Museu da Pessoa

"De suco de laranja até avião a jato!"

autoria: Museu da Pessoa personagem: Isac Roffé Zagury

Projeto BNDES 50 Anos
Depoimento de Isac Roffé Zagury
Entrevistado por Márcia de Paiva
Rio de Janeiro, 14/05/2002
Realização Museu da Pessoa
Código: BND_TM019
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques Huaira
Revisado por Ligia Furlan

P/1 – Gostaria que você repetisse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R – Meu nome completo é Isac Roffé Zagury, eu nasci no Rio de Janeiro no dia 3 de junho de 1951.

P/1 – Nome completo dos pais e atividade profissional.

R – O nome do meu pai era Eliezer Jacozer Zagury, mamãe é Gimol R. Zagury.

P/1 – Daqui do Rio?

R – Não, eles nasceram em Belém do Pará.

P/1 – Você já nasceu aqui?

R – Eu nasci no Rio de Janeiro.

P/1 – E a atividade dos seus pais?

R – Meu pai era médico e a minha mãe era do lar.

P/1 – E vieram para o Rio...

R – A minha família, na realidade, migrou do Marrocos para o norte do Brasil. Os meus avós eram marroquinos e migraram para o norte, e os meus pais já nasceram no norte do país, em Belém. Meu pai veio para o Rio para estudar medicina. Jovem, veio estudar medicina, se formou aqui e se radicou no Rio de Janeiro. Por coincidência, meu pai era primo da minha mãe. O pai da minha mãe era irmão da mãe do meu pai, eram primos de primeiro grau. Então as famílias eram conhecidas e se casaram há mais de 40 anos... Há mais de 50 anos, perdão.

P/1 – Isac, qual é a sua formação? Qual foi a faculdade?

R – Eu sou economista formado pela PUC [Pontifícia Universidade Católica] do Rio de Janeiro, após a conclusão do curso de economia eu realizei o mestrado em Administração de Empresas, também na PUC do Rio de Janeiro.

P/1 – O que contribuiu para a escolha da sua carreira, do seu curso?

R – Eu sempre quis cursar economia, embora eu seja originário de uma família de médicos. Meu pai era médico pediatra, meu irmão seguiu a profissão do meu pai, é médico pediatra, tenho pelo menos três primos que fizeram medicina. É uma família basicamente de médico, eu sou o único economista da família, família Zugury. Mas sempre gostei muito de economia, matemática, ciência política, história, então desde garoto eu queria cursar economia, nunca tive dúvidas em relação à minha escolha profissional.

P/1 – Isac, como e quando se deu a sua entrada no mercado de capitais do BNDES?

R – Eu entrei para o BNDES em primeiro de abril de 1977, cerca de 25 anos atrás. Realizei concurso público de 1976, um concurso que eu escolhi, era um programa de administração financeira, então a minha vocação, na época, já estava destinada para a parte de finanças. Ingressei, então, em abril de 77.

P/2 – Em que área?

R - Na área financeira. E praticamente toda a minha vida profissional no banco esteve ligada à administração financeira.

P/1 – Me conta um pouco como é que era esse seu trabalho na área financeira.

R – Eu ingressei no banco para a área financeira, e desde o início concentrei os meus esforços na parte de captação de recursos no exterior. Então, praticamente, nesses últimos 25 anos do banco eu participei de todas as operações de captação de recursos no exterior do BNDES. Eu tenho, talvez, a mais longa vivência nessa área, não só do BNDES, mas de quase todas as instituições brasileiras. Dificilmente alguém permaneceu durante 25 anos numa atividade internacional de captação de recurso aqui no Brasil.

P/1 – E é difícil esse trabalho de captação fora do Brasil? Como é você vender a imagem do Brasil?

R - Esse trabalho é muito interessante. Quer dizer, eu vivi várias experiências, vários ciclos. Eu acompanhei a crise da dívida na década de 80, em que praticamente os mercados se fecharam para o Brasil e para todos os mercados emergentes. Vivi também a volta dos mercados para os países da América Latina, para os países emergentes na década de 90.

P/1 – Já com o plano de estabilização?

R – Já com o plano de estabilização econômica. E agora, nessa nova década, nós temos um novo ciclo de captação de recurso no exterior com o banco diversificando instrumentos, diversificando o mercado, diversificando produtos. E o que vem ocorrendo agora: eu já vivi em diversas ocasiões, a instabilidade política sempre perturba os mercados financeiros internacionais na concessão de crédito a países como o Brasil.

P/1 – E qual foi a operação mais difícil que você realizou, assim, que você se lembra que deu mais trabalho?

R – Tiveram várias operações interessantes. Uma das primeiras que eu negociei no banco foi justamente interessante, foi a primeira colocação pública de títulos do BNDES no mercado japonês. Isto ocorreu em 1978, então os bancos japoneses, o mercado capital japonês conhecia muito pouco o Brasil, foi um trabalho muito grande, um esforço gigantesco que foi feito na ocasião, tivemos, durante duas ou três semanas naquela ocasião, visitas de banqueiros japoneses que permaneceram conosco durante aquele tempo analisando os números do BNDES, analisando fatos do BNDES, analisando a economia brasileira. E para eles, naquela ocasião, era muito difícil entender por que nós vivíamos um período de alta inflação, correção monetária, eram dados e fatos econômicos que eles não estavam acostumados a conviver, então foi uma operação muito interessante pela sua complexidade, pelo esforço que o banco teve que realizar na ocasião para que a operação fosse revestida de sucesso.

P/1 – Tem algum mercado que seja mais fácil?

R – O BNDES tem uma tradição muito grande em vários mercados, é considerado uma agência de governo brasileiro, quer dizer, um risco soberano. Ele emitiu ao longo da década muitos títulos nos mercados europeus, então temos uma tradição muito grande na Europa, e a Europa é basicamente o mercado de varejo em que os indivíduos, as pessoas físicas adquirem títulos de longo prazo e guardam esses títulos até o vencimento. E tem uma tradição para que uma parcela da poupança europeia seja destinada a compra de títulos da América Latina e especialmente do Brasil, então o mercado do BNDES tem muita tradição, é muito conhecido e tem uma longa história. Temos também uma longa tradição no mercado japonês, chamado mercado samurai. O BNDES, depois da República Federativa do Brasil, foi o emissor mais frequente brasileiro nesse mercado, então o banco é conhecido como “Bundes”, em japonês, que (é?) o BNDES japonês. Então ele é uma instituição muito conhecida e muito querida pela comunidade japonesa, porque é uma instituição de longo prazo, e o sistema financeiro japonês entende muito bem o que é um banco de longo prazo. Então isso facilita bastante o entendimento do BNDES com os seus parceiros japoneses.

P/1 – O risco Brasil ainda incomoda, ainda é questionado?

R – Ao longo desses anos, dessas décadas de trabalho com os parceiros internacionais eu sempre senti, por parte de todos, um grande respeito pelas potencialidades da economia brasileira e também pela capacidade técnica do BNDES, como instituição de longo prazo no Brasil, pela sua história. Então sempre ocorreu um grande reconhecimento por parte dos investidores, tanto em relação ao país quanto em relação ao BNDES. Sempre foi muito fácil vender o risco Brasil e vender especialmente o papel do BNDES na economia brasileira. Ao longo dessas décadas eu participei de inúmeros road shows, que são, na realidade, apresentações para banqueiros e investidores internacionais sobre faces da economia brasileira e aspectos do nosso banco.

P/1 – Isac, eu gostaria que você contasse um pouco mais como foi o convite para você ser diretor e quais são as áreas que você responde agora, como diretor.

R - Há cerca de dois anos eu estava trabalhando no Ministério da Fazenda, era secretário adjunto do Tesouro Nacional, responsável pela gestão da dívida pública. É um trabalho extremamente interessante, é um trabalho que me gratificava bastante, porque tinha um relacionamento muito amplo com a comunidade internacional e com a comunidade doméstica também, porque eu era responsável também pela gestão da dívida doméstica, então era um trabalho extremamente interessante e gratificante. Naquela ocasião eu fui convidado, então, para exercer o cargo de diretor do BNDES. Eu era um funcionário cedido ao Ministério da Fazenda para exercer esta função, e fui convidado há dois anos para exercer a função de diretor de banco. Voltei de Brasília para o Rio de Janeiro, para a minha casa, que é o BNDES, e estou exercendo a função de diretor há cerca de dois anos e alguns meses.

P/1 – Então foi em 2000 que você voltou?

R – Em 2000.

P/1 – E agora, quais são as áreas que você está respondendo, como diretor?

R – Eu sou responsável pelas áreas de crédito, finanças, administrativas e de exportação.

P/1 – Então vamos falar um pouco dessa área de exportação, que tem tido um crescimento bem significativo nos últimos anos. Explica para gente o que é o Exim.

R – O Exim é o braço do BNDES na área de exportação. O Exim é como se fosse o Exbanking dentro do BNDES. Em quase todos os países desenvolvidos e em alguns países em desenvolvimento existe a figura do Exbanking, que é uma instituição financeira voltada para o crédito de exportação, principalmente para o financiamento da venda de bens manufaturados, de bens de capitais. Então o Exim é criado sempre para ocupar um espaço que o banco privado não consegue realizar em função de uma série de fatores. Primeiro porque os bens de capitais, os bens sob encomenda, eles requerem financiamentos de longo prazo, então isso é um papel típico de governo.

P/1 – Retomando Isac, você estava explicando todo o trabalho do Exim.

R – O trabalho do Exim é extremamente importante. Por quê? O Brasil é hoje de uma grande vulnerabilidade externa, ou seja, nós temos um déficit nas contas externas. Então qualquer país, para realmente ter uma independência em relação à poupança externa, ter maior capacidade de investimento, ele tem que apresentar superávits comerciais. Da mesma forma que uma empresa, para poder se viabilizar à longo prazo, ela tem que ter uma receita, um resultado positivo. Da mesma forma é o país. Um país, para poder, num mundo globalizado, apresentar resultados comerciais, ele tem que dispor de instrumentos adequados para viabilização desse projeto, e um deles, tradicional em todo o mundo é a concessão de crédito de longo prazo para a venda de bens manufaturados ou bens de capital. Então praticamente todos os países desenvolvidos e países em desenvolvimento existe a figura chamado Exbanking, que é uma instituição financeira que fornece crédito de longo prazo para venda de capitais. Essas instituições às vezes fornecem seguro, seguro que cubra o risco político, o risco comercial dos países ou das empresas tomadoras daquele crédito. Isso era uma lacuna que tinha que ser preenchida no Brasil. O BNDES assumiu esse papel e a partir de 1995, 1996 o BNDES vem exercendo essa função de Exbanking brasileiro, provendo financiamentos de longo prazo para exportação de bens manufaturados e bens de capitais. Essa prioridade vem assumindo um papel cada vez mais relevante no BNDES, haja visto que a participação do BNDES-Exim no orçamento do BNDES cresceu de 4 por cento, em 1996, para cerca de 24 por cento agora, esse ano. Praticamente multiplicou por seis vezes a importância relativa dessa atividade no orçamento do sistema BNDES. Eu diria hoje que o financiamento das exportações talvez seja a maior prioridade da instituição, aquela que recebe a maior parcela dos recursos do orçamento.

P/1 – A área de exportação, no momento, é a que está recebendo maior recursos dentro dessa divisão?

R – Eu acredito que... Existe as setes divisões do planejamento estratégico, e a área de exportação é uma das setes divisões. Em termos quantitativos, certamente é aquela que está recebendo o maior aporte de recursos.

P/1 – Conta para a gente um pouco desse planejamento estratégico, dessas dimensões, como que é a sua área, quais são as metas para a sua área.

R – O planejamento estratégico foi um marco muito importante na história do banco. O Brasil hoje ocupa uma posição diferente no cenário internacional. O país tem uma economia estável com uma moeda que é reconhecida internacionalmente. O Brasil vem atraindo grandes somas de investimentos estrangeiros diretos e os grandes players internacionais de diversos setores da indústria, da infraestrutura já operam no Brasil. O banco foi responsável pelo plano de privatização, que foi uma das principais reformas do Estado brasileiro ocorrida nos últimos anos, então era necessário que o banco fizesse uma reflexão sobre o seu papel nos próximos anos, porque o banco, ao longo dos últimos 48, 49 anos, em função de uma conjuntura no país, de altas taxas de inflação, de uma ausência total de um mercado de capitais maduro, desenvolvido e ausência total de outras fontes de crédito a longo prazo, ele exerceu um papel muito amplo. É importante, foi importante em vários estágios do desenvolvimento econômico e social do país, mas hoje o banco, como qualquer instituição em desenvolvimento no mundo, ele deve procurar focar em algumas áreas estratégicas, áreas em que o mercado privado, em que o sistema bancário privado não pode resolver essas questões em função de uma carência adequada de recursos e em função de serem áreas vitais em que o Estado, o Governo tem uma presença e uma responsabilidade muito importante. Então o BNDES fez uma reflexão sobre o seu papel na economia brasileira, sobre o futuro da sua atuação nos próximos cinco anos, foi um exercício que demandou bastante energia, bastante tempo dos principais executivos da casa. Nos reunimos durante várias e várias semanas e meses, discutindo com detalhes esse estágio da economia brasileira, o papel do banco, como é que o banco poderia ajudar de uma maneira mais eficaz, mais eficiente na transformação da economia brasileira. O banco é um gestor de recursos públicos, ele é o gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, principal fonte de recurso do banco, que são recursos do trabalhador, e tem uma responsabilidade muito grande.

Foi nesse mandato que o banco recebeu para ser gestor desse fundo e ser o principal instrumento de política, de recurso público no país. Então nós temos que nos legitimar permanentemente perante a sociedade brasileira para continuar sendo o gestor desses recursos. Esse exercício de reflexão é um exercício que deve ser permanente. O planejamento estratégico é algo extremamente dinâmico, nós estabelecemos sete divisões básicas. Os diretores, cada diretor do banco assume a responsabilidade sob uma dessas divisões em relação ao cumprimento dessas metas, não só qualitativas, mas quantitativas. E no meu caso eu assumi a responsabilidade pela questão da exportação, é um assunto extremamente apaixonante, eu acho que ele é vital para o atual momento da economia brasileira. O banco tem que recuperar a sua capacidade de gerar superávits comerciais em relação ao resto do mundo, de modo que ele possa ficar servindo a sua dívida externa, continuar tendo recursos suficientes para a remessa de dividendos e outras variáveis do balanço de pagamentos brasileiro. Então a questão da exportação é crucial para a sustentabilidade do crescimento econômico do país. O banco vem assumindo essa missão, essa tarefa, e eu acho que vem tendo bastante êxito, haja visto os números que eu citei anteriormente. Um exemplo bastante claro da atuação do BNDES é o caso da Embraer. A Embraer é uma empresa que dificilmente teria alcançado o êxito e o volume de exportação dos últimos anos se não fosse esse apoio importante e decisivo do BNDES. É o nosso principal cliente, embora na realidade nós financiamos os compradores de avião da Embraer. Nós concedemos um crédito aos compradores dos aviões, um crédito à longo prazo, que tem sido o fator decisivo para a tomada de decisão dessas empresas americanas, europeias e asiáticas na compra de aviões brasileiros. Então o papel do banco foi relevante em colocar a Embraer como o maior exportador brasileiro e um player internacional vendendo um produto de alto valor agregado, tecnológico, que é extremamente importante para o país. O Brasil hoje é um país com uma pauta comercial extremamente diversificada, nós vendemos desde suco de laranja até avião a jato. Então isto notabiliza o país e nos diferencia em relação a países emergentes. Além disso, o Brasil também tem uma pauta extremamente diversificada do ponto de vista geográfico. Diferente de outros países, o Brasil tem como o seu principal parceiro comercial a União Europeia, com 25 por cento das exportações brasileiras. Os Estados Unidos é o segundo grande mercado, com 24 por cento. Então é uma pauta que é bastante diversificada, tanto do ponto de vista de produto como do ponto de vista geográfico. O BNDES, ao longo desses últimos dois, três anos, tem realizado uma série de seminários no exterior, promovendo a exportação de produtos brasileiros, mostrando o suporte que o banco pode dar para as exportações brasileiras, e tem sido muito importante este apoio do banco para o crescimento das exportações brasileiras. Eu citei o caso de aviões, poderia citar o caso de ônibus, as empresas brasileiras de longe têm sido muito bem sucedidas em suas vendas ao exterior, e para isso o financiamento do BNDES tem sido um fator também decisivo. Então temos inúmeros exemplos do fator de sucesso do apoio do banco em relação ao crescimento das exportações brasileiras.

P/1 – O que é que torna um produto exportável, atraente para o BNDES apoiar?

R – É uma conjugação de fatores: qualidade, tecnologia, preço e financiamento. Hoje, para você ter sucesso em operações comerciais, em operações de comércio exterior, é fundamental não somente o preço ou a qualidade do produto, mas também o financiamento. O financiamento hoje é um fator decisivo, porque o financiamento em boas condições, em condições favoráveis, pode “baratear” o preço do produto, torná-lo mais acessível aos mercados compradores. Um país que deseja exportar produtos manufaturados e bens de capital tem que dispor de instrumento como o Exbanking. É impossível que um país consiga ter uma presença marcante como exportação de bem de capital se não tiver um instrumento de financiamento à longo prazo, isto é uma lacuna que existia no setor exportador brasileiro e que o BNDES vem ocupando e realmente colaborando de uma forma decisiva.

P/1 – O senhor falou, enfim, de vários mercados. Agora, o senhor esteve há pouco tempo pela Ásia também.

R – Estive.

P/1 – E como é que ficou a entrada do Brasil, dos produtos? São mercados em que vocês já estão comercializando ou estão entrando agora?

R – O governo brasileiro vem continuando com a política de diversificação de destinos das exportações brasileiras. Neste sentido, o Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior vem procurando promover missões comerciais a novos mercados, e o BNDES tem procurado colaborar com o ministério participando dessas missões, se posicionando em seminários, conversando com seus parceiros financeiros no sentido de promover esse intercâmbio do Brasil com esses novos mercados. Recentemente eu estive na Polônia, na Índia, colegas nossos estiveram na China, tentando estreitar esse relacionamento financeiro e comercial. Porque não adianta apenas que os governos, que os exportadores visitem esse mercado sem a presença de um braço financeiro. É como eu falei anteriormente, o financiamento é um fator decisivo, ninguém compra à vista um bem de capital, o fator que decide se vai comprar do Brasil, da Argentina, da França, da Itália ou da Espanha é o financiamento, é a condição financeira.

P/1 – O Brasil ainda é um grande exportador de matéria prima? Apesar de o senhor ter citado os bens de capital e ter citado exemplos claros como Embraer, o ônibus... Ônibus é a Marcopolo?

R – Marcopolo e outras empresas também. O Brasil continua sendo um grande exportador de matéria prima. Quer dizer, produtos como suco de laranja, soja, café são importantes, são relevantes na balança comercial brasileira, mas hoje eles têm uma participação relativamente menor do que tinham há dez, 20 anos atrás. Nós temos produtos hoje que ocupam também um papel relevante, material de transporte é um item que talvez seja hoje o mais importante na balança comercial brasileira. Aí incluem-se aviões, ônibus, carros, caminhões, motores a diesel e uma série de outros itens que podem ser classificados como material de transporte. O BNDES hoje é o grande responsável pela implantação de novas empresas automobilísticas no Brasil, empresas estas que estão virando polos de exportação, são empresas que estão se instalando no Brasil para produzir para o mercado interno brasileiro, que é um mercado com muito potencial, porque é um mercado muito grande. E são também voltadas à exportação para os países da América Latina e também para os outros países na Europa ou nos Estados Unidos. Então o material de transporte hoje talvez seja um fator decisivo, um fator muito importante na nossa balança comercial.

P/1 – Enfim, mas o banco trabalha só ajudando a exportar bens de capitais ou matéria prima, isso vocês não chegam...

R – Nós temos dois produtos: o chamado pré-embarque, que nós financiamos o capital de giro destinado à produção de bens exportáveis; e tem o chamado pós-embarque, que é o financiamento da comercialização da venda. No caso do pré-embarque, a nossa participação foi extremamente importante. Nós apoiamos principalmente empresas do setor alimentício, setor de alimentos. Empresas como, por exemplo, Perdigão, Sadia, Friboi, Bertin, empresas que vendem carnes, tanto de frango como de outros produtos que hoje conseguiram ocupar um papel de muito destaque no comércio internacional. Essas empresas alavancaram as suas exportações, o seu faturamento, principalmente graças ao apoio financeiro do BNDES. Nós temos fornecido capital de giro para que essas empresas... É vital, porque o ciclo de produção delas requer um investimento de capital de giro muito importante. A comercialização para eles é mais simples, porque eles vendem com prazos muito curtos, então nesse caso o financiamento pré-embarque é muito mais importante do que o financiamento pós-embarque.

P/1 – Essas empresas que o senhor citou, principalmente as alimentícias, estão trabalhando com o mercado da América Latina?

R – Olha, essas empresas exportam para mais de 40 países, países da América Latina, da Europa, países da Ásia, do Oriente Médio. É uma pauta extremamente diversificada do ponto de vista geográfico, são empresas que tem escritório em vários países do mundo. Essas empresas... Praticamente mais da metade da sua produção é voltada para o mercado externo, e são empresas que os produtos têm muita aceitação, elas têm uma certificação de qualidade internacional bastante reconhecida.

P/1 – Isac, quais são as metas da sua área para esse planejamento? Você tem alguma expectativa de alcançar, de ultrapassar?

R – Olha, nós temos várias metas em relação a essa área em que eu estou supervisionando. Em relação a área de exportação a nossa meta definida no planejamento estratégico é que o crédito de exportação receba 25 por cento do orçamento do BNDES até 2005. Nós já estamos em 24 por cento, então nós estamos muito próximos da meta que foi estabelecida para 2005. Então o nosso desafio realmente será manter esse percentual de um quarto do orçamento do banco destinada a financiar exportações brasileiras. Essa é uma meta em que a exportação deve perseguir nos próximos anos. Em relação à parte de captação de recursos, nós somos gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que eu citei anteriormente, e essa gestão é extremamente importante. Quer dizer, num país que tem instituições sólidas como o Brasil, com um regime democrático ímpar na América Latina, a gestão desse fundo é um mandato muito importante para a nossa instituição, porque nós participamos do chamado CODEFAT, que é o Conselho Deliberativo do Fundo do Amparo ao Trabalhador, que é um conselho tripartite, paritário entre o governo, empresários e trabalhadores. Então toda a nossa gestão de recursos, toda a gestão das nossas prioridades são feitas em consonância com o que é discutido nesse conselho. Nós damos satisfação de todos os nossos atos à sociedade civil organizada, que é muito bem representada através desse conselho. Esse conselho talvez seja o conselho mais ativo e mais representativo da República. Além disso, o BNDES já há alguns anos mantêm no seu conselho de administração, uma representação das centrais sindicais brasileiras. Nós temos dois representantes no conselho de administração indicados por centrais sindicais brasileiras, e esta participação é muito relevante, porque é no conselho de administração que se definem as prioridades do banco, se define o orçamento, se discutem os grandes temas da instituição. Essa participação da sociedade organizada através das centrais sindicais para nós, eu acho que é um motivo de alegria e de orgulho.

P/1 – E tem sido um relacionamento fácil?

R – Tem sido um relacionamento extremamente construtivo, nós temos aprendido bastante, temos recebido um feedback, uma cooperação muito relevante dessas associações.

P/1 – O trabalho nessa área está muito ligado à geração de empregos, a essa cobrança, pelo menos?

R – A cobrança que é legítima é que o BNDES financie investimentos que gerem prioritariamente novos empregos, ou pelo menos a preservação dos postos atuais de trabalho. Então nós temos um cuidado muito especial de qualquer aprovação de financiamento do BNDES, de que qualquer manifestação, apoio financeiro do BNDES leve em consideração algumas variáveis fundamentais. A primeira é a questão ambiental que o BNDES foi pioneiro em relação a esse tema no Brasil, a questão da responsabilidade social corporativa nas empresas, que os empresários tenham isso em mente quando realizam novos investimentos, a questão da geração de emprego. Nós somos cobrados, temos que ser cobrados em relação ao cumprimento dessa missão.

P/1 - A expectativa de uma geração de emprego para os próximos anos tem uma expectativa positiva ou vai ficar mais ou menos estável?

R – O papel do banco é fundamental, é imprescindível, porque só se tem empregos se tiver investimentos, e investimentos de longo prazo, investimento em ativo fixo, em construção de novas fábricas e ampliação das instalações existentes, financiamentos de compra de máquinas e equipamentos, financiamento de exportações: é isso que gera emprego. O papel do banco está muito ligado à geração de emprego, o banco tem sido muito responsável pela preservação do emprego existente hoje na economia brasileira e também pela geração de novos trabalhos. Hoje o banco não atua somente no setor industrial, ele atua também no setor de infraestrutura, especialmente eletricidade, de transporte, telecomunicações e no setor de serviços. O setor de serviços hoje é altamente gerador de empregos, muito mais do que o setor industrial ou de telecomunicações. O banco tem uma participação muito importante no desenvolvimento do setor turístico brasileiro, nós estamos financiando a construção de hotéis, de parques temáticos, todos empreendimentos com infraestrutura destinados ao turismo brasileiro, que é uma grande fonte de renda e de emprego, principalmente na região Nordeste. E uma das prioridades do BNDES é a redução da desigualdade parcial de rendas, a redução das desigualdades regionais. Então, quando nós damos uma ênfase muito grande ao turismo, que é a grande vocação da região Nordeste, nós estamos contribuindo com a redução da desigualdade regional.

P/1 – A sua área então era exportação, investimentos... Eram três?

R – Era exportação, finanças, administração e crédito. Em relação à área de administração do banco, também é uma prioridade nossa a modernização do layout da instituição, estamos fazendo um reordenamento do espaço físico do banco, tendo um layout e uma distribuição do espaço mais moderna, mais eficiente e mais amigável. Isso tem sido extremamente importante, e estamos dispondo o BNDES agora, pretendemos lançar agora, dia 20 de junho, a Universidade BNDES, que é o novo conceito em treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, não só ligado a questões técnicas do aprendizado, mas também às questões de habilidades, atitudes, posturas dos funcionários em relação aos objetivos estratégicos do banco. Essa é realmente uma missão, é um tema apaixonante, o banco está mobilizado nesse sentido, porque o grande ativo que nós temos são os recursos humanos, são os nossos funcionários, e temos que investir neles, porque eles são realmente a razão de ser dessa instituição. Então essa Universidade BNDES é o grande projeto da área de administração do banco.

P/1 – É mais difícil trabalhar com números ou com pessoas?

R – Sempre é mais difícil trabalhar com pessoas, mas é um tema, é uma missão também muito interessante. Quer dizer, a gestão dos recursos humanos do banco, principalmente porque o funcionário do banco é diferenciado, é um funcionário altamente qualificado, porque ele ingressa por concurso público, e ele tem muito orgulho de trabalhar na instituição, ele tem um padrão ético exemplar. A sua qualificação é reconhecida tanto nacional quanto internacionalmente. Eu fui testemunha ocular da história, porque ao longo desses 25 anos eu viajei por vários lugares do mundo vendendo a imagem do BNDES, ouvindo o que os investidores, os bancos, a comunidade internacional pensa do BNDES ,e sempre o ponto mais importante foi a qualificação e o padrão ético do banco. O banco é uma referência a nível internacional.

P/1 – É o seu grande desafio, também, você trabalhar com essa área de recursos humanos? É uma coisa diferente, é nova para você?

R – É nova e realmente extremamente estimulante. Quer dizer, eu já tinha uma experiência em negociação de recursos humanos, mesmo porque eu fui conselheiro no CODEFAT durante os últimos dez anos, então é um exercício permanente de negociação. Quer dizer, é um conselho tripartite que as decisões são tomadas em consenso, então eu exercitei essa prática de negociação de temas relevantes, de temas de recursos humanos durante os últimos dez anos. Para mim, se torna um pouco mais fácil a gestão de recursos humanos, porque eu estou acostumado a lidar com a natureza humana, a lidar com a negociação, que na realidade faz parte da gestão de recursos humanos.

P/1 – E o que é que mudou desde que você entrou, em 1976, 78?

R – Setenta e sete.

P/1 – Setenta e sete para agora, no banco, fazendo uma avaliação, o que é que você acha que foi a mudança mais significativa?

R – Olha, o papel do banco vem mudando ao longo dos anos. No início o papel do banco estava muito focado em infraestrutura, nos anos 50 e 60. Depois, nos anos 70, o banco foi responsável pela política de substituição das importações no país, pela implantação de um parque de bens de capitais, de insumos básicos. Nos anos 80 o banco foi responsável pela mensagem de modernização competitiva, e agora, mais recentemente, nos anos 90, o banco assumiu de uma forma definitiva o seu papel social, então o banco hoje tem um papel social muito importante. O banco não só financia investimentos em áreas sociais como educação e saúde, como também exige a contrapartida social em qualquer projeto, qualquer apoio financeiro que a gente realize. Esse papel hoje é cada vez mais importante, mais relevante, é uma mudança significativa na atuação do banco, o banco está sendo visto não só como um agente de mudança do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista social.

P/1 – E para você mesmo, pessoalmente, o que é o BNDES?

R – O BNDES é a minha casa, quer dizer, eu estou aqui há 25 anos, tenho uma ligação afetiva muito grande com o banco. Eu tenho 50 anos de idade, e metade da minha vida aqui no BNDES. Quer dizer, sou um apaixonado pelo banco, me dedico de corpo e alma, eu não me arrependo disso, acho que foi um trabalho sempre muito estimulante, muito gratificante, temos uma família aqui, na realidade somos apenas 1.700 funcionários, quase todos se conhecem ao longo desses anos...

P/1 – Você tem amigos daqui que saia junto...

R – Temos amigos, temos uma vida social, mas sabemos também separar a amizade da profissão, sabemos exigir cumprimentos e obrigações nos momentos oportunos, então o corpo funcional do banco é muito interessante, nesse ponto é justamente amistoso, existe uma relação fraternal mas ao mesmo tempo é uma relação de muita cobrança, muitas exigências nas tarefas que nos são impostas. O

banco é uma casa ímpar para se trabalhar, dificilmente se encontra no Brasil uma instituição com padrão de excelência, com padrão de fraternidade como o BNDES.

P/1 – Enfim, qual é... Você já até respondeu, mas vou perguntar de novo: Qual é a importância, o papel do BNDES no processo histórico dos últimos 50 anos?

R – Olha, o papel do banco foi fundamental ao longo desses últimos 50 anos. O banco foi o grande instrumento de política pública nesse país, ele foi responsável pelo crescimento do parque industrial, pela cultura de análise de projeto no Brasil. Hoje existe esta cultura disseminada, há um entendimento da sociedade em relação ao que é um projeto, o uso eficiente de recursos públicos, e o banco sempre foi o grande professor, o grande mestre em relação a esse tema, é uma contribuição que vai ficar para a história do país. O papel do banco acho que foi não só de promoção de crescimento e desenvolvimento econômico e social, um grande agente de mudança, mas principalmente um grande formulador. O banco, ao longo dos 50 anos, foi um grande formulador, ele se antecipou em relação às grandes mudanças que eram necessárias nesse país, ele tem um papel de formulação, um papel de pensamento muito importante.

P/1 – Você falou em antecipação. Qual é o desafio para o BNDES antecipar agora?

R – Eu acho que o banco tem que permanentemente reavaliar as suas prioridades e verificar as grandes necessidades, os grandes anseios da sociedade brasileira para que ele possa se antecipar e se legitimar como o grande agente de mudança, grande agente de promoção do bem-estar social no Brasil.

P/1 – Isac, vou terminar perguntando o que você acha desse projeto de memória do banco e se você gostou de ter participado dessa entrevista.

R – Eu gostei muito de ter participado e acho que seria uma grande pena se a gente não tivesse realizado um projeto com essas características, porque uma instituição com o papel que ela teve no Brasil nos últimos 50 anos, se a gente não registrasse de alguma forma essa contribuição, esses depoimentos, seria uma grande pena, um grande desperdício. Eu acho que é uma contribuição muito importante que o banco está fornecendo à sociedade brasileira através desse registro, através desse depoimento de todas as pessoas que passaram por esta instituição e deram sua contribuição.

P/1 – Tem algum outro ponto da sua área que você gostaria de tocar e que a gente não abordou?

R – Esquecemos de abordar a área de crédito, que é uma área relativamente nova, ela tem apenas sete a oito anos. O banco também introduziu uma cultura de análise de crédito, que é diferente de uma análise de projeto. O BNDES hoje dispõe de pessoas especializadas, departamentos especializados para avaliar o crédito e o risco de cada empresa, cada banco, agente financeiro do BNDES. Nós temos uma tecnologia, uma expertise que não deixa nada a desejar às grandes agências de rating do mundo. Então isto também é uma grande contribuição que o banco está fornecendo ao mercado financeiro brasileiro, a gente desenvolveu uma tecnologia de avaliação de risco de empresa, de risco de banco que não deixa nada a desejar do que existe de melhor, do que existe de mais sofisticado no mundo.

P/1 – De todas as áreas que você responde, qual é que você gosta mais? Tem alguma que você goste mais?

R – Todas as áreas do banco são extremamente interessantes, trabalhar no banco é apaixonante. Eu acho que o banco, para qualquer economista, para qualquer profissional, é uma casa ímpar no Brasil.

P/1 – Isac, obrigada pela sua entrevista.

R – Obrigada a vocês.