A gente se falou um bom tempo por telefone até se encontrar. Eu conversava com ele, mas só o tinha visto uma vez ou duas. Falei: “Diz que roupa você vai estar, para facilitar.” Ele: “Vou com uma calça cinza com listra branca e uma camisa amarela com listra preta.” Eu pens...Continuar leitura
resumo
Essa história narra a vida de Jailde Dantas dos Santos Teixeira, ou simplesmente Jady, como prefere ser chamada. Filha de pais baianos, foi nascida e criada em São Paulo, lugar onde vive até os dias de hoje. Com uma infância não muito fácil, por conta de perder a mãe muito cedo, ter que lidar com deveres domésticos junto aos irmãos e não "compreender" o porquê de mulher não poder fazer isso ou aquilo, hoje é uma mulher firme e dona do seu próprio nariz, pois na sua adolescência era confundida em se interessar pelos rapazes por conta de seu jeito "alegre", que o seu pai insistia em dizer que "não era bom para uma moça". Hoje casada com o amor da sua vida e mãe de duas filhas, Jady tem muitas alegrias e tristezas, que viraram seu aprendizado para a vida.
história
.jpg)
Roda-gigante

Varre varre
história na íntegra
- Vídeo na íntegra
-
Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
Todo lugar tem uma história para contar: Memórias da Zona Norte
Jailde Dantas dos Santos Teixeira
Entrevistada por Diego Silva dos Santos e Fernanda Augusta de Morais Melo
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV07
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Qual é o seu nome?
R - Meu nome ...Continuar leitura
Todo lugar tem uma história para contar: Memórias da Zona Norte
Jailde Dantas dos Santos Teixeira
Entrevistada por Diego Silva dos Santos e Fernanda Augusta de Morais Melo
São Paulo, 13 de setembro de 2018
Entrevista ZN-HV07
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Qual é o seu nome?
R - Meu nome é Jailde Dantas dos Santos Teixeira.
P/2 - Você nasceu onde e o dia do seu nascimento?
R - Eu nasci em 27/04/1964. Nasci aqui em São Paulo, capital, Zona Norte.
P/2 - Eu sei que aqui só quando a galera quer brincar que te chama de Jailde, que todo mundo te conhece como Jady. De onde que surgiu esse apelido?
R - Meu primeiro namorado falava que o meu nome era horrível, então, ele falou assim: “pode ser Jady?”. Eu falei: “é melhor, eu também gosto”. Eu não gosto do meu nome porque eu não sei a origem, meus pais não souberam nunca me explicar sobre a origem do meu nome. E aí ficou Jady. E aí veio o meu segundo namorado, que é o meu marido, falou assim: “Jady, se eu tivesse dinheiro, eu pagaria para mudar o seu nome, porque Jady é muito lindo, esse Jailde não combina com você”. E hoje, muitas vezes, quando alguém me chama pelo nome eu não atendo, é o meu nome oficial. Eu não atendo porque eu não gosto também. Mas a minha maturidade me deixa aceitar, mas eu prefiro Jady também.
P/2 - Normalmente Jady com Y, não é? Foi você que escolheu o Y?
R - Isso. Não, foi o meu marido. Engraçado, porque as pessoas querem escrever com D E, porque dizem que é uma pedra preciosa. Eu adoro ouvir isso, mas é Jady com Y, eu costumo por com Y.
P/2 - Você falou do seu primeiro namorado, mas a gente queria saber um pouquinho de antes, da história do seu pai, da sua mãe, o nome deles.
R - Meu pai se chamava Eustáquio Cipriano dos Santos, minha mãe Maria Dantas dos Santos. Eles vieram da Bahia, somos de uma família que tem oito irmãos e já tinha o meu irmão Jair, a minha Jaci, que são os mais velhos, e eu nasci aqui, em 64, nessa região mesmo que a gente está, em Jardim Tremembé. Meu pai não tinha nenhuma formação, minha mãe era professora primária, e meu pai acabou se tornando taxista e tinha alguns comércios, por exemplo, no natal e no ano novo ele vendia cabrito, carneiro, porco, enfim, ele até criava isso, aqui na região também. E minha mãe era só do lar mesmo, só cuidava da casa. “Só”, mas é muita coisa, eu não sei cuidar da minha casa até hoje. Era interessante porque ela era uma pessoa que, apesar de ter morrido muito cedo, ela morreu com 40 anos, eu tinha 13 anos, era frágil, de um ponto de vista que ela estava fora da cidade de origem, fora da aproximação dos parentes dela. Você sentia que ela era frágil porque ela sentia falta da família dela, mas por outro lado ela era uma guerreira no sentido de cuidar da gente, cuidar do meu pai, cuidar da casa, ajudar o meu pai de tudo quanto é forma para nos sustentar, nos criar. Então, hoje, sou mãe, olho para trás e vejo uma pessoa muito especial que eu não via antes de ser mãe, que eu achava que ela precisava dar mais carinho, mais atenção. Me sentia muito mal por ela não estar com a gente até agora, quando ela faleceu a minha vida praticamente se transformou porque, primeiro, eu era a criança que não fazia nada em casa, só estudava. Quando a minha mãe faleceu, a minha irmã mais velha e o meu irmão já trabalhavam fora, então, tinha que ajudar em casa e estudar. Então, a minha obrigação era cuidar da casa e cuidar dos meus irmãos. Eu não fazia isso, não cuidava nem de mim mesma, foi um pesadelo essa fase para mim. E até eu entrar na adolescência, foi muito difícil aceitar, eu achava que não era justo. Meu pai, apesar de ter casado três vezes anteriormente, ele abre mão de casar novamente porque ele achava que nenhuma mulher ia aceitar ele com os oito filhos que ele tinha. Na verdade, eram sete e um era adotivo. Então, foi muito difícil a minha infância nesse sentido, de compreender a situação que a família vivia. Enquanto taxista, ele tinha um salário meio incerto. Enquanto uma pessoa que não tinha grande formação, ele também educou da forma que ele talvez tenha sido educado, com muita dificuldade, com muita limitação, e eu falava assim: “a ignorância dele, eu perdoo”. Porque eu acho que ele foi um herói, se pensar do lado que ele dedicou a vida dele para a gente. Eu fui crescendo. Na adolescência, a minha irmã mais velha decidiu fazer faculdade de economia, trabalhava na área, aí chegou a minha vez e eu comecei a trabalhar. Meu primeiro trabalho foi terrível, foi numa loja de vestidos de noiva e eu não vendia nada, eu achava horrível falar para a pessoa que ela estava linda sem ela estar linda. E a dona da loja brigava comigo, ela falava: “Jady, você vai me levar à falência desse jeito, porque se a menina falou que está bonito, você tem que aceitar que está bonito”. Então, a dona Carolina falava assim: “se ela falou assim ‘eu gostei’, você vai falar ‘tá bom, então, é esse que você vai levar’, não falar que está feio, que não combinou”. Ela tentou mais um mês, dois, aí ela falou assim: “não, Jady, não dá. Eu vou te pôr no caixa porque senão a gente vai ter que fechar a loja”. E nisso eu entrei na faculdade, decidi fazer psicologia, até porque eu vi uns programas no rádio, que eram muito interessantes, de aconselhamento e eu achava bacana alguém estudar para ajudar o outro a pensar melhor ou para se entender ou se encontrar, foi por isso que eu escolhi fazer psicologia. Nessa época eu saí da loja de noivas, uma amiga me convidou e me apresentou numa empresa que era um restaurante industrial, que eu ia ser supervisora. Também nem sabia o que era aquilo, mas ela falou que dava para eu fazer e eu falei assim: “ótimo”. Principalmente por eu não trabalhar aos sábados, porque eu estudava sábado também, então, eu tinha que sair do serviço e ir direto para a faculdade, chegava lá muito tarde.
P/1 - Ótimo. Agora a gente volta a infância, de novo.
P/2 - Vamos voltar um pouquinho. Você falou dos seus irmãos, que eram oito, contou uma coisa que eu não sabia, que você tem um irmão adotivo. Eu sempre tive a curiosidade de saber se todos eles começam com J, porque eu conheço a Jaci, a Janete.
R - Sim. Até o adotivo, que não se chamava Júlio, o nome dele era Claudio, meu pai registro novamente como Júlio. Não sei, legalmente, o que queria dizer isso, mas ele foi lá no cartório, levou o registro anterior, levou a mãe, levou a senhora que estava doando-o e registrou ele como Júlio Dantas dos Santos.
P/2 - E qual é o nome dos seus irmãos?
R - Verdade? Eu lembro de todos. Jair, Jacir, meu nome, Jailde, depois vem o Jilson, depois vem o Jailson, depois vem a Jilvani, depois vem a Janete e depois vem o Júlio.
P/2 - E você é a terceira?
R - Terceira, isso.
P/2 - Você lembra da sua infância, dessa casa que vocês moravam? Vocês moraram na mesma casa a vida inteira?
R - Antes dos seis anos eu morei em Tremembé, que é aqui próximo, e depois dos seis anos meu pai conseguiu comprar uma casa, de onde eu só saí depois de casa, mas eu tenho irmãos que moram lá ainda e meu pai faleceu, quando ele faleceu, foi nessa casa.
P/2 - Dessa casa, ou da outra do Tremembé, você tem alguma lembrança de algum lugar que você gostava de brincar? Uma lembrança da infância, com as suas irmãs, com os seus irmãos?
R - Me lembro que o quintal era muito grande e eu ficava muito triste porque tinha que varrer toda semana e era uma coisa que, ao mesmo tempo que eu gostava, eu achava que era ruim, porque não acabava mais de varrer e meu pai queria que a gente varresse toda semana. Lembro que quando a minha mãe faleceu, em 78, e eu acho que até para compensar essa perda, nós não tínhamos televisão em casa e meu pai comprou uma televisão, pequenininha, mas comprou. E também com a televisão, ele comprou um tapete. Sabe aquele tapete grande? E o meu maior pesadelo era aquele tapete grande, sabe por quê? Porque ele comprava uma caixa de sabão, jogava no tapete e fazia eu lavar. Nunca acabava de sair o sabão daquele tapete. Então, é uma lembrança que até hoje, quando eu estou limpando a minha casa, eu dou risada. Era o jeito que ele tinha para ensinar, era o jeito que ele sabia fazer, mas na época foi muito triste. Outra coisa muito triste, que eu lembrei agora, não tinha água encanada, não tinha máquina de lavar. Meus irmãos usavam calça jeans, então, era um pesadelo, quando eu podia, eu jogava fora, justamente porque eu não conseguia lavar. Eles cuidavam dos porcos, cuidavam de planta, meu pai ia para a feira, então, a roupa deles era muito suja pelo trabalho que eles realizavam. Gente, mas era terrível, eu não conseguia ficar ali. Meu pai fazia eu lavar, ele explicava, tinha que molhar um pouquinho, passar um pouco de sabão, esfregar de novo. Pra mim era um martírio. Eu não fazia isso sozinha, minhas irmãs me ajudavam, mas a minha parte era muito ruim. Quando meu pai não estava olhando, às vezes eu jogava roupa fora. E agora eu fico pensando, que coisa, não faz sentido. Era tão sacrificado a gente ter a roupa e eu ainda jogava fora, porque eu não conseguia lavar. É uma coisa que eu lembro muito bem. E uma coisa que marcou muito a minha vida, e que hoje eu estou conseguindo lidar melhor com isso, é sobre a minha situação de saúde. Eu tive reumatismo no sangue, febre reumática, e eu usava isso para chamar a atenção dos meus pais, então, eu sempre fui a mais doentinha, a que não podia fazer nada, a que meu pai mais protegia. E esse choque que deu quando a minha mãe faleceu, eu acho que foi justamente isso, até, então, eu era a mais mimada, mesmo tendo os menores que eu, cinco abaixo de mim. Eu passava mal, tinha febre, com tudo eu ficava mal, então, o meu pai me dava muita atenção e essa mudança, quando a minha mãe faleceu, foi muito impactante na minha vida. Mas hoje eu vejo isso como uma coisa positiva, mas até bem pouco tempo, até antes de casar, isso me causava muita dor e muita mágoa, hoje eu não tenho isso, nem em relação ao meu pai, nem em relação à minha mãe, nem em relação à vida, nem em relação às minhas irmãs, que por outro lado eu achava que ele agora protegia elas e não a mim. Mas não era bem assim, não.
P/1 - Você lembra de alguma situação, alguma história que aconteceu, você tendo que dar conta deles, alguma arte que fizeram dentro de casa?
R - Uma arte que nós fizemos?
P/1 - É, alguma brincadeira.
R - Eu me lembro. No final da rua tinha um morro, literalmente, um barranco, que a gente adorava escalar, e eu era a única das meninas que adorava brincar de jogar bola, empinar pipa e brincar naquele bendito morro. E eu me lembro de uma brincadeira que eu fiquei muito triste. As meninas eram minhas amigas, mas elas fizeram uma maldade tão grande, não foram os meus irmãos, foram as minhas amigas. A gente estava escalando uma corda, então, duas segurando e eu subindo, quando eu estava prestes a concluir, elas soltaram a corda. Até hoje, eu também estou conseguindo lidar com isso, mas foi uma coisa que me marcou muito, porque eu achei uma maldade sem par, elas não tinham o direito de fazer isso. Aí desmaiei, passei mal, fiquei muito mal, e isso me causou muito mal porque essa ideia de que elas fizeram por maldade me incomodava muito, porque eu não tenho essa certeza, eu que pensei, não foram elas que falaram “bem feito”, nem “eu fiz por querer”, mas isso mexeu comigo durante muito tempo. Hoje não mais, hoje até tenho contato com algumas delas e a gente leva numa boa.
M1: Como que era a sua relação com os seus irmãos?
R - Com as minhas irmãs?
M1: Isso.
R - Antes dos 13 ou depois dos 13?
M1: Na infância.
R - Como eu falei, eu tinha esse problema de saúde e eu acho que eu me apegava a isso para ter a atenção da minha mãe, que fazia o que ela podia e mesmo assim eu achava que era pouco, eu tenho consciência disso. Eu era muito mais apegada ao meu pai, que também me superprotegia, gerava até conflito às vezes por meu pai dar muita atenção para mim. Eu tinha mais sete irmãos, então, hoje eu faço a leitura muita clara, como eu fui cruel também, não foi a vida que foi cruel, eu fui cruel com eles nesse sentido, mas foi a minha forma de requerer carinho e atenção deles. E a minha irmã mais velha, hoje eu acho que eu sou igual a ela, mas antes, para mim ela a modelo, a minha referência, porque eu não tinha mais minha mãe. Muitas vezes eu me senti muito mal por achar que ela não me dava o carinho que ela tinha que dar. Só que a diferença é só dois anos de idade e hoje eu concluo que ela não tinha para me dar também, ela também queria. Mas, durante muito tempo, eu ficava muito chateada com ela porque ela cuidava dos meus irmãos, ela protegia os meus irmãos e a mim não. Por quê? Hoje eu compreendo que a diferença de idade é só dois anos, não é diferença, ainda mais para criança. Quando somos adultos, menos ainda, mas quando é criança não é diferente essa faixa etária, essa necessidade. Ela também era muito apegada a minha mãe e eu sinto que ela sentiu muita falta dela. Eu era muito apegada ao meu pai, aí inverteu, porque ela passou a cuidar do meu pai, passou a ser a referência do meu pai e eu me afastei, isso me fez muito mal. Mal para mim enquanto pessoa, mal para a relação com os irmãos. Mas a gente nunca fui de se largar, um sempre cuidando do outro, mesmo com essas diferenças. Em relação somente a ela, porque os outros sempre foram muito tranquilos, até o meu irmão mais velho.
P/2 - Na escola, você estudou sempre na mesma escola? Era perto da sua casa? Como que era?
R - Eu estudei em três escolas. O primário foi numa escola próxima daqui também, na escola Judith Guimarães. Eu fiz o meu primário e comecei o meu ginásio lá. Eu sempre tive muita dificuldade em aceitar a minha imagem, de gostar de mim mesma. Hoje eu tenho explicação para tudo isso e, como eu falei, (inint) [00:18:14]. Eu sempre me achava desajeitada, mais feia, mais desarrumada, menos importante, sempre foi dessa forma. Foram anos muito difíceis para mim, até o ensino médio. No ensino médio já melhorou um pouco, mas antes disso foi muito complicado, tanto o primário como o ginásio. A minha relação com as pessoas, eu sou muito pegada, eu gosto muito de aproximação. Hoje eu vejo que tem uma medida, hoje eu percebo que não é do jeito que eu pensava quando eu era criança.
P/1 - Teve alguma história no primário ou no ginásio? Uma história de algo que aconteceu?
R - Eu me lembro, na quinta série, por exemplo, eu tinha o desfile da fanfarra e tinha que comprar o uniforme. Nem pensar, minha família não tinha essa condição. Aí alguém me arrumou uma luva, eu mandei fazer uma calça, mas ficou transparente demais, uma calça branca e a túnica, porque tocava um instrumento. E eu me lembro que a professora falou assim: “não, você não pode porque essa calça é muito transparente”. Eu falei: “mas eu mandei fazer e era o que eu tinha”. “Não, você não pode desfilar. Então, arruma uma fantasia, você vai desfilar com uma fantasia. Tem que ser uma sandália dourada”. Eu acho que o tema era Brasil ou Carmen Miranda, alguma coisa assim. Eu falei: “a sandália eu arrumo”. Eu não sei que problema que deu, eu sei que eu não peguei a minha sandália na hora da professora distribuir, eu peguei a sandália da menina que eu achei mais bonita e depois a professora descobriu. Gente, que vexame, que vergonha. Eu não achei que eu estava roubando a menina. Hoje eu olho e imagino a cena.
P/1 - Mas conta o fim. E depois, como foi?
R - Eu peguei a sandália, a professora descobriu e eu tive que devolver e aí eu não fui ao desfile porque eu fiz uma coisa errada. A professora falou assim: “não, não está certo. E você nem tem o resto da fantasia, também não vou te ajudar”. Isso ficou muito marcado, de você não ser capaz, de você não ser merecedora, marcou muito a minha adolescência, a minha infância. Isso é uma história triste, mas tem outra história legal. Eu tinha uma tia, cunhada do meu pai, que frequentava a nossa casa e era muito legal, porque não tinha televisão no início e no dia que ela ia ele comprava pão com frios e café com leite. Então, era maravilhoso, porque a gente comia essas coisas, que a gente não comia diariamente, e também porque ela contava histórias de assombração, de fantasma, essas coisas. Então, a gente fazia pipoca e a gente sentava todo mundo em volta dela e ela contava as histórias para a gente. Era terrível, depois a gente não conseguia dormir, mas era tão divertido, porque a gente ficava depois lembrando e recontando a história do jeito que a gente tinha entendido. E eu lembrei de uma coisa que eu quero falar. Eu me lembro que a gente ainda não tinha televisão e essa minha irmã tinha que ler um livro, para a escola, que se chamava Escaravelho do Diabo, eu acho que é isso o nome do livro. Ela, no final da tarde, contava essa história. Eu não sei o fim, eu não lembro, mas aqui na associação, a gente tem livros e tudo, eu quero retomar e quero ler esse livro até para eu trazer as minhas lembranças, que foram momentos muito bacanas. Meu pai e todos nós sentávamos em volta dela e ela lia a história. Então, é um momento que eu achava muito legal da parte dela, da parte do meu pai, que talvez tenha sido ele que tenha pedido, ou a iniciativa dela de ter lido a história para a gente. Foi muito bacana.
P/2 - Você falou da escola, teve algum professor que te marcou por algum motivo, além dessa da sandália?
R - Sim, a minha primeira professora, Maria Aparecida, eu a achava linda. Ela tinha o cabelo super arrumado, usava batom, vestia umas roupas maravilhosas e eu ficava imaginando: como será que ela se arruma tanto, como que ela chega na escola tão bonita? Isso era uma coisa que sempre me vem na lembrança. E a professora da terceira série, que era outra professora que eu admirava bastante e que eu tinha amizade com as filhas dela. Então, ela vinha, trazia as filhas e dava aula e era muito bacana porque ela andava muito bem arrumada, combinava as coisas. Na época, tinha umas camisetas que eles cortavam um pedaço da camiseta e faziam tipo crochê e eu ficava assim: “quando eu crescer eu vou trabalhar e eu vou comprar uma dessa para mim”. Porque eu achava o máximo e hoje eu olho que não é tudo isso, mas era uma coisa que eu admirava. Ela tinha bom gosto de combinar as roupas, de se vestir, de maquiar, de cortar o cabelo e eu achava lindas as filhas dela porque chegavam todas arrumadinhas, todas bem limpinhas e eu falava assim: “mas um dia eu ainda vou ser assim”. E por último, o meu professor de literatura no ensino médio, que era uma pessoa simples, mas que transmitia conhecimento, vontade que a gente aprendesse. E ele tinha sido professor da minha irmã mais velha. Eu me sentia muito bem, às vezes não entendia o conteúdo da escola, da literatura portuguesa, mas eu admirava ele demais pelo conhecimento e pelo esforço que ele fazia para nos passar conhecimento. Era muito bacana, eu tenho a imagem dele comigo até hoje.
P/1 - Qual é o nome dele?
R - Professor Milton, do Angelo Bortolo. Era um professor muito bacana.
P/2 - Nessa época da adolescência, da infância, você pensava em ter alguma profissão? Eu vi que você admirava os seus professores, mas você pensava em, de repente, ser professora ou outra coisa?
R - Eu acho que quando eu era bem mais nova, desde o primeiro ano, que a gente foi para a escola, eu via a professora e queria ser professora. Aí eu fui no dentista, aí eu queria ser dentista. Porque você via aquele profissional trabalhando, falando com tanta propriedade do que ele fazia, então, eu queria ser médica, eu queria ser dentista, eu queria ser professora, eu me lembro disso. E eu me lembro que na minha adolescência eu decidi ser psicóloga, ter a formação, por conta de um programa de rádio. Eu estou tentando me lembrar o nome dele, é super famoso, ele ainda é vivo. Mais legal ainda é que quando eu entrei na universidade, teve uma palestra com ele, professor Jacob Pinheiro Goldberg, ele é um psicanalista. Eu chorei tanto no dia que eu conheci ele pessoalmente na palestra dele, porque ele passou um filme, Um Estranho no Ninho, não sei se vocês já assistiram, com o Jack Nicholson. Apaga a luz, ascende a luz, eu chorava tanto pelo personagem, pela história que foi passada, como pela explicação. Eu falava assim: “eu não estou no rádio, ele está aqui pertinho de mim”. Eu fiquei muito encantada de ter tido essa oportunidade, foi muito bacana.
P/2 - É legal ouvir que você tem essa lembrança do rádio, porque você falou que a televisão chegou na sua casa só quando a sua mãe faleceu, depois dos 13 anos. Você tem muita lembrança de rádio? Além desse programa, qual era um outro programa que você gostava na rádio?
R - Vocês não vão dar risada? Não vale dar risada. O Zé Béttio, eu adorava ouvir ele contar história. O Eli Corrêa lia umas cartas fantásticas. E no programa do Zé Béttio tinha uma música que ele cantava lá, eu não me lembro se é do Tonico e Tinoco, que é uma dupla sertaneja, que a letra da música falava assim: “Estou de longe escutando, alguém está chorando com o rádio ligado”. Eu lembro de uma surra muito grande que eu levei da minha mãe e eu escutei essa música, eu pensei: “será que ele está me vendo?” Toda vez que eu escuto essa música eu dou risada para mim mesma. Eu tinha a impressão que o cantor, que estava cantando aquela música, ele estava me vendo. Eu falei assim: “eu acho que o rádio tem alguma coisa que eles conseguem ver a gente”. Hoje a gente tem, a câmera, mas era interessante porque não tinha na época, mas eu tive a sensação muito clara que parecia que o cantor estava me vendo. Do rádio mesmo, tinha essa dupla que se chamava Tonico e Tinoco, teve um circo no bairro e eles foram. Eu me lembro tão claro que a gente foi comprar os convites para ir assistir essa dupla, foram todos os filhos, a minha mãe e o meu pai. Foi muito bacana, é uma lembrança muito bacana.
P/1 - Você consegue descrever a cena? Todos os detalhes.
R - Eu me lembro que o circo estava sendo armado e nós fomos lá, meu pai perguntou quanto que seriam os ingressos e ele comprou os ingressos pela manhã e à noite nós fomos. Me lembro que tinha uma arquibancada de madeira, até hoje quando eu subo numa arquibancada me vem muito nítida essa imagem. Eu me lembro que eu estava com um vestido vermelho de lã de manga comprida e minha mãe falava assim: “segura direito esse vestido porque você está subindo no lugar e vai mostrar toda a sua calcinha”. E foi muito interessante porque eu me lembro perfeitamente do vestido e me lembro da roupa dos artistas, da dupla Tonico e Tinoco, que era um colete de seda preto.
P/1 - Eu vou pedir para você começar de novo a história do circo, pode ser? Quando o seu pai foi contar ingresso, conta de novo para a gente, que senão vai ficar muito ruim.
R - Uma lembrança boa que eu tenho é que a gente não tinha televisão, tinha o rádio. Chegou um circo no bairro e vinha a dupla sertaneja que a gente gostava de ouvir, que era Tonico e Tinoco. Meu pai foi até lá, no período da manhã, comprar os ingressos e foi a família toda assistir. Eu me lembro da arquibancada onde a gente estava subindo e a minha mãe me chamou a atenção, que para eu segurar o meu vestido porque senão iam ver toda a minha roupa porque era alto. Me lembro do vestido, me lembro da roupa dos cantores, um colete de cetim com listras vermelhas e pretas, muito lindo. Hoje nem imagino como ia ficar, mas na época eu achei o máximo, muito lindo, muito gostoso, é uma emoção muito grande para eu ter essa lembrança.
P/1 - Você ficou emocionada quando viu?
R - Eu fiquei muito emocionada. E eu sempre fui muito falante, então, pedi para o meu pai para ir lá perto e consegui chegar perto. Até hoje, quando eu escuto esse tipo de música, há uns dez anos, eu fui onde os meus pais nasceram e na casa que foi da minha mãe, dos pais dela, tinha um rádio igualzinho o que eu tinha em casa. A sensação é que você volta no tempo, você é diferente, mas você se vê como você era, então, foi muito bacana, uma sensação muito boa de lembrar. Então, mesmo com todas as dificuldades da infância, teve esse episódio da escola, teve esse episódio de cair do barranco, era muito legal porque você brincava na rua, você empinava pipa, você jogava bolinha de gude. Era difícil, nem tudo o que você tinha vontade você conseguia, mas tinha a minha família, meu pai estava ali, minha mãe estava ali, meus irmãos todos estavam ali e hoje eu procuro fazer isso com a minha família. Eu tenho duas filhas e eu procuro não perder esse vínculo de viver alguns momentos. Se for para almoçar, almoçar junto; sair num aniversário da família, todos. Elas já são adultas, 21 e 25 anos, mas eu faço questão da companhia delas e do meu marido porque eu acho que é isso que eu vou deixar para elas, não é outras coisas, é isso, as lembranças.
P/2 - Sabe outra coisa que eu fiquei curiosa de saber? Do rádio, do aparelho. Você sabe dizer como ele era, se era grande?
R - Não era assim, era desse tamanho, era enorme. Era um rádio de madeira clara e onde era o alto-falante tinha uma telinha bege, então, era meio marrom, de madeira, com a telinha meia bege, onde sai o som, e os botões eram marrom também. Mas era enorme, era grande. Tinha muita música bacana e tinha muitos momentos de história.
P/2 - Tinha radionovela?
R - Eu me lembro que tinha, mas não me lembro de nenhuma agora. Lembro de alguns sons que eles faziam, mas eu não me lembro para contar, mas eu me lembro que tinha, tinha os momentos de você parar e ficar escutando história, então, acho que era novela mesmo. E tinha os programas que liam cartas, que liam histórias, que procuravam pessoas, enfim, era bem bacana, eu gosto muito desse tempo.
P/2 - Eu queria saber do seu primeiro namorado, que te deu o nome de Jady. Como era o nome dele?
R - Não era bem o meu primeiro namorado. Acho que era.
P/2 - Não foi o seu primeiro beijo?
R - Eu vou te contar a história bem direitinha. Esse que me deu o nome não foi o meu primeiro namorado. Mas eu acho que não tiveram outros sabe por quê? Porque eu gostava, mas só eu que sabia que eu gostava das pessoas, era meio imaginário, platônico que fala. Porque eu gostava de um menino da rua, que gostava da minha amiga. Gostava, mas só que ele não sabia que eu não gostava dele, eu nunca falei para ele, então, não era namorado. Esse rapaz, que é o Nivaldo Rodrigues, no meu primeiro trabalho eu pegava ônibus, eu conheci ele no ônibus, que ele servia à aeronáutica. Eu achava o máximo a farda, eu achava muito bonita a postura. A gente pegou amizade e aí não era namoro, mas a gente se encontrava sempre. Não era namoro porque não tinha abraço, não tinha beijo no começo, depois até teve. Mas de início era mais uma amizade, porque ele tinha muita amizade, ele tinha muitas meninas que gostavam dele, tinha muitos amigos, e ele morava próximo da minha casa. Ele falava que o meu nome era horrível. Tinha uma música dos Beatles que ele inventava e colocava Jady no meio e eu ficava super feliz e achava mais bonito. Sabe que o meu marido não sabe dessa história? Eu não me lembro de ter contado essa história para ele, do significado de Jady, agora me veio na cabeça. Mas ele é muito tranquilo, então, com certeza, se eu falar isso para ele, ele vai entender e vai acreditar.
F1 E o primeiro beijo foi com quem, então? Você disse que ia contar, em detalhes.
R - Tinha um menino que tinha três amigas que gostava dele, a gente vinha os quatro pelo mesmo caminho e eu era a única que ficava mais longe. A minha amiga gostava dele, normal. E esse menino, que chamava Nelson, um dia falou assim: “vou te levar em casa”. E eu falei assim: “não precisa”. “Mas eu vou te levar em casa”. E as meninas já ficaram meio chateadas comigo, mas eu não tinha culpa. Aí eu falei: “está bem, então, vamos levar uma de cada, depois me deixa em casa”. E quando chegou no fim da minha rua, antes de subir a minha rua, ele me abraçou e me deu um beijo. Aí eu falei assim: “nossa”. Empurrei ele. Aí ele falou assim: “por quê? Você não gosta de mim?”. Eu falei: “eu não, não sou eu que gosto de você, são as meninas, você está errado”. “Eu sei porque você não quer me beijar, porque você não sabe beijar”. Eu falei: “eu não sei beijar, mas não é você que vai me ensinar porque eu não gosto de você”. Esse foi o meu primeiro beijo. E ele espalho para a escola toda que eu não sabia beijar, você acredita? Foi terrível, eu não sabia o que explicar, ele não explicou o contexto todo, ele falou que “ela não beija porque ela não sabe beijar”. E eu falei para ele: “eu não sei, mas não é você que vai me ensinar”. Eu fiquei muito chateada por muito tempo. Depois eu encontrei com ele, a gente até conversou, mas essa história foi terrível.
P/1 - E você não gostava mesmo dele?
R - Não. Eu tinha a companhia dele porque as meninas estavam com ele. E ele vinha conversar comigo porque eu tinha amizade com os irmãos dele, que estudavam na mesma sala, então, meio que enroscou ali, meio que misturou as histórias, eu não sei, eu não gostava dele. Outra história semelhante que aconteceu comigo, que foi o segundo beijo. Eu sempre fui muito falante, meu pai falava para mim que eu tinha que falar menos, que eu tinha que sorrir menos, porque é feio uma mulher que fala demais, porque era feio uma mulher que ficava rindo para todo mundo. Até, bem pouco, eu dei uma segurada, mas hoje eu não acredito mais nisso, então, eu continuo falando e dando risada para todo mundo. Acho eu a minha irmã não sabe dessa história, mas eu vou contar e vou mostrar para ela depois. Tinha um menino que a minha irmã gostava e ele frequentava a casa da gente, mas era a casa da vizinha. E aí eu falei: “vou pegar amizade com ele para eu apresentar a minha irmã”. Um dia ele foi me levar em casa, e naquele tempo era muito comum, “vou até ali com você”. Esse menino veio, me deu um abraço e me deu um beijo. Eu falei: “não sou eu que gosto de você, é a minha irmã, você não tem que me beijar”. Aí ele falou assim: “eu nem conheço a tua irmã”. Depois, eu acho que eles acabaram até namorando. Gente, foi terrível de novo. Que coisa mais sem graça, eu ficava morrendo de vergonha. Não era a intenção, mas aquilo que o meu pai falou, às vezes pode ser que tenha sentido por eu ser tão falante. A minha irmã era muito tímida, mais quietinha, mais comportada, eu não, eu conversava com todo mundo. Na época de criança, vou voltar numa historinha que eu lembrei agora. Meu pai tinha comércio, então, ia muita gente em casa. Tinha os amigos dele, as pessoas que compravam, que eram do sexo masculino, entravam na sala, as minhas irmãs não entravam na sala e os meus irmãos às vezes, mas a mais saída era eu. Eu ia lá, conversava, perguntava, me apresentava, enfim, tinha amizade com todos. Minhas irmãs eram mais quietas, são mais quietas até hoje.
P/1 - A mais velha também?
R - A mais velha é a mais quieta, pelo fato dela ser mais apegada a minha mãe talvez. Minha mãe também não entrava na sala quando o meu pai estava com os amigos dele, eu achava isso um absurdo. E meu pai me chamava a atenção falando isso, que não era legal eu ser muito falante, que não era legal eu ficar sorrindo muito, que para uma mulher ficava feio, era chato. E hoje eu tenho uma dificuldade imensa de falar. Hoje não mais, porque eu acho que isso eu também estou compreendendo. Eu sempre falei muito baixo por conta disso e as pessoas me questionam e me cobram, “fala mais alto, que eu não estou entendendo”. E ao mesmo tempo eu também não escuto muito bem, eu uso aparelho e às vezes, quando eu estou muito chateada, eu tiro o aparelho, eu não quero escutar mesmo. Mas sobre a minha fala tem essa história que é legal de falar.
P/1 - Você falou que usa aparelho auditivo, como foi esse processo? Que sensação que você teve em usar?
R - Fazem três anos que eu uso, mas as pessoas sempre se queixam que eu não falo alto e eu me queixo que as pessoas falam baixo. Eu tenho a impressão de que quem fala alto comigo está gritando, mas eu não escuto. De uns quatro anos para cá, participando de muitas reuniões, isso começa a incomodar as pessoas, porque eu não consigo acompanhar quando eu estou sem o aparelho e aí eu começo a perguntar e eu percebo que isso incomoda. Então, com colegas de trabalho, com gerente de um serviço, eu começava a perguntar para as pessoas, “espera que eu já te falo”, isso me deixava muito chateada e também me deixava chateada por estar incomodando. Minhas filhas, quando entraram na adolescência, nós vamos muito no cinema juntas com o meu marido também, e aí eu ficava perguntando, mesmo no cinema o que tinha acontecido, eu não entendia, “mãe, vai no médico ver o que está acontecendo”, isso há uns quatro anos. E de fato eu fui e eu tenho uma perda muito grande de audição, em torno de 60% em cada um dos ouvidos e aí eu passei a usar aparelho. Mas eu percebo que quando eu estou muito incomodada, eu tiro, de propósito. Hoje eu não tirei de propósito, eu estou fazendo um novo aparelho.
P/1 - O que incomoda?
R - Muito barulho. Eu falo assim, que é muito barulho do meu pensamento e do ambiento. Me incomoda muitos barulhos externos. Se eu estiver conversando, é ótimo, porque eu estou ouvindo você falar, mas quando eu estou, por exemplo no trânsito ou quando eu estou fazendo alguma tarefa, me incomoda o barulho externo. Mas é muito bacana quando você escuta as pessoas falar, é gostoso, nisso eu tinha muita dificuldade. Mas eu nunca tinha pensado até as minhas filhas se queixarem muito, eu passar por situações constrangedoras por estar perguntando para a pessoa, para ela repetir o que ela falou.
M1: Voltando aos beijos, quando foi que você deu o primeiro beijo bom, que você se lembra com uma boa recordação do beijo? Quando foi o beijo que você lembra com bom coração?
R - Pode até ter sido outros, mas eu me lembro do meu marido, há 30 anos, que é uma pessoa que até hoje eu admiro muito, que foi um beijo que eu queria, não foi um beijo tirado. Me lembro também de outra história. Me lembro de uma formatura da minha irmã mais velha, tinha um rapaz que eu gostava dele, ele me deu um beijo no rosto. Esse eu me lembro com carinho, que não foi também um beijo que eu quis beijar, mas eu me lembro com carinho. E do meu marido, que não me incomodou. Daí para frente só com o meu marido.
M1: E Como foi que aconteceu esse beijo?
P/1 - Onde você estava?
R - No primeiro encontro que eu tive com ele, que ele pediu para namorar comigo, em que a gente estava na roda gigante. A gente foi num parque no Center Norte, aqui perto, e eu o achei muito fofo, primeiro eu gostei muito dele. A gente se falou um bom tempo por telefone até a gente se encontrar, aí a gente se encontrou e fomos para o Center Norte. Lá tinha um parque e nesse dia choveu, eu achei muito lindo ele tirar a blusa para me proteger e depois ele me deu um beijo. Eu acho que nem foi um beijo de verdade, mas aquilo que foi beijo.
P/1 - Na roda gigante?
R - Na roda gigante. Estava começando a chover, foi muito lindo.
P/1 - Conta.
R - Em mais detalhes, então. Eu me lembro que a gente marcou o encontro lá no Shopping Bourbon, lá na Lapa, porque ele morava em Pirituba, eu morava aqui. E aí ele perguntou onde que a gente poderia estar indo, eu falei: “tem o Center Norte, que tem parque, é bem legal”. E me lembro da roupa dele, me lembro do carro que ele foi, da imagem dele. Vou descrever, foi muito engraçado, nem tem a ver com o beijo, mas foi o encontro. Eu conversava com ele, mas eu só tinha o visto uma vez ou duas. Eu falei assim: “mas fala a roupa que você vai estar, para facilitar”. Aí ele falou assim: “vou estar com uma calça cinza com listra branca e uma camisa amarela com listra preta”. Eu falei: “nossa senhora, que horror”. Eu tenho fotos, é linda a roupa dele, não é feia, se ele usasse hoje não estaria feio também, aquela camisa com uma calça jeans. Me lembro que eu falei isso para a minha irmã mais velha e ela: “nossa, Jady, você vai encontrar com uma pessoa que se veste desse jeito? Que horror”. Foi muito engraçado porque ele estava tão lindo. E os sapatos marrom. Combinamos e fomos para o shopping. Conversamos, ele falando da família dele, das dificuldades que ele passava como filho mais velho, o trabalho que ele fazia, ele trabalhava numa metalúrgica, que ele gostava muito, ele gostava de ajudar a família, a mãe e os irmãos, porque ele não tinha pai. Eu me lembro que ele segurou na minha mão e me deu um beijo, mas você sabe quando dá um beijo de susto, para ver se você aceita ou não? Eu acho que foi isso. Eu me lembro desse, eu não me lembro mais detalhes. Eu me lembro que foi um dia muito bacana e que eu não me arrependi de ir, mesmo com a camisa amarela com listra preta. Contei para a minha irmã que ele era lindo, alto. Nada contra os baixinhos, meu pai era baixinho. Eu falava assim: “o único baixinho que eu admiro é meu pai, o resto tem que ser muito alto”. Ele tem um metro e 84, bem mais alto do que eu. É isso que eu lembro desse encontro.
P/1 - Vocês casaram com cerimônia? Teve cerimônia de casamento?
R - Outra coisa que me chama a atenção é que eu falo assim: “eu fiz tudo que eu queria fazer, tudo que eu sonhei”. Até hoje eu continuo realizando. Eu preciso sonhar mais, porque eu tenho certeza que eu vou realizar. Por que eu falo isso? Eu falava assim: “eu queria arrumar uma pessoa que me respeitasse, que me valorizasse e que cuidasse de mim, mas que eu não fosse depende”. Porque a minha mãe nunca trabalhou fora. Então, eu falava assim: “eu vou estudar, eu vou ter uma profissão”. Porque para mim casamento não era profissão, não era o fim, era uma relação que tinha que evoluir, isso eu tenho comigo desde pequena. Eu admirava demais o meu pai, mas ele era muito machista. Minha mãe não entrava na sala quando ele estava com visita, eu achava um absurdo isso, por isso que eu entrava e bagunçava tudo. Minhas irmãs não saiam para jogar bola, eu adorava jogar bola na rua. Apanhava depois, mas eu jogava bola na rua. Eu empinava pipa. Tudo o que os meninos faziam eu queria fazer. Aí eu dou risada porque hoje eu vejo adolescente fazendo umas coisas meio estranhas e todo mundo fala assim: “porque ele é homossexual”. Eu falei: “nada disso, espera, a coisa não é assim, ele está se descobrindo. E se for, é a escolha da pessoa”. Me perdi.
P/1 - Eu falei do casamento.
R - Como que foi. Eu me imaginava casando na igreja, casando de véu e grinalda e eu fiz tudo isso. Era difícil para mim ir compra o vestido, ele me ajudou. Eu estava me formando na faculdade, então, eu casava, ou eu comprava anel de formatura, ou eu fazia o baile, ou construía a minha casa e eu consegui fazer tudo isso. Ele me deu o anel de formatura, eu consegui ir no baile. Aí depois falamos: “vamos casar”. Casar na igreja, ele era católico de frequentar a igreja, eu, na minha família, não muito. Meu pai não acreditava muito, achava que o padre não era uma boa pessoa, que a igreja não era muito correta e ele não acreditava muito, mas ficou super feliz de saber que a gente ia casar na igreja. Eu me casei na igreja, o motorista foi me buscar em casa, uma amiga minha foi me maquiar em casa, deu para comprar o vestido. Só não tive lua de mel, mas foi uma escolha, porque eu me lembro que na festa, os tios cortaram a gravata, passaram o meu sapato e com isso dava para viajar, mas a gente escolheu fazer uma compra de seis meses, olha só a loucura, porque a gente estava terminando de construir a nossa casa, tínhamos algumas dívidas, então, a gente abriu mão de estar viajando para fazer isso. É muito bacana até hoje, 30 anos, e me casaria com a mesma pessoa, que ele é uma pessoa que é aquilo que eu falei, que me fortalece, que me respeita, que me apoia, que me deu duas filhas lindas, perfeitas. A cara dele é que eu acho ótima, antes eu achava ruim, mas agora o pessoal fala assim: “que filha linda você tem, a cara do pai”. Eu falo: “ainda bem”. Ainda bem que eu tenho bom gosto. Uma vez meu pai falou para mim, quando a minha primeira filha nasceu, falou assim: “como pode você fazer uma filha tão linda?”. Eu falei assim: “porque eu sei fazer, pai, o senhor não soube”. Nunca mais ele falou isso. Então, a relação da gente era meio assim e eu levei muita bordoada, muita cintada, mas por causa dessas falas, porque algumas coisas que eu admirava nele enquanto pessoa, eu não admirava enquanto homem, enquanto uma pessoa da sociedade a relação que ele tinha, então, tinha umas coisas que a gente acabava levando uma boa cintada, ficava de castigo por conta dessas falas, mas eu não me arrependo. Hoje eu teria que falar muito mais, mas pode ser que eu mudaria a minha forma de falar para não agredir tanto, porque hoje eu compreendo que ele só podia me dar o que ele teve e era o que ele me dava, mas na minha adolescência foi muito difícil por causa dessas falas, desse posicionamento. Até o curso de psicologia foi uma dificuldade, porque a minha irmã era para fazer direito e fez economia e eu tinha que seguir a mesma linha porque ela estava super bem, ela trabalhava num banco, ganhava um salário bom e eu falei: “eu não vou fazer isso porque eu não gosto”. E quando eu falei que passei na faculdade, ele ficou triste porque “psicologia? Isso é coisa de novela, isso é coisa que não existe na vida real. Você tem que fazer alguma coisa que dê dinheiro”. E eu falei: “vou fazer. Vou fazer porque eu acredito que eu posso ajudar as pessoas, eu acredito que eu possa ser útil”. E é dessa forma que eu me vejo útil: entendendo e me relacionando com as pessoas.
P/1 - O que vocês faziam para se divertir na época da adolescência, da juventude?
R - Eu, por exemplo, não gostava de baile, eu não gostava de barzinho, até hoje não gosto. Baile eu gosto, porque a minha filha dança, barzinho eu só vou para comemorar o aniversário de alguém. Quando o meu comprou a televisão, tinha o seriado que era Chips, era um seriado de policial rodoviário, era muito bacana. Tinha um programa que a gente assistia todo domingo à noite, que era Telecatch, era luta-livre. Depois eu descobri que era tudo mentira, mas na época era maravilhoso. Apesar que dar porrada um no outro não é legal, mas era divertido. Aí quando eu cresci um pouco mais, esse bendito Telecatch foi na escola, nós compramos ingresso para ir. A gente descobriu que era tudo mentira, que não batia de verdade.
P/1 - Como que você descobriu?
R - Tinha um lutador que se chamava Fantomas, era um homem alto, gordo, com uma capa preta e uma máscara, ele tinha uma perna que era imobilizada, ele tinha algum problema que ele andava com a perna meia dura, enrijecida, e ele era o bonzinho da luta. Tinha um outro que a gente adorava, que era lindo, o Mister Argentina, que era um argentino. Ele era lindo, Fernanda, eu juro. Ele tinha um corpo super esbelto, usava uma sunga branca, uma bota branca, tinha o cabelo redondinho assim e ele era bom, ele era da turma que lutava certo, porque dessa turma também tinha aqueles que eram desonestos, que mordiam, saía sangue, batia cabeça e que pisava em cima, esses não, o Mister Argentina e o Fantomas. Tinha o Ted Boy Marino também. Era muito engraçado. Esses era do lado bom e quando eles começavam a apanhar, porque eles apanhavam também, era muito triste, a gente começava a chorar. Você acredita numa coisa dessa? Porque o que era ruim, ele pegava pelas costas, entrava outro ruim e batia os dois em um só, então, a gente chorava porque o bonzinho estava apanhando. Daqui a pouco, dava um vira volta e o bonzinho ganhava. Então, o Fantomas, eu o conheci pessoalmente, Mister Argentina eu conheci pessoalmente, porque moravam aqui perto, moravam aqui no Tremembé. Depois de muito tempo a gente se conheceu, alguém falou e eu não me lembro como isso chegou até mim, mas eu fui até a casa deles, pegava autógrafo, foi lindo e emocionante. O mais emocionante está por vir, espere. Esses eram os programas que a gente se divertia muito.
P/1 - Aí você foi na escola.
R - Na escola, que tristeza. Aquelas porradas todas não era de verdade, era tudo mentirinha, era tudo encenação, na televisão parecia que era de verdade. Na televisão parecia que eles batiam e a gente ficava triste, porque estavam se machucando, mas por outro lado, depois o mocinho ganhava, ficava tudo bem. Na escola, era a mesma cena, era tudo ensaiado, não era de verdade. Eu fiquei muito triste na época. Eu deveria ficar feliz, porque não era violência, mas eu não tinha essa compreensão. Eu e o meu pai, nós saímos de lá muito triste porque era tudo mentira. Fomos eu, o meu pai, eu não me lembro se foram os meus irmãos, mas eu me lembro de uma amiga. Mas eu fiquei muito frustrada, fiquei muito triste. E depois, passado um tempo, eu conheci o Fantomas, que ele morava aqui perto, e conheci o Mister Argentina, que também era casado, tinha um monte de filho, eu imaginava que ele não era casado, eu ficava me imaginando, casada com um cara daquele. Faz pouco tempo, ele virou taxista, careca, gente, o Mister Argentina era tão lindo. Eu passo de carro, de vez em quando, e dou risada da minha cara. Gente, mas o tempo cruel, eu falo que para mim está sendo maravilhoso, porque depois vocês vão ver a minha foto de quando eu era menor, mas para ele foi cruel. E ficou com aquele cabelo enroladinho só aqui, porque aqui ele é careca. Aquele cabelo que era pretinho, arrumadinho, ficou vermelho, porque deve estar tudo branco, eu acho que ele pinta meio ruivo. Horrível. Mas é a lembrança que eu tenho. Eu lembro da minha mãe fazendo festa junina em casa, que era uma delícia, muito bom, porque o terreno era grande, então, vinha toda a vizinhança e as crianças. Lembro de brincadeiras de roda, de fogueira. Me lembro da minha mãe fazendo um aniversário para o meu pai, fez um pernil desse tamanho, eu me lembro só do pernil. Mentira, eu me lembro disso. Era isso, a diversão nossa era brincar na rua. Tinha uma igreja evangélica que o meu pai não deixava a gente ir, era bem legal isso. Porque lá, eles contavam umas histórias da bíblia, então, gostava de ir. Meu pai não deixava porque ele não acreditava em religião, ele acreditava em Deus, ele respeitava, ele falava assim: “minha religião é respeitar o meu próximo, ajudar quem precisa se eu puder, se eu não puder, eu não vou fazer o que eu não posso”. Porque ele não acreditava no padre, não acreditava no pastor. Mas a minha mãe, quando o meu pai ia para a feira no domingo, falava assim: “vai lá na escolinha dominical”. Tinha um quadro com feltro, então, eles contavam a história e iam ilustrando com os personagens da bíblia e eu gostava muito. Mas a gente ficava olhando para o quadro e olhando para a rua, para ver se o meu pai passava, porque aí a gente tinha que sair correndo. Eu me lembro que as minhas irmãs também iam, mas não me lembro detalhes. Eu me lembro que a minha mãe por um tempo estudou a bíblia junto com uma testemunha de Jeová, eles iam na casa e liam um livro, que deveria ser a bíblia, tinha uma revista, que tem até hoje, que se chama Sentinela, que eles distribuem. E eu me lembro que nessa época também, a minha irmã também fazia esse estudo, essa minha irmã mais velha. Eu me lembro que a minha mãe perdeu um filho com sete meses, ela fez um aborto. Tinha o vizinho da frente que era policial e qualquer coisa que estivesse errado na rua, ele colocava a farda e ia lá brigar com a pessoa, eu achava ridículo isso. E eu tinha um tio que era policial, então, quando esse tio ia em casa eu me sentia tão importante, porque eu achava que policial era autoridade, era segurança. Então, sabe aqueles ternos que eles usam hoje, que é só de gala eu acho, com os botões dourados, aquela túnica marrom? É um uniforme que usam para ocasião especial, que é da polícia militar. Esse policial comprou um material e deixou na calçada, a gente tinha um cachorrinho e o cachorro foi lá e fez sujeira em cima da areia. O policial veio, jogou na minha casa. Meu pai foi lá e jogou na casa dele, porque ele não tinha o direito de jogar na minha casa, mesmo sendo o cachorro, ele poderia conversar. O cara foi lá, falou que ia prender o meu pai, chamou a polícia e eu não me lembro muito bem da cena, mas eu sei que o meu pai foi algemado, ele subiu na avenida e jogou o meu pai no chão. Uma história horrível, que eu me lembro que é uma cena da minha mãe chorando, eu chorando. E aí o meu pai mandou a minha mãe chamar um advogado e processou esse homem, mas eu não me lembro dos detalhes, eu era muito criança, e por conta disso, minha mãe teve um aborto. Era uma pessoa que antes eu admirava, esse policial, mas aconteceu tudo isso e aí eu passei a gostar só do meu tio que era policial, dele eu não gostava mais, por conta disso. Mas eu percebia ele tinha esse negócio de autoridade com qualquer vizinho. Uma vez, a filha de uma vizinha, a minha amiga, jogou a casca de banana no quintal dele, porque morava junto, ele foi lá, pegou a casca de banana e esfregou no braço da mãe da minha amiga, dizendo que lá não era lixeira. Então, para mim, era uma pessoa que tinha algum problema de autoridade, da relação dele com a profissão. Hoje é uma pessoa que eu vejo, me é indiferente, mas na época de criança me marcou muito, por essas picuinhas que ele fazia, não só com a minha família, mas com a rua toda.
P/2 - Você não falou ainda o nome do seu amado marido.
R - Wilson Carlos Teixeira, é a pessoa mais especial que eu conheci na minha vida, porque com ele eu comecei a descobrir muita coisa que eu sou hoje. De você poder se doar sem medo, de poder gostar de alguém de verdade sem medo. Eu acho que toda essa história minha de infância foi muito complicada nesse sentido, em relação a sentimentos. Quando o meu pai fala que você não pode ficar sorrindo porque senão você vai ficar parecendo mulher à toa, vulgar. A minha alegria, para você ter uma ideia, eu tinha 13 anos quando a minha mãe faleceu, essa imagem não me foge, vem agora na minha cabeça, e tem a ver com a minha personalidade. A minha mãe, o corpo, foi velado em casa e eu chamei as minhas amigas, as crianças: “posso ir chamar as crianças para todo mundo pular corda”. E veio o meu pai ou a minha irmã mais velha e falou assim para mim: “Não é festa, sua mãe morreu. Para que você quer fazer festa no quintal?”. E daí meio que travou um pouquinho entre eu ser quem eu sou hoje, ser quem eles queriam que eu fosse. E ter encontrado o meu marido, como uma pessoa muito especial e muito sensível, me valorizando, me pondo para cima, cuidando de mim no bom sentido, de falar assim: “você pode sorrir, você pode brincar, você pode abraçar as pessoas que isso não vai ser vulgar ou não”. E isso foi uma coisa muito séria. Então, o Wilson, ele veio com toda a transparência, toda a beleza interior, de pureza de sentimentos e até de valores. Ele veio de uma família que ele tem oito tias e um tio, foi criado praticamente só pela mãe, então, eu acho que ele tem uma sensibilidade a mais do que qualquer outro homem, pela realidade que ele viveu. Ele começou a trabalhar com dez anos de idade para ajudar a mãe a sustentar os quatro irmãos que ele tem, que eram pequenos quando o pai faleceu. Então, é uma pessoa muito sensível, que com a relação a mulher e com relação a família, tanto que hoje eu penso e eu acredito, e para mim isso é o mais importante, que a minha família é o meu maior tesouro que eu podia ter nessa vida, pelas minhas relações com as minhas filhas e com ele. E hoje com a minha vida profissional, social, tudo o que eu tenho vontade, tudo que eu tenho desejo de fazer, claro que com bom-senso, claro que com respeito, ele me apoia. Me lembro que eu fui no primeiro show, eu adorava Fábio Junior, depois da minha adolescência, ele foi lá e comprou ingresso para mim, ele falou: “Jady, eu não vou poder comprar dois, mas você vai. A minha prima vai e você também vai”. O meu anel de formatura, eu falei assim: “eu não quero porque a gente não está podendo gastar”. “Mas você merece ter o anel de formatura, você está se formando”. Quando íamos a uma festa, ele não media o valor, “você tem que se sentir bem”. Eu nunca tive com o meu pai, pela condição mesmo, e eu nunca tive isso comigo mesma, porque em todos os trabalhos, quando eu comecei, eu ganhava super pouquinho, tinha que ajudar em casa, logo que eu comecei a ir para a faculdade, eu tinha que pagar a faculdade. Então, ele foi a pessoa que me ensinou, até hoje ele faz isso comigo. “Isso você vai comprar. Você gostou? É isso que você vai levar, não é aquele porque é mais barato, não é aquele porque serve, é esse porque você gostou”. E ele tem um extremo bom gosto para roupa para mim, para objetos.
P/1 - Você lembra o momento que você ganhou o anel de formatura?
R - Eu me lembro que a gente estava no primeiro ano de casamento e eu no último ano de casamento e eu falei com o meu pai, meu pai falou assim: “a gente vai ver, não sei se eu vou ter condições de te dar”. Mas eu não falei para ele me dar, eu também já trabalhava. E na minha sala, tinha uma amiga que tinha um amigo que fazia o anel de formatura. A gente foi nas lojas, era muito mais caro e aí ela falou assim: “eu tenho um amigo que vai fazer o meu e eu posso falar para ele ir na tua casa ver se você consegue fazer”. E esse amigo, que se tornou padrinho da minha filha mais velha. Os padrinhos, o Ari e a Eni, são amigos, e são os melhores que eu poderia arrumar para a minha filha. E ele fez, facilitou e falou assim: “eu vou te dar”. E ele me deu o anel de formatura. Ele me mostrou os modelos e eu falei assim: “eu não sei, porque está caro”. Aí ele falou: “escolhe o qual que é”. E ele me deu o anel de formatura. Não é do material que eu quero dizer, eu quero saber da atitude dele, que mesmo com dificuldade, ou limitação, ele nunca, até hoje, tanto para como para as meninas, ele pensa e repensa para ele, mas para mim e para as meninas não. E aí a questão de bom-senso e zelar pela relação que você tem, que eu faço isso e me policio para fazer isso todos os dias, que não é aproveitar do outro, não é ser egoísta, então, as escolhas são feitas com bom-senso. É lógico que o anel era uma vaidade, mas eu acho que eu queria muito e ele percebeu isso desde o início.
P/2 - Você já falou da sua formação, psicologia, depois de um ano casada você se formou. Qual foi o seu trajeto para chegar onde você está hoje? Logo depois que você se formou você veio para cá?
R - Não, tem uma história anterior. Quando eu me casei, eu morava no mesmo quintal que o meu pai, a gente construiu uma casa no quintal do meu pai. Eu estudava psicologia, fui fazer estágio numa organização em Freguesia do Ó, na escola e na organização. Primeiro, na escola, o professor Marcos me chamou para ir conhecer a instituição na qual ele era coordenador. Marcos Antônio da Silva, reencontrei-lo há pouco tempo e fiquei muito feliz por isso. Ele me convidou para trabalhar com ele como orientadora, dentro da minha formação. Foi apaixonante, porque tinha a ver com o que eu estava me formando. Até então, eu trabalhava num restaurante industrial como supervisora e fui para lá. E aí ele me chamou para ser orientadora, trabalhar com ele e eu fiquei apaixonada, porque eram crianças e adolescentes. E eu estava fazendo psicologia e tinha psicologia do desenvolvimento, que eu gostava muito, então, eu falei assim: “então eu vou fazer o estágio e a gente vai conversar”. Acabei aceitando, saí de onde eu estava e fui trabalhar nessa instituição, que tem até hoje, que se chama Coração Materno, que fica em Freguesia do Ó. Trabalhei lá por sete anos, as minhas duas filhas nasceram lá. Foram momentos de aprendizado, de ensinar, mas aprendi muito. Quando a minha segunda filha nasceu, eu passei por uma situação que me deixou muito contrariada no sentido de perigo. Eu tinha um carro, eu trabalhava em Freguesia, já morava aqui, que não era muito novo, eu ia trabalhar com ele e um dia ele parou no meio do caminho e eu estava com as duas no carro. Eu estava cansada já e falei: “eu vou sair, eu estou pondo em risco a minha filha”. Primeiro porque parou o carro, um rapaz de um restaurante, era o segurança, falou assim: “olha, moça, seu carro não está marcando, mas eu acho que é gasolina”. Porque nem marcava o negócio, se tinha gasolina ou não. Eu fui buscar gasolina, o cara me deu um saco, eu tinha que pôr os dedos, estava segurando a neném e a mais velha segurando na roupa e nós fomos andado, uma distância de uns 200 metros. Quando eu cheguei e dei a gasolina para o rapaz, a minha mão estava molhada e eu passei a mão assim no cobertor que estava enrolado na minha filha mais nova e saiu todo molhada, isso me deu um calafrio. Ela estava totalmente molhada, porque o saco de combustível batia na minha perna, então, subiu a gasolina, molhou totalmente o cobertor. Foi posto a gasolina, não era a gasolina, tive que ligar para o meu marido e aí ele tinha um caminhão, que não era muito novo, ele demorou muitas horas para chegar lá, mas ele foi me buscar com um amigo e essa situação, para mim foi um sinal. “Não dá mais, eu estou cansada, eu vou sair da associação, eu pus em risco as minhas filhas”. Pedi demissão, foi um momento difícil, mas eu aprendi muito era a minha vida, porque elas praticamente ajudavam a criar as filhas. Lá tinha enfermeira, lá tinha assistente social, lá tinha pedagoga. O Marcos mesmo tratava as minhas filhas como fossem filhas deles, porque ele ia lá no berçário ver se está tudo bem. Quando tinha consulta pediátrica, ele muitas vezes me levou com o carro dele, na época eu não tinha carro, enfim, foi uma pessoa muito presente. Mas eu estava cansada, quis sair, acabei pedindo demissão. Mas antes disso, eu sabia que existia o Mutirão, porque na minha infância eu conheci o Mutirão, não era aqui, mas era bem próximo, só que era na época que eu perdi a minha mãe, eu tinha 14 ou 15 anos. Todo mundo da rua ia para o Mutirão fazer curso de cabeleireiro, de corte e costura, de bordado e eu queria ir. Meu pai falou assim: “lá você não vai, porque lá é coisa de quem não tem o que fazer. Você tem o que fazer, aqui em casa tem muita coisa para você fazer. Então, de vez em quando, eu dava umas fugidas com a amiga, ia lá e era uma delícia. Além de tudo isso, tinha torrada com chá mate e era uma delícia. E eu queria muito ir, mas meu pai nunca me deixou ir e eu nunca fui. Quando eu saí da organização Coração Materno, eu já tinha construído aqui no bairro, num terreno que o meu pai me deu, aqui mais próximo da associação. Eu falei assim: “eu vou lá naquela ONG qualquer dia”. Eu fui, cheguei aqui, achei muito estranho, achei maravilhoso o lugar, mas a pessoas falaram: “nós não pegamos ninguém, o quadro está completo”. E meu marido, nesse tempo que a gente veio morar para cá, em 91, ele montou uma fábrica de blocos de alvenaria, porque ele era metalúrgico e trabalhava na Lapa, só que quando a gente se casou, a gente continuou morando aqui, era muito longe e o meu pai fez a proposta dele montar a fábrica de blocos e ele aceitou. Mais uma coisa que eu admiro dele, como ele é extraordinário no sentido de coragem, de não ter medo de enfrentar os desafios, ele montou a fábrica de blocos sem nem nunca ter pego um bloco na mão. Ele aceitou ser o motorista, porque a gente primeiro não tinha caminhão e depois, quando a gente conseguiu comprar um caminhão, ele foi ser o motorista nessas ruas que tem aqui, que são estreitas, que são horríveis de entrar e de sair, ele aceitou ser o motorista porque a gente não tinha condições de pagar também um motorista.
P/1 - Para levar os blocos?
R - Para entregar os blocos. E nessa ele conhecia o bairro todo, eu não conhecia porque eu trabalhava fora. Eu saí do Coração Materno, por cinco meses estive em casa, ajudava ele na fábrica. Eu já estava ficando muito chateada porque tinha cinco rapazes que trabalhavam com ele e eu comecei a trabalhar, então, eu ajudava com o carrinho a tirar os blocos, eu vendia, enfim, fazia tudo o que tinha que fazer. Mas estava me chateando muito, porque eu conheci um lado do meu marido que eu não conhecia, ele falava palavrões demais. Só que era entre eles, comigo ele nunca falou. Hoje, tudo bem, mas na época eu comecei a ficar muito estressada com isso, porque ele gritava, comigo ele não gritava. E outra coisa, eu nunca gostei de serviço de casa, até pelas experiências que eu tinha tido lá na minha adolescência, que eu era obrigada a lavar aquele bendito tapete, varrer aquele bendito quintal, que era enorme. Não é que eu não gostava, eu não dou conta, então, se eu tiver que arrumar o quarto, eu não lavo o banheiro; se eu lavo o banheiro, eu não arrumo a cozinha. Até hoje é assim e o Wilson compreende muito bem isso, graças a Deus. Chegou uma cliente dele para comprar bloco e falou: “Wilson, e a sua mulher?”. “Ela está em casa”. “E ela gosta de ficar em casa?”. “Não, ela não gosta muito, ela está me ajudando, mas ela vai procurar alguma coisa”. “O meu filho fica numa associação, que fica aqui perto e está precisando de educador, se você quiser, eu levo ela até lá”. Fiquei muito feliz porque eu falei assim: “vou voltar a trabalhar no que eu gosto, no que eu quero fazer e vou estar pertinho de casa”. E ainda descobri que eu podia trazer as minhas duas filhas, então, eu falei: “melhor é impossível”. Aí vim fazer a entrevista. A tia da Jucimara, que a sobrinha dela veio trabalhar com a gente, até hoje, ela veio comigo. Fui na entrevista, me questionaram por que eu como coordenadora, ganhava um salário três vezes maior e eu vinha para cá como monitora, como orientadora social, como que era isso para mim? “Não tem importância, eu tiro outra carteira”, eu falei. “Eu não quero ficar em casa, porque eu não dou conta, isso me deixa muito chateada. Se tem chance, me falaram que vocês vão abrir outra unidade, então, eu gostaria de estar aqui e conhecer o trabalho e oportunidade, se surgir outra, eu gostaria”. E foi assim que eu cheguei na associação Mutirão há 20 anos, exatamente.
P/1 - Que bairro é?
R - Aqui é Jardim Filhos da Terra. Eu moro a 700 metros daqui, em Furnas. Em março de 1998 eu vim para cá como orientadora. Tinha o CCA, mas era núcleo sócio educativo, crianças de seis a 14 anos, período pós-escolar. Só que tinha muitos questionamentos porque eu vim de uma instituição que tinha um trabalho perfeito, eu estive minhas filhas lá por muito tempo, eu acreditava que aquilo ali era o ideal. E aqui eles tinham um trabalho muito bom, necessário, mas não tinha uma estrutura como eu imaginava que seria o ideal e aí eu entrei muito em conflito em conflito, mas por outro lado a minha diretoria apoiava, a diretoria em si me apoiava, os fundadores do mutirão me apoiavam, porque o que eu questionava fazia sentido. Por exemplo, uma das questões era servir um cardápio que não era tão balanceado. Mas tinha recurso. Usava o recurso para outra coisa. Então, eu falava assim: “não, tem que fazer, essas crianças vem para cá, a gente sabe que a realidade está difícil e a maioria delas é a única refeição que elas fazem no dia. Então, não dá para fazer macarrão com salsicha só, porque não tem uma salada, porque não tem um prato principal?”, “ah, mas por que não precisa”, “não, precisa sim, elas estão em desenvolvimento”, enfim, eu olhava as crianças como se elas fossem minhas filhas, então, eu sabia dos recursos, e não é que eles desviavam recursos. Eles davam prioridade para outras coisas, e isso eu não concordava. E foi durante um ano isso “vamos fazer passeios culturais.” “Não, essas crianças não vão conseguir se comportar, a gente vai ter problema.” “Não, mas aí que está, a gente vai ensinar, e a gente leva para ver se elas aprenderam.”, “Não, porque essas crianças não comem salada”, “Mas você já colocou salada para ela?”, “ah não come legume”, “ela não come porque não come na casa dela porque não tem, mas aqui tem”, “ah ela não come, não está habituada a comer peixe”, vamos fazer o peixe que elas gostam. Enfim, os conflitos foram grandes, enormes, fora na parte pedagógica em si, que “ah, então, vamos fazer uma oficina de sexualidade”.”Não, não pode porque as crianças daqui a gente não pode falar sobre isso”. A gerente tinha essa postura. E também tinha uma formação específica que era para ter esse entendimento, ela era formada eu acho que em magistério, eu era formada em psicologia, então, tinha umas distorções de entendimento, mas passou um ano, eu falei assim: “eu vou sair porque eu não concordo com a forma de trabalho”, a minha diretora falou: “não, fique mais um pouco, espera, as coisas vão se acalmar, a gente vai abrir outro núcleo”, e uma das diretoras era uma freira religiosa, a irmã Marta. E aí, eu entrei em março, chegou setembro e abriu a oportunidade. Então, a minha expectativa era que eu fosse para essa unidade, como havia sido dito para mim na entrevista. Só que ela chegou para mim, e falou assim: “não, eu tenho uma pessoa que é formada na USP, eu não vou te promover, ainda não, e você vai ficar aqui mesmo”, e essa pessoa que é formada na USP, e ela enfatizava tanto que era a USP, que eu fiquei assim, poxa, então, está bem. E aí ela falou isso, e fez isso. Ela trouxe uma pessoa que morava no centro, para coordenar o trabalho que iria ser inaugurado no Fontalis. E aí eu falei assim: “gente, eu vou sair e não dá” e aí uma das diretoras que eu falo que foi minha mentora durante até muito pouco tempo, que é a Dona Loide, é uma senhorinha bem fofa, de conhecimento de vida, de conhecimento científico, de conhecimento profissional mesmo, porque ela falava assim: “calma, vai surgir a oportunidade que você está querendo, tenha calma filha, a gente precisa de você aqui”. Então, tinha dia que subia até o meu limite, aí eu ia até a casa dela, a gente tomava café da tarde, e ela falava assim: “calma que vai acontecer” isso em setembro, aconteceu a inauguração eu não fui, e aí foi outubro, novembro, e eu falei: “dezembro, vou sair, não, já volta...” em janeiro a gente saía de férias, “volta, que a gente vai resolver isso, fica...”...
P/2 - Você era educadora?
P/1 - Isso, educadora, aí ela falou assim: “calma que vai acontecer o que você espera, o que você deseja”, aí eu falei assim: “mas não dá porque a outra é formada na USP, eu não sou formada na USP” outra, é de família tradicional, eu não sou de família tradicional. Enfim, chegou, aí ela: “não, então, sai de férias, depois você volta, depois a gente conversa” essa Dona Loide, aí quando eu voltei em fevereiro, a menina que era formada na USP pediu demissão, porque ela tinha um perfil diferente mesmo, tinha uma formação diferente, tinha uma realidade de vida muito diferente, e aí entrou muito em conflito com a situação que ela se deparou, das crianças que ela atendia, da equipe de trabalho que ela passou a trabalhar, ela não tinha experiência anterior, então, chocou, enfim. Ela pediu demissão, e aí essa Dona Loide, é que eu quero falar o nome dela todo, que ela é muito linda, Loide de Paula Lima Luís. E ela segurou, e aí eu fui transferida para o Fontalis. E aí não tinha mais conflito com a gerente daqui, porque eu saí, então.... Aí eu fiquei lá no Fontalis, na Unidade que é próxima aqui, dois quilômetros daqui, fiquei 10 anos. E até 2009, no início de 2009 eu saí...
P/2 - Fazendo o que lá?
P/1 - Como gerente, aí eu tinha uma equipe de 10 funcionários, e assim, era um trabalho assim, supernovo, e que eu tinha uma autonomia muito grande porque a diretoria ficava mais aqui, então, assim, tudo que eu fiz de reforma, de trazer a comunidade, de fazer junto com a comunidade, assumi alguns conselhos, foi lá. Então, assim, as minhas relações com a escola, com a UBS, com as lideranças do bairro eram muito fortes. Então, tudo que eu tinha que fazer, e dava para eu fazer, e que foi feito, foi graças à essas parcerias, a diretoria tomava conhecimento e apoiava. Mas assim, não tinha uma relação muito próxima, tinha aquela relação de prestar contas financeiras, que tinha que dar conta, tudo direitinho, isso era semanalmente, a gente encontrava com a presidente toda segunda feira, e com a Dona Loide, a presidente era a Dona Helena Potoval Albuquerque, que é falecida, e foi uma das fundadoras aqui da associação. E junto com a Dona Loide, Dona Loide sempre mediando esse lado meu de trabalhar com o social, de fazer melhor. Dona Helena, me chamando para a realidade dos limites da associação. Não tenho tantos profissionais, eu não tenho tanto recurso para fazer o que você esperava, mas assim, eu trazia resposta, eu trazia um problema, mas eu trazia solução.” Olha, eu quero fazer um muro, mas eu tenho”, a associação não tinha dinheiro, “mas tem um parceiro que vai fazer”. “Olha, eu tenho que pintar o prédio, ah, mas a gente só tem dinheiro para a tinta”. Eu falei assim: “mas eu vou pintar com a minha família, com os pais que vão até lá, enfim, com os parceiros que eu tenho”, então, a gente conseguia dar conta de lá, e isso foi até 2008, final de 2008.
P/2 - Conta, você lembra de uma história assim de um acontecimento, de uma parceria com a comunidade, aí daquele jeito de contar em detalhes.
P/1 - Como?
P/2 - Você lembra de uma história com, em parceria com a comunidade, e de contar assim detalhes, que marcou.
P/1 - Que marcou, tem várias histórias, mas assim, é uma delas. Fiz um mutirão, o que, que é um mutirão? A gente comprava, por exemplo, tinha que pintar o prédio, mas não tinha, tinha o dinheiro para comprar a tinta, mas não tinha dinheiro para pagar mão de obra. Mas tinha até uns que faziam preço razoável, mas eu achava importante envolver a família que eu atendia. Até porque tinha às vezes, uma dificuldade imensa de compreender algum comportamento das crianças que eu atendia. Então, o que, que eu fazia? Eu chamava, convocava, falava assim: “oh, a gente vai fazer um almoço, primeiro a gente vai fazer uma pintura do refeitório, e depois a gente vai fazer um almoço para a gente encerrar, então, eu preciso muito de ajuda, quem quer se voluntariar a fazer esse serviço?”, e sempre vinham muitos pais, por várias razoes, até porque quando eles vinham até por necessidades que não tinham nada a ver comigo, eu sempre arrumava um jeito de arrumar respostas de atendê-los. Então, a gente tinha uma relação muito próxima, então, não tinha dificuldade de reunir pais para fazer esses mutirões. E uma delas tinha um menino que ele me dava muito, mas muito trabalho, de indisciplina, de violência com os colegas, de quebrar o espaço, e quebrar o material, desrespeitar a educadora, e aí eu chamei o pai desse menino e falei que eu precisava muito dele. E esse menino assim, tinha dificuldade em casa, tinha dificuldade na escola, e tinha dificuldade no projeto. E aí eu falei, procurei saber o que o pai dele fazia, e ele falou assim: “ah meu pai? Meu pai é pedreiro, faz pintura” eu fale: “ótimo, eu vou precisar dele, porque os outros não sabem, então, ele vai ajudar a fazer”, enfim, esse pai veio, e aí esse menino, eu falei assim: “você também vem, porque você está grande, você vai ajudar” ele veio, o que, que aconteceu? O pai estava fazendo a massa lá, aí ele falava: “então, vai lá Paulo, pega o cimento”, o menino ia pegar, e o pai xingava o menino de tudo quanto é nome, porque o menino demorava, porque o menino derrubou a massa, porque o menino derrubou a ferramenta certa e o menino chorava. E eu olhei aquela cena, e eu falei assim: “dá para entender, o porquê aquela criança tem aquela atitude aqui, na escola, não quer ir na escola, quer só vir aqui, porque aqui a gente senta, a gente conversa, a gente quer ouvir e tenta colocar para ele o porquê, que ele não poderia ser daquela forma”, então, aquele pai que ele tinha refletia no que ele era, nos ambientes que ele frequentava, então, foi um trabalho que a gente acabou fazendo com a família, de relação. Ele não sabia fazer isso, mas assim, a necessidade, a vontade de colaborar e de construir com essa família foi muito grande, que esse pai durante muito tempo frequentou muito lá, e esse menino também. Por conta disso, de eu falar para ele, e da necessidade de ele ter uma relação mais saudável com o filho, respeitando o limite, era uma criança. Então, não adiantava cobrar com uma cinta, cobrar puxando orelha, porque isso não ia fazer o resultado que era necessário da educação do menino. Então, assim, foi o momento muito bacana, porque assim, de perceber isso, e usar isso como ferramenta de trabalho. Em muitas outras vezes eu tinha o dinheiro para pagar o pintor, mas eu preferia não pagar, porque era o momento de eu ter contato com a família. Vamos tirar o muro que quebrou para construir outro. Não saía o que tinha que sair, mas eu consegui resgatar algumas coisas que me ajudavam no trabalho, no dia a dia com a criança, a criança chegava, falava assim: “olha, não põe o pé na parede, que foi meu pai que pintou”, entendeu? “Não suja não porque meu pai ajudou a pintar”, então, assim, foi, acabei usando como instrumento de trabalho, mas consegui, fortaleceu muito o vínculo com a comunidade, o vínculo com a família, e o resultado com a criança. Eu acho que foi isso, não sei. Então, aí eu fiquei lá até 2008, no final de 2008, saiu um edital da assistência, falando sobre um projeto, um serviço que ia atender o público de 14, de 15 a 24 anos. Quando eu falei com a minha diretoria, eles falaram: “Não Jady, não dá, os adolescentes dão muito trabalho, adolescente é problemático, que não sei o que...”, eu falei: “então, mas os nossos jovens estão saindo daqui, sabe quem está adotando eles? O tráfico, sabe o que, que está acontecendo com as meninas? Ficando grávidas, porque elas estão repetindo a história da família” porque a mãe casou cedo, ou a mãe estava namorando, e ficou grávida, o menino vai ser aviãozinho porque não consegue um trabalho, 14 anos, ele também não terminou os estudos. Então, é isso que a gente está fazendo. Aqui anteriormente, até uns dez anos atrás, a gente sofria muito com o acesso de pessoas que usavam drogas, que esses prédios todos eram pichados, sabe, muito deteriorados, por quê? Porque quem trabalhava nos projetos tinha medo de sair para fora. Porque a comunidade entrava a hora que queria, e saía a hora que queria. Porque vinha usar drogas, vinha trazendo Deus sabe lá o que durante a noite, durante os finais de semana, então, argumentei muito com a minha diretoria que era necessário dar continuidade aos atendimentos, 14 anos vai embora e tudo bem? Não estava tudo bem, porque era muito triste ver a história de um adolescente que foi morto pelo tráfico, que entrou em confronto com a polícia, que estava morrendo por causa de uma doença que ele pegou, da menina que tinha, era uma menina que vinha me mostrar o filho que ela ganhou, o filhinho como se fosse, a solução dos problemas dela. Quando na verdade muitas, a maioria, o jovem, adolescente, para a menina é mais fácil assumir o papel de mãe, mas para o menino, é mais difícil, porque assim, ele amadurece, em outro tempo. E aí era muito claro, tinha o filho, eles até se separaram, a menina ficava com a família dela, e o menino com a família, porque não tinha o que oferecer, nem eles tinham uma formação legal, então, a gente questionava muito nisso, e nessa argumentação ela apoiou a gente escrever o projeto, e foi aí, inclusive com a minha, que é a minha assistente, hoje gerente desse projeto, a Roberta ela, desde a adolescência ela estava comigo como voluntária, passou a ser instrutora de informática, hoje ela é gerente do CJ, desse serviço que a gente tem para os adolescentes, ela trabalhava como voluntária também lá no Fontalis, me ajudou a escrever, respondeu o edital, tudo direitinho, não é que deu certo? Foi aprovado. E aí em 2009 eu voltei para cá, deixando até uma mãe, que é a Silvana Evangelista, uma mãe que era voluntária, que me ajudava muito, como gerente. E aí eu vim para cá. E a Roberta tinha saído para ser assistente, orientadora sócio educativa, que ela não tinha formação ainda, orientadora numa outra ONG, quando foi aprovado, eu ia precisar de uma assistente, judiação, eu acho que ela não tinha três meses como orientadora, aí falei: “tenho uma proposta para te fazer, Roberta, você não quer ser minha assistente?”, e ela ficou toda emocionada. Eu falei: “filha, mas você acabou de entrar”, e ela falou: “não, eu vou”, e ela veio, e ela está aí até hoje, agora como gerente. E aí em 2014, eu saí da gerência, vim para, gerente institucional, e ela gerente do serviço com os jovens, e foi dessa forma que a gente conseguiu, o projeto ia até 24 anos, depois a secretaria diminuiu para 18 anos a faixa etária. E aí teve outra mudança muito grande para mim sair do CJ, por que a diretoria que era Dona Helena, Dona Loide muito presente, essas duas eram muito mais presentes, que faleceu a Dona Helena, depois faleceu o filho que tinha sumido, o Luís Portugal tinha assumido como presidente, ele saiu, faleceu também, por uma doença, que pegou de surpresa todo mundo, e ele faleceu, aí o irmão mais velho, João Carlos Portugal, ele assumiu mas também já estava aposentado, e morava muito longe, aí 2014, falou para os gerente: “gente, vocês precisam dar contas, a gente precisa de arrumar pessoas sérias, responsáveis, para dar continuidade porque a gente não vai dar mais continuidade, não dá mais, eu estou cansado, moro muito longe tal, tal, tal” falou uma, duas, três vezes com os gerentes, depois já, o que, que você acha? E aí a gente acabou aceitando o desafio, e preocupadíssimo. Porque assim, não que a organização, se ele saísse, a organização iria deixar de existir. A minha preocupação é dar continuidade com o trabalho do jeito que a gente vinha desenvolvendo, com esse envolvimento com a família, com o poder público, com as lideranças, o educador que faz além do que é pedido, porque assim, mesmo tendo um quadro de recursos humanos adequado, de acordo com a portaria exige, ainda faltam muitas pessoas, muito técnico para dar conta das demandas. Tanto dos pequenos como para os adolescentes. Então, ele pediu isso, e eu falei assim: “bom, eu vou dar um jeito”, aí tem mil pessoas, e aí fala assim: “eu vou pedir”, tinha até liberdade de pedir, mas a pessoa também tinha a liberdade de falar não, porque também não é só assinar papel e assinar cheque. É a responsabilidade por um serviço que tinha 50 anos. E aí a minha irmã mais velha, a economista, chamei para ela ser uma das diretoras, ela falou: “não, não Jady, ONG, a gente vê notícia todo dia, ONG que desviou dinheiro, ONG que fala que faz isso e não faz isso”, e eu falei: “não, mas aqui não é assim”, ela falou: “não é assim porque você não sabe, não é assim porque você não sabe de tudo”, eu falei: “não...”, e eu quando eu vim para cá, eu já ia em um monte de reunião, um monte de rede, quando eu vinha para cá, eu pegava a Dona Loide e ela tinha uma dificuldade na perna, andava de muleta, e eu falava: “não, eu vou buscar a senhora e vou levar” a gente foi em muitos lugares, em reuniões, ela representando a associação e eu como gerente. E aí chamei ela, ela falou: “não, eu tenho um monte de irmã, eu vou chamar a Janete.”, a Janete de pronto aceitou, falou assim: “Ah, Jady, se você está falando que é sério, e se você está precisando, eu vou atender”, aí já tem uma, eu falei: “então, mas Jaci não aceitou”, aí ela falou assim: “ah, mas não tem problema, você está falando que é sério, ela não faz nada de errado”, eu falei: “não filha, quando vai assinar o convênio eu vou junto, quando vai em banco abrir conta eu vou junto”, então, eu sei como é controlado o dinheiro, todo mês eles dão cheque, o dinheiro que entra é o dinheiro que sai, a gente presta contas para a prefeitura, tem uma supervisão da prefeitura, fica tranquila, não é coisa, não tem coisa errada. Aí ela falou assim: “não Geórgia, pode deixar que eu vou”, aí eu liguei para a outra, a outra falou assim: “Ah, a Gil me ligou, e ela falou comigo que está com muito medo já, esse negócio é sério mesmo?”, eu falei: “meu Deus do céu, é sério gente, pelo menos vem por três meses, porque aí me dá o tempo de arrumar mais pessoas, mas vocês ficam três meses, eu prometo que não vai prejudicar vocês, não vai colocar o nome de vocês, vocês são minha família, como que eu vou colocar vocês numa fria? Não é assim”, aí liguei de volta para a minha irmã, estava num evento de nossos talentos, e o João me ligando cobrando, “e as pessoas? Você arrumou?”, eu: “João, gente, ninguém se manifestou, cada um sabe por que e eu não vou discutir isso”, mas eu estava muito aflita, porque assim, até eles nos momentos finais deles, tudo que era cheque eu ficava conferindo de todos os serviços, não é porque eu não acreditasse no gerente, tinha medo de fazer coisa errada. E depois prejudicar não só eles, mas a organização como um todo. E aí ele me ligou em um evento, e eu não podia sair porque eu era da comissão de organização, mas eu liguei para a minha irmã: “Jaci, faz o seguinte, fala com a Gil e você também, eu preciso de 10 pessoas, então, o Melo que é o marido, todo mundo” coloquei todo mundo. Por favor...
P/2 - Diretoria da associação?
P/1 - É, tinham que ser os diretores, não iam ganhar salário, só ia assinar cheques e documentos. Eu falei, foi isso que eu falei, mas não é, na vida real é outra coisa. Foi ingenuidade minha, mas tudo bem. Aí...
P/2 - O que é na vida, bom, depois você conta o que foi na vida real.
P/1 - Aí vamos seguir, aí ela falou assim: “Está bem, Jady, eu vou ver, eu vou pensar, vou falar com meu marido e vou pensar”, mas ela influencia os outros, a Janete sem problema, mas a Gil já ficou com o pé atrás, meu cunhado é contador, tem muito para ajudar não é, não aceitou. Aí liguei para a Dona Loide, aquele meu anjo da guarda, inspiradora, e falo que ela é minha mentora em função, ela atualmente está acamada, muitas das vezes ela não me reconhece, mas assim, gente, eu penso nos meus momentos bons, eu lembro dela, nos meus momentos de apuro, eu lembro dela. Porque foi uma pessoa que me, sabe assim, me pôs, além do meu marido, eu esqueci de falar, além do meu marido, é essa pessoa. A Dona Loide é ímpar, não existe outra. Aí fiz um, aí conversei com ela, aí ela falou: “vamos fazer assim? Vamos fazer um café da tarde e você traz as suas irmãs aqui” aí não deu outra, elas saíram apaixonadas pelo mutirão, pela Dona Loide, porque ela falou do trabalho que ela fazia, das responsabilidades, ela falou tudo bem, aí elas aceitaram. Gente, vocês não imaginam o alívio que foi. E nós duas, eu e Dona Loide comemoramos muito. E aí elas vieram, elas foram eleitas, a Janete assumiu como presidente, a Jaci assumiu de início como tesoureira também, o marido dele, o marido da Gil, a Gil não veio mas mandou o marido porque ele ia entender mais do assunto e tal. Então, enfim, montei a diretoria com as minhas irmãs, com meu cunhado, com a minha filha como secretária, com uma amiga, muito, não posso deixar de falar dela, a Ângela, assistente social impar também, que era, já foi supervisora da nossa secretaria, eu falei: “ Ângela, por favor, eu preciso de 10 pessoas, eu não tenho tudo isso na minha família”, então, foi minha irmã mais nova foi a presidente, minha irmã mais velha foi a tesoureira, meu cunhado foi conselheiro, meu marido foi conselheiro, minha filha foi primeira secretária, minha amiga foi segunda secretária, outra pessoa, a Soraia (inint) [01:43:21] que há 20 anos lá me ajuda, mas há 10, 15 anos ela me ajudava com o natal das crianças, e até hoje ela faz isso, e aí juntei sete, aí mais dois irmãos, que é o Júlio que é o mais novo, Jailson também entrou, enfim, completou 10 pessoas. E aí eu dei um tiro no meu pé. Por quê? Porque eu era gerente de um serviço conveniado com a prefeitura, maravilhoso. Eu resolvi um problema da instituição, minha família estava aqui, tudo fazendo direitinho, não tem problema. Só que aí veio um questionamento da secretaria. Aí ela falou: “pois não, qual o seu nome?”, eu falei: “Jady de Dantas Teixeira” “qual o nome da presidente?” “Janete Dantas dos Santos”, qual o nome da tesoureira? “Jaci Dantas dos Santos”, “você entendeu a minha pergunta?” Eu falei: “entendi” é isso que eu estou pensando Adelaide, gente, super fofa ela, a gente brigava, mas a gente se amava, se ama. Aí eu falei: “Então, Jady, você não pode ser gerente mais do serviço, porque lá está entrando dinheiro público, então, e a sua família é diretoria, como que a família, sua família paga o seu salário com dinheiro público. Não pode, ou você sai, ou a diretoria sai” eu falei meu Deus, nós passamos noites sem dormir, eu e as minhas irmãs, como que a gente vai resolver isso? Aí a minha irmã falava assim, elas falavam assim: “não, a gente sai, esse é o seu ganha pão. Isso você sustenta a sua família, se sustenta, sua vida é isso daí a gente sai não tem problema não”, e eu: “não, tem problema porque eu não tenho ninguém para colocar, vocês ficam, vamos pensar”. E a gente tinha uma menina que era administrativo daqui. Pago pela diretoria. Aí não sei o que, que aconteceu, me deu um instalo, a gente falou assim: “então faz o seguinte, a gente promove essa menina que é administrativo a assistente técnica da Roberta, que vira gerente”, que é a minha assistente, “vira gerente, e a minha menina que era administrativa, vai para assistente técnico, e você Jady se desliga do Centro de Juventude, e passa a ser a nossa gerente institucional, porque você não vai ser administrativo, você vai ter que ter o olhar para tudo. Você já faz isso meio que sem ser convidada, agora é oficial, você vai ser a gerente institucional”, por quê? Elas vêm do mercado, do segundo setor, mercado financeiro. Social elas só entendiam quando eu pedia alguma ajuda, social elas só pediam quando elas ajudavam alguém que precisava, mas trabalhar, estar junto, saber como funcionava, elas não sabiam. “E aí, então, você vai ser a gerente institucional, e você fica”. E aí eu fiquei com elas como diretoria, e eu como gerente institucional isso já há quatro anos. E assim...
P/2 - Porque gerente não tem vínculo de remuneração?
P/1 - Não, o problema é esse porque não tem, a instituição em si, ela só tem recursos que vem dos convênios, das parcerias, então, para lá, para cada caixinha, para cada serviço dos cinco convênios que a gente tem, tem o salário. Mas para o gerente institucional não tem. Então, a gente mata um leão todo mês. Porque tem que fazer bazar, porque tem que fazer sorteio, tem que fazer festa junina, tem que fazer mil e uma coisas, jantar, noite da pizza, para fechar a folha da administração, inclusive do meu salário. A administração não tem só o meu salário, tem médico do trabalho, hoje parece que vai entrar na folha, mas até então, os exames admissionais e demissionais e periódicos quem paga é a diretoria que é voluntária. Então, elas arrumam recurso e faz. Eu tenho um salão de eventos que a gente aluga para a festa, entendeu? Então, isso vai dando equilíbrio, ela é funcionária, “não garanto o salário, você topa?”, eu falei: “não garante o salário? Mas...”, mas graças a Deus até hoje nunca faltou entendeu? Com evento, com doações que a gente recebe, doações pontuais, e coisas que entra, que a gente faz bazar, enfim, fazendo tudo conforme a lei, direitinho, registrando o que entra, registrando o que sai, sabe assim? O balanço da instituição é extremamente correto, agora, o ano passado, a gente entrou numa lei que chama Lei do Marco Regulatório, 13.019, onde você tem que fazer o...
P/2 - Balanço.
P/1 - Balanço, mas tem outro nome. Espera aí. Fazer a, quando você tira um extrato, junto com as notas, junto com o dinheiro que saiu. Conciliação bancária. Você tem que fazer isso com o banco, você tem que fazer isso com a prefeitura, e consequentemente com o balanço financeiro que todo ano é feito. E elas são de uma competência ímpar, porque assim, até hoje não sobrou e nem faltou, desses 2014 para cá, tem batido, prestação de contas com a prefeitura, corretamente, prestação de contas com o doador, com o parceiro que pode ser privado também, não tenho tido problemas e não tenho tanto aquela preocupação de que cheque que ela está fazendo, e para onde vai, entendeu? E aí a gente está aqui, 2016 a gente foi ousada, porque teve um funcionário nosso, o Marcelo que não está mais no nosso quadro, mas que lançou uma ideia para a gente tentar na sua sustentabilidade, de se inserir no programa, ser uma organização formadora de aprendiz, a gente tinha sido notificada como organização, a gente tinha pela legislação que contratar dois aprendizes, e depois ele vem com essa história de que se a gente fosse formadora, não precisaria contratar. A gente contratou por um ano, e no ano seguinte, a gente passou a ser pelo Ministério do Trabalho como, formadora de aprendizes. E a gente não cumpre a cota, mas a gente vende esse produto, acaba sendo um produto que a gente vende. A gente pega os nossos jovens, e oferece para a empresa. Ou a empresa nos procura e fala assim: “eu quero um jovem com esse perfil” a gente pega na comunidade, ou no próprio serviço, no SJ, e põe o menino no mercado de trabalho, e uma vez por semana, ele trabalha quatro dias na empresa, e um dia ele vem fazer formação, ele tem formação específica. Tem varejo, tem administrativo, tem transporte, ele faz essa formação com a gente, a gente está na terceira turma, desde a primeira turma, as empresas que contrataram a gente, da primeira turma, estão contratando até hoje, porque tem um contrato com prazos determinados de 15 meses, ou 11 meses, quando termina eles já contratam outra turma, então, assim, é sinal que a gente está fazendo direito, e bem, os nossos jovens estão entrando na faculdade, tem jovens que estão fazendo a faculdade porque a empresa exigiu que eles fizessem, e é isso. Eu acho que a missão do mutirão é essa, e eu não sei se eu estou errada ou certa, mas para mim não tem certo ou errado nesse momento, no sentido assim, é a minha missão. Eu poder contribuir com o ser humano, para que a vida dele fique menos dura, me deixa muito feliz entendeu? E isso reflete em mim, na minha vida, nas minhas relações da minha família, e principalmente com minhas filhas, com meu marido, com as minhas irmãs e meus irmãos. Eu acho que é isso.
P/2 - (inint) [01:51:12], eu queria te perguntar assim, essa associação, ela tem 50 anos como você falou...
P/1 - 57. Vai fazer 57 anos.
P/2 - E essa diretoria, assim, tem que ser bem rapidinho, resumido, para fechar essa informação, como que ela surgiu, bem rapidinho, e essa diretoria sendo formada dessa forma, se teve alguém que questionou da comunidade, daqui que faz parte (inint) [01:51:44] porque assim, como ela apareceu e essa parte de como se compõe, então, a diretoria. E se teve questionamento, da forma que ela é composta.
P/1 - Então, a Associação Mutirão tem 57 anos, vai completar agora dia 29, e ela surgiu de uma observação de voluntários que existiam na Santa Casa de misericórdia, aqui em São Paulo, inclusive essa freira, a Irmã Marta, a Irmã Marta Vignoti, ela era voluntária, assistente social, enfermeira e voluntária na Santa Casa, e ela junto com outros voluntários, ela percebia que chegava muita gente da região lá, com doenças respiratórias, tuberculose enfim. E aí eles ficaram curiosos de saber como que era essa região. Por que, que as pessoas daqui vinham tão, saíam...
P/2 - Daqui do bairro mesmo?
P/1 - Do bairro que estava começando e até hoje ainda não está totalmente regulamentado, mas assim, é uma área de invasão, e as pessoas dessa região chegavam muito adoentadas lá, e elas ficaram curiosas de saber, e fizeram um grupo e vieram para cá conhecer. Chegando aqui, as casas eram muito insalubres, as casas sem ventilação, sem iluminação natural, casas sem janela, esgoto a céu aberto, as ruas eram sem asfalto, então, assim, coisas que geravam muitas doenças. E era notório isso, estatisticamente para eles. E aí entre eles, eles fizeram um desafio de vir ajudar essas pessoas no local, então, eram de famílias que nem Helena Patoval Albuquerque, Helena de Paula Luís, como que chama? Agora eu não vou lembrar.
P/2 - Não precisa lembrar.
P/1 - Um dos fundadores, eram pessoas de famílias tradicionais, sabe? Aquelas famílias quatrocentonas, e que tinham boas relações e pessoas com grande poder aquisitivo? Então, eles resolveram se unir, juntar recursos para vir ajudar essas pessoas. Ajudar como? Tinha arquiteto, Seu João Serpa, que é o esposo da Dona Helena Potoval Albuquerque, ele era engenheiro arquiteto, então, vamos lá ajudar a melhorar essas moradias. Então, eles faziam, arrecadavam fundos, traziam material e fazia o que? Tem eu, Diego, a Fernanda, que moram em casas que não estão muito legais, então, vamos fazer um mutirão, para ajudar primeiro a casa da Jady, ou do Diego, ou da Fernanda, vamos melhorar, terminou de ajudar, ainda tem os recursos, tem agora a Jady, que já foi beneficiada, ajuda a casa do Diego. E foi fazendo assim a cada um que chegava. Eles traziam, captavam recursos, e traziam, e fazia assim um mutirão, só que essas doações foram aumentando porque a ação era muito boa, ela tinha resultado na vida das pessoas, e visibilidade também, porque as pessoas uma falava para a outra, então, sempre aparecia mais pessoas necessitadas. E o que, que eles fizeram? Vamos ter que constituir juridicamente. Porque as doações têm que ter recibo, as doações têm que ter registro, as doações têm que ter relatório, vamos reunir as pessoas que fazem parte para definir o nome. E dentro disso foi uma assembleia, aí saiu o nome, Associação Mutirão do Pobre. Por isso esse nome. Muitas vezes o jovem não gosta, mesmo o adulto fala: “nossa, esse nome é muito pejorativo, muito, né?”, mas tem um significado, e é bacana o significado, porque foi essa união de força e de recurso, e de vontade que fez muita diferença na vida de muita gente. E eles, aí isso foi lá no Jomar, uns 35 anos mais ou menos tem essas edificações que vocês estão aqui, construídas dessa forma, com mutirão, com ajuda, com doações entendeu?
P/2 - A diretoria nunca foi eleita, foi sempre escolhida?
P/1 - Então, foi eleita entre eles, por exemplo, eu vou trazer a minha amiga, ela pode ser conselheira? E aí fazer essa assembleia, apresentaram essa pessoa, e aí ela aceitou, no grupo...
P/2 - Pela própria...
P/1 - Diretoria. Isso. E aí foi passando o tempo, essa diretoria que fundou, uns faleceram, outros se afastaram, um dos fundadores é Doutor Veter Crauser, que é alguma coisa pública, parece que ele trabalhava na secretaria da assistência também. E foi um dos grandes fundadores e colaboradores da instituição, e aí assim, aí a diretoria vem, a medida que por exemplo, ah, mudou a diretoria, eu preciso de um conselheiro? Um dos conselheiros indica alguém de confiança, alguém de responsabilidade, que venha para acionar, e foi sendo dessa forma eleita, teve o momento em que os funcionários que faziam parte do grupo também ajudaram na eleição, podiam ajudar, nessa última, a diretoria deixou aberta para os gerentes escolherem pessoas que tivessem o perfil, e que desse continuidade ao trabalho que foi lá no início até agora, e começou com moradia, começou com essa necessidade, mas ao longo dos anos foi mudando um pouquinho, por quê ? Eu morei na casa, mas as famílias eram sem formação muitas assim, quase sem nenhuma formação, com baixa escolaridade. Então, fava assim: “mas não dá para trabalhar porque não tenho formação” ou, então, eram empregos informais, diarista, passava roupa em casa, enfim, cuidava de criança do vizinho, nada muito, o marido era pedreiro, era ajudante de pedreiro, fazia trabalhos temporários, não tinha uma profissão. E eles começaram a se preocupar com isso e formaram um clube, que é onde eles davam curso de cabeleireiro, manicure, nesse que eu queria ir também, que meu pai nunca deixou, corte e costura, bordado, para os homens eles chegaram a monta uma serralheria, ajudava, marcenaria, é madeira. Marcenaria, eles faziam móveis para vender, brinquedos pedagógicos, eram vendidos e revertidos para material para mais cursos, mas aí tudo bem. Já temos uma profissão, mas mesmo assim, a mulher não podia sair de casa, por exemplo, porque tinha três, quatro filhos, onde que irão ficar essas crianças? Na rua? Então, essa foi a primeira, era AUSEN que falava, então, eles vinham para cá, fazer uma refeição, fazer um lanchinho e ficavam um período. Só que as crianças crescem, e vão para a escola. Então, assim, mas como, eles estão indo para a escola, aí montou primeiro a parceria com a secretaria da assistência, que tinha outro nome, e aí eles iam um período para a escola, e um período eles ficavam aqui, e as mães puder sair para trabalhar, mais tranquila. Ou até mesmo aquelas que não podia trabalhar fora, mas que tinha um atendimento em casa, e às vezes que não tinha condições de ter a criança ali, porque não tinha refeição, não tinha condição, ela vinha para cá. Nesse meio tempo também, a associação se organizou no sentido de buscar melhorias públicas, ou seja, água encanada, luz, asfalto, transporte, a escola, a unidade básica de saúde, sempre envolvida com o poder público, tentando trazer o que de necessário tinha para melhorar a condição de vida dessas pessoas. E aí ok, vou para a escola, vinho para cá, daqui a pouco eles saíam com 14 anos. E aí que veio em 2009 essa demanda do CJ, que é o Centro para a Juventude, que em princípio atendia até 24 anos, depois até 18, e que em 2016 a gente começa com o Jovem Aprendiz, estamos engatinhando, mas está dando muito resultado, tanto, os projetos todos eles estão muito bons, mas a porta de saída, a gente tem um slogan que a gente está usando agora, da primeira infância ao primeiro trabalho, porque assim, eles saem daqui para o mercado de trabalho. E muito bacana, vinha o jovem falar: “olha, me matriculei na faculdade, olha quero convidar o professor para ser meu padrinho de casamento”, sabe essas coisas? É emoção com razão, porque o trabalho não para, então, a gente tem essa vivência aí que eu acho que tem a ver com...
P/2 - A comunidade participa desses movimentos pela rede de esgoto, água, tem essa participação?
P/1 - Então, participamos dos conselhos, hoje a gente tem aqui mensalmente a quinta ambiental, ele tem um trabalho paralelo com o conselho do meio ambiente. Que é um conselho da prefeitura regional. Da região. O que, que eles fazem aqui? Eles vem discutir sobre a rua que está sem asfalto, sobre o barranco, a área de risco que eles estão morando, sobre a escola que está faltando vaga, sobre o OS que não tem médico, eles vem discutir nesse momento, é sempre nesse momento vem o poder público, prefeitura com as suas secretarias, e outros parceiros que podem resolver os problemas, então, ou faz encaminhamento, ou dá o endereço quem tem responsabilidade, quem que tem, e faz os documentos, faz um ofício que na rua tal, caiu na casa, vai cair em outra, um risco de pessoas morrerem, enfim. Tem essa tomada, a gente participa do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, a gente participa do conselho da assistência, tudo nessa condição de trazer não melhorias só para a instituição, e isso reflete em todos os trabalhos. Então, e a gente orienta, tem conferências que as jovens participam, nossas crianças participam, os funcionários, os responsáveis pelas crianças atendidas, também participam. E a gente incentiva essa participação, do sentido de que é a voz deles, é o grito de cada um que está passando pelo que está passando que vai trazer a solução. Não dá para a gente trazer tudo de bandeja não.
P/2 - Vocês querem perguntar mais alguma coisa, que a gente já está terminando?
F3: Já falou demais.
P/2 - Duas horas e meia.
P/1 - Gente, eu falei que não ia falar nada.
F: Você disse em algum momento da sua entrevista que você tem que sonhar mais, e aí qual que é o próximo sonho? Pode contar ou é segredo?
P/1 - Vou contar, porque eu vou realizar. Eu comecei a minha terceira faculdade esse semestre. Por quê? A gente tem aqui, com parceria com poder público, a gente tem uma exigência, a gente vai precisar de ter uma assistente social. Nós temos todos os nossos gerentes, e maioria dos nossos orientadores tem graduação. Pelo menos, tem uns que tem até mais. Mas não tem nenhuma assistente social. E eu falei assim: “mas Jady, você vai ficar a vida toda?”, ela falou: “não, não vou, o resto da minha vida ainda vou fazer mais coisas”, é assim, eu quero assinar como assistente social da associação sim, mas tem mais duas parceiras que estão fazendo, a Roberta minha gerente, nossa gerente nota 10, a Janete que veio como, involuntária, como presidente, hoje é a nossa gerente executiva, então, ela é funcionária da associação, assina em nome do nosso presidente, que não pode estar muitas vezes presente, e eu tenho a ideia de que ah, deixei isso aqui, vai ficar pronto um dia, que não vai precisar mais de mim, e eu tenho vontade de morar no interior, e continuar trabalhando na assistência. E aí só para fechar, uma história linda, o Marcos que lá atrás falou para mim trabalhar com ele, ele também está aposentado, mora no Paraná, no interior, e falou: “Jady, vem para cá que eu também estou fazendo um serviço social, e eu quero abrir uma ONG e você vai trabalhar comigo”, eu falei: “nossa, é isso, meus 10 anos já estão programados, eu vou fazer o que eu tenho que fazer aqui, e vou fazer o que eu quero fazer lá” porque eu acho assim, tudo é um ciclo na vida da gente, nada é eterno. Não adianta, o pai e a mãe não são eternos, você não é terno, filho. Enfim, e o que você desenvolve também não é eterno, e eu acho que aqui está chegando gente boa, muito boa, para fazer mais do que eu faço e mais do que eu já fiz. Então, daqui a pouco esse ciclo se fecha, e começa outro. E aí eu pretendo mesmo morar no interior, fazer outro serviço na área social também. Porque eu acho que é o que eu acreditei lá atrás na minha adolescência, poder ajudar e poder contribuir para a qualidade de vida ou para que um jovem tenha um sonho, porque assim, verdade Fernanda, Diego, a história mais triste que eu ouvi foi de um jovem que falou para mim assim: “eu não tenho sonho, o que vier é lucro” não é não. É crédito pelo que você fez, pelas suas escolhas. Entendeu? Então, ajudar esse jovem a acreditar que ele tem direito de sonhar, acreditar que essa família tem o direito de superar tudo que ela já passou, porque eu superei. E ah, mas é fácil para você. Não, é fácil para todo mundo. Eu posso te dar uma mão se você quiser, e aí é por sua conta, mas eu acredito em você. Entendeu? Então, assim, eu acho que a minha, não termina, é outro desafio que vai aparecer, mas daqui 10 anos, e olha, gente, eu consegui fazer isso, faz um mês, essa fala faz um mês. E me incomodava muito, as formações que eu tenho me mexe alguém falar: “fala como você se vê daqui 10 anos?”, eu não me via, porque eu fazia Mutirão, é minha família, minhas filhas vão se formar, vão casar, e vão levar a vida, eu vou ficar velhinha e meu marido vai ficar velhinho. Nem pensava em morrer, eu só via que ia acontecer. Mas é interessante em como é satisfatório você ter uma meta, ter um, sabe assim, daqui 10 anos eu quero estar morando no Paraná, ou numa cidade do interior, fazendo o que eu faço aqui, fazendo melhor, porque eu já aprendi muito aqui, e quero continuar aprendendo.
P/2 - Muito bom, e para fechar, o que você achou de contar a tua história?
P/1 - Estou super emocionada, sabe por quê? Nunca parei para fazer isso. Eu tenho isso na minha cabeça como lembranças que eu tenho elaborado, e crenças que eu tive como uma coisa que assim, está fazendo um bem danado eu estar falando agora, mas assim, eu já estava falando comigo mesma. Mas eu nunca tinha falado tão tranquilamente, de verdade Diego, Fernanda, porque assim, é difícil no dia a dia, não dá tempo, ou por alguns limites que você tem, alguns bloqueios que você tem. E hoje eu estou falando com muito orgulho disso. Porque assim, tudo que eu passei para mim era um transtorno? Era um pesadelo? As histórias, a história da sandália então, nunca contei para ninguém gente, verdade. Mas hoje eu entendo o que eu fiz. E eu entendo quando um jovem faz algum tipo de coisa assim, porque assim, a falta de orientação ou de apoio, não é dar o que o jovem quer, não é dar o que o jovem precisa, é orientar como ele pode conseguir. É fazer com que ele não desista do que ele quer conseguir. Então, assim, eu lembrar disso, sem doer aqui dentro vocês não imaginam como eu ganhei, de verdade. Como me fez muito bem Fernanda, por você ter lembrado de mim, obrigada pelo presente. Diego, e vocês também que estão aqui, esse conjunto se não estivesse aqui, não seria possível. Estão me dando um prazer imenso, extraordinário mesmo. Porque assim, não é fácil lembrar, não é fácil falar, mas eu estou muito feliz.
P/2 - Nós também, parabéns.
P/1 - Obrigada.
P/2 - A gente gostou muito também.
P/1 - Que bom, não é a melhor história, mas é a minha história.
P/2 - É a melhor de todos os tempos, a melhor, do jeito que você conta, do jeito que você falou aí, muito bom.
[02:08:31]Recolher
Título: Ele pediu pra namorar comigo na roda-gigante
Data: 13/09/0018
Local de produção: Brasil / São Paulo / São Paulo
Entrevistador: Diego Silva Entrevistador: Fernanda Augusta de Morais Melo Personagem: Jailde Dantas dos Santos Teixeira Autor: Museu da Pessoahistórias que você pode se interessar
" ... e a roda a entoar um canto!"
Personagem: Ailton GuedesAutor: Ailton Guedes
" O meu sonho é viver"
Personagem: Maria do Carmo Pereira da SilvaAutor: Museu da Pessoa
""ALAÍDE SOUZA: Filha de Dona Domingas Costa""
Personagem: ALAÍDE SOUZA COSTAAutor: