Projeto Memória BNDES 50 anos
Entrevista de Francisco Marcelo Rocha Ferreira
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 11/04/2002.
Realização do Museu da Pessoa
Entrevista BND_CB005
Transcrito por Bárbara Tavernard Thompson
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 - Bom dia, Francisco. Eu gostaria d...Continuar leitura
Projeto Memória BNDES 50 anos
Entrevista de Francisco Marcelo Rocha Ferreira
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 11/04/2002.
Realização do Museu da Pessoa
Entrevista BND_CB005
Transcrito por Bárbara Tavernard Thompson
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 - Bom dia, Francisco. Eu gostaria de começar o nosso depoimento pedindo que você nos dê o seu nome completo, local e a data de nascimento, por favor.
R - Francisco Marcelo Rocha Ferreira. Eu nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
P/1 - E qual é a sua formação?
R - Eu sou economista e eu me formei na PUC-RJ.
P/1 - Em que ano você se formou?
R - Em 1973, que foi o ano em que eu entrei no Banco.
P/1 - Você poderia contar um pouquinho como é que se deu essa sua entrada no Banco, por favor.
R - Na realidade, eu era estagiário do BNH [Banco Nacional de Habitação] e uma amiga minha era estagiária no Banco e gostava muito do estágio no Banco, e ela era também estudante de economia, como eu, e aí quando abriu concurso, ela me avisou e eu fiz concurso pro Banco, passei, pagava mais do que o BNH, achei ótimo também, e vim trabalhar no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], como estagiário.
P/1 - Nesta época, como estudante de economia, qual era a expectativa de vir trabalhar num banco, como o BNDES?
R - O cenário da época era muito diferente. Primeiro, o BNDES era muito pouco conhecido, menos conhecido do que é hoje; segundo, era um momento em que o Banco estava começando a crescer; ele mudou de patamar nos anos 70: o orçamento do Banco cresceu muito, novas coisas foram sendo incorporadas às atividades do Banco, outros setores foram sendo financiados, era um período de crescimento. E no mercado de trabalho havia muita demanda por economista. Então, na realidade, o banco era uma das opções, tanto que eu fiz concurso para economista no fim do ano pro Banco e também fiz concurso pra mestrado, quer dizer, era um número enorme de opções que você tinha, que era um cenário diferente do cenário de hoje. O Banco era menos conhecido e o mercado de trabalho era muito mais, digamos assim, receptivo a quem estava se formando. Então as informações eram mais reduzidas. Significava, na época, ser estudante... era uma experiência, eu tinha uma informação de que o Banco era um bom lugar de trabalho que se discutia economia de maneira séria e consequente e eu vim pro Banco, e inclusive no final do ano eu fiquei muito em dúvida se continuava no Banco, apesar de ter passado no concurso, porque eu passei pro mestrado, que era em São Paulo, e eu fiquei muito em dúvida se ia ou não para São Paulo e eu acabei não indo. Eu sou um carioca, apesar de ser gaúcho, sou carioca completamente atávico.
P/1 - E qual foi o seu primeiro projeto em que você se envolveu quando entrou no Banco?
R - O meu primeiro projeto profissional foi acompanhar um estudo que estava sendo feito para uma consultoria sobre o setor de fundição de ferro e aço; eu fui trabalhar com o setor de metalurgia, no departamento de prioridades. A gente fazia basicamente análise setorial e principalmente análise de mercado.
P/1 - Você tinha um espaço aqui no Banco? Você tinha colegas de trabalho? Se discutiam esses projetos em uma mesa? O que é que acontecia?
R - Na realidade é o seguinte: a reforma da Booz Allen mudou muito a estrutura do Banco e ela foi implantada no início de 73. E foi criada uma área de planejamento, que não existia antes, que era uma área que juntava basicamente o debate econômico, mais macroeconômico e até setorial do Banco. E o Banco tinha na época alguns economistas, eu vou citar o Ignácio Rangel, que é um economista muito conhecido, tem um livro sobre inflação brasileira, que foi muito debatido e era um grande economista, e que nós basicamente nos reuníamos na sala dele, cinco, cinco e meia da tarde, praticamente várias vezes por semana, quase toda dia, e se discutia economia, quer dizer, era um período muito interessante porque a economia brasileira estava crescendo. Era o próprio auge do milagre, e se não me engano em outubro de 73 houve o choque do petróleo e que foi literalmente um choque, causou um grande impacto, até pela surpresa, e se debatia muito o crescimento da economia brasileira, e havia um, digamos assim, um grande otimismo que o choque do petróleo deu uma certa, digamos assim, causou estranheza, quer dizer, tudo continuaria como igual, até porque a indústria automobilística tinha um papel absolutamente central naquela fase do crescimento e obviamente o encarecimento do petróleo significava que algum limite àquele crescimento gigantesco da indústria automobilística brasileira ia começar a aparecer. Então era muito interessante por isso, quer dizer, havia um ambiente muito claro de debate. Havia uma outra coisa muito interessante que era o chamado comitê de prioridades, onde se discutiam as prioridades do banco não só em termos de programas, mas também em termos de projetos, quer dizer, cada pedido de financiamento do Banco era debatido na comissão de prioridades e aí sim ia para o presidente conceder a prioridade; era sugestão da comissão de prioridade para o presidente conceder a prioridade, e nesta comissão era muito engraçado porque ia de estagiário, eventualmente, raramente, mas eventualmente ia até diretor, quer dizer, era um ambiente muito democrático apesar da época não ser uma época exatamente democrática. O que me impressionou muito no banco neste período do regime militar, principalmente no começo, é que você tinha um razoável ambiente democrático numa sociedade que não era democrática, isto era muito interessante. Havia muita diversidade de pensamento, de linhas de pensamento, e havia debates.
P/1 - Você tinha como colegas militares dentro do banco?
R - Tinha. O banco neste período... na realidade, o meu primeiro chefe era um militar, ele era um coronel engenheiro, se eu não me engano já era reformado, metalurgista que era o gerente da área de Metalurgia do banco, havia também depois, acho que a partir de 74, de 75, a gente sempre teve um almirante aqui no Banco, pelo menos durante o regime militar, tradicionalmente. Isso na época não era um privilégio do Banco; era algo que acontecia em quase todas as grandes estatais, quer dizer, havia todo um clima que... meus filhos, por exemplo, a juventude hoje dificilmente entenderá que era um clima assim muito... ninguém falava muito abertamente as coisas, havia toda uma questão de medo até do que seria interpretado do que a pessoa dizia; havia toda essa coisa da informação, do grampo, do sigilo. Então era período, neste sentido, muito paranóico. Agora os militares que vieram pro banco, pelo menos a maioria, os que... depois você teve uma assessoria de segurança da informação mais tarde que é outra coisa, mas os militares que entraram na vida do banco mesmo, quer dizer, na discussão das coisas do banco, não na sua área, porque segurança da informação é uma área específica, foram pessoas de alguma maneira que se integraram com o banco e tiveram
até algumas vezes papeis muito positivos de explicar para o poder, na época ocupado pelos militares, do que se tratava exatamente no Banco, eles desparanoidizaram um pouco a visão que se tinha do Banco. Depois contribuíram de certa maneira para que o espaço democrático se mantivesse aberto. A gente, por exemplo, usava cabelo gigantesco na época, o que era muito curioso, né? Todo mundo usava cabelo grande, tal, era engraçado. E só ver as fotos, que vocês vão ver aí.
P/1 - Em termos de vida social, os colegas de Banco tinham, por exemplo, relacionamento fora do espaço do banco também?
R - Olha, dependia muito, na realidade, bom, nesta época da vida em que você estuda e trabalha você não tem exatamente muito tempo. Eu pessoalmente sempre tive um círculo de amizades extra banco razoavelmente grande, então, incorpora sempre algumas pessoas, mas no início não, até porque você na época, enquanto você estudava, seu tempo era extremamente exíguo, então, todo mundo estava sempre correndo atrás.
P/1 - Francisco, são quase trinta anos de banco, né?
R - Quase trinta anos, vinte oito.
P/1 - Vinte oito. Pois é, algum projeto...
R - Vinte e nove! Nossa Senhora.
P/1 - Vinte nove, né? Entrou em 73, né?
R - Vinte nove anos, é...
P/1 - Algum projeto que você tenha participado ou que o Banco tenha desenvolvido que mais tenha lhe marcado?
R - Olha, do ponto vista de análise de projeto foi certamente... não foi um projeto, foram três, foi o chamado estágio 3 da expansão das grandes siderúrgicas: a Usiminas, Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista] e CSN [Companhia Siderúrgica Nacional] estavam naquele momento discutindo com o Banco e também com o Banco Mundial e organismos internacionais um financiamento à uma grande expansão da siderurgia brasileira. E isso na realidade foi assim muito marcante no início da minha vida profissional essas discussões, foi quando eu aprendi como é que se desenvolve um grande projeto industrial, que era grande mesmo, era uma expansão de muito significado em termos de capacidade, tal. Na realidade, na época, a gente discutia de quanto o mercado ia crescer, não é se o mercado ia crescer, era de quanto ele ia crescer, e o Brasil crescia a taxas extremamente elevadas e a siderurgia é obviamente um setor básico em toda a estrutura produtiva do país, era foco de muita importância e na época acho que mais da metade do orçamento do Banco ia pro setor siderúrgico, e era muito significativo.
P/1 - E hoje, atualmente, há algum projeto, você está envolvido em algum projeto?
R - Não, não. Eu não trabalho na área de projeto, trabalho com economia brasileira, economia internacional, análise econômica, macroeconômica e política comercial, outras coisas.
P- O que o BNDES é para o senhor? Como empresa, como espaço de trabalho, espaço de discussão, de formação?
R - Vamos lá. Minha visão do BNDES: o BNDES é algo muito particular na realidade brasileira. Eu vou dar um exemplo muito claro. O Banco tem um desembolso anual, hoje, no ano passado, 2001, muito próximo do Banco Mundial, só que o Banco Mundial opera no mundo inteiro, e o BNDES opera exclusivamente no país que é oitava, nona, décima economia do mundo. O BNDES é muito grande em termos proporcionais à economia brasileira. Isso não é um defeito. Eu acho que isso é uma qualidade pela seguinte razão: o BNDES tem praticamente o monopólio do crédito de longo prazo em moeda nacional no país. A diferença é que o BNDES fez o seu trabalho bem feito e por isso cresceu. O BNDES cresceu muito de tamanho ao longo desses anos que eu estou aqui e diversificou muito, quer dizer, o BNDES, quando eu entrei, 60%, 50% do orçamento era siderurgia, hoje o Banco apoia exportação, área social, financiamento industrial, infraestrutura, enfim, o Banco está em quase tudo que envolve a economia brasileira hoje. A economia brasileira também se sofisticou e se diversificou muito e o Banco foi junto, o Banco é inseparável da história da economia brasileira ou dos investimentos relevantes que tem no Brasil; dificilmente há um investimento relevante no Brasil que envolva capital nacional que o BNDES não esteja presente. E é interessante também que o BNDES tem... claro que o Banco pode melhorar muito e tem muita coisa a melhorar, mas o Banco em termos de indicadores, eu fui chefe do departamento de orçamento do Banco algum tempo, em termos de indicadores de desempenho do Banco, custos sobre desembolso ativo e tal, comparado ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano, o BNDES sai muito bem, e eu acho que tem uma coisa interessante no BNDES é que tradicionalmente o Banco juntou o pensamento à ação, e além de financiar projetos, o Banco sempre teve, épocas diferentes, ênfases diferentes, uma reflexão sobre a economia brasileira. O Banco é obrigado a pensar a economia brasileira a longo prazo, porque financia projetos a longo prazo, e num país que tem uma história crônica de inflação alta, o curto prazo é muito, ou seja, era uma coisa muito diferente você poder ter uma instituição que pensasse a economia a longo prazo apesar dos problemas de curto prazo serem tão emergentes, com o caso de inflação alta é muito evidente, né? Então, isso colocou o BNDES numa situação ímpar: a capacidade de pensar a longo prazo, e isso é uma tarefa muito interessante, muito desafiante, e eu acho que no geral o BNDES pensou bem a longo prazo. Eu acho que tem alguns momentos e episódios, a integração competitiva, que na realidade foi um grande impulso ao processo de abertura, até porque pessoas do Banco, inclusive eu, foram a Brasília, no início da década de 90, pra efetivamente fazer na prática o que a gente tinha escrito no papel, que era como é que se faz esse diabo da abertura.
P- E o que isso significava pra você?
R - Vou explicar o que é a abertura: nós tínhamos uma economia inteiramente fechada, que as importações eram completamente controladas, você tinha o aparelho estatal que controlava praticamente toda a atividade produtiva, tinha uma ingerência enorme em atividade produtiva e no comércio exterior, em particular, era avassalador, e por uma série de razões, uma análise que o Banco fez e outros faziam, mas o Banco fechou um documento compreensível sobre o assunto, o Banco dizia: “olha, a economia não vai crescer mais, isso era anos 80, e a economia não crescia literalmente, não vai crescer se não abrir, se não abrir a economia, acabou, esgotou a capacidade de nós crescermos neste estilo.” Isso na época foi muito chocante. O Banco levou muita pancadaria, muita crítica, e se mostrou correto na minha opinião. E aí em 90, é um episódio engraçado, porque Fernando Collor ganha a eleição e, com a hiperinflação na mão, que o governo Sarney deixou essa herança de uma inflação, em fevereiro, ele toma posse em meio de março, se não me engano, e em fevereiro a inflação bate no mês 80% ou um absurdo desta magnitude, e então evidentemente toda prioridade era para a questão do controle hiperinflacionário, e a equipe de transição que cuidava da economia, a Zélia Cardoso de Melo, depois viria a ser ministra, lá pelas tantas descobre que não dá para fazer um programa econômico sem pensar no longo prazo, e aí se volta rapidamente - isso já era talvez janeiro, fevereiro -, se volta pro Banco que tinha um documento escrito sobre a questão da integração competitiva, uma pessoa da equipe dela, que era muito conhecida de vários de nós do banco, vem aqui pro banco e praticamente passa um tempo discutindo com a gente aqui no banco uma série de coisas ligadas a uma série de coisas ligadas exatamente à questão da abertura e das questões mais estruturais.
P/1 - Quem era?
R - Era o João Maia, que na época cuidava da área de preço e depois chegou a ser secretário executivo do Ministério. Em função disso o Luís Paulo, que é o atual prefeito de Vitória, que tinha coordenado grande parte do trabalho da integração competitiva vai ser o diretor de Indústria e Comércio, que seria equivalente hoje, porque lá tinha reunido no ministério da Economia, ao ministro da Indústria e Comércio, só que não tinha status de ministro, mas era efetivamente quase todas as atribuições hoje da Indústria e Comércio, só que dentro daquele departamento no Ministério da Economia, nós vamos para Brasília para fazer a bendita da abertura, que significava na época propor um esquema de redução da tarifa de importação. E isso foi feito e foi uma experiência muito interessante porque a gente conheceu evidentemente os interesses por dentro, pois não esqueça que tarifa de importação significa o preço que o cara vai poder praticar aqui dentro também, e então foi muito interessante, e foi feito, a abertura foi feita, foram dois anos, dois anos e pouco de uma experiência muito rica, neste sentido, e que mudou muito. Quem estava vivo na época e atento, sabe o que significou a abertura, foi um outro choque, talvez equivalente àquele que eu tinha dito do petróleo em 73. As pessoas não esperavam, é aquele desconhecido, né, um mundo desconhecido que as pessoas temiam.
P- Tá bom. Então, para finalizar, o que você achou de ter participado da entrevista e por ter contribuído para o projeto de Memória dos 50 anos do BNDES?
R - Não, não, tranquilo. Eu acho ótimo, eu que já tinha participado, na década de 80, não lembro exatamente em que ano, acho que no começo da década de 80, teve já um projeto de Memória que houve a gravação de vários vídeos aqui no MAM [Museu de Arte Moderna], e eu participei da entrevista de várias pessoas históricas do Banco, e isso está em arquivo e vai fazer parte desse acervo certamente, e eu já tinha participado, porque eu acho muito importante, porque o Brasil é um país que liga muito pouco para sua memória, e quem liga pouco para memória, liga pouco para sua história.
P/1 - Tá bom, Francisco, eu te agradeço pelo depoimento, muito obrigado.
R - Ok.Recolher