BNDES 50 Anos
Depoimento de José Roberto Correia Soeiro
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 12/04/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº BND_CB026
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bom dia, Soeiro.
Eu gostaria de iniciar seu depoimento pedindo que o senhor
diga seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é José Roberto Correia Soeiro. Nasci no dia 21 de setembro de 1945, na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo.
P/1 – Quais são suas origens? As origens de sua família, nome dos pais.
R – Meus pais, ambos eram portugueses e vieram para o Brasil no início do século passado. Meu pai chegou em 1920 e minha mãe chegou mais tarde.
P/1 – Eles se estabeleceram onde?
R – Na cidade de São Paulo. Meu pai começou como empregado de uma mercearia, depois comprou uma parte da mercearia e se tornou comerciante. A atividade dele toda foi de comerciante em São Paulo.
P/1 – Em que ramo?
R – Comércio de varejo: mercearia, bar, essas coisas. Como todo bom português.
P/1 – E em relação à sua formação escolar?
R – Eu fiz o meu curso completo em São Paulo. Estudei no Colégio São Bento de São Paulo, tive uma boa formação, e depois fiz a Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia. Fiz algumas incursões em mestrado. Estudei Economia Regional em nível de pós-graduação, História em nível de pós-graduação, e também aqui na UFRJ iniciei um programa de Mestrado em Economia Industrial. Nunca completei, nunca escrevi uma tese, mas sempre...
P/1 - Era o
problema de escrever ou não?
R - ...estive voltado à atividade acadêmica. Lecionei na universidade durante oito anos. Fui professor da USP e da Universidade Católica de São Paulo. Pensava inclusive, no início da minha vida profissional, me dedicar exclusivamente à atividade acadêmica. E ao vir pro BNDES, eu acho que na verdade cheguei numa Universidade do Desenvolvimento - BNDES é como uma Universidade de Desenvolvimento. Aqui se produz um conhecimento específico, que é o conhecimento, primeiro multidisciplinar e depois um conhecimento voltado na busca de soluções. É quase como um laboratório de ajuda na criação de soluções para os problemas de desenvolvimento.
É uma instituição essencialmente vocacionada para a mudança, uma instituição que dá ao funcionário que nela trabalha um sentido de participação muito grande.
Embora esteja só na ponta do financiamento, você se sente fazendo as coisas que os projetos que você financia executam e faz isso em nome um projeto de país, em nome do desenvolvimento do Brasil. Então é uma situação de muito orgulho pra quem trabalha. De muita responsabilidade ao mesmo tempo, mas de muito orgulho poder no dia a dia estar participando de uma infinidade de projetos que ajudam no desenvolvimento do Brasil.
P/1 – Com relação à universidade, em que ano você fez faculdade?
R – Entre meu curso secundário e meu curso universitário, eu vim para o Rio de Janeiro e passei aqui três anos fazendo parte da direção nacional de um movimento que era chamado Juventude Estudantil Católica. Era um movimento de estudantes que na época tinha muita presença no meio estudantil brasileiro. Tem até uma curiosidade: nós morávamos num apartamento e nesse apartamento moraram juntos, numa república, um estudante de Belo Horizonte que depois veio a ser o Frei Betto, muito conhecido de todos. Morava também o Júlio Mourão, que era um estudante de Belo Horizonte que também teve um papel importante... Todos aqui do BNDES sabem da importância da presença do Julio Mourão. Morou também com a gente o Paulo Eduardo Arantes, que era também da Juventude Universitária Católica e hoje é um dos principais professores de Filosofia da Universidade de São Paulo, de enorme contribuição nos debates brasileiros. Morou também Luiz Eduardo Wanderley, que depois se tornou reitor da Universidade Católica de São Paulo. Então era um período... Uma curiosidade também: o Betinho frequentemente ia ao apartamento. O Betinho também foi da Juventude Estudantil Católica e participou de uma série de movimentos, até na Constituição, depois, na chamada Ação Popular, que foi um movimento que saiu das entranhas, digamos, do movimento da ação católica, se converteu depois em uma ação política que deixou enormes consequências pra vida brasileira.
Boa parte das personalidades que hoje governam o Brasil foram formadas, digamos, nesse ambiente da Ação Popular. Vários deles, inclusive, foram militantes da Ação Popular e hoje ocupam cargos públicos no Brasil.
P/1 – Com relação ao BNDES, quando e como foi o seu ingresso no BNDES?
R - Eu fiz um concurso público no ano de 1976. Eu me lembro que era um dia muito frio em São Paulo, eu estava com amigdalite, com febre muito alta, tomei Novalgina e fui fazer o concurso. Tinha me preparado razoavelmente porque era professor universitário, dediquei apenas algumas manhãs, digo, madrugadas para estudar alguns livros e fui pro concurso.
Entrei via uma prova que fiz em 1976 em São Paulo. Vim pra cá, já tinha três filhos na época. O meu filho menor tinha dois anos e a minha maior tinha seis anos. Viemos pra cá e foi uma mudança de vida muito importante, tanto do ponto de vista da formação e consolidação de uma família, que eu prezo muito, como também foi um engajamento numa instituição que eu não imaginava fosse uma instituição tão rica. E diria o seguinte: o que mais me empolgou nessa instituição, na época, foi perceber que o processo de decisão dessa instituição era um processo de equipe. Era um processo colegiado, um processo coletivo. Era uma instituição onde as pessoas participavam das decisões, participavam dos estudos. Havia um rito contraditório, havia a convivência na divergência e havia comum acordo, uma vocação de desenvolvimento, de trabalhar pelo desenvolvimento do país.
Eu sou de uma geração, a geração do pós-guerra. Foi dito a essa geração que precisava ser construído um mundo novo. Precisava se construir um mundo novo, solidário para todos.
Mais ou menos, essa geração traz dentro de si esse sentido de responsabilidade. Quando eu cheguei ao BNDES, eu cheguei e aliei duas coisas importantíssimas pra mim, que era um projeto profissional consistente com um sentido de missão que eu sempre tive, no sentido de participar dessa mudança do mundo. Essa mudança progressista do mundo. Um mundo que buscasse mais paz, mais justiça, mais solidariedade social.
P/1 – Quando você fez o concurso, o que representava o BNDES nessa época pra você? Era uma conquista profissional? Era uma linha de atuação, era... O que representava isso pra você?
R – Eu já sabia… Embora o BNDES fosse uma instituição sediada no Rio de Janeiro, por ser economista, por ser militante de universidade, eu já conhecia a atuação do BNDES - na época chamava-se BNDE - mas principalmente sua importância no apoio à indústria, no apoio à infra-estrutura. Como economista desenvolvimentista, o lócus de trabalho mais adequado era o próprio BNDES. Também eu estava querendo promover uma mudança de vida. Eu estava querendo, digamos, mudar de cidade. Uma cidade que eu já tinha adotado como minha, porque eu já havia morado no Rio de Janeiro, então fiz esse movimento de vir pra cá também no sentido de trazer as crianças, para que pudessem usufruir de uma vida numa cidade tão rica como o Rio de Janeiro. E foi um projeto bem sucedido.
P/1 - Você tem quantos anos de banco?
R – Vinte e cinco. Metade da idade do BNDES.
P/1 – Nesse tempo de banco você divulgou vários projetos. Algum em especial lhe marcou mais durante esse período, que teria lhe agradado mais?
Você foi trabalhar em qual setor do banco?
R – Eu cheguei pra trabalhar no Departamento de Prioridades, um departamento que era a porta de entrada dos projetos do banco e que já dava uma primeira sinalização se os projetos iriam ou não à frente. São muitos os projetos, mas eu gostaria de destacar dois deles. Um foi um projeto, ainda no Departamento de Prioridades, que foi o Projeto Carajás. Era um grande projeto pro porte do BNDES na época, um projeto de minério de ferro ao sul do estado do Pará. Tem uma curiosidade interessante: na época fui a uma reunião no Clube de Engenharia e vi um debate sobre esse projeto, se discutia se o escoamento do minério devia ser por hidrovia ou por ferrovia. Havia essa discussão. E aí fui fazer uma viagem pra região.
Fizemos um sobrevoo na região, o leito da estrada de ferro já estava totalmente aberto, mas informações desse tipo davam poucos na época.
Foi um projeto super bem sucedido, acho que a Vale do Rio Doce hoje, essa empresa forte como ela é, teve mesmo sucesso nesse projeto, talvez um dos êxitos maiores de sua afirmação. E é um projeto de grande impacto pra desenvolver o Brasil.
Um outro projeto bem menor, mas já na área social do BNDES - fiquei boa parte da minha vida no BNDES depois que veio essa [área] pra integrar a proposta do BNDES - foi o projeto por volta de 1987, 86, na cidade de Olinda. Havia uma favela que se chamava Ilha do Rato onde foi feita uma intervenção, talvez uma das primeiras intervenções desse modelo de projeto multissetorial integrado, tipo favela-bairro, digamos assim, onde se fez todas as ações de transformação da favela no bairro. Esse projeto passou a se chamar Ilha de Santana.
Tem outra curiosidade bonita. Uma das vizinhas, uma das moradoras da Ilha do Rato, ao visitá-la depois do projeto concluído, externou a seguinte expressão pro _____ dela: “Olha, minha amiga, esse negócio ficou muito bom, mas ficou principalmente mais elegante.” (risos) Elegante porque não precisava mais afundar o pé na lama. Já podia andar de calçado.
P/1 – E hoje?
R – Hoje eu estou praticamente finalizando minha carreira no banco, e hoje estou recém-chegado. Estive ocupando um cargo de secretário de Estado em São Paulo, Secretário do Emprego e das Relações de Trabalho até o mês de março último. Retornei agora em abril e me engajei na área de planejamento, onde há uma proposta de realização de um grande seminário para a comemoração dos 50 anos. O meu engajamento é nesse projeto, ajudando naturalmente a área que já concebeu o seminário e está só dando os últimos passos para a realização.
P/1 – O que o BNDES significa pra você? O BNDES como instituição, como espaço de trabalho?
R - Eu acho que o BNDES pode ser sintetizado como uma... Principalmente como uma instituição cuja vocação é a mudança. Tem uma enorme flexibilidade de se adaptar e de criar soluções às novas situações. Ele é uma instituição da mudança, é engajado no progresso e desenvolvimento do Brasil. Ele também, por ser uma instituição de muita importância, congrega aqui um ambiente extraordinário, tanto no nível das pessoas que fazem parte dessa instituição, do nível que elas têm… Elas são uma verdadeira nata dentro do nosso ambiente profissional e elas conseguiram – nós conseguimos, eu acho, aqui dentro – formar um ambiente muito próximo do que você deseja numa empresa, que é um ambiente de participação e de solidariedade.
Pelo menos – sabe que oscila conforme a fase – nós já tivemos grandes momentos de grande participação. Eu diria que o sucesso do BNDES está em grande parte nessa capacidade que os funcionários tiveram de aceitar essa missão e promover essa missão de forma coletiva, participada, de forma engajada na questão de prestar um serviço público de qualidade no país.
P/1 - Idealizando um país melhor. De alguma forma realizou essas expectativas aqui, nos 25 anos de banco?
R – Do ponto de vista individual e profissional, sem dúvida. Claro que houve momentos de maiores aberturas, momentos de maiores dificuldades, mas nós conseguimos aqui – eu tenho essa sensação pessoal – de conseguir combinar atividade profissional como uma espécie de missão profissional, política. As coisas se fundiram na função de servidor público do desenvolvimento. Eu acho que isso se fundiu.
Do ponto de vista geral, da nossa sociedade, eu acho que falta... Nós temos muitos passos a dar. Acho que a nossa sociedade pode ou não caminhar na direção de uma sociedade mais justa. Isso depende de todos nós. Depende, é claro,
principalmente de um projeto de nação a ser construído por todos. Eu tenho muita confiança no processo de participação e de engajamento das pessoas. Na medida que cresce a consciência das pessoas, cresce esse engajamento importante no enfrentamento dos problemas reais da cidadania.
P/1 – O que o senhor achou de ter participado do projeto de Memória – 50 anos de BNDES?
R – Eu acho esse Projeto Memória incrível e acho que ele devia ser um projeto contínuo, porque quando me vejo dando depoimento aqui, quando desci pra dá-lo, eu sei que vários dos colegas com quem eu convivi aqui saíram recentemente. Não darão esse depoimento porque não estão mais aqui. E outros até que não estão mesmo, já saíram há mais tempo. Se fosse uma coisa mais contínua, a própria memória das pessoas talvez fosse uma memória mais rica em detalhes, mais rica em informações. Como aqui fomos de uma maneira ligados ao Departamento de História, fizemos uma pós-graduação em História, a gente aprendeu e percebeu a importância do que é a história, a memória para uma sociedade, pra uma instituição. Um projeto como o de vocês, que é fazer a memória dentro da empresa, acho que é indispensável que seja mais contínuo, não sejam pontos tão afastados no tempo. Eu cheguei a participar de uma entrevista dessas, se não me engano, há uns 20 anos, entrevistando um dos mais importantes funcionários do BNDES na época. Mas eu acho que, nesse espaço...
P/1 – Quem era?
R – Juvenal Osório Gomes, recém-falecido. É uma das pessoas mais extraordinárias daqueles anos 70 no BNDES. Ele tinha um magnetismo e um carisma advindo da sua inteireza e coerência de personalidade e de engajamento no desenvolvimento do país. Ele falava muito dos jovens funcionários da época, muito através de perguntas. Perguntando sempre aos jovens o que eles achavam, o que queriam do Brasil.
Isso tinha um efeito extraordinário na instituição.