Desde que me entendo por gente, eu trabalho. A mãe levantava a gente de manhã e cada um tinha uma função. Dois iam tirar o leite das vacas, outro ia cuidar dos porcos, outro ia cuidar das ovelhas, outro ia dar comida para as galinhas. Quando terminava ali, “então agora é hora de ir pra r...Continuar leitura
resumo
Elias Alves da Rocha, nascido em 20 de Janeiro de 1935, em Pernambuco, filho de Firmino Alves Rocha e Gioventina Ferreira do Carmo, onde tiveram 21 filhos. Hoje casado há mais de 59 anos e pai de três filhas, contou sua história no Nordeste, como o famoso Capão, que alimentava mulheres que iriam ganhar neném e uma vaca que morreu entalada. Quando chegou a São Paulo, achou que isso tudo era uma loucura, ele que havia vindo da roça, em sua infância com seus irmãos, de diversão em diversão, adorava brincar ordenhando vacas, cuidando dos porcos e galinhas. Chegando aqui foi trabalhar em um restaurante e logo ingressou no exército por 11 meses. Sobre a história do bairro de Vila Maria, em seu passado tinha muitas enchentes e apenas uma linha de ônibus. Se na roça a vida não era fácil, São Paulo não parecia diferente, mas Elias superou e continua superando todos os obstáculos da vida ajudando pessoas e sua Igreja.
história
imagens (12)

Aniversário da filha caçula - Eliana
data (ou período): 13/06/1983 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Aniversário - Encontro de família
data (ou período): 13/06/1983 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Reunião dos amigos das filhas
data (ou período): Ano 1994 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Batizado do filho do Compadre - Júnior.
data (ou período): Ano 1986 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Cuidando dos bichos na infância
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Vila Maria e suas enchentes
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Elias Alves da Rocha
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Empresa e sua parceria com a Farmácia
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Elias Alves da Rocha

Aniversário da filha caçula - Eliana
As três filhas e uma amiga no Aniversário da mãe delas, no bairro Vila Maria.

Aniversário - Encontro de família
Sr. Elias gostava muito de reunir a família, comemorar o aniversário da filha e jogar conversa fora, no bairro Vila Maria.

Reunião dos amigos das filhas
"Para jogar conversa fora é sempre bom uma reuniãozinha, não importa se são meus amigos ou das minhas filhas. Em casa todos são bem vindos." Reunião no bairro Vila Maria, zona norte de São Paulo.

Baile de antigamente
"Antigamente acontecia muitos bailes para dançar, curtir, conversar e rir por demais." Baile no bairro Vila Maria, zona norte de São Paulo.

Batizado do filho do Compadre - Júnior.
Batizado do filho do compadre, na Igreja Nossa Senhora da Candelária, no bairro Vila Maria, zona norte de São Paulo.

Vaca morreu entalada
Uma vaca que morreu entalada em Pernambuco, que foi o maior ocorrido em sua cidade

Sr. Elias

Casa Dom Macário

Cuidando dos bichos na infância

Sr. Elias no Doma

Vila Maria e suas enchentes
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Empresa e sua parceria com a Farmácia
história na íntegra
- Vídeo na íntegra
-
Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
Depoimento de Elias Alves da Rocha
Entrevistado por Helen Lima dos Santos e Gabriel Guerra dos Santos
São Paulo, 7 de agosto de 2018
Entrevista ZN-HV001
Realização: Museu da Pessoa
P/2 - Boa tarde.
R - Boa tarde.
P/2 - Qual o seu nome e data de nascimento?
R - Elias Alves da Rocha. 20 de ja...Continuar leitura
Depoimento de Elias Alves da Rocha
Entrevistado por Helen Lima dos Santos e Gabriel Guerra dos Santos
São Paulo, 7 de agosto de 2018
Entrevista ZN-HV001
Realização: Museu da Pessoa
P/2 - Boa tarde.
R - Boa tarde.
P/2 - Qual o seu nome e data de nascimento?
R - Elias Alves da Rocha. 20 de janeiro de 1935.
P/2 - Quais são os nomes dos seus pais?
R - Firmino Alves da Rocha.
P/2 - E mãe?
R - Gioventina Ferreira do Carmo.
P/2 - Tem irmãos?
R - Tenho 21 irmãos.
P/2 - O que você e seus irmãos costumavam fazer quando eram crianças?
R - No Nordeste é diferente daqui de São Paulo. Lá as pessoas nascem e vão crescendo na roça. Vai crescendo e vai indo para a roça que na nossa época era coisa muito difícil. Quer dizer, eu vim a ser alfabetizado aqui em São Paulo depois de 25 ou 30 anos.
P/2 - E quando o senhor e a sua família vieram para São Paulo?
R - Primeiro vieram o meu irmão Lídio, o meu irmão Nestor e o meu irmão Zuca. Foram para o interior de Marília, ficaram lá vários anos e depois voltaram lá para Pernambuco.
P/1 - Como foi a sua adolescência?
R - A minha adolescência foi boa, viu. Porque depois de 5 anos a gente começou a ir para a roça acompanhar os mais velhos e conforme a gente ia crescendo a gente ia tendo contato com ovelha, cabra, galinha, porco; então, além disso, alimentava todos esses bichos aí. E quando ficava um pouco maior, a gente ia lidar com gado. A gente tinha umas vacas de leite, tinha boi de carro, arado, tinha vaca de leite, então a gente tinha uma vida normal na roça. Trabalhava muito. A gente plantava muito e colhia muito também, então a gente tinha sempre casa cheia. Mas lá em Pernambuco tem muita gente que não gosta de trabalhar, na época, e agora é pior ainda. Agora você não encontra mais gente para trabalhar. Hoje tudo mundo com esse negócio de bolsa família, ninguém mais quer trabalhar porque tem medo de perder a bolsa família. E, opinião minha, essa bolsa família é uma bolsa miséria, porque o cara deixa de fazer um monte de coisa por causa de perder essa bolsa família. Opinião minha. Que foi a coisa pior que apareceu, foi essa tal de bolsa família. E essa bolsa família está deixando a maioria dos nordestinos preguiçoso, para não falar outra coisa. Preguiçosos, eles não querem saber de trabalhar. Então, ficou nesse negócio aí. E o Lula hoje, é o pai deles.
P/2 - Seu Elias, voltando para a sua história que o senhor estava contando. O senhor estava dizendo criação de animais na roça e plantava. O senhor falou que trabalhava muito naquela época. Como vocês se divertiam?
1° trecho escolhido
R - A gente se divertia só na época do verão, que tinha os bailinhos dos amigos e a gente ia nos bailinhos. Ia para o rio tomar banho. Ia para os açudes, para os rios, tomar banho e para a colheita. A gente entrava as 6:00 da manhã e ia até as 7:00 da noite trabalhando. Tomava um bom café de manhã, a minha mãe fazia um cuscuz grande, cuscuz de milho. A gente ia tirar o leite das vacas, ela fervia o leite e fazia o café. Só ia para a roça, todo mundo, quando estava alimentado. Já levava água. As 11:30, ficava uma pessoa para levar o almoço, era uma bacia de alumínio grande, e colocava. Na época, lá só existia arroz para quem estava doente. A gente foi criado com feijão, fava e farinha de mandioca.
P/1 - Seu Elias, naquela época você tinha alguma namorada?
R - Depois dos 17, 18, arrumei uma namoradinha, mas não é como hoje não, era muito diferente de hoje. Tornou-se uma coisa banal, não é? Namorar hoje é coisa que foge completamente às nossas origens. E hoje mudou muito as coisas, a gente vê coisa tão estranha, igual aquela música do Tim Maia: “só não vale dançar homem com homem, mulher com mulher”. Está muito feia a coisa hoje. Eu vejo coisa aqui em São Paulo que eu nunca imaginei na minha vida.
P/1 - Seu Elias, qual é a sua primeira lembrança que vem a sua cabeça quando se fala em escola?
R - Vem lembrança boa porque aquilo que eu não tive eu dei para as minhas filhas. Eu trabalhei muito e continuo trabalhando até hoje. O trabalho não mata ninguém, não. Na fábrica eu entrava as 7:00 da manhã e saía as 10:00 da noite. Isso, foi durante quase 20 anos que eu levei essa vida. Mas eu formei as minhas três filhas e as três tem curso superior. E eu não dei curso melhor porque eu não tinha condições. A minha mais velha fez PUC, a minha do meio fez FASP e a minha caçula fez São Judas e fez uma outra, eu nãos estou lembrado agora. Todas elas tiveram bons empregos e hoje, graças a Deus, financeiramente eu nem preciso delas e nem elas precisam de mim. Eu devo muito a Deus de ele ter me encaminhado nesse caminho aí e ter uma vida maravilhosa.
P/2 - O senhor tem três filhas e o senhor já tem netos?
R - Tenho duas netas, um neto e um bisneto.
P/2 - E qual a diferença entre ser pai e avô?
R - Muita gente fala: “os filhos cresceram, acabaram os problemas”. Não, os filhos cresceram, o problema vai aumentando. Vem os netos, vai aumentando; vem os bisnetos, vai aumentando. Agora em janeiro nasceu o meu bisneto e ele nasceu de oito meses e a minha neta levou 45 dias, todos os dias ia da casa dela para a maternidade para cuidar do Bernardo. Levou 45 dias. E se a família não der uma boa cobertura. É por isso que muitas mulheres hoje, quando elas viram mães, elas caem em depressão. Caí em depressão porque não tem aquela devida cobertura da família. E muitas não têm famílias, a família está longe e entra em depressão. Tem mãe que não quer nem ver o filho, que eu escuto nas reportagens. Família é maravilhosa, mas dá muito trabalho.
P/2 - Quando o senhor se mudou aqui para o bairro da Vila Maria?
R - Quando eu vim de Pernambuco para São Paulo eu fui morar com um irmão meu lá no centro da cidade, na Rua Tabatinguera. Depois eu fui para o exército, fiquei 11 meses no exército, e depois o outro meu irmão que morava aqui na Vila Maria, nós mudamos da Tabatinguera aqui para a Vila Maria. E foi muito triste porque aqui era só barro. Aqui quando você pensava em chover, aqui já estava tudo inundado, era um negócio terrível. Chovia meia hora, estava tudo cheio da água.
P/2 - E o senhor gostava mais desse bairro ou de onde o senhor morava antes com o seu irmão?
R - Nós nos acostumamos tanto na Vila Maria que eu não mudaria para um outro bairro de jeito nenhum. Alguns amigos meu mudaram para o Jardins, para o Santana, mas terminaram voltando para cá, não se acostumaram. Além disso, a Vila Maria é um bairro muito perto da cidade.
P/2 - E como a Casa Dom Macário entrou na sua vida?
R - Eu vim aqui fazer um curso de informática. Eu vim aqui umas quatro ou cinco vezes e falei para o Edinho. “Agora não tem, agora não dá”. Até que um dia, de tanto eu insistir. Eu estou aqui há mais de 20 anos na Casa Dom Macário e nós fizemos coisas aqui na Casa Dom Macário que só a Casa Dom Macário para dar essa... Nós fizemos aqui o aniversário da Vila Maria, não sei se foi há quatro ou cinco anos. Fizemos aqui um bolo de 95 metros, foi cortado esse bolo todo em pedaços e foi servido a todo o pessoal que compareceu lá, diferente daquele lá do Bexiga. Aquele do Bixiga, ele terminava em cinco minutos, o nosso demorou umas cinco horas para terminar. E quando terminou, a gente cortava pedaços grandes e ia dando para as pessoas levarem para casa.
P/1 - Seu Elias, qual é a diferença do Dom Macário antes e agora?
R - A diferença é muito grande. Grande, grande. Inclusive o Antônio, quando ele veio aqui pela segunda vez, eu estava fazendo curso de panificação. E o Natanael me chamou e falou: “esse aqui parece que vem trabalhar junto com a gente”. Aí ele falou o nome dele, eu falei: “Seu Antônio, isso aqui é um gigante que está adormecido, precisa chacoalhar esse gigante aqui”. E o gigante foi chacoalhado. O gigante foi chacoalhado. Essa parte aqui, do ginásio, não tinha. Aqui era tudo de madeira, não eram poltronas, era tudo de madeira. As classes aumentaram muito. Quando eu entrei aqui eram seis classes, se eu não me engano. Hoje são 12. E o pessoal que vem aqui, é um pessoal que no início foi meio difícil o pessoal se habituar que aqui, a Casa Dom Macário, o aluno não pode usar sandália, chinelo de dedão, as meninas não podem usar minissaia, não podem usar camiseta curta, não podem usar boné os meninos, então aqui tem disciplina. Teve um caso aqui, faz dois anos, que uma menina, ela, sabendo que não podia, veio com uma bermuda que estava mostrando quase as partes, e o menino não deixou ela entrar. Aí ela foi para casa, falou para a mãe, a mãe venho aqui e vi um pouquinho pior do que a filha. Aqui tem um regulamento, quando você entra você recebe um regulamento. E o regulamento tem 20 artigos. E o Antônio falou para a mãe da menina: “leia o artigo 18”. Quando ela leu, ela deu meia volta volver, foi embora, nem tchau deu para o Antônio e sumiram as duas até hoje.
P/2 - O que o senhor aprendeu aqui?
R - Vocês sabem de uma coisa, quem faz o exército, quem serve ao exército tem uma filosofia de vida diferente. O pessoal acha que não, mas quem serve o exército sabe respeitar e sabe ficar no seu lugar. E aqui foi um aprendizado muito grande. Eu aqui, nesse período que eu tive aqui, que os cursos aqui eram de três meses e de um tempo para cá passaram para seis meses, agora são dois cursos por ano, antes eram quatro cursos por ano. E os cursos daqui quem souber aproveitar está tranquilo, sai com uma profissão que não precisa ficar por aí batendo atrás de emprego, tem emprego quase que garantido. Só aqueles que forem meio relapsos, esses aí não. Mas quem tiver um pouco de cabeça já sai com um emprego garantido.
P/1 - Com quantos anos você começou a trabalhar?
Desde que eu me entendo de gente é que eu trabalho, porque na roça não tem esse negócio, não. Quem não vai para o cabo da enxada, vai plantar feijão ou vai colher, vai colher das ovelhas, vai cuidar das galinhas, vai cuidar dos porcos. Então, na roça é diferente da cidade.
P/2 - Seu Elias, aconteceu alguma história quando o senhor estava na roça que foi engraçada, que o senhor lembra até hoje?
R - Lembro, lembro de tudo.
P/2 - Lembra uma história para contar para a gente.
R - A gente levantava de manhã, a mãe levantava a gente, e cada um fazia uma coisa. Dois iam tirar o leite das vacas, outro ia cuidar dos porcos, outro ia cuidar das ovelhas, outro ia dar comida para as galinhas. Cada um tinha uma função. E quando terminava ali, “então agora é hora de ir para a roça”. Então, ia para a roça de manhã só voltava à noite.
P/2 - Nessas idas para a roça, ou lá trabalhando, aconteceu algum fato inesquecível, marcante? Um causo?
R - Uma vaca que engoliu um negócio e morreu entalada. E essa vaca era uma das vacas melhor de leite que a gente tinha e essa vaca morreu engasgada.
P/2 - O senhor estava perto?
R - Juntou todo mundo. Todo mundo do bairro ficou sabendo e veio encostando, tinha mais de 100 pessoas. E não conseguimos desentalar essa vaca e a vaquinha morreu.
P/2 - O senhor tinha que idade nessa época?
R - Já tinha uns 15 para 16 anos. Mas a gente tinha cavalo de sela, tinha boi de carro, tinha arado, tinha vaca de leite, tinha tudo dessas coisas aí. A gente tinha tudo ali.
P/2 - O que o senhor mais gostava de fazer?
R - O que eu mais gostava de fazer era andar a cavalo. Não tem coisa melhor do que andar a cavalo.
P/2 - Quando o senhor conheceu a sua primeira namorada?
R - Foi lá mesmo, era uma vizinha nossa. A gente namorou um pouco, mas depois eu vim para São Paulo. Ela ficou lá e eu vim para cá.
P/2 - E a sua esposa?
R - A minha esposa é daqui. Ela é daqui da Vila Maria. Eu trabalhava na fábrica e ela ia levar almoço para o rapaz que trabalhava lá, ia junto com a mulher dele. Ia levar o almoço para ele e lá nós nos conhecemos e à primeira vista eu levei um não. E na segunda vista eu dei um não nela. Depois de muito tempo, nós recomeçamos e aí casamos.
P/2 - Como foi essa história de levar um não e dar um não?
R - “Não é hora ainda, porque eu sou muito nova”.
P/2 - Quantos anos vocês tinham na época?
R - Eu tinha saído do exército, eu estava com 22 anos e ela estava com 17. E ela falou que era muito nova, eu falei: “tá bom”. Depois eu arrumei uma outra aqui, mas essa daqui era muito brava, então eu deixei ela para lá, falei: “fique você para lá que eu fico para cá”.
P/2 - E como foi o seu não para a sua esposa na época?
R - Ela mandou umas cartinhas e eu falei que não era tempo, que a gente tinha comprado uma casa aqui na Vila Maria, eu falei: “nós compramos agora uma casa, estamos trabalhando, pagando a casa, não dá para namorar e casar agora não, espera mais um pouco”.
P/2 - Foi assim de dar um troco para ela ou não? Foi sincero?
R - Não, é que nós tínhamos comprado uma casa mesmo. A gente havia comprado uma casa aqui, na Rua Palmira, e nós estávamos em cinco aqui trabalhando e a gente estava trabalhando, todo mês um dava um pouco para pagar a prestação da casa. Depois nós vendemos essa casa e compramos uma outra melhor e depois é que nós tornamos ao namoro. E depois de um ano e quatro meses, nos casamos.
P/1 - E vocês estão quanto tempo casados?
R - Vai para 59 anos. Casamento é bom, mas casamento dá muito problema. Casamento é uma coisa que se os dois não cederem, não vai. E a gente engole muito sapo. O casamento é bom, mas é ruim. É ruim porque se você não tiver a consciência que é dever dos dois, não consegue ficar junto, não.
P/2 - O senhor tem algum momento marcante durante o seu casamento?
R - Tenho. Eu tenho muitos momentos bons. A primeira filha que nasceu, é uma emoção diferente, gente. Você ver nascer um filho é uma emoção diferente. Depois veio a segunda e depois veio a terceira. Aí paramos porque se fosse deixar, ia fazer igual ao meu pai.
P/2 - O senhor falou que trabalhava numa fábrica, do que era essa fábrica?
R - Era fábrica de plástico. Quem lembra das máquinas Bendix? Máquinas de lavar. Você lembra? Fazia aquele material preto do agitador, a gente fabricava. E fabricava o material para fazer o interruptor de luz e o espelho. A gente fabricava várias cores de material para fazer espelho e fazer interruptor.
P/2 - E o senhor fazia o que nessa empresa?
R - Eu comecei como operário da fábrica e terminei, naquela época, era mestre geral. Eu terminei como encarregado geral da fábrica e tudo que passava na fábrica, passava na minha mão. O dono, se ele queria qualquer coisa ele vinha falar comigo. E na fábrica foi muito bom que eu tinha muito pedido e a produção era mais ou menos, então eu fiz uma reunião com o dono, falei para ele: “que tal se nós déssemos um prêmio de produção para eles entre o pagamento e o vale?”. Na minha época, você recebia o pagamento no dia 5 e o vale dia 15, ou dia 10 e dia 25, dependia da fábrica. Você tinha o pagamento dia 10 ou dia 5 e o vale dia 20 ou dia 25. E aí nós fizemos um prêmio de produção para eles. E durante esse tempo, com esse prêmio, a gente terminava a produção, a produção era de segunda a sábado e a gente terminava sábado arranhando, às vezes nem dava para terminar. Com esse prêmio de produção, nós conseguimos, na sexta-feira fechava a produção, já começava a produção da semana seguinte. Outra coisa, eu levei três anos para formar um grupo de trabalho, porque eles puseram o nome de peão de fábrica. É brincadeira. Lidar com peão de fábrica, peão em geral, é a coisa pior do mundo, não tem coisa mais desgastante. E eles faziam o seguinte: tinha deles que a mulher estava doente, ou o filho, eles traziam a receita médica, levava no escritório, fazia um vale e dava para eles. Eles, ao invés de comprar o remédio para a mulher ou para a filha ia tomar de cerveja. Então, a gente optou por um outro sistema: fomos em uma farmácia, conversamos com o dono e ele fazia o seguinte: levava aquela receita e ele dava o remédio e passava no escritório, fazia o vale. Ao invés de dar o dinheiro, dava o remédio. E foi aumentando. Caiu mais de 80%. Ninguém mais queria remédio, quer dizer, eles queriam o dinheiro para tomar cerveja. E demorou três anos para fazer uma turma boa. Fizemos uma turma que se eu tivesse, a produção saía; se eu não tivesse, saia do mesmo jeito. Então, a obrigação era um corrigir o outro. Chegava entre o vale e o pagamento, vinha aquele prêmio de produção e o prêmio de produção era tudo igual, não tinha um ganhar mais, porque se fizesse um ganhar mais e o outro ganhar menos, aí a encrenca estava formada. “Você ganha mais do que eu, você tem que trabalhar mais do que eu”. Então, o prêmio era igual. E um corrigia o outro. O cara estava de corpo mole, “Fulano, assim não dá”.
P/2 - Depois de tantos anos que você ficou nessa firma, se aposentou, você ainda tem contato com algum membro da firma?
R - Tenho ainda com alguns operários.
P/2 - Mas marca de se encontrar, de conversar, telefona?
R - De vez em quando a gente se encontra. Naquela época, para comprar um terreno para fazer uma casinha, era a coisa mais fácil do mundo. Inclusive, a gente fazia um mutirão. Digamos assim, você comprou um terreno, a gente fazia um mutirão para cavar um poço. Cavava um poço, já tinha água para fazer a massa para assentar o tijolo. Aí vinha o pedreiro, marcava, fazia o alicerce, fazia um quarto, sala, cozinha e banheiro, aí já saía do aluguel. E todos aqueles que fizeram isso saíram bem, mas tiveram muitos que não fizeram isso, preferiam ir para o bailinho no fim de semana.
P/2 - Para fazer as casas era um mutirão também?
R - Mutirão.
P/2 - Os amigos? Conta como vocês faziam.
R - Digamos assim, você comprava um terreno. Primeira coisa: fazer o poço. Então, comprava os tubos, iam lá cinco ou seis com destino a trabalhar mesmo e cavava o poço. Quando dava água, aí a água subia e já estava o poço feito. Então, fazendo o poço, era a primeira coisa que tinha que fazer quando comprava o terreno. O poço para tirar a água para fazer a massa para assentar o tijolo. Levantava e já ia comprar o material para o telhado, comprar caibro, madeira para fazer o telhado. Madeiramento depois as telhas, depois fazia o piso, colocava as portas e janelas, nem rebocava, e já ia morar; saía do aluguel, então já era um dinheirinho a mais para tocar a vida.
P/2 - E quem construía a casa?
R - Tinha sempre um pedreiro no meio. Tinha sempre um pedreiro no meio e ele é que dava as coordenadas.
P/2 - Mas vocês ajudavam?
R - Ajudava. Terminava de um, começava a de outro. Era um negócio bem feito. E todos eles que fizeram a casinha, saíram bem. Um dia encontrei com um que ele parecia cigano, estava sempre mudando. Eu falei: “falta de conselho não foi porque nós falamos para você para que você comprasse um terreninho também igual os outros compraram, mas você só queria saber da farra, então você parece cigano”. E hoje, é o seguinte, quem comprou um terreninho naquela época, comprou; quem não comprou, não compra mais. Hoje você se mete nessas Minha Casa Minha vida, eu costumo dizer que aquilo lá é “minha casa meu inferno”. Aqueles que não podem pagar, antigamente, quando era tempo do BNH, você ficava lá e ninguém tirava você de lá. Mas hoje, você deixou de pagar seis meses, a Caixa e o banco vão lá e põe você para fora. Então, por isso que essa Minha Casa Minha Vida é um negócio terrível.
P/2 - O senhor falava que alguns trabalhadores dessa empresa iam para os bailinhos, o senhor nunca chegou a ir?
R - Não, não dava tempo. Os nossos bailinhos eram nas casas dos amigos, de vez em quando. A gente trabalhava muito, mas muito mesmo.
P/2 - E como funcionavam esses bailinhos nas casas dos seus amigos?
R - Tinha sempre um sanfoneiro. O sanfoneiro arrastava o fole e a turma ia até amanhecer do dia. Eu estou esquecendo, outros faziam a casa de pau a pique, já ouviu falar? Casa de pau a pique? É casa feita com barro. Em vez de tijolo é barro. É a mesma coisa da casa de tijolo, só que a parede é feita de barro. Você faz um entrançado de madeira e vai tacando barro e vai fazendo. Quem fazia casa de pau a pique, de sábado a gente trabalhava fazendo as paredes até as 4:00, 5:00 da tarde, quando terminava ali ia se preparar para o baile à noite. Todo mundo ia tomar banho, ficar cheiroso, para ir para o baile à noite. Mas essa casa de pau a pique é onde surgia muito bicho barbeiro. Vocês escutam falar em bicho barbeiro? Não? Porque aqui em São Paulo está aparecendo bicho barbeiro outra vez, não é? A casa de pau a pique de sapé dá muito bicho barbeiro. E o bicho barbeiro ele pica você, o seu coração vai crescendo pouco a pouco e quando ele fecha o tórax você morre. Uma irmã da minha sogra, com 36 anos ela morreu com a picada do bicho barbeiro. E não tem remédio para o bicho barbeiro, é um bicho danado.
P/2 - Eu vou voltar um pouquinho, o senhor chegou aqui com 18 anos mais ou menos?
R - 18 para 19 que eu cheguei aqui.
P/2 - Quando o senhor chegou aqui, qual foi a sua impressão quando o senhor chegou em São Paulo, a sua sensação?
R - Gente, é uma loucura isso aqui. Você fica pasmo. Você vem lá da roça para cá você fica pasmo. E hoje você vê esse mundão de concreto, pelo amor de Deus.
P/2 - Mas quando o senhor chegou, conta o dia logo que o senhor chegou.
P/3 - Sua primeira impressão.
R - Minha primeira impressão, eu falei: “será que eu vou acostumar aqui?”. Mas quando o lugar é bom a gente acostuma, não é? Cheguei aqui, no dia seguinte fui trabalhar em um restaurante. Um amigo nosso era cozinheiro e me levou para lá, eu fui para lá, fui trabalhar na copa, e trabalhei lá uns quatro ou cinco meses, e depois que eu fui para o exército, todo o fim de semana eu ia ganhar um dinheirinho no restaurante.
P/2 - O que o senhor fazia lá no restaurante?
R - Lá eu servia, lavava copo, lavava prato, fazia de tudo. Porque a gente era acostumado a fazer essa coisa lá. Lá em Pernambuco a gente era acostumado a lavar prato. E naquela época em Pernambuco, as panelas eram tudo panela de barro, não tinha panela de alumínio, não. Era tudo panela de barro. A gente matava porco, a minha mãe assava tudo aquilo lá na gordura do porco e colocava aquilo lá ou numas panelas de barro grande ou em lata, que era difícil encontrar lata, e com a própria banha do porco, ela cobria aquela carne e aquela carne durava um ano, se fosse possível. É como se fosse um presunto. Tanto carne de vaca, quer dizer, lá é carne de boi, como carne de porco. Então, ela deixava lá, quando precisava cortava um pedaço, ia lá no fogão a lenha, esquentava e dava para a turma.
P/2 - Já era cozida a carne?
R - A carne era assada e deixada naquela gordura. E cortava os pedaços, esquentava e era a mistura da fava ou o feijão com farinha.
P/2 - E o senhor, vendo que a sua mãe fazia tantas comidas saborosas, o senhor pegou alguma aptidão dela?
R - Sim, a gente faz alguma coisa boa.
P/2 - O que o senhor gosta de fazer?
R - Eu gosto de fazer carne de galinha, uma galinhada. É muito bom uma galinhada. Lá tem um outro detalhe: quando a mulher vai ganhar neném, tem sempre de 30 a 40 capão. O que é capão? Capão é frango, quando ele está mais ou menos com uns 40 ou 50 dias, então tinha aquelas senhoras que capam. O capão fica igual uma galinha, ao invés de ele virar galo, as mulheres capam ele, tiram os grãozinhos dele e ele vira como se fosse uma galinha. Ele pode até chocar. E as mulheres, quando vai ganhar neném, aquelas que podem, tem no mínimo 40 capões no chiqueiro. E aquilo ali é criado com milho e inclusive o milho para dar para os capões, para ele engordar, é milho aquecido na água quente e ele cresce. Você sabe que o milho, você deixa ele na água ele cresce? E na água quente ele cresce mais ainda. E não pode dar ele quente que o papo do capão cresce. Não pode, tem que dar sempre frio. Não pode dar quente que ele empapa e morre.
P/2 - E porque eles faziam isso para as grávidas, para as que iam ter bebê?
R - O sistema era esse, a mulher vai ganhar neném, ela fica 40 dias só comendo pirão de capão. O sistema lá é esse. A mulher fica lá só cuidando do pequeno e comendo capão.
P/2 - A sua esposa chegou a comer capão?
R - Não, aqui não. Aqui não tinha jeito porque são coisas diferentes, são costumes diferentes.
P/2 - Seu Elias, o senhor falou da sua mãe, que lembranças o senhor tem dela além da comida?
R - A minha mãe, eu converso com ela todos os dias. O coração dela, no tórax dela é pequeno. Como a gente trabalhava muito, a gente colhia 150 sacos de feijão – sacas de 60 quilos -, 100 sacas de milho, 50 sacos de fava e a gente tinha quatro vasos. A gente tinha um armazém grande, o nosso armazém era mais ou menos isso aqui, era mais profundo. Você sabe o que é rede? O armazém tinha 28 armadores de rede. E aqueles armadores de rede, com 28 armadores, às vezes era pequeno, às vezes tinha que cruzar as redes, quando era época de safra que vinha o pessoal de fora para trabalhar para a gente e a gente tinha que cruzar as redes. A minha mãe fazia comida para essa turma toda e ela não reclamava de nada. E quando a coisa apertava muito, ela chamava duas comadres para ajudar ela, para dar comida para essa turma toda. E ela não tinha uma pessoa que chegava lá, porque aquele pessoal de lá, que não gosta de trabalhar, pede. Os mesmos que pedem aqui, pedem lá também. “Dona Gioventina, me arruma um cozinhadinho de feijão?”. E ela não dava só o feijão, ela dava o feijão, dava o sal, porque eles não tinham nada. O leite das crianças, a gente tirava e de manhã cedo, o primeiro leite que saía, era para as crianças. E aquelas crianças eram todas afilhadas da minha mãe. Eles davam porque sabia que ali saia algumas coisas para eles. A gente falava para eles prenderem os bezerros, prender as vacas, porque a pior coisa que tem é prender bezerro na época de chuva, você não consegue prender.
P/2 - Por quê?
R - Porque eles não vêm para o curral de jeito nenhum. Então, a gente prendia as vacas no curral. E às vezes tinha lama no curral, a gente saía de lá, já pegava um balde com água para lavar as tetas da vaca para poder tirar o leite. O bezerro tem que primeiro mamar um pouco para depois começar a tirar o leite. A gente já ia prevenidos.
P/2 - E do seu pai, o senhor tem lembranças?
R - O meu pai eu tenho lembrança dele, era um morenão, mas muito trabalhador. Eu lembro muito bem dele. Ele era muito respeitado ali na comunidade. Porque a maioria daquele pessoal era tudo compadre, um batizava o filho do outro. Era tudo compadre e comadre. Ali não tinha encrenca, mas tinha os preguiçosos no meio.
P/2 - Por que o senhor quis vir para São Paulo?
R - Aconteceu um fato interessante, vai servir até para a gente dar risada. Os meus irmãos iam casando e iam cada um para sua casa. E nesse ano aí, nós trabalhamos muito nesse ano. Nós arrumamos umas terras novas e nós fizemos uma safra, colhemos 150 arrobas de algodão. Vocês já viram aquela coisinha de branca de algodão na roça? Você nunca viu? Colhemos 150 arrobas de algodão. 150 sacos de feijão. E esse meu irmão que casou, ele vendeu uma boa parte. O nosso hábito era deixar uma boa parte da colheita guardada para se, por acaso, não chovesse, viesse a seca, a gente tinha mantimento para o outro ano. E esse meu irmão ele vendeu uma parte de lá e tomou conta de tudo, não deixou nada para a gente. Aí eu falei: “mãe, eu não vou ficar aqui mais, não”. Ela falou: “por quê?”. “Você viu o que o Ferreira fez? Nós trabalhamos tanto e ele passou a mão em tudo e a gente ficou sem nada”. Eu falei para ela: “amanhã” - o outro meu irmão - “o João casa, faz a mesma coisa”. Eu falei: “eu não vou ficar aqui mais, eu vou embora”. “Mas não faça isso”. Eu falei: “vou, vou embora”. E eu vim para cá e, junto com o meu irmão, incentivei o meu irmão trouxemos toda a turma para cá. Vieram as minhas irmãs, vieram os meus dois irmãos, veio a minha mãe. E foi essa casa que nós compramos, que nós nunca tínhamos morado de aluguel, a gente sempre tinha casa própria. E nós aqui trabalhamos muito e compramos essa casa aqui na Rua Palmira.
P/2 - Em questão do bairro da Vila Maria, o senhor relatou que houveram muitas mudanças.
R - Muitas. A primeira linha de ônibus da Vila Maria, um tal de Poeirinha, ele veio lá da Vila Munhoz. Tinha uns quatro ou cinco ônibus. A primeira rua a ser colocada paralelepípedo, foi a Rua Curuçá. Aí depois apareceu o Alto do Pari como ônibus, esse aí foi bom. E tinha o bonde, tinha três linhas de bonde. Tinha o bonde Casa Verde, o 61, tinha o Praça da Sé, 34, e tinha o Mooca, 8. Tinha um bonde daqui da Vila Maria que ia para Mooca. Aqui na Araritaguaba subia um bonde, ia até o Paulo Egídio. Na Maria Amélia ia um bonde até o Santo Antônio. O bonde Casa Verde, ele ia até o Santo Antônio.
P/2 - Por que que chamava poeirinha?
R - Poeirinha por causa do bairro, fazia sol e era só poeira que saía. E depois veio o João Vieira de Almeida. Mas aí, com o governo do Jânio Quadros, ele começou a asfaltar algumas ruas aqui na Vila Maria. Eu não diria 100%, mas 80% dos votos da Vila Maria eram do Jânio Quadros porque ele asfaltou aqui algumas ruas, criou algumas escolas e deu uma boa melhorada no bairro. A primeira escola aqui na Vila Maria foi aqui na Rua Dias da Silva, tinha um grupo grande. Depois veio o João Vieira de Almeida.
P/2 - A fábrica que o senhor trabalhava era aqui mesmo?
R - Era aqui na Vila Maria.
P/2 - E o senhor ia como para a fábrica?
R - Eu ia ou de bicicleta ou a pé, que era perto.
P/2 - Seu Elias, a gente está querendo saber como era aqui a Vila Maria quando o senhor veio morar aqui. O senhor falou do transporte, falar das outras coisas.
R - Aqui na Vila Maria, mulher, se eu falar você não vai acreditar. Vinha um caminhão pipa à noite, tinha umas caixas da água que esse caminhão trazia água para todas as ruas aqui na Vila Maria, um dia sim, um dia não. Às vezes ele vinha de madrugada, era uma correria danada, que a água aqui é salobra, nem para lavar roupa, nem para lavar louça não serve. E vinha esse caminhão trazer água. Às vezes dava até briga, quem pegava mais e quem pegava menos. E como a gente não gosta de encrenca, então nós falamos com o motorista, se a gente colocasse uma caixa na casa, ele falou: “eu encho, pode deixar que eu encho para vocês”. Então, nós conseguimos uma caixa. Compramos uma caixa, colocamos lá e ele colocava lá e a gente filtrava a água, ou fervia, mesmo assim a gente filtrava ou fervia a água. As ruas aqui eram lamentáveis. O lixo aqui, ele era coletado em carroça puxada a burro. O leite aqui, os padeiros, era tudo à base do cavalo a entrega de leite, de pão. Aqui não era supermercado, era empório. Aqui na Vila Maria tinha uns dez empórios e você fazia a sua compra e o dono do empório ia levar na sua casa.
P/1 - Seu Elias, quando surgiu o primeiro supermercado?
R - O primeiro foi o mercado aqui que hoje é a Marabraz aqui da avenida, foi o primeiro mercadão da Vila Maria. Hoje é a loja Marabraz. Depois veio o Eletroradiobraz, que era loja e mercado, depois veio o Pão de Açúcar, veio um monte de supermercado aqui. Mas o maior que apareceu aqui, primeiro foi o Carrefour, depois o Makro. Haja vista que o Precito era um empório e hoje é um mercado muito grande.
P/2 - E de lazer, o que tem a Vila Maria?
R - O único lazer que tinha aqui na Vila Maria na época, foi o clube Vila Maria, que tinha piscina, e que eu fui sócio muito tempo, fui diretor também do Vila Maria. Agora, há pouco tempo, apareceu o Trote, que hoje tem um pouco de lazer no Trote, mas o Trote está muito abandonado.
P/2 - O que é o Trote?
R - O Trote era onde tinha os cavalos que troteavam com a carroça. Esse Trote ficou muitos anos aqui na Vila Maria. Na época da Marta, a Marta comprou porque o Trote o pessoal achava que ele foi grilado, mas ele não foi grilado, o dono do Trote comprou o Trote. E como eles estavam com os impostos atrasados, a Marta comprou por 170 milhões e o Serra, quando ele entrou, ele fez uma outra proposta para o dono do Trote e pagou 70 milhões. Hoje o Trote é da prefeitura e hoje não pode mexer mais nele porque ele é patrimônio histórico. Inclusive, as cocheiras eram para ser todas modificadas, modificadas originalmente. Porque como ele foi tombado pelo patrimônio histórico, não pode mais mexer nas cocheiras. E foi feita a parte de cá, onde eu participei da diretoria do conselho e apareceu um conselheiro muito bom e nós fomos eleitos, que só pode ser eleito duas vezes. Tudo que foi feito no Trote foi na nossa gestão. Quando nós saímos não fizeram mais nada no Trote, que aquilo ali quem fez foi a Cirela. A Cirela fez aquilo lá para construir uns prédios onde tinha o (Nascente) [00:52:07], que era aqui. Eram loja, era um tipo de um Makro, aí o negócio foi caindo, até que fizeram um prédio do lado do Trote que era para hospedar o pessoal que vinha fazer compras, como se fosse a 25 de Março, que a maioria está aqui agora, na Vautier, e foi feito esse prédio, está abandonado o prédio. Já invadiram três vezes, foram postos para fora e agora foi alugado para uma empresa de aluguel. Eles têm caminhão, tem carro, tem tudo lá alugado. É como se fosse um estacionamento hoje. E aí está uma encrenca danada porque eles queriam fazer 32 torres de 28 andares e nós embargamos, você acredita?
P/2 - Por que vocês embargaram?
R - Nós embargamos porque como aqui é patrimônio histórico, eles não podem fechar igual fecharam o Piquiri. O Piquiri eles engavetaram, está encaixotado o parque Piqueri. Eles só faltaram levantar prédio dentro do parque. Inclusive, tem um prédio lá que está condenado, aquele prédio não vai sair mais. A mesma coisa fizeram com o aeroporto. Quem veio primeiro: o aeroporto ou os prédios em volta do aeroporto?
P/2 - Seu Elias, como que foi crescendo Vila Maria?
R - Bairro de português não cresce. Bairro de português é cortiço e fazer o mínimo de benfeitoria. Começou a crescer depois que apareceram alguns construtores bons e foi crescendo. E hoje já está crescendo demais já. Tem muitos terrenos já pronto para fazer prédio. Outro dia o rapaz estava falando que tem projetos de mais de 50 prédios aqui.
P/2 - Agora, o senhor falou que vocês conseguiram embargar de não construir, por que vocês acham que tem que preservar esse lugar?
R - Foi feito um projeto para deixar 30 metros vão livre para construir. Sabe o que acontece? Fica abafado, não corre ar se fizer esses prédios aí, 32 prédios de 28 andares.
P/2 - Mas eu digo, por que vocês acham importante preservar esse patrimônio, em não mexer?
R - Mas dizem, eu escutei um outro dia, que a prefeitura parece que vai fazer Minha Casa Minha Vida, parece que 28 prédios, mas de poucos andares, vai fazer. Mas isso aqui é projeto que vai demorar muito tempo, a prefeitura não tem dinheiro para nada, como é que ela vai fazer esses prédios aí?
P/2 - Falando um pouco da Avenida Guilherme Cotching, bem na ponta tem a igreja.
R - Que era uma capelinha pequena. Na época da fundação da Dom Macário, que foi fundada por um padre alemão que hoje tem o nome aqui, o Dom Alberto. Dom Alberto e Dom Macário, os dois. Foi fundado pelos dois. Depois é que veio a candelária que cresceu muito também. E a Guilherme Cotching tinha duas linhas de bonde, de um lado tinha uma estrada de terra, outra aqui de terra. Depois de muito tempo, quem fez esse trabalho na Guilherme Cotching, foi o Faria Lima que fez. Ele alargou, que hoje é uma avenida larga. Foi ele que fez esse asfalto aí. O Jânio Quadros fez a ponte e o Faria Lima fez o asfalto. Ali, em frente aonde era o Nadir, era uma ponte de madeira. Teve um ano que choveu tanto que a madeira não aguentou o bonde e os bondes de lá vinham até a ponte e os de cá faziam daqui para lá, de lá para cara. Ficou uns bondes para lá e outros bondes para cá.
P/2 - E as pessoas, para passar?
R - Passava a ponte que não caiu, pedestre podia passar. Não podia passar o bonde, nem caminhão, nem carro, que iam lá para o lado da ponte ali do Canindé, então os caminhões e ônibus passavam por lá. Até que fizeram a ponte aqui da Vila Maria e hoje ela tem o nome de ponte Jânio Quadros, que foi ele que fez essa ponte aí. Asfaltaram, foi uma pena tirar os bondes daqui. Foi uma pena tirarem os bondes daqui, era bom andar de bonde.
P/2 - Como era andar de bonde?
R - Andar de bonde, você sentava naquele e o bondista era o breque, do bonde. Quem dirigia o bonde eram os portugueses, os portugueses de bigodão. Eram eles que dirigiam os bondes. E os bondes terminaram vai para mais de 50 anos. Hoje tem dois bondes lá na garagem, ali no Canindé, onde era a garagem dos ônibus, hoje tem dois bondes.
P/2 - Era aberto do lado?
R - É, do lado. E tinha os bondes fechados que vinha da Praça João Mendes até o Largo 13, em Santo Amaro. Tinha uma pista de bonde que ali eram só os bondes.
P/2 - E teve alguma história marcante andando de bonde?
R - A gente via muita encrenca nos bondes. E andava muita mulher bonita nos bondes, mulher de chapéu. Era gostoso andar de bonde.
P/2 - Por que tinha encrenca? Conta uma que você viu.
R - Falta de pagamento. O cobrador com os passageiros. Pagou, não pagou. Porque eles tinham uma alavanca, que conforme você recebia, o cobrador, tinha uma alavanca que ele puxava e registrava lá na frente. E o cobrador falava: “tem tantas pessoas aqui, você não pagou”. Eu sei que saia cada encrenca dos diabos. O cara sentava e ficava esperando, o cobrador chegava e pedia o dinheiro. Se não pedisse o cara não dava. Naquela época já tinha gente ruim.
P/2 - E pulavam do bonde?
R - Pulavam. Antes do bonde parar, eles pulavam. Eu fui diretor do Vila Maria durante 15 anos. Eu fiz 15 bailes de carnaval no Vila Maria. Baile do carnaval e aquela festa de frutas... é uma festa antes do carnaval. Eu fiz 15 carnavais no Vila Maria e trabalhei 13 anos à noite no baile. O melhor baile de São Paulo era o baile do Vila Maria.
P/2 - Por quê?
R - O baile da velha guarda, era o melhor baile. Nem o baile daquele que tinha as mulatas, nem o baile dele, que era de sábado, era melhor do que o nosso aqui na Vila Maria.
P/2 - Por que era bom? O que acontecia que era tão bom?
R - Os frequentadores. Uma turma da velha guarda, mas uma turma de respeito. Vinha gente da Lapa, vinha gente de tudo que era lugar aqui para o baile do Vila Maria. Era um baile de respeito. Até hoje, ainda é um dos melhores de sábado, até hoje ainda é um dos melhores aqui de São Paulo.
P/2 - E carnaval, teve alguma história de baile de carnaval que o senhor lembra que aconteceu? Um acontecimento, um caso.
R - No carnaval tinha muita encrenca, os caras bebiam mesmo. Baile de carnaval, como não para, quase que ninguém via as encrencas. Saía a encrenca lá dentro, os caras já puxavam para fora, porque era tudo mais ou menos amigos, então quem brigava era quem vinha de fora. E aquele salão da Vila Maria ficava lotado. Aquilo lá ficava igual uma lata de sardinha e às vezes aparecia um sangue ruim, saía a briga, a turma já grudava o cara e jogava para fora. Então, tem essas coisas do Vila Maria.
P/2 - E as fantasias, como eram as fantasias?
R - As fantasias eram domingo, a criançada. Aquela que estava mais bem fantasiada, ganhava, tinha sempre um prêmio para as crianças. E tinha o baile juvenil, que era à tarde, e tinha o baile da noite. Esse da noite ia até as 5:00 da manhã.
P/2 - O senhor gostava de carnaval?
R - Eu trabalhava no caixa. Eu sempre trabalhei, não é? Eu trabalhava no caixa.
P/2 - Nem dançava.
R - Não. As minhas filhas vinham, dançavam, mas eu não, eu ficava no caixa. Eu tenho uma foto com o Mário Covas, com Ulysses Guimarães, com José Storopoli e o Wadih Mutran, que é meu amigo. O Wadih Mutran foi vereador aqui eu acho que em sete gestões. E até hoje ele é meu amigo. Ele tem o comitê aqui na avenida ainda, de vez em quando eu vou lá bater um papinho com ele.
P/2 - Falando do Dom Macário, você começou aqui há alguns anos atrás fazendo curso. O que é o Dom Macário para você?
R - O Dom Macário é a minha segunda casa, ou às vezes, igual a minha casa. Eu me sinto tão bem aqui no Dom Macário. Eu acho que a única pessoa que entra aqui, conversa com o Antônio, conversa com Natanael, conversa com o Alan, conversa com os professores sou eu. Eu acho que aqui não vem ninguém assim, não? Vem alguém assim?
P/2 - Por que o senhor gosta tanto daqui?
R - Eu não sei. Eu gosto de coisa boa. Tem duas casas aqui na Vila Maria que eu admiro. É aqui, a Casa Dom Macário, e minha capelinha que eu frequento, que eu vou às missas todos os domingos. Essas casas são duas casas bem suadas. Tem época que os alunos vêm para cá só por causa do almoço, da janta e do café. Tem gente que vem aqui só por causa disso. E também tem mais uma, faz-se um prato todo dia, muda o cardápio, e tem aluno que na casa dele não tem o cardápio que tem aqui e ainda fala que a comida não está boa, você acredita?
P/2 - O senhor viu fundar aqui? O senhor viu quando tudo começou aqui?
R - Eu vim quando aqui tinham seis salas de aula. E hoje tem 12. Então, eu acompanhei tudo isso aqui, essas reformas feitas aqui, esse ginásio. Então, eu acompanhei tudo. A sala de dentista, o pessoal da música. Eu sei de coisa aqui que nem o professor sabe.
P/2 - Fala uma.
R - Não, eu não posso falar.
P/2 - Agora deixou a gente curioso. Não é assim um segredo, uma história.
R - História de um jovem extraviado, que o Antônio ficou muito bravo. O Antônio ficou muito bravo com esse jovem extraviado, que ele começou a falar um monte de bobagem na sala de aula e o Antônio falou: “mas não é possível um negócio desse, esse cara vem para bagunçar o coreto aqui”. E outra história, de professor – aqui é instrutor, para mim é professor. Não sei se é verdade, mas parece que ele queria seduzir a menina, uma mocinha de 14 ou 13 anos e o Antônio ficou muito P da vida com essas coisas aqui. Tem umas coisas aqui interessantes. E eu estou a par de tudo. O que acontece aqui é o seguinte, aqui é uma casa tão abençoada que inclusive, para a nossa paróquia lá, nossa capelinha, eles dão todo ano quatro bolos. Se eu falar para você, você não acredita. Quatro bolos de 65 por 35. Esses bolos, quando vai na festa junina, são os primeiros que saem. Então, a gente põe dois no sábado e um no domingo.
P/2 - São feitos aqui?
R - São feitos aqui. O pessoal já veio atrás e eles falaram: “não, só tem uma pessoa que pode levar isso daqui”. O Antônio falou: “não, isso aqui é coisa no Natanael e eu não vou me meter nisso aí”. Então, todo ano. E no dia de aniversário de Nossa Senhora do Carmo, que é a nossa padroeira lá da nossa capelinha, eles dão mais um bolo. Então, são três para a festa junina e um para a festa de aniversário da Nossa Senhora do Carmo. E as irmãs vêm aqui, elas são africanas. São gente fina. Como as crianças gostam dela.
P/2 - Essa capela fica no bairro?
R - É aqui, na Vila Maria. Que aqui na Vila Maria tem: a Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora do Carmo e a Candelária. Aqui tem quatro. Eu faço da parte da Nossa Senhora do Carmo. Mas também, de vez em quando, quando o negócio enrosca aqui na Candelária, o ano passado estava um problema de esgoto aí, um dia a menina da igreja ligou lá para casa e falou: “Seu Elias, o padre (Elói) [01:09:32] quer falar com o senhor”. Eu falei: “o que é?”. Aí ela falou: “para você vir aqui para falar com ele”. Eu fui lá e falei: “o que o senhor quer, padre?”. Ele falou: “eu queria que você falasse com o Wadih e com o subprefeito que eu já falei e não adiantou, vamos fazer aqui um mutirão?”. “Vamos”. E nós fizemos um mutirão, falei com o Wadih, falei com o filho dele, o Ricardo, falei com o subprefeito, nós reunimos uma turma aí e nós conseguimos tirar, porque o esgoto estava vazando em tudo. Aqui na Candelária, não sei se você conhece, é um barrancão. O esgoto da rua de cima passa no terreno da igreja e o esgoto estava insuportável. E falamos com a Sabesp também. Nesse dia veio tudo, veio prefeitura, veio o Wadih, veio o padre, veio a Sabesp, veio tudo e não fizeram direito, aí nós fomos outra vez falar com eles, aí nós perguntamos por que o negócio não saiu certo. Aí um começou a empurrar para o outro, eu falei: “padre, mas acho que está na hora deles fazerem a coisa certa”. Aí falamos com o subprefeito outra vez, falamos com Sabesp, aí eles fizeram o serviço perfeito. Já está com mais de um ano que não aconteceu mais nada. Mas de vez em quando a gente põe as unhas de fora por aí. Onde a gente pode ajudar a gente ajuda.
P/1 - O senhor falou que teve uma história que o Antônio ficou bravo que um aluno aprontou alguma coisa, não é?
R - O aluno da minissaia.
P/1 - Mas o que foi? Conta, porque eu fiquei curioso para saber. O que ele aprontou?
R - Ela chegou aqui quase pelada.
P/2 - Aquela moça.
R - A menina. Ela chegou aqui quase pelada e a mãe dela veio mais ou menos igual ou pior. Quando ela leu o artigo 18, ela deu meia volta volver e nunca mais voltou aqui.
P/1 - Voltando mais atrás. Você falou que na sua época lá, quando você morava em Pernambuco, você fazia muitas coisas. Você ainda visita a sua cidade de nascimento?
R - Se eu falar uma coisa, vocês não vão acreditar. Eu vim para cá em 1953 para 54. Como eu tenho família lá, eles vêm tudo para cá, eu nunca mais voltei lá. Estou pretendendo, antes de eu morrer, eu quero fazer uma visita lá. A gente tinha uma casa de farinha que a gente fazia farinha 45 dias por ano. Tudo feito à mão. Tinha uma roda grande que a gente puxava na mão uma corda grande, e a mulher lá ralando a mandioca. A gente fazia farinha 45 dias por ano. Não é brincadeira, fazer farinha é dose para Jacaré. Mas a gente fazia porque a gente plantava muita mandioca também. A gente fazia para a gente e fazia para vender porque a gente precisa de dinheiro lá para fazer alguma coisa. Comprar arame. Você sabe que naquela época, a carne seca era feita no Rio Grande do Sul. Então, matava o boi, desossava o boi e mandava lá para Pernambuco de navio. Mandava de Recife e de Recife ia lá para Garanhões e meu pai comprava um fardo de jabá de carne seca, comprava uma barrica de bacalhau, que bacalhau antigamente era em barrica, não sei se vocês lembram, e comprava uma caixa de sardinha salgada para dar para a turma que trabalhava com a gente comer.
P/2 - A carne seca era feita aonde que o senhor falou?
R - No Rio Grande do Sul. Era o único lugar que fazia. Eles matavam o boi inteiro, desossava, tacava na salmoura, mas a carne era boa.
P/2 - Agora, seu Elias, como que o senhor teve todo esse trabalho na roça, essa experiência toda, e chega aqui nessa cidade, aqui nesse bairro. O que o senhor trouxe desse saber para cá?
R - Eu tenho uma grande vantagem: aonde eu vou eu faço amizade. E nessas amizades saem muitas coisas boas. Porque tem gente que não planta nada, não colhe nada, mas eu em todo lugar. Aqui, quando eu fico mais de uma semana sem vir aqui, eu chego aqui: “o que aconteceu que você não veio aqui na semana passada?”. Na igreja é a mesma coisa. Eu tenho uns amigos, que quando eu não vou ou eles não vão lá em casa, eles ficam cobrando. Então, eu acho que eu fiz muita coisa boa. No Vila Maria eu acho que eu fiz muita coisa boa também. Eu sou o boy daqui, sabia?
P/2 - É? Como? Por quê?
R - Tudo que eles vão fazer aqui, eles dão para eu fazer. Digamos assim, começaram as aulas aqui, eles me dão um bloco de folhetos e eu entrego em tudo que é loja, entrego nos ônibus, entrego nas igrejas, eu vou distribuindo. Eles falam que eu sou o garoto propaganda, não sou o boy. Eu sou o boy daqui.
P/2 - Só mais uma coisa eu vou perguntar para o senhor. Para conseguir água, teve o caminhão. Para conseguir água, iluminação, teve algum movimento?
R - Naquela época tinha iluminação só para casa, na rua não tinha. Para as casas tinha. Depois que asfaltaram, que demorou muito tempo, é que aí começaram a pôr os postes da rua. Mas era muita briga. Era com a Light, naquela época era Light, depois virou Eletropaulo. Era muita encrenca. Hoje é, na prefeitura, a Lumi, não é?
P/2 - Mas teve movimento ou por causa das brigas?
R - Sim, movimento. A gente ia com o subprefeito, que era lá na Praça Oscar e agora é lá no alto da Vila Maria, e a gente fazia abaixo-assinado. Quando a gente fazia abaixo-assinado era garantido que vinha, porque a comunidade aqui é muito forte. É uma pena que a gente deveria fazer um movimento, parar todo mundo até esses nossos governantes irem embora e até esses nossos juristas, esse pessoal aí da lei, que a maioria é bandido.
P/2 - Mas o senhor disse que a comunidade era forte.
R - Forte. Era abaixo-assinado. A coisa, para sair tem que fazer abaixo-assinado, senão não sai.
P/2 - Esgoto também? Encanamento? Água?
R - Tudo, tudo. Esgoto. Tudo era abaixo-assinado. Vai começando, “fulano, você assina?”, “opa, é para já”. Ninguém se recusa de assinar um abaixo-assinado. Está na hora de nós fazermos um abaixo-assinado para parar isso aqui, mulher.
P/2 - E como que acabaram as enchentes aqui?
R - Outra pergunta muito boa. O Faria Lima na rua em que eu moro, na Rua Itaúna, ele fez uma galeria que cabe um fusca tranquilamente. E aqui também, na Rua Eli, ele fez duas galerias que cabem um fusca. Por isso que eu falo, quando pensava em chover, aqui já estava tudo inundado. Então, com essas galerias que ele fez, melhorou muito bem. E a retífica do Rio Tietê. Essa retífica do Tietê, agora aqui na Vila Maria não tem mais enchente, não. A não ser que dê uma tromba da água, mas sem isso não.
P/2 - E teve alguma história de enchente?
R - Bastante.
P/2 - Lembra de alguma?
R - Eu lembro. Eu estava vindo de Santos e eu tive que parar lá perto da Rua Catumbi e vim a pé até aqui. Teve casa que entrou mais de um metro da água aqui na Vila Maria. Tem uma represa aqui em Mogi das Cruzes que eles soltaram as comportas e foi água que Deus mandou. Choveu quatro dias seguidos, foi terrível aquele ano. E graças a Deus na minha casa não entrou porque a minha casa além de ser num pedaço meio alto, tem dois degraus para entrar. Na sala tem três, na cozinha tem dois. Não chegou. Mas naquelas casas todinhas entraram água.
P/2 - E teve algum movimento para tentar melhorar isso?
R - Não teve, porque foi um acidente. Depois que veio a notícia que foi essa represa Edgard de Souza, que é aqui para o lado de Mogi das Cruzes.
P/2 - Mas para conseguir as galerias, teve algum movimento da comunidade?
R - Sim, sempre teve movimento. Sempre teve. Eu conversei muitas vezes com o Faria Lima, que ele vinha domingo ver o andamento das obras. Eu conversei muitas vezes com o Faria Lima. Um homem muito educado. Ele passava lá. “Como é que está, prefeito?”, “vim aqui olhar a coisa como é que está porque se a gente não olhar, o negócio corre direito”. Retificaram também o córrego, que era a Rua da Divisa, hoje é Rua Morvan Dias Figueiredo, aquela avenida. E aqui também teve muita empresa grande, aqui na Vila Maria. Principalmente transporte. Isso aqui era uma praga transporte. Era briga de feder a fogo. Chegou a ter até morte.
P/2 - Por quê?
R - De caminhoneiro. Gente ignorante, que é o que mais tem. E para sair uma briga é dois palitos. Teve muita briga aqui por causa de transporte. Agora foi lá para o Sabrina, acho que é Sabrina. Inclusive, a Casa Dom Macário tinha lá o negócio dos idosos. E queriam dar outro, o Natanael não quis. Se essa casa aqui tiver, digamos assim, ofertar 10 creches para ele dirigir, ninguém ganha dele, porque a coisa aqui é muito...
P/2 - Quem é Natanael?
R - Natanael é o cara que, praticamente, tem o presidente, mas é ele que cuida de tudo. Tem uma diretoria, mas é ele que cuida de tudo. Ele vai na prefeitura, ele briga. Prefeitura, estado e federal, ele briga com os três. E ele vai fundo. Quando é com a prefeitura, ele vai lá, ele compra sacola de apito e vai lá e briga. Ele é terrível. Nas reuniões, porque o lado do governo, eles têm sempre maioria, não é? E o lado de cá tem menos. Digamos assim, uma diretoria tem 25: 13 é do governo, 12 é do lado de cá, é do pessoal de creche, tem muitas ONGs e o pessoal das ONGs é que pagam o pato. E o governo quer sempre cortar, cortar, cortar. Por isso que sai tanta encrenca. E hoje o Natanael é muito respeitado nessas áreas aí, porque o Natanael é um cri cri. Natanael nessa área aí ele é cricri. E a turma, mesmo a turma do governo, gosta muito dele, porque ele não fala besteira, quando ele pede a palavra, os cabras ficam arrepiados. “Lá vem bomba”, e vem bomba mesmo. Ele com a turma da Marta, teve muita briga, menos com a secretária, porque a secretária ele respeitava muito ela, porque também ela respeitava ele. E ele perguntava para ela, que é filha do Temer, do outro governo passado. Era a filha do Temer que era a secretária.
P/2 - (inint) [01:25:05].
R - É. E um dia ela perguntou para ela por que que estavam cortando tanto subsídio das creches, das ONGs. Ela falou: “não tem dinheiro”. Ele falou: “mas cai sempre”. Ela falou: “o prefeito que manda, então eu não tenho culpa”.
P/1 - Então, seu Elias, naquela época o bairro era violento?
R - Não. Aonde tinha alguns marginais era no Alto da Vila Maria, aqui em baixo você podia deixar a casa aberta que não acontecia nada. Agora, no alto da vila tinha alguns, mas aqui era um bairro tranquilo, tranquilo, tranquilo. Eu trabalhava à noite, eu chegava em casa 2:00 da manhã, 3:00 horas da manhã, nunca me aconteceu nada, era a coisa mais difícil você encontrar um marginal. Era muito difícil.
P/1 - E o que mudou daquela época para cá?
R - Mudou muito. Principalmente agora, nessa época do PT. Todo mundo, ninguém respeita mais ninguém.
P/2 - De violência, seu Elias.
R - Ninguém respeita ninguém. Eu dirigia, agora eu não dirijo mais por causa da minha visão que abaixou um pouco. De vez em quando eu pego ônibus e esses jovens sentam nos bancos dos idosos e das grávidas e ele fazem que tão dormindo e não levantam. No metrô é a mesma coisa, eles fazem que estão ali no celular e estão lá os velhinhos caindo para lá e para cá e eles não levantam para dar lugar. É um negócio terrível, a falta de educação. Eu não sei se esse camarada continuasse, se abrir a vaga para ele, aqui vai virar uma Venezuela. Pode ter certeza, aqui vai virar uma Venezuela. Você vê o que está acontecendo lá no Amazonas, já tem mais de 30 mil venezuelanos lá.
P/2 - O senhor tinha falado da primeira escola aqui, qual foi a primeira escola?
R - A primeira escola foi aqui na Dias da Silva, eles tratam de grupo escolar Dias da Silva. É perto da ponte lá, a primeira escola aqui do bairro. Depois veio o Florinda Cardoso, veio o Horário Lafer, veio essa aqui embaixo. Um monte de escola veio aqui, no alto vieram um monte de escola. Mas a primeira aqui foi na Dias da Silva. E aqui teve uma escola também. Escola de marcenaria, de tornearia, feita pelo padre, o dom Alberto, foi ele que fundou. Ensinar a engraxar sapato. E tem um detalhe importante desse negócio do dom Alberto. A gente todo ano, no aniversário dele, o pessoal aqui alugava dois ônibus, três ônibus, para ir lá assistir uma missa. E nós fomos um ano lá que eles não deram a mínima, eles celebraram a missa em menos de 40 minutos, ninguém deu atenção. Quando nós chegamos aqui o Natanael falou: “a gente não volta lá mais não”. Eu falei: “por quê?”. “Eles não deram atenção para a gente”, ele falou, “vamos tentar falar aqui com a Candelária para ver se os padres vêm aqui por causa das crianças”. Aí, advinha quem foi? Então, eu fui lá, falei com o padre que era meu amigo, eu falei: “o negócio é o seguinte, a Casa Dom Macário não está contente com o pessoal do lar do São Bento, que eles atenderam a gente muito mal, e eles gostariam que vocês dessem o suporte para eles”. Aí trouxe o padre aqui, conversou com eles e as crianças passaram a ir aqui na Candelária. Foram uns pares de anos que as crianças iam na Candelária.
P/3 - E hoje o padre vem até nós.
R - E hoje os padres vêm aqui porque para levar as crianças para lá é perigoso, são 300, 400 crianças, é perigoso. E graças a Deus, os padres vem aqui. Eu vou lá pedir para eles se vem um, se vem dois ou se vem três. Dependendo da hora vem dois, dependendo da hora vem três. Porque são três casas: aqui, a Curuçá e a cidade nova. E a criançada gosta dos padres e fui eu que arrumei esse negócio aí. Então, naquilo que eu posso ajudar eu ajudo, nunca deixo a pessoa bicuda.
P/2 - Como foi para o senhor hoje vir aqui contar a sua história?
R - Eu imaginava que vinha algumas pessoas para fazer algumas perguntas, mas eu nunca imaginava que ia ser eu sozinho, nunca imaginei um negócio desse.
P/2 - Como você se sentiu?
R - Me senti um rei. O que acontece, a maioria das pessoas falta muito com o respeito e a falta de respeito é terrível, gente, de ambas as idades. E hoje tem mais jovem e adolescente com falta de respeito do que os adultos.
P/2 - O senhor se sentiu respeitado aqui?
R - Aqui eu sou muito respeitado.
P/2 - Aqui, nesse momento?
R - Estou me sentindo um rei, mulher, o que você quer mais? É muito bom. Eu não imaginava isso, não. Eu tenho que agradecer muito a ela e ao Antônio.
P/2 - E esses dois aqui.
R - Eu digo aqui. E vocês, vocês foram mil. Pergunta inteligente. Não sei se eu respondi a altura. Mas eu respondi de acordo com aquilo que eu sabia.
P/2 - Perfeito, foi ótimo. Eu que não sabia nada, agora sei tudo da Vila Maria. Muito obrigada.
R - E a Vila Maria é a um bairro fantástico, eu gosto muito da Vila Maria. Foi o que eu falei: tem duas casas que merecem respeito, é essa e a nossa paróquia. Os padres ficam bobos com a frequência do pessoal que vai lá.
P/2 - Que bom. Então, a gente agradece, seu Elias, do senhor ter vindo até aqui compartilhado a sua história com a gente. Muito obrigada.
R - Obrigado vocês de aturar o velho aqui mais de uma hora.
P/2 - Foi ótimo.Recolher
Título: Na roça é diferente
Data: 07/08/2018
Local de produção: Brasil / São Paulo / São Paulo
Entrevistador: Gabriel Guerra dos Santos Entrevistador: Helen Lima Santos Personagem: Elias Alves da Rocha Autor: Museu da Pessoahistórias que você pode se interessar
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