BNDES: 50 anos de história
Depoimento de José Eduardo de Carvalho Pereira
Entrevistado por Cláudia Leonor e Márcia Paiva
Rio de Janeiro, 07/05/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BND_TM011
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Luiza Gallo Favareto
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BNDES: 50 anos de história
Depoimento de José Eduardo de Carvalho Pereira
Entrevistado por Cláudia Leonor e Márcia Paiva
Rio de Janeiro, 07/05/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BND_TM011
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Começar a entrevista pedindo pra você falar de novo seu nome completo, local e data de nascimento.
R – José Eduardo de Carvalho Pereira, Rio de Janeiro, dezenove de março de 1946.
P/1 – Nome de seus pais?
R – José Américo dos Reis Pereira e Maria da Graça de Carvalho Pereira.
P/1 – Qual a atividade deles, o que eles faziam?
R – Meu pai era médico e minha mãe é bibliotecária aposentada.
P/1 – Ela trabalhava onde?
R – Ela trabalhava no INSS.
P/1 – A sua formação escolar, qual foi o percurso dela?
R – Começa no Instituto Menino Jesus, no curso pré-primário. Acho que não existe mais isso, mas existia. Depois no Colégio Paes de Souza, no primário, depois o Colégio Pedro II, dali foram as escolas públicas. Colégio Pedro II que é um grande ensino secundário, um colégio de ensino federal no Rio de Janeiro. Depois foi a Universidade do Brasil, que hoje é a Universidade do Rio de Janeiro. Quando eu entrei era Universidade do Brasil, depois mudou para... quando eu me formei já era Universidade Federal do Rio de Janeiro.
P/1 – Qual curso?
R – Economia. Curso de Economia. Sou economista.
P/1 – O que te levou a fazer Economia?
R – Olha, eu acho que foi no científico, lá no Pedro II, antes de 64. Um pouquinho antes, 62, 61, por aí. Se discutia muito os rumos do Brasil, o que ia acontecer com aquele Brasil que estava sendo redesenhado. Eu tinha professores de História, professores de Geografia; o Clóvis Notori que era um professor de Geografia muito conhecido no Rio, o Renato Azevedo que era de História, Pompílio da Hora, também de História, explicavam muito bem o que estava acontecendo naquele período, explicavam muito porque tinha um substrato econômico das coisas. Eu comecei a pensar que tinha uma profissão que juntava o entendimento com as suas causas mais fundamentais e que ao mesmo tempo eu podia viver daquilo, pra mim era importante ter uma profissão que me remunerasse, que eu pudesse continuar minha vida e ganhasse o meu dinheiro. Daí economista, na época não se falava muito. Eu estou falando antes do Roberto Campos, porque o Roberto Campos, eu diria que ele lançou na modernidade brasileira a profissão de economista, e ele foi o quarto ou o quinto presidente do BNDES, se não me engano. Isso é um pouco pré Roberto Campos, como sendo uma estrela na arte da economia. Então foi isso, escolhi, fiz o concurso, o vestibular para a Universidade do Brasil, fui à faculdade de economia, me formei lá.
P/1 – Seus pais te incentivaram alguma carreira?
R – Meu pai já não estava vivo naquela época e minha mãe também não. Minha mãe estava viva, mas não participava muito dessa decisão, não. Acho que o fundamental foi realmente a escola. Foi aquela vivência daqueles anos efervescentes de sessenta até 64. Aliás pré ______, maio de 68 lá na França, Woodstock, aquelas coisas todas. Esses primeiros anos sessenta foram muito efervescentes aqui no Brasil, e acho que no Rio em particular. Tinha muita história naquele período, aquela mudança, uma coisa de mudança, de transição, realmente eu acho que foi isso.
P/2 – Você chegou a pegar a Revolução de 64 na Universidade?
R – Eu peguei, meu primeiro mês de aula na Universidade do Brasil foi justamente o mês de março de 64. Eu fui pra aula no dia primeiro ou dois de março e a Revolução ou Golpe foi em 31 de março. Estávamos lá, alguns colegas economistas no bar da Faculdade. José Tavares de Araújo Júnior, é um que está BID atualmente, o Zettel da Petrobrás. Tinha uns camaradas que a gente conversava muito, tudo garoto. Eu entrei pra faculdade... Eu faço aniversário dezenove de março, quer dizer então no dia dois de março eu tinha dezessete anos, não tinha nem dezoito. O Zé Tavares também era do Pedro II. Realmente a gente conversava muito, que movimento era esse, o que eles pretendem, quanto tempo vão ficar. O Zé me lembrou o que eu falei lá no barzinho da faculdade, eu achava que ia durar muito, que eles estavam vindo com muita força e que a gente teria que repensar. Eu me lembro que a gente estava vindo de uma coisa libertária, transformadora e que nós teríamos que repensar como que nós íamos harmonizar tudo que a gente imaginava fazer e agora com uma bitola mais limitada. Então eu acho que era isso, um pouco isso.
P/2 – Você se envolveu com o movimento estudantil?
R – Não, com o movimento organizado estudantil não, mas naquela época a gente tinha muita participação, o Colégio Pedro II era um colégio muito por natureza, agora mesmo na semana passada eles fizeram um movimento muito grande no sentido de permanecerem federais. Agora em 2002 eles estavam com um problema de verba, fizeram um apelo, foram ao Paulo Renato para reincluir no orçamento etc, e teve um movimento que eu pensei: “eu vou entrar nessa coisa de pedir recursos e ajudar de alguma maneira, mas não foi preciso e em 48 horas alguém ou alguéns resolveram a parada e está lá o Pedro de novo funcionando. Quer dizer, ele nunca parou de funcionar. Vem lá da regência de Bernardo - como chamava quando Pedro II era pequenininho - Bernardo de Oliveira, se não me engano, era o regente enquanto ele não atingiu a maioridade. Tem uma história que vai do império e que a semana passada estava, de fato, agitando. Então a coisa tem a sua razão de ser.
P/1 – E durante o período da faculdade, teve alguns professores que foram marcantes, que te influenciaram?
R – Teve, teve. Justamente na Faculdade que eu começo... Que meu destino começa a se cruzar com o BNDES. Tinha professores que eram do BNDES, Hélio Slither, Silva que era professor de Moeda e Bancos, era o nome da Teoria Monetária Financeira hoje, chamava Moeda e Bancos na época, e logo de cara teve um Centro Cepal do BNDES que promovia um ciclo de conferências logo em 64. Alguns professores do Centro Cepal do BNDES - o qual eu fui fazer parte mais adiante, lá em 66 - estavam dando um ciclo de palestras sobre desenvolvimento econômico. Eu estava entrando na faculdade, então já entrei em Economia com essa idéia do desenvolvimento, porque não era um curso paralelo, eu fui assistir vários outros da Universidade. Ao lado, onde é a faculdade de Educação hoje, ali na Praia Vermelha, em frente ao Iate Clube, já é também essa mélange da Universidade Pública, preocupação Nações Unidas, Cepal, Iate Clube... No Iate Clube está o máximo da elite carioca. Tinha muito isso de estar tudo muito junto e funcionando com alguma harmonia. Mas aí estava Carlos Lessa, que vem a ser o Reitor da Universidade Federal a partir de primeiro de junho e que foi o Diretor do BNDES da área do social, justamente ele é o antecessor da Beatriz Azeredo que esteve aqui conosco ainda há pouco e que eu também trabalhei com ele. Eu fui superintendente dessa área de serviços sociais, aí já em 86. Mas estava lá: Ciclo de conferências, Centro Cepal do BNDE, BNDE sem o S na época, volta pra 64. Então era o Lessa, a Conceição Tavares, o Antonio Barros de Castro. Coincidentemente a Conceição tinha sido estagiária de estatística no BNDES em cinquenta e poucos, em 59, por aí, logo que ela chegou ao Brasil. Ela foi estudar Economia justamente na Praia Vermelha também, e o Antonio Barros de Castro, que nos anos noventa foi presidente do BNDES também. Então esse ciclo de conferência foi uma coisa muito importante pra toda minha geração, pessoal que entrou na faculdade com a idéia de desenvolvimento.
P/2 – Esse ciclo de conferências se chamou mesmo BNDES – Cepal. Isso seria uma reedição daquele grupo que teve no início?
R – Não, eu não me lembro exatamente se eles tinham estado, porque Cepal é Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas, e a sede é em Santiago do Chile.
P/2 – Mas teve um grupo logo no início?
R – Teve uma comissão mista Brasil e EUA, foi a origem do BNDES.
P/2 – E a continuação foi o grupo BNDES - Cepal?
R – Não foi bem continuação, quer dizer a comissão mista implanta...
P/1 – Um outro programa?
R – É, o momento é criado... Eu sinceramente não me lembro exatamente em que ano...
P/2 – Em 54 parece.
R – Em que ano foi criado o Centro Cepal BNDE, que funcionava justamente ali na Sete de Setembro, 64 ou 68, esquina com Quitanda no sexto andar. Eu não sei em que ano foi fundado, mas eu fui trabalhar nesse lugar em 66.
P/2 – Então ele continuou, manteve uma ligação como um grupo de estudos?
R – Eu acho que sim, mas não da fundação. Lembra que a fundação... O banco começa a operar em 54, criado em 52, começa a operar em 54. Eles não estavam lá, certamente não estava, era um grupo mais ligado ao pessoal, na época SUMOC que hoje é o Banco Central, Superintendência de Moeda e Crédito, pessoal da CACEX, Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, que operava no comércio exterior, então era a parte de mercado interno e mercado internacional, e esse pessoal que forneceu quadros para começar a operação do BNDES. Teve gente emprestada também, a Finame é criada um pouco depois, recebeu gente emprestada até da FIESP, que trabalhou lá pra fazer a parte de financiamento de equipamentos, era a idéia de supla as credits, agências internacionais de créditos, então está funcionando. Era uma coisa meio... Eu não tenho muito claro isso pra mim, como que era naquele período, mas eles eram chamados, era um convênio. O presidente do BNDES, na época... Quer dizer, na época era 66, quando eu passei lá, era o Jânio Magrassi de Sá, quer dizer, era o primeiro presidente que eu vi falando, não tinha contato direto, mas ele ia ao Centro Cepal BNDES, participava de algumas discussões técnicas, de alguns ciclos de palestras que já existiam em 66 e a Cepal dava cursos de treinamento ao pessoal do BNDES e de Secretarias de Planejamento do Governo Federal e tal. O Pedro Malan fez um curso desses, o Pedro fez o curso de 66 ou 65. O Régis
Dornelles, que foi ser diretor do BNDES agora, há uns cinco anos atrás, por aí, Marcelo Paiva Abreu que é da PUC, era um pessoal que eles fizeram o curso, e alguns deles eu fui encontrar no Ipea, justamente nos anos setenta, eles e mais o povo que veio de Minas e de São Paulo. O Ipea era muito eclético no período de setenta. Eu fiquei de setenta a 76 quando eu fui para o BNDES. Então, voltando a esse tal ciclo de desenvolvimento foi pra nós, que entramos na faculdade em 64, foi importante porque a teoria econômica era uma teoria neo-clássica, uma teoria de formação de preços, alocação de fatores, escassez de produtos e o desenvolvimento econômico era uma idéia que você pode mudar isso, quer dizer, é possível uma ação deliberada, pensada no setor público, no setor privado, capaz de acelerar o crescimento normal da vida de uma sociedade. Isso é o conceito básico de desenvolvimento, desenvolvimento sem adjetivo. Ele prescinde do econômico e social. O desenvolvimento tem essa síntese do crescimento econômico e do progresso social. Então isso aí surgiu na minha cabeça, que você pode operar de alguma maneira, sob uma dada realidade, surgiu nessa época, justamente quando eu estava entrando. Então eu escolhi bem a profissão, eu quero ser economista, já entendia isso, até hoje eu tenho orgulho de ser economista, eu gosto, eu acho que me ajuda muito, eu entendo o mundo a partir dessa percepção que eu tive lá, adolescente. Essa é uma coisa clara pra mim. Me formei em 67, justamente ebulição. Em 67 teve a famosa pancadaria da Faculdade de Medicina na Praia Vermelha, foi a primeira intervenção militar no meio universitário, foi um negócio meio complicado. A turma fugiu pelos fundos da faculdade.
P/2 – O negócio começou a apertar.
R – Os tempos começam a ficar... Nessa época eu estava já como estagiário do Cepal BNDES, até o final de 67. A gente trabalhava com os relatórios anuais, de montar esses famosos relatórios de progresso econômico anual que existe até hoje, atualmente, que as Nações Unidas fazem por países e por regiões. Então a região da América Latina e Caribe é a área de análise, de estudos e interferências da Cepal. A gente fazia isso no BNDES, quer dizer, ele sempre foi... Ele recebeu quadros num determinado momento, formava quadros tanto para a Administração Federal quanto para as Administrações Estaduais e a Cepal ajudou muito nesse período a formar essa idéia do crescimento, do desenvolvimento e surgiu também simultaneamente a Fundação Getúlio Vargas, que era um outro pólo também que formava quadros para governos, para iniciativa privada, para os Estados e Municípios. Isso funcionava, tinha alguns debates históricos sobre isso e o BNDES era uma casa sempre com essa característica. Hoje mesmo o Ministro Reis Velloso no Fórum estava lembrando essa... O Foro de Desenvolvimento, a casa do Foro é o BNDES. E as coisas que tem lá, essas visões multifacetadas e o pensamento plural de interpretação do que está se passando com a economia brasileira, o que está se passando no mundo e as interações de um lado para o outro. Isso sempre tem. O BNDES sempre teve o acolhimento para essas preocupações. Eu como economista, com essa visão que eu estou me referindo, que vem lá do curso secundário, pra mim satisfaz bem. É uma coisa que eu me sinto peixe n’água lá, e eu sou pisciano, dezenove de março.
P/2 – Me diga uma coisa, você entrou como estagiário?
R – Não. Eu fui estagiário... São etapas diferentes. Eu fui estagiário nesse Centro Cepal BNDES, BNDE, na época, de 66 a 67, meados de 66 ao final, 31 de dezembro de 67, quando foi rompido o convênio BNDES e a Cepal e o Centro desapareceu. Aí as Nações Unidas criou um escritório, eu estou me lembrando agora, eu estou pensando, viajando no tempo, o Ministro Reis Velloso era o Ministro do Planejamento, justamente nesse período 67, 68 e aí criou-se o escritório Cepal ILPES no Brasil, é o Instituto Latino Americano de Pesquisa Econômica e Social, se não me engano, ou de Programação Econômica para América Latina, é isso aí, era justamente o corpo de professores da Cepal, eles de fato operavam via ILPES. Esse escritório foi criado, o Diretor Geral desse escritório era Daniel Bitran, um chileno, a Conceição era vice do escritório, do Centro Cepal BNDE, continuou vice desse escritório Cepal ILPES, se não me engano, e ele passou a funcionar ali na Rua da Matriz. Era um escritório pequeno fazendo estudos, estudo econômico anual, pesquisas.
P/1 – É o que virou o ILPES?
R – Não, não é. Ali o do ILPES tem uma outra coisa. Esse escritório Cepal ILPES ficou de 67 se não me engano até 71 ou 72. Então tem essa etapa do Centro Cepal BNDES e eu fiquei até 67. Vou para o escritório do Cepal BNDES e fico do dia primeiro de janeiro de 68 a março de 70. Aí eu fico já como formado, economista do escritório Cepal ILPES. A Magdalena Cronemberger - essa história é
pequena - era o Castro, a Conceição nessa época vai para o Chile, pra sede das Nações Unidas, vem de lá o Fernando _______ que é um cara crucial nos estudos do Brasil, no estudo da América Latina. E pra mim, na minha formação, foi um cara muito importante também, engenheiro civil e que me deu um certo rigor analítico nas minhas coisas, que eu precisava, sentia falta. Ele dizia... Aquela coisa do engenheiro, isso é um dado importante. A história do BNDES, no meu entender, tem essas profissões – e eu brincava muito com o pessoal – que todos nós somos analistas de alguma maneira, de projetos de desenvolvimento. Eu sempre defendi que a gente tem que manter a formação profissional básica: o economista, o engenheiro, o advogado, o contador e assim sucessivamente. Eu acho que tem que ter, mesmo que a gente trabalhe em equipes multidisciplinares, todo mundo tem que ter aquela coisa do profissional, porque aí que você mantém a riqueza da diversidade da interdisciplinaridade, ou algo parecido. Essa coisa era importante e o BNDES tem esse espaço, inclusive das novas profissões, hoje em dia o T.I., o analista de informações de sistemas, bibliotecária. Você tinha um pessoal todo de formação e que ajuda você a entender aquilo que você está fazendo que é a análise dos pleitos dos projetos de desenvolvimento, de crescimento. Então eu fui, em setenta, para o IPEA que é o Instituto de Planejamento Econômico e Social, hoje é de Pesquisa econômica Aplicada, antes tinha sido... É uma coisa de... Criada pós 64. O IPEA é
de fato criado como EPEA – Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada pelo Roberto Campos, ministro da... Não mais, ele já tinha sido Presidente de BNDES, era Ministro do Planejamento, era uma coisa de modernizar a administração Pública Federal e fazer as reformas. Realmente 64 foi uma época de grandes reformulações e marca uma opção clara, capitalista, moderna, ocidental, aberta, com um grau de abertura não muito grande, mas aberta para a economia internacional e você tem no governo federal essas adaptações. Então esse EPEA foi criado, depois ele se transforma em IPEA, com uma unidade ligada à planejamento, setorial, organização e uma ligado no pensar macroeconômico. Eu fui convidado para trabalhar nesse grupo da coisa macroeconômica e tal, era mais ou menos a minha história, eu fazia um pouco de macroeconomia, mas comecei, justamente na Cepal, a me interessar por uma coisa mais solidificada. O que eu aprendi com o engenheiro Fernando ______ e Silva que é o que ele dizia, que a história você pode construir um prédio, mas tem que ter as fundações. As fixações das fundações é que vai te dar o raio de manobra pra você construir pra cima. Isso pra mim ficou claro que era uma coisa dos macro setores, a composição setorial, entender como aquelas relações se entrelaçavam entre uma indústria de bens de capital, uma indústria de insumos básicos, uma indústria de bens de consumo, de lazer, de entretenimento, produção de alimentos. Essa coisa começou a ficar no mosaico de pensamento da minha cabeça, aquilo passou a ter sentido, daí eu percebi que o BNDES era o lugar em que realmente essas coisas aconteciam integradamente e naturalmente. E relembro do Centro Cepal do BNDES, em que realmente as discussões eram essas. Você tinha aquela coisa de você poder construir, poder interferir de alguma maneira no que estava se passando e entender o que estava sendo feito e ouvir. Então essa coisa, lá no IPEA eu já pensava e trabalhava nisso. Esse IPEA dos anos setenta foi um IPEA muito efervescente, ele tinha acabado de ter uma mudança, era essa coisa do planejamento geral, das questões setoriais. O IPEA teve... O Ministro da Fazenda era o Delfim Neto, do Planejamento Reis Velloso e eles resolveram integrar a visão de curto prazo, de ajuste, de reformas da operação de curto prazo com o pensar longo, que essas coisas funcionassem e que fossem concebidas simultaneamente. Então vem alguém da equipe... O Arthur Candal era o Superintendente, o Arthur Caldal era um cara da petroquímica, um cara conhecido, trabalhou com Marcos Vinicius Pratine de Moraes que hoje é o Ministro da Agricultura, aliás eu tinha até sido convidado na época pra ir trabalhar lá também. O Candal tinha saído. O Candal tinha sido um ex-cepalino, era um advogado que também tinha trabalhado na Cepal, tinha trabalhado na Bolívia, tinha trabalhado na Colômbia, ele tinha saído do IPEA e veio Afonso Celso Pastore, que hoje estava lá no Foro falando um pouco da... As pessoas estão todas aí. O Pastore era o Superintendente do então IPEA, aí eu fui entrevistado por ele, pelo Davi Carneiro. O Candal que estava naquela mudança, naquele período, e o próprio Pastore. Então estava vindo o Pastore e ele trouxe algumas pessoas de São Paulo, da equipe da USP, na época, tudo pra esse IPEA no Rio de Janeiro, no prédio do Banerj. Veio o João Saiad, o Sergio Pereira Leite, o José Roberto Mendonça de Barros que estava hoje lá no Foro. Tinha um grupo que hoje estava lá que era um pessoal que veio de Minas, estava lá formando, era o Cláudio de Moura Castro, o Roberto Thompson Andrade.
P/2 – Todo um grupo grande de ________
R – Um pessoal que estava vindo da IPGE, da Escola
da Fundação Getulio Vargas. Tinham uns da USP, uns do Rio, Cepal, BNDES, uns vindo lá da Cedeplar, vindo de Minas Gerais, que vinham de _______. Rui Lírio ______, que está lá no BNDES hoje. Tinha uma fusão, era um pessoal que trabalhava naquele IPEA.
Exatamente naquele período estavam fazendo... Não, estavam estudando nos EUA, o Marcelo estava em Cambridge, na Inglaterra e o Régis e o Pedro Malan estavam em Berkeley, nessa época, porque um pouco antes, naquela viradinha dos sessenta pros setenta, teve um acordo, um protocolo com a Universidade de Berkeley. Então vieram uns americanos, Albert Fishlow, que está por aí de novo, lá em Columbia, era um brasilianista naquela época, de trabalhar junto com o IPEA nas pesquisas macroeconômicas. Fazia distribuição de renda, fazia comércio exterior, eram as questões que era pra você entender como acelerar o crescimento. E o pessoal na prática do BNDES já estava financiando em conjunto com o governo na infra estrutura e alguma coisa na indústria pesada, e no setor privado as grandes indústrias do período de crescimento acelerado, que vem desde o plano de metas e que atravessa em marcha batida, os anos sessenta e setenta e vai direto. Então tem essa fusão em 73, vem a virada do Delfim Neto na política econômica, dá uma acelerada grande até o final dos anos oitenta. Eu fiquei até 76 no IPEA, trabalhei lá com financiamento de projetos industriais, uma amostra dos trabalhos setoriais que o BNDES estava fazendo. Saiu um livro, tinha o Wilson Suzigan, o Rui Afonso Guimarães de Almeida, que é primo do Eduardo Augusto, era do setor de indústria, e é o presidente do Banco do Brasil. Éramos todos, o Eduardo Augusto era o segundo do _______ no setor da indústria lá do IPEA também. Era uma escola e a gente se conhecia e debatia muito. Havia aquela coisa de toda quarta feira tinha um baita seminário, discutia-se tudo.
P/2 –
E todo mundo no mesmo...
R – Todo mundo. Todo mundo estudava coisas setoriais, não tinha muita hierarquia. De vez em quando ia um Ministro lá, participava, pedia uma coisa. Era uma coisa realmente quase grega, de discutir o conhecimento, era economia do conhecimento sem informatização. As máquinas era antiquíssimas, 11,30 num computador IBM, um horror danado. Eu brincava, os microprocessadores eram uns negócios que ocupavam uma sala.
P/1 – Eduardo, vamos otimizar o nosso tempo, vamos falar um pouco de você. Eu quero saber da sua trajetória no Banco.
R – Em 76 eu voltei... Quer dizer, eu fui para o BNDES. Aí já BNDE em 76 e fui pra trabalhar no Departamento de Planejamento do BNDES. Estava tendo uma reformulação naquela época e quem tinha sido chefe do Departamento era Armando Alencar, Saturnino Braga, Senador. Eles eram os chefes do planejamento do BNDES na época. Já existia um relacionamento muito estreito entre o BNDES da época, que já era o Presidente Marcos Viana. O IPEA que era presidido pelo Aníbal Vilella, a FINEPE que era o Zé Pelúcio, era um ex- benedense e o Isaac ______ pelo IBGE, hoje está com o Besserman, que é do BNDES. Já era um núcleo pensante nessas questões e estavam muito articulados, as pessoas todas se falavam nos diversos níveis, e as coisas todas eram muito complementares.
P/2 – E tinha todo esse entrelaçamento dos setores?
R – Tinha um entrelaçamento muito claro.
P/1 – Qual era o grande foco do banco, o principal foco?
R – Qual era o foco na época? Era o seguinte: vamos lá, 76, você estava vindo de um crescimento espraiado em praticamente todos os setores de atividade e aí você precisava de alguma maneira, e ao mesmo tempo você estava passando um período de relativa escassez de recursos para o tanto que se imaginava fazer. Todo o tempo se falava “e o mercado de capitais como uma fonte adicional de recursos, justamente para você poder aumentar a taxa de investimento da economia, acelerar o crescimento, e melhorar a distribuição de renda, incluir mais pessoas no modelo”, isso é um pano de fundo o tempo todo, o que não é necessariamente dito o tempo todo, mas é isso, o que sempre se imagina em termos de desenvolvimento, que todas essas escolas, pessoas, todas pensavam, era isso: como você faz num país que hoje tem setenta e poucas milhões de pessoas, mas da metade fora da parte afluente de crescimento muito parecido com a ponta do mundo, do planeta. Como você traz o pessoal que ficou nos vagões mais pra trás dessa locomotiva aí. Essa que era a idéia do desenvolvimento que estava presente o tempo todo. Em alguns momentos você fez tudo simultaneamente. Então chegou uma hora que você tinha que arrumar, a preocupação de setenta era um pouco isso, você ordenar melhor prioridades, você organizar melhor o fluxo, o uso dos fundos de investimento. Foi nessa época
que precisava um pouco, o setorial estava muito plantado, então precisava organizar um pouco isso. O BNDES estava atravessando essa discussão, quer dizer, você tinha lá as equipes em que todo mundo achava e estava acontecendo, estava no auge do período de milagre, de 73 até 79 foi um período de muito crescimento da economia brasileira em que tudo parecia que ia dar certo mesmo, que você ia conseguir fazer, em tempo record, a inclusão de todo mundo que ficou fora desse crescimento acelerado. Em termos regionais, em termos pessoais, em termos setoriais. Aí você tem uma integração por cima com o chamado primeiro mundo, na época. A idéia era essa, era isso que se discutia. Sempre tinha uns seminários lá, nessa época não existia ainda o Foro do Velloso, mas tinha lá uns seminários organizados pelo BNDES e tinham sempre as datas importantes do aniversário do BNDES em que se promoviam esses grandes debates sobre as diversas interpretações e apostas, que de alguma forma eram feitas sob a trajetória do desenvolvimento brasileiro. Então eu fui feliz de ter chegado nessa época lá e ter participado desse primeiro momento. Aí fui ser gerente no Departamento de Planejamento, na parte macroeconômica. Ao mesmo tempo estava se montando um agito, engraçado, intelectual, se chamava SPI. Eu acho que nesse nome eu tive alguma participação, era Sistema de Planejamento Integrado, era como você juntar todo esse conhecimento e essa prática do conhecimento em alguma coisa que desse um caminho organizado. Quer dizer, o caminho estava lá dado, mas que você mostrasse que o que estava sendo feito pra todo o banco e pra sociedade também. Então tinha uma preocupação de você organizar esse crescimento numa época em que realmente os recursos do banco estavam relativamente menores do que se imaginava. Então eu fico lá até... Eu estava conversando lá fora... Atualmente eu sou superintendente de relacionamento com instituições financeiras do BNDES. Eu acho, não tenho muita certeza, que esse é o 13º ou 14º função executiva, que nesses 26 anos de BNDES eu tenho. Até mesmo a ordem e a sequência eu sei, mas eu fui trabalhar lá com planejamento, nessa época.
P/2 – Esses vinte e tantos cargos executivos, você mais ou menos fica na mesma área ou tem alguma mudança?
R – Eu chego ali no Planejamento e dali eu começo a trabalhar e começo a entender um pouco melhor o trabalho dos engenheiros e dos advogados nessa coisa da concepção. Ficou muito claro pra mim o seguinte: eu tinha um tio também que era contra almirante, eles dizia assim: “Vocês economistas tem um problema grave...” ele foi superintendente da SUDEPE, era engenheiro naval, era engenheiro civil, era bom de cálculo estrutural e tal, ele dizia: “Vocês economistas tem um defeito. Crescimento e desenvolvimento é muito fácil, é só ver o que os países ricos fizeram e repetir a experiência. Aí vem vocês colocando essa coisa da restrição orçamentária, tem que financiar. Isso não existe, a gente tem que fazer”. Eu comecei a ver o seguinte: esse Sistema de Planejamento Integrado era um pouco isso. Essa é uma coisa bonita que o BNDES tem. Você pega cada um que trabalha num daqueles setores, o camarada defende aquilo, como se aquilo fosse realmente o foco, o fulcro de todo o crescimento. O camarada da indústria de papel e celulose, da química, da petroquímica, de alimentos, da infra estrutura, todos eles apresentam aquilo. Se você colocar tudo numa bandeja, fica difícil você colocar prioridades, porque é tão bem defendida as articulações, as demonstrações, a gana que a equipe dá àquele negócio que realmente você fica em dúvida. Como você tem uma questão, e sempre tem esse lado chato que precisa financiar, e o que é mais grave, além de financiar você tem que pagar depois. Financiar significa que o dinheiro tem que voltar depois pro banco. Banco é isso, empresta e quer ver de volta. Precisava harmonizar depois. No Planejamento a gente tinha a triste atribuição de colocar a chamada reta orçamentária. Projeta tudo, faz tudo direitinho que a gente vai entrar com uma régua ali, acertando e discutindo qual a dinâmica desse procedimento, o que é básico. O que, em termos de país, está se concebendo, pra você voltar para aquele modelo, pra você desenvolver o país, integrar regiões, pessoas, setores etc, harmonizar, tornar mais equânime, mais igualitário esse desenvolvimento econômico. Então precisa, e realmente o orçamento de longo prazo, o orçamento de projetos que vão se materializar em vários anos. Você não faz uma planta de qualquer indústria em menos de dois anos, se for infra estrutura, cinco ou seis anos. Então, na prática, você precisava harmonizar esse orçamento plurianual com uma idéia de dinâmica, com uma idéia de crescimento e com uma idéia que você não é um país, não é uma ilha, você está na economia internacional, consequentemente você tem que levar em conta questões do tipo: tem que gerar divisas em moeda forte. Não basta exportar, não basta substituir importações, mas tem que ser feita de uma forma, com padrões de custo competitivos frente à economia internacional e em moeda que realmente te dê possibilidade usar esses saldos pra pagar suas contas de empréstimos passados, importações necessárias, serviços etc. Ou seja, tem um modelo nessa história. Então a coisa do Planejamento era um pouco lembrar essas questões. A gente participava e recebia os toques no seguinte sentido: “mas se não fizer essa indústria aqui, se não tiver essa infra estrutura aqui também, lá adiante você não vai ter o produto, portanto não vai ter a receita, não vai ter a divisa. Essa ebulição que era o Tchan.
P/2 – Nessa época os investimentos estavam mais ou menos equilibrados entre investimentos para setor público e setor privado?
R – Nessa época, nos anos setenta você estava abrindo o leque, como a gente chama, você estava fazendo todos os setores da indústria diversificada, estavam com o setor privado, mas você estava carregando investimentos no setor público, em energia, em comunicações, em ferrovias que eram investimentos do setor público. Realmente, nos anos oitenta que você vai alterando a composição de tal forma que o BNDES hoje tem uma carteira que 90% é setor privado e só 10% é setor público. Mas naquela época você tinha uma grande concentração em setor público, em volume dos investimentos que ainda era o ciclo que você simultaneamente estava acelerando o crescimento, que estava dando, participando com o setor privado nos investimentos generalizados da indústria, mas estava também fazendo a infra estrutura necessária, financiando a infra estrutura.
P/1 – Mas você já está direcionando para a pequena e média empresa?
R – Aí já no finalzinho dos anos setenta, começa a ter a preocupação com alguns segmentos que eventualmente a dinâmica pura e simples desses investimentos todos simultaneamente é incapaz de garantir um naco importante do orçamento pra eles, que são dois casos, eu diria, clássicos: essas questões sempre das regiões de menor desenvolvimento relativo e a questões das empresas de menor porte. Isso mundialmente, hoje não há a menor dúvida quanto a isso, você tem que ter uma ação deliberada. E no meio daquela efervescência que eu estava me referindo dos anos setenta, a lembrança: tem regiões de menor desenvolvimento relativo e que lá há ocorrências que você precisa estimular a ocorrência da indústria moderna ligada aos pólos de crescimento, isso é fundamental. Quer dizer, é preciso promover especificamente isso. E lá no BNDES tinha isso: tem que fazer o FIPEME, tem que FUNTEC para tecnologia, tem que modernização e organização industrial, que eram questões que não funcionavam exclusivamente por essa dinâmica multi setorial que se tinha na época, você precisava de uma ação deliberada clara, então já começa ali em setenta e poucos, meados de setenta começa essa questão, no caso, com empresas de menor porte. Isso vem até hoje. Se você for pegar aí as dimensões do Planejamento você vê claramente essas duas, a dimensão de você equilibrar. Essa coisa do crescimento harmônico é um pouco isso, de você equilibrar o que se passa nas regiões de menor desenvolvimento relativo e nas empresas de menor porte que não acessam ou diretamente ou pela rede de agências, o crédito de longo prazo, quer dizer, você tem que ter uma ação deliberada, reservar ações, instrumentos de crédito específico pra atingir esses segmentos aí. Isso já começa lá. No Planejamento você já olhava o setor tal e as empresas supridoras ou compradoras adiante de produtos de petroquímica, papel celulose, siderurgia, mas você não imaginava isoladamente empresas de menor porte, regiões de menor desenvolvimento relativo. Você imaginava um determinado setor ou empresas grandes, empresas pequenas. Você não pegava as empresas pequenas e médias num conjunto de setores e dava um tratamento particularizado para elas. É uma coisa que começa a ser pensado em meados de setenta e gradativamente vai tomando corpo como uma necessidade de ter um tratamento diferenciado. Isso começa de uma forma mais ou menos esporádica em meados de setenta e realmente se afirma mesmo já na virada dos oitenta para os noventa, já é uma coisa mais amarrada, mais clara.
P/2 – Se você pensar, hoje ela está em pé de igualdade com...
R – Hoje ela está colocada como uma dimensão a ser considerada, com um grau de pensamento, de concentração e de recursos que os demais... Hoje as empresas de menor porte recebem um quarto do orçamento global do banco. É uma magnitude expressiva, sem dúvida.
P/2 – Então desse setor dessa área de planejamento, você...
R – Ali do planejamento eu fico mais algum tempo. Eu fico no Planejamento, eu viro chefe do Departamento de Planejamento em oitenta, por aí. Se não me engano fico até 83. Tem duas rodadas do Planejamento. Isso pra mim foi muito importante, foi como eu pude incorporar na minha formação essa questão do conhecimento setorial. Eu sempre me mantive atualizado na questão do comércio exterior, finanças, são como economistas, são formações básicas, mas essa coisa do planejamento setorial, que eu discutia lá trás, eu volto a fazer isso com muita clareza, mas sempre lembrando essas variáveis que hoje em dia se chama de “falha de mercado”. Aquelas questões que o mercado na sua dinâmica naturalmente não equaciona, não resolve, que é essa questão dos menores momentos relativos, questão das empresas de menor porte funcionando com a mesma rapidez, com o mesmo grau de conhecimento, de tecnologia, de competitividade etc, as empresas de maior porte. Quer dizer, você precisa, de alguma forma, colocar computadores para que elas operem no mesmo grau que a economia toda está requerendo. Isso você tem que dar um tratamento... E é isso que fica realmente presente. Eu diria que nos últimos vinte anos essa coisa já está sedimentada no banco, mas nunca teve, como está tendo recentemente esse status, vamos dizer assim, de dimensão. Uma outra questão também, que também tem esse tipo de reconhecimento, mais recentemente e que era tratado de uma forma não muito clara, era a questão do mercado de capitais. Desde que eu me entendo como economista, e eu lembro desses tais protocolos e missões das universidades americanas com centro de pensamentos brasileiros, sempre se falava na questão do mercado de capitais. Entendi como mercado de capitais o aporte de capitais de risco das empresas, não só financiamento, mas capital de risco, participação acionária nas empresas, que hoje também é uma dimensão. A idéia de você arejar o mercado de capitais brasileiro, modernizar, dar um poder de voz e de participação nos resultados aos acionistas minoritários com a mesma consideração que você faz aos grupos controladores. Isso é que de fato seria a modernidade do capitalismo acionário. Essa idéia que não só o controlador, mas também o conjunto da sociedade, aplicando os seus recursos através de fundos de investimentos, através de bancos, através de associações nas empresas. Eles terão a mesma possibilidade de ganho, é um ganho variável porque pode dar certo, o lucro, ou pode dar errado, um prejuízo. Como não tem retorno, mas você saber que as condições de transparência, de governança corporativa como o acionista controlador tem assegurado. Então essas questões também tiveram presentes aí o tempo todo, tanto que a BNDESPAR era o braço do BNDES encarregado dessas questões societárias, quer dizer, ele hoje está incorporado também, de dimensão de planejamento nosso da trajetória futura do desenvolvimento. Por que? Porque os setores produtivos, ou seja, a questão setorial, ela sempre teve seus interesses claramente colocados, e a locação de recursos etc, se impunha de alguma forma. Isso sempre ficou muito claro, pra mim que vinha de uma matriz de pensamento que você misturava a concepção, a idéia dos modelos com a posta em marcha de você fazer aquilo no BNDES. Você via essa coisa de fato acontecendo. Você via aquilo ali se impondo de alguma forma. Então essa idéia dos investimentos nos setores produtivos sempre foi granted, sempre foi assumido pelo pessoal que trabalha no banco com muita clareza. As outras questões precisavam ser balançadas, sacudidas. Essas empresas de menor porte, de mercado de capitais, do comércio exterior. A idéia que pra você ter um comércio, você participar ativamente do comércio internacional, você tem que ter suas estruturas de custos, de funcionamento, de gestão, de tecnologia, de marketing - fundamental marketing - das empresas compatíveis com os mercados onde estão operando na economia global. Essas questões são claramente colocadas. Hoje, eu diria que nas dimensões do planejamento, eu acho um grande achado isso, isso está bem disseminada essa idéia, é bem clara tanto pra nós quanto para a sociedade, você explicar qual é a nossa. Alguém lá já disse uma época “Afinal, qual é a do BNDES?” É isso, a gente fazer esse conjunto de operações, financiamentos e participações com essa idéia de você ter um desenvolvimento maior do que você teria naturalmente; a idéia era essa do catalisador pra você tocar, com novidades. Quais são as novidades que você tem hoje? É que você tem negócios, você não está iniciando, construindo uma matriz ainda partindo de um estágio embrionário. Hoje você já tem grandes empresas, já têm empresas sedimentadas. Então, além do desenvolvimento, você tem a idéia dos negócios. Você precisa entender um pouco mais da vida societárias, a vida de empresas maduras, como é que se passam os negócios financeiros. De uns tempos pra cá, está muito claro pra nós todos do BNDES, esse desafio adicional àqueles todos que a gente veio aí enfrentando nesses cinquenta anos, que é esse aprendizado permanente que agora é do chamado mundo dos negócios, é cada um de nós adaptar a sua formação básica a essa nova postura. Hoje em dia você tem que ter, pra cada um de nós, vale pro engenheiro, vale pro advogado, vale pro economista, todos nós, pro analista de sistema, pro contador, bibliotecária. O concurso, descendo, tem arquiteto também, tem o diabo. Então você tem configurações onde todo mundo tem que entender um pouquinho do que fazia antes e o que está fazendo de novo. A imagem que eu tenho do banco é muito... E eu acho que a minha história lá dentro também é assim, é a idéia das camadas geológicas, na prática você vai acumulando coisas, você não abre mão de nada. Estávamos conversando aqui e os papéis de cada um de nós, papéis mesmo, aquelas pilhas, as coisas que estão nos Winchester da vida, nos bancos do banco, esses bancos de informação acumulam esse tipo de operações, de conhecimento que cada um de nós tem que ter, e cada um de nós, de alguma forma, e aí a carreira executiva que cada um de nós tem, é essa adaptabilidade que cada um de nós deve ter lá dentro. O banco oferece essa oportunidade, você tem coisas muito diferentes pra fazer dentro dessa concepção geral. Pode trabalhar com muitas coisas.
P/1 – E dentro dessa ampliação, dessas múltiplas atividades do banco, não é só um crescimento, mas um próprio ganho pro próprio banco, porque você descobre vários setores que têm interfaces, podem trabalhar também de uma forma interligada?
R – Sem dúvida. O banco tem isso. Tem uma outra experiência que é importante que é o seguinte: o BNDES está lá na Rua Schilling e os projetos acontecem no município, na rua tal lá no Piauí ou em Santa Catarina, então a gente viaja muito. Isso é importante, isso dá uma visão de Brasil.
P/1 – Cai na real?
R – Cai na real, literalmente. Você vai lá na real ver o que é. O recurso do BNDES é essencialmente um recurso público, a fonte original de recursos. E pra isso tem uma regra que é o seguinte: cada um de nós, como gestores de recursos públicos, nós somos responsáveis frente aos Institutos de auditoria, aos tribunais da sociedade brasileira, por cada real que é aplicado. Tem um mecanismo de acompanhamento, de financiamentos que são dados que é fundamental. Isso significa um acompanhamento através de documentos, que é a escrita que está lá colocada, mas também ir lá ver. Aquela coisa do olho gestor do recurso público, tem que estar lá para o negócio crescer. Então a gente vai ver. Isso é uma coisa muito importante porque é de mão dupla, quer dizer que ao mesmo tempo...
P/1 – Você viajou muito?
R – Viajei muito. Você leva as boas novas e trás as boas novas. A gente tem uma quilometragem rodada muito grande.
P/1 – Nesse Brasil remoto?
R – Nesse Brasil remoto. Aí é o “S” [da abreviação da sigla do BNDES], pelo “S” eu fui...
P/1 – Conta um pouquinho do “S”, só pra gente não perder isso também.
R – O “S” do BNDES começa na virada de 82 pra 83, final de 82 é criado o Fim Social, com um tributo, uma contribuição, acredito que a arrecadação dele é toda do governo federal, não entra na repartição pela Federação. Essa contribuição foi tida, quer dizer, ela foi entregue ao BNDES à gestão dos recursos do Fim Social. Então, em três meses... quer dizer, primeiro em uma semana, um grupo de pessoas do qual eu fazia parte tivemos a seguinte missão: nós vamos receber uma massa de recursos infernal chamado Fim Social, e junto com isso foi colocado o “S” no final do nome do banco. Como que nós vamos fazer? Vamos sentar, reuniu-se um grupo - eu nessa época era chefe do departamento de Planejamento - mais alguns companheiros que depois viemos a trabalhar numa equipe ampliada, o Luis ______, Adilson ______, o Zé Mandarino que passou lá na época. Esses que eu me lembro mais. Nós fomos lá discutir como que a gente ia fazer essa coisa, o que era um modelo. Aí surgiu muito, claro, depois a equipe se ampliou, está todo mundo aí. Trabalharam nesse primeiro “S” a Terezinha Moreira, __________, Marisa Gianinni, o Ricardo Barbosa, que está na Faps, enfim, muita gente. Marta, minha mulher era dessa época. Carlos Lessa era o Diretor.
P/1 – Sua esposa trabalhou no banco?
R – Trabalha no banco, no setor social, mas trabalhou no social daquela época lá. Bolamos o seguinte: o que a gente pode levar, dentro desse conceito de projeto, dentro desse conceito de você ampliar a capacidade de crescer, então o que é o investimento? Investimento é um dinheiro que não é gasto corrente, ele é colocado em
alguma coisa que vai gerar mais renda no futuro. Esse é o conceito de investimento. Isso se prolonga no tempo, se você não faz em um ano, você faz em vários anos. Essa é a idéia de projeto, projeto é um gasto que se desenrola por vários anos. Então a gente importou essa questão do projeto da área econômica pra área social, porque qual era a questão que a gente já identificava, quer dizer, nós lá dentro e já existia vários relatórios de governo, de Banco Mundial, de várias agências, já tinha claro isso. Tem um problema de gestão deficiente dos recursos na área social. Se desse a expertise que se dá a gestão de recursos da área econômica também à área social, nós íamos trazer aquele fermento, aquela alavancagem, aquela turbina nos gastos e na gestão da coisa social. Essa que foi a nossa concepção, como que a gente adapta a gestão desses recursos que estão vindo pra nós na área social, com essa concepção de modernidade, de controle do gasto, de plurianual etc. Então esse foi o esforço desse primeiro Fim Social que foi criado no BNDES, primeira área social. E ela foi criada junto com a área de agricultura, ela foi criada, chamava P4 se não me engano. Era Social e Desenvolvimento agrário, uma coisa assim. Realmente criou-se. Era já a idéia das indústrias de alimentos, que era o complexo protéico, quer dizer, você tinha que melhorar a capacidade das pessoas ficarem melhores socialmente, indiretamente. Então você investia na produção de alimentos e também na melhoria da produção. Sempre essa idéia de melhoria, gerir melhor os recursos. E no social também, na área de educação, saúde etc, já naquele período lá. Eu trabalhei ali. Eu tive um período que eu trabalhei em Brasília, saí do Planejamento, fiquei se não me engano até meados de 85 trabalhando na Assessoria de um dos Diretores de Planejamento do banco, aí fui trabalhar um período no Ministério da Fazenda
com Dílson Funaro que foi presidente do BNDES e virou Ministro da Fazenda e eu acompanhei. Fui à Brasília e fiquei lá no Ministério da Fazenda, na Secretaria de Política Econômica durante o período final de 85 até meados de 86, aí voltei justamente para essa área social do BNDES. E fiquei lá até 89, se não me engano.
P/2 – Da Social depois?
R – Da Social eu fui... Eu fiquei um tempo... Porque tem altos e baixos na carreira. Tem momentos... Tem um diretor que eu me lembro, que virou pra mim e disse “agora você vai sair dessa coisa executiva e vai passar um período na marquise, como assessor, tranquilo, pensando na vida. Sai da chuva, porque a chuva tem horas que é danada”. Então passava lá, passava um período de marquise e renascia, depois voltava a luta já num outro segmento. Realmente teve esse período que eu voltei. Fui pro Ministério da Fazenda, que foi a época do Plano Cruzado, realmente foi muito importante. Um grupo de pessoas... Novamente a gente volta a se encontrar já nos 2000 e alguns deles viraram presidente do banco, Luis Carlos Mendonça de Barros, André Lara Rezende, Pérsio (Arino?). O André e o Pérsio eram os dois caras chaves da experiência do cruzado. Eu trabalhei em preços nessa época lá no Ministério da Fazenda, na época do plano mesmo, do Plano Cruzado. Aí voltamos, voltei pra cá, pro Rio e voltei pra área social. Carlos Lessa era o diretor, reencontro o Carlos Lessa lá, do Centro Cepal BNDES e tal, daquele início. A gente também fez a coisa do social com essa idéia dos projetos. Esse social vai até final de 89, noventa. Aí final de 89, noventa tem uma reformulação, o banco tem uma discussão, tinha as famosas equipes de transição, ia discutir no bolo de noiva, o Collor vira presidente da República, o Eduardo Mondiano vem como presidente do BNDES. Nesse finalzinho eu fui Chefe de Gabinete, porque o presidente do BNDES era o Márcio Fortes, nosso Deputado e o... Marcio Fortes sai da presidência no governo Sarney, Nova República e vem Nei Tavora que era diretor da área de infra estrutura, passa a ser o presidente do BNDES, nessa época eu era assessor do Vice Presidente que era o Bruno Nardini, tinha dado uma escorregada ali, realmente o Nei me chama para o Gabinete dele. Então no final desse período eu fui ser Chefe de Gabinete do Presidente do BNDES, Nei Tavora, na virada de 89 para noventa. Chefe de Gabinete no banco é uma função muito engraçada, porque você deve ser um pouco Oráculo de Delphos, as coisas passam lá e o presidente é o Delphos, a gente escuta, eu acho que a gente não deve tomar partido, mas deve ouvir exatamente, decantar aquilo tudo e contribuir para que a diversidade se mantenha, a heterogeneidade das análises, mas a homogeneidade na tomada e na execução das soluções. Aí é a coisa que algumas funções que a gente tem lá, quando está mais nos níveis de chefia avançada, de superintendência, gerências executivas, você passa a ter essas preocupações de incorporar um pouco o espírito da pessoa jurídica, aí você forma essa coisa de executar, levando em conta o que está sendo analisado internamente o que são as demandas da sociedade, as demandas do governo e fazer esse cadinho pra que a coisa continue, então aí em noventa eu virei Chefe do Departamento de Serviços Urbanos e vou trabalhar. Três coisas que eu, como economista, me enchem de vaidade e de orgulho que são os seguintes: eu participei ativamente da constituição da Linha Vermelha lá em 92 e do Metrô do Distrito Federal. Eu chamo de Metrô, “Metrô em Brasília? Brasília tem Metrô?” é que Brasília é um negócio engraçado, a gente só pensa no Plano Piloto, mas tem as cidades satélites e não é um metrô todo escavado, ele tem nove quilômetros só debaixo do eixo monumental, corre perto da W3 pra cima e vai para as cidades satélites de samambaia e de Ceilândia que é um Y. Integra e trás o carregamento do pessoal pra trabalhar e leva de volta.
P/1 – Principalmente o pessoal que não tem carro.
R – Principalmente do pessoal que não tem um apartamento funcional, que não tem carro, que não trabalha para o Governo do Distrito Federal, mas que trabalha nos bares, restaurantes, cinemas e também no governo e tal. Tem um carregamento muito grande que justifica. Carregamento é número de pessoas transportadas por minuto. Então se justifica ter como um eixo integrador num sistema tipo metrô. Então participei desse, participei das linhas de São Paulo e a Linha Vermelha que é uma história que merece um, por si só, uma entrevista a parte. Depois sei lá para onde que eu fui.
P/1 – Eduardo, eu vou pedir pra você falar de agora, pra gente ir terminando.
R – Daí dali… Que ano que é isso? 92. Aí fico em Serviços Urbanos e depois eu vou pra... Eu não me lembro exatamente, eu acho que em 93 eu fui diretor do Finamex. O Finamex vem a ser o antecessor do BNDES EXIM. Fazia exatamente a mesma coisa, que era o financiamento para exportação, pré financiamento, financiamento pós embarque da exportação. Fico lá até 96. Em 96 o Luis Carlos Mendonça de Barros vem presidente do BNDES e me convida e venho a ser Chefe de Gabinete, de novo. Nesse período - já virei amigo do presidente - do período 96 até ele virar Ministro das Comunicações.
P/2 – Você rodou bastante no banco.
R – É, aí fiquei ali e quando ele saiu, eu voltei pra Finame e fui diretor das Operações de Mercados Domésticos da Finame, que é o outro pé do financiamento dos equipamentos, tanto para exportação quanto para a economia interna. Isso é um falso dilema, é o financiamento da indústria de bens de capital tanto faz, se ela tiver competitiva, ou se é para exportação ou se é para reequipar o parque produtor doméstico. Da diretoria da Finame, agora na reestruturação que fundiu as empresas do banco, dentro dessa concepção integrada das dimensões do Planejamento Estratégico, aí eu passei a ser o Superintendente de relações e constituições financeiras, que tem a incumbência de normatizar a organização das operações com os agentes financeiros, que é através dos quais o BNDES consegue colocar 50% dos seus desembolsos anuais, justamente pela rede de agentes que garante capilaridade para os recursos, chegar a cada um daqueles municípios, a cada ruazinha onde tem lá o projeto e portanto atinge as tais duas dimensões fundamentais que são as empresas de menor porte nas regiões preferencialmente de menor desenvolvimento relativo. É isso que eu estou fazendo no momento.
P/1 – E esse número de operações do banco, nessa área agora que você está cuidando, você sabe me dar uma cifra?
R – Está dividido assim: são os chamados produtos automáticos, têm o processamento dos produtos automáticos é o Luis Antonio, que é essa parte de financiamento de máquinas ou de máquinas mais obras através dos agentes financeiros. E tem a parte de normatização de análise e concessão dos estudos para que a diretoria aprove os limites de créditos dos agentes financeiros. É nessa parte que eu estou, as normas e limites. O que a gente tem hoje? Tem 183 instituições financeiras credenciadas e com limite para operar os repasses do BNDES, através desses produtos automáticos diretas com as áreas produtivas, diretamente produtivas. SP1, SP2, infraestrutura, energia, logística, transporte etc. Aquilo tudo. Então diretamente metade do orçamento, a grosso modo, esse ano vão ser 28 bilhões, quer dizer 50% disso em projetos diretos e 50%, quatorze bilhões indiretamente por produtos estruturados, por produtos de renda variável ou por operações indiretas. Nas indiretas para micro e pequenas empresas, a estimativa nossa é 6,3 bilhões de reais esse ano. A idéia é em torno de 150 mil operações. Ano passado foram 5,8 bilhões em 137 mil operações em 2001 e agora em 2002 são 150 mil operações, 6,4 bilhões de reais. Essa coisa que é o conjunto das operações indiretas e espraiadas pela economia brasileira do BNDES.
P/1 – E tem alguma diferenciação entre as regiões?
R – A idéia é o seguinte: nós dividimos o Brasil, isso porque a gente chama de regiões de menor desenvolvimento relativo. Você tem as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, que são as regiões que estão precisando em termos de ritmo, de crescimento, elas crescem um pouco menos. Não necessariamente crescem, elas têm uma posição relativamente menor. Às vezes elas crescem mais que o Sul e Sudeste, mas elas têm uma posição de partida relativamente pior que o sul-sudeste. A idéia que você dá um tratamento, normalmente níveis de participação maior para... Níveis de participação no volume de recursos, pra essas regiões maior da que você dá para o resto do país. As empresas de menor porte, dá níveis de participação, porque isso é muito importante, porque o volume... Uma das questões do menor desenvolvimento é o fato que você tem menos capital próprio para colocar no empreendimento. Então a gente contrabalançar essa tendência natural, essa idéia de acelerar tudo. Você contrabalança essa menor participação de capital próprio aumentando o nível de participação que o BNDES pode oferecer aos empreendimentos com essas características. Então essa é a idéia de você dar um tratamento diferenciado pra essas regiões, que por si só teve a dificuldade de manter a dinâmica global de crescimento.
P/1 – Eduardo, eu vou terminar essa entrevista pedindo que você fale o que é o BNDES pra você.
R – Eu falando aqui eu vi que o BNDES é metade da minha vida. Estou com 56 anos e estou lá há 28 praticamente, 27, vai fazer 28. Se somar o tal ano do Centro Cepal BNDES vai dar 28, e são justamente os 28 anos que eu estava fazendo as coisas com mais lucidez e consistência. Então pra mim é fundamental, essa idéia do que eu sou hoje está intimamente ligada a essa minha prática desses últimos 28 anos do BNDES. É isso.
P/1 – Muito obrigada pela entrevista.
R – OK.Recolher