BNDES 50 Anos
Depoimento de Luiz Orenstein
Entrevistado por Claudia Leonor e Luiza Gesteira
Rio de Janeiro, 06/05/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº BND_TM007
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bom, vou começar essa e...Continuar leitura
BNDES 50 Anos
Depoimento de Luiz Orenstein
Entrevistado por Claudia Leonor e Luiza Gesteira
Rio de Janeiro, 06/05/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº BND_TM007
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bom, vou começar essa entrevista pedindo para o senhor falar de novo o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Luiz Orenstein. Eu nasci no Rio de Janeiro no dia 23 de abril de 1954.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Oscar Orenstein e Flávia Orenstein.
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Luiz, qual é… Tem uma ascendência?
P/1 – Eles são de onde?
R – Eles são brasileiros, mas vieram muito pequenos para cá e são descendentes de poloneses com russos. Tanto por parte de pai quanto por parte de mãe.
P/1 – E seu pai trabalhava com o quê?
R – Meu pai trabalhava em uma loja de móveis.
P/1 – Ele era vendedor?
R – Vendedor. Isso.
P/1 – E você estudou?
R – Você não está perguntando a profissão da mãe por...
P/1 – (risos)
R - ...machismo? (risos)
P/1 – Não, pode falar.
R – Pulou, né? Minha mãe era secretária.
P/1 – Ela trabalhava onde?
R – Secretária de escritório. Ela trabalhou em várias empresas, várias companhias, mas sempre como secretária.
P/1 – E eles lhe incentivavam a seguir alguma carreira?
R – Não, não particularmente. Eu é que gostava muito de matemática, enfim, mais por essa linha e acabei estudando Engenharia. Na verdade, minha formação… (risos) Eu me formei em Engenharia e depois fui derivando para a área mais social, fiz o mestrado em Economia e doutorado em Ciência Política. Então eu comecei em um lugar, mas acabei em um lugar um pouco distante.
P/2 -
Qual faculdade que...
R – Estudei Engenharia na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], depois [o] mestrado em Economia fiz na UFRJ. E o doutorado eu comecei no IUPERJ [Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro] e a tese, a conclusão, fiz fora do Brasil. Fiz na Universidade da Califórnia.
P/1 – O que lhe chamava atenção nessa coisa da Engenharia para depois migrar para outra área?
R – Na Engenharia, como eu disse, eu gostava muito da parte quantitativa, técnica. Eu tinha uma certa vocação para isso. Depois, até por causa do BNDES - aliás, muito por causa do BNDES, você vai percebendo a importância que os aspectos mais sociais tinham no trabalho que eu fazia, que era desenvolvimento econômico primeiro, depois econômico e social. E aí eu me interessei pela economia porque é basicamente a matéria-prima do banco, são assuntos econômicos.
Na época do Plano Cruzado e depois também, porque fui trabalhar na área social… Acho que depois a gente volta a isso, né? Eu me interessei pela Sociologia, pela Ciência Política e fui fazer doutorado na Ciência Política, então na verdade a minha formação é muito síncrona com o que foi me acontecendo no banco. Minha formação acadêmica se mistura muito com a história profissional.
P/1 – E você se lembra da primeira vez que ouviu falar do BNDES?
R – Lembro. A primeira vez que eu ouvi falar no BNDES foi uma situação muito triste. Minha irmã, ela é um pouco mais velha que eu, estudava Economia e fez o concurso público para estagiária no BNDES, que era um concurso disputadíssimo. Eram filas enormes. Ela estudou para burro e não passou, então ela ficou muito traumatizada. Chorava para burro. E eu fiquei impressionado com esse BNDES inatingível, inalcançável. Essa foi basicamente a minha primeira experiência com o banco. Lógico, eu ouvia falar de jornal, de agência de governo, mas a experiência mais próxima foi essa. Foi com a minha irmã não conseguindo entrar.
P/2 -
E o que lhe atraiu para ir fazer o concurso? Enfim, você entrou por concurso?
R – O que me atraiu no banco foi o seguinte: naquela época, década de 70, eu vinha do movimento estudantil secundário, chamado secundaristas. Isso lhe levava quase que diretamente ao movimento estudantil universitário. E, bom, sei lá quem daqui se lembra o que eram os anos 70, 60 aqui no Brasil, então essa ideia de… O BNDES já tinha uma tradição intelectual progressista muito forte. Isso atraía muita gente, inclusive a mim. E essa ideia de trabalhar com desenvolvimento econômico, né? Desenvolvimento econômico é a parte legal da política econômica. Crescimento é emprego, produção, então foi uma atração muito ideológica. Além de que a carreira no BNDES já era uma carreira muito desejada, porque é um lugar que pagava muito bem. Você tinha uma estrutura de trabalho muito boa. E como a gente estava conversando antes, era comum as pessoas… Entrar no BNDES significava você resolver a sua vida. A ideia era um poder de vida, porque as pessoas ficavam até até o fim, se aposentavam no banco.
Acabou não acontecendo isso comigo. Quando eu entrei, eu imaginava fazer como todo mundo fazia: ficar lá, me aposentar lá, enfim, então foi mais ou menos assim. Também tinha essa coisa extraordinária, que o BNDES, de fato, era uma agência de governo. Com todo o coronelismo e patrimonialismo que ainda tinha naquela época, você entrava por concurso público, então você não precisava pedir para ninguém. Você não precisava ser recomendado por ninguém. Bastava estudar, fazer uma prova, passar, então isso também facilitava muito.
Eu não tinha a menor condição de ter referência alguma para lugar nenhum, então essa ideia do concurso público era muito democrática e facilitava muito [para] quem quisesse trabalhar no banco tentar, pelo menos. Então eu fui para lá assim.
P/1 – Quando você fez a prova, você achou difícil?
R – Tem um negócio curioso comigo, porque para entrar no banco você tinha que estar nos dois últimos anos de formação universitária. Engenharia eram cinco anos, você só podia entrar no banco no quarto e no quinto ano. Quando me inscrevi tinha tanta vontade de entrar no banco que quando estava no final… O exame, se não me engano, era no segundo semestre. Achei que se eu fizesse o exame no segundo semestre eu estaria no quarto ano quando entrasse no banco, então eu poderia fazer o exame. Fiz o concurso e fui até… Era um concurso assim: você fazia uma prova, um monte de gente. Aí alguns passavam, você tinha uns testes psicológicos estranhíssimos e iam selecionando as pessoas.
Eram várias etapas. Eu fui indo, no fim já estava muito perto, já estava achando que eu estava dentro. Fui chamado e me disseram: “Você não podia ter feito porque está no terceiro ano. E na verdade não é quando você entra, é quando você faz o concurso.” Fiquei decepcionadíssimo. Eu tinha chegado até lá e me mandaram embora. Fui para casa chateadíssimo.
No ano seguinte fiz tudo de novo, todas as provas, e passei de novo. E aí foi que eu entrei no banco...
P/1 – Em que ano foi?
R – ...então foi uma persistência. Eu entrei em 76. É isso mesmo, 76.
P/2 -
Como foi sua trajetória dentro do BNDES?
R – Trajetória?
P/2 -
Cargos...
P/1 – Deixa só eu fazer uma pergunta antes? Você se lembra do seu primeiro dia de trabalho no banco?
R – Eu [me] lembro porque fazia parte de uma turma na universidade onde muitas pessoas fizeram esse concurso e algumas passaram. E nós fomos todos juntos. Muitos dos que fizeram na minha turma foram para um mesmo departamento. Acho que foi uma coincidência, então nós fomos juntos para esse primeiro dia para o trabalho.
Era a primeira vez que todo mundo trabalhava. Era um primeiro estágio e as pessoas tinham cargos. Eram gerentes, eram chefes de departamento... E isso soava assim como, alguma coisa [como] condes, duques, príncipes. E ficava, eu lembro que estava todo mundo muito tímido, muito atrapalhado com isso. As pessoas do banco também se comportavam um pouco assim, te recebiam com uma certa formalidade, e essa formalidade inicial ficou muito na minha cabeça. Aliás, o tempo todo. A minha geração é a geração que se acostumou a ter essa hierarquia, que depois foi desaparecendo - em parte, pelo menos. Mas o primeiro dia foi assim, foi um dia muito formal, de apresentação das pessoas.
Na verdade, quase todos que foram para esse departamento não queriam ter ido para esse departamento, queriam ter ido para outras áreas. O banco tinha uma Área de Planejamento que é a área da alegria intelectual, do debate, da discussão conceitual. Todo mundo queria ir para lá, todo mundo que tinha essa coisa mais ideológica com o banco. E você cair em um departamento de Indústrias Químicas, um negócio tão ácido... (risos) Não era exatamente o que a maioria das pessoas queria, então ficou todo mundo meio decepcionado. Mas a partir dali tudo funcionou muito direitinho.
P/1 – Agora emenda.
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Como foi a sua trajetória, a sua carreira?
R – Olha, a carreira no banco é a minha história. Isso vai levar um certo, essa resposta vai ser... (risos)
P/1 – (risos)
R – Eu entrei nesse departamento de Indústrias Químicas, que sem saber era um departamento muito importante, porque na década de 70 a força do banco vem dos projetos de substituição de importações. O setor químico era um setor crucial,
porque por indústrias químicas entendia-se na época não só a química propriamente dita, mas também toda parte de matérias-primas e insumos básicos - fertilizantes, papel e celulose, aquilo que estava crescendo muito naquela época. Não é à toa que tanta gente foi parar nesse departamento, porque eu acho que precisava de gente. E isso foi uma experiência muito boa, tinha muita coisa para fazer. Os estagiários já meio que acabavam fazendo um trabalho de técnico, então você se sentia promovido, prestigiado.
Fiquei nesse departamento de 76 - agora as datas, eu vou me perder todo. Acho que eu fiquei lá de 76 até mais ou menos 80. Em 1980 eu… Essa coisa do planejamento nunca saiu da minha cabeça, tanto fiz que fui parar no Departamento de Planejamento, onde de fato a tradição vinha sendo a de ser a área que centralizava os grandes debates do banco. Era a coisa mais cerebral do banco, embora o próprio crescimento dos departamentos operacionais, por causa da substituição de importações, tenha acabado por equilibrar esse negócio. Fiquei nessa área de planejamento, nesse departamento até 1982, acho, é por aí, quando foi criada a área social. E aí eu já tinha… Eu queria muito trabalhar na área social. Eu tinha tido já então uns seis anos, quase sete, sei lá, de área industrial.
A criação da área social no banco é um acontecimento estranhíssimo porque foi um fato muito externo ao banco e a origem dessa área foi muito contestada. Na verdade, o objetivo não era fazer investimentos sociais e sim uma certa manobra orçamentária, enfim, uma confusão técnica lá. Mesmo assim eu fui para esse departamento e fiquei em um departamento que cuidava de saúde, educação e alimentação. Era completamente diferente da minha formação e tudo o que eu tinha feito. Certamente foi a melhor, a experiência mais fascinante foi trabalhar nesse negócio.
Eu estou contando rápido, depois se for o caso a gente volta nesses assuntos. Eu estava acostumado a visitar empresas e bancos, de repente você vai visitar comunidades no interior do Brasil, coisas horrorosas. E quando você estava ali nos anos 70, a impressão que você tinha era que o país estava crescendo no ritmo das coisas que o banco fazia, mas só uma parte de fato acompanhou e houve uma parte que ficou meio esquecida e atrasada. Na área social a gente teve muito contato com isso. Foi uma certa surpresa.
P/1 – O que lhe chocava mais dessas comunidades que você visitou?
R – Olha, basicamente o atraso, a pobreza, a miséria. Miséria mais do que pobreza, porque pobreza ainda é uma coisa suportável. Miséria é terrível. Esse foi um lado. Por outro lado a idiotice governamental, que provocava uma disputa intragoverno, de agências. Todo mundo querendo fazer alguma coisa, uma descoordenação absoluta. E o contraste da política pública para a área social e da política pública para a área industrial era tanto. O pessoal que trabalhava com empresas era tão mais bem preparado, era tão mais bem coordenado que a confusão na área social era muito impressionante. Acho que foi de um contraste muito grande. Tanto do mutuário, palavra horrorosa também, quer dizer, comunidades e empresários, como do próprio trabalho do governo em uma área e na outra.
Eu fiquei nessa área social como chefe de departamento. Ah, bom, eu comecei como técnico em Indústrias Químicas, aí fui ser gerente. Virei gerente na área de Planejamento. Depois fui ser chefe de departamento na área social. Quando foi 1988, mais ou menos, eu fui para o departamento de Infraestrutura. E a razão foi porque a área social era muito interessante por um lado, mas muito difícil por outro. Chegou uma hora que eu não aguentava mais ver aquela coisa tão difícil e ao mesmo tempo tão necessitada. Sei lá, me deu um estresse aquele negócio. Fui para essa área de Infraestrutura e fiquei um ano e pouco. E aí veio o Plano Real -
desculpa, o Plano Cruzado. E eu acabei… Decidi estudar, eu resolvi fazer doutorado. Passei quatro anos fora do banco: dois anos e pouco fazendo aqui no Brasil e o resto fora.
Isso é uma coisa legal do banco, essa coisa de você poder estudar. Você é muito estimulado a isso. Quando eu voltei fui trabalhar na área de Crédito, que era uma área nova. Não existia quando eu tinha saído, mas na volta existia. Eu fui ser superintendente nessa área. Isso é mais ou menos 92, eu acho, 91 para 92. Fiquei nessa área até final de 92, aí virei diretor da área de Crédito da Área Financeira e, logo depois, da BNDESPAR - eram três áreas que ficavam nessa diretoria. [Fiquei] até 95, quando saí do banco e fui para o setor privado. Essa é minha trajetória no banco.
P/2 -
Duas coisas: primeiro a sua chegada na área de Planejamento, tão… Você chegou a falar “desejada”. Qual debate você considerou instigante, que tenha participado em termos de projeto?
R – Todos os debates que você podia imaginar aconteciam naquela área. Você teve uma geração… Acho que a característica do BNDES é ser a inteligência do Estado, voltado para o que na verdade o Estado tem de mais inteligente, que é crescimento, desenvolvimento, emprego. Digo inteligência porque política de longo prazo exige um certo planejamento, então não é uma coisa que você faça impulsivamente. Não é um reflexo, é de fato um trabalho de construção. Tem uma certa construção cerebral.
Na década de 50, aquela tradição dos estudos da Comissão Mista não-sei-o-que [Brasil-Estados Unidos], aquilo é um grande acontecimento intelectual no Brasil, pelo menos na área econômica porque você junta gente de tudo que é tipo em um consenso em relação ao desenvolvimento capitalista no Brasil. E isso é engraçado porque à direita você tinha de fato um oportunismo elitista no desenvolvimento capitalista. (risos) E na extrema esquerda você tinha um certo otimismo de que isso era um etapa necessária. Lembre que naquela época se achava que tinha essa coisa das etapas e que você precisava do capitalismo para depois poder ter divisões mais justas do produto e, portanto, regimes mais socialistas. Isso juntou todo mundo em um projeto e atraiu muita gente boa para o banco, então você acabou tendo grandes… Para listar assim, você tem um Roberto Campos, sem dúvida [um] extraordinário economista conservador e você tem um Inácio Rangel, menos conhecido do público externo, mas um gênio, um economista de esquerda extraordinário, inteligente. E todo mundo ali, de certa maneira misturado no banco. Isso vai criando tradições, então na área de Planejamento você tinha uma tradição de comitês, que na verdade eram colegiados abertos a quem quisesse participar. Quer dizer, não a quem quisesse, mas não tinha muita dificuldade se você de fato tivesse interesse em participar. E esses comitês, em especial um que na época se chamava Comitê de Prioridade - todo caso que chegasse no banco de consulta com relação a financiamentos, investimentos, ia para esse comitê. E esse comitê era uma assembleia, na realidade. Eu, que tinha vindo de negócio estudantil, achava que eu estava… Que aquele negócio continuava no BNDES, porque era exatamente assim: você tinha o direito de dar a sua opinião, de discordar. A hierarquia ficava mais flexível nesses debates. E a verdade é que de cada caso você tentava inferir uma ideia mais geral, mais conceitual, então você discutia desde um projeto específico, quer dizer uma questão mais financeira, mais bancária, até as teses mais sofisticadas, acadêmicas, intelectuais, não-acadêmicas. O espectro do debate era muito amplo, então eu me lembro que [em] primeiro lugar se debatia muito o que é que era desenvolvimento. “Nós estamos aqui para fazer desenvolvimento econômico, mas que raio é desenvolvimento econômico? É crescimento industrial? É distribuição de renda?” Esse papo que depois surge, especialmente com o fim da ditadura, já se discutia muito ali. Depois coisas do tipo: centralização versus descentralização regional, prós e contras. Até a questão social já se discutia de certa forma, mesmo que na perspectiva: “Tem que crescer um pouco para poder desenvolver.” Então todos os debates que… Acho que eu vi, menos da privatização
- essa não se discutia naquela época porque era besteira. Mas tirando privatização, tudo o que aconteceu no banco depois, eu me lembro que nos anos 70 já se discutia nessa área de planejamento, especialmente nesses comitês, ou nesse Comitê de Prioridade, que era um grande encontro e enfim era super divertido, todo mundo adorava.
Uma vez por ano, acho que era uma vez por ano… O banco tinha um tal de Sistema de Planejamento Integrado, que era um negócio que separava quase o banco inteiro em duplas de discussão e cada um tinha um tema, um setor. E alguns tinham assuntos macroeconômicos. Aí não era mais o comitê, era o banco inteiro nesses grupos [em] que se discutiam todos os temas importantes para o banco. Essa discussão muito intensa, fundamentada em pontos de vista que iam desde um Roberto Campos até um Inácio Rangel, acho que não existia no Brasil em outro lugar. Depois o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] também pegou um pouco dessa tradição, mas eu acho que o lugar era ali no banco. Eu sei lá se é excesso de bairrismos. Eu já nem estou lá, mas eu acho que era lá que se discutiam essas coisas. Dali saiu muita coisa importante. E alguns erros também.
P/2 -
Só para continuar um pouquinho nesse tema, em 82 o banco incorpora o S. Na sua perspectiva, o que significa isso em termos de projeto de desenvolvimento econômico? Qual a importância? Como foi esse debate que talvez você tenha participado um pouco, ou muito?
R – A área social no banco, eu acho que é uma história de insucesso, tanto é que ela hoje mudou completamente. Talvez ela tenha começado a ser uma história de sucesso agora, mas tendo muito pouco a ver com o que aconteceu na origem. A área social foi criada na gestão do ministro Delfim Netto. E na época se achou…
Lembre que essa área foi criada junto com um imposto, que é o Finsocial. E se achou que… Na verdade se usava uma boa história, que era o banco financiar a saúde, a educação, para na verdade arrecadar um imposto e fazer o equilíbrio orçamentário, que é um objetivo muito menos humanista, pelo menos, do que a coisa dos setores. (risos) A verdade - pretexto ou razão, tanto faz - a verdade é que você criou uma estrutura, os departamentos. Dentro do banco foi uma certa Coluna Prestes esse negócio de área social, porque quem queria trabalhar com saúde, educação? Era um negócio assim, como vocês irem fazer Museu da Pessoa em um lugar onde não tem gente. É um negócio completamente fora de esquadro, mas o banco, como tinha essa tradição de atrair gente progressista… Várias pessoas se interessaram por isso.
Nós fomos trabalhar nesse negócio de área social sem saber o que era. Na verdade, hoje eu acho que o governo tinha um pouco mesmo dessa coisa do imposto, mais do que resgate social e tudo aquilo que estava no discurso, mas oportunisticamente as pessoas do banco foram para lá para tentar fazer alguma coisa decente. E a verdade é que a gente não conhecia direito esse negócio, não sabia como fazer. Máquina, fábrica, coisa que não fala é muito mais simples de você lidar do que gente. E gente em comunidades com costumes, hábitos completamente diferentes dos seus. E que lhe via na verdade como… Muito antes de imaginar que você pudesse ser a solução de alguma coisa, lhe viam mais como causa. Uma certa antipatia mesmo, quer dizer… (risos) Foi uma época muito difícil. Pelo desconhecimento das coisas que eram para ser feitas e como eram para ser feitas. E pelo enorme impacto que foi encontrar concorrência dentro do governo.
O BNDES fazia os investimentos e os financiamentos na indústria com monopólio dele, ninguém mais no Brasil fazia. Nem no setor privado você tinha crédito de longo prazo, só no BNDES. Já na área social você tinha um monte de Ministérios e agências. E essa, vamos dizer, concorrência intragovernamental foi muito difícil na área social. Ninguém sabia lidar com isso.
A verdade é que o funcionário do banco sempre foi muito orgulhoso, o que pode ser visto pelo lado bom se você está dentro, né? (risos) O pessoal era orgulhoso do que fazia. Todo mundo trabalhava muito e o seu trabalho tinha um impacto prático, cotidiano. Você lia no jornal: fábrica tal, não sei quantos empregos. Mas externamente também podia ser visto com uma certa arrogância, não sei. Talvez.
Eu acho que teve um choque cultural entre as pessoas que trabalhavam nos ministérios e outras agências de governo, com infraestrutura muito pior, salários muitos mais baixos que o BNDES. Status público muito pior. E o BNDES de repente se metendo na área deles. Então foi uma época muito difícil porque tinha tudo isso e a aflição de você ver, eu tive experiências horrorosas… De visitar manicômio no interior do Piauí. Vocês não têm ideia do que é, da estupidez, do primitivismo que é um negócio desses. Ou comunidades de pobres urbanos nas suas mais variadas classes, criança abandonada, prostituta. Por isso é que até hoje não acho muita graça nesse tipo de episódio que o Rômulo estava contando porque eu acho que me lembra esse fracasso do BNDES. Como resultante disso tudo eu acho que se fez muito… Gastou-se um tempo enorme, todo mundo se esforçou muito, mas os resultados não foram muito bons. Eu acho que de uns anos para cá a área social mudou muito o jeito de trabalhar e tenho ouvido que está indo muito bem, que eles estão conseguindo fazer muita coisa. Eu acho que se teve algum saldo positivo do que se fez na área social foi essa continuação com... E nem sei se eles devem alguma coisa ao que a gente fez. Se deverem, ótimo. Se não deverem foi só boa intenção, muita gente trabalhando. Mas resolver problemas sociais é muito mais difícil do que você industrializar um país, por incrível que pareça. Não é só dinheiro, né?
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O senhor foi também da área de setores produtivos?
R – Hum, hum.
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Eu queria saber o que é essa área e quais são as atribuições dela dentro do banco. O que é exatamente isso?
R – Setores produtivos. Você vê, embora a área de planejamento produzisse muito conhecimento, a verdade [é] que as duas grandes invenções práticas do banco, que eu acho que levaram o banco muito longe do ponto de vista operacional, foram a ideia de análise de projetos, ou seja, você fazer de cada investimento empresarial um projeto que podia ser analisado e discutido. Isso parece óbvio, mas na época não era. E a ideia de substituição de importações, logo depois dos primeiros anos da infraestrutura, nos anos 50, porque a substituição de importações era um conceito muito fecundo para quem tem a ideia de fazer investimentos industriais. Era um conceito muito operacional. Você ia na balança de pagamentos, na balança comercial, via aquilo que você importava, você sabia qual era a escala tecnológica ótima de um determinado bem que você queria produzir localmente. Você via quantas fábricas você queria produzir, procurava os empresários e assim ia. Então o que você está chamando de setor produtivo, na época que eu estava lá era basicamente as unidades que pegavam, digamos assim, as diretrizes do que fazer nos setores. Ou seja: precisa fazer cinco fábricas de papel e celulose, dezoito fábricas de fertilizante. Ficavam analisando esses projetos e fazendo a locação direta dos recursos do banco e tentando discutir tudo, todo o conteúdo desses projetos. Ao fim de um mês, dois meses, às vezes três meses de análise, você tinha uma fábrica em andamento, então era um trabalho de uma vitalidade incrível. As coisas aconteciam muito rápido e tinham um visual muito concreto, as paredes apareciam e rápido.
Por exemplo, eu me lembro de ter participado muito do Pólo Petroquímico na Bahia. Uma experiência incrível. Camaçaí era um nada, era um pântano inglês, sabe aquela coisa assim, sem nada? E de repente vira um pólo petroquímico, sei lá quantas empresas e fábricas e canos e reatores. Acho que isso acontecia em todos os departamentos produtivos. Isso teve uma sequência de industrialização dos bens de consumo para os bens mais pesados da indústria de bens de capital. E cada departamento… Todo mundo trabalhava muito, mas a cada momento tinha uma luz que iluminava mais o departamento que estava em um momento certo daquela sequência de montagem da indústria brasileira. Então os departamentos operacionais… A verdade é que, a partir dos anos 70, os departamentos operacionais começam a ter uma importância que jamais tinham tido. Eu falei, equilibra um pouco aquele brilho mais intelectual da área de planejamento. Fica uma coisa mais… Muita coisa acontecendo aqui, muita coisa sendo pensada ali. Às vezes elas coincidiam, às vezes não coincidiam, mas o banco ficou muito equilibrado nessa época.
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E essa área existe desde quando no banco, setores produtivos? Desde o início?
R – Ah, desde sempre.
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Desde sempre ela existe, não é?
R – Na verdade o banco foi criado com a ideia de fazer reaparelhamento econômico. Uma ideia que se tinha naquele início, que significava montar indústria, montar fábricas. Infraestrutura primeiro, depois as fábricas, então desde o início que essa estrutura de planejamento, com departamentos operacionais, já existia. Mas na substituição de importações nos anos 70 é que você tem uma explosão de trabalho, que fez com que esses departamentos fossem muito dinâmicos.
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Então as principais linhas de atuação desse departamento refletem também de alguma maneira as principais linhas de atuação do BNDES?
R – Ah, não tem dúvida.
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Quais são? Fala um pouquinho dessas linhas para mim.
R – A história do banco, muito rapidamente é assim: quando o banco é criado na década de 50, ele já nasce, como eu disse, fruto de uma troca de ideias
monumental, que formam um consenso. O consenso da industrialização, do crescimento capitalista. Que talvez tenha sido dos… Se não foi o único, o Chile... Deve ter sido um dos únicos países na América Latina que teve essa determinação, o que faz hoje o Brasil ser um país cheio de defeitos mas com muitas qualidades diferenciadas aos outros países da América Latina. Só que você não consegue fazer nada sem infraestrutura, sem energia elétrica e aço, para quem conheceu a industrialização soviética naqueles tempos. Sem energia elétrica e aço não tem indústria - na verdade, sem energia elétrica e aço e um pouquinho de estradas de ferro. E no Brasil não foi bem assim o caminho, foi mais estradas de rodagem.
Então teve aquele período da infraestrutura, que vai ali até os anos 60. Quando você fez esse investimento todo, é tão pouco por causa dele… A ideia de dívida externa, de equilíbrio de contas já passava a ser uma idéia fácil de se compreender. E a seqüência daquilo foi a substituição de importações. Ou seja, não a gente precisa fazer aqui as mercadorias que vão usar essa infraestrutura porque senão não há dólar, não há divisas que cheguem para importar tanta coisa. Então dos anos, acho que final dos anos 60 até final dos anos 70, a dinâmica é da substituição de importações. Ali pelo final dos anos 70, início dos anos 80 tem a crise de energia. E você, de certa maneira… Essa sequência setorial… Eu acho que esse assunto é meio chato para vocês, mas não tem jeito.
P/1 – Imagina. (risos)
R – Essa sequência setorial de bens de consumo, porque a industrialização de um país retardatário é diferente de um país de centro. Porque lá para você produzir, sei lá, camisas e têxteis você precisa da máquina de fiar. Você não pode fazer uma indústria têxtil sem ter a máquina, então você vai do bem de capital, do bem de produção para o bem de consumo. Aqui, como era uma importação substituída, não tinha sentido você fazer bens de capital se você importava o têxtil. Então se começou ao contrário, de lá para cá. Mas todo mundo sabia que esse negócio ia acabar quando você chegasse no último bem de industrialização tardia, que eram os bens de capital. Quando chegou lá, isso coincide com o final dos anos 70, é uma certa falta de sorte histórica do Brasil. Quando esse processo se completa você está diante da crise de energia, uma das primeiras grandes crises mundiais, globais e que atrapalhou muito a realização daqueles investimentos todos. E tem um período relativamente curto que se acha que a substituição de importações terminou, mas por conta da crise de energia a missão imediata é resolver o que se chamava na época de matriz energética do Brasil, que era muito gasolina, óleo combustível. Aí se pensa no álcool, no Programa do Álcool. Então isso ocupou muito o banco,
o banco naquela época se voltou muito para essa coisa energética.
Acontece que a crise não era tão crise quanto se pensava, o petróleo voltou. Mas aí começa uma época de um debate muito difícil: do que era para se fazer com um país que, se não era capitalista antes, de produção industrial, agora já era porque tem toda a indústria montada. Pela primeira vez na história do banco, ao invés de você ter um grande consenso você tem vários pequenos consensos. Tem gente que acha que então estava na hora de se voltar para a pequena e média empresa, porque o banco tinha feito através… Lembra, você pegava a pauta de importações, dividia pela melhor escala. Você tinha que fazer 500 mil toneladas de qualquer coisa. As melhores plantas produziam 100 mil toneladas. Você precisava de cinco. 500 mil para 100 mil, você precisava de cinco fábricas e toca o barco. Mas se achava que pequenas e médias empresas tinham um papel de vitalização da indústria empresarial, então tinha gente que defendia isso.
Tinha gente que achava que tinha-se produzido uma ótima indústria e péssimas cidades. Como se centralizou muito a industrialização, você teve um processo migratório na década de 70 que eu acho que [foi] dos movimentos migratórios mais rápidos e violentos que já teve na história do mundo. Você tinha 60% das pessoas no campo, em dez anos isso inverte, 60% na cidade, 40% no campo. E a infraestrutura urbana estava muito ruim. Precisava cuidar das cidades. Tem gente que acha que, além disso, pode descentralizar e começar a desenvolver regiões que ficavam fora desse negócio. Tinha gente que começava falar de área social, tinha que mexer com esse negócio, então tem uns anos [em] que, se não me falha a memória, eles produzem pela primeira vez no banco esses movimentos meio assíncronos de gente fazendo coisas, não necessariamente ligadas entre si. Alguns departamentos se voltavam para o que achavam que era importante, outros... E talvez essa fosse a melhor ideia mesmo porque já não dava para todo mundo fazer, não tinha conceitos unificadores como infraestrutura, substituição de importações ou mesmo negócio de energia.
Isso continuou até os anos 80, quase que inteiros, aí aparece o negócio da privatização que enfim, foi uma coisa, acho que de novo... Engraçado, porque a privatização unificou sem ocupar totalmente o banco. Deu-se muita importância à privatização, ao público. O público clamava para acabar com as mordomias do Estado: “Um monte de besteiras, essas indústrias malucas.” Enfim, sei lá por que, se tomou uma certa raiva do Estado naquela época. E se queria a privatização rápida. O banco então teve essa função, mas isso não ocupava o banco todo porque não precisava de tanta gente assim para fazer a privatização. Então continuou um pouco de outras atividades. Outras atividades continuaram a acontecer e hoje, bom, a gente chega mais ou menos aos dias de hoje, vocês devem estar pegando depoimentos de gente que está lá. Eu não estou, então não sei falar direito o que é que está acontecendo.
P/2 -
Mas...
R – O meu negócio, desculpa, o meu negócio para ali no início dos anos 90, quando eu saio do banco em 95.
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Dos projetos que o senhor acompanhou é possível destacar um que considere importante, representativo ou mais… Enfim, são tantos.
R – Não. Você sabe que eu acho assim: não é por estar na presença de vocês (risos)... O banco tem realizações incríveis, eu participei de um monte de coisas super interessantes, mas o que eu acho extraordinário no banco são as pessoas. É a sociologia do banco, muito mais do que o lado, vamos dizer assim, do ativo, das coisas que foram investidas. Porque de certa maneira, o banco tinha meios. O banco estava equipado para fazer as coisas que tinha que fazer. Fez direito. Fez superbem. Acho que é um projeto muito bem sucedido, mas a sociologia interna do banco é que eu acho admirável. E que nesses projetos de memória… Bom, vocês estão um pouco nesse negócio. (risos)
Mesmo assim, quando você pega livros sobre o banco, o pessoal fala muito da parte material das realizações do banco, da industrialização, a privatização. O banco produziu algumas coisas incríveis. Primeiro, um grupo de pessoas altamente motivadas que trabalhou demais sem ter nenhum dos incentivos que hoje as pessoas associam a trabalhar demais, que é dinheiro, salário, renda variável, sei lá como é que chamam essas coisas. Se você quisesse trabalhar muito, você trabalhava; se não quisesse, também acontecia muito pouca coisa com você. Teu salário era exatamente... Quem era técnico, ganhava todo mundo a mesma coisa. Tinha umas pequenas diferenças, quase que desprezíveis. Então produziu um monte de gente que trabalhava muito e supermotivadas como funcionários públicos. Quer dizer, eram funcionários públicos que gostavam do que faziam.
[Em] segundo lugar, trabalhava-se com enorme quantidade de dinheiro. E você jamais ouviu falar de problema de corrupção ou desonestidade ou dúvidas em relação ao que o banco fazia. Acho que isso [era] muito porque as pessoas que vinham para o banco… Essa coisa ideológica e o concurso público tinham um padrão ético bastante elevado. E a forma de gestão do banco é uma forma curiosa porque na verdade todas as decisões são colegiadas. Então nem…
Eu fui diretor durante algum tempo. As pessoas tinham uma coisa meio fetichista de falar com o diretor, acham que resolve. Ninguém no banco resolvia absolutamente nada sozinho. A influência individual de cada um era mínima, você precisava muito mais de persuasão do que de autoridade. Em um colegiado, se você é o diretor de um, não é de outro, então não adiantava chegar lá e dizer: “Eu quero.” Era ridículo, ninguém fazia isso. Tudo isso em contraste ao que aconteceu, acontece, acontecia no Brasil, fora do banco é muito apreciável. E por que é que isso aconteceu no banco? Não sei, mas aconteceu.
Tem vários projetos que eu participei, mas eu acho que se você me perguntar o que eu mais admiro, me lembro são as pessoas. O jeito de funcionar. Algumas pessoas morreram já. Morreram jovens, não sei por que muitas dessas pessoas, infelizmente, morreram jovens. Mas são pessoas extraordinárias. Então é por aí. Mais pela sociologia do que pela economia.
P/1 – Em 95 você encerra sua carreira no banco. O que aconteceu? Você vai para?
R – Isso aí é o seguinte: tem um negócio no banco que enfim, até os inícios dos anos 90 era muito raro um funcionário do banco virar diretor. Em geral, a carreira interna acabava na superintendência. Os diretores eram indicados externamente. Como [a indicação] vinha da presidência da República, isso em geral era muito politizado. Não era mais uma escolha técnica, então o banco não tinha essa tradição de ter funcionário que virava diretor. Você virava superintendente e ficava ali na superintendência durante muitos anos, saía de uma superintendência e ia para outra.
Na diretoria não era assim porque a diretoria era mandato. Quando terminava o mandato do diretor acontecia - e aí começa, como eu disse, nos anos 90 essa coisa de funcionário virar diretor. Ninguém sabia o que fazer quando acabava o mandato de diretor. Quer dizer, o que [se] fazia com um sujeito, com um ex-diretor que terminou seu mandato? Ele voltava a ser superintendente? Ficava uma situação meio estranha, né? Acabou que formou-se uma pequena tradição: sujeito que era diretor saía do banco ou ia estudar ou ia tentar trabalhar no setor privado. E eu já tinha estudado. (riso) Até tentei estudar mais, mas eu já tinha, não deixaram.(riso) Eu tentei, mas não deixaram, não.
Fui para o setor privado e acabei ficando em um lugar que eu gostava muito, saí do banco, então foi menos vontade de sair e mais dificuldade em saber como ficavam. Você vê que quase… Acho que todos os diretores do banco acabaram saindo, talvez com raríssimas exceções. Mas por isso, porque não tem... Talvez se crie alguma coisa porque agora é muito comum o funcionário virar diretor, então alguém vai pensar em alguma coisa lá.
P/2 -
Uma das metas 2000-2005 do banco é a modernização dos setores produtivos. O que é que é essa modernização? O que é considerar uma empresa moderna hoje?
R – Eu não sei responder. Como eu disse, já não estou lá há algum tempo. Mas essa questão da modernização é mais ou menos o seguinte: essa industrialização, de certa maneira, teve uma influência enorme do BNDES. Ela não foi um movimento natural, espontâneo do mercado, onde o sujeito competia e ia. Não foi uma coisa darwiniana como deveria ter sido. Se nós tivéssemos industrialização como tiveram os países adiantados, né? Foi meio biônico assim, você pegava... Tinha muito crédito, você pegava um empresário médio e dizia: “Você precisa crescer” e o sujeito ia. Então não teve um aperfeiçoamento competitivo forte dessas empresas.
No início dos anos 90 é que começa essa coisa da liberalização de um projeto mais liberal, mais de mercado, com a ideia de: “Bom, agora vocês estão prontos. Agora fala, né? A estátua está pronta, trata de falar.” E esse falar era justamente competir. Algumas iam desaparecer. Eu acho que essa modernidade significa um pouco isso, fazer essas empresas que foram criadas em berço esplêndido se tornarem pessoas independentes. Você vê que algumas dessas empresas até hoje são clientes do banco. A ideia é que elas se depreendessem e tivessem inclusive outras fontes de financiamento para o banco poder fazer outras coisas. Eu acho que é basicamente isso.
P/1 – Tem mais alguma coisa?
P/2 -
Não, o encerramento, né? Profissional. (risos)
Bom, o BNDES está fazendo 50 anos. O senhor já falou bastante, mas em termos sintéticos qual seria o papel do BNDES nesses 50 anos de história do Brasil? Como o senhor definiria?
R – Papel?
P/2 -
Do BNDES nesse processo histórico de desenvolvimento brasileiro?
R – Daqui para a frente?
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Não, nesses últimos 50 anos, desculpe. Na comemoração dos 50 anos. O banco está fazendo 50 anos, enfim, o papel dele no desenvolvimento histórico do Brasil nesse últimos...
R – Eu vou me repetir um pouquinho porque eu acho que o BNDES, como eu disse... Essa ideia de desenvolvimento, ela [é] em princípio para objetivos de longo prazo. Longo prazo não é com política monetária, não é uma coisa de administração cotidiana. Você tem uma ideia, uma intenção, aí você estuda para ver se ela é viável. Aí você projeta, detalha, executa e ela se realiza em ‘n’ anos, então é uma coisa que depende muito da inteligência, muito mais do que da mão de obra e do esforço físico.
Acho que o banco está fazendo esses cinquenta anos de cenas explícitas de grande exibição de inteligência. E continua sendo. Você vê que até hoje é um… A gente até estava conversando, né? Pelo lado do que ele fez até hoje, é uma instituição muito respeitada. Mesmo com um ou outro episódio recente de escândalo de jornal, é uma instituição muito respeitada. E pelo lado que eu gosto mais, que é o lado das pessoas, como funciona, o banco acabou de fazer uma reestruturação super complicada e que está dando um pouco certo, um pouco errado, mas as pessoas estão se reunindo para tentar aperfeiçoar esse pulsar orgânico de vida dentro do banco com as pessoas tendo muita importância, muito mais do que os manuais.
Ao contrário de várias empresas, né? Acho que [isso] também pode ser comemorado aí nesses cinquenta anos.
(risos)
P/1 – Tá jóia.
R – Está bom?
P/1 – Obrigada.Recolher