Eu e a Sueli, na época, entramos novas, a gente sabia a teoria e não sabia a prática. Um menino entrou na janela, ficou assim encaixado e falou: “Eu sou o Super-Homem, eu quero voar.” Minha colega começou pegando ele, segurando, aí ela começou a gritar. As crianças foram na minha ...Continuar leitura
resumo
Renata Ribeiro de Camargo, nasceu em 29 de Abril de 1983 em São Paulo. Um menina muito feliz que recorda momentos mágicos da infância, desde a dança do índio com as primas, o seu irmão Ricardo machucando o braço na porta. Na juventude, uma menina que tinha muita facilidade em pegar passos de dança, e se enfia de cabeça no mundo country, participando de uma comitiva chamada Atribulados com o objetivo de ajudar o próximo e fazer o que ela mais gostava, dançar! Renata comenta sobre o seu primeiro emprego na Fundação Lar de São Bento, entre idas e vindas ela tem muito orgulho em fazer parte deste quadro de funcionários, contando episódios de super homem e até mesmo onde um educando agradece os puxões de orelha que a mesma dava para incentivá-lo na busca do conhecimento. Essa história de vida é emocionante e você também vai se emocionar com ela!
história
imagens (7)

Fundação Lar de São Bento
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Renata Ribeiro de Camargo

Aprendendo com os jogos
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Renata Ribeiro de Camargo
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Conhecendo o mundo country
data (ou período): Ano 2018 Imagem de:Renata Ribeiro de Camargo

Almoço de Domingo
Almoço de domingo com a família reunida

Prontos para festa
Em casa com irmãos Thiago e Ricardo reunidos.

Conhecendo o mundo Country
Renata, conheceu o mundo country por gostar de dançar e ter facilidade de ajudar os colegas também a dançar. Acabou entrando para a Comitiva Atribulados com o objetivo de ajudar o próximo na área social, com doação de cestas básicas ou de brinquedos a algumas instituições, bem como ensinar a outras pessoas a dançar.

Momento mãe e filha
Em casa, Renata e sua filha Julia, brincando de maquiar uma a outra. Foto que resume muitas risadas, pintura no rosto e um amor que não se mede, somente cresce a cada dia.

Fundação Lar de São Bento
Fundação Lar de São Bento Casa Dom Macário que atua no bairro de Vila Maria, constitui-se como uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, voltada essencialmente para o desenvolvimento da educação para o trabalho e tem como missão contribuir para o pleno desenvolvimento do educando, favorecendo a sua promoção social, o direito de participação na sociedade através da educação básica, atividades sócio educativas e capacitação e qualificação para o trabalho, prevendo sua adequabilidade às transformações sócio econômicas do país e do mercado global.

Aprendendo com os jogos
Como ensinar português e matemática de uma maneira agradável? Através de jogos. Renata em suas aulas, trabalha bastante com jogos pedagógicos, onde o educando pode entrar no mundo da imaginação brincando e o principal, sem medo de errar.
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Conhecendo o mundo country
Renata, uma menina que começou a dançar desde a infância, se destacou na fase adulta, quando entrou para uma Comitiva na época chamada de Comitiva Atribulados, onde o principal objetivo era ajudar o próximo e propagar a dançar country, ensinando mais e mais pessoas a esse ritmo.
história na íntegra
- Vídeo na íntegra
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Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
Depoimento de Renata Ribeiro de Camargo
Entrevistada por Marcia Trezza
São Paulo, 3 de outubro de 2018
Entrevista ZN-HV09
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Renata, a gente agora vai começar a entrevista. Fala o seu nome completo, o lugar que você nasceu e a data.
R - O meu nome é Renata Ribei...Continuar leitura
Depoimento de Renata Ribeiro de Camargo
Entrevistada por Marcia Trezza
São Paulo, 3 de outubro de 2018
Entrevista ZN-HV09
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Renata, a gente agora vai começar a entrevista. Fala o seu nome completo, o lugar que você nasceu e a data.
R - O meu nome é Renata Ribeiro de Camargo, nasci em 29 de abril de 1983, signo de Touro, teimosa, e nasci aqui em São Paulo mesmo.
P/1 - Na cidade de São Paulo?
R - Na cidade de São Paulo.
P/1 - Renata, fala o nome dos seu pais.
R - Meus pais se chamam Gerson Ribeiro de Camargo e a minha mãe Aparecida Conceição Leme de Camargo.
P/1 - E que lembrança você tem deles de quando você era criança?
R - Dos meus pais? Bom, o meu pai gostava muito de ler, o meu pai é um advogado, então, ele tem o costume de fazer muitas leituras por conta da profissão e ele estimulava os filhos, de tempos em tempos ele trazia coleções de livros, eu lembro de um livro que, conforme você mexia nele, criava as imagens. Então, eram muito legal, por mais que a gente não sabia ainda o letramento, ler, mas ele contava através das imagens. É uma parte muito legal.
P/1 - Bacana. E da sua mãe?
R - Da minha mãe?
P/1 - Uma lembrança marcante.
R - Lembrança marcante da mãe.
P/1 - Ou como ela era; como você descreve...
R - Como ela é...
P/1 - É, eu pensei em infância.
R - A minha mãe é uma pessoa muito atenciosa, ela sempre estava ali para te ajudar em todos momentos. Uma coisa que a minha era, era muito crítica com estudo, então, por exemplo, chegava da escola, a gente sentava na mesa e dá-lhe fazer lições, se você acabava a lição, pode fazer tabuada. Ela incentivava muito essa questão da escrita, de a gente ter essa noção, coisa que hoje em dia a gente não vê tanto esse estímulo.
P/1 - Sim. Você tem quantos irmãos?
R - Nós somos em três.
P/1 - Em três.
R - O Ricardo é o caçula, hoje ele é um advogado e ele está morando hoje em Nova Mutum em Cuiabá, foi encarar esse mundão aí, aqui estava difícil emprego, surgiu uma oportunidade lá e foi com a família. Tem o meu irmão Tiago, o Tiago ele não terminou Arquitetura, ele parou no meio, mas ele trabalha como vendedor, é casado hoje, e eu.
P/1 - Você é a mais velha?
R - Sou a mais velha.
P/1 - E como era assim, quando criança, irmã mais velha? Tem alguma situação?
R - A mais velha é aquela que cobra, que tem que ficar de olho nos irmãos, se fez lição, se ele se machucou porque você não estava presente olhando, era mais como os olhos assim, quando o pai e a mãe não estava por perto. Teve uma parte da minha vida que, a minha mãe ela foi estudar depois de velha, então, querendo ou não eu ficava incumbida de olhar meus dois irmãos. Então, o meu irmão é traumatizado até por miojo, porque eu tinha que fazer comida, eu tinha medo de mexer em panela, essas coisas, então, o que eu fazia? Vamos aprimorar o miojo, pegava o miojinho ‘‘Está pronto, meu irmão, come aí’‘, e hoje o meu irmão não come miojo nem a pau, ele não consegue nem ver a embalagem, de tanto que eu fazia miojo para ele.
P/1 - Todo dia?
R - Todo dia, se deixasse era miojo, só incrementava uma salsicha ali no meio, uma carne, mas era miojo.
P/1 - Quantos anos você tinha? Você lembra, assim, nessa época que você olhava eles?
R - Acho que uns onze, doze anos, por aí.
P/1 - E para mexer no fogão?
R - É, porque eu sempre tive um pouco receio.
P/1 - Então, mas era alto? Tinha que subir no banquinho?
R - Não, mas eu sempre fui altinha, gordinha, sempre fui do mesmo jeitinho.
P/1 - E teve alguma história nessa época, nessa situação que você cuidava deles, para contar para a gente, que foi, assim, marcante?
R - Uma coisa que aconteceu, o meu irmão Ricardo, a gente já tinha um pouco mais de idade, ele estava brincando de super-herói no quintal, tinha até empregada nesse dia, que aí a minha mãe dia para arrumar a casa. Aí ele correndo no quintal, ele escorregou e deu com o braço na porta de vidro, então, na hora que ele puxou rasgou tudo aqui, aí na hora a gente viu um monte de bolinha branca, nunca esqueço, um monte e sangrava muito. Aí eu entrei em choque na hora, comecei a gritar igual uma louca, a Nilzete, a empregada na época, ligou para o meu pai, meu pai falou: ‘‘Então, em um táxi e corre para o hospital’‘ e eu fiquei lá com meu outro irmão. Aí ela foi com o meu irmão, aí comecei a entrar em choro tão grande sentada na garagem que eu falei: ‘‘Nossa, meu pai e minha mãe vai me culpar, porque eu não estava olhando eles’‘, mas no final deu tudo certo. Ele levou ponto no braço e a gente conversou, que a gente tem que tomar cuidado com tudo que a gente faz, meu pai sempre foi muito assim de conversar com a gente, então, a todo momento ele falava: ‘‘Toma cuidado, cada ação tem uma consequência, olha só a consequência do dia de hoje’‘.
P/1 - E aí eles não culparam?
R - Não, não culparam. Eu me senti muito mal, falei: ‘‘Nossa, meu pai quando chegar vai falar um monte para mim, meu Deus do céu’‘, mas quando chegou em casa foi totalmente diferente, ele sentou com os três e falou: ‘‘Hoje uma consequência sem pensar deu isso. Então, isso serve para os três de lição, pensa antes de você, isso você vai caminhar para toda sua vida’‘.
P/1 - Ele sempre agia assim depois mais tarde também, quando você era mais velha assim?
R - De conversar? A minha mãe sempre foi mais de conversar com a gente, o meu pai, por ele trabalhar o dia inteiro, as vezes ele chegava em casa, dava aquela atenção, mas se distraia as vezes assistindo televisão. A minha mãe era mais porreta assim, ela era mais participativa.
P/1 - Como era a sua casa?
R - Em qual parte? Porque eu lembro da minha infância eu morei ali perto na Santa Inês, ali no Tremembé, eu lembro que a casa era de piso vermelho, lembro da minha mãe pegando a enceradeira, colocava o meu irmão sentado em cima e ficava lá girando a enceradeira, e a gente se divertindo com isso, ela fazia isso com todos, com os três, com os dois, eu acho que o Ricardo não era... Ricardo foi nascer no apartamento. Aí fazia isso comigo e com o Tiago. Aí depois a gente foi para a Zona Leste, foi morar em apartamento, desse apartamento, que eu me lembro, de uma fase que eu fiquei lá, a gente brincava muito no prédio, no hall, na parte de baixo. Aí a gente estava brincando de pega-pega americano, você corre, quando alguém te pega você tem que ficar dura, aí alguém tem de vir por baixo de você e passar para te salvar. A gente correndo, eu virei para trás, na hora que eu virei dei de cara com a quina do prédio, na hora eu fiquei tonta e caí. Nisso começou a jorrar sangue, eu desmaiei, abriu um galo, uma galinha, essa marquinha que eu tenho aqui na testa, abriu um galo, daqui a pouco chamaram a minha mãe, a minha mãe desce com uma fralda do meu irmão, coitada, toda desesperada, e chamando alguém, acudindo alguém, algum morador do apartamento para levar a gente para o hospital. Aí fomos lá para o Hospital da Vila Matilde, na época eu lembro que eu deitei na cama, fiquei com um pano verde, aí eu ficava só espionando o buraquinho, eu lembro direitinho da cena, eu deitava e olhando para o buraquinho assim e ele dando: ‘‘Vou dar anestesia’‘ e dava e eu tremia assim, ficava daquele jeito. Aí costurou tudo, aí eu lembro que me deu até o paninho de lembrança, o médico falou: ‘‘Leva para casa, antes de você se machucar, você pensa nesse pano’‘, aí eu: ‘‘Não, não quero mais’‘. Aí depois de lá a gente veio para a Vila Constança, a gente morou um tempo de aluguel.
P/1 - Que região é Vila Constança?
R - Zona Norte também.
P/1 - Voltaram para Zona Norte?
R - É, aí a gente morou um tempo lá, aí meu pai saiu, foi demitido da Nossa Caixa, que ele trabalhava no Banco Nossa Caixa na época, aí com o dinheiro que ele recebeu a gente comprou a casa do lado, que estava para vender. Aí a gente comprou a casa, parcelou o restante, se eu não me engano, aí depois de uns anos a gente ficou morando naquela casa e depois a vizinha, duas casas depois, queria uma casa menor e nós queríamos, meu pai, uma casa maior. Então, o que aconteceu, no dia da mudança eles fizeram os acordos, mas era muito engraçado no dia da mudança, porque eu saía da minha casa, levava as caixas para cá e ela saía da dela e levava as caixas para lá, então, era uma comunicação, um trazia uma caixa de um lado e um caixa do outro, era muito engraçada essa mudança. É a mudança que não precisou de caminhão, nada, só de braço.
P/1 - Renata, como que você lembra assim dessa época toda, até que idade, primeiro, você ficou na Zona Norte?
R - Na Santa Inês?
P/1 - Não, na Região Norte aqui até que idade, mais ou menos?
R - Eu acho que eu sempre vivi na Região Norte.
P/1 - Hoje você mora?
R - Hoje eu estou morando em Guarulhos com meu marido.
P/1 - Mas até casar você viver na Zona Norte?
R - Até ali no Jaçanã, Vila Constança.
P/1 - Então, você estava dizendo, pode continuar com a trajetória das casas.
R - Aí a gente trocou de casa assim, e o bom que nessa época que a gente morou, o tempo que eu morei no Vila Constança tinha muita criança, então, era uma época assim que a gente brincava muito, a gente aproveitava o tempo. Então, a gente brincava antes de ir para escola, teve épocas que eu estudei da onze as três, época das três a sete, porque eram quatro períodos naquela época, então, a gente brincava antes de ir para a escola, brincava depois que chegava da escola, primeiro tinha que fazer a lição, depois a gente ia para a rua brincar. E era um tempo, assim, mágico, porque as brincadeiras eram saudáveis, era uma mãe da mula, um pega-pega, verdade ou desafio, aquela de piscadinha, ladrão ou detetive, então, era um momento muito rico. Tinha as brigas com o vizinho lá, porque a gente jogava taco e a bola caía na casa do vizinho, o vizinho escondia a bola, não queria deixar mais a gente brincar. Então, a gente fazia as nossas traquinagens.
P/1 - Você tinha que idade, mais ou menos?
R - Essa fase, eu acho que uns treze, quatorze anos.
P/1 - E continuavam brincando mesmo com essa idade?
R - Lá a gente brincava muito, cada hoje uma brincadeira diferente, até carrinho de rolimã a gente fazia, que no final da minha rua tem uma ladeira. Então, os meninos faziam carrinho de rolimã e eu, a moleca da vez, sempre chegava com o joelho esfolado, um chinelo quebrado, porque eu ia lá e não tinha vergonha nenhuma, ia eu, meus irmãos, todo mundo, um fazia o carrinho e todo mundo se divertia. Era muito bom.
P/1 - E teve alguma história, além de tudo isso que você fazia assim, que aconteceu? Um momento assim de...
R - Do quê?
P/1 - Que vocês brincavam bastante, uma situação assim que aconteceu ou jogando taco ou no carrinho de rolimã, uma situação assim ou triste ou muito engraçada nessas brincadeiras assim?
R - O triste é que, às vezes, dependendo do que a gente fazia tinham alguns vizinhos, uns portugueses que moravam na rua, não colaboravam com a gente. Então, as vezes a gente jogava a bola na casa de um, a gente pulava o muro para pegar e ela ia e soltava os cachorros ou então saia gritando, jogava água na gente.
P/1 - Você teve uma dessas que você teve que correr do cachorro?
R - Teve.
P/1 - Conta.
R - A gente entrou, pulou o muro baixinho para pegar a bola, a gente sabia que a moça deixava o cachorro solto, a gente já sabia, só que o legal era jogar bola, aí daqui a pouco um ficava no cantinho olhando para ver se o cachorro vinha e o outro ia pulando, na hora que o cachorro aparecia ‘‘Corre’‘, aí a gente saía correndo, dava um pulo. Graças a Deus dava tudo certo, mas sentava e depois ficava: ‘‘Meu Deus’‘, mas teve esses momentos também.
P/1 - Aventura total.
R - Eu que o diga.
P/1 - Que brincadeira é essa verdade ou desafio?
R - Verdade ou desafio é quando você desafia a pessoa, se você faz verdade você faz uma pergunta e o desafio, por exemplo, eu desafio a você dar um beijo no Vitor, aí você tinha que fazer o desafio que eu colocava.
P/1 - E teve uma vez assim que você ficou toda nervosa?
R - Teve uma vez que eu não quis brincar não, que mandaram eu beijar um menino e eu não quis não, aí acabou na hora a brincadeira. ‘‘Você vai dar um beijo na boca de fulano’‘, ‘‘Eu não vou beijar ninguém’‘, aí acabou a brincadeira aqui, levantei e fui embora, o povo ficou rindo da minha cara, eu fiquei nervosa eu saí.
P/1 - Você era brava? Como era?
R - Depende, eu acho que eu já tive os meus momentos, eu já fui um pouco de cada, eu era muito sambarilove, mas eu era muito certinha para regra, então, quando eu achava que eu estava extrapolando, eu pegava as minhas coisas e ia embora, levantava e ia embora, sempre fui assim.
P/1 - O que é sambarilove? Você era sambarilove.
R - Sambarilove é tranquilo, zen, muito zen.
P/1 - E aí quando estava extrapolando?
R - Aí eu já cortava, ‘‘Comigo não, hein’‘, ou eu já falava logo de cara: ‘‘Comigo não, parou a brincadeira aqui’‘, ou então eu levantava e saía. Aí eles ficavam rindo, me chamavam as vezes de quadrada, ‘‘Você é uma quadrada’‘, ‘‘Sou mesmo’‘.
P/1 - O que é que acontecia assim que você achava que era um pouco demais, além de pedir para dar o beijo na boca do menino?
R - Não, porque tem uns que gostavam de apelar para isso: ‘‘Dá beijo em ciclano, dá um abraço em fulano’‘.
P/1 - Entendi.
R - Tem uns que assim, hoje, eu observando, tinha uns que já estavam com uma sexualidade mais aflorada, já tinha descoberto beijinho, essas coisas. Eu fui beijar na boca depois de sei lá quanto tempo.
P/1 - Como foi o seu primeiro beijo? Você conta?
R - O meu primeiro beijo, minha filha, eu nem sabia o que era beijar.
P/1 - Quando anos você tinha, mais ou menos?
R - O meu primeiro beijo foi com quase dezesseis anos, fui muito velho para essas coisas.
P/1 - Velha? Dezesseis? Eu acho que não, hein.
R - Perto de hoje em dia é velha, foi até velha.
P/1 - Renata, conta para a gente o primeiro mais significativo, pronto.
R - Significativo?
P/1 - Se você quiser falar.
R - Não, o primeiro beijo você não sabe de nada, é até irônico, mas o que falava na época ‘‘Pega um gelo e fica treinando com o gelo’‘, é o que falava para a gente aprender, na época.
P/1 - E funcionou?
R - E, assim, o primeiro beijo foi muito estranho. Não, não sei, foi muito estranho o primeiro beijo, depois você vai se acostumando, mas o meu primeiro foi meio estranho.
P/1 - Era um namorado?
R - Não, sabe quando todos os seus colegas já fizeram e você nunca tinha feito? Aí você vai tentar, aí você fala: ‘‘Nossa gente, é estranho demais’‘, aí depois com o passar do tempo você vai entendendo algumas coisas.
P/1 - Renata, e vocês, nessas brincadeiras todas, vocês passeavam assim pelo bairro? Já mais velhos um pouquinho, você disse que tinha treze.
R - Não.
P/1 - Tinha alguma coisa para fazer além de brincar na rua?
R - O que a gente curtia muito nessa época era as quermesses, as quermesses do bairro, da igreja lá ou então as próprias festas juninas que a escola fazia, era diversão que a gente tinha, porque aquela época era tudo aberto, ainda continuam algumas coisas abertas para a comunidade. Então, é o momento que a gente ia, toda a tropinha e ia se divertir.
P/1 - E os vizinhos eles conviviam, além das crianças, os pais conviviam na vizinhança?
R - Alguns conviviam, ficavam sentados na calçada vendo a gente brincar, era uma fase muito boa, tinha gente que pegava cadeira, sentava assim, formava aquela roda de vizinhos. Hoje a gente não vê mais isso, muito difícil?
P/1 - Mas sua mãe e seu pai participavam?
R - A minha mãe, o meu pai trabalhava o dia todo, chegava lá...
P/1 - Descreve a cena assim para a gente, como era.
R - Às vezes sentava a minha mãe, uma vizinha, acho que era a Dona Neide, se não me engano, uma vizinha, a vizinha que morava desse lado, que eu não lembro mais o nome, e ficavam todas as crianças ao redor, a gente ficava jogando, às vezes, vôlei, principalmente dia de calor ficava jogando. Aí ficava sentada: ‘‘Mãe, quero água’‘, sempre tinha uma garrafa de água pronta, uma garrafa de suco e aqueles copos descartáveis que a gente ficava tomando, brincava, tomava. Às vezes a vizinha trazia umas bolachinhas, todo mundo socializava.
P/1 - A noite?
R - Uma noite, que a gente voltava da escola e as vezes estava tão quente que a gente ficava sentado na rua, era muito bom.
P/1 - E os homens tinham algumas coisas que eles programavam, assim os vizinhos, os maridos?
R - Não, é mais as mulheres mesmo, mais as mães, os homens não participavam muito não.
P/1 - E as mudanças no bairro ou na região, que você foi observando?
R - Bom, lá perto da casa minha mãe, que a minha mãe continua no mesmo lugar, o que acrescentou foram as praças, agora tem as praças que eles incrementaram com aqueles exercícios, eu acho que ajuda para caramba, a gente sai do sedentarismo, as vezes até mesmo ir lá, praticar um exercício, eu acho que deu uma boa revigorada no bairro, as praças.
P/1 - Renata, você disse que as praças foram uma coisa bacana que aconteceu. Que época que vieram essas praças?
R - Pouco tempo, acho que uns dois anos, dois, três anos, porque querendo ou não eram praças que eram só matagal, acho que, sei lá, se o prefeito ou alguém teve a ideia, acho que aproveitou bem o espaço.
P/1 - Tem movimento ou tinha movimento de moradores na região?
R - Não lembro, não.
P/1 - Não foi uma situação assim que você tenha vivido ou sabido?
R - Não.
P/1 - Além da quermesse, no bairro tinha alguma pratica ou alguma coisa que era característica daquela região?
R - O que tinha na minha rua de legal é quando era Copa do Mundo, que a gente pintava, fazia aqueles altos desenhos no chão, pintava as guias todas da cor do Brasil, colocava aquelas bandeirinhas e no dia dos jogos a gente fechava a rua, arrumava umas madeiras. E é uma coisa que se juntava, cada um levava um petisco, um prato, montava aquela televisão pesada no meio da rua, juntava um monte e todo mundo sentava em volta, pegava cadeira e ficava no meio da rua assistindo os jogos do Brasil.
P/1 - Os jovens e os pais?
R - Todo mundo, que não aguentava jogar bola já estava jogando bola, assistia, já estava jogando e a gente ficava lá. Nossa, era muito legal, muito legal mesmo.
P/1 - Teve alguma Copa que o Brasil ganhou, nessa situação?
R - Teve, nossa, foi uma festa.
P/1 - Conta, conta os detalhes, se você estava lá sentada, talvez.
R - Não, o que eu me lembro na memória é a gente pulando, gritando, comemorando, ‘‘É Brasil, é Brasil’‘ e abraçando um ao outro, mais essa parte assim.
P/1 - Que ano foi isso, mais ou menos? 90?
R - Ano eu não me recordo. Foi anos de Copa.
P/1 - A última vez que o Brasil ganhou provavelmente? 2002? Você morava lá ainda em 2002?
R - Morava, ano mesmo eu não lembro, mas foi uma fase muito boa, muito boa mesmo.
P/1 - Agora e a primeira paixão?
R - Primeira paixão? O primeiro amor mesmo foi com meu marido.
P/1 - Que idade você tinha?
R - Eu conheci ele em... Nossa, que vergonha. Acho que 2006. Não, espera aí, hoje a gente está em 2018, meu Deus, 2007 que eu conheci ele. Não, espera aí, gente do céu, eu não sei fazer conta, corta. Já fazem onze anos que eu estou com ele, então...
P/1 - 2007.
R - 2007, isso mesmo.
P/1 - E como foi? Como que você conheceu ou como começou?
R - Como começou? Eu curtia muito country, depois que eu tirei a minha carta, caí no mundo, papai conservou a gente até dezoito anos, depois pernas para que te quero, pegava o carro do meu pai, um Versailles 96 e aí para as noitadas. Aí eu sempre dei aulas de country durante muitos anos, dancei muito e teve um dia que eu trabalhei para caramba no Dom Macário, cheguei em casa estava morta, aí duas colegas, era dia de Cervejaria Paulista, que ficava dentro do shopping de Guarulhos, ‘‘Não, vamos, vamos’‘. Aí passou as duas lá, a Carla e a Marcita e uma prima delas, ‘‘Não gente, eu não vou, estou cansada. Hoje não’‘, ‘‘Não, você vai. Você vai dormindo no carro, mas você vai’‘, ‘‘Não gente, estou cansada’‘. Aí me levaram para o quarto, já foram me trocando e eu com aquela cara de sono, tanto é que eu fui dormindo no carro, fui dormindo, cheguei na porta da cervejaria e as meninas: ‘‘Pelo amor de Deus, vamos passar um lápis nesse olho’‘, passei, aí entrei na cervejaria e comecei a dança, para variar. Aí começou a dançar com um, aí lá a gente começa a dançar, os outros ia seguindo os passos e tudo. E eu sempre fui comunicativa, de ensinar os outros a dançar, aí eu olho para o atual, Senhor Fernando, e ele dançando com uma menina e olhando para a minha cara, aí eu falei: ‘‘Está estranho isso, né?’‘, e ele lá dançando com a menina e olhando para mim. Aí eu: ‘‘Carla’‘, conversando com a minha amiga, ‘‘Ele está me olhando ou é impressão minha?’‘, e eu retribuindo o olhar, e eu olhando assim, ‘‘Até que ele é bonitinho’‘, aí nada. Daqui a pouco ele parou de dançar com a menina aí foi se apoiar no balcão, sem ele perceber eu dei a volta, parei de dançar e fui atrás dele, aí na hora que eu apoiei no balcão, a hora que ele olhou para trás ele deu um susto. Aí: ‘‘Vamos dançar?’‘, eu falei: ‘‘Vamos’‘, aí ele me chamou para dançar, a gente começou a dançar e aí aconteceu um beijo, nos beijamos, aí as minhas colegas já queriam ir embora, eu falei: ‘‘Agora que eu não quero ir embora, vocês querem ir embora, você são tudo do contra’‘. Aí a gente foi embora, aí antes de ir embora eu falei: ‘‘Me liga’‘, dei meu telefone, aí eu falei: Vou ficar esperando me ligar’‘, ‘‘Está bom’‘, despedimos, fui embora, aí no dia seguinte foi aquela tortura, aquele que você pega celular ‘‘Liga’‘ e nada, passa tempo, passa hora e o relógio só fazia tique-taque e nada de ele ligar. Aí eu lembro que eu desci para quadra com as crianças, estou lá jogando bola aí o menino: ‘‘Tia, seu celular está tocando’‘, que eu deixei jogando no chão, aí peguei celular: ‘‘Alô’‘, ‘‘Oi Renata, é o Fernando’‘, eu: ‘‘Oi, tudo bem?’‘, ‘‘Vamos sair hoje?’‘, ‘‘Vamos. Que horas?’‘, e marcamos de se encontrar de novo lá no shopping. Aí na hora que eu desliguei o telefone saí pulando igual uma besta, a quadra inteira. Nossa, muito engraçado, como a gente faz as coisas. Aí depois a gente foi se conhecendo, se conhecendo, aí depois de um ano, é até engraçado, mas depois de um ano que ele veio me pedir em namoro, que ele falava, tanto é que quando (inint)[00:23:39] entrava dentro de casa o meu pai perguntava para ele: ‘‘E aí, o que você tem com a minha filha?’‘, ‘‘Não, a gente está se conhecendo, doutor’‘, sempre ele falou isso, meu pai falou: ‘‘Essa cara está te enrolando, está te enrolando’‘, tanto é que depois de um ano que ele veio confirmar o namoro. ‘‘Não, agora tudo bem’‘, eu falei: ‘‘Agora é sério?’‘, ‘‘Não, agora é sério’‘, aí a gente ficou nesses anos juntos, aí em dois mil e... Nossa gente, eu estou muito ruim de memória.
P/1 - Não tem problema, não precisa falar o ano.
R - 2013 nasceu a minha pequena, seis de maio de 2013 veio aí a Júlia, eu sempre quis ter uma filha chamada Júlia.
P/1 - Olha.
R - Aí veio de surpresa aí, nada esperado, que veio para alegrar aí as nossas vidas, a minha Pipoquinha, eu chamo ela de Pipoquinha.
P/1 - E tem outro depois?
R - Não, só ela.
P/1 - Você já estava morando juntos?
R - Não, a gente estava noivo, aí depois que ela veio a nascer, aí a gente se juntou, no fundo da casa da minha tem uma casa, aí a gente veio a morar junto, aí resolvemos nos juntar por causa dela antes do tempo.
P/1 - E aí estão até hoje nessa casa?
R - Não, que a gente morava no fundo da casa minha mãe.
P/1 - Lá na...
R - Aí de lá a gente reformou a casa do fundo da minha sogra e a gente foi para lá, porque...
P/1 - Aí que você mudou para Guarulhos?
R - Aí que eu mudei para Guarulhos, porque quando a minha filha nasceu, quando eu voltei a trabalhar a minha sogra que cuidava dela, então, não tinha condições de eu ficar vindo para a minha mãe e depois ir para lá, indo para a minha mãe e depois indo para lá, então, a gente acabou indo para Guarulhos de vocês.
P/1 - Vamos voltar agora todo esse tempo para falar um pouco da escola. Você contou de todo esse período das brincadeiras e tal, depois a gente vai falar um pouco da parte do country, pelo jeito é uma paixão.
R - Eu gosto.
P/1 - Mas ainda na escola, quais são suas primeiras lembranças da escola?
R - Escola? Eu lembro do prezinho, da professora Rita, eu lembro uniforme azul clarinho e um desenho de um arco íris.
P/1 - Era particular?
R - Não sei, eu lembro que eu ia, não sei, mas devia ser. Lembro dela, depois eu venho lembrar de um episódio quando eu estava na terceira série, que já conto isso até lá na instituição, que eu tinha muita dificuldade em matemática. E teve um dia que a benção da professora fez várias contas e ia chamando um aluno por vez para ir na lousa e resolver a conta, só que quando chegou a minha vez era simplesmente a conta 23 x 3, eu não sabia lógica da multiplicação, então, ela me deixou na lousa desde a hora da entrada até a hora da saída. Eu fui para o café, todo mundo falava: ‘‘Renata, 69, é só colocar lá o seis e o nove’‘, eu chegava do café, colocava o seis e o nove, ela virava para mim: ‘‘Me explica’‘, aí eu fazia aquela cara, apontando, aí ela apagava e falava: ‘‘Me explica, eu quero que você me explica’‘ e nisso eu fiquei na lousa aquela manhã, o dia todo, as horas todas em pé, chorando em alguns momentos e depois acabei indo para casa, não era muito de expor os sentimentos e guardei aquilo para mim. No dia seguinte fui para sala, chorava, chorava, aí a minha mãe tentava conversar comigo, mas eu tinha medo da reação da minha mãe e do conversar com a professora. Mas depois com o tempo foi passando, mas é tipo um trauma que eu tenho, uma lembrança muito negativa dessa professora e dessa atitude. Porém, vou dar uma volta na vida, quando eu estava na quinta-feira apareceu um abençoado professor chamado José Geraldo, que ele ficou comigo da quinta até a oitava série, ele era professor de matemática. Foi ele que, literalmente, me ensinou a arte da matemática, e ele usava os jogos, então, para eu conseguir entender essa lógica do três, então, ele pegava, às vezes, três balinhas, três grupinhos de balinhas, foi aí que eu comecei a entender. Então, querendo ou não, esse professor ele teve essa sensibilidade, esse olhar, foi aí que eu me apaixonei pela matemática, e fui assim desenvolvendo. Daí em diante me apaixonei pela matemática total, me formei, da oitava série eu resolvi ser professora, por causa dele, aí eu fui para o Magistério, que época era CEFAM (Centro Específico de Formação em Aperfeiçoamento do Magistério) onde você estudava o dia inteiro e recebia um salário mínimo, uma bolsa. Então, eram quatro anos, me formei em Magistério, tanto é que no último ano foi um pouco até pesado, porque eu fazia o Magistério, estudava o dia inteiro e ia para a faculdade, engatei a faculdade junto.
P/1 - Qual faculdade?
R - A Uninove, Pedagogia. Então, eu estudava Magistério o dia todo, saía do Magistério, ia as vezes no estágio, e ia para a faculdade, aí eu falo que foi um período que me viam louca. Aí me formei no Magistério, na sequência terminando já o segundo ano da faculdade, aí eu fui fazer uma entrevista na Casa do Macário, foi aí o meu primeiro emprego. Eu fiz a entrevista, na época a diretora Sílvia, aí ela me contratou como, na época, monitora, que eu ia cuidar de uma turma com trinta crianças na sala, ia dar diversas atividades. Aí você entra com uma imagem, porque uma coisa é você ter a teoria, a prática é outra, aí tem hora que você olhava, entrava na sala neguinho pulando em cima da cadeira, aí você fala: ‘‘Meu Deus, agora eu mando. Como é que eu faço?’‘, eu: ‘‘Gente, para tudo, vamos lá, vamos falar de regras’‘, daí já chegava, pedia para: ‘‘A regra da tia Renata é o seguinte não pode correr, não pode bater no amiguinho’‘, aí a gente fez as regras coletivas na sala. Aí eu fiquei durante um ano como monitora, em dezembro eu fui mandada embora por reajuste de salário, a gente estava recebendo acima do piso que a prefeitura pagava. De dezembro, janeiro eu logo ingressei na Polícia Militar, no Tietê.
P/1 - Então, paramos aqui agora, porque aí você vai começar a falar da sua vida profissional. E você disse que gostava muito de dançar, ou gosta, você disse que dava aula de dança?
R - Dava aula de country, eu saía em barzinhos assim que tocava sertanejo, a gente começava a dançar, eu tinha facilidade para dançar e ia ensinar os outros a dançar. Então, as vezes eu começava e as pessoas vinham atrás de mim me imitando e a gente formava aquelas comitivas, tanto é que teve uma fase da minha vida que eu fui tesoureira de uma comitiva.
P/1 - Então, espera aí um pouquinho, vamos voltar. Como que você começou?
R - A dançar?
P/1 - É, com que idade?
R - Eu sempre gostei de dançar, desde a infância, na infância a gente se reunia com as primas, dançava Curumim iê iê da Mara Maravilha, Angélica - Vou de Táxi, sempre fui uma pessoa que gosta.
P/1 - Teve alguma apresentação assim inesquecível, ainda criança, ou maior?
R - Nossa, de domingo em família, enquanto estava fazendo o almoço, a gente ia para a sala da minha avó, eu e minhas primas, ficava lá escolhendo os discos, colocava os discos, ‘‘Vamos ensaiar’‘, aí ficava lá ensaiando a música, depois do almoço a gente ia apresentar para toda família, porque dia de domingo o meu avô fazia questão reunir todos os filhos. Então, depois do almoço era tradição, a gente sempre dançava. Aí desde a infância, aí eu fui dançando, aí eu sempre gostei de música sertaneja, o meu pai também era uma pessoa que gostava muito, meu pai e a minha mãe, aí comecei a ir.
P/1 - Ele cantava, tocava em casa?
R - Não, de ter discos, CD, de ouvir em casa, mais disso, não que ele tocasse, essas coisas não.
P/1 - E esse almoço de domingo era a família da sua mãe?
R - Não, do meu pai.
P/1 - Lá do bairro também?
R - Lá em Santa Inês, aqui na Zona Norte, Santana ali.
P/1 - E a família era grande?
R - Era, era um momento muito bom, reunia a minha primaiada, bola correndo, aquela bagunça, era muito legal.
P/1 - E o momento da dança parava todo mundo?
R - Parava todo mundo, a diversão era, o meu pai tinha uma câmera na época, então, ele filmava isso, tem cada coisa, gente, misericórdia. Então, ele filmava a gente dançando, filmava o meu tio, às vezes, fazendo estripulia, brincando com a gente, tem muito arquivo gravado, muitos momentos bons assim.
P/1 - Bacana, muito bom. E seus irmãos, quando vocês começavam a dançar, eles...
R - Eles ficavam tirando sarro, os palhaços, ficava lá tirando sarro e a gente saía correndo atrás deles, então, muito bom, um tempo muito bom.
P/1 - E aí você começa a frequentar os bailes, as casas?
R - As casas.
P/1 - Essas aulas não eram remuneradas?
R - Não, a gente chegava lá, quem tinha mais acessibilidade para dançar, aí um começava a dançar, os outros iam atrás imitando, aí começou rotineiro.
P/1 - Você ficou conhecida assim?
R - Fique conhecida, o meu apelido era Sol.
P/1 - Por quê?
R - Porque eu era muito animada, onde eu chegava eles falavam que eu já chegava iluminando, então, um apelido que eles me deram, de comitiva assim, era Sol, ‘‘A Sol chegou, bora dançar. A Sol chegou, a Sol está aqui. Não, a Sol vai vir?’‘, era bem isso.
P/1 - Que bonito.
R - É.
P/1 - E qual a sensação quando te deram esse apelido?
R - Na hora eu falei: ‘‘Ai gente, meu nome é Renata’‘, que a minha mãe sempre falou: ‘‘Seu nome é Renata’‘, então, muitas pessoas, às vezes, falavam para mim: ‘‘Vou te dar, Renatinha’‘, ‘‘Não, é Renata’‘, ‘‘Gordinha’‘, ‘‘É Renata’‘, minha mãe sempre falou de nome, valorizar seu nome. Tanto é que quando eles colocaram de Sol, ‘‘Não gente, meu nome é Renata, me chamam de Renata’‘, ‘‘Não, Sol é apelido carinhoso’‘, aliás me explicaram e eu falei: ‘‘Está bom, vai’‘, aí comecei a amenizar, mas até então. Têm pessoas que me conheciam por Sol e tem pessoas que me conheciam por Renata, então, era muito engraçado, ‘‘Você falou com a Sol hoje?’‘, ‘‘Que Sol?’‘, ‘‘Não, a Renata.’‘, ‘‘Falei’‘.
P/1 - Que apelido bonito.
R - É, um apelido que eu tinha.
P/1 - Você gostava desse apelido?
R - Gostava, algumas pessoas ainda me chamam disso.
P/1 - E você frequentava esses lugares e sempre música country?
R - Country, sertanejo, vanerão.
P/1 - Vanerão?
R - Gostava bastante, porque você dança tanto individual quanto de dupla, aí você vai na hora, puxa um e ensina, a pessoa que dançava em dupla, por exemplo, não sabia dançar, você ia ensinando, daqui a pouco ele estava dançando com várias pessoas. Era muito legal, é muito gratificante.
P/1 - Explica o que é comitiva para a gente?
R - Comitiva é um grupo de amigos que se reúnem para promover o bem para a sociedade, então, por exemplo, a minha comitiva a gente juntava dinheiro e ajudava um orfanato, então, por exemplo, a gente marcava o ano inteiro, a gente já decidia em janeiro, ‘‘Vamos montar cada mês cada
pessoa vai ajudar o que pode, dar dez reais’‘, ou então as vezes a gente fazia alguns pequenos eventos, guardava esse dinheiro para quando chegasse o dia das crianças, a gente já comprava os brinquedos e doava nesse orfanato. Essa era a ideia da comitiva.
P/1 - Essa comitiva ela surgia, o grupo era de onde?
R - Da Zona Leste, começou na Zona Leste, porque a maioria das minhas baladinhas que eu ia era da Zona Leste.
P/1 - Na Zona Norte não tinha?
R - Não era tão movimentado como a Zona Leste, a Zona Leste é muitos barzinhos, muitos.
P/1 - A Zona Norte...
R - Não tinha tanto country, era mais pagode, barzinhos de pagode com feijoada, a Zona Leste que já tinha esse perfil mesmo.
P/1 - Desde que você começou a sair, que você falou, com dezoito anos?
R - Isso.
P/1 - Antes o papai o não deixava?
R - Não, o papai não deixava, só quermesse. Inclusive eu fui criada no seguinte verso, que eu odeio esse verso, mas hoje eu entendo esse verso ‘‘Os meus bodes eu solto, as minhas cabritinhas ficam presas’‘, papai falava isso, então, eu morria de raiva quando ele falava isso: ‘‘Os meus bodes estão solto’‘, então, Tiago e Ricardo, era menor do que eu, eles podiam sair e voltar meia noite, a minha cabritinha sete horas tinha que estar em casa. Nossa, eu cresci com esse ditado, nossa, hoje eu tenho uma filha e eu entendo. Aí toma.
P/1 - Mas você prendeu a sua cabritinha ou mais ou menos?
R - Não, a minha cabritinha, por enquanto, está tranquila, tem cinco aninhos, está tranquila.
P/1 - Renata, e como é que você começou a ir para a Zona Leste? Quem é que te levou?
R - Eu ia muito na Cervejaria Paulista, onde eu conheci o meu marido, que ficava em Guarulhos, e lá eles comentavam: ‘‘Abriu uma casa na Zona Leste’‘, ‘‘Vamos lá conhecer’‘, aí a gente ia conhecer, ‘‘Abriu uma outra casa lá em um outro bairro da Zona Leste’‘ e a gente ia.
P/1 - Guarulhos ainda é Norte, não é?
R - Guarulhos é Norte ainda.
P/1 - Renata, conta assim, se eu ficar te perguntando, se você puder contar o que são essas comitivas, como que elas se formam, quem é que participa.
R - São pessoas que tem interesse de dançar, de fazer bem para o próximo. Tem todo estatuto, para criar uma comitiva tem o estatuto que rege, é uma coisa bem séria, e aí o grupo se reúne, marca os encontros todo mês, ‘‘Esse mês o que nós vamos planejar?’‘, alguém as vezes fala: ‘‘Tem uma casa que está precisando de alimentos’‘, ‘‘Vamos nos juntar, cada um dá o que pode, vamos ver se a gente consegue montar algumas cestas básicas’‘,, as vezes a gente ficava sabendo: ‘‘Tem uma vizinha minha que está passando necessidade’‘, as vezes se ajudava, se juntava e dava uma ajuda para essa senhora.
P/1 - E esse grupo era da casa ou do baile? Casa que eu quero dizer é casa de show.
R - Não, formamos amigos, a gente começava a se tornar amigos e esses amigos entravam, que a comitiva é, como é que eu vou explicar? É como se fosse um grupo de amigos, fechado.
P/1 - E esse grupo sempre partia do grupo de que ia dançar junto?
R - Sim, onde um ia todos iam, então, a gente marcava ‘‘Hoje a gente vai no Terra Brasil’‘, aí todo mundo ia para o Terra, ‘‘Hoje a gente vai para o Estância da Serra’‘, todo mundo ia para o Estância, e assim a gente ia.
P/1 - Você começou em uma primeira comitiva assim? Como foi?
R - Não, só teve uma, era a Comitiva Atribulados, era o nome dela.
P/1 - Ela já existia?
R - Não, a gente que criou, nós que criamos. O Robertinho, na época, que era o presidente da comitiva, que criou, eu só ficava com o controle do dinheiro, como ele falava: ‘‘Você é muito certinha, fica com essa parte contigo’‘, aí que controlava toda essa parte de dinheiro, planejava quanto que a gente precisava para ter tantos brinquedos, fazia orçamento, ‘‘Um orfanato tem cem crianças, então, a gente precisa de quantas bonecas e quantos carrinhos?’‘, corria atrás de orçamento ‘‘A gente precisa chegar no valor x, eu consegui mais barato isso e isso, e aí como vai ser?’‘. Participa, às vezes, de galinhada, as vezes a gente ia nesses encontros, fazia a galinhada, chegava na hora para vender a nossa galinhada para a gente arrecadar dinheiro também. E assim a gente ia, sempre com a ideia de ajudar o próximo.
P/1 - E você disse que ficou no Dom Macário um ano.
R - Isso.
P/1 - Que foi essa situação da sala de aula. Teve alguma história nessa sala de aula, além de ter que fazer todas as regras, que te marcou?
R - Olha, no Macário tiveram tantas histórias, porque eu já estou no Dom Macário...
P/1 - Mas só desse primeiro...
R - Só desse primeiro momento?
P/1 -... Que você estava chegando, primeiro contato?
R - Teve da sala do lado, porque eu e a Sueli, na época, nós duas entramos novas, e tinha um menino que ele tinha, as vezes, distúrbio, e como a gente, assim, a gente sabe a teoria e não sabe a prática, e nesse dia, eu lembro que ele entrou na janela e ele ficou assim encaixado na janela e falou: ‘‘Eu sou o Super-Homem, eu quero voar’‘, aí ela começou pegando ele, segurando ele, aí ela começou a gritar, as crianças foram na minha sala me chamar: ‘‘Renata, Renata, o Cleiton está dando problema’‘, aí eu fui na sala do lado e falei: ‘‘O que é que foi?’‘, aí ela: ‘‘Ele quer voar’‘, aí eu falei: ‘‘Não, Cleyton, vem comigo, vem aqui que eu vou voar com você’‘. Aí eu tirei lá, ‘‘Vamos?’‘, ele falou: ‘‘Vamos, vamos’‘, ‘‘Vou te dar uma capa para voar’‘, aí ele foi saindo, aí minha colega ‘‘Você tem muita imaginação’‘, aí (inint)[00:41:18], ‘‘Vamos, vou te dar uma capa’‘, aí eu tinha um pedaço de tnt lá no armário, coloquei a capa e falei: ‘‘Mas essa capa só pode voar no chão’‘, aí coloquei a capa junto com ele, aí ficamos andando de um lado para o outro na sala, os outros alunos olharam: ‘‘Professora, não estamos entendendo nada’‘, eu falei: ‘‘Vamos fazer um desenho do super-herói, vamos lá’‘. Aí entreguei folha, até ele foi se acalmando na hora, mas depois a gente fica conversando ‘‘Renata, né?’‘, eu falei: ‘‘Gente’‘., se a gente não pode com ele, junte-se a ele
Aí todo mundo fez depois os desenhos, eu colei na parede os desenhos que eles fizeram, do super-homem, tanto é que esse menino também fez o dele. Aí depois eu conversei com ele: ‘‘Toma cuidado, nós somos super-homem, mas a gente tem que estar no chão’‘, ‘‘Está bom’‘, foi um episódio assim bem legal.
P/1 - Eu ia te perguntar, depois do Macário você resolver ser Policia Militar?
R - Não, eu fui ser estagiária, eu consegui um emprego de estagiária no Panelão, aí eu dava aula para minigrupo, crianças de quatro, cinco anos. Aí eu fiquei lá até junho, de janeiro a junho, quando a Rosana, que era a coordenadora da Casa do Macário, a diretora saiu, aí ela subiu para diretora e me ofereceu o cargo como Coordenadora Pedagógica, isso em junho de 2003. E foi lá que eu fiquei de 2003 até 2014, fiquei nessa fundação como Coordenadora Pedagógica, não, na verdade eu fiquei até 2013 como Coordenadora Pedagógica, aí eu tive a minha filha, quando eu voltei de licença aí eu fui promovida a um outro pólo, porque a nossa instituição tinha ganhado mais dois pólos dentro da comunidade e eles falaram: ‘‘Não, como você já está há anos como coordenadora, a gente vai te dar uma promoção, que você tem potencial para ser a diretora do lugar.’‘. Lá eu fiquei por mais um ano como diretora, até outubro de 2014, onde eu pedi as contas porque a minha filha ficou muito doente, e eu não estava conseguindo conciliar o meu pessoal com o profissional, e eu sou uma pessoa que me cobro muito. Então, eu cheguei no coordenador, o Senhor Antônio e falei: ‘‘Não dá, para mim não dá, tem como me mandar embora? Eu estou pedindo as contas’‘, aí a gente conversou, resolveu toda a situação, aí eu fui cuidar da minha filha nesse tempo, a minha filha melhorou, teve refluxo, vários outros probleminhas, graças a Deus ela está bem, hoje, de saúde. Aí depois de um tempo eu fui arranjar emprego em uma creche, consegui emprego em uma creche onde eu fiquei um ano. Dessa creche, aí eles me mandaram embora no final do ano, e fiquei desempregada, manda currículo e nada de currículo, aí em uma sexta-feira à noite o Senhor Antônio me liga me fazendo um convite para eu voltar para essa instituição, mas como educadora de Cidadania, para mim na hora, nossa, eu comecei a chorar de emoção, porque você está a tanto tempo desempregada, é tão difícil hoje por mais que você tenha instrução, as pessoas te cobram cada vez mais. Aí eu falei: ‘‘Não’‘, comecei a chorar, falei: ‘‘Meu filho, tu caiu do céu, misericórdia’‘, aí ele: ‘‘Não Renata, vem aqui na segunda-feira, a gente conversa’‘, falei: ‘‘Se você quiser eu vou agora’‘, era oito horas da noite, ‘‘Não Renata, segunda-feira você vem e a gente conversa.’‘. Aí na segunda-feira eu fui lá, aí ele explicou o cargo que eu ia estar exercendo, que é de Cidadania para ver se eu ia me adaptar, porque até então a minha vida toda eu trabalhei com crianças de seis a quatorze anos e ser instrutora de Cidadania você trabalha de quinze a cinquenta e nove anos. Então, são os opostos, então, para mim, no início, foi um desafio muito grande, mas graças a Deus está dando muito certo, estou me dando bem, estou me desenvolvendo, estou aprendendo muito com a, eu falo que são crianças, tem gente que é cinquenta anos de idade e eu acho de filho ou criança, eles falam: ‘‘Tia, você é louca. Professora, você é louca’‘, mas é o jeito que a gente aprendeu.
P/1 - Mas você falou alguma coisa de Polícia Militar ou eu viajei?
R - No Panelão, eu fiquei lá seis meses, de janeiro a junho como professora.
P/1 - Mas por que Militar?
R - No Panelão aqui, no Tietê, na escola de Polícia Militar para as crianças.
P/1 - Eu não sabia que tinha esse...
R - Não, no Panelão bem aqui no Tietê que tem.
P/1 - E porque chama Panelão?
R - É um termo antigo.
P/1 - É formato do prédio?
R - Não sei, sempre falou Panelão da Polícia.
P/1 - O que é? Uma escola?
R - É uma escola de educação infantil, fundamental e médio, mas que tem a ver para os filhos dos policiais.
P/1 - Foi aí que você ficou numa creche, trabalhando na creche?
R - Não, eu fiquei com idade de quatro a cinco anos lá, aí depois eu saí de lá, porque a Rosana me chamou para voltar para o Dom Macário.
P/1 - Foi nessa que você foi ser diretora?
R - É.
P/1 - E no caso ainda lá no Dom Macário quando você começou, o que é que você pode contar para a gente do seu trabalho lá e tudo, como coordenadora?
R - Como coordenadora?
P/1 - O que é que você quer contar para a gente dessa...
R - Coordenador é, querendo ou não, é uma função que você precisa mais dos funcionários, você tem que ter um olhar diferenciado, porque você tem que entender toda a situação, ouvir todos os lados da história, você trabalha com famílias, você trabalha com histórias de vida e você não pode, jamais, o que você sente em questão, você sempre tem que avaliar o todo.
P/1 - Por exemplo, teve alguma situação que você pode contar?
R - Não, as vezes desavença, por exemplo, duas tias da cozinha estão brigando, aí você desce ‘‘Gente, o que está acontecendo?’‘, aí você ouve um lado, ouve o outro ‘‘Gente, vocês trabalham no mesmo espaço, então, vocês têm que se conversar. Está pesado, está complicado, se vocês não conversarem uma com a outra, vocês não vão resolver, vocês só vão piorar’‘, então, um depende do outro. Então, a todo momento você está sempre enfatizando essa questão do trabalho em equipe, da colaboração.
P/1 - Como é que você aprendeu isso?
R - Olha, eu tive uma mestra, a tia Rosana, eu costumo falar que ela é uma pessoa iluminada, porque ela ensina desde a questão do olhar, desde a questão da parte burocrática, é uma pessoa que ela te dá. Quando eu entrei lá, você entra e você não sabe de nada, eu digo por mim. Eu tinha a faculdade, mas o dia a dia, é uma pessoa que ela te ensina ‘‘Renata, você falou desse jeito, na minha humilde opinião, a minha sugestão que eu dou, eu acho que você tinha que ter ido por esse lado’‘, aí você fica pensando assim: ‘‘É, pior que ela tem razão’‘. Então, é uma pessoa que ela não fala: ‘‘Você agiu errado’‘, não, você não ouve isso da boca dela, ela faz você refletir. Então, eu aprendi muito através desse sistema dela, e isso em todos os casos, quando vinha pai lá conversar com a gente, ou quando a gente chamava os pais para conversar por causa de comportamento do filho, querendo ou não você ouve muitas histórias que você fala: ‘‘Meu Deus, ela não vive, são famílias que sobrevive’‘. E querendo ou não, por mais que eu queria, às vezes, dar uma cesta básica, eu tenho me conter as vezes, porque senão eles acabam acostumando, porque a comunidade, às vezes, ela acostuma muito a ganhar, então, as vezes você tem que sempre mediar.
P/1 - A Rosana é o que lá?
R - Ela continua como diretora até hoje, ela continua lá ainda. E o Senhor Antônio, hoje que é o meu chefe, que ele é o diretor do projeto dos cursos da Casa do CEDESP, é irmão dela, são gêmeos inclusive.
P/1 - Renata, conta um pouco assim da comunidade, do que você aprendeu com eles inclusive, porque você trabalha em um lugar que tem muita relação com as pessoas que moram naquele lugar.
R - Sim, antigamente...
P/1 - Então, me diz onde era o Dom Macário, falar um pouco daquele lugar, que mudanças você observou e das pessoas.
R - A Casa do Macário é uma instituição que já existe a cinquenta e nove anos no bairro da Vila Maria, quem teve a ideia foram os antigos alunos do Colégio São Bento, e o Dom Afonso e o Dom Macário aí que engrenou nessa caminhada aí junto com esses alunos. A Dom Macário mudou muito, dos tempos que eu entrei para hoje, desde a questão do olhar com o aluno, desde a questão do acolhimento, que a gente trabalha muito com acolhimento, de recebê-los, de recepcioná-los, de fazer a diferença, a gente acredita muito nisso. Então, desde dos alunos, dos educadores, todos que entram naquela instituição, a gente trabalha e enfatiza muito a questão do acolhimento, de você ser bem-vindo, ou seja, você se sentir bem-vindo naquele local. E teve muitas mudanças, antigamente não era nada coberto, como a senhora teve a oportunidade de ver lá, não era coberta a nossa estrutura, era aberto, então, chovia, as crianças não podiam brincar, então, a gente realizou uma parceria com Rotary Club da Vila Maria, foram eles que colocaram telhado lá na quadra. Teve também a reforma do anfiteatro, que era tudo de madeira, hoje deu uma incrementada, precisa de algumas coisinhas, mas mudou-se muito, a alimentação mudou-se muito, porque antigamente a prefeitura dava a comida, hoje eles dão o dinheiro, onde a gente consegue investir numa melhor qualidade para os nossos usuários. Então, eu acho que a gente só tem melhorado e desenvolvido a cada dia.
P/1 - Mudou nesse sentido da estrutura, mas em relação a proposta, a concepção teve mudanças?
R - Como assim?
P/1 - Essa preocupação com acolhimento, sempre foi assim?
R - Sempre foi assim, mas eu acho que se tornou mais efetivo com a vinda dos dois, da Rosana e do Senhor Antônio, porque eles que inspiraram, além da ideia da fundação, dos fundadores, eu acho que a Rosana e o Antônio fizeram acontecer mais ainda. Que nem o CEDESP tem os cursos de qualificação profissional, tem, mas o intuito em si não é somente os cursos, é você se sentir acolhido, a gente mostrar que todos que estão ali têm a possibilidade de crescer, de evoluir, de buscar conhecimento, de buscar crescer, que às vezes a pessoa chega lá em busca de um curso, mas não sabe nem onde ela está, dependendo da situação que ela passa. A gente, aos poucos, a gente vai mostrando que todos eles têm potencial, que todos eles têm as habilidades, eles podem não conhecer as habilidades que eles têm e a gente faz aflorar isso.
P/1 - Quando você fala: ‘‘Eles não sabem nem onde eles estão’‘, como assim?
R - Por exemplo, eles sabem que eles estão em um curso, mas na vida eles estão perdidos, não sabe para que rumo ir. Então, as vezes joga uma conversa fora ali e a gente começa a orientar: ‘‘Não, você está fazendo um curso’‘, ‘‘Eu estou com um problema assim, assim e assado’‘, ‘‘Não, mas se você procurar tal ajuda?’‘, querendo ou não esse olhar, que a gente fala, faz toda a diferença na vida de uma pessoa.
P/1 - Vocês trabalham com as histórias deles de forma mais espontânea, informal ou tem algum projeto, alguma coisa?
R - Não, história bem informal mesmo, porque eles vão para o curso. Hoje a fundação, a Casa Dom Macário, ela tem cinco projetos, naquela cidade onde a senhora foi, na Vila Maria, na Rua Amambaí; nós temos o CCA, que é dirigido pela Rosana, que atende, se eu não me engano, quatrocentos e vinte e seis crianças e adolescentes de seis a quatorze anos; tem o CJ (Centro de Juventude) que tem cento e vinte adolescentes de quinze a dezessete anos e onze meses; e tem o Projeto CEDESP, que é esse de qualificação profissional, que conta aí com quase quinhentos educandos, só naquela estrutura, fora o da comunidade que nós temos o CCA Curuçá e o CCA Cidade Nova, o CCA Cidade Nova eu acho tem uns trezentas crianças e o Curuçá deve ser umas duzentas, alguma coisa assim. Então, se fosse somar todos, nós trabalhamos com muitas vidas e essas vidas de criança que passa para a família é muito significativo para nós.
P/1 - Que passa para a família?
R - É que nem a gente fala, a gente trabalha com a transparência, então, a família ela se sente muito à vontade em vir, conversar com a gente, que aí tem o dia da escuta, a família que se sentir e quiser conversar com a gente pode, como se fosse desabafar. Então, já teve dias que a professora: ‘‘Queria conversar com a tia Renata. Queria conversar com a tia Rosana’‘, aí você simplesmente o ouvir, ‘‘Eu estou passando por isso, isso e isso’‘, ‘‘Calma, dê tempo ao tempo, as coisas vão se acertar’‘, aí te dá um abraço ‘‘Obrigado, você me ajudou’‘. Simplesmente você faz a diferença. Quantas vezes a gente quer conversar e não tem com quem conversar? Ou não se sente segura, dependendo do assunto, e conversar com você.
P/1 - E quando as pessoas conversam, elas criam alguma expectativa?
R - Em que sentido?
P/1 - Que a organização vai fazer alguma coisa?
R - Não de a gente fazer alguma coisa, mas as vezes que nem vai lá, às vezes, vai conversar, antigamente tinha muito isso ‘‘Briguei com meu marido’‘, aí começa aquela rixa ‘‘Separei e não deixo mais ver meu filho’‘, a mãe não deixa mais o pai ver o filho, aí ela vai lá com toda certeza conversar, aí você vai com jeitinho ‘‘Mãe, não existe ex-pai, existe ex-marido e ex-mulher, ex-pai não existe’‘, ‘‘Mas eu não deixo’‘, ‘‘Mãe, coloca a mão na consciência. A consciência é sua, não sou eu que vou julgar, mas para pensar, existe ex-mulher, existe ex-marido, ex tudo, mas não tem como você tirar um ex-filho.’‘, aí ela fica te olhando com aquela cara assim ‘‘Está bom então’‘. Aí você vai no dia seguinte, aí você chega e vê a criança: ‘‘Professora, tia, eu fui ver meu pai’‘, ‘‘Que legal, adiantou’‘, na hora a pessoa pode não falar nada, mas você fica feliz por um outro lado, ‘‘Que bom, alguma coisa ela ouviu’‘.
P/1 - Muito bom. Teve alguma história, Renata, além dessas? Você foi Coordenadora Pedagógica?
R - Isso.
P/1 - Enquanto você era Coordenadora Pedagógica, você pode contar alguma, além dessa que você já contou, que é muito legal saber que funciona assim, mas uma situação?
R - O que eu adorava, que antigamente a gente fazia muito, eram as festas, por quê? Principalmente a Festa da Família no final do ano. A Festa da Família como é que funcionava, era aberta para a comunidade e a gente oferecia, no dia, se eu não me engano, era lasanha, lasanha e frango, tinha a chegada do Papai Noel, que era um trabalho que a gente tinha com a comunidade, todo aberto. Então, tinha a chegada do Papai Noel, o Papai Noel dava brinquedo para todas as crianças que estavam lá, era um momento muito, assim, fantástico, porque você via no olhar daquela criança aquele Papai Noel te entregando um presente, e quantas vezes aquela mesma criança não tem a possibilidade de ganhar nada no dia do Natal. Então, querendo ou não era um tempo assim que você ficava encantada, uma simples atitude você. Quem se vestia na época era o Senhor Antônio, ele sempre foi gordinho, então, ele que se vestia de Papai Noel e ele ficava lá o dia todo entregando brinquedo, porque formava aquela fila gigante, coisa que hoje a gente já não tem mais condições de fazer uma festa dessa, mas...
P/1 - Por que não?
R - Tudo aumentou, Márcia, tudo aumentou, hoje em dia você vai na loja de um real e não tem nada de um real, antigamente a gente tinha condições, hoje a gente já não tem mais de fazer. Então, quando acontece a gente faz uma festa só para as crianças, porque o espaço é pequeno, hoje as coisas mudaram muito, evoluíram.
P/1 - O que é que mudou muito na comunidade ou para vocês? De como era e como é agora? O valor, o preço.
R - Não, o valor, eu digo assim, antigamente a gente conseguia até comprar, ia juntando durante o ano, mas hoje as coisas estão muito caras e assim, a gente trabalha, o sistema nosso assim, se dá para um dá para todos. Não tem eu dou para uma sala e a outra não dá. Então, para a gente conseguir contemplar é difícil, e hoje em dia só com a verba da prefeitura fica mais ainda, a gente não tem outros parceiros, é só a prefeitura, então, aquela verba x que a gente ganha é para pagar tudo. Então, é meio complicado.
P/1 - No começo, quando começou tinha incentivo de alguma parceria?
R - Não, a fundação ela tem alguns imóveis alugados, era o único incentivo, assim, na época, que a gente tinha, só que eu acho que o preço das coisas, dos produtos era bem mais em conta.
P/1 - E conforme foi crescendo, você disse que ganharam mais dois prédios. Ganharam de quem?
R - O da comunidade?
P/1 - Os dois.
R - Na época as irmãs que tinha esses dois projetos, elas não quiseram mais ficar, aí a Dom Macário entrou com recurso com a prefeitura para assumir esses dois projetos.
P/1 - Vocês têm essa parceria com a prefeitura desde quando?
R - Faz anos, acho que deve ter mais de quarenta anos já essa parceria.
P/1 - E você disse que lembra muito do Natal, mas alguma situação, assim, você contou algumas já, mas tem alguma outra de família ou de...
R - Festa junina era um tema legal, que a gente abria para comunidade, eu gostava de criar aqueles passinhos country para a galera dançar, já pegava a deixa aí, ensaiava. Eu acho que era muito legal trazer a família para dentro da instituição, e querendo ou não você via o carinho, o zelo, a atenção, os pais vinham: ‘‘E aí como é que está fulano? Como é que está cicrano?’‘, eu achava muito legal isso.
P/1 - Não tem mais essa relação de abrir para a comunidade?
R - Abrir para a comunidade é em poucos eventos, hoje em dia, por exemplo, dia das mães, dia dos pais são eventos fixos que a gente consegue só chamar a família em si, não abrir igual a gente abria para comunidade.
P/1 - Antes abria total?
R - Antes abria total, hoje é bem mais seletivo, porque não tem mais como, hoje em dia está tudo muito caro.
P/1 - Entendi. Então, voltado alguma história de quando você era Coordenadora Pedagógica.
R - História.
P/1 - Alguma situação.
R - Tinha algumas crianças que eu percebia que tinha dificuldade na aprendizagem, então, eu pegava, montava um grupo, fazia uma sala de apoio, eu ficava ajudando, dando algumas atividades extras para melhorar esse lado deles. Tinha o que a gente chamava de GEO, que era o grupo de orientação, que eram temas que a gente conversava com eles, os temas que eles traziam para tirar as dúvidas deles. Foram fases muito boas.
P/1 - Como é que você vê a comunidade lá nesse lugar? Vamos pensar memórias desse lugar.
R - Da comunidade?
P/1 - As pessoas, o local como era e como é, as pessoas, se tem alguma mudança importante?
R - Assim, olhando assim no geral o que teve de mudança...
P/1 - Além das praças, que você comentou.
R - Além das praças.
P/1 - Mas, assim, das pessoas, da convivência em relação...
R - É que eu não vivo muito dentro da comunidade, que a Casa Dom Macário é fora, então, eu não vivo muito dentro da comunidade para poder estar falando.
P/1 - ‘‘Fora’‘ como assim? Fora por quê?
R - Porque a Casa Dom Macário fica antes da ponte, depois da ponte é a comunidade.
P/1 - Entendi.
R - Então, eu chego no Dom Macário meio dia e meia e saio as dez e vou embora, então, não tem como eu falar da comunidade assim.
P/1 - Cresceu?
R - Cresceu, barracos se formaram, casas se formaram, invasões aconteceram.
P/1 - Você acha que cresceu quanto, assim, a comunidade?
R - Cresceu bastante.
P/1 - Foi chamada de outro nome antes esse lugar?
R - Era favela, é que hoje eles não falam mais favela, é comunidade.
P/1 - Era favela?
R - Era favela.
P/1 - Que nome tinha essa favela?
R - Favela da Vila Maria, da Dom Vital, hoje é tudo comunidade.
P/1 - Você sabe como foi que mudou para comunidade lá? Você lembra disso?
R - Não sei, não lembro. Não lembro mesmo.
P/1 - E as pessoas que convivem, que frequentam hoje o Dom Macário, você percebe mudança no perfil nesses tantos anos.
R - Sim, por exemplo, qualquer pessoa que entra lá para fazer um curso, eles recebem, a gente fala que é uma cartilha ou as normas da instituição, então, tem muitas regras ali que nos primeiros dias eles vêm quebrando essas regras, a gente vai orientando aos poucos. Por exemplo, lá não pode usar bo, ‘‘Mas eu uso na rua, eu uso...’‘, ‘‘Aqui dentro não’‘.
P/1 - Porque não pode?
R - Porque ele tampa a sua vista e a gente gosta de olhar no olho.
P/1 - E eles sabem que é por esse motivo?
R - Sabe, a gente explica, a gente explica todas as regras, uma por uma. Igual meninas com saia curta, ‘‘Não pode vir de saia. No joelho, acima do joelho não dá’‘, blusinha mostrando a barriga. Por quê? A gente explica para eles que eles estão indo em busca de um curso profissionalizante, pode vir uma pessoa um dia na sala e fazer uma propaganda de um serviço ‘‘Gente, quem se sentir interessado e quiser nos procurar’‘, ele base o olho em você e você está de baby look, saia curta, a primeira impressão que você vai dar para ele qual é? É que você está passando essa imagem. Então, a mesma coisa aqui dentro, a gente já está preparando vocês para o mercado de trabalho, no mercado de trabalho você vai não vai de mini blusa, ‘‘Tem empresas que dá para ir’‘, ‘‘Mas não é em todas. Não dá para você ir de saia curta em uma empresa, ’‘, ‘‘Mas o bo tem empresa que deixa’‘, ‘‘Mas a maioria não deixa’‘. Então, a gente coloca que algumas regras que já tem na instituição a gente está preparando eles para o mercado de trabalho para eles não ter aquele conflito de choque, a gente sempre trabalha bastante com isso, incentiva muito isso.
P/1 - E depois você foi diretora de uma casa, de um CCA?
R - Isso, aí eu fiquei lá durante um ano, que aí depois eu saí.
P/1 - Sim. Mas teve alguma experiência importante para você registar nesse um ano?
R - Não.
P/1 - Aí era só com crianças?
R - Só com crianças de seis a quatorze, mas normal, era igual ao outro, só a responsabilidade que acabava sendo maior, que toda a parte burocrática era eu que resolvia.
P/1 - Você foi coordenadora pedagogia com CEDESP também?
R - Não, do CCA, do CEDEPS não, o CEDESP eu vim como Cidadania.
P/1 - E agora dando aula de Cidadania, conta como é que está.
R - Olha, dar aula eu me encontrei. No início, quando eu fui chamada para ser Cidadania, eu era responsável de dar o conteúdo Mundo do Trabalho e a minha colega de trabalho Amanda ia dar o Convívio. No início eu entrei assim, porque o Mundo do Trabalho você fala muito de entrevista, de comportamento, dos tipos de emprego, então, você começa a mostrar um outro olhar para eles. E eu sou sempre cara fechada, então, a maioria das vezes eu estou sempre série, que nem o povo fala, o meu seu semblante já é sério por natureza, mas depois que eu abro a boca, lascou. Então, eu sou sempre muito séria, sempre estou olhando nos corredores, séria, eles falam: ‘‘Nossa, meu Deus do céu, essa daí vai dar Mundo do Trabalho, com essa cara, a gente vai dormir na aula dela’‘, e no final eu só dava mais piada do que tudo. Aí esse ano, aliás, no semestre passado o Senhor Antônio teve uma outra ideia, porque antes era só dois Cidadania, e ele teve a ideia de juntar o português e a matemática, aí na hora ele chamou os três de Cidadania e falou: ‘‘Bossi, você vai dar Convívio; Amanda, você vai dar o Mundo do Trabalho, a disciplina que a Renata dava; Renata, você vai dar português e matemática’‘, a minha cara assim, ‘‘Tudo bem, Renata?’‘, ‘‘Tudo’‘.
P/1 - E por quê?
R - Tipo me lasquei, eu português e matemática, o povo...
P/1 - E porque será que ele te escolheu, você tem ideia?
R - Porque eu sou pedagoga, por essa noção, porque o Bossi ele não tem essa formação, a Amanda ela é psicóloga e mexendo com português e matemática tem sentido. Aí eu: ‘‘Senhor Antônio, eles odeiam português e matemática’‘, a gente conversando depois que acabou a reunião ‘‘Meu Deus, eles odeiam português e matemática, eles vão me odiar. Ter que escrever, misericórdia’‘, aí fiquei pensando, batutando lá falei: ‘‘Vou trabalhar com jogos’‘, jogos é um olhar diferenciado. Cheguei nele: ‘‘Senhor Antônio, vamos? Que tal?’‘, a gente trocando figurinha, ele falou: ‘‘Não, vamos trabalhar com jogos, jogos é legal, você pode mostrar um outro lado’‘, que aí eu fui lembrando daquele meu professor da quinta-série, aí eu lembrei desse professor.
P/1 - Quer que ela conte dos jogos?
M: Quero.
R - Rebobinar a fita.
P/1 - E o Senhor Antônio...
R - Aí a gente...
P/1 - O Senhor Antônio disse que você ia ter que dar português e matemática, e aí?
R - Aí eu: ‘‘Lascou-se’‘, fiz aquela cara, aquela respiração, os meninos saíram da sala, eu falei: ‘‘Meu, você me lascou. Como é que eu vou dar português e matemática, eles não conseguem. Eles já trabalham o dia inteiro, vem a aula à noite de português? Não’‘, falou: ‘‘Não Renata, vamos trabalhar com jogos, dá uma pesquisada, jogos é legal.’‘, ‘‘Tá’‘. Comecei a pesquisar, aí me empolguei.
P/1 - Mas você disse que lembrou.
R - É, eu lembrei do meu professor da quinta-série, que ele me ensinou com jogos. Aí o que eu fiz ‘‘Não, vou trabalhar’‘, comecei a olhar, pesquisar conteúdo, ‘‘Vou pegar sinônimo e antônimo, vou fazer um jogo de sinônimo’‘, ia lá ‘‘Senhor Antônio, preciso de tal material’‘, ‘‘Está aqui. Renata, está aqui’‘, ia lá e confeccionava o jogo do sinônimo e o antônimo. Daqui a pouco eu ia lá e fazia o jogo das sílabas, para eles saberem separar as sílabas, então, eu fiz um silabário, com as sílabas todas do alfabeto, separei vários, fazia sempre seis, seis jogos para a sala ser dividida em seis grupos. Aí tem um outro que eu peguei o jogo de dominó, porque o jogo de dominó é um jogo de matemática, de estratégia, porque você tem que saber contar as peças. Então, eu fiz o jogo de matemática usando dominó. Então, eu fui buscando sempre atividade assim, ‘‘Vou fazer uma redação’‘, só que essa redação eu trazia uma caixa enorme e eu ia tirando os brinquedos, literalmente brinquedos, eu pegava os brinquedos da minha filha, então, pegava um ferro, ‘‘Gente, vamos lá. Um ferro de passar, comece a falar sobre ferro, daqui dois minutos eu vou pegar um outro objeto e eu vou ter que associar na redação de vocês’‘. Então, era uma coisa muito louca e lúdica, e eles tinham que ter conexões das ideias, então, através disso eu fui engrenando aí. E o semestre passado foi muito certo, eles elogiaram bastante e esse semestre tem um projeto inovador, porque a gente está trabalhando o português e o convívio, especificamente, mais através de poemas. O Senhor Antônio ele conversando comigo e com o Bossi, ele falou que tinha ido em lugar que eles estavam trabalhando a questão do olhar e, desse olhar, os alunos tinham que escrever um poema, ‘‘Cara, vou fazer isso’‘. Fui, escrevi um projetinho, dividi com meus dois colegas de Cidadania, aí eles toparam, aí a gente começou a fazer agora em setembro. Então, os educandos, o primeiro poema que eles fizeram, eu falei que eu queria entender e sentir o olhar deles falando da casa deles, antes de eles começarem a escrever eu falo sobre o que é verso, o que é estrofe, qual a diferença de poema e poesia, explicou tudo, aí eles começam a escrever. Nesse que eles trabalharam a casa teve muitos sentimentos que vieram à tona, desde o sentimento de não ter pai, que o meu pai me abandonou, desde sentimentos que eu passei pela Febem, hoje me modificou, teve muita coisa boa, muitos sentimentos que vieram à tona. É muito rico você poder ler esses poemas, que aí você começa a entender um pouco do dia a dia deles, do olhar deles. Aí o segundo eu fiz um bingo de rimas, eu separei algumas rimas, fiz um bingo na sala e as duas cartelas que vencerem eles iam ter que criar um poema em cima das palavras que estavam na cartela, saiu coisas maravilhosas também. Aí nessa semana o que eu estou fazendo, eu tive a sensibilidade, isso não estava no projeto, mas me deu um estralo, eu comecei a corrigir e digitar todos os poemas deles, então, algumas salas, só faltam duas salas, mas todas as salas eu estou fazendo a devolutiva, aí eu entrego: ‘‘Gente, não amasse, porque eu vou criar um livro da sala. Então, vocês vão ver como ficou o trabalho de vocês’‘, e eu enfatizo, eu falei: ‘‘Todos vocês têm que parar de colocar o 'não' ‘‘, ‘‘Como assim, professora?’‘, ‘‘Eu não consigo, eu não sei escrever, eu não sou poeta, eu não... Tirem o 'não', todos vocês têm a sensibilidade, todos vocês têm potencial, todos vocês têm habilidade, basta vocês quererem’‘, aí eles ficam assim. Aí na hora que eu entrego um por um e eles olham o papel deles ‘‘Cara, fui eu que escrevi isso?’‘, eles ficam assim os olhinhos parecendo criança ‘‘Nossa professora, fui eu mesmo que escrevei. Nossa, cara, eu não estou acreditando. Lê o meu’‘, aí eles começam a mostrar um por um ‘‘Lê o meu’‘, eu falei: ‘‘Está vendo, vocês...’‘. Aí a gente vai ter até uma exposição do projeto agora, dia 19 de outubro, por isso que na minha cabeça tem o Museu da Pessoa e esse projeto, estou ficando doida. Mas esse projeto dia 19 vai ser a exposição e tem o poema da identidade da sala. O que é a questão do olhar? No início do projeto a gente pediu para cada educando trazer duas imagens do que gosta, do que o bairro tem, duas imagens aleatórias, dessas imagens, por exemplo, em uma sala tem vinte pessoas, tem quarenta imagens.
P/1 - Que tipo de imagem eles trouxeram?
R - Nossa, desde praça do bairro, lixo que jogam no lugar errado.
P/1 - Foto? Eles tiraram foto?
R - Tiraram foto do celular e eles traziam em arquivo para a gente visualizar. Só que dessas fotos, dez a sala ia escolher e em cima dessas fotos eles iam criar um poema de identidade da sala, só que aí eu só ia escrever e eles iam construir o poema. Então, a gente começou essa semana a escrever o poema, que a gente já selecionou as imagens, e está saindo umas coisas assim que você fala: ‘‘Meu, olha a criatividade dele’‘.
P/1 - É um poema coletivo?
R - Um poema coletivo para fechar. Então, na verdade, no dia da exposição vai ter um painel com as dez fotos que eles escolheram, vai ter o livrinho com todos os poemas que eles fizeram em sala comigo, vai ter uma fotinha da sala mostrando união, trabalho em equipe e o poema que eles fizeram da identidade da sala e, no final, na hora que eu finalizo a sala, que eu dou a devolutiva do poema eu falo: ‘‘A exposição, não é somente para falar da identidade da sala, é para mostrar que todos vocês são poetas, que todos vocês sabem escrever’‘, eles falam: ‘‘Não, professora, você fez pegadinha com a gente’‘, aí eles começaram a rir ‘‘Professora, olha a ideia que você teve’‘, falei: ‘‘Não, não fui eu que tive, é um trabalho da Cidadania e o Senhor Antônio que jogou a ideia para a gente e a gente acolheu, um trabalho de equipe’‘, e aí eles: ‘‘Nossa professora, então, quer dizer que vai ter o nosso trabalho lá exposto da identidade da sala?’‘, aí eles começam: ‘‘Meu, vai ser muito legal, muito legal’‘. E é muito gratificante ver os olhinhos deles na hora que eles pegam a folha, vê o poema formatado, ‘‘Nossa, fui eu mesmo’‘, aí tem uns que chegam: ‘‘Professora, aqui eu tinha colocado 'tinha', não é 'tem' ‘‘, ‘‘Vou consertar’‘, aí eu abro meu computador na hora, já corrijo ‘‘É assim?’‘, já mandou imprimir ‘‘Agora está certo, professora’‘. É muito legal esse trabalho, muito legal.
P/1 - Muito bom mesmo. E essa ideia de trazer as imagens já estava no projeto ou você que...
R - O olhar? Não, o Senhor Antônio tinha comentado de trazer essas imagens da realidade deles, do meio onde eles estão inseridos, que juntou com um pouco da ideia do projeto, do Museu da Pessoa, que ia trabalhar justamente essa questão do olhar, do bairro, verificar o que tem, querendo ou não acabou casando essa ideia do projeto que a fundação está participando, é um parceiro nosso, com outro projeto que a gente começou a fazer lá na instituição. Então, casou os dois e está sendo, assim, fantástico.
P/1 - Inclusive quando eles falam da casa, começou falando da casa deles?
R - Isso.
P/1 - Eles estão falando deles também, da história deles?
R - Deles, colocando os sentimentos deles, exatamente.
P/1 - Que é a ideia das histórias de vida.
R - Que nem tem gente que falou para mim: ‘‘Professora, eu não quero falar da minha casa’‘, falei: ‘‘Então, conta a história de uma casa. Não deixa de fazer, conta a história de uma casa qualquer’‘, ‘‘Pode ser qualquer uma?’‘, ‘‘Pode’‘. Às vezes a pessoa ela não se sente segura de falar da sua, mas ela pode imaginar o que seria uma casa ideal, ou pode contar, às vezes, até da casa de um amigo que ela vai, ela sabe o que acontece e escrever.
P/1 - Você acha que teve alguma situação que ele contou a história dele como se fosse de outra casa? Isso não dá para saber?
R - Não, isso não dá para saber, mas teve muitas histórias assim que você para e fala: ‘‘Caramba, cara, é um guerreiro’‘, coisas que você não sabe, você olha assim para a pessoa está sempre bem, está sempre tranquila, aí na hora que você pega assim. Aí tem hora que você pergunta: ‘‘O que você escreveu é verdade ou você foi criativo?’‘, ‘‘Não, é minha história, pro’‘, aí eu falo: ‘‘Nossa, filho, parabéns’‘.
P/1 - Você tem alguma que você acha importante contar? E depois se teve...
R - São várias, tem gente que falou que, por exemplo,
no poema, que o pai abandonou, mas ele continua amando o pai da mesma forma, fala das histórias de vida de mãe, que mãe é uma guerreira, que mãe sustenta, ela faz de tudo, batalha, cria. Fala história de avó, que mãe e pai faleceram, a avó está aí para cuidar, que ama a avó acima de tudo. São muitas histórias boas.
P/1 - Renata, você está fazendo esse trabalho tão bonito, tão rico. Vem, assim, histórias da região no meio desse trabalho? Como é que você...
R - Na região eles não falam tanto.
P/1 - Mas assim, na verdade eu estou afirmando, quando você lê essas histórias eles estão falando desse lugar, da Zona Norte, desse bairro. E o que mais você percebe, assim, no meio dessas histórias da comunidade? Se é que dá para fazer essa síntese.
R - É que eles não comentaram muito da comunidade, por exemplo, da questão da casa eles comentaram muito, às vezes, da estrutura, ‘‘Na minha casa tem dois cômodos’‘, às vezes, eles não falaram muito do bairro em si.
P/1 - Das relações, na verdade, eu quis falar das relações no bairro.
R - Das relações eles comentam. Não, relações no bairro não, o que as vezes sobressaí é a relação de pai e mãe, de filho, falei: ‘‘Eu brigo com meu irmão, mas somente eu posso falar mal dele’‘, que as vezes acontece, mas eles trabalham muito com rima, que é o que é legal eles colocarem rima no início ou no final da frase, que nem: ‘‘Eu tenho o tenho o direito de falar mal do meu irmão, você não tem’‘, eles falam muito isso: ‘‘Eu posso cair na porrada com meu irmão, mas só eu posso falar mal dele. Você fica na sua’‘, eles defendem muito isso.
P/1 - Eu perguntei mais assim em relação aos costumes da comunidade como um todo, se aparecia, mas...
R - Não, não apareceu não.
P/1 - Dá para perceber pelas histórias deles, não é?
R - Sim.
P/1 - E você disse da rima, a maioria que idade tem? Como nós estamos fazendo uma formação, essas perguntas que eu te fiz duas delas eu falei para você só responder sim ou não, então, não são duas perguntas.
R - Eu entendi.
P/1 - Nós estamos fazendo uma formação do Museu da Pessoa, o curso está acontecendo, eu estou te entrevistando, eu sou a formadora, então, quer dizer, eu fiz duas perguntas agora que você acabou precisando só responder sim ou não. Então, eu estou dizendo, não foram duas perguntas, perguntas que o entrevistado diz só sim ou não...
R - Não são boas.
P/1 - Não são boas perguntas. E o que eu estava querendo entender e se, além das vidas todas que não deixam de trazer o que é a comunidade, as vidas que eles trouxeram, cada um trouxe tudo isso que você contou, isso já é a história da comunidade.
R - Sim.
P/1 - Mas perguntei se tinha mais alguma outra decepção das relações aí desse lugar?
R - Não, não, o que as vezes saía, por exemplo, era a questão de espaço, que as vezes eles querem mais espaço para brincar, mas, porém, tem uma quadra, eles mesmos entravam em contradição, entendeu? Algumas coisas que apareciam ‘‘Eu quero mais espaço para mim brincar, mas eu tenho uma praça lá que eu posso andar de skate’‘, então, foram poucas as coisas que eles relataram mesmo da comunidade.
P/1 - Das relações?
R - Das relações, foram poucas.
P/1 - Renata, e como a gente já está terminando, você, da sua vida, você falou que a sua filha teve um momento mais difícil.
R - Ai meu Deus, ela vai fazer eu chorar.
P/1 - Não, se você quiser contar, porque é um registro.
R - Sim.
P/1 - Tudo bem, senão não, você que escolhe. Se você quer contar essa passagem, que agora já está tudo bem.
R - Consigo. Minha filha ela começou a emagrecer muito rápido, e ela não pegava peito, aí ela começou a desenvolver refluxo, nada parava no estomago, começou a aparecer umas manchas vermelhas no corpo, tem hora que não sabia se era rubéola, fazia exame e ninguém sabia nada. Aí você ia trabalhar com aquela cabeça, que você ficava em casa, se sentindo uma péssima mãe, aí eu resolvi largar tudo e falei: ‘‘Não, vou cuidar dela’‘, foi isso. Aí graças a Deus as coisas foram se ajeitando.
P/1 - E ela ficou bem?
R - Ficou bem, bem até demais. Minha Pipoca, graças a Deus, criança fazendo a bagunça é a melhor coisa que tem.
P/1 - E porque esse apelido Pipoca?
R - Porque na minha barriga ela não parava quieta, não parava um minuto. A Júlia demorou para mexer, ela foi começar a mexer e eu comecei a sentir ela com cinco meses, só que assim, era dia, noite, eu falava que era carnaval fora de época, então, eu falava que pipoca, o bloco da pipoca estava pegando aqui e acabei continuando ‘‘Minha Pipoquinha, minha Pipoquinha’‘ e continuei chamando ela assim.
P/1 - Qual a sensação? Você consegue descrever da sua filha mexendo dentro de você?
R - É um sentimento único e inexplicável você sentir aqueles chutinhos, não tem como explicar, acho que é só sentindo. Que nem igual, o meu marido as vezes chegava, parecia pior, parecia que ela conseguiu ouvir a voz dele e começava, aí ele colocava a mão na minha barriga ‘‘Nossa, meu. Ju, papai está aqui’‘, parecia que ela se empolgava, aí ele falava: ‘‘Vai ser jogadora de futebol’‘, ‘‘Não, não vai ser jogadora de futebol não, vai ser advogada’‘, aí ele falava: ‘‘Vai ser professora igual a mãe’‘, ‘‘Não, saí desse mundo, meu filho, sai desse mundo’‘.
P/1 - E dançar, ela gosta de dançar?
R - Gosta, gosta de dançar, ela pega o bumbum e fica assim, parece aquele robozinho, é dura igual o pai dela, parece um robozinho, fica assim.
P/1 - Muito bom. Renata, a gente já está indo para o final. Você disse que se realizou, se encontrou como professora.
R - Sim.
P/1 - Além de todo esse trabalho que você está fazendo, tão bonito, tem alguma história de algum aluno com você, que você gostaria de contar?
R - Teve alguns alunos que durante as aulas, às vezes, se sentia desligados e eu sempre, eu sou uma anteninha, eu chamo essas coisas, aí, ia lá, conversava: ‘‘Vamos melhorar, filho, tenha força de vontade. Eu não sei o que você está passando, mas você tem que colocar um objetivo na frente. Lembra que sempre a vida é uma roda gigante, um dia a gente está por cima e outro dia a gente está por baixo. Sempre vai ter coisas ruins na nossa vida, a gente está aí sempre para média’‘, e as vezes ele só chorava, chorava e ficava me ouvindo. Aí esse menino um dia arranjou emprego, aí ele saiu do curso e em um dia ele foi lá e me agradeceu ‘‘Quero falar com a professora, Renata’‘, ‘‘Ela está dando aula’‘, ‘‘Não, preciso falar com ela. Posso ir lá falar com ela?’‘, aí deram permissão para ele e ele foi lá na sala e falou: ‘‘Ela pega no pé, ela é chata, mas eu só estou aqui por causa dela’‘. Aí você fica assim, olhando toda emocionada, ele: ‘‘É, porque os conselhos dela, ela tem essa cara de brava aí, mas ela é nossa mãezona. Então, o que ela fala, na hora a gente não pode entender nada, a gente só vai entender lá na frente’‘, aí ele falou: ‘‘Você me ajudou muito, hoje eu estou aqui por sua causa’‘. Aí você se inspira, você fala: ‘‘Nossa, eu estou fazendo um pouquinho a diferença na vida de alguém, então, se eu estou conseguindo fazer essa diferença, um pouquinho que seja, já está bom ’‘.
P/1 - Você quer contar alguma coisa que eu não perguntei? Da vida inteira.
R - Nossa.
P/1 - Alguma coisa que você lembrou ‘‘Olha, lembrei disso’‘, mesmo que tenha sido da infância ou da juventude.
R - Não, eu acho...
P/1 - Ou do trabalho, que eu não perguntei, ou do casamento.
R - Não, eu acho que comentou de tudo um pouco.
P/1 - Eu tentei, mas às vezes escapa.
R - Não, eu acho que contou de tudo um pouco.
P/1 - Quais são os seus sonhos agora?
R - Os meus sonhos agora?
P/1 - Ou o sonho.
R - Olha, eu acabei de fazer um, que era construir a minha casinha lá no fundo, acabei de realizar um, graças a Deus. Sonho mesmo eu acho que...
P/1 - Ou um desejo.
R - Sei lá, eu sou uma pessoa que eu sempre estou aproveitando o momento, não para muito para pensar o que eu quero, acho que tudo o que eu tenho hoje, Deus foi tão bom, que se falar: ‘‘Qual o seu sonho hoje?’‘, meu sonho é que minha filha seja feliz, ela sendo feliz e eu podendo dar condições para que ela realize os sonhos dela, para mim já está de bom tamanho.
P/1 - Muito bom. Você quer falar mais alguma coisa?
R - Não.
P/1 - Da organização que você trabalha, quer falar mais alguma coisa que você acha importante?
R - Não, eu acho que eu falei tudo.
P/1 - Eu fiquei achando que tem boas histórias aí.
R - Eu acho que eu falei tudo.
P/1 - E o que é que você achou de contar a sua história agora? Você entrevistou pessoas e agora contato a sua?
R - Eu achei muito legal essa oportunidade, querendo ou não, ao contar a nossa história a gente revive alguns momentos, e relembrar momentos é muito bom, porque há momentos que você se emociona, há momentos que você reflete: ‘‘Nossa, eu passei por tanta coisa e olha onde eu já estou. Graças a Deus eu estou muito bem’‘, e tem uns que você gostaria de voltar no tempo. Mas foi muito bom mesmo.
P/1 - Que bom. E eu adorei ouvir, viu Renata. Obrigada pela tua história.
R - Que legal.
P/1 - Parabéns.
R - Obrigada.Recolher
Título: Eu quero voar
Data: 03/10/2018
Local de produção: Brasil / São Paulo / São Paulo
Entrevistador: Márcia de Fatima Elias Trezza Personagem: Renata Ribeiro de Camargo Autor: Museu da Pessoahistórias que você pode se interessar
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