engraçado, né? – eu achava que eu era rica. Você entendeu? É gozado essas coisas. Porque a minha família tinha carro, tinha Galaxy. Morava numa casa grande, tinha três telefones, porque era uma família grande. Daí, quando eu chego no Santa Marcelina, aquele choque. Eu não tinha avião (risos). E é um colégio mundial. Tem no mundo inteiro Santa Marcelina. Então, foi interessante. Mas fiz amizade, fui bem também. Fiz desenho de Arquitetura. Então, meus anos de colegial foram legais. Teve uma interrupção, que eu fui morar com a minha irmã e com o meu cunhado, e nós mudamos para o Rio de Janeiro. Daí, no Rio de Janeiro, eu cheguei, não fui para o Santa Marcelina de lá, me colocaram numa escola que chamava Instituto Petersen. O professor entrou... Primeiro, o Rio de Janeiro, não sei. Mas a minha experiência, tá? Essa escola, o pessoal não levava as coisas muito a sério. Eu cheguei no dia que estava estabelecido para começarem as aulas e um bilhete lá, que não ia ter aula. “Ah, Deus!” Eu, que sempre gostei de estudar, sempre fui, curtia. Até hoje, eu gosto de aprender. Eu acho necessário você ficar aprendendo o tempo inteiro. Daí, no dia que começaram as aulas, o professor entrou na classe e arrotou. Eu falei: “Nossa! Mas não vou voltar para essa escola porque no terceiro ele vai soltar um pum. Sem chance!”. Daí, tudo bem, fui e dei uma desculpa: “Vocês podiam dar uns papéis de transferência porque eu vou fazer um curso à parte”. Peguei todos os papéis do Santa Marcelina, saí de lá e fui para o Colégio Batista Shepard. Daí, já era um colégio bem legal que tinha. Você escolhia o esporte que queria fazer, você escolhia o tipo de arte que você queria fazer. E estava tudo bom, estava muito bem, mas aí, de repente, eu morava com meu cunhado e minha irmã, e meu cunhado brigou com o sócio dele e: “Vamos voltar para São Paulo”. Daí, voltei para o Santa Marcelina. Eu fiquei meio em estado de choque porque o Batista Shepard era uma escola muito boa. Muito livre. Era mista. O primeiro colégio que eu estudei, o externato, era misto. E o Santa Marcelina era só de meninas. E eu achava aquilo um tédio, principalmente nesta fase já de 16 anos. Mas tudo bem. Terminei o colegial no Santa Marcelina. Fiz já desenho de arquitetura, comecei a pensar em fazer Arquitetura, prestei Arquitetura no Mackenzie, entrei. Mackenzie foi bem legal. Gostei muito da minha vida universitária.
P/1 – Só para entender um pouco melhor: por que você foi morar com a sua irmã e com seu cunhado um pouco antes?
R – Então, meus pais me prendiam muito. Eu era aquela caçula superprotegida. E eu me dou muito bem com essa minha irmã, até hoje nós somos bem chegadas, e ela e meu cunhado: “Ah, vem morar com a gente”. Eu achei aquilo ótimo. Eu ia ter mais liberdade de sair, de passear e tudo o mais. E me dava superbem com eles. Então, foi muito bom.
P/1 – Como que era em geral a relação sua com seus irmãos, apesar da diferença?
R – Então, eles sempre me trataram “a caçulinha”, nunca foi muito uma relação “irmã”. Tanto é que tenho duas irmãs que me chamam de filhinha. Engraçado isso! Invés de chamar de irmãzinha, Luzinha – eu sou a única baixinha. É um sarro.
P/2 – E a relação com seus pais era próxima?
R – Era. Meus pais eram muito legais. Eram pessoas muito especiais.
P/1 – Eu ainda queria voltar um pouquinho, mas você passou rapidinho. Eu vou voltar pra gente depois poder seguir de vez. Você estava falando de que a sua mãe, antes mesmo da escola, colocou você para fazer piano.
R – É, eu estudei piano muito tempo.
P/1 – E por que piano?
R – Por que piano? Não tenho ideia. Todas as mulheres da minha casa estudaram piano (risos). Eu fiz a besteira de vender o meu piano. Eu tinha um piano alemão e vendi. É. Mas hoje em dia eu tenho um teclado lá em casa. De vez em quando, eu sento e toco. Adoro música.
P/1 – Então, a família inteira sabe piano?
R – Olha, teve gente que estudou, mas não aprendeu (risos). É que nem alemão. Eu estudei alemão, mas pergunta se eu falo? Falo uma meia dúzia de palavras. Estudei um ano e meio. Então, o que você não usa você esquece.
P/1 – E, ainda da escola, você mencionou brevemente da sua melhor amiga, que ainda até hoje é a sua melhor amiga, certo? A Sandra, né? Como que você conheceu a Sandra?
R – Foi bem especial. Ela chegou, era sétima série, a gente olhou uma para a outra: “Vamos ser amigas?”. “Vamos! Mas vamos ser muito amiga!” E ela é mais que uma irmã. É muito legal. Foi amizade à primeira vista. Daí, desde que nós nos conhecemos, não tem segredo, não tem. Uma coisa muito próxima. E é duro que ela está lá em Londres. Infelizmente, parece que arrumei um carma na minha vida, não gosto. E, agora, meu filho, dia 8 de julho, vai mudar para lá. Não é legal.
P/1 – Tem alguma passagem da escola que vocês, às vezes, se encontram e vocês lembram com muito carinho dessa fase de vocês?
R – Ah, todas as preparações para festa. Eu sempre gostei de festa. Então, a gente fazia a lista de convidados e programava. Eu sempre fui festeira. As viagens. Nós viajamos muito juntas. Até hoje, viajamos. Nesse ano, a gente se encontrou em Berlim. Estava eu, meu namorado, a filha dele também foi para lá, que ela mora em Leipzig. Daí, foi a Sandra, que mora em Londres, com a filha, também. A gente passou uns dias maravilhosos. A gente se dá muito bem. Foi bem gostoso.
P/1 – Essas festas em que vocês iam, como que era a festa quando vocês estavam na escola?
R – Ah, as festas da década de 70. Tinha muita festa em garagem. Daí, o pessoal alugava luz estroboscópica. E aquelas músicas, Black Sabbath, era aquele tipo de festa, bailinhos e muita festa de debutante. Um barato!
P/1 – Qual foi a festa desse período que você lembra que marcou mais para você?
R – Foi a minha, por causa da preparação. E toda uma escolha. “Vamos reservar o salão.” Daí, escolher as meninas que iam dançar. “E, ah, então, os meninos vão de terno vinho, as meninas de vestido vinho.” Foi bem legal.
P/1 – Foi um dia que você guarda bastante?
R – É. Porque tem aquela coisa, quando você prepara bastante a festa, fica uma expectativa. E, daí, deu certo. Foi uma festa bonita.
P/1 – Onde que foi a festa mesmo?
R – Foi num salão na Avenida Paulista, que era do Grupo Kyoei, era um grupo japonês no Brasil.
P/1 – E você que escolheu o lugar também?
R – Sim! Eu que escolhi o lugar, eu que escolhi as músicas, as valsas.
P/1 – Foi seu momento, né?
R – Foi legal. Foi gostoso.
P/1 – E já agora voltando um pouquinho para onde a gente estava, retomando, você falou, você estava fazendo o colegial etc., foi bacana. Por que é que você escolheu Arquitetura?
R – Nossa, eu achava que Arquitetura, além de aprender a projetar casas, fazer plano urbanístico, tudo o mais, eu ia aprender a projetar até navio, sabe? A minha expectativa é que Arquitetura, nossa, ia me ensinar muito mais coisa até do que até eu aprendi. Mas, logo na primeira aula que eu tive de desenho de Arquitetura, que eu tive: “Nossa, vou gostar disso. Eu vou gostar”. Eu gosto de arte. Eu gosto de tudo relacionado a artes. E arquitetura é esse lado de artes. Eu gosto bastante.
P/1 – E como que foi estudar no Mackenzie? Você gostava dessa vida acadêmica? Você falou antes que tinha essa questão de morar com a sua irmã para ter um pouco mais de espaço, de autonomia. Quando você entrou na universidade, essa autonomia expande? Como que funcionou essa vida universitária para você?
R – Ah, sim. Daí, liberou. Viajava. Mentia que ia com a família do meu namorado, que foi meu primeiro marido. Imagina! Íamos só eu e ele acampar. Sabe essas coisas? E curti bastante. Congresso de Arquitetura, encontro de estudantes de Arquitetura. Viajava, acampava, coisa que, hoje em dia, jamais, né? Acampar? Xô, demônio! Nem pensar. Mas acampei bastante. Viajei bastante.
P/1 – Mas, na época, você gostava de acampar?
R – Era divertido, né? Bem jovem, eu gostei de acampar.
P/1 – Por que que era divertido? O que que, como que...
R – Ah, era antigamente. Hoje em dia, eu vejo, nossa, coisa mais sem conforto! Mas gostei de acampar.
P/1 – Você falou que você participava dos núcleos na faculdade também, digamos, você participava da vida do centro acadêmico? Essas coisas?
R – Não! Já na faculdade, não. Na faculdade, eu fazia muito curso. Eu fiz curso de fotografia, gosto muito de fotografia, até hoje. No ano passado, fiz uma exposição de fotos, junto com outros fotógrafos. Foi muito boa. E eu gostava também de turismo, adoro viajar. Gosto até hoje. Prestei Turismo na USP [Universidade de São Paulo], mas não fui nem ver o resultado. Porque, de repente, fiquei em Arquitetura mesmo. Concluí. Daí, entrei na prefeitura. No começo, eu prestei um concurso, prestei um concurso em 1979. Chamava escriturária, eu nem sabia o que que era. Uma colega de classe, a gente estava procurando emprego, estágio, não achava nada, daí, ela falou: “Vou prestar um concurso na prefeitura”. Falei: “Mas o que que é?”. “Ah, não sei! Ninguém faz nada.” Falei: “Ah, mas não é possível!”. E prestamos. Ela não entrou, eu entrei. No começo, fui parar numa biblioteca infanto-juvenil. Daí, como eu tinha entrado por concurso, e os outros todos eram apadrinhados, só eu trabalhava. E ninguém fazia nada. Então, foi um choque. Mas eu queria trabalhar para ganhar dinheiro e comprar uma moto. Minha família nunca iria me dar uma moto. E fui, trabalhei, com os primeiros dois salários, consegui comprar uma moto. O salário de hoje era, passando para os dias de hoje, era um salário bom. Principalmente para uma jovem que não tinha despesa nenhuma. E foi legal, em termos de salário.
P/1 – Que moto que você queria comprar?
R – Era uma 75 Yamaha. Nem existe mais isso. Aí, logo, eu entrei para um consórcio de uma oitentinha Yamaha. E tive moto durante um tempo e só parei de guiar moto quando eu estava grávida e caí. Daí, eu falei: “Não! Eu não sou mais um, eu sou dois. Então, não posso mais ficar andando de moto”. Daí, só garupa. E hoje em dia eu nem gosto muito nem de garupa.
P/1 – E por que que você escolheu moto e não carro no fim? O que que te deixou com vontade de ter uma moto na época?
R – Desde a época do Santa Marcelina, as minhas amigas já tinham moto.
P/1 – Além do avião?
R – Sim, além do avião. Então, eu andava na moto delas. E eu achava uma gostosura moto. Nossa! Que liberdade! Nossa, que coisa legal! Eram outros tempos. Você imagina, 1976, não tinha esse trânsito maluco, essa poluição, não existia motoqueiro, motoboy, era outro contexto. Era mais tranquilo. Todo mundo tinha moto. Todo mundo das minhas amigas. Daí, eu falei: “Não! Eu preciso ter o meu dinheiro, comprar a minha moto”. No começo, foi legal. Daí, logo eu vi que não é tão legal. O cabelo fica com cheiro de fumaça. Você põe aquele capacete. E, quando eu caí, então, que eu caí grávida, daí é que eu fiquei com medo. Foi engraçado. Eu fui desviar de um buraco, bati na guia e fui de queixo no muro. Saía sangue aqui, e eu estava de capacete. E veio uma pessoa tentar me socorrer, porque achou que estava saindo sangue daqui. Não era só sangue daqui. E tentava tirar o capacete, e eu gritava: “Não, eu estou grávida! Não...”, com medo de me machucar. Lembrando hoje, foi engraçado. Mas, durante muito tempo, eu passava a mão no ombro, saía areia. Ralou mesmo meu queixo.
P/1 – E daí para a frente nunca mais?
R – Só na garupa e pouco. Não faço questão nenhuma.
P/1 – Voltando um pouco, aí, você já estava grávida, né? Mas a gente falou pouco como você conheceu seu namorado.
R – Marido.
P/1 – Que foi seu marido?
R – No primeiro dia de Mackenzie. No primeiro dia da faculdade, eu vi o Deto. O apelido dele é Deto. O nome dele é bem estranho: Adérito. Um nome português, ele é filho de portugueses. Eu vi, achei ele bonitinho, mas no começo a gente foi colega de classe. Depois, ficamos amigos. Daí, num congresso de Arquitetura em Brasília, foi a primeira vez que ele veio, que ele chegou e me beijou. A gente indo de “buzum” lá para Brasília, mas não parecia namoro. Falei: “Não sei, não, o que é que vai virar”. Aí, tudo bem. Eu vi que ele estava meio solto, querendo ficar solto. “Deixa ele solto!” Fui viajar, conheci um moço e falei: “Ah, eu faço Mackenzie. Se você quiser encontrar comigo na faculdade...”. Daí, o moço foi. E, quando ele chegou, foi perguntar justamente para o Deto: “Você conhece a Luciene?”. O Deto: “Ela está descendo ali”. Nossa, ele ficou, encarou um ciúme inesperado, tipo orgulho de macho, né? Aí, vai perder? Aí, grudou. A gente começou um namoro com toda paixão e foi um namoro bem legal, viajava bastante, passeava bastante. Temos muitas afinidades. E engravidei, daí, casei. E separei porque ele me traiu. Mas, depois que passou a raiva, hoje em dia somos amigos e tudo bem.
P/1 – E como que foi engravidar? Foi antes de casar? Depois? Desculpa, eu perdi um pouco.
R – Não. Eu engravidei antes de casar.
P/1 – E como que foi engravidar? Como que foi para você receber a notícia de que você ia ser mãe?
R – Eu fiquei superfeliz! Eu queria ser mãe. Eu sempre quis ser mãe. Sempre estava na minha cabeça: “Eu quero ser mãe!”. E eu estava fazendo Projeto Rondon em Irecê, sertão da Bahia, quando eu descobri que estava grávida. Quando a gente estava indo lá, já para a Bahia, eu tive enjoo, e umas moças, médicas, que no final até viraram amigas, falaram: “Nossa, mas será que você está grávida? Então, vamos fazer o exame de urina”. Coletaram a urina. “Nossa, mas já pensou levar lá no laboratório uma menina do Rondon?” Falei: “Ah, mente o nome. Coloca que é Filomena da Silva”. Daí, a gente foi buscar o exame de Filomena da Silva, que era o meu, e: grávida! Eu chorava. A minha amiga também chorou. E na época não era amiga. Hoje em dia, é amigo. A Carmem que foi a primeira a saber que eu estava grávida. Daí, voltei para São Paulo, a gente apressou o casamento. A gente ia casar? Ia. Ia casar de todo o jeito. A gente se amava muito, se dava muito bem, não desgrudava. Estava nos planos. Mas estava nos planos casar depois que terminasse a faculdade. Não eu com 21 e ele com 24.
P/2 – Faltava quanto tempo para você terminar seu curso?
R – O Rafa nasceu em 82, a gente terminou em 83. Não faltava muito.
P/1 – Já estava no rumo, então, já era... E como que foi? Quando vocês casaram, vocês já tinham tido o Rafael?
R – Sim!
P/1 – Já tinha?
R – Não, não, não. A gente casou em março e o Rafa nasceu em agosto.
P/1 – Como foi o casamento?
R – Ai, foi lindo! Agnaldo Rayol cantando Ave Maria, maior festa.
P/1 – Sério?
R – É. Maior festança. Nossa! Uma festa muito linda.
P/1 – Onde que foi?
R – Foi na Cruz Torta, em Pinheiros, uma igreja que foi projetada até por um arquiteto Joaquim Barreto, que foi nosso padrinho de casamento. Uma igreja bonita, uma igreja moderna. A festa foi no salão da Cruz Torta. Foi muito bonito.
P/1 – Teve alguma coisa mais marcante, um momento que... Se o casamento tivesse que ser descrito em uma imagem, para você, qual que seria essa imagem?
R – Ah, eu estava muito feliz. Eu sempre quis casar. Acho casamento uma coisa muito legal. Branco, flor de laranjeira, toda a festa foi bonita. Gostei. Estava curtindo demais.
P/1 – Você planejou a festa inteira que nem você fazia com as outras?
R – Foi rapidinho! Eu cheguei do Projeto Rondon dia 27 de janeiro e casei dia 11 de março. Então, foi uma coisa pá-pum. Mas deu tempo de distribuir os convites, de fazer festa. E não era que nem hoje em dia. Hoje em dia, o pessoal planeja casamento com um ano de antecedência. Nunca vi! Para mim, um mês e pouco, consegui. Deu certo. Sei lá.
P/1 – Com Agnaldo Rayol, puxa!
R – Agnaldo Rayol cantando Ave Maria.
P/1 – Mas foi difícil conseguir o Agnaldo Rayol ou não?
R – Foi meu irmão que conseguiu.
P/1 – Você sabe como?
R – Não tenho ideia. Não tenho ideia. Eu sei que foi bem bonito. Foi emocionante. O pessoal não esperava, sabe? Um casamento muito bonito.
P/1 – Você falou do Projeto Rondon? O que que era o Projeto Rondon?
R – O Projeto Rondon era – desculpe os termos que eu vou descrever –, mas um bando de estudantes que ia para vários lugares do Brasil para ajudar a comunidade. Enquanto estudante, eu achava uma experiência muito boa. Era tudo pago, você viajava e conhecia toda a região, e, lógico, você reúne um monte de estudante, é sempre muito legal. Sempre muita bagunça, sempre, sempre um acontecimento, e festa. E lá em Irecê tinha uma família, os ricos de Irecê, os Dourados. Eles faziam festa para a gente todo dia. E churrasco e isso e aquilo. Nunca vou esquecer. Numa dessas festas, o cara estava com uma camisa de seda e dourado, dourado, dourado. Quer dizer: ele mandou fazer um tecido com o sobrenome dele. Era um pessoal que tinha muita grana. Porque o Brasil tem uma distribuição de renda absurdamente ridícula. Tem o rico e tem o pobre. Em Irecê, tinha o pessoal muito pobre, muito carente. Tinha casa que era feita, você entrava na casa e falava assim: “O que que é isso?”. “Isso é um quarto.” “Mas não tem janela?” “Uai, quarto é pra dormir, não precisa ter janela.” Então, o pessoal assim, na época que eu fui, né? Eu fui para o Projeto Rondon em janeiro de 82 e, então, era um projeto de âmbito federal, que as pessoas estavam a fim de ajudar a população carente. Só que, lógico, ajudar a população carente não é mandar estudante para ajudar a população carente. É fazer saneamento básico, realmente colocar uma estrutura que fique. Tanto é que acabou o Projeto Rondon. Depois, uma época, o Lula queria que voltasse o Projeto Rondon. Não, eu acho que não voltou, não tem sentido voltar, não tem sentido. Acho que ajudar a população, porque o jovem que ia não consegue dar continuidade ao trabalho. Vai um pessoal, fica um mês, depois vai outro pessoal, fica mais um mês. Qual que é o teu poder para ajudar? Muito pontual. Eu lembro das meninas da Medicina, que elas reclamavam que a doença venérea era uma constante. Por quê? Porque o pessoal não tem cultura. Falta de higiene também. Então, era uma problemática que eu vi, fiquei impressionada com a carência do nosso Brasil. Pior que é até hoje. Tem muito lugar no Brasil, porque existe o nosso Brasil aqui, São Paulo, mas a gente faz parte de uma parcelinha assim do resto do nosso povo.
P/1 – E o que te chamou a atenção no projeto foi justamente a oportunidade de estar auxiliando, de fazer um trabalho social?
R – Sim, sim.
P/2 – O que você fazia nesse projeto basicamente?
R – Como eu era estudante de Arquitetura e descobri logo de cara que estava grávida, lá, a gente fez o levantamento topográfico do campus, eu e uma outra estudante de Arquitetura também. Na época, foi o que foi solicitado para nós. Tinha o campus universitário, os alojamentos. A gente fez o levantamento topográfico. Eu tinha muito enjoo, então, eu nunca saí para ajudar a população carente, como a outra colega que fazia Arquitetura chegou a sair para socorrer o pessoal. Pessoal de Medicina tinha muito trabalho. Pessoal de Assistência Social também, tentando orientar.
P/2 – Cada área fazia uma coisa diferente?
R – Sim. Cada área, tinha estudante de Agronomia. Tinha estudante de todas as áreas.
P/1 – O que que você acha que o projeto deixou mais marcado em você dessa participação?
R – Ver um Brasil que eu não imaginava que existisse. Uma feira livre de Irecê, com as cabeças de gado para ser vendida, e o pessoal com peixeira, e a gente saber que eles se matavam. Todo dia a gente ficava sabendo que um tinha matado o outro. E, um exemplo, as mulheres chegavam e: “Ah, me leva pra ‘Sumpaulo’”. Eu era uma garota que ainda morava com minha irmã, com meu cunhado. “Mas não tem como.” “Não, me leva! Ah, eu tive dez filhos, mas cinco não vingou.” Então, é uma realidade muito dura. Muito dura e que infelizmente eu acho que ainda existe. Então, ver isso é um amadurecimento, ver o nosso povo. A real, o que que acontece.
P/1 – E essa experiência, você acha que transformou muito depois quando você voltou pra São Paulo e pra concluir a universidade?
R – É, foi uma experiência marcante.
P/1 – E você começa a trabalhar, então, com esse concurso da prefeitura, mas depois você foi para outra unidade, ou não?
R – Nossa, eu rodei a prefeitura inteira. Eu acho que eu fiquei na prefeitura por insegurança, insegurança profissional. Não devia, mas fiquei. Porque eu saí da prefeitura algumas vezes. Eu trabalhei em escritório de Arquitetura. Eu mudei para a África do Sul. Daí, quando você sai, você é estável, você tira afastamento. Mas eu voltava por quê? Porque era uma coisa estável. Mas eu trabalhei na Secretaria de Cultura. Várias seções, vários lugares. Trabalhei no Planetário até, gente! Fiz um monte de curso de Astronomia lá. Trabalhei na Edif, que é o Departamento de Edificações, onde se faz creche, escola, posto de saúde. Trabalhei no DPAV, Departamento de Parques e Áreas Verdes, projetei vários parques e praças de São Paulo. O primeiro parque sustentável de São Paulo é um projeto meu.
P/1 – Qual que é o parque? Desculpe!
R – Parque Senna, não, Parque Vila Sílvia. É, não! Parque Vila Sílvia, parque com elementos sustentáveis. Eu sempre procurei me informar. É o que eu falei para vocês, eu acho que a gente tem que ficar estudando o tempo inteiro. A prefeitura até me dava essa oportunidade de me aprimorar. Eu estudei línguas: inglês, francês, espanhol, italiano, alemão. Eu fiz muitos cursos. Isso até era uma vantagem de trabalhar na prefeitura. O pessoal liberava porque sabia que eu, estando mais qualificada, o projeto iria ser melhor. Nunca me bancaram em nada. A única coisa que eu tive oportunidade foi até o curso de alemão, mas isso eu acho que porque o Instituto Goethe selecionou, não foi porque a prefeitura... Mas sempre eu bancando, mas tudo bem. Depois, fui parar em subprefeitura, que não é legal. É péssimo! Eu vi uma corrupção que eu não sabia. A tonta, né? Não sabia que existia daquele jeito. Tudo bem. Logo de cara, quando eu entrei na prefeitura, eu tinha 19 anos, nunca vou esquecer o primeiro fato que me marcou negativamente. A distinta senhora que era diretora tinha comprado jogos que iriam para a sala de jogos. Ela fechou num armário. Daí, chegaram as netas dela para visitar a avó, a Dona Filó. Ela foi, abriu o armário, tirou os brinquedos e deu para as netas. Eu pensei: “Mas isso não pertence a ela”. Então, logo de cara, eu comecei a ter um desrespeito total quando eu via essas pessoas. Nossa, gente, eu sofri muito na prefeitura. Porque eu brigava o tempo inteiro com esse tipo de coisa. E de corrupção, então, nossa! Daí, em Pinheiros, uma vez, um chefe que era mais honesto, ele que me colocou numa comissão, meio que era uma auditoria. Não existe isso! Não pode uma pessoa, de dentro de um órgão, ver tudo o que está errado. Não tinha poder para denunciar. É muito triste saber que o serviço público tem tanta corrupção. E até briguei com uma prima minha uma vez, que ela é superpetista e estava na administração PT [Partido dos Trabalhadores]. E eu falei: “Olha, já vi corrupção, mas eles conseguem ser os mais corruptos”. Daí, ela brigou de nunca mais falar comigo. O que eu fiquei muito triste, porque era uma prima querida. Mas tem gente boa. Fiz grandes amigos, tenho ainda amigos da prefeitura.
P/1 – Quanto tempo você ficou total na prefeitura, Luciene?
R – De 21, não, 2 de abril de 80 até 21 de maio de 2013.
P/1 – Foram mais de 20 anos.
R – Trinta e três anos. Só que não foram ininterruptos. Eu morei na África do Sul, tirei um afastamento de quase dois anos.
P/1 – Por que você foi para a África do Sul?
R – Casei e mudei. Eu tive uma amiga que morava lá, que tinha trabalhado comigo na prefeitura, conheceu um marido sul-africano e vivia me convidando: “Vem pra cá, vem pra cá, vem pra cá!”. Daí, um dia, eu fui. Uma outra amiga me apresentou uma pessoa que veio a ser o meu segundo marido. Casei fazendo festa, tudo. Aquela coisarada toda. Daí, mudei porque ele trabalhava lá, brasileiro, e foi uma experiência muito boa. Foi mudança radical, né? África do Sul é um país muito bonito. Também tem esse problema de distribuição de renda totalmente... E, na época que eu fui, eu falava: “Nossa! Aqui ser branco é currículo?”. Porque, na época, era. Eu mudei para lá em 1999. Eu conheci em 98 e, daí, mudei para lá no final de 99. Fiquei até 2001. E o meu ex-marido, ele tinha um cargo muito bom onde ele trabalhava. Daí, era um nível de ir para Londres, Paris, primeira classe. Eu tinha BMW, ele tinha Volvo. A gente vivia muito bem.
P/1 – Era Cidade do Cabo?
R – Não. Johanesburgo, uma cidade bonita. A gente morava no melhor bairro de lá. Eu tinha jardineiro na minha casa três vezes por semana. Imagina o tamanho da casa? Era muito grande! E tinha almoço e jantar com embaixador.
E eu estive em uma festa que estava o Mandela. É, infelizmente eu não tenho fotografia com o Mandela. Mas eu estive no mesmo espaço que ele.
P/1 – Qual a impressão que o Mandela te passou?
R – Ah, de paz. Ele pareceu uma pessoa muito da paz. Mas ele estava na festa. Eu até falei para o Mauro: “Deixa eu ir lá, tirar uma foto”. “Não, não.” Ele era muito metido o meu ex-marido. Se fosse hoje, eu falava: “Ah, meu, vai catar coquinho!”. Ia lá, ia abraçar o Mandela e fazer uma selfie. Mas na época eu fiquei com vergonha. Só vi o Mandela. Só na festa.
P/1 – E o que você mais gostava em Johanesburgo que você sente falta, hoje?
R – Como, na África do Sul, na época que a gente morava, não tinha fábrica. Então, tudo era importado. Você comia geleia francesa, você tinha oportunidade de ter carros que aqui no Brasil para mim é inviável. BMW? Meu, só lá, né? Então, dava para ter um padrão de vida muito bom. Eu morava numa casa com um jardim enorme. Eu adoro jardim. Eu sou arquiteta paisagista. Lembro que tinha um monte de ninho de passarinhos. Foi uma experiência muito boa.
P/1 – E você acabou voltando por quê?
R – O meu ex-marido, ele queria morar no Canadá. Ele era cidadão canadense porque ele tinha sido casado com uma canadense. E, durante o casamento, eu fui vendo que ele era uma pessoa inteligente, mas inteligente demais. Inteligente demais dá raiva. Eu me sentia às vezes meio burra perto dele, meio lenta. E eu não me acho burra e não me acho lenta. Daí, nunca fui para o Canadá. Gozado, que não me atrai muito o Canadá. E ele queria voltar para o Canadá. E, durante o nosso casamento, eu percebi que ele era uma pessoa dominadora e, no Canadá, eu ia estar na mão dele. É gozado. Na África do Sul, eu tinha, eu consegui ir para lá, ir para cá, e vinha toda hora para o Brasil também. Daí, eu falei não, não. Vou voltar para a minha terra, eu gosto muito do Brasil. E, quanto mais eu viajo, mais eu gosto do Brasil. Acho o nosso povo o melhor do mundo. E eu queria ter a minha vida nas minhas mãos. E, daí, só voltando para a minha terra. E voltei.
P/2 – Separou e voltou?
R – Voltei e separei. Minha separação foi por procuração. É, foi bem triste. Foi bem triste. Eu o magoei porque ele era totalmente apaixonado por mim. Mas eu quis retomar a minha vida aqui. Foi chato.
P/1 – E, aí, você voltou para a prefeitura?
R – Voltei para a prefeitura. Estava acabando o afastamento. Mas foi até boa essa fase de ter a minha vida de novo nas minhas mãos. Eu tinha 41 anos. E voltei num lugar que era interessante, trabalhava pra caramba, mas conheci bastante gente legal, então, foi produtivo.
P/1 – Todos esses anos na prefeitura, esses 33 anos de prefeitura, qual foi o lugar que você mais gostou de estar?
R – DPAV, fazer projeto de parque, de praça. Eu adoro isso. Adoro. Então, foi muito bom.
P/1 – E qual que é o seu projeto favorito que você fez?
R – Eu acho que foi o parque Vila Sílvia, porque foi o primeiro parque sustentável de São Paulo.
P/1 – Na época, quando que foi isso?
R – Nossa, não me lembro. Não me lembro. Sei lá, foi 2005, talvez?
P/1 – Porque essa questão de sustentabilidade é bem recente. Foi um desafio para você? Como você encarou fazer esse projeto?
R – Então, eu sempre fui atrás de inovações. Assim que começou essa ideia de sustentabilidade, eu fui fazer tudo quanto é curso, fui me inteirar. E até minha pós-graduação – Ecologia, Arte e Sustentabilidade –, e eu sempre fui estudar elementos construtivos para conservar o meio ambiente. Então, por isso... Eu dei aula na PUC [Pontifícia Universidade Católica] de sustentabilidade, na Universidade Aberta à Terceira Idade. Foi bem legal. A gente aprende bastante com os velhinhos.
P/1 – Quando você começou a dar aula?
R – Eu dei aula acho que foi em 2011, talvez. Não lembro.
P/1 – Foi a primeira vez que você deu aula na vida?
R – Acho que sim, foi na PUC.
P/1 – E como é participar da Universidade da Terceira Idade? Uma experiência diferente, né?
R – Foi uma experiência bem legal. A gente aprende muito com o pessoal mais velho dando aula. E, na época, eu acho que foi antes de 2011, não lembro. Na época, sustentabilidade era uma coisa muito nova. Então, tudo o que eu falava era novidade para eles. Mas, um dia, que foram só três alunas, sabe quando é meio ponte de feriado? Falei: “Ah, vamos bater papo, hoje”. E eu não vou esquecer que uma aluna minha chegou e falou assim: “Olha, uma vez eu fiz um aborto”. Imagine uma senhora bem velhinha falando isso. “Eu acho que sustentabilidade é isso. Eu não tinha mais condições de sustentar mais um filho.” Olha que engraçado! Não vou esquecer desse ensinamento daquela senhora.
P/1 – Você fez quantos cursos lá na Universidade da Terceira Idade? Você ministrou, né? Quantos cursos você deu? Era um curso de sustentabilidade que durava um tempo e acabava ou você fez por alguns anos?
R – Não, só foi um ano a minha experiência lá da PUC. Depois, eu dei aula na Anhanguera que, na época que eu entrei, ainda chamava Uniban [Universidade Bandeirante de São Paulo]. Daí, eu fiquei três anos por lá. Dei aula de paisagismo, desenho ambiental, história da arte, legislação, elementos construtivos. Nossa, dei um monte de disciplinas. Tinha dia que dava aula das sete e meia até as 11. Dava aula à noite, fiquei três anos. Adorei. Eu gosto muito de jovem. Eu acho que é a fase mais gostosa, mais legal da vida é essa fase que vocês estão. E eu gosto muito do contato com jovem. Então, gostei muito de dar aula. O meu Facebook tem tanta gente porque tudo quanto é meu aluno quis ser meu amigo. E, é claro que eu aceitei. E até uma viagem que eu fiz, maravilhosa, foi por causa de uma aluna minha que chegou e – casada com um francês –, ela começou a falar de Provence e: “Você não conhece?”. Eu falei: “Não”. “Você precisa ir. A minha sogra mora lá. Daí, você fica lá.” Eu fui para Provence, que é lindo de morrer, aqueles jardins de lavanda, foi tudo por causa de uma aluna. Porque ela e o marido: “Não, você precisa, porque precisa. Ai, a gente descobriu uma passagem bem barata, Linhas Aéreas Chinesas”. Gente, eu nunca tinha ouvido falar nisso. Vocês já ouviram falar? Nem eu. Linhas Aéreas Chinesas. Quer dizer, jovem descobre tudo pela internet. “Não, vamos lá comprar passagem agora.” E lá fui eu, Linhas Aéreas Chinesas, que o voo que eles, não sei se eles ainda fazem, é São Paulo/Madri, ida e volta. Mas foi superbarato, dois mil reais, pagos em, sei lá, seis vezes, dez vezes, não sei. Então, a vida universitária é muito boa. Eu quero, quero voltar para a área acadêmica. Já mandei um monte de vezes currículo pela internet para voltar a dar aula. Eu gosto muito.
P/1 – Como que você começou a dar aula, Luciene?
R – Entrei na internet, no site, “trabalhe conosco”, cadastrei meu currículo, fui chamada, fiz um teste e entrei. Assim.
P/1 – Acho que você já tinha vontade, então?
R – Sim, sim. Adoro um palco. O professor, ele está num palco. Então, eu fiz balé clássico, aquela coisa, e eu gosto. Já dei palestra um monte de vezes. Já fui na televisão, na época que o pessoal começou a falar em esoterismo. Eu fui dar, fui ser entrevistada para falar a respeito de esoterismo.
P/1 – Você gosta de esoterismo?
R – Hoje em dia, não muito. Na época, eu estava achando muito legal, então, fui pesquisar tudo. É. Hoje em dia, eu acho médio.
P/1 – E qual que é a diferença de dar aula para a terceira idade e para jovens?
R – Eu acho que eu me identifico mais com jovens. Eu acho que, às vezes, o pessoal mais velho, eles têm um senso crítico maior, talvez não estejam tão abertos a aprender. Talvez seja uma atividade para eles saírem de casa, para eles se relacionarem, mas é lógico que deve ter no meio um pessoal disposto, com a cabeça mais aberta. Mas eu lembro que, um dia, eu estava dando aula e comecei a ser muito questionada por uma aluna. Falei: “Vamos fazer uma coisa? Vem aqui e eu sento aí. Aí, você vem aqui, tá? E ensina”. Porque, às vezes, eu perco a paciência. Então, eu lembro de ter perdido nesse dia.
P/2 – Com uma aluna idosa?
R – É. Não era muito, viu? De aparência assim, porque, gozado, mas parece que na PUC eles aceitam pessoas a partir de 40 e poucos anos. Eu tenho 57, e não me acho idosa. Já sou, mas não me acho. Mas ela aparentava, no máximo, 50. Mas era bem prepotente. Bem questionando aquelas coisas... Eu não vou ensinar coisa que eu não sei. Se eu estava lá, era porque eu sabia o que eu estava falando.
P/1 – Quando você dava aula, você ainda dava aula no finzinho da prefeitura? Você chegou conciliar os dois?
R – Sim, eu conciliei.
P/1 – Não era muito corrido?
R – Era, mas eu sempre corri bastante. Eu, com oito anos, eu fazia balé, pintura, piano, linha litúrgica e escola. Uma agenda meio... Eu sempre gostei de fazer um monte de coisa. Hoje em dia, eu estou me achando meio ociosa. Mas, pelo fato que o meu filho vai mudar, eu estou dando atenção a ele. E, sei lá, mas eu sempre gostei de fazer um monte de coisa.
P/1 – E como que é encerrar? Você sai da prefeitura em 2013 e você fica só dando aula, certo?
R – É.
P/1 – Por um tempo. Como foi encerrar esse ciclo?
R – Nossa! Eu não via a hora. Eu pegava a agenda todo dia. Quanto tempo falta para eu me aposentar? Meu final de prefeitura foi terrível, porque eu realmente não aguentava mais. Eu queria aposentar. Aposentadoria integral, mais que merecida. Porque eu nunca fui corrupta. Sempre fui contra. Não incorporei cargo. Fui chefe, mas teve uma hora que eu larguei. É gozado, né? Prefeitura é cheia das coisas. Se você tem um cargo de chefia há cinco anos, você incorpora aquele valor. Eu tive três anos e sete meses. E saí porque eu quis. O pessoal: “Mas, espera!”. Eu falei: “Não. Eu não aguento mais. Não aguento mais”. Eu trabalhava em Campo Limpo. Teve até tiroteio perto de mim. Você já ouvi falar no Jardim
ngela? Então, eu trabalhava num lugar supercarente. Interditava favela quando começava chover, porque era aquela coisa de desmoronar o barraco. Daí, você tinha que correr, tirar o pessoal, chamar Defesa Civil, era um trabalho muito pesado. Não existia celular. Você tinha um pager, sabe o que é pager? Um negocinho que fazia assim. Daí, você olhava, tinha que sair correndo lá para Campo Limpo, no meio da chuva e ia interditar e via pessoa morta. E chamava IML [Instituto Médico Legal] para recolher. Porque, não sei hoje, mas, na época, arquiteto e engenheiro é que tinham essa função, além de todas as outras. Então, eu tive uma experiência, eu amadureci muito trabalhando em Campo Limpo, porque novamente eu vi como nosso povo é carente. E fui chefe lá, mas teve uma hora que eu falei: “Não, tchau, não quero”. Realmente, não aguentava mais ver tanto sofrimento, uma coisa muito pesada.
P/1 – Teve algum episódio que foi a gota-d’água para você?
R – Teve um monte de gotas-d’água, mas, numa dessas enchentes, eu vi um garoto que tinha sido morto na enchente, que o IML recolheu e aquilo foi muito marcante. Uma vez também, um barraco caiu e matou um casal. E estava coberto. Eu lembro de ver o pé da moça, com unha vermelha. Durante muito tempo, eu não podia ver uma unha vermelha que eu lembrava do cadáver. Então, teve muita coisa pesada lá em Campo Limpo.
P/1 – E você não, digamos, tem muita gente que fica receosa da aposentadoria justamente por essa questão de ficar parada etc. Você não estava?
R – Não, porque eu estava dando aula e estava dando aula três noites por semana. E uma atividade muito prazerosa para mim, que é ensinar, que eu gosto, que é o contato com o jovem, que eu gosto. Então, eu estava bem agitada por causa das aulas. Preparar as aulas, eu gosto muito também. Você se obriga a estar atualizada, você se obriga a estar aprendendo também o tempo inteiro. Você não pode ter uma classe de jovem, se você não souber o que está acontecendo no mundo.
P/1 – O que que é mais gostoso de dar aula?
R – É essa troca. Essa coisa de você ensinar. O jovem, ele está muito aberto para aprender. Eles querem aprender, então, é uma delícia você orientar, você mostrar as coisas, mostrar o mundo, mostrar...
P/1 – E, como você falou que gosta de um palco etc., como que é essa experiência de estar na sala de aula? No seu palco ali, com a sala na frente?
R – Ah, é uma delícia. Eu me realizo. Principalmente inventando. Uma vez, eu cheguei e falei: “Vamos fazer o projeto da cidade ideal”. É completamente fora do que estava na grade para você ensinar. Mas achei aquilo uma experiência muito boa para você dar uma voada, para você realmente criar. “O que que é a sua cidade ideal? Vamos projetar. Vamos fazer um projeto da cidade ideal.” E, daí, o pessoal adorou isso. “Como seria a cidade ideal, o que teria na sua cidade ideal?” Eu gostava de fazer as pessoas criarem, inovarem, pensarem fora da caixa. Fora daquela coisinha: “Olha, você faz isso, isso, isso”. Eu acho que arquiteto tem que dar uma viajada também. Porque, senão, como que vai ser o projeto dele? Que inovação que vai ter? Que novidade vai ter?
P/1 – Qual que é a sua cidade ideal, Luciene?
R – A minha cidade ideal? Olha, é uma cidade com muito verde, com população limitada. Não é São Paulo. São Paulo tem muita gente. Seria uma cidade acho que sem carro. Transporte: bicicleta. Casa.
P/1 – E qual o lugar que você já foi que é o mais próximo disso, que você já sentiu?
R – Eu acho que a França, você passa por uns lugares que você fala: “Nossa, que paraíso que é isso!”. A região da Normandia. É muito lindo lá.
P/1 – E, voltando um pouquinho para a aula, atualmente, você não dá mais aula. Você deu aula de 2011 mais ou menos até...?
R – Deixa eu ver, 2014. Preciso voltar a dar aula!
P/1 – Por que você teve que parar?
R – Fui mandada embora. Teve um corte bem grande na Anhanguera/Uniban. Eu e mais um monte de professores. Fui convidada para retornar, mas, daí, era em Osasco. Eu já dei aula em Osasco. Foi legal. O pessoal de Osasco, um doce, gostava. Mas o que eu não gostava era sair tarde lá, de noite, eu tinha um pouquinho de medo. A gente vai ficando velha, vai ficando com medo. Medos que eu não tinha antes. Gozado. Hoje em dia, você pensa: “Meu Deus! E se o carro quebrar de noite, eu, sozinha?”. Besteira, né? Daí, eu recusei de voltar para Osasco. Eu queria mais próximo.
P/1 – Então, você sente falta da sala de aula?
R – Sinto. Sinto, sim. Sinto falta.
P/1 – Atualmente, o que você faz? O que é que te move? O que você tem feito da vida, de lazer?
R – Eu gosto muito de teatro, eu gosto muito de filme. Não precisa ser necessariamente no cinema. Pode ser em casa, Netflix. Aquela série lá, Black Mirror, já viram? Acho um barato. Saio bastante. Eu jogo tênis. Ando de bicicleta. Faço academia no meu prédio mesmo. No verão, eu nado. Eu tenho um chalezinho na praia. Eu vou para lá também, para a praia. Gosto muito de praia.
P/1 – Você tinha falado que você expôs algumas fotografias. Fotografia é um hobby hoje para você?
R – É. Adoro fotografia. Tenho umas fotos bem legais que eu já tirei.
P/1 – O que que... Qual é o seu olhar, o que é que você busca numa foto?
R – Eu gosto da natureza. E eu gosto de tirar foto de gente também. Captar um momento da pessoa diferente. Também gosto.
P/1 – As que estão nessa exposição que você fez, qual que era a temática dela?
R – Então, eu peguei fotos até superantigas. Eu tenho uma foto branca e preta do Lago do Ibirapuera seco. Você imagina aquele lago seco? Eu tirei uma foto em 1980. O lago estava seco. E foto de natureza. Campo de girassol, que é bem bonito. Tinha fotos diversas. A exposição, eu coloquei o nome de Olhares, e, daí, eu tirei muitas fotos de muitos olhos das pessoas. Fiz um convite bem interessante. Foi legal essa exposição. Gostei!
P/1 – E, além disso, você tem escrito também, então?
R – É. Em 2016, eu peguei um conto de um livro meu e, daí, saiu nesse Mais do que Palavras, uma antologia, e o ano passado, finalmente, o meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], que foi Arquitetura da Paz, uma pesquisa que eu fiz durante muito tempo, eu publiquei o livro como resumo do meu TCC. Daí, foi o lançamento do livro. Nesse ano, eu vou na Bienal com esse livro. Foi uma experiência bem emocionante publicar um livro. Uma delícia.
P/1 – Qual a melhor parte do processo para você?
R – Ah, você ver a coisa pronta, né? Você ver e falar assim: “Nossa, que legal, essa foto fui eu que tirei em Barcelona”. E ver o livro, tudo, e as pessoas lerem e elogiarem e vir os alunos muito fofos: “Nossa, ‘pro’, que legal”. E, daí, comentar: “Eu usei o seu livro no meu TCC”. Porque foi um tema que eu inventei: Arquitetura da Paz. O que te proporciona paz? Como que os ambientes têm que ser projetados para você encontrar esse estado de serenidade? E demorou bastante. Eu comecei a fazer essa pesquisa lá atrás, em dois mil e bolinha. E dei essa palestra em vários lugares. E o pessoal gosta, o pessoal se interessa. No ano passado, eu cheguei a dar também essa palestra. Neste ano, ainda não dei.
P/1 – E essa é a primeira vez que você sintetiza tudo...
R – Num livro.
P/1 – Então, mesmo antes, você nunca deixou a arquitetura 100% de lado, digamos, pelo trabalho diário da prefeitura. Você falou que você sempre tentou estudar etc.
R – Sim.
P/1 – Você sempre manteve a arquitetura viva, de alguma forma?
R – Sim. Sempre gostei e fui atrás para aprender. Para melhorar como pessoa. Eu acho que a gente está nesse planeta para melhorar. Para deixar alguma coisa.
P/1 – E por que você escolheu esse tema?
R – Eu acho que o mundo precisa de paz.
P/1 – Mas como ele surgiu para você? Era uma demanda interna sua, por assim dizer?
R – Eu trabalhava no gabinete da Secretaria do Verde e, daí, chegou uma colega comentando que iria fazer um espaço, uma Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz, lá no Ibirapuera. E ela chegou e falou: “Quem poderia dar palestra sobre algum tema?”. Falei: “Eu”. “Ok.” Pintou: Arquitetura da Paz. Ela: “O que é isso?”. Falei: “Não sei. Acabei de inventar. Mas eu vou desenvolver o tema e tudo bem”. E comecei a desenvolver. E comecei a procurar. E comecei a estudar. E foi isso.
P/1 – E como que a Arquitetura está presente no seu dia a dia hoje?
R – Infelizmente, pouco. O que eu tenho feito profissionalmente... Hoje em dia, existe uma lei que diz que você não pode reformar um apartamento, nem retirar uma parede, se não tiver a assinatura de um arquiteto e de um engenheiro. E eu moro num prédio que tem 128 apartamentos e já fiz várias reformas, porque fiz de uma, daí, uma fala para a outra. Neste ano, já fiz uma, mas assim é pouco. Preciso agitar mais.
P/1 – Você falou que sempre gostou de jardim.
R – Sim. Já fiz muito jardim. Já fiz jardim que saiu em revista. Superlindo.
P/1 – No seu apartamento, você tem algumas plantinhas?
R – Nossa, tem um monte de planta. Adoro planta.
P/1 – Qual que é o xodozinho que você tem na sua casa?
R – Eu tenho uns antúrios muito lindos. Gosto de antúrios.
P/2 – Então, foi um curso que atendeu às suas expectativas de jovem, quando você escolheu esse curso?
R – Sim, sim. Eu gostei de ter feito Arquitetura. Eu me sinto bem sendo arquiteta. Foi um curso que eu escolhi bem. Nunca fiz teste vocacional, nada, mas é uma área que eu gosto.
P/2 – Você nunca pensou em outra coisa?
R – Pensei em Turismo. Eu adoro viajar, né? Então, pensei em Turismo. Eu gosto muito também da área de Psicologia. Mas mais para você entender o comportamento humano. Como eu gosto muito de ler, já li muito Freud, Jung, livros de psicologia em geral. Eu fiz terapia bastante tempo, e a minha terapeuta pegava os livros que ela tinha lido na universidade e ela me emprestava. Então, nossa, li muito livro dessa área de Psicologia. Gosto bastante.
P/1 – Eu queria, antes de a gente ir encaminhando, a gente já... Eu queria voltar alguns assuntos. Eu queria que você voltasse um pouco para falar do Rafael. Como que foi para você ter o Rafael?
R – Nossa, maravilhoso. Eu queria muito ser mãe e assim foi um presente, sabe? E meu filho é minha obra-prima.
P/1 – Você lembra do dia que ele veio?
R – Claro. Ele nasceu dia 25 de agosto, foi cesariana, porque ele estava sentado. Então, não tinha dilatação, nada. A cabeça dele estava aqui. E eu sou muito pequena. O médico falou logo de cara: “Não, vai ser cesária”. Eu que tinha todo aquele sonho Leboyer, nascer sorrindo dentro d’água. Não, nada disso. Mas foi uma cesária tranquila, com 21 anos. Você não tem nem noção do perigo. E foi ótimo. E eu e o Rafa, a gente tem uma ligação muito grande. A gente se dá muito bem. Pode ser que vocês não acreditem nisso, mas pega o meu mapa astral e o mapa astral dele, uma coisa muito parecida. É engraçado, né?
P/2 – Qual o seu signo?
R – Virgem.
P/2 – E ele?
R – Também. Ascendente? Virgem. Ele? Também! Então, sabe quando tem? Gente, são 12 signos, né? Então, muitas coincidências de você pegar e falar: “Nossa!”. E mapa astral é uma coisa matemática, né? A gente se dá muito bem. A gente... Foi realmente a melhor coisa da minha vida foi ser mãe.
P/1 – Não sei se talvez eu vá tocar em um ponto indiscreto, mas, quando você e o Deto acabaram se separando, por toda essa questão que você falou, como foi essa questão com o Rafael?
R – Nossa, eu sofri três anos. Chorei dia e noite que nem idiota. Demorou para me recuperar. Foi a terapia que me ajudou a recuperar. Mas demorou. E o Rafa também fez terapia um tempo. Também sofreu.
P/1 – Nesse começo, você falou que foi bem difícil, né? Os primeiros momentos. Vocês tinham guarda compartilhada?
R – Não, não. Logo de cara, o Rafa ficou comigo. E ele pegava de fim de semana. Mas, como foi uma separação, porque ele arranjou uma outra pessoa, e, daí, ele queria impor a pessoa para o Rafael, isso é que foi meio sofrido. Lógico, o Rafael não queria, né?
P/1 – Para você, foi uma situação estranha?
R – Para mim, foi péssimo. Chorava e sofria um tempão. Demorou para eu me recuperar. Demorou bastante.
P/1 – Depois, quando você foi para a África do Sul, o Rafael já foi com você?
R – O Rafa tinha 17 para 18 anos. Ele estava naquela fase que ele queria descobrir o que ele queria fazer. E até ele descobrir o que ele queria fazer, ele não foi. E, daí, no final, acabei separando e voltando. E, enquanto eu morei na África do Sul, em dois anos, eu vim nove vezes para o Brasil. Eu tinha amiga que olhava para mim e falava: “Lu, eu não estou com saudade de você. Eu te vi o mês passado”. E o Rafa foi para lá também. E a gente se falava todo dia por e-mail. Já existia e-mail e telefone também.
P/1 – E ele morava, e nesse tempo ele morou com o pai?
R – Não. Com a minha irmã.
P/1 – A mesma irmã que você...
R – Essa irmã que eu sou superchegada, que eu fui morar junto. A gente é muito chegada. Apesar de que hoje em dia ela mora em Sorocaba. Então, a gente fica no telefone, né?
P/2 – Quantos anos durou o seu primeiro casamento?
R – Dez.
P/2 – Dez.
R – É muito tempo, né? Deu certo dez anos. Eu falo assim. E hoje em dia eu digo que traição talvez não seja motivo para separação. Não sei. Errar é humano. Não sei. Mas é gozado, porque, vendo a minha vida, se eu não tivesse separado, eu não teria vivido o que eu vivi. Então, teve um lado que foi bom, né? Tudo tem as suas compensações. Teve muito sofrimento a separação? Teve! Teve muito sofrimento. Ninguém casa para separar. Eu casei para dar certo, e a gente era uma família feliz. Os dois arquitetos, os dois gostando das mesmas coisas, das mesmas músicas, as pessoas, temos um monte de amigos comuns. E a gente hoje em dia se dá superbem. A gente já esteve em ambientes eu, meu namorado, ele e a namorada. Agora, é uma coisa civilizada. Claro, já passou a raiva. Já passou a mágoa.
P/1 – E o Rafael com ele?
R – Se dá superbem também. Ele é uma pessoa muito boa. É um cara honesto. Eu tive filho com a pessoa certa. Isso foi muito bom.
P/1 – Bacana, e vocês separam, desculpa, só para eu me orientar. Vocês se separam quando você tem mais ou menos? Quando você tem uns 26 anos?
R – Não. Eu casei com 21.
P/1 – Com 21.
R – Trinta e um.
P/1 – É, 31. Humanas, né?
R – É, eu separei supercedo!
P/1 – No meio desse percurso aí, talvez, de novo, outro assunto, que também você comentou de passagem, que você acabou perdendo os seus pais.
R – Muito cedo.
P/1 – Aos 27, sua mãe...
R – E, cinco anos depois, meu pai.
P/1 – E, cinco anos depois, o seu pai. Como que foi isso?
R – Ah, foi muito duro. Porque eu esperava tudo, menos perder minha mãe tão jovem. Ela tinha uns 60 e poucos anos, né? Foi câncer, foi triste. Foi dolorido.
P/1 – O processo foi muito... Você sentiu muito o processo?
R – Eu sofri muito. Sofri muito. Nossa. Fiquei pirada na época. Eu falava: “Poxa, ela não merece isso. Ela não merece esse sofrimento. Será que Deus não acredita nela?”. A gente questiona muito quando vê uma pessoa que a gente ama sofrendo.
P/1 – E, aí, logo depois seu pai. Você acha que tem, foi uma coisa um pouco em decorrência ou nada a ver, foi naturalmente?
R – Meu pai ainda viveu cinco anos, né? Meu pai gostava muito de viver. Digamos que, quando ele se foi, eu estava mais preparada. E, quando ele estava sofrendo, também, foi hospitalizado. Eu lembro de um dia, de eu visitá-lo e pedir: “Deus, leva ele”. Porque, se ele não vai voltar a ficar bom, ficar todo entubado... Quando você vê uma pessoa no hospital, toda entubada, toda, sabe? Tem retorno? Não. Então, viver para quê? Só para sofrer? Não, isso não é viver.
P/1 – Qual a lembrança deles que você tem mais agarrada, uma coisa que você vê e você lembra dos seus pais?
R – Eu tenho uma foto que eu tirei do meu pai, deste tamanho, que, engraçado, podre de família, né? Eu sempre gostei de fotografia e, modéstia à parte, eu fotografo muito bem. E tirei uma foto do meu pai, que ficou uma foto assim, vou mandar para vocês por e-mail, realmente merece. E, daí, o meu irmão pegou o negativo, fez um pôster, concorreu no concurso fotográfico e ganhou prêmio, dizendo que era dele. Então, eu vejo meu pai todo dia lá em casa nesse pôster. Eu acredito nessa coisa de ancestral. Eu peço proteção para ele, para minha mãe. Eles deixaram muito boas lembranças. Eles me tratavam superbem. A minha mãe me chamava: “Você é a princesinha da mamãe”. Eu fui muito paparicada, gente, eu fui muito mimada. Ser caçula, temporona, quando os pais, poxa, meu pai e minha mãe já tinham filha casada, né? Acho que minha mãe esperava tudo na vida, menos pintar uma criança. E eles eram muito bonzinhos. Pessoas muito boas. Eles eram do Círculo Esotérico. Vocês já ouviram falar nisso? Então, acho que nem existe mais. Mas existia um estudo que as pessoas desenvolviam a mente, que chamava Círculo Esotérico. E contam os meus irmãos que, festa junina, eles tiravam os sapatos e pisavam nas brasas. Poder da mente, você já pensou? Você pisa na brasa? Eu nem me arriscava. Então, eles eram pessoas interessantes. Uma sabedoria de quem estuda, mas de quem tem um contato com a natureza e essa coisa de gostar tanto de planta, de bicho, vem deles, né? Isso é genético. Minha mãe gostava muito de planta. Eu sempre tive, eu sempre vi jardim. Desde pequena. Quer dizer, pequena eu ainda...
P/1 – Você estava falando dessa relação sua com o Rafael, do mapa astral, o que que a astrologia significa para você, Luciene?
R – Então, na época que eu comentei, de estudar esoterismo, não que a astrologia seja esoterismo, né? Mas eu fui atrás de estudar bastante astrologia. Teve uma época que eu até fazia mapa astral, gente, profissionalmente, fazia e interpretava. E foi a minha terapeuta que falou para eu fazer isso. E eu estava tão sintonizada que, de repente, eu começava a conversar com alguém e falava: “Ah, você é de tal signo, né?”. Acertava o signo e o ascendente da pessoa. Poxa, é 12, né? Então, estava bem sintonizada nisso. Mas passou.
P/1 – Você não acredita mais, ou você acha que tem algo, ou foi uma fase e agora?
R – Não, eu até acredito. Como eu estudei um pouquinho, os astros não impõem, eles predispõem. Então, às vezes, você tem certas características que batem com aquele seu signo astrológico. Mas já acreditei mais. Todas as vezes que eu fiz mapa astral bateram as coisas. Hoje em dia, eu estou meio distante disso.
P/1 – Você falou que você adora viajar, qual foi a primeira viagem que você fez?
R – A marcante, tá? Foi para a Disney. Nossa, me diverti mais do que o Rafa. Achei um barato. E gosto de parque até hoje. Daí, quando fizeram o parque do Harry Potter, eu disse: “Eu preciso ir lá de novo”. E fui só para ir no parque do Harry Potter. Foi a primeira marcante.
P/2 – Quantos anos o Rafa tinha quando vocês foram?
R – O Rafa acho que tinha uns oito.
P/2 – Oito?
R – Oito, nove. É.
P/2 – Ele ficou encantando?
R – Ficou. Mas eu fiquei mais que ele. Fiquei completamente deslumbrada, que nem uma bocó. Daí, um passarinho voava, eu falava: “Nossa! Será que é de verdade, ou será que faz parte do parque?”. Barato!
P/1 – E no do Harry Potter, o que que você queria mais ver?
R – Ah, tudo! É muito bonito. O pessoal tem as manhas. Valem a pena os parques da Disney. Você entra num mundo de fantasia. Eu gosto dos Estados Unidos. Não gosto do Trump. Mas os Estados Unidos eu acho um lugar que as pessoas vivem muito bem. Fui oito vezes para lá. Conheço um monte de cidades, um monte de lugares. Eles vivem muito bem. Americano é bobo, mas vive muito bem.
P/1 – Lá tem algum lugar favorito dos que você visitou?
R – Um lugar que impressiona muito é o Grand Canyon. Você olha e pensa: “Nossa, olha que natureza esplendorosa. A gente é um minúsculo grãozinho de areia no meio dessa natureza”. É impressionante.
P/1 – Quando você viaja, o que você acha que te dá mais prazer de viajar? Você fala que gosta muito, você já viajou para muito lugar. O que é a coisa que mais te deixa...?
R – Ver o novo. Descobrir as coisas novas. É muito legal quando você vê uma coisa e não imaginava que existisse. Neste ano, a gente foi para a Europa e eu conheci Monte Saint Michel. Nossa, é de chorar. Eu, que choro fácil, como vocês perceberam, estou me segurando, mas eu sou superemotiva, eu chorei. Eu cheguei naquilo: “Meu, isso parece um conto de fadas”. Que castelo mais lindo, que natureza mais linda em volta, que energia.
P/1 – Monte Saint Michel é aquele que fica afastado, né?
R – Isso, que fica na ilha. É muito lindo aquilo lá. Muito lindo. Quando eu fui para o Peru também. Machu Picchu é outro lugar que impressiona. Você tem uma energia. Dizem que lá é o umbigo do mundo, né? Então, esse tipo de energia que você consegue captar em determinados lugares, e eu tive sorte que as viagens deram certo. A única vez, também não posso falar errado, fui roubada em Bariloche. Alguém enfiou a mão na minha bolsa e tirou a carteira. Mas o resto sempre deu tudo certo. Muito legal você ver outras línguas, outros lugares, outras comidas, experimentar coisas novas. Isso que me atrai. Com viagem, você aprende em escala um para um. Um para um.
P/1 – Qual foi o momento mais marcante de todas as suas viagens?
R – Nossa, foram tantos! Mas a viagem para o Peru foi muito legal. Foi uma viagem que eu fiz com o Rafael, de presente para ele, na época. Conhecer Machu Picchu foi demais.
P/1 – Foram só vocês dois?
R – Só nós dois.
P/1 – Quantos dias?
R – Acho que a gente ficou uns 15 dias. Foi São Paulo-Lima, Cuzco, Machu Picchu. O Peru é bem legal. E a gente foi numa época que chama Festa do Sol. É lindo. E tem um Carnaval, e o Carnaval do Peru é diferente do brasileiro. Então, daí, tem o bloco dos arquitetos, o bloco dos médicos, o bloco dos advogados. E é um povo, no geral, bem pobrinho, a paisagem automobilística do Peru, gente, é de dar dó. Uns carrinhos velhos. Então, não é um país que está numa boa, mas é muito bonito de se ver. É bem diferente. É tudo diferente.
P/1 – Qual que é o seu destino favorito de viagem?
R – França. Adoro a França.
P/1 – O que você acha que te faz gostar tanto da França?
R – É bonito. É tudo muito bonito. Paris é lindo demais.
P/1 – Você já foi para lá quantas vezes?
R – Cinco.
P/1 – Qual foi o momento que você percebeu que ali era o lugar que mexia com você?
R – Não sei. Não sei, mas eu gosto muito. Eu chego lá, as pessoas – gozado, dizem que francês não é simpático – comigo sempre foram super-simpáticos. E a minha melhor amiga, a Sandra, uma das filhas dela casou com um francês. E, na época do casamento, que foi aqui no Brasil, ela estava ruim com câncer lá em Londres, não pôde vir para cá. E eu representei ela no altar, como se fosse a mãe. E, daí, eu conheci a “francesada”. E a “francesada” me trata muito bem. Uma vez eu fui pra Paris e, pelo Facebook, falei com o irmão do marido da minha sobrinha. Eu falo sobrinha, que eu comentei, a Sandra é como se fosse irmã. Ele falou: “Ah, minha namorada mora...”. Aí, eu cheguei na casa dela, num apartamento, num lugar superlegal, ela pegou a chave: “Toma, a gente está indo viajar”. Eu fiquei num apartamento, sozinha, em Paris. Gente, não acreditava. “Meu Deus, o que que é isso? Eu aqui, num apartamento com tudo!” Quando eu fui para Provence, também, que eu fiquei na casa da mãe desse aluno. Um tratamento tão vip, tão assim. Sempre fui muito bem tratada lá. Sempre deu tudo muito certo.
P/1 – A Sandra foi para a Inglaterra quando?
R – Eu não lembro exatamente, mas já faz uns dez anos, pelo menos.
P/1 – Quando ela viajou, depois, você a viu pela primeira vez depois de ela ter se mudado para lá, como foi esse reencontro?
R – Nossa, foi um barato porque ela estava com câncer. E eu cheguei no hospital e falei com o pessoal que a gente ia viajar, que a gente, que ela tinha que sair de lá pra gente dar uma viajada. Na época, eu nem sabia se ela ia conseguir recuperar. E consegui tirar ela do hospital e a gente foi viajar. Foi para uma cidadezinha perto, chama Hastings, uma cidadezinha de praia, porque, claro, ela não podia fazer viagem para longe.
P/1 – Era um câncer muito agressivo?
R – Era no fígado. E ela sobreviveu. A Inglaterra também, a Medicina é bem primeiro mundo, né? E tudo de graça. Ela não paga nada. Se ela estivesse no Brasil, ela já teria ido há muito tempo.
P/1 – E vocês viajaram para Hastings, deu uma arejada nela?
R – Sim. Ela deu uma melhorada.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá com ela?
R – Não lembro. Mas devo ter ficado pelo menos uns dez, 15 dias.
P/1 – E depois você voltou para lá só para passear?
R – Então, a última vez que a gente se viu foi agora este ano, que a gente se encontrou em Berlim, que ela saiu lá de Londres. E, no ano passado, eu fui para lá e a gente foi para Oxford e Cambridge.
P/1 – Vocês sempre se veem?
R – Direto. A gente se fala no Whatsapp. Hoje em dia, com essa tecnologia de Whatsapp, Facebook, você não tem mais esse problema de distância. Você fala com as pessoas. É bem legal.
P/1 – Qual a viagem que falta você fazer, Luciene?
R – Então, aí é que está. Eu tinha muita vontade de ir para a Índia. Mas hoje em dia eu já estou com medo. Talvez, só se for junto com um monte de gente. Que parece que lá é um lugar meio complicado. Não é um lugar que dá para uma mulher ir sozinha.
P/2 – As suas viagens você fez acompanhada, ou a maioria sozinha?
R – Eu acho que a maioria sozinha.
P/2 – Você prefere viajar sozinha ou acompanhada?
R – Agora, acompanhada. É o que eu falei. Estou ficando velha, e a gente vai ficando com certos medos.
P/1 – Você está sentindo envelhecer, Luciene?
R – Estou. É duro olhar no espelho. Meu Deus do céu! Ver, não tem mais jeito. E eu não tenho coragem de fazer plástica. O duro é isso. Mas 57... É, normal, né? Não tem. Tem duas opções: morrer ou envelhecer. Melhor envelhecer, né?
P/1 – Por que que você sente assim? Você olha para trás e pensa: “Nossa, já foi tudo isso?”, como que é?
R – Não, eu ainda espero fazer muita coisa. A única de coisa ruim do envelhecimento é o físico, que você olha já e não tem... Eu estou começando a ter cabelo branco. Tudo bem, demorou bastante até. Tem gente que, com 30, começa. Eu comecei agora, com 57. Por incrível que pareça, o meu cabelo, isso aqui é a cor natural. Ruga, ruga não é uma coisa legal. Não é uma coisa legal! Não tem jeito.
P/1 – E agora você viaja com o seu namorado, né?
R – É.
P/1 – Você está namorando faz bastante tempo?
R – Quase cinco anos.
P/1 – Como você conheceu ele?
R – Internet.
P/1 – Que bacana.
R – É.
P/1 – Muito prático. Não, olha, barzinho, nunca curti muito. Eu não sou da noite. Sou meio uma pessoa do dia, da manhã. Uma vez, eu vi num livrinho, não sei se é real, o significado do nome Luciene: a que nasceu com o dia, clara como a luz. Eu nasci às seis da manhã. Eu gosto da manhã. Eu gosto do dia. Eu gosto do sol. Então, ir para barzinho, gente, ir para barzinho conhecer gente era terrível para mim. Era terrível. Uma vez, eu lembro de estar chegando num, e ver um cara assim fazendo isso: tirando a aliança. Então, umas coisas tão bobas. Não me dava bem em barzinho.
P/2 – Em qual rede social você conheceu?
R – Era um site, não sei se ainda existe, chama POF, P-O-F. Esquisito, né?
P/2 – Era específico para marcar relacionamentos, marcar saídas, namoro?
R – Era um site de aproximação. Daí, tinha foto, o perfil. Nem lembro se fui eu que gostei dele, ou ele que gostou de mim. Sinceramente, não lembro, eu lembro da foto dele. Falei: “Nossa, esse cara tem cara de gente boa!”. E era bom mesmo. A gente se conheceu, jamais iria se conhecer. Porque eu sou arquiteta. Ele é físico. Eu moro na Zona Oeste. Ele mora na Zona Leste. Nenhum amigo em comum. Nenhuma coisa assim que: “Ah, vocês podiam se encontrar em tal lugar”. Não! Não ia encontrar nunca! Ele trabalha com TI [Tecnologia da Informação]. E uma pessoa superinteligente. Logo de cara. Não teve impedimento nenhum. Gostei dele. Ele gostou de mim. Pronto. Estamos juntos.
P/1 – E como surgiu a ideia de procurar num site? Você falou que teve essa experiência negativa com barzinho, sempre teve uma coisa, quando que veio o momento: “Poxa, deixa eu tentar isso”?
R – É o que eu falei. Eu gosto de inovação, né? Um dia desses, eu fui ver um curso de desenvolvimento de game, lógico que eu não acompanho o pessoal e pulei fora. Mas eu acho que a internet está aí para ser usada. E se a pessoa coloca realmente o que quer num site de aproximação, é prático. Não sei como veio a ideia, mas veio. Achei ótimo e aconselho todo mundo. Está sozinho? Está. Entra na internet. Vê aí. Tem um monte de gente sozinha. Um monte de gente a fim de conhecer pessoas. Gostei. Recomendo.
P/1 – E como é agora? Você estava falando dessa questão de velhice, às vezes, é um pouco assim... Como que é ter o Wilson como companheiro nessa fase?
R – Muito bom. Muito bom. Ele é uma pessoa tranquila, ele é superinteligente. Muito bom.
P/1 – Você lembra do primeiro encontro de vocês?
R – Lembro.
P/1 – Onde vocês se encontraram?
R – Na padaria em frente à minha casa. E, daí, eu não lembro se o celular dele acabou a bateria, mas ele ligou de um orelhão e falou: “Padaria!”. Queria dizer que tinha chegado. Daí, a gente começou a bater papo. Eu ia para a praia. Eu falei assim: “Você gosta de planta?”. Ele falou: “Gosto!”. Eu falei: “Vem cá, deixa eu te dar uma planta”. E subi no meu apartamento com ele. Dei uma planta de presente. Daí, já peguei o carro, estava esperando o Rafa passar para me dar alguma coisa, que eu ia levar para a praia. Logo de cara, confiei nele, achei uma boa pessoa, e estou assim até hoje. Muito bom. Uma pessoa que vale a pena. A família dele é legal também. Ele é separado. Tem dois filhos. E tudo bem.
P/1 – E o Rafael gostou dele de cara também?
R – Gostou. Foi engraçado porque ele: “Oh, mãe, tá namorando um cara mais novo?”. E ele não é mais novo. Ele vai fazer 60 anos este ano. E agora ele até deixou barba para parecer talvez mais velho. Mas ele não aparenta idade. Ele está superbem pra quase sessentão.
P/1 – E você prefere com ou sem barba?
R – Eu gosto dos dois jeitos. Eu acho que deve ser uma canseira fazer barba todo dia. Meu filho também está usando barba. Não deve ser fácil todo dia encarar uma gilete. Acho que é mais tranquilo para a pele também, deixar. Tudo bem.
P/1 – E como foi para você agora se relacionar de novo, depois desses casamentos etc., voltar para um relacionamento?
R – Eu nunca tive problema de ficar sozinha. Eu acredito que uma pessoa é feliz quando ela tem alguém. E eu sempre procurei. Se eu estava sozinha, às vezes eu queria. “Tá, vou ficar sozinha um tempinho.” Mas eu acho gostoso ter uma pessoa para compartilhar as coisas.
P/1 – Tá legal. Eu acho legal a gente já pode ir encaminhando para o final, Luciene. Queria perguntar para você o que acha, quais são seus sonhos para o futuro? O que você espera daqui para a frente?
R – Gostaria de voltar a dar aula, gosto de escrever, gosto de fazer jardim também, gosto de viajar, quero curtir mais a minha casa de praia.
P/1 – Você tem um sonho, algo que você acha que ainda você não realizou aqui?
R – Ter um neto. Não depende de mim, mas acho que deve ser o maior barato ser avó. Gostaria muito de ser avó.
P/1 – Você já falou isso com o Rafael?
R – Sim. Eles até já estão tentando. Eu tenho uma vida legal. Eu gosto de aprender, talvez voltar a estudar. Às vezes, eu tenho vontade. Eu estou sempre estudando. Esses cursos de internet, gente, já fiz um monte. Não sei se vocês já ouviram falar nesses cursos online. É isso. Quero continuar aprendendo. Quero tentar ensinar o que eu sei. Quero fazer mais projeto. Quero viajar mais. Ainda tem coisas no mundo, muitas coisas para ver. Agora, com a Copa da Rússia, eu vi, nossa, a Rússia deve ser muito linda de se ver, né? Então, tem muitos lugares para serem conhecidos.
P/1 – Tem alguma pergunta que você quer fazer?
P/2 – Você escreveu um conto de romance. Você pretende fazer um livro de romance?
R – Eu até já tenho um livro. Já tenho um livro. É que, quando você publica um livro e que você não é conhecido, você paga por ele. Então, eu só preciso agora estar com mais disposição pra isso, pra publicar, gastar. E, daí, você faz o livro, você tem que divulgar, você tem que vender. Então, todo esse processo precisa de disposição. Mas gosto muito.
P/1 – Que temática você trabalha na escrita, Luciene? Que temas que te...
R – É tão variado! Eu vou deixar meus livros aqui para você ver. Porque, nesse livro aqui, o conto é erótico. E aqui já é uma coisa completamente acadêmica. Eu gosto de escrever. Eu leio muito. Então, quando você lê muito, você expande, né?
P/2 – E o que você tem escrito é acadêmico ou é mais romântico, erótico?
R – É, uma vez, uma menina que fez Letras, ela falou que podia ser classificado como romance fragmentado. Não sou da área de Letras, mas foi o que ela disse.
P/1 – Qual é o seu autor favorito?
R – Olha, eu gosto de vários. O Rubem Fonseca, eu acho um autor legal. Machado de Assis, apesar de ser antiquíssimo, é legal. Semana retrasada, eu li um livro superantigo do Marcos Reis, Memórias de um Gigolô, que eu achei um barato. Eu estou sempre lendo. Olha, até dos livros do Jô Soares eu gostei. Paulo Coelho. Eu sou eclética. Eu gosto de um monte de coisa. E tem vários de outras nacionalidades, só que agora não me vêm o nome.
P/1 – Tem mais alguma questão? Já para encerrar, eu queria que você contasse para a gente o que você achou dessa experiência de vir aqui e a sua história fazer parte de um museu de histórias?
R – Ah, eu adorei. Achei incrível. Vocês são muito bonitinhos. Com umas carinhas muito doces, uns sorrisos muito sinceros. E, desde que eu vi, eu descobri na internet esse Museu da Pessoa, eu achei interessantíssimo. Falei: “Nossa, quero fazer parte”. Que legal dar um depoimento que sirva para alguém, que sirva para alguma coisa. De inspiração. Tipo: que as mulheres vejam e falem: “Nossa, ela teve coragem, casa e separa, casa e separa e continua acreditando em relacionamento”. Sim, estive no meio de tiroteio e enchente e gente morta, e não perdi a confiança no ser humano. E acho que uma sugestão é que as pessoas procurem aprender o tempo inteiro. E, depois de aprender, tentar ensinar o que aprenderam.
P/1 – Está ótimo então, Luciene. Foi ótimo. Eu agradeço muito.
R – Eu que agradeço.
P/1 – A sua participação no projeto.
R – Muito obrigada.Recolher