Santa Cruz do Rio Pardo - Projeto Todo Lugar Tem uma História Para Contar
16 de outubro de 2018
Depoente Nair Aparecida Alves Florêncio
Entrevistadora Vanessa Pereira e Lia Cristina Parabente
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P/1 - Qual é o seu nome? O local onde a senhora nasceu e a data do seu nascimento?
R - Dia 16 ...Continuar leitura
Santa Cruz do Rio Pardo - Projeto Todo Lugar Tem uma História Para Contar
16 de outubro de 2018
Depoente Nair Aparecida Alves Florêncio
Entrevistadora Vanessa Pereira e Lia Cristina Parabente
SCRPHV005
P/1 - Qual é o seu nome? O local onde a senhora nasceu e a data do seu nascimento?
R - Dia 16 do onze de 65. Eu nasci aqui em Santa Cruz mesmo.
P/1 - E o nome?
R - Meu nome? Nair Aparecida Alves Florêncio.
P/1 - A senhora sempre morou aqui, dona Nair?
R - Sempre.
P/1 - Sempre?
R - Sempre. Fiquei dois anos fora daqui, em Sorocaba, mas voltei para cá.
P/1 - E como seus pais se chamam?
R - Meu pai se chamava Alcino Pontes e a minha mãe, Alice Alves Pontes.
P/1 - Certo. E o que eles faziam, Nair?
R - A minha mãe era doméstica e o meu pai era vigilante noturno. Muitas vezes, era empreiteiro. Uma coisa ou outra. Quando não tinha serviço de empreita ele pegava serviços de guarda noturno.
P/1 - Dona Nair, como foi a infância da senhora?
R - Que eu me lembre, não foi ruim, mas foi separada dos pais, porque o meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha seis anos. Quem me criou foi minha mãe, avó, avô e não os meus pais.
P/1 - E você teve irmãos?
R - Tenho. Tenho o Nivaldo, o Nilson, a Fátima, que são do primeiro casamento da minha mãe. Aí, depois, minha mãe casou novamente e eu tenho a Luciane, que é a caçula.
P/1 - E você tem um bom relacionamento com eles?
R - Graças a Deus, com todos.
P/1 - Com todos?
R - Graças a Deus.
P/1 - Todos moram aqui.
R - Não, aqui só mora eu, o Nilson e o Nivaldo. Em Piraju mora a Luciane e em Ourinhos mora a Fátima.
P/1 - E você se recorda de alguma coisa da sua infância, alguma coisa que te marcos?
R - Tipo, assim?
P/2 - Como era? A senhora morava onde? No sítio, na cidade?
R - Não, eu sempre morei na Vila 80.
P/2 - Na Vila 80?
R - Isso. É o outro lado da cidade.
P/2 - Mas é cidade.
R - É cidade, aqui, Santa Cruz.
P/2 - É cidade, em Santa Cruz.
R - É Santa Cruz.
P/2 - A senhora sabe como é que seus pais se conheceram?
R - A minha mãe fala que eles moravam nos fava, que eles moravam no sítio. A minha avó trabalhava na roça de café e ela ia levar almoço para a minha avó. Ela conheceu meu pai porque ele era namorado da minha tia. Os dois se separaram, ele continuou indo levar almoço. Um dia ele foi e roubou ela.
P/2 - Roubou?
R - É, na hora do almoço.
P/2 - Como assim, roubou?
R - Levou embora com ele. Fugiram, os dois.
P/2 - É?
R - Ela tinha 12 anos. 12 anos. Que absurdo, não é?
P/2 - Mas aí ficaram juntos.
R - Ficaram juntos. Até, eu acho, que eu tinha seis anos. O meu irmão é mais velho do que eu. Ele devia ter uns sete ou oito quando eles se separaram.
P/1 - Foi por conta de que a separação?
R - Aí eu já não sei porque eles se separaram. A minha mãe nunca entrou em detalhes e eu também nunca entrei em detalhes com ela do porquê da separação, mas parece que eles brigavam muito. Depois eles vieram embora para a cidade. Ele não gostava muito de trabalhar e a minha mãe é quem tinha de trabalhar para sustentar a casa. Aí minha mãe trabalhava de doméstica e ele ficava em casa, até que um dia ela se separou dele.
P/2 - E você lembra dele, da relação que vocês tinham com ele?
R - Lembro. Mesmo eles separados, nós nos encontrávamos. Eu ia na casa dele sempre.
P/2 - Mas até os seis anos você lembra de alguma coisa ou não?
R - Muito pouco.
P/2 - Muito pouco.
R - Lembro que nós morávamos em uma casinha de três cômodos e que a minha mãe punha do lado de fora da casa quatro tijolos para fazer comida. Punha pó de serra dentro do fogão, uma garrafa. Não, punha a garrafa, socava com pó de serra. Depois puxava a garrafa e tacava fogo para fazer comida. Arroz e feijão.
P/2 - Vocês passaram por dificuldade?
R - Muitas. Muitas. Meu irmão até brincava que dentro da panela que a minha mãe fazia feijão podia soltar um cachorro perdigueiro para caçar o feijão. Meu irmão brincava, sabe? Mas a minha avó trabalhava com a Dona Cota, do Agostinho Marinho. Eles faziam comida para os presos e a minha avó trabalhava para eles, de cozinheira. Aí, toda a comida que sobrava, o meu tio trabalhava no Suzuki, ele pegava a bicicleta, à tarde, e ia levar a janta para nós. Porque toda a comida que sobrava, a patroa da minha avó dava para ela e a minha avó mandava o meu tio levar para nós e para não passarmos necessidade, nunca. Então, quer dizer: passávamos necessidade por conta de dinheiro, mas por falta de alimentação nunca passamos porque a minha família nunca deixou, nem a minha avó, minhas tias, meus tios, nunca deixaram minha mãe passar fome com os filhos. Mas era assim: minha avó e a minha mãe trabalhavam. A minha mãe trabalhou por muitos anos para a Cinira, do Mário Lúcio. Não sei se você conhece. A Cinira dava, também nos ajudava muito. Sabe o Mário Lúcio, que tinha a garagem ali perto do Posto de Saúde? A minha mãe trabalhava para ela. Trabalhou muitos anos lá. A Cinira dava roupa, calçado para mim.
P/1 - E você estudou, Nair?
R - Eu estudei.
P/1 - É?
R - Estudei até a quinta série.
P/1 - E você tem alguma recordação da escola?
R - Tinha. Eu era muito briguenta na escola. Era muita reclamação para a minha mãe. Bastante.
P/1 - O que você fazia, Nair?
R - Eu batia nos moleques, matava aula, saía na hora do recreio e ia embora, porque eu morava na esquina da escola, na segunda casa. No dia a minha mãe trabalhava, eu ficava em casa. No dia que eu queria ir na escola, eu ia. O dia que eu não queria, eu ia no serviço da minha mãe. Matava aula e ia lá. Chegava lá e mentia para a minha mãe, que não tinha aula depois do recreio.
P/1 - E estudou até a quinta série. Por que você parou? Não quis continuar?
R - Porque eu não gostava de estudar. Se tivesse escutado o conselho da minha mãe, teria ido até o fim, mas não fui.
P/1 - Hoje você se arrepende?
R - Muito, muito mesmo. Eu acho que qualquer filho que não escuta o conselho da mãe se arrepende e muito por não ter estudado. Porque, até então - é o que eu falo para a minha filha: quando a minha mãe falava para mim, entrava por um ouvido e soltava por outro. Mas, hoje, se eu tivesse escutado o conselho dela, eu teria alguma coisa na vida, um estudo, um serviço digno. Sempre tive serviço digno, graças a Deus. Trabalhei 13 no Chapadão do Suco, trabalhei 12 anos na SABESP e trabalhei dois anos e meio na casa do Alquino Rosso. Sempre tive, graças a Deus, mas poderia ser melhor se eu tivesse estudado. Mas me arrependo nessa parte só, de não ter. Porque hoje eu estou com 52 anos. Eu poderia ter uma profissão ótima. Igual meu irmão, que estudou. Hoje meu irmão trabalha. Ele é motorista da Prefeitura, transporta as crianças da APAE, tem o maior carinho com as crianças. Você poderia prestar um concurso, trabalhar. Mas, não.
P/1 - Dona Nair, você se recorda qual foi seu primeiro namorado? Quando você começou a namorar?
R - Me recordo.
P/1 - Você ficava, assim? Como é que foi?
R - Meu primeiro namorado foi com 12 anos. Eu fui na casa do meu pai, que morava na Divineia, para passar um final de semana. Eu fiquei lá e comecei a paquerar um mocinho. Meu irmão subiu depressa, o Nilson. Subiu e contou para o meu pai. O Nivaldo veio bem depressa: “Na, o Nilson foi contar para o pai que você está conversando com o rapazinho aí no escuro. Corre por aqui que o pai vem por aqui com o reio”. Aí, eu fui bem depressa. Cheguei e deitei no cantinho da minha madrasta bem quietinha, sabe? Aí o meu pai: “cadê ela? Cadê a Nair?”. Aí a minha madrasta falou assim: “está dormindo já. Por quê?”; “porque o Nilson falou que ela estava lá embaixo conversando com um rapaz”. Aí a minha madrasta falou: “não, ela está aqui”; “ah, se eu pego”.
P/1 - Então a sua madrasta era boa para você.
R - Sempre foi. Até hoje. Meu pai já faleceu, mas ela é um amor de pessoa. Você vai na casa dela e ela não sabe o que faz com você. Ela é muito, muito boa. Graças a Deus.
P/2 - E lá na casa, nesse bairro que você morava, você tinha amigos? Como que era? Do que vocês brincavam?
R - Eu não tinha amigos. Nunca tive. Meus amigos sempre foram assim: a minha tia Maria e a minha tia Vera. E meus primos, que iam lá de vez em quando. Mas a melhor amiga que eu tinha, mesmo, era mesmo a tia Maria, a tia Vera e a tia Ivone. Só as três. Nós brincávamos de passar batom. Nós íamos na escola e começávamos a paquerar. Nós ganhávamos dos meninos esmalte, pó de arroz, aquelas caixinhas, redondinhas, e nós escondíamos. Na frente de onde morávamos, lá na Vila 80, era tudo terra, até então. Tinha um mato que se chamava Leiteira. Nós subíamos naquele matinho e escondíamos o batom, esmalte, pó de arroz. Quando eles iam trabalhar - minha avó, meu avô, minha mãe, meu tio Valdomiro - nós íamos lá passar. Nós fizemos uma trilha, assim, no matinho e sentávamos lá, passávamos esmalte, batom, pó de arroz.
P/1 - Quantos anos você tinha quando fazia isso?
R - Eu acho que eu tinha uns nove, dez anos. Por aí. Nós tínhamos de tirar o batom e o esmalte antes de eles chegarem, senão apanhávamos. Aí, depois, nós íamos raspar a perna, escondidas. Era disso que nós brincávamos. Pegávamos chuchu, fazíamos cavalinho para brincar, com pau. Minha tia Ivone pegava boneca de milho verde, com cabelinho, embrulhava com pano para brincarmos de filhinho. Pegava abobrinha, fazia olho, boquinha, embrulhava no pano para brincarmos no colo. Era assim.
P/1 - Essas tias eram novinhas, mais velhas? Como que é?
R - A tia Ivone deve ter uns 65, mais ou menos.
P/1 - Era mais velha.
R - Era a mais velha, a tia Ivone. A tia Maria deve ter uns 58 e a tia Vera tem a mesma idade que a minha, 52.
P/1 - Elas são tias, mas tinham uma idade.
R - Só a tia Vera que é seis meses mais velha do que eu. As outras são mais velhas, bem mais. Mas eram assim as nossas brincadeiras.
P/1 - (inint) [00:13:15].
R - Uma brincadeira de pular corda que nós brincávamos, de amarelinha, sabe? Mas só entre nós: os primos e as tias.
P/1 - Mas tinham crianças na vizinhança?
R - Eu não lembro de ter criança na vizinhança não. Não lembro não.
P/1 - E na escola você não fez muitas amizades também?
R - Não. Na escola não. Na escola a gente não tinha muita amizade não. Tinha uma ou duas que nós conversávamos, tudo, mas de falar: “vai em casa para nós brincarmos”, não. E depois, nós começávamos a trabalhar muito cedo também. Minha avó nos levava para o serviço, a minha mãe levava. Nós não ficávamos soltos. Era bem trabalhoso.
P/1 - Com quantos anos você começou a trabalhar?
R - Eu ia com a minha avó para o serviço com nove anos. A minha avó trabalhou 35 anos na casa do doutor Acácio Santos, perto da Santa Casa. Um pouquinho para baixo, uma casa que tem um portão de madeira. Não sei se você já viu ali. Aquela casa, antiga, tem rodapé todo branquinho em volta. Eu com a minha tia íamos limpar o rodapé para a minha avó. Minha avô colocava uma espuma, nós ajoelhávamos em cima e íamos esfregando com a buchinha, sabão e QBoa, passando o pano, torcendo no balde e limpando o rodapé até ficar branquinho. Nós lavávamos o quintal para a minha avó. Aquela área da frente era imensa para nós. Hoje você olha lá e fala: “nossa, com duas rodadas eu a limpo”, mas na época dava até vontade de chorar de limpar aquela área, encerar, passar enceradeira. Era difícil.
P/1 - E quando que você começou a ganhar dinheiro com o seu trabalho?
R - Com o meu trabalho mesmo eu comecei a ganhar dinheiro quando eu tinha uns 13 anos, mas, assim, quando eu ia ajudar a minha avó ela dava dinheiro para nós comprarmos salgado, para tomar aquelas caçulinhas, guaranazinho, paçoquinha. Ela nos dava dinheiro para comprarmos, sabe? Nunca (redicou) [00:15:30] dinheiro para nós. Nós pedíamos e ela dava.
P/1 - E com 13 anos você também ia com a sua avó ou não? Você já ia sozinha em outro trabalho?
R - Com 13 anos eu já trabalhava. Trabalhava para o José Roberto Benson. Ele é gerente da SABESP hoje, em Assis. Eu olhava a neném dele, para a Marli Blisário, a esposa dele. Era ali perto do Posto Humaitã. Eu olhava a Daniela, a filha dele. Eu fiquei um tempão lá. Saía, voltava.
P/1 - Gostava?
R - Gostava. Gostava sim. Às vezes eu falava: “não vou mais lá olhar a criança não”. Aí eu ia embora, ficava uns dias em casa e depois ela voltava, ia atrás de mim. Era muito bom trabalhar com eles. Nunca foi ruim, sabe? Eles iam para o sítio, nós íamos também, ficávamos lá com eles. Era tipo uma família, sabe?
P/1 - O que você ensinava para a Dani?
R - Para a Dani? Nós brincávamos. Brincávamos de boneca, de fogãozinho, de panelinha, essas coisas. Colocava fralda na boneca, pintava a unha da boneca. Essas coisas que eu ensinava para ela.
P/2 - E quantos anos você tinha quando exercia a profissão de babá?
R - Acho que tinha uns 13, 14 anos já.
P/2 - Quem te indicou para esse serviço? Quem arrumou para você?
R - Eu não lembro. Parece que foi a minha avó que estava conversando. Eles moravam ali naquela rua do campo da Esportiva, descendo. Parece que a minha avó estava conversando no portão do serviço dela, alguma coisa assim. Alguém falou e a minha avó me mandou ir ver. Eu fui. Eu lembro como se fosse hoje. É verdade, eu fui lá. A mãe dela, a dona Angelina, falou assim: “não, não sou eu que estou precisando. É a minha filha”. Até então ela estava grávida. Era mais para fazer companhia para ela. Depois que a Dani nasceu que eu fiquei olhando ela. Acho que é isso mesmo. Eu ficava na casa da dona Angelina, com a Dani, às vezes a dona Angelina olhava a Dani e eu fazia serviços para ela. Lavava louça, ela me ensinava a lavar panela, sabe? Ela falava assim para mim: “areia com a ponta do dedo, assim, por dentro”. E eu areava as panelas para ela, ajudava ela. Aí sentava, ela contava história para nós, lia revista para nós. Era gostoso. Era divertido.
P/2 - Dona Nair, a senhora ainda mora na mesma casa que a senhora nasceu?
R - Não. Eu mudei aqui para São João há nove meses, mas eu sempre morei lá na Vila 80.
P/2 - Naquela casa perto da escola ou só (inint) [00:18:38].
R - Não, não. Depois da casa que era perto da escola, que era da minha avó, nós mudamos dois quarteirões para frente da escola. Faz nove meses mesmo que eu mudei de lá. Eu morava quase pertinho da escola mesmo. Depois eu casei, mudei de lá. Mudei para umas quatro ou cinco quadras para cima da escola.
P/2 - (inint) [00:19:08] daquela comunidade, naquele espaço.
P/1 - Como você conheceu o seu marido?
R - O meu marido eu conheci assim: quando tinha o posto do Guiné Garcia, tinha um restaurante lá. Era da dona Vera. A dona Vera pediu para minha mãe se ela deixava eu ajudar a lavar louça, lavar verdura para ela. Eu fui. Meu marido tinha uma borracharia do lado do posto. Eu conheci meu marido lá na borracharia.
P/1 - Você tinha quantos anos?
R - Eu tinha 15 para 16 anos.
P/1 - Casou com essa idade?
R - Não. Casei com 17 anos e meio.
P/1 - Foi seu primeiro namorado?
R - Não. Namorado sério foi. O primeiro, assim, que foi em casa. Foi o primeiro.
P/2 - Fora aquele dos 12 anos tiveram outros?
R - Não, esse aí era namoro só de conversar. Não é namoro de beijar, abraçar. Jamais. Era namoro, assim, que você ficava olhando na pessoa, que você ficava conversando com a pessoa. Você achava que namorava, mas não é namorado de beijar, abraçar igual meu marido. Não era, de jeito nenhum.
P/2 - Foi o primeiro namorado.
R - Foi o primeiro namorado, sério mesmo. Eu fui na quermesse quando conheci ele. Eu só saía com a minha tia. A minha mãe só deixava sair com a minha tia. Se ela fosse, eu ia. Se não, não. Nós fomos na quermesse e e eu marquei encontro com ele na pracinha do santuário. Eu falei: “tia Maria, eu conheci um rapaz, assim. Eu quero namorar ele”. Ela falou assim: “mas e se a sua mãe souber?”. Eu falei: “a senhora não vai contar, vai?”. Ela falou: “não, não vou. Mas nós fazemos assim: nós voltamos mais cedo, você fica ali um pouquinho, conversando com ele e já entra”. Nós fomos na quermesse, na São Benedito. Ficamos lá e na hora que fomos embora, chegando quase no portão de casa, eu falei assim para ele: “agora você volta porque senão a minha mãe vai te ver”. Ele falou assim para mim: “não. Se ela me ver não tem problema. Eu converso com ela”. Minha mãe abriu o vitrô, assim, tipo desse aqui. Ela abriu e falou assim: “que bonito, né? Eu já vi”. E aí saiu lá fora. Ela falou assim para mim: “você entra para dentro”. Eu entrei. Ela conversou com ele e ficaram de conversar no dia seguinte. Ele foi lá no dia seguinte conversar com ela. Me pediu em namoro. Nós namoramos, ficamos noivos, casamos. Tive meu primeiro filho.
P/1 - Ele tinha quantos anos?
R - Ele tinha 28.
P/2 - Você está com ele até hoje?
R - Não. Ele faleceu quando o meu filho tinha um mês e 15 dias. Ele faleceu de acidente de caminhão.
P/2 - A senhora tem quantos filhos?
R - Tinha três. Agora tenho dois.
P/2 - Tinha um ano, que a senhora falou? Que o último menino tinha?
R - Um mês e 45 dias.
P/1 - Um mês e 45 dias quando ele faleceu? De acidente?
R - Acidente de caminhão. Ele era caminhoneiro. Depois da profissão que ele teve, de borracheiro, ele foi trabalhar de caminhoneiro para o primo dele. Ele transportava milho para as granjas da redondeza de São Paulo. São Paulo, Botocatu, para aqueles lados.
P/1 - Vocês ficaram quantos anos casados, Nair?
R - Casados? Um ano, se foi.
P/1 - Vocês viviam bem?
R - Graças a Deus, muito bem. Não tinha o que reclamar dele.
P/2 - Só um ano ficou casada com ele.
R - Só um ano.
P/1 - Depois você ficou viúva.
R - Depois fiquei viúva.
P/2 - E vocês foram morar onde? Ali por perto também?
R - Quando eu casei, morei a umas cinco quadras para cima da escola onde eu morava. Pertinho da minha mãe, da minha avó. Tudo pertinho.
P/2 - Em uma casa que era só de vocês dois.
R - Só nós dois.
P/2 - E como é que era? Como foi ser pedida em casamento? A senhora era nova, não é?
R - Eu era.
P/2 - E foi pouquinho. Vocês namoraram quanto tempo?
R - Namoramos por uns dois anos e pouco. Depois ficamos noivos e já casamos. Quando nós casamos, fomos morar lá nessa casa onde ele faleceu. Até então, quando eu casei, eu ia na minha mãe e falava: “mãe, preciso comprar uma blusa que eu queria. Eu vi na loja, lá”. Minha mãe falava assim: “mas tem de pedir para o seu marido”; “eu não. Eu tenho vergonha de pedir as coisas para ele”. A minha mãe e meu padrasto: “dá a blusa para ela. Dá o dinheiro para ela comprar”. Eu lembro que, na época, era coisa de oito, nove reais, sabe? Aí a minha mãe falava assim: “cadê o dinheiro? Mas você tem de pedir para ele, agora. Ele é seu marido. Você tem de pedir as coisas para ele”. Um dia nós estávamos lá conversando e meu irmão comentou qualquer coisa, assim. Ele falou assim para o meu irmão: “a partir de hoje, vou no Bradesco. Vou abrir uma conta. É conta conjunta. Eu deixo o talão de cheques para ela”. Foi assim. Depois ele logo faleceu. Eu mesma abri conta para mim no Banco do Brasil, sabe, depois que ele faleceu.
P/1 - Ele deixou alguma renda para você, Nair?
R - Deixou um salário mínimo. Ele deixou.
P/1 - E depois você conheceu outra pessoa?
R - Depois que ele faleceu, fazia acho que uns seis anos, eu voltei com um ex-namorado que eu tinha paquerado na infância, sabe? Mas foi coisa passageira. Depois não deu certo, também, porque já tinha meu filho. Demorou muito tempo, acho que eu já tinha uns 25 anos, mais ou menos, e eu conheci o pai do meu filho, do Fabrício, esse que faleceu. Nós ficamos juntos por uns seis anos e ele também faleceu. Ele morava no Paraná. Ele também trabalhava como caminhoneiro e fez uma cirurgia no coração. Aposentou e não vinha mais para cá, para viajar. Ele tinha uma Kombi, que usava para vender roupa, no Paraná. Bateu a Kombi e morreu. Sofreu um acidente gravíssimo no Paraná.
P/1 - E você teve filho com ele?
R - Tive.
P/1 - O segundo filho.
R - O Welington Fabrício. Ele morreu há dois anos. Fez em maio. Deu um infarto fulminante. Ele fumava, bebia e usava droga. Ele faleceu de repente. Ele saiu umas 17h. Eu falei: “onde você vai?”. Ele estava com a camisa nas costas, passou o portão. Na rua, ele falou assim: “eu sou igual a uma folha seca. Vou onde o vento me levar”. Brincando, sabe? Eu falei: “vai chover, menino”. Ele falou: “deixa que eu volto”.
P/1 - Você estava com ele quando ele morreu.
R - Com o meu filho?
P/1 - Com esse segundo marido.
R - Não, ele já tinha falecido. Meu filho faleceu com 24 anos. O pai dele faleceu quando ele tinha seis ou sete anos. Até então o meu filho que saiu e deu tchau.
P/1 - O seu filho.
R - Meu filho que saiu e deu tchau. Subiu a rua, desceu a outra, subiu, virou e desceu. Bem na esquina de casa, na casa da vizinha. Ele estava lá conversando com o filho da vizinha, se sentiu mal. Pediu um copo de água. Ela falou assim: “entra aqui”. Ele nunca entrava na casa dela. Ela falou assim: “entra aqui”. Ele falou assim: “dá licença, dona Fátima”. Ela: “entra aqui na cozinha”. Ele falou: “não, eu quero um copo de água”, na sala. Ela trouxe o copo com água para ele e falou: “entra aqui na cozinha, para você comer, para passar”. Ele falou: “não, dona Fátima. Eu estou passando mal”. Tomou água e caiu. Ela chamou o resgate. O resgate demorou para socorrer ele. Ela disse assim, que ele caiu e já começou a soltar sangue pela boca, nariz, ouvido. O meu irmão que sabe melhor. Eu não vi. O meu irmão que foi lá.
P/1 - Faz dois anos, não é? E ele estudava ou não?
R - Não. Trabalhava de pintor. Ele não estudava não.
P/1 - Esse era o segundo, não é?
R - É, o segundo. O meu primeiro filho está preso lá em Belenzinho, em São Paulo. Por droga também.
P/1 - Droga?
R - Droga.
P/1 - Quando a senhora acha que isso tudo estava acontecendo?
R - Então, menina, eu trabalhava muito para cuidar deles. Eu não tive tempo de olhar. Sabe, de perceber que eles estavam usando droga.
P/1 - A senhora não chegou a perceber? Eles não mudavam o comportamento?
R - Não.
P/1 - A senhora não conseguiu.
R - Eu fui descobrir - esse que faleceu com 24 anos - que ele estava usando droga quando a Carol, minha filha, tinha dois anos e meio para três. Ele tinha 15 anos quando eu descobri que ele estava usando droga. Mas ainda era o começo. Estava começando com maconha.
P/1 - Mas a senhora descobriu como?
R - Eu achei a maconha. Eu fui mexer no meu guarda-roupa, onde eu guardava tapete, e bem embaixo deles eu achei um negócio amarrado. Até então eu não conhecia maconha. Eu achei um saquinho amarrado, eu guardei, tirei do lugar. Falei: “vou ver o que é isso”. Um cheiro estranho. Parecia, mais ou menos, óregano. Eu mostrei para a vizinha. Essa uma em que ele faleceu na casa. Ela me falou: “isso aqui é maconha. Onde você achou?”. Eu falei: “dentro do meu guarda-roupa. E agora? É do Elton ou do Fabrício? Um dos dois vai ter de reclamar”. Fiquei quieta. Ninguém reclamou. Nem o Elton, nem o Fabrício. O Fabrício olhava a Carol para mim. Até então, morávamos na frente da casa da minha mãe e ela ajudava ele a olhar. Eu levantei cedo para ir trabalhar e falei: “Fabrício, vai no quarto da mãe com a Carol, que e mãe vai trabalhar”. Ele levantou agressivo, sabe? Acordou agressivo. “Puta que pariu, não vou olhar mais ninguém. Não quero mais saber de olhar ninguém. Vou arrumar um serviço para mim e vou trabalhar”. Eu falei assim: “Fabrício, o que está acontecendo com você?”. Ele nunca tinha falado alto comigo, nem nada. Eu comecei a chorar. Minha mãe me escutou chorando, porque era só atravessar a rua, assim. Minha mãe: “o que está acontecendo?”. Eu falei: “mãe, o Fabrício acordou estranho, xingando”. A minha mãe conversou com ele e acalmou tudo. Eu fui trabalhar, normal. Aí, depois, eu fui conversar com o filho da vizinha. Eu falei: “Rodolfo, por acaso o Fabrício está usando droga?”. Não, perguntei para o outro, para o Juninho, para o Biro. “Biro, o Fabrício está usando droga?”. Os dois eram mais amigos. O Biro falou assim: “Nair, se tiver eu não estou sabendo”. O Rodolfo, filho da Fátima, da Fatinha, falou assim para mim: “está sim, Nair. O que eu não quero para mim e para os meus irmãos eu não quero para o filho da senhora. E você não devia mentir, Biro, porque foi você que deu a primeira vez. Por que você está mentindo para ela? Ela é mãe. Elça tem o direito de saber”. Eu fui e conversei com o meu irmão, com o Nivaldo. Eu e o Nivaldo somos muito ligados um ao outro. O Nivaldo conversou com ele. Ele falou: “ela é louca. Você não está vendo que ela é louca? Eu não mexo com isso”. Ele chama meu irmão de pai. Até então, quando eu fiquei viúva pela primeira vez, meu irmão foi morar comigo. Meu irmão morou quase 12 anos comigo. Meu irmão me ajudava a cuidar deles. Meu foi conversar com ele, ele falou que tudo era mentira e ficou por isso mesmo. Mas até então ele continuou a usar. Eu levei em médico, levei em Ourinhos, comprava remédio caro para ele, sem poder. Ele ficava um tempo e depois voltava.
P/1 - Você acha que a morte dele foi por conta do uso de drogas?
R - Foi. Foi porque você vê que a droga enfraquece o pulmão, coração e cérebro. O álcool faz a mesma coisa. O que acontece: vai usando droga, o coração vai enfraquecendo, o pulmão vai enfraquecendo. Usa álcool. O álcool vai inchando. Incha o coração, o fígado. Aí não tem conserto.
P/2 - Ele não era casado.
R - Não.
P/2 - Não. Nem tinha filhos.
R - Tinha uma filha de sete anos quando ele morreu.
P/2 - A senhora tem uma neta, então.
R - Tenho, tenho dois netos. Tenho o Jonathan, que é filho do Elton e tenho a Ana Flávia, que é a filha do Fabrício. Tenho dois.
P/2 - No começo a senhora falou que teve três filhos. R - O Elton, Welington e Carol. Carolina Vitória.
P/2 - A Carolina.
R - O Elton é o que está preso, o Welington é o que morreu e a Carol está na escola. Eu acho que está aqui, agora. É 13h30 que ela entra. Deve estar aqui.
P/2 - E como foi a notícia? A senhora pode falar disso? Quer falar? Dele, que está preso? Como foi essa notícia?
R - Do meu filho que está preso? Foi assim: ele me falou que ia para Camboriú com a mulher dele, mãe do Jonathan. Eu falei assim: “Elton, você não vai, porque você é usuário de droga”. Eu sou sincera. Eu falo: “você é usuário de droga. Você não pode ir para cidade, de fora. Chegando lá você vai aprontar e não vai dar bom para você. Você vai preso. Se for perto, dá para ver, dá para ir visitar, porque, longe, não tem dinheiro, não tem condições”. Ele falou assim: “não, a senhora não confia em nós. Eu estou falando que eu vou para lá porque eu quero mudar de vida. Aqui nessa cidade ninguém dá serviço, ninguém confia em nós”. Eu falei: “então está bom. Vai”. Foi em dezembro. Vendeu todas as coisas da casa e foram para lá, ele, a mulher dele e o filho dele. Sempre estava ligando, estava tudo bem. Em fevereiro ele ligou e falou assim: “a Camila foi embora”; “foi embora para onde?”; “foi para Santa Cruz”; “então ela veio embora?”; “acho que foi. Não sei”; “você está fazendo o que aí, sozinho? Vem embora também”; “não, eu vou continuar aqui”. Até então a Camila não me procurou, nem nada. Eu liguei para ela: “Camila, você largou o Elton lá sozinho? Você sabe que ele não tem estrutura para ficar sozinho lá”. Ela: “ele andou aprontando lá. Eu larguei ele lá”. Ele ligou para a minha tia aqui em Santa Cruz e pediu para ela 100 reais, para que ela depositasse para ele porque ele viria embora. A minha tia depositou. Em vez de ele pegar o dinheiro e vir embora para cá, ele foi para São Paulo. Lá, em São Paulo, estava usando droga na cracolândia e foi preso lá. Graças a Deus que foi preso, porque se estivesse na rua e não tivesse sido preso, era perigoso até ser morto lá em São Paulo. Ele escreveu para a Camila. Até, hoje, estava ligando para minha irmã tentando contato para ver se escreve alguma coisa para ele. A minha irmã estava conversando com uma senhora lá de São Paulo que mandou recado para ela no Face, que ele queria que entrassem em contato com ele, tudo. A minha irmã ligou para a mulher e minha irmã disse que não conseguiu contato com ela, que ela está em outra dominação. São evangélicos que vão na Igreja e procuram as famílias. Ela falou que está em outra dominação e não mais naquela, então não está mais fazendo visita nesse presídio, mas que ela iria encontrar alguém e ia passar para a minha irmã, para ela passar para mim.
P/1 - Foi fevereiro desse ano.
R - Que ele foi preso?
P/1 - Foi isso aí.
R - Eu não sei o dia certo que ele foi preso, se foi fevereiro ou março. Eu lembro que a última vez que ele ligou para mim foi dia quatro de fevereiro. Depois não ligou mais. Ele escreveu para a mulher dele, que está preso lá. Mas ela disse que não sabe onde colocou o endereço dele, sabe? “Eu não acho o endereço dele”. Não é. É que ela não quer dar mesmo. Aí você já sabe. Nem fico em cima, também. Dá ou não dá, sabe? A minha irmã está tentando conseguir o endereço para mim. Meu irmão me disse que é para ir no fórum, que eles passam o endereço. Vamos ver. Se a minha irmã não conseguir, vou ver se consigo. Eu não fui atrás até agora porque, para falar a verdade, eu não quis ir atrás. Vou deixar ele sofrer um pouco para ver se cria juízo. Para ver não. Vai criar, se Deus quiser. Eu tenho muita fé em Deus, graças a Deus, porque se não fosse Ele, eu não estaria em pé, aqui, hoje. Porque o que eu já passei em minha vida só Deus sabe. Mas eu dei a volta por cima, graças a Deus. Eu estou esperando para pegar o endereço certinho, para eu ir lá ou escrever, sabe? Mas eu vou deixar ele ficar um pouquinho lá e sofrer um pouquinho, porque aqui sempre de tudo. Eu posso ser uma pessoa assim, simples, mas eu nunca deixei faltar nada para eles. Nem para a Carol, nem para o Elton, nem para o outro que faleceu. Até 21 anos, meia e cueca sempre fui eu que comprei.
P/1 - Dona Nair, de qual relacionamento a Carol foi o fruto?
R - A Carol foi assim: eu namorei ele depois que meu marido faleceu. Mas, até então, ele era solteiro. Não era casado. Eu namorei ele por uns seis anos e larguei. Depois, nós voltamos. Ele já era casado. Acho que ficamos juntos duas ou três vezes e eu fiquei grávida da Carol, mas nunca fui atrás dele e nem nada, por pensão, por nada. Eu sempre cuidei dos meus filhos. Nunca. Graças a Deus. Da Carol foi assim.
M1: Espera só um pouquinho. Ela vai (inint) [00:41:00].
P/2 - Ela vai abrir a porta, faz (inint) [00:41:02].
M1: A senhora quer aproveitar e enxugar o rosto? A senhora está suando.
R - Não.
P/1 - Quer tomar uma água?
R - Eu quero água.
P/1 - Tchau, querida.
R - Eu vou ali tomar.
M1: (inint) [00:41:11] pegar o microfone. Ela traz.
R - Está bom, obrigada.
Várias vozes: (inint) [00:41:16].
F: Tchau.
P/1 - Deus te abençoe, viu?
R - Tchau. Obrigada.
P/1 - Nair, e como foi a criação da Carol?
R - A Carol sempre foi criada muito bem. A pão-de-ló. A Carol sempre foi assim. A Carol sempre foi a menina do meu coração, dos meus olhos. Sabe, que você sempre quer ter uma filha mulher? Quando eu fiquei sabendo que era mulher, para mim foi a maior felicidade do mundo. Sabe aquela coisa, assim, você já está com idade, com 39 anos, esperando uma filha mulher. Não só por ser mulher, porque já é um bebê. Com 39 anos você já tem mais cabeça, mais preocupação. Isso pode, isso não pode. A Carol sempre foi muito mimada, muito. Não só por mim. Pelos meus irmãos, meus filhos, minha mãe, meu padrasto - que ela chamava de avô, também. Ela sempre foi muito mimada. Ela queria uma bala, você vai lá e compra. “Mãe, eu quero isso”. Você vai lá e compra. Até então, essa foi a revolta dela. Era só eu e ela. Ficávamos nós duas juntas. Dormíamos juntas, acordávamos juntas. Depois que eu arrumei um namorado, ela estava com 11 anos. Foi a revolta dela. Meu filho tinha falecido. Fazia um ano e pouquinho que eu estava namorando quando meu filho faleceu. Aí ela ficava mais atrás do meu filho que faleceu. Ela tinha um ciúme de mim e tem até hoje.
P/1 - Hoje você está com esse que você namorava.
R - Estou. Nós estamos morando juntos. Depois que o meu filho faleceu que ele veio morar comigo, de verdade. Ela ficou enciumada, sabe? Aconteceu assim: meu padrasto morreu, meu filho morreu. As duas pessoas que ela era mais apegada. Ficamos só eu e ela. O Elton foi preso. Não que ela não gostasse do meu namorado. Ela gostava. Ela tinha a maior amizade com ele. Ele tinha a banca na feira e ela ia lá todo domingo. Eu estava trabalhando, porque era aqui no Rosso. Eu trabalhava aos domingos também. Era um domingo sim, um domingo não. Um sábado sim e um não. Ela ligava lá da feira para mim. “Mãe, estou aqui na feira, na banca com o Ezequiel. Estou comendo pastel, estou aqui conversando com ele”. Tudo bem. Quando ela descobriu que nós estávamos namorando, ela se revoltou.
P/1 - Ele é bom para você, Nair?
R - Ele é uma pessoa maravilhosa. Abaixo de Deus, ele me ajudou muito, sabe? Porque, para mim, perder meu filho foi muito difícil.
P/1 - Trouxe alguma consequência, isso, para você?
R - Do que você fala?
P/1 - A perda do seu filho.
R - Foi muito difícil. Eu entrei no álcool depois que perdi meu filho. Comecei a beber, sabe? Comecei a beber, beber exageradamente. Você pode não acreditar, mas você pode perguntar para o meu irmão, o Nivaldo. Pedir as minhas fotos para ele, que ele vai te mostrar. Eu parecia uma caveira. Eles me internaram no hospital, em Adamantina. Eu estava em casa e não sei quem falou assim para mim: “você já foi no...”, ai, esqueci o nome. “Sabe um projeto da Fátima, lá do Posto de Saúde? Você já foi lá?”; “eu não. O
que eu vou fazer lá?”. A Fatinha que me falou, a minha vizinha. Eu falei: “o que é que eu vou fazer lá?”; “lá eles conversam com você. Você vaio parar de beber”; “mas na hora que eu quiser parar de beber eu paro. Eu não sou alcoólatra”. Um dia eu falei: “eu vou lá”. Eu fui conversar com a Fátima. Ficava lá, conversava, mas eu ia bêbada. Ela falava: “você parou de beber?”; “parei”. Mentira. Eu não tinha parado. Ela falou assim: “vai no doutor Marcelo. Ele vai te ajudar”. Eu fui lá no doutor Marcelo. Ele me deu um monte de cartela de remédio. Eu cheguei em casa: “se eu beber esse remédio, vou beber em cima e aí eu vou morrer. Eu não estou aguentando nem mesmo andar”, pensei comigo. Até então, a Carol foi para o lar. Ela mesma tomou a decisão e foi.
P/1 - Quantos anos ela tinha?
R - Ela ficou um ano e seis meses no lar.
P/1 - O lar é o que, dona Nair?
R - O lar é o que acolhe as crianças de pais e mães que não cuidam.
P/1 - Ela (inint) [00:47:20] resolveu ir para lá. Mas a senhora não estava cuidando dela, estava bebendo?
R - Não estava, eu estava bebendo muito. Mas não deixava faltar nada para ela, sabe?
P/1 - Sim.
R - Eu não me lembro, não recordo. Parece que ela brigou comigo e eu fui bater nela. Ela foi no Conselho Tutelar. Eu não pergunto, sabe? E eu não recordo. Eu sei que ela foi no lar, no educandário das crianças. Ela foi lá. Demorou um tempão para eu a ver depois que ela foi lá. Eu comecei a beber mais ainda.
P/1 - Quanto tempo foi isso, Nair, que ela foi para lá?
R - Ela foi para lá dia sete de abril do ano passado. Dia sete de abril, agora, fez um ano que ela estava lá. Eu fui internada em Adamantina. Fiquei internada lá por um bom tempo. Acho que dois meses, por aí. Não lembro, não tenho recordação das datas, mas lembro que fui internada e que foi a mulher do meu filho que me internou. Eu lembro que eu estava em casa e já não aguentava mais andar. Para eu andar, tinha de andar escorada na mesa. Tremia, tremia, porque eu não comia, não bebia nada, só bebia pinga. Pinga pura. Ela falou assim para mim: “vou te levar no médico”. Eu lembro que ela falou assim: “você vai?”. Eu falei: “vou”. Mas eu não sei de que jeito ela me levou no médico, que médico que eu passei, que jeito que cheguei na UPA. Eu não sei, não lembro.
P/1 - Mas ela acompanhava a senhora nesse grupo de dependentes químicos que a senhora já estava participando?
R - Quem?
P/1 - A sua irmã que hospitalizou a senhora.
R - Não, a minha cunhada.
P/1 - A sua cunhada.
R - Não, foi assim: esse grupo de dependente ninguém me encaminhou. Eu ia sozinha.
P/1 - Mas ela sabia que a senhora já frequentava esse grupo.
R - Sabia, porque eu ia sozinha mesmo. Eu ia lá, conversava com a Fátima, vinha embora. Fui ao médico. “Eu não vou tomar esses remédios porque eu vou morrer”. Não tomei. Deixei na gaveta. Eu lembro que passou o tempo. Eu não tenho recordações de quando eu bebia, do que acontecia. Eu não tenho. Eu bebi demais. Eu lembro que eu levantava de manhã e não via a hora de clarear para beber alguma coisa. E eu bebia. Só que eu bebia e quase morria de vomitar.
P/1 - E o seu companheiro? Que atitude que ele tinha?
R - Ele saía cedo para trabalhar. Ele ia trabalhar, mas ele também bebia. Ele saía cedo para trabalhar, deixava a comida feita, fazia café, fervia leite, buscava pão, fazia tudo. Mas os meninos que estavam na rua eu chamava. “Você vai lá pegar para mim? Eu te dou um”. Eu escondia. Até quando eu fui internada, a minha tia achou um monte de pinga escondida em casa. Em cada canto que ela procurava, ela achava uma garrafa de pinga. Sabe essas garrafinhas de Gatorade? Eu comprava naquelas garrafas para os outros não saberem que era pinga. Ai, credo. Aí eu tomava, quase morria de vomitar, tremia. Ele falava: “tomou banho?”; “tomei”, mas não tomava banho. Minha tia, que mora para cima da minha casa, foi uma bênção para mim. Ela batia todo dia suco de laranja com couve, fígado de boi, trazia e me fazia tomar. Me fazia tomar na marra, mesmo e eu tomava, porque ela ficava ameaçando: “se você não tomar, você vai apanhar porque eu sou sua tia, sou sua madrinha. Você vai tomar”. Me fazia tomar. Enquanto eu não tomava, ela não ia embora. Eu tomava, depois deitava.
P/1 - E isso, a Carol no abrigo.
R - A Carol já no abrigo, porque ela falou que eu queria bater nela. Aí ela foi lá para o abrigo. Ela fala para mim. Eu não fico perguntando para ela o porquê, porque ainda é muito cedo, mas depois ela vai ter de explicar certinho. Vai ter não. Ela vai explicar certinho porque é que aconteceu isso, porque eu não me lembro.
P/1 - Dona Nair, a Carol está com quantos anos?
R - 14. 14 anos.
P/1 - E como ela está hoje?
R - Ela está bem, graças a Deus.
P/1 - Ela está no abrigo ainda?
R - Não, ela voltou para casa.
P/1 - E como foi receber?
R - Foi muito bom, sabe por quê? Porque, no início, eu ia uma vez por semana visitá-la. Depois ela começou a vir no sábado e ficava o dia todo em casa. Ia embora. Depois ela começou a vir sábado e domingo. Hoje eles já mandaram ela embora para casa, graças a Deus. Eu estava contando para você: essa minha nora me levou para a UPA. Da UPA, lembro que acordei na Santa Casa, aqui em Santa Cruz. Lembro que o médico me falou: “se a senhora não parar de beber, a senhora vai morrer”. Eu acho que era o doutor (Peres Amões) [00:53:12] se eu não me engano. Eu falei para ele: “eu já parei de beber”. Eu me lembro perfeitamente. Ele falou assim: “quanto tempo faz?”; “parei ontem”; “mas então a senhora não parou. Eu vou ajudar a senhora a parar”. Só isso. Eu lembro que acordei e estava dentro de uma ambulância. Eu falei para a minha nora: “onde é que eu estou indo?”. Ela falou assim: “tem de fazer um exame de pulmão porque você fuma muito, lá em Bauru, porque o daqui de Santa Cruz está quebrado”. Eu falei: “está bom”. Eu dormi. Acordei e falei: “eu queria café. Nós ainda não chegamos?”. Ela falou: “faz dez minutos que nós saímos de Santa Cruz. Como é que nós chegamos?”. Eu lembro disso muito bem. Ela falou: “você não pode tomar café. Você vai fazer exame”. Eu falei: “está bom”. Dormi de novo. Acordei de novo: “mas não chegou ainda?”. Ela falou assim: “agora nós chegamos. Está quase chegando”. Parou na porta de um hospital. Na hora, lá, eu não sabia se era hospital, mas sei que tinha um monte de gente de roupa branca, uma cadeira de rodas. Eu não conseguia mais andar, de tanto que eu bebia. Eu andava, caía, desmontava. Me juntaram. Colocaram em uma cadeira de rodas, me amarraram. Ela falou assim: “agora você vai fazer o exame e eu vou te esperar aqui, ok?”. Eu falei: “está bom”. Ela e o ambulanceiro. Entrou naquele hospital, de cadeira de rodas, correndo, virou para lá, virou para cá. Cada virada que ela dava, batia uma porta e trancava. Virava para lá, batia outra porta, trancava. Eu falei: “nossa”. Sabe quando você pensa: “nossa, que lugar estranho”. Era um corredor, assim. Me largaram naquele corredor. Fiquei, fiquei. Passou uma mulher, assim, eu falei: “moça, você não vai me deixar ir embora logo? Porque se você não fizer o exame logo em mim a minha nora vai embora e me largar aqui”. Ela falou assim: “mas é o que aconteceu. A sua nora já foi embora faz muito tempo. Você já até dormiu sentada”. Eu falei: “ué?”. Passou. Não vi mais nada. Acordei com uma mulher perguntando se eu queria comida. Eu fui comer. Aquele hospital estranho, um corredor, assim, com um monte de mesa para lá.
P/1 - Foi a única internação sua?
R - Foi. Eu falei assim: “eu acho que não quero essa comida aqui não”. Depois da comida eu lembro que acordei em um hospital. A moça me falou assim: “oi, tudo bem?”; “tudo bem”; “sabe onde a senhora está?”; “não”; “a senhora está na Santa Casa, de Adamantina. A senhora entrou em coma no hospital em que a senhora estava e foi transferida para cá”. Passou. Não vi mais nada. Quando eu acordei, um dia, estavam meus irmãos, todos lá. Eu falei para o meu irmão que eu queria cigarro. Ele falou assim: “só o cigarro?”. Eu falei: “é, só cigarro”. Ele falou assim: “agora você não pode fumar mais. Aqui você não fuma. Ninguém aqui fuma para te dar cigarro”. Meu irmão disse que eu já comecei a conversar com ele e falar umas tontices, que era para ele tomar cuidado porque lá tinha muita cobra, tinha rato, que um rato ia engolir o pé dele e não sei o que. Eu lembro que eles foram embora. Depois, um dia, acordei lá, mas depois disso aí não sei quantos dias passaram. A enfermeira falou assim para mim: “nossa, você tem um irmão tão bonito”; “você achou meu irmão bonito? Mas ele é casado, pode deixar ele quieto, lá”. Eu falei assim para ela. Passou. A minha irmã lá de Piraju arrumou uma senhora evangélica para cuidar de mim, lá. Essa senhora ficava comigo no hospital, cuidando de mim.
P/1 - A senhora não lembra quanto tempo ficou internada.
R - Não lembro.
P/1 - Mas se recuperou?
R - Me recuperei. Depois, um dia, eu estava lá no hospital. A enfermeira veio e me falou - isso eu lembro: “a senhora está de alta”. Eu falei: “eu vou embora? Ai, que bom. Quem vai me levar?”. Ela falou: “seu filho já veio te buscar. Já está aí”. Meu filho me levou no banheiro, me ajudou a tomar banho, pôr fralda. Eu fiquei usando fralda, menina. Sabe quantos quilos eu pesava? 35 quilos. 35. Eu pesava 86 quilos. Eles achavam que eu estava com AIDS. Fizeram exame em mim. Eu estava com pneumonia dupla, com anemia dupla, infecção na urina. Tudo por causa da bebida. E depressão profunda. Se não fosse internada eu tinha morrido. Deus me tirou do fundo do poço e me deu vida novamente, porque Ele sabia que eu tinha a minha filha, era mulher, que eu precisava cuidar dela. Se não fosse Deus eu tinha morrido mesmo.
P/1 - A senhora foi internada no ano passado.
R - É.
P/1 - A senhora continua fazendo acompanhamento no grupo de dependentes químicos ainda.
R - Não, eu não preciso. Nunca mais fui depois que eu fui internada.
P/1 - (inint) [00:59:35].
R - Não. Não fui internada, não tomo remédio nenhum e não bebo nada. E tenho nojo de bebida?
P/1 - E o seu companheiro?
R - Ele, socialmente. Quando eles fazem churrasco ele toma cerveja. Mas bebida de álcool forte ele não bebe mais também e eu não bebo nem cerveja.
P/1 - E o retorno da Carol para casa, como está o relacionamento de vocês?
R - Normal.
P/1 - Ela está te respeitando?
R - Ela me respeita sim. Porque ela nunca foi agressiva, nada. Ela me falou assim, que ela só procurou ajuda porque se ela não procurasse ajuda tinha ficado igual ao irmão dela. Isso que ela me falou. Falou desse jeito. Só isso. Mas ela me respeita. “Mãe, posso sair?”; “não”; “então não”. “Mãe, vou em tal lugar”; “não vai não. Você vai se eu te deixar ir, Carol. Então não. Não vai em tal lugar não”; “então não vou”. Mas ela respeita sim.
P/1 - Faz quanto tempo, Nair, que ela está com você?
R - Que ela voltou para casa?
P/1 - É.
R - Ela voltou dia primeiro de outubro. Acho que primeiro de outubro.
P/1 - Então ainda está sendo uma adaptação.
R - Ela ficou assim: sábado e domingo ela posava. Domingo à tarde ela ia embora, às 18h. Depois ela veio e passou as férias, 15 dias. Depois voltou novamente. Agora que ela voltou.
P/1 - Nair, você tem vontade de beber?
R - Não. Graças a Deus não. De jeito nenhum, mas de fumar eu tenho vontade e fumo bastante. Bastante, assim: fumo um maço de cigarro, um dia e meio. Mas beber não. Não tenho vontade de beber, graças a Deus. Você não acredita: eu tenho nojo de pinga. Nojo. Sabe o que é nojo? Graças a Deus. E eu não precisei ficar tomando remédio. Eu acho errado isso, porque as pessoas falam assim: “você vai convidar ela para ir no churrasco? Ela é alcoólatra, tem cerveja, tem pinga”. Você bebe se você quiser. Ninguém vai por na sua boca. Nós vamos no churrasco, na casa de uma amiga nossa de Bernardino. O tio dela toma caipirinha de pinga com limão. Ele não oferece. Oferece por educação, mas você vai tomar se quiser. A mesma coisa: você vai em uma festa de aniversário e tem cerveja. Você vai tomar se quiser. Não tem esse negócio: “ai, não posso ir lá porque tem cerveja”. Não existe isso.
P/2 - Uma hora você vai lá e compra.
R - Se você quiser beber, vai no bar e compra. Não precisa ir em uma festa para beber.
P/1 - Quem te orientou dessa forma?
R - Primeiramente, Deus.
P/2 - Só um pouquinho.
M1: (inint) [01:02:58].
R - Eu acho que tem de depender de nós mesmos. Vou no bar comprar cigarro.
P/2 - Dona Nair, eu fiquei em dúvida. Uma pergunta: a senhora não tinha bebido antes.
R - Não, eu bebia socialmente.
P/2 - Só, assim, de tomar uma (inint) [01:03:20].
R - De tomar de vez em quando.
P/2 - Mas por mais tempo, assim, foi por conta do seu filho mesmo.
R - Eu acho que enfraqueci no sofrimento. Saudade dele. Acho que foi mais isso. Acho não. Tenho certeza.
P/1 - Mas tem os outros filhos para a senhora continuar cuidando.
R - E a bebida não vai trazer ele de volta. Não vai ajudar em nada.
P/1 - E a senhora trabalha agora?
R - Não, eu cuido de casa. Só cuido da minha casa.
P/1 - Só cuida bastante.
R - Não é fácil, não é? Mas eu fiquei muito debilitada. Agora, há uns três meses, que eu voltei ao normal. Que eu ando sozinha, que eu venho aqui sozinha. Mas, antes, eu tinha dificuldade para descer da cama, para atravessar a rua, na sarjeta. Para descer do asfalto, na calçada. Para subir do asfalto na calçada. Para subir no carro, descer do carro. Eu tinha muita dificuldade mesmo. Depois que eu parei de beber que eu fui recuperando.
P/1 - Recuperando.
R - Depois que eu fiquei internada lá, tomei duas bolsas de sangue. Tomei duas aqui em Santa Cruz para poder recuperar.
P/1 - A senhora já frequentava a Reviver antes ou não? A senhora é nova aqui?
R - Eu não tinha tempo para nada.
P/2 - (inint) [01:04:57].
P/1 - É o grupo de mulheres.
P/2 - (inint) [01:04:59].
R - Eu não, nunca tinha frequentado.
P/2 - E a senhora veio para cá.
R - Aí eu vim para cá. A Dani falou para mim. A Dani é lá do lar, é assistente social. Ela me falou que tinha o CRAS aqui, se eu não queria frequentar. Eu falei: “eu vou”. Depois do almoço, uma vez por semana. “Eu vou, sim”. Eu comecei a vir. E foi bom, porque você conversa. Você vê. Não é só você que tem problema. Tem tantas pessoas que tem problemas. Só que às vezes eu fico pensando: “eu não vou mais não”. É muito problema, você fica catando problema dos outros. Aí depois: “deixa para lá. Eu vou lá”. Cada um é cada um, não é?
P/1 - Nair, o que você considera importante hoje, para a sua vida?
R - O que eu considero importante para a minha vida hoje? É a minha vida e a vida da minha filha. É a minha vida, que eu quase perdi. É muito importante para mim. Você sabe o que é não tomar banho sozinha? Ou melhor: não conseguir levantar dessa cadeira, assim, sozinha? Eu não levantava. Eu nunca levantava. De jeito nenhum. Se eu levantasse, caía para trás. De sentar na cadeira, eu tinha de ficar sentada com uma toalha, assim, amarrada, senão eu caía. Eu fiquei amarrada para não cair. Para você ter noção, eu usava fralda. Eles davam comida para mim na boca, porque eu não tinha força de levantar, de movimentar. A vida, para mim, hoje, é muito importante mesmo. Eu creio. Graças a Deus.
P/1 - É bonita a sua vida.
R - É complicada.
P/1 - Vai superando.
R - É dia a dia. Vou superando um pouco.
P/2 - Não são superações fáceis.
R - Não.
P/2 - Foram muitas perdas, não é?
R - Foram muitas. E, olha, foi muita ajuda também. Dos meus irmãos, principalmente do Nivaldo, porque se não fosse ele eu não estaria aqui. Ele é um irmão assim: “Ni, estou com um problema aqui”. Pode ser problema com a Carol, por exemplo. Não vai ter, se Deus quiser. “Ni, a Carol está com um problema aqui, comigo”. Na hora ele vem. Na hora. Não é depois. Se você falar assim para ele - muitas vezes aconteceu isso: “Ni, estou sem dinheiro para comprar cigarro”; “espera aí na porta. Vou passar aí. Dou uma buzinada, você já pega, porque eu estou trabalhando”. Mas não deixa de levar. Nunca deixou. Nunca me deixou sozinha e eu tenho fé em Deus que não vai deixar.
P/2 - Que bom, não é, Nair?
R - Graças a Deus.
P/2 - E o relacionamento com o seu companheiro, agora, está tranquilo?
R - Sempre foi, graças a Deus. Ele é uma pessoa muito boa tanto para mim quanto para a Carol. A Carol, qualquer coisa que ela quer, coisas que estão ao alcance: “Ezequiel, me dá um dinheiro para comprar um chocolate?”, ele dá. “Ezequiel, me dá um dinheiro para eu comprar um chinelo?”; “vamos lá. Eu te levo para comprar”; “uma rasteirinha?”; “eu te levo para comprar”; “uma blusinha”. Sabe? É assim. Ele é ótima pessoa para ela. Hoje: “Carol, tem bisteca de porco, tem isso, tem beterraba”; “mas eu queria uma bisteca de boi, daquela que tem um L. Não pode ser qualquer uma, é daquela que tem um L, que vem cheia de gordurinha”. Ele vai lá comprar com ela. Sabe? Eu falo para ele: “pega só para ela a bisteca de boi, porque é caro”, aquela chulepa. Sabe? Eu falo: “aquilo lá você come de vez em quando, Carol, faz um churrasquinho. Come uma carne”; “mas eu quero aquela”. Ele vai lá e compra. Sabe? Ele a trata muito bem, graças a Deus.
P/1 - Tem mais alguma coisa, Nair?
R - Não, eu acho que já foi tudo, graças a Deus. A única coisa que eu agradeço - e agradeço a Deus, em primeiro lugar, ao Regi, à Dani, à Cássia, que acolheram muito bem a minha filha. Muito bem mesmo, sabe? E eles deram muito carinho para ela. Muito apoio para ela, porque eu estava morrendo mesmo. Eles prepararam ela. Eu agradeço muito mesmo a eles porque eles nos ajudaram muito. Ajudaram mesmo.
P/1 - Nós te agradecemos por você ter vindo aqui e contado a sua história, a sua vida para nós.
R - E eu agradeço vocês por ouvir.
P/1 - Não é fácil.
R - Não foi, não está sendo.
P/1 - Nós, profissionais aqui do CRAS, torcemos por você.
R - Obrigada. Eu agradeço.
P/1 - Nós estamos aqui à disposição, para tudo. Para te ajudar nessa sua caminhada.
R - Eu agradeço muito a vocês. Agradeço de coração.
P/2 - E a sua história vai ajudar muitas pessoas. Ela não é única. É única porque é a sua, mas...
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