Projeto BNDES 50 Anos
Entrevista de Roberto Saturnino Braga
Entrevistado por Heloísa Gesteira e Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 03/05/2002.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BND_TM003
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 – Paula Ribeiro
P/2 - Heloísa Gesteira
R ...Continuar leitura
Projeto BNDES 50 Anos
Entrevista de Roberto Saturnino Braga
Entrevistado por Heloísa Gesteira e Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 03/05/2002.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BND_TM003
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 – Paula Ribeiro
P/2 - Heloísa Gesteira
R – Roberto Saturnino Braga
P/2 – Bom, vou iniciar perguntando o nome completo do senhor, local e data de nascimento?
R – Roberto Saturnino Braga, nascido no Rio de Janeiro, 13/09/1931.
P/2 – E o nome dos seus pais e a atividade profissional que eles exerciam?
R – Meu pai, ele se chamava Francisco Saturnino Braga, era engenheiro. É que meu pai era engenheiro mesmo, né? Eu fui engenheiro, período curto da minha vida, depois fui mais economista e acabei político. Meu pai também foi político no final da vida dele, mas ele foi engenheiro durante um grande período e, a partir de 1950, ele foi deputado federal pelo antigo estado do Rio de Janeiro. Porque ele era de Campos. A família de meu pai é de Campos, no norte do estado do Rio. Eu já sou nascido aqui no Rio. Meu avô, pai dele, Amiro Braga também foi deputado federal. Então, a família tem um veio político e a tal história; apesar de meu pai ser engenheiro, o assunto, o tema político sempre foi muito conversado em casa, a razão pela qual eu acabei desembocando no mesmo estuário, né? Mas... Mas meu pai, Francisco Saturnino Braga, minha mãe Raquel Saturnino Braga de família mineira e dona de casa.
P/2 – Qual o curso e faculdade que o senhor se formou e quando?
R – Eu me formei em 1954, na Escola Nacional de Engenharia, assim, se chamava da antiga Universidade do Brasil, ali no Largo São Francisco. Um prédio que hoje parece que vai ser restaurado, mas ficou... Entrou num processo de decadência física lastimável. Eu andei frequentando até aquele prédio lá pelos anos de 1988, 1989. Eu me interessei por... Sempre me interessei por Filosofia e como eu tinha um tempo disponível depois que larguei a Prefeitura, antes de voltar à vida política, eu fiz... Eu fui ouvinte. Eu fiz um curso de Filosofia como eu queria, como ouvinte, sem... Sem ter formalidade nenhuma e voltei a frequentar aquele prédio e fiquei, sabe? Deprimido, porque no tempo que eu era estudante de Engenharia lá, aquele prédio era um brinco, um brinco, sabe? Muito bem conservado. Só... Todo o equipamento dos alunos, de carteiras. Os quadros negros, aqueles quadros negros que subia um, descia o outro, funciona com roldanas, funcionava muito bem. Um banheiro... Lá no térreo tinha um banheiro subterrâneo muito grande, que era o banheiro dos alunos. Com aquela louça inglesa, uns canos de cobre que eram polidos todo dia. Tinha um funcionário permanente que polia, sabe? A gente respeitava aquilo ali, cuidava daquele banheiro porque ele era uma beleza. Aquele banheiro fechou. Botaram... (risos) Uma tampa em cima. Deve estar um... Não sei em que estado, mas no meu tempo aquele prédio era muito bem conservado e era certo orgulho para nós porque era antiga Escola Politécnica que tinha uma tradição. Meu pai se formou na Escola Politécnica. Escola Politécnica é uma espécie de centro da ciência física do Brasil. Quando Einstein esteve no Brasil foi visitar a Escola Politécnica porque... E aquilo conferia a nós uma certa dose de orgulho. Ser aluno da antiga Escola Politécnica, então, Escola Nacional de Engenharia. Foi um tempo ótimo.
P/1 – O que é que motivou essa escolha em cursar Engenharia?
R – Olha... (risos) É a tal história, o meu pai... Também a figura do pai é uma figura que marca a vida da gente, dos meninos principalmente. E é a tal história; ele era engenheiro mesmo. Foi engenheiro sempre da parte de transporte, primeiro Departamento de Portos. Depois do Departamento de Estrada de Rodagens. Gostava muito de estrada de ferro também. E é a tal história. A gente se inclina pelo que ouve em casa, pelo interesse que é suscitado na conversa em casa. Depois na maturidade eu fui ver que eu não gostava de Engenharia. (risos) E, na verdade, deixei de ser engenheiro, nuca mais fui. Hoje em dia, se você ver falar em qualquer coisa de natureza técnica... Engenharia é um... Não sei dizer nada praticamente porque ele... Me desliguei mesmo, à medida em que compreendi que não era a minha vocação. Então, a gente tem uma vocação que é alguma coisa que chama a gente. A Engenharia não era a minha vocação.
P/2 – Os cursos de pós-graduação que o senhor fez, eles têm mais relação com a vida profissional do senhor?
R – Tem, porque eu fiz todos na área já de Economia porque veja bem; eu me formei em 1954. 1955, 1956, eu trabalhei como engenheiro na construção da fábrica nacional de álcalis lá em Cabo Frio, no Arraial do Cabo. Aquela fábrica que estava construindo naquela época, né? Então, lá eu fui engenheiro realmente. Engenheiro civil, de obras. Depois em setembro de 1956 abriu o primeiro concurso do BNDES. Eu já naquela época eu já tinha formado em Economia, mas já começava a me interessar... Já tinha formado em Engenharia, mas já começava a me interessar pela Economia e pelas Ciências Sociais. Então, o que é que eu fiz? Concurso no BNDES. Passei, larguei Cabo Frio. Quando eu entrei no BNDES, eu entrei como engenheiro porque o concurso era para engenheiros, para advogado, para economista. Eu entrei no concurso de engenheiro. Inicialmente, trabalhei como engenheiro de verificação de projetos que o BNDES financiava, mas já com a visão do economista porque todo o ambiente, o clima de trabalho... O ambiente de trabalho do BNDES era voltado para o projeto, o grande projeto econômico, projeto desenvolvimentista brasileiro que, cuja agência principal era o BNDES. Então, eu já me contaminei. E aí, então, eu fui fazer o curso de... Primeiro, fiz o curso de... Da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e Caribe], desenvolvimento... Treinamento para o desenvolvimento econômico. Curso da Cepal dado no Rio de Janeiro. Foi, eu acho que a primeira turma também que frequentou o curso da Cepal no Rio. Porque antes o pessoal tinha que ir a Santiago para fazer. Mas eu fiz o curso da Cepal. Depois eu fiz o curso de Engenharia Econômica voltando ainda no Largo São Francisco, que abriu uma especialidade de Engenharia Econômica no Largo São Francisco, na Escola Nacional de Engenharia. E eu fiz também esse curso. Mas, quer dizer, que isso era o que existia na época, em termos... Não era propriamente uma pós-graduação, um mestrado, um doutorado como existe hoje. Naquele tempo o que existia não eram esses cursos de aperfeiçoamento, de extensão. Não era propriamente um mestrado ou um doutorado. Ainda estávamos numa outra época.
P/1 – E o que senhor acha que atraiu o senhor para essa área da Economia, das Ciências Sociais, assim, levando a essa guinada?
R – Aí, aí, aí é outra história porque... (risos) Porque eu comecei também a me interessar pela... Pelas coisas da política porque, nessa altura, o meu pai já era deputado federal. Ele se elegeu a primeira vez em 1950. Depois em 1954, depois em 1958. Ele teve três mandatos. Então, o tema das conversas de casa já era política. Só que a juventude é extremamente atraída e naturalmente atraída pela utopia. Eu fui um jovem comunista, sabe? A juventude daquele tempo tinha uma enorme atração pela utopia comunista, pelas realizações da União Soviética que era um espanto. Olha, só quem viveu aquele período... A União Soviética saiu. Depois o pós-guerra de 1945 foi uma afirmação, não é do socialismo conduzido pelo... Pela União Soviética porque a vitória sobre as forças nazistas foi uma vitória eminentemente soviética. É claro que depois entraram os ocidentais pela frente da França, primeiro pela Itália. Mas a derrota da máquina nazista se deu em Stalingrado. Esse nome Stalingrado para mim é... Eu era menino ainda, mas eu já ouvia falar na resistência, nos heróis de Stalingrado, quando os nazistas foram derrotados e os soviéticos entraram vitoriosos pela Alemanha, por Berlim e tudo mais. Depois, as realizações da União Soviética, em termos de atendimento das necessidades fundamentais da população; em termos de alimentação, de saúde, de educação, de moradia. Era um país de mujiques analfabetos que em trinta, quarenta anos se transformou numa grande potência que derrotou a máquina nazista, que foi capaz de se contrapor a outra potência, os Estados Unidos que mandou o primeiro Sputnik à Lua. Quer dizer, o prestígio da União Soviética era enorme. E a atração da juventude pelo Partido Comunista era... Que era... Que representava a utopia, que representava a condenação das injustiças. Então, eu fui um desses atraídos. Então, eu quis entrar uma política, mas ao mesmo tempo eu não queria seguir o caminho de meu pai, que era o velho PSD, conservador, liderado pelo Amaral Peixoto, que, aliás, é uma grande figura, tenho maior admiração, mas... Mas não era minha, o meu caminho. Então, eu comecei a procurar, estudar mais... Enfim, as Ciências Sociais e Economia para poder exatamente encontrar uma fundamentação de rejeitar o caminho da política tradicional e conservadora e tomar o meu caminho para ficar. Acabei tomando, me candidatando, já aí em 1962, pelo, então, Partido Socialista, PSB, foi o meu primeiro partido, mas aí já com uma... Imbuído de uma ideologia socialista, tal. Fruto desse meu interesse pela economia que vinha da política e do BNDES porque o BNDES era o grande centro de formação de cabeças de economia, sabe? Porque como eu disse, era o centro formulador do projeto desenvolvimentista brasileiro. E a gente, todos éramos mais ou menos jovens. O pessoal desse concurso que entrou era tudo gente da minha faixa de idade; um pouco mais, um pouco menos. E essa juventude toda se encontrava dentro do Banco, até depois do expediente para a gente conversar sobre o Brasil, sobre os rumos do projeto de desenvolvimento, sobre o mundo, sobre o grande embate ideológico que existia. Era um ambiente de trabalho, fui privilegiado porque era um ambiente de trabalho privilegiado, esse do BNDES dos anos 50, quando eu entrei.
P/1 – Antes de entrar mesmo na trajetória do senhor dentro do BNDES, eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho. O senhor foi engenheiro da Companhia Nacional de Álcalis, que era também uma empresa financiada pelo BNDES.
R – Era.
P/1 – Como é que era essa relação da empresa...
R – Era uma relação de mutuário e de financiador. Mas eu até não participava. Por exemplo, dentro da Companhia eu não participava do contato com o BNDES não. Eu era um engenheiro de obras. Construía aqueles galpões. Trabalhei na construção depois na rede de distribuição de água, na rede de... Na adutora que vinha lá do Bacaxá. Quer dizer, eu não tive contato com o BNDES neste momento não, enquanto estava na Álcalis. Só depois do concurso é que eu... É que eu vim a ...
P/2 – O senhor lembra do concurso do BNDES?
R – Lembro bem, lembro bem.
P/2 – Conta um pouquinho para gente como é que era, como é que eram as questões, a prova? Tinha prova oral também?
R – Não, não tinha prova oral. Tinha, tinha duas provas escritas muito extensas. Provas de... (risos) A gente levava três horas para fazer porque eram muito extensas. Uma era uma prova teórica sobre questões de economia e para os engenheiros sobre questões ligadas a engenharia, ligadas a matemática financeira. Era muito puxado matemática financeira e tudo mais. E essa era a primeira prova. Eu me lembro que me saí muito bem até nessa prova porque... Enfim, eu estudei para ela, me preparei. A segunda prova era uma prova prática de, então, de uma análise de um projeto. Era dado aos concursados um projeto como se fosse projeto que pretendesse financiamento e a gente tinha que analisar o projeto, sob o ponto de vista técnico e financeiro. Aí, é a tal história. Eu já não fui tão bem quanto na primeira prova porque eu não tinha prática e muitos dos que fizeram o concurso já trabalhavam no BNDE como contratados antes do concurso. É claro que esses levavam vantagem porque tinham a experiência de análise, que eu que vinha de fora como muitos outros não tinham. Mas assim mesmo, saí bem e fui aprovado. Quando fui aprovado, o que é que eu fiz? Voltei a Cabo Frio, pedi demissão. Pedi demissão, arrumei as minhas coisas. (risos) A posse era marcada porque veio o resultado, a posse era marcada para coisa de um mês depois. Fiz, pedi minhas contas, fiz a mala e vim embora. (risos) Quando eu cheguei de volta no Rio de Janeiro, eu soube do seguinte; eu havia sido reprovado porque havia uma terceira prova, além das duas provas técnicas, havia a chamada prova de investigação social. Vejam bem, isto era 1956, Governo Democrático de Juscelino Kubitschek. Porém tratava-se de um órgão público, um banco público e por conseguinte, os candidatos tinham que ter a ficha aprovada pelo DOPS [Departamento de Ordem Política e Social]. A prova de investigação social era um carimbo do DOPS dizendo “pode entrar”. Esse pode, esse não pode. E eu não pude. Eu fui reprovado pelo DOPS. Por quê? Porque tinha esse passado ligado... Porque tinha feito uma viagem à União Soviética, tinha feito... Participava do Festival da Juventude em Varsóvia. Tudo isso estava lá registrado no DOPS e eu fui reprovado como comunista. (risos) Não podia entrar no BNDE. (risos) Fomos três assim; eu, Juvenal Osório Gomes e Inácio Rangel. Os três ficamos de fora. Olha, eu realmente entrei numa depressão: “Poxa vida, eu...” Aí aconteceu o seguinte; eu já até dei esse depoimento, mas vou repetir aqui. O superintendente do Banco chamava-se Roberto de Oliveira Campos. Este superintendente que era um homem respeitável foi ao DOPS e disse o seguinte: “Olha, esses jovens fizeram o concurso, demonstraram a sua competência e são jovens. É claro que um ou outro pode ter uma inclinação política. Isso é processo natural da juventude, mas eu não posso... Eu não posso deixar de contratá-los, de admiti-los porque eles têm uma ficha. Eles não têm nada de graves, essa coisa de... Então, eu venho aqui dizer o seguinte; eu vou admiti-los e eu assumo a responsabilidade.” E fez. E não teve DOPS nenhum e nós fomos contratados os três e entramos juntos com os demais. E isso eu, ao longo da minha vida toda, eu... Eu nunca deixei de reconhecer o doutor Roberto Campos, que depois foi meu adversário político muito... Até muito frontal, mas a gente sempre... Acabei, na minha última eleição, ele foi meu adversário na disputa do senado e fizemos uma campanha muito, muito limpa e elevada. Nada, um sem dizer uma palavra de desrespeito ao outro. Isso eu guardei para o resto da vida, essa atitude que ele teve de agir dessa maneira, né?
P/1 – O senhor lembra do primeiro dia de trabalho do BNDES, como é que foi...
R – Eu lembro, eu lembro, lembro, lembro. Porque aí pediram que nós preenchêssemos uma ficha sobre as preferências de... Porque o BNDES tinha vários departamentos e eu... Em primeiro lugar tinha uma grande divisão entre o trabalhar em projeto e análise de projeto ou trabalhar no controle das aplicações que era a de visitar as empresas para ver como é que o dinheiro estava sendo aplicado. Eu preferi trabalhar na análise, que era o departamento de projetos. Agora, o departamento de projetos tinha três grandes divisões; um de infraestrutura de transporte, a outra de infraestrutura de energia elétrica e a outra de indústrias. Eu preferi infraestrutura de transportes porque aí também por uma questão de origem. O meu pai sempre foi um engenheiro de transporte, como eu disse há pouco aqui. Era um engenheiro rodoviário de ter trabalhado em portos, em marinha mercante. Então, eu escolhi essa divisão de projetos de transporte, cujo o chefe, por coincidência, era um velho amigo e colega de turma de meu pai. O engenheiro chamava-se Jacinto Xavier Martins, grande engenheiro, grande figura. E tinha sido colega de meu pai. Então, é claro, ele me recebeu muito bem. Ele era um homem extraordinário. Eu gostei muito de trabalhar ali. E transportes foi, assim, a primeira grande prioridade do Banco. O Banco teve várias fases, né? Infraestrutura, primeiro de transportes, depois de energia elétrica. Depois indústria. Depois a indústria tecnológica, sofisticadas, mas a primeira grande prioridade foi de transportes. Naquele momento, o Banco estava financiando toda a revitalização, reequipamento do sistema ferroviário e do sistema de portos. E eu caí em cheio nessa atividade. E era muito intensa e gostei muito. Gostei porque... Sabe? A gente, é a tal história; sentia que estava fazendo uma coisa importante, isso é fundamental para a gente sentir bem, né? Sentia que estava fazendo uma coisa séria porque o Banco era uma instituição que nunca sofreu nenhuma acusação de corrupção de qualquer natureza. E ademais, aquilo me dava oportunidade de conhecer o Brasil, que você... Eu conheci o Brasil todo pelo BNDES com poucos... Poucas exceções de alguns estados que eu nunca fui, mas era muito interessante. E eram projetos renováveis. Quer dizer, não se caía nunca numa rotina porque cada projeto era um caso e para ser estudado num local diferente, gerenciado por pessoas diferentes. Era muito interessante. Foi ótimo!
P/1 – Que ano que o senhor entrou? Qual foi a data?
R – 1956, em fim de 1956. Deve ter sido. O concurso foi em setembro... Eu acho que foi em outubro de 1956, por aí. Eu ingressei. E fiquei nessa divisão de transporte muito tempo. Aí eu não me lembro exatamente até quando não, mas eu fiquei um bom tempo aí.
P/1 – Alguma viagem dessas que tenha te marcado mais?
R – Não... Nada, nenhuma... Ah, sim. Olha, uma viagem que me marcou muito foi uma viagem que eu fiz ao Espírito Santo para depois subir... O BNDES... Tratava-se do projeto de financiamento do reequipamento da linha da Vale do Rio Doce, a Vitória-Minas. Estrada de Ferro Vitória-Minas, que era a linha que trazia o minério da Vale do Rio Doce para o Porto de Vitória. E era um projeto extremamente inovador como... É um projeto que era gerenciado pelo Eliezer Batista, que eu conheci naquele momento e que achei um... Fiquei logo encantado com a figura dele. Era um líder, era uma pessoa que mobilizava as equipes todas. E ele, projeto de remodelação da Vale, da estrada de ferro, foi totalmente dele e deu um resultado extraordinário, né? E esta viagem me deu um prazer muito especial. Mas é claro que várias outras, né? Rio Grande do Sul, a estrada, a viação lá do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia. Várias. Todas elas me deram... Leopoldina. Fizemos uma viagem à Leopoldina. Fomos até lá São Pedro, longe para cachorro. Mas foi uma delícia. Era muito bom, era muito motivador, sabe? (risos)
P/2 – Especificando um pouco a década de 50, qual era o foco de atuação do BNDES na década de 50?
R – Era infraestrutura. Primeiro transportes como eu disse, mas logo em seguida, também energia elétrica. As grandes hidro... Todo o planejamento do setor elétrico brasileiro que foi um êxito internacionalmente reconhecido, sem dúvida. Começou ali, no BNDES com a construção das primeiras usinas de Três Marias, de Furnas. E ali começou o planejamento porque depois com a criação da Eletrobrás veio a cobrir todo o sistema brasileiro. E essa foi uma prioridade que começou também nos fins do 50, ainda nos anos 50, as grandes hidroelétricas. Depois, nos anos 60, aí já começou mais a indústria; a indústria siderúrgica, a indústria de base, a química de base, as siderúrgicas, a petroquímica de base. Quer dizer, foi uma década... Claro, que ainda complementando a infraestrutura de transportes e aí, por exemplo, eu tive uma participação muito interessante que me motivou muito, que foi no programa dos estaleiros, sabe? Eu participei dos grupos de trabalho de análise dos estaleiros, da construção naval, que foi projetada também no final dos 50 para... Entrando pelos 60, né? E era aqui um projeto também que veio a ter grande êxito. E depois foi destroçado. Hoje em dia... Mas é que naquele tempo, o Brasil tinha uma marinha mercante poderosa, que transportava 40% ou mais do intercâmbio internacional de... Transporte de mercadorias de longo curso brasileiro. E essa marinha mercante, é claro, era uma fonte de encomendas. Estaleiros foram projetados para realimentar essa marinha mercante em crescimento, de uma forma dinâmica. E a gente ficou muito entusiasmado porque era uma indústria, uma indústria pesada, uma indústria que se instalava muito predominantemente no Rio de Janeiro e uma indústria que tinha uma participação nacional muito importante. Coisa que a indústria automobilística, por exemplo, não tinha. Era quase toda de capital estrangeiro. E o BNDES... Naquele tempo não financiava indústria de... Empresa de capital estrangeiro. Só, o pressuposto era que empresa de capital estrangeiro deve trazer o seu capital de fora porque vim para cá e pegar o capital daqui não tem sentido. Então, o BNDES tinha como pressuposto isso. Mas os estaleiros tinham uma participação nacional muito importante, a partir do... Começa navegação do Paulo Ferraz, o Estaleiro Caneco, aqui da Ilha do Governador. Quer dizer era um projeto... Eram projetos animadores que... De grande porte e que projetavam o Brasil como uma potência de construção naval, como foi o Brasil até os anos 80. Foi um dos grandes construtores navais do mundo. Depois é que derrocou.
P/2 – Nessa época quais eram as expectativas de trabalhar no BNDES? Como era o clima de trabalho?
R – Era ótimo, era ótimo! Eu duvido que em alguma... Algum setor da nossa administração pública propiciasse aos seus servidores uma... Sabe? Uma motivação, um entusiasmo tão grande quanto a gente tinha no BNDES. Era um grupo relativamente pequeno, não é? Não era o gigante que é hoje. Então, as pessoas todas se conheciam e era um clima de trabalho muito bom. Mas por quê? Porque é como eu disse; nós acreditávamos naquilo que estávamos fazendo. E tínhamos com toda a pretensão do jovem, a gente tinha pretensão e discutíamos, discutíamos política e discutíamos o próprio projeto desenvolvimentista brasileiro. Por exemplo, um dos termos que se discutia naquele momento era o seguinte; o BNDES deve ser todo voltado para o econômico ou deve começar abrir também alguma coisa para o social, em termos de distribuição. E olha, a maioria esmagadora achou que não, que tinha que ficar no econo... A gente tinha essa ideia que era preciso construir a base econômica, plantar a base industrial brasileira bem sólida para depois, então, a gente, sabe? O que se passava na nossa cabeça era o seguinte; países em desenvolvimento não tem que pensar em luxo de distribuição. Tem que, primeiro, garantir o processo de crescimento. Isto veio dessa época. Eu participei dele. Depois a gente começou a pensar de trás para frente, “achar que erro que a gente cometeu e tal”. (risos) Por exemplo, educação. Existia gente no Banco dizendo “o Banco tem que investir em educação.” A maioria pensava “que nada, isso vem por gravidade. Vamos, vamos insistir no econômico.” O fato é o seguinte; o econômico foi um êxito estrondoso, mas depois bateu. O processo de desenvolvimento foi encontrar barreira exatamente no social, na educação, nas coisas que faltaram, as dimensões que faltaram no processo, né?
P/2 – O senhor fez cursos no Iseb [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], na Cepal. Como é que se dava a ligação das ideias discutidas, tanto no Iseb quanto na Cepal e um projeto do BNDES na...
R – Era, era... Havia compatibilidade sim. No próprio BNDES incentivava. Por exemplo, eu fiz curso do Iseb com autorização do B... Não só com autorização como... E o da Cepal também, como, como permissão. Quer dizer, para fazer meu horário de trabalho sem prejuízo completo do trabalho, mas com, evidente, com prejuízo parcial. Quer dizer, fazia parte da política do BNDES promover oportunidade, propiciar aos seus funcionários o aperfeiçoamento realizando cursos. E BNDES... E Iseb e Cepal eram órgãos que tinham, digamos, muita confluência ideológica com o projeto de desenvolvimentista que era agenciado pelo BNDES. Embora houvesse já algumas divergências, tal, mas nada que afetasse uma boa convivência e uma superposição grande de ideias.
P/2 – Como é que se formou o grupo misto BNDES e Cepal? Como é que eram as reflexões?
R – Eram, eram, eram... Quer dizer, eram reflexões a respeito do projeto de desenvolvimento... Do conceito e do processo de desenvolvimento econômico, baseado que na experiência dos países em desenvolvimento. Os países chamados, então, subdesenvolvidos que aspiravam desenvolvimento, especialmente os países da América Latina. A Cepal teve os seus líderes, os seus opositores ao... Todos eles, o Prebisch, argentino, o Celso Furtado que era a grande figura entre os brasileiros, o Aníbal Pinto que era o chileno. Enfim, figuras... O Almada, o Jorge Almada que era chileno também. Era, eram pensadores, formuladores de grande competência, que observavam a evolução do processo de desenvolvimento e que aplicavam... Quer dizer, sugeriam rumos e apontavam as dificuldades, as barreiras a serem vencidas nesse processo, né? E geravam polêmicas importantes, né? Polêmicas importantes, mas sempre muito respeitados, né? A própria ideia de... Isto tem um substrato político muito importante, político internacional. O fim da, como eu disse, o fim da guerra projetou a União Soviética lá no... Num ponto muito elevado. Os partidos comunistas do mundo inteiro, especialmente da Europa, o francês e o italiano com uma força enorme. E na América Latina, aquela atração fortíssima. Então, o que fizeram os americanos? Os americanos e os seus aliados europeus, Inglaterra etc. e tal. Eles propuseram ao mundo o seguinte; para a Europa a reconstrução. Aí veio aquela massa de dinheiro do Plano Marshall que inundou a Europa de dólares e revitalizou a economia europeia. Para a África e para a Ásia a promessa deles foi a descolonização, a independência. Então, puseram os europeus lá de lá para fora. Tudo que foi país africano e asiático fez a sua independência. Para a América Latina veio isso, o desenvolvimento. Essa expressão desenvolvimento econômico foi uma expressão muito usada no mundo inteiro, mas, na verdade, ela era particularmente voltada para América Latina, com uma promessa, dizer: “Olha, nós vamos ajudar você.” Foi criada a comissão mista... O BNDE nasceu de uma proposta da comissão mista Brasil-Estados Unidos, exatamente com uma proposta de financiamento seria a participação brasileira, contraparte brasileira, do financiamento vinda da América. E deu-se muita expressão à Cepal, que era o órgão formulador do projeto de desenvolvimento da América Latina sediada lá no Chile que tinha grandes expressões de teóricos, né? Então, essa, essa coisa do... Essa ideia do desenvolvimento econômico foi uma promessa do capitalismo para renun... Para que esses países renunciassem ao comunismo, a utopia soviética e trabalhassem o seu própria... A sua própria base, no sentido de promover a economia, as suas economias. Isso realmente teve um êxito extraordinário. É inegável o crescimento do Brasil e da América Latina os anos 50, 60. E o Brasil liderou esse processo todo. Nos anos 50, nessas três décadas, 50, 60 e 70, porque os militares continuaram esse processo, nenhum país cresceu economicamente o que o Brasil cresceu. Nem o Japão, nem Coreia, nem nada. Esse veio depois. Nessa época, o Brasil era o campeão mundial e arrastou a América Latina sim. É claro que a Argentina ficou muito atrasada. Eu, quando era menino, Argentina era um troço. Agora, de repente, o Brasil ultrapassou a Argentina nessa... Argentina ficou patinando lá, no impasse político brabo e o Brasil foi em frente. Esse foi um momento privilegiado na história do Brasil, na história do desenvolvimento brasileiro e no ambiente de trabalho do BNDES, do qual eu participei. (risos)
P/2 – Ainda um pouquinho em relação a essas ideias do Iseb, como é que era? Era um grupo heterogêneo, ou teriam algumas ideias chave que definiria assim, pertencer ao Iseb, como é que isso apareceu na ideologia desenvolvimentista e um pouquinho do BNDES...
R – É, o Iseb, quer dizer, nasceu exatamente como um grupo de intelectuais brasileiros que se propuseram a formular o projeto de desenvolvimento brasileiro. Isto começou com uma iniciativa espontânea deles mesmo e se reuniam lá no Parque Nacional de Itatiaia porque havia lá um diretor, que depois foi diretor aqui do Jardim Botânico, que se chamava... Depois eu me lembro do nome dele, mas enfim, que abrigava esses professores lá e passavam fins de semana discutindo Brasil. E se chamou, por conseguinte, o Grupo de Itatiaia. A formação do Iseb nasceu no Grupo de Itatiaia. Por exemplo, pertencia ao Grupo de Itatiaia, Roberto Oliveira Campo, junto com o Roland Corbisier, Guerreiro Ramos, o Hélio Jaguaribe. O Roberto Campos estava lá. Fazia parte desse grupo inicial que pensava o desenvolvimento brasileiro. Depois, o Juscelino que chegou em 1955, ele... Sensibilidade política que tinha, ele percebeu a importância de uma formulação teórica de um projeto desenvolvimentista. Então, ele patrocinou, ele como presidente da república, patrocinou a formação do Iseb como instituto oficial de estudos brasileiros, estudos superiores brasileiros. Aí deu uma estrutura. Funcionou ali na Rua das Palmeiras e ministrou cursos especiais. Aí eu fiz esse... O curso do Iseb era, assim, uma... tinha um atrativo todo especial, um charme todo especial. Por quê? Porque eram pessoas de grande poder intelectual, de grande saber, de grande cultura, imbuídos no sentido da grandeza do Brasil, do desenvolvimento da adequação do projeto desenvolvimentista ao crescimento brasileiro e aquilo contagiava os... Todo o pessoal que fazia os cursos dele e faziam cursos paralelos também. Foi uma fase também muito rica essa de... E o BNDES muito ligado. O Roberto Campos aí, já um pouco... Divergir já não fazia parte do grupo do Iseb, estava no BNDES, mas propiciava, ele achava que era muito importante. Eu me lembro quando eu fui fazer o grupo, o curso do Iseb, eu fui falar com ele e ele disse: “Não, acho muito bom. Vou autorizar sim. Acho muito bom, tal.” Quer dizer, ele tinha uma ligação ainda... Tinha um respeito muito grande pelo pessoal do Iseb.
P/2 – O plano de metas do JK de alguma maneira incorporou essas ideias que eram discutidas?
R – Ah, sim. Incorporou de uma forma mais prática, né? Porque aí foi gente ligada essencialmente ao BNDES que fez aquele... Quer dizer, era a concretização daquela fórmula teórica que era o Plano de Metas. E agora, tinha uma coisa que escapou inteiramente ao plano de metas, aí foi uma visão, sensibilidade política do Juscelino que foi Brasília. Brasília não estava na cabeça de ninguém, nem de Iseb, nem de Cepal, nem de BNDES, de nada! Ninguém cogitava desse negócio de mudar a capital para lá. E o Juscelino politicamente marcou o seu governo com esse investimento, que na época foi muito criticado. Inclusive, lá dentro do BNDES, a gente não entendia muito bem aquilo. Achava aquele troço, mas aí um negócio político do Juscelino, tal. A gente não acreditava que aquilo ia dar em grande coisa. E hoje, que eu viajo ali, Mato Grosso, norte de Goiás, Tocantins, o Pará. O que Brasília, o crescimento daquela região é um espanto, né? Isso ninguém captou, nenhum dos formuladores teóricos, ninguém captou. Foi o Juscelino. (risos)
P/2 – Voltando um pouco para a trajetória do senhor dentro do Banco mesmo. O senhor ingressou em 1956, ficou...
R – É, a minha trajetória foi, foi truncada pelas eleições porque eu fiquei de 1956... em outubro de 1962, eu já me elegi deputado federal porque eu já estava imbuído na política, tal e aí já me licenciei no Banco. Passei fora do Banco, 1963, 1964, 1965, 1966. Em 1966, já não pude, fui impedido de me candidatar a reeleição. Novamente aí já não era mais o DOPS. Era o SNI [Serviço Nacional de Informações], ficha do SNI. (risos) Aí, eu voltei para o Banco, mas aí eu já voltei num outro momento, que foi um momento difícil do Banco, momento dos regimes... Dos governos militares e a presidência era o Magrassi e aquele esquema muito rígido. Mas, enfim, eu era da casa, ninguém me... Todo mundo me conhecia, ninguém nunca me desrespeitou, mas eu, claro, que voltei para o Banco preenchendo... Eu já era... Quando saí, eu já era chefe de divisão. Quando voltei, eu voltei... Era chefe de divisão de projetos de transportes. Voltei para o cargo de engenheiro, engenheiro comum, sem chefia nenhuma. Fui cortar tijolo aí, de muita fábrica. (risos) Mas novamente tive um ambiente bom dentro do Banco, fui outra vez. Fiquei até 1974. Fiquei de 1967 até 1974. Aí, novamente, assumi outras funções. Fui chefe de departamento, cheguei a ser chefe do departamento econômico, na seguinte condição; o presidente era... O presidente era o Marcos Vianna. Ele me designou primeiro chefe de divisão. Depois chefe... Eu fui chefe do departamento econômico. Depois fui chefe de gabinete dele, mas tudo, assim, respondendo por, porque eu não podia ser nomeado porque... Para ser nomeado, eu tinha que ter a ficha aprovada pelo SNI e ele sabia disso. Então, ele me colocava respondendo. Eu ficava... Fiquei anos respondendo, mas sem ser nomeado. Respondendo e ganhando. (risos) Eu recebia, tinha todas as funções, só que não era nomeado oficialmente porque senão o SNI não ia concordar. Aí fiquei até 1974, quando outra vez apareceu a oportunidade da... Aí foi a minha primeira eleição de senador. Aquela eleição que o MDB [Movimento Democrático Brasileiro] deu uma lavagem nacional e eu voltei para a política. Aí não voltei mais para o Banco porque de lá, eu de senador fui para prefeitura e como eu disse no final, na prefeitura completei o meu prazo e me aposentei no Banco.
P/1 – Em que ano?
R - Mas eu sempre mantenho... Em 1988. Sempre mantive um contato muito grande, permanente com o pessoal do Banco, que eram meus amigos, minha gente. Eu gostava daquele pessoal todo.
P/2 – E como é que foi esse período na chefia do departamento de planejamento?
R – Ah, foi, foi muito interessante porque aí o departamento de planejamento era o que exatamente dava a diretriz, definia as diretrizes, as prioridades, os enquadramentos. E é claro, eu considerava a função mais importante do Banco. Então, eu a exerci com muito gosto, muita satisfação mesmo, que o Banco ainda era... Porque, na verdade, o seguinte; o regime militar truncou o país politicamente, mas no projeto de desenvolvimento deu continuidade perfeita. A última etapa do processo foi exatamente os anos 70. Já no Governo Geisel com o segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento], tal
que o Banco foi, então, a agência financiadora da indústria de base tecnológica, da indústria avançada, que desde então, o Banco partiu da infraestrutura, depois para a indústria básica e acabou a sua última etapa a indústria avançada, indústria tecnologicamente mais sofisticada. Isso foi feito também com financiamento do Banco já nos anos 70. Aí, os anos 80 é que entrou no impasse aí, no processo econômico, aquela inflação enlouquecida que paralisou tudo, né? E depois nos anos 90, aí entrou já a política da redução da presença do Estado. Como o BNDES é estatal, e aí perdeu, o Banco perdeu a posição que tinha de principal agência, de definidor dos rumos, de planejar a própria ideia de planejamento, na medida em que tudo passou... A hegemonia foi dada ao mercado porque anteriormente a gente nunca deixou de considerar o mercado. A primeira coisa que se fazia, quando estudava um projeto do Banco era o estudo do mercado. Aí, a gente estudava o mercado, fazia as projeções, nunca deixou... Mas nunca se pensou que desenvolvimento se fazia pelo mercado, nas decisões espontâneas do mercado. O princípio era desenvolvimento é uma ação que tem que ser fomentada, estimulada, financiada, promovida pelo Estado, considerando o mercado sim, mas com Estado como agente. E isso é que depois nos anos 90 desapareceu, né?
P/2 – O senhor poderia citar um projeto financiado pelo Banco que o senhor considere, assim, exemplar, importante?
R – Aí, vários. Eu acho que esse projeto, por exemplo, da Vale do Rio Doce, da estrada de ferro Vitória-Minas, no meu primeiro momento, foi, assim, aquele que eu acho que deu frutos melhor. O projeto do estaleiro Mauá também, aqui em Niterói, do Paulo Ferraz. Outro projeto... O projeto da Cosigua, sabe? Nós estudamos o projeto da Siderúrgica da Guanabara lá em Sepetiba também foi projetos estudados pelo Banco que, no início, tinha uma resistência danada, mas nós mostramos que ele era viável, que era importante. E o BNDES financiou vários projetos, mas enfim, estou citando três aí, mas dentre muitos que eu participei com... Sempre com muito interesse.
P/1 – Como é que o senhor definiria atuação do Banco no processo histórico brasileiro?
R – Eu diria o Banco foi a principal agência do governo brasileiro no projeto de desenvolvimento dos anos 50, 60 e 70. O 80, eu vou dizer a vocês o seguinte; eu estava tão fora, tão mergulhado na política, foi uma década tão tumultuada sob o ponto de vista econômico com aquela inflação enlouquecida, eu não sei como é que o BNDES se... Quer dizer, o que o BNDES fez ou qual foi o papel que o Banco desempenhou nos anos 80. Não sei se já começou a perder. Provavelmente sim. Claro, porque no momento em que a economia se desorganizou toda, o BNDES era uma instância organizadora da economia. A economia começou a se desorganizar nos anos 80, provavelmente o BNDES já perdeu aí, mas eu já estava fora. E como eu disse, os anos 90 aí, é claro que se implantou oficialmente a política do Estado Mínimo e da hegemonia absoluta do mercado. Então, eu diria, o BNDES foi a locomotiva principal, trator da economia brasileira nos anos 50, 60 e 70. Até o fim dos 70 teve um papel decisivo. Não teria havido processo de desenvolvimento brasileiro sem esta presença decisiva, que foi do BNDES. E depois, no final, o BNDES... Isso já foi no fim dos 70, né? Abriu-se, o início dos 80 abriu-se para o social, mas de uma forma ainda muito tímida. O que aliás é prudente porque uma casa que não tinha experiência nenhuma na área social não podia se jogar de repente, produzir um desperdício gigantesco que até ia prejudicar o próprio conceito do Banco. Entrou timidamente, mas entrou. E agora, eu acho que aos poucos, eu não tenho tido notícia, mas acho que aos poucos vai crescendo essa atividade, de uma forma prudente e sólida na área do chamado microcrédito. Está criando uma cultura de oferta de microcrédito que era uma coisa que não existia no Brasil e que é novo, é absolutamente novo e não é fácil. Então, acho que o Banco está desempenhando um papel importante que a gente, talvez, não tenha agora, nesse momento, condição de fazer uma apreciação que só o tempo dará a dimensão. Mas acho que o BNDES já está, hoje, o desenvolvimento num papel importante nesse setor social pela primeira vez.
P/2 – Nesse sentido que o senhor acha importante a incorporação do ‘S’...
R – Acho, acho sim. E acho... Acho sim porque, na verdade, aquela ideia que a gente tinha do econômico, a ideia compartilhada, assim, por todos nós naquela época, mas do econômico estanque, do social. Social era outra coisa. Hoje, a gente reviu totalmente essa ideia. O processo era uma coisa só e o econômico exige toda a transformação da cultura, do modo de ser das pessoas, do modo de atuar, do modo de trabalhar das pessoas. E uma coisa influencia a outra e o processo caminha como um todo. Então, era importante sim, que desde o início o BNDES tivesse desenvolvido, ainda que modestamente, mas criando a condições de atuação e o próprio saber da atuação do lado social e criando... E do lado também da educação porque a educação compõe... Há, na verdade, e eu esquecendo de falar isso; o BNDES teve uma participação fundamental e decisiva na criação da ciência e da tecnologia brasileira. Quer dizer, o Funtec [Fundo Tecnológico], que foi a primeira iniciativa na história, do... Pela imagem que vem à cabeça do Pelúcio, coitado, faleceu a pouco tempo. Foi um inovador, mas o Pelúcio foi o propositor, mas todo Banco abraçou aquela ideia, compreendeu quase que instantaneamente que aquilo era um fator estratégico do desenvolvimento. Quer dizer, financiar ciência e tecnologia nacionais, né? E os resultados foram muito importantes, muito importantes. Essa Embraer aí nasceu lá. A Cobra que, infelizmente, depois... Mas foi a primeira que nasceu com... As fragatas brasileiras iam ter os seus computadores fabricados no Brasil, tudo fruto desse movimento que nasceu dentro do BNDES. Então, essa dimensão o BNDES acabou incorporando aí, pelos anos 70, incorporou ciência e tecnologia, mas não chegou incorporar inteiramente. É claro que a ciência e tecnologia também desenvolveu todo o financiamento de bolsas e de CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e , ajudou muito. Mas não entrou propriamente na educação de base e que também faz falta. Tudo é ligado. O processo de desenvolvimento, ele é composto de uma... De um entrelaçamento de fatores que vão do econômico ao social sim. Ao próprio bem-estar da população, bem-estar físico, a saúde, a educação, a educação base. Tudo isso faz parte do processo de desenvolvimento e uma agência desenvolvimentista deve ter pelo menos os olhos voltados para acompanhar isso e quando falta alguma coisa, sentiu que tem uma carência ali, atuar sobre aquela carência. E, então, acho que é importante o BNDES agora entrar... Está entrando, ao meu ver, muito sabiamente na coisa social.
P/1 – Então, para finalizar, gostaria de perguntar, o que o senhor acha desse projeto de 50 anos, projeto de memória 50 anos do BNDES e de ter dado o seu depoimento ao projeto?
R – Ah, eu acho fundamental porque isso recompõe... Quer dizer, a história é... A história de um país é um fundamento importante para as formulações futuras, né? História é uma experiência agregada, uma experiência de vida. E poucos órgãos do Governo Federal tem a experiência que o BNDES... Tem a história que o BNDES tem. Claro que há outras instâncias; Itamaraty tem uma história aí, respeitabilíssima, tal, mas olha, o BNDES não fica atrás não. Está a primeira linha das entidades, dos órgãos públicos brasileiros que fizeram história. Fizera mesmo, construíram uma parte substancial da história do Brasil nesses anos, nesses 50 anos, que estamos fazendo agora.
P/1 – Está bom. Então, muito obrigada.Recolher