BNDES 50 Anos
Depoimento de Hamilton de Mesquita Pinto
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 11/04/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº BND_CB010
Transcrito por Palena D. Alves de Lima
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Hamilton. Gostaria de começar o...Continuar leitura
BNDES 50 Anos
Depoimento de Hamilton de Mesquita Pinto
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 11/04/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº BND_CB010
Transcrito por Palena D. Alves de Lima
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Hamilton. Gostaria de começar o depoimento pedindo que você me forneça o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Eu me chamo Hamilton de Mesquita Pinto. Nasci em Manaus, em doze de junho de 1948.
P/1 – E seus pais, qual é a origem deles?
R – O meu pai é gaúcho, nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e minha mãe é amazonense, nasceu em Manaus. Ele era trabalhava como fiscal de imposto, na época imposto de consumo e depois de ter feito concurso começou a carreira em Manaus, no Amazonas. Ele fiscalizava o interior do Amazonas, no Alto Amazonas, e aí conheceu a minha mãe, casou e eu nasci em Manaus, mas saí de lá com dois anos.
Vim morar no Rio de Janeiro, morei uns dois anos e meio no Rio de Janeiro, depois morei mais dois anos e meio em Porto Alegre. Com uns dez anos eu mudei para a capital de São Paulo. Eu me formei em Direito, na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, e depois fiz pós-graduação em Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
P/1 – Quando era estudante de Direito alguma área em especial lhe interessava mais?
R – Eu me interessava na parte do direito mais voltada à empresa, mais a parte de direito tributário, de direito civil. Ella se acentuou quando eu fiz pós-graduação em Administração de Empresas. Na pós-graduação, na Fundação Getúlio Vargas, tinha noções muito fortes de contabilidade, de administração em geral. Mas a parte de Contabilidade foi que ajudou muito o trabalho que eu tive aqui no banco -
ajudou e ajuda porque as relações jurídicas que são criadas nos negócios feitos pela empresa se refletem nas demonstrações financeiras da empresa. Então você, como advogado, tendo essas noções de contabilidade, sabe que aquele negócio jurídico que está fazendo, aquele contrato que está elaborando, você consegue imaginar qual é o reflexo dele na contabilidade da empresa, no balanço das demonstrações de resultados. Isso lhe facilita muito, inclusive na parte tributária, os reflexos disso na parte tributária. Veja que em direito às vezes tem vários caminhos para atingir a mesma coisa, agora uns têm muito mais tributo, uns têm consequências diferentes e ter essa noção de contabilidade permite ter uma ideia do que é melhor para a empresa.
P/1 – Como se deu o seu ingresso no BNDES?
R – Fiz o concurso no final de 73. Eu me inscrevi em São Paulo, morava em São Paulo. Já estava no final da minha pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas.
P/1 – Como você soube desse concurso?
R – Eu soube através de dois colegas, advogados também, formados na mesma turma que eu na São Francisco. A gente convivia junto, um deles eu até pretendia abrir escritório junto com ele, então soube através deles e nós três nos inscrevemos para o concurso, mas só eu passei e eles não.
Viemos para o Rio de Janeiro fazer o concurso. A inscrição podia ser feita em São Paulo nas representações do banco, mas todo o concurso era aqui no Rio de Janeiro.
P/1 – O que significava, nessa época, fazer um concurso para o BNDES, profissionalmente?
R – Na época, eu tinha muito pouco conhecimento do que era o BNDES. Os colegas me incentivaram muito para eu fazer junto com eles, inclusive porque eles tinham que vir aqui para o Rio de Janeiro fazer o concurso, foi em um fim de semana ou dois, eu não me lembro. O concurso foi feito na PUC, e justamente eles estavam querendo companhia para vir fazer o concurso aqui. Só depois que eu fiz a inscrição é que eu comecei a me interessar e comecei a ter noção do que era o BNDES. A noção mais completa do que era eu só fiquei sabendo quando já estava trabalhando no BNDES.
P/1 – E você veio como advogado?
R – É, aí eu fiz o concurso no final de 73, passei no concurso e comecei a trabalhar em janeiro de 74. Então já são 28 anos trabalhando no BNDES e você vê, nesses 50 anos de BNDES, a metade eu estou trabalhando no banco. Nesse período, nesses 50 anos, o BNDES foi meu primeiro emprego e atualmente eu vou ter que concluir todo o meu período de trabalho aqui no banco. Esse foi o meu primeiro e único emprego quando cheguei.
P/1 – Você pode me dizer quais são os setores que você trabalhou, como eram as funções de cada uma dessas áreas, e aqui dentro, como advogado do banco, de que parte em especial você é encarregado?
R – Eu comecei a trabalhar numa área operacional na sede do BNDES que, na época, no Rio de Janeiro em 74, era na Av. Rio Branco, 53. Alguns anos depois foi criada uma área nova, fora do BNDES, porque o prédio já não comportava, o banco estava crescendo, e eu fui lotado nessa área nova que ficava na Av. Rio Branco, 125. Depois eu estive numa outra área operacional, chamava-se PE, Área de Projetos Especiais. Depois estive em outra área operacional que ficava na Rio Branco, 110, que era a PI, Área de Projetos Industriais. Nessa PI eu estive também como advogado nessa área operacional, fui assessor do superintendente da área e depois eu fui assessor do diretor dessa área. Depois de ter sido assessor desse diretor eu fui para a Área Jurídica para constituir uma política do superintendente da Área Jurídica, que hoje ainda existe, a CPPJ, que era o Comitê de Políticas e Práticas Jurídicas do BNDE. Esse comitê tem como função uniformizar os entendimentos jurídicos quanto às leis que se aplicam ao BNDES, às operações do BNDES e para uniformizar os instrumentos contratuais que o BNDES usa. As cédulas de crédito industrial, os contratos industriais, as cláusulas dos contratos, as cláusulas especiais. E, na época, foi criado por sugestão minha, porque eu era o secretário dessa CPPJ, além de constituir a CPPJ eu secretariava a própria reunião. Ela juntava todos os serviços jurídicos do banco, os responsáveis pelos vários serviços jurídicos do banco compõem a CPPJ como ainda é hoje. Eu fazia a secretaria dessa reunião e quem presidia era o superintendente da Área Jurídica na época, o Doutor Agostinho foi quem me convidou para participar e constituir essa CPPJ. O resultado do trabalho que era feito por essa comissão resultava em dois manuais: era um manual de orientação normativa, onde tinha as interpretações e uniformizações de entendimento, de forma que todo os serviços jurídicos do banco podiam agir de forma única, porque a empresa era uma só, e outro era o manual de MI, manual de minutas e instrumento, onde estão todos os instrumentos jurídicos padrão do banco.
P/1 – Ainda se usa hoje?
R – Ainda se usa, esses dois manuais são usados. Eles têm os contratos padrão do banco, têm os contratos de várias… O banco usa várias moedas, usa a cesta de moedas, que são moedas compostas por moedas de captação externa, usa do fundo FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], tem vários outros instrumentos como as declarações de quitação, cartas de fiança... Todos esses instrumentos jurídicos são padronizados por essa comissão, a CPPJ, e incluídas nesse manual.
P/1 – Então, quer dizer, no seu trabalho...
R – Esse foi o trabalho que fiz na CPPJ. Depois da CPPJ, eu estive no contencioso, mas não trabalhei na parte contenciosa; eu era gerente de uma gerência que cuidava das negociações de contratos das operações que estavam em execução judicial. Então, quando havia condição de se fazer algum acordo no judicial, acordo nos autos do processo, esse acordo era negociado e feito pela gerência que eu ocupava. Estive no contencioso, mas fazendo essa atividade que não era a parte judicial, era a parte de negociação e de acordo e que depois juntava num acordo que se formalizava num processo judicial, que era homologado pelo juíz e se concluía a recuperação do crédito do banco através desse acordo.
P/1 – Alguma negociação dessas que tenha mais lhe marcado, que você poderia contar para a gente?
R – Não me lembro de cabeça alguma que tenha sido mais complicada. Mais ou menos se procurava conseguir conciliar o interesse à forma do cliente que estava em execução, de conseguir pagar, porque quando ele procurava um acordo ele estava interessado em resolver e pagar. E depois de ser negociado era submetido essa proposta de acordo à diretoria. Depois de aprovado é que se fazia esse acordo nos autos do processo, agora, uma negociação específica eu não me lembro.
Depois que estive no contencioso passei para a Consultoria Jurídica do banco, depois passei para a área financeira, fui gerente jurídico da Área Financeira, onde estou até hoje. A Área Financeira na última reforma se alterou e hoje a minha Gerência Jurídica está encarregada de prestar serviço jurídico para o Departamento de Contabilidade, à Gerência Executiva de Controladoria e de Gestão Financeira.
P/1 – São mais de 25 anos de banco...
R – 28 anos.
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O banco passou por muitas transformações, muitos grandes projetos ligados diretamente ao desenvolvimento do país. Algum que tenha mais lhe marcado, estando como pessoa, como profissional dentro do banco, que você apontaria como uma grande mudança?
R – Algumas experiências que eu tive numa época em que o banco assumia empresas. Na época em que eu estava trabalhando na área operacional, a função da empresa o banco assumia, como controlador da empresa, e passava a administrar a empresa. E eu, como advogado dessa área operacional, estive em algumas delas, fazendo a parte jurídica da função da empresa, as assembleias gerais, instrumentos de aquisição de ações e muitos casos mais... Inclusive deu muita notícia no jornal, na época, o caso da Lutfalla. Eu me lembro que, na época, antes de assumir o grupo que ia assumir essa empresa por ordem do governo, orientação na época, a gente trabalhou no final de semana, sábado e domingo na Rio Branco, 53, que era a sede. Trabalhamos no gabinete do diretor; nós fomos segunda-feira para lá, com a função de assumir a empresa. Eu fiz toda a parte jurídica da transferência das ações e as assembleias para haver a mudança dos diretores, já com diretores indicados pelo banco. E o governo, quando assumiu, quando o grupo assumiu por orientação do governo, ele disse que ia mandar recursos para recuperar a empresa.
Passado um tempo, eu me lembro, seis meses, o governo não liberava o dinheiro, o banco também não estava querendo colocar o dinheiro próprio, e o administrador do banco que trabalhava lá, que era o Bartolomeu, o presidente da empresa, começou a ficar angustiado com a possibilidade da empresa vir a falir - ela já estava em grande dificuldade financeira. Ele, então, pediu para ser substituído e o grupo que estudou, que eu participei, concluiu que a substituição dele, se eventualmente a empresa viesse a falir, não iria liberar a responsabilidade dele como ex-presidente, e iria implicar mais um funcionário do banco nessa falência. Concluiu-se que o mais adequado era não fazer essa substituição, ele permanecer lá e o funcionário do banco que o ajudava e seria eventualmente substituto, o Jorge Ramos, ficaria como procurador dele para fazer algumas atividades, de forma a aliviá-lo dessas atribuições.
Fomos para São Paulo com a incumbência de contar essa decisão para ele. Tivemos uma reunião com ele, ele super nervoso, tomando remédio a toda hora e nós cheios de tato e dedos para contar. Quando conseguimos contar, aos poucos, ele entendeu e ficou realmente enfurecido, mas não teve jeito. Esse foi um episódio que... No final, o Dr. Jorge Ramos acabou substituindo, aí o governo liberou os recursos, o banco acabou assumindo a empresa. O Jorge Ramos foi o liquidante da empresa, o banco depois decidiu pela liquidação e acabou havendo essa substituição pelo Dr. Jorge Ramos.
P/1 – Hamilton, o que o BNDES significa ___________?
R – O BNDES tem uma participação muito grande na economia, teve e tem uma participação na economia brasileira, não é? Então toda a parte de industrialização, ela fez parte dessa __________ de industrialização. No modelo de substituição da importação que foi adotado no Brasil ele foi um agente ativo violentamente, porque essa substituição era você... Já tinha um mercado aqui, em que o produto era importado pelo Brasil, então pelo tamanho da importação já se sabia que tinha um mercado. Nessa época se construía uma indústria aqui, na realidade era financiada pelo BNDES e assim criava barreiras alfandegárias para a importação desses produtos. Isso viabilizava a empresa que foi criada aqui, essas são empresas criadas com o financiamento do banco, quer dizer, toda a execução dessa política foi feita praticamente com a atuação do BNDES.
Hoje em dia, o BNDES permanentemente está mudando e isso foi bem no começo, o BNDES financiava a parte de infraestrutura, siderurgia, mineração; depois veio a substituição de importação, eu já peguei o final desse modelo. Hoje o BNDES está entrando numa área que eu acho que é um futuro para o banco, que _________ o financiamento à exportação. Eu acho que o BNDES tem um espaço para ocupar, que seria o modelo tipo o Eximbank do Japão e dos Estados Unidos. Esse espaço na economia brasileira tem possibilidade de ser ocupado pelo BNDES.
P/1 – E com relação à sua vida profissional e a empresa?
R – Eu acho incrível o BNDES e excelente experiência de vida. Uma vez eu encontrei um colega em São Paulo, um colega de formação que estudou junto comigo na faculdade de Direito, e ele estava com um escritório de advocacia - eu originalmente pensava em trabalhar com ele. O escritório dele estava muito bem, ele tem um patrimônio muito maior do que o meu e eu estava comentando isso, me queixando: “Poxa, se eu tivesse ficado aí, teria trabalhado contigo, estaria também...” Então ele estava me alertando o seguinte: “Em compensação você tem uma visão ampla da sociedade, da economia, você tem contato.” E realmente é verdade, porque no BNDES você tem uma visão da economia brasileira ampla, tem contatos de alto nível. Quando vai analisar os projetos entra em contato com a diretoria da empresa, você atua participativamente na elaboração de políticas econômicas do país, você tem uma ideia da inserção da economia brasileira na economia mundial, do funcionamento da economia brasileira como um todo. Isso é uma coisa muito realizadora e é um conhecimento que... Ou seja, o patrimônio também não se restringe só à parte material, você tem uma realização profissional e pessoal que conta muito. O BNDES tem esse patrimônio intangível que conta muito para realizar o funcionário.
P/1 – Algum conselho para essas novas gerações de advogados que estão entrando no banco?
R – Eu acho que… Não sei se seria um conselho porque eu não gosto muito de dar conselho para ninguém, mas acho que deveriam entender ou procurar entender esse bem intangível que é esse conhecimento, essa inserção. Porque a própria atividade do técnico aqui do banco leva a isso - os contatos de alto nível, um trabalho muito gratificante em razão desse conhecimento geral da economia que você tem. Amplia muito o horizonte, lhe dá muita capacidade de entender melhor a realidade; mesmo que ninguém aconselhe eles vão acabar descobrindo.
P/1 – Tá bom. Para finalizar, eu gostaria de saber o que você achou de ter participado dessa entrevista e contribuído para o projeto 50 Anos de memória do BNDES.
R – Eu acho muito importante, inclusive eu me apresentei como voluntário, porque você sabe que eu tenho uma filha que tem um ________, mas a minha filha mais nova tem dezesseis anos e está se preparando para o vestibular. Ela tinha uma dúvida sobre a crise da dívida na década de 80, da dívida externa, veio perguntar para mim e eu expliquei a ela não em razão dos conhecimentos que eu tinha de escolaridade, mas em razão da experiência que eu vivi. Então eu disse: “Poxa vida, como eu estou velho. A minha experiência de vida já está nos livros de história, já estou conseguindo esclarecer dúvida dos livros de história.” (risos)
Eu acho que isso é muito importante, esse projeto, porque você recupera coisas que fazem parte da vida do país. Você vê, eu consegui explicar para a minha filha as dúvidas que ela tinha com a experiência que eu tive desse período. E vocês, com esse projeto de memória, conseguem pegar detalhes e pessoas que têm esses detalhes ou tem conhecimento dessa parte da história. Você pega colegas como esses que vocês vão entrevistar, que já são aposentados, que viveram um período anterior a mim aqui no banco e o que eles têm para contar e têm para apresentar ao projeto são, na realidade, coisas que fazem parte da história do país, porque o BNDES está muito inserido na história do país. Acho muito importante, muito legal e muito válido o que vocês estão fazendo.
P/1 – Então eu lhe agradeço, muito obrigada pelo depoimento.
R – Obrigado pela oportunidade.Recolher