Projeto Metrô
Depoimento de Conrado Grava de Souza
Entrevistado por Mônica Pereira da Silva e Adelaide Porfirio
São Paulo, 08/06/2018
Realização Museu da Pessoa
MET_HV08
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Então, você poderia dizer o seu nome completo, a data e o local do nascimento?
R –...Continuar leitura
Projeto Metrô
Depoimento de Conrado Grava de Souza
Entrevistado por Mônica Pereira da Silva e Adelaide Porfirio
São Paulo, 08/06/2018
Realização Museu da Pessoa
MET_HV08
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Então, você poderia dizer o seu nome completo, a data e o local do nascimento?
R – Conrado Grava de Souza, nasci no dia três de junho de 1949, numa casa pequenininha, muito pequenininha ao lado, cujo o quintal era a estrada de ferro Cantareira, do trenzinho da Cantareira, o trem das onze. Nasci em casa, com parteira.
P/1 – Então, você podia falar um pouco da sua história, da origem da sua família, falar um pouco dos seus avós maternos e paternos…
R – Eu sou de uma família muito pobre. Meu pai, Benedito de Souza nasceu em Lindóia, uma cidade muito pequenininha que é quase divisa com Minas Gerais, veio muito jovem pra São Paulo, não teve instrução formal nenhuma e os seus primeiros empregos foram em padaria, ele era padeiro. Minha mãe também veio muito jovem pra São Paulo, minha mãe nasceu em Jau, filha de agricultores, também com instrução nenhuma, veio pra São Paulo. E os seus primeiros empregos foram de auxiliar de restaurante. Depois, ela foi ser empregada domestica em várias casas, que na época se falava, espero que hoje ainda se fale, casas de família (risos), supondo que algumas casas na época não eram de família. Ela foi ser empregada domestica em duas casas que pessoas que depois, a gente ficou muito próximas o tempo inteiro. Se conheceram, meu pai com uma vida muito simples, minha mãe, uma vida muito simples, depois que casaram, meu pai começou a melhorar um pouquinho mais de vida, compraram uma casinha lá num bairro, que provavelmente vocês não conhecem, chamado Vila Nivi e aí, começa toda uma historia que faz parte também da história da urbanização de São Paulo. Como todos nós, todos os bairros de São Paulo nasceram assim, o empresário de ônibus comprava glebas e glebas de terras, levava a linha de ônibus e loteava. Assim que a cidade de São Paulo cresce dessa maneira que nós conhecemos hoje, né? Os empresários de ônibus levando o transporte coletivo, primeiro, onde não tinha nada, faz a divisão em lotes, abrem as ruas, levam ônibus e aí, começa a lotear. O meu pai também é fruto dessa politica que foi implantada na cidade de São Paulo, na época da sua grande expansão. Comprou uma glebazinha, construiu a sua casinha e lá fomos todos nós morar. Eu nasci não nessa casa, nessa casa nasceu o meu irmão caçula, somos três irmãos, minha irmã mais velha, essa minha irmã mais velha e eu nascemos nessa casinha alugada lá do lado do trenzinho do Jaçanã, no Tucuruvi. O meu irmão já nasce quando nós já estamos morando nessa casa na Vila Nivi, chamava-se Nivi o nome da Vila e ele nasceu em hospital. Dos três, é o único que nasceu em hospital. Os meus avós por parte de pai, a minha avó era alemã e o meu avô era filho de portugueses e talvez aí, valha a pena já mostrar porque eu fui ser engenheiro eletricista, porque o pai da minha avó, o meu bisavô, conta-se há uma lenda, eu suponho até que seja verdadeira veio pro Brasil para construir uma usina no Rio do peixe, uma usina que foi construída em madeira, não existe mais, entre Lindóia e Itapira. Então, ele veio construir, ele era… a gente não conseguiu detectar exatamente qual era a formação dele, mas conta-se na família que ele construiu a usina para gerar energia elétrica para aquela região. E essa história, eu fiquei ouvindo quando era moleque, aí eu até pensava: vou ser engenheiro eletricista como o meu bisavô, tem essa parte da história. Por parte da minha mãe é um pouco confuso também, porque a minha avó era italiana e o meu avô nasceu num pedaço que de tempos em tempos era pertencente a Áustria ou a Itália. Então há pessoas da família que diziam que ele era italiano, outros diziam que ele era austríaco, mas na verdade, as minhas quatro origens, minhas quatro vertentes, os meus avós são todos europeus, português, alemão, italiano e austríaco ou italiano. Então, essa é minha formação. Todos eles, as quatro ramificações foram de imigrantes que vieram para o Brasil pela condição econômica dos países em que viviam na época, todos imigrantes, vieram pra cá para o Brasil. A parte do meu pai foi para Lindóia e a parte da minha mãe foi pra Jau. O meu pai foi um próximo importante do partido comunista no Brasil como sindicalista e tem uma história até muito interessante que quando minha mãe foi apresentar… minha mãe era empregada domestica de uma casa de uma família muito rica, e quando foi apresentar o meu pai como namorado, né, o patrão dela descobriu que o meu pai era presidente de sindicato e fez uma objeção muito forte ao namoro (risos), mas que não conseguiu porque o amor deles era muito forte e muito puro e eles se casaram. meu pai depois, melhorou um pouco mais de vida, minha mãe continuou sempre como domestica, o tempo inteiro, empregada domestica. Um dos momentos que mais marcam a minha vida é a minha mãe com 50 anos, hoje não existe mais, fez o Mobral e eu lembro que quando ela conseguiu escrever o nome dela, nossa, foi uma felicidade incrível! Ela escrever o nominho dela, porque ela não conseguia ler o nome das linhas de ônibus e ela tinha uma grande preocupação com isso, para se locomover na cidade, você precisava saber. Aí, com 50, 50 e poucos anos, ela se
formou no Mobral. O meu pai, depois, saiu do ramo de ser padeiro, mas continuou no ramo de panificação. Meu pai foi trabalhar, meu pai era uma pessoa que falava muito, falava grego sem ter nenhuma instrução formal e recitava Lusíadas,
trechos inteiros de Lusíadas, sem ter nenhuma… falava muito bem, cometia muitos poucos erros de português quando ele falava e aí, claro que com essa característica pessoal, ele foi trabalhar na área de Vendas, foi vender fermento. Já que ele era padeiro, e aí, graças a Deus, ele galgou lá na empresa que ele trabalhou e depois na outra que ele foi, ele trabalhou em duas empresas de fermento, ele chegou a
ser supervisor, chegou a cargos importantes nas empresas pela característica pessoal dele. E assim, fomos nós criados, eu tenho uma irmã mais velha, sou do meio e tenho um irmão mais novo e uma coisa que eu gostaria de registrar aqui que a grande preocupação que eu acho que também foi da maioria dos imigrantes que o pouco de dinheiro que eles conseguiram arrecadar
era para a instrução dos filhos. Em casa, a prioridade o tempo inteiro foi a instrução dos filhos, o tempo inteiro. Todo dinheiro que vinha, que trazia… em casa, tinha uma característica muito especial, o meu pai, acho que nunca pagou absolutamente nada, naquela época, você recebia o salário dentro de um envelope, não tinha conta bancária, não tinha nada, ele chegava no dia do pagamento, dava na mão da minha mãe. E a partir daí, até o cigarro, o meu pai fumava, até o cigarro que ele fumava era com o dinheiro… eu lembro, eu era pequenininho, ele falava assim: “Tite, hoje eu vou comprar o meu cigarro”, minha mãe dava o dinheirinho do cigarro. Então, toda essa parte econômica da casa era gerida pela minha mãe. E a parte educacional também. Minha mãe tinha uma preocupação muito, mas muito forte. Meu pai também, mas menos, minha mãe, principalmente, tinha uma preocupação muito forte com a educação dos filhos. Para você ter uma ideia dessa família, eu diria que nós não passamos necessidades, porque o meu pai nunca ficou desempregado na vida e a minha mãe, também, naquela época, empregada domestica, até que recebia alguma coisinha interessante. Nós nunca passamos necessidade, nunca faltou comida em casa, imagine uma vida cuja dona de casa era empregada domestica e o pai era padeiro, então para vocês terem uma ideia de como que era a vida, né? Casa muito simples, obviamente, muito simples, mas confortável. Eu diria que era casa com alvenaria, confortável, cada um… nós chegamos a ter, depois, que o meu pai melhorou um pouquinho de vida, a ter dois quartos, a ter três quartos, o quarto do meu pai e da minha mãe, o quarto da minha irmã e o quarto meu e do meu irmão. Naquela época, uma família assim até que tava bem. E no final, a minha irmã, formada na USP em História, eu entrei na USP, também sou engenheiro formado pela Escola Politécnica e o meu irmão é médico, o mais novo, né, então, eu acho que o fruto dessa intensão dos meus pais em investir tudo em educação teve êxito, né? Isso, eu percebo também
que nós passamos para os nossos filhos, os três são casados, eu sou casado, minha irmã é casada, meu irmão é casado, então os nossos filhos, também, parte do que eu consegui na minha vida, eu investi também… eu tenho duas filhas, investi nas minhas filhas. A prioridade, eu lembro que quando as minhas filhas eram pequenas, havia até um conflito em casa porque elas chegavam da escola querendo roupa de grife e a gente falava: “Não, aqui em casa… depois, vocês vão ter muito tempo na vida pra comprarem uma roupa de grife”. Aqui, todo o dinheiro que eu e a minha esposa recebíamos, a gente jogava quase todo esse dinheiro na educação das meninas, né? Nas duas meninas. E espero que… das duas filhas, eu tenho uma casada com neto, eu tenho um neto, o Felipe, com quatro anos e meio, que também faça a mesma coisa, eu percebo já que também a preocupação deles também é investir na educação do meu neto. A outra filha é solteira, decidiu não casar na vida. Então, essa é um pouco da minha vida, tenho muito orgulho dos meus pais, um orgulho, assim, lembro deles o tempo inteiro, os dois estão mortos, obviamente, né? mas lembro com muito carinho dos sois e agradeço muito o que eles fizeram por mim.
P/1 – E a sua infância? Se você puder falar um pouquinho…
R – Ah, um molecão…
P/1 – Molecão? (risos)
R – Molecão. Naquela época, eu morava numa rua de barro, não era asfaltada a rua, vocês imaginam, né, se fazia campinho de futebol ainda na rua, jogava futebol. Eu fui um moleque que sempre gostei muito de futebol. Tem uma história de que eu era um pouco encrenqueiro, ali no joguinho do futebol, que eu não me lembro bem, mas eu me lembro de uma passagem, um dia na minha casa que parece que no jogo de futebol, eu entrava um pouquinho mais pesado e aí, o grupinho do jogo com um primo meu, chamado Leopoldo, uma figura maravilhosa me levava: “Vamos brincar um pouquinho lá no fundo do quintal, na casa do Conrado”, aí me pegaram de jeito e me deram uma bela de uma sova (risos), e dizem que a partir daí, eu comecei a não fazer muita bobagem jogando futebol com os meus amigos. Mas uma infância normal, muito tranquila, solta, naquela época era muito tranquilo, nós não tínhamos televisão e a primeira televisão que eu vi na minha vida foi de um vizinho, então a minha mãe era muito rígida na educação, então se a gente fosse muito bem na escola durante aquela semana, no domingo à tarde, a gente podia ir no vizinho ver televisão. Esse era o nosso prêmio por ter isso muito bem na escola. Isso valia para a minha irmã, para mim, para o meu irmão, tal. Depois de um certo tempo, a gente também comprou uma televisão, não tínhamos telefone, claro que eu não tinha telefone, não tinha televisão, nada, né? E a vida, eu diria pra você que não trouxe frustrações na minha infância, não. Minha infância foi muito tranquila, muito sossegada, molecão de rua, jogando futebol na rua, empinando pipa, jogando bolinha de gude, jogando abafa, não sei se vocês conhecem, o joguinho do abafa, uma vida muito tranquila.
P/2 – Só uma pergunta. Você citou quando você se apresentou, a sua infância ao lado do trem.
R – É, exatamente.
P/2 – O quê que era essa relação com esse trem das onze?
R – Então, isso vai aparecer um pouco depois que eu vou contar como que eu chego no trem. Mas eu lembrei muito…
P/2 – Parecia um pátio de infância, ali, né?
R – Então, mas eu sai logo, porque assim que eu nasci, não demorou muito tempo, meus pais mudaram, mas eu acho que toda minha gestação foi passando o trenzinho da Cantareira e apitando ali atrás. Então, eu penso que esse apito do trem, já quando eu estava na barriga da minha mãe já me cativou. E eu tenho… antes que a gente vai falar muito sobre metrô aqui, eu tenho paixão por trem, e não é pelo metrô, é por trem. Eu tenho paixão por esse negócio, é um negócio que eu… gosto muito. Porque vou explicar depois porquê que eu trago essa paixão, pelo entendimento que eu tenho do papel que ele tem para que as pessoas possam viver, o lado mais concreto de como ele viabiliza a vida do cidadão, né? Então, mas tem tudo a ver, então eu já lembrei de cara porque na barriga da minha mãe, eu já ouvia o trenzinho, né?
P/1 – E você estudou onde, Conrado?
R – Então, eu fiz o meu grupo escolar numa escolinha de madeira que era no fim da minha rua, numa pracinha, era todinha de madeira, imagina, uma rua de terra, escola… as ruas em volta da escola eram no meio de uma praça, uma escola de madeira que tava elevada, ela era elevada, como se fossem palafitas, eu lembro até hoje que tinha uma escadinha para subir, uma escola muito pequenininha, devia ter duas salas de aula, estudei ali, fiz o primário ali.
P/1 – E você tem amigos dessa época?
R – Não, do primário, não. Do primário, não. Não me lembro de nenhum amigo do primário. depois que eu terminei o primário, nessa época, hoje não existe mais, tinha um negócio chamado Admissão. Aí, meus pais escolheram um colégio pra eu poder fazer a Admissão e era um colégio no Tucuruvi. Mas eu tinha, já, nessa época uma menininha que eu tava de olho nela, que os pais decidiram fazer o exame de Admissão lá na Vila Galvão, então sem que os meus pais soubessem, eu fui lá pra tal da Vila Galvão atrás da menininha. meus pais descobriram, foi uma confusão federal e nessa época, eu não fiquei nem em um e nem no outro, nem nesse que o meu pai escolheu, meus pais tinham escolhido pra eu ficar e nem no da Vila Galvão que o rabo de saia tinha me levado. Apareceu nessa época, um colégio novo na região, um colégio chamado Albino Cesar, que era um colégio de referência. naquela época, eles criaram um colégio de referência, naquela época, um colégio público era infinitamente melhor do que o colégio particular, era uma inversão, hoje é completamente, mas na época, não. Alguns colégios públicos eram referência muito… não tinha nenhum colégio privado melhor do que um colégio público de referência. Aí, eu fui lá, fiz o exame e passei e aí, fui a primeira… a primeira, não, acho que eu fui a segunda ou terceira turma desse colégio. Entrei, passei, fiz os meus quatro anos de ginásio lá e fiz os meus três anos de Científico lá. Para vocês terem uma ideia de como o colégio era bom, na minha turma, nós éramos umas 15, 20 pessoas na turma, a maioria entrou na USP. Grande parte dos alunos sem cursinho, para você perceber a qualidade de ensino do colégio. Aí, eu tenho amigos até hoje. Nessa formação do… de vez em quando, a gente se conversa, eu tive um grande amigo formado comigo no Científico que quando eu cheguei no Metrô, estava lá, fui chefe dele, então um grande amigo. E com isso, a gente voltou alembrar dos grandes amigos, faz muitos anos que nós não nos encontramos com esse pessoal do Científico. Já na universidade, não, da universidade, a gente se encontra uma vez por ano e todos, há 40 anos, mais de 45 anos, a gente se encontra todos os anos, nunca falhamos um ano de nos encontrarmos. De lá, eu me formei no Científico e eu não queria ser engenheiro. O meu pai e a minha mãe queriam que eu fosse engenheiro, eu não queria ser engenheiro. Eu queria ser físico. Prestei exame de Física. naquela época, na USP, meus pais todos contra. naquela época, tinha a história do excedente, havia 100 vagas para Física na USP, eu entrei em 107º lugar, então eu fiquei excedente. Isso era o ano de chumbo no Brasil, 1968, e os excedentes invadiram a Faculdade de Filosofia e Ciências da USP na Rua Maria Antônia, nós invadimos pra que houvesse uma pressão para que todos os alunos tivessem passado, porque era nota de corte. Acima de cinco, entrava, só que só pegavam as 100 vagas e os demais eram considerados excedentes. Hoje, esse critério não existe mais em nenhuma universidade brasileira. A policia foi lá, tirou todo mundo a cacetada, gás lacrimogênio, imagina como eu cheguei em casa de madrugada! O meu pai ficou muito, mas muito bravo. Não me deixou mais participar de nenhum outro movimento, falou: “Agora você vai fazer Engenharia, você teve a chance de fazer o que você quis, não conseguiu, vai fazer Engenharia”, aí nós não tínhamos dinheiro, aí eu falei: “Pai, eu vou fazer Física porque eu não preciso de cursinho pra entrar na Física”
Não, não, não, vamos ver o que fazemos da vida… apertamos mais o cinto”, aí eu fui num cursinho chamado, não sei se existe mais, chamado Anglo Latino e prestei concurso, falei: “Vou prestar um concurso pra Bolsa”, de cara, eu ganhei Bolsa de 100%, então meus pais não pagaram cursinho, mas eu não podia sair dentre os… chamava-se classe A do cursinho o ano inteiro. Na época em que eu saísse da classe A, eu perdia a Bolsa. No ano inteiro, eu não sai da classe A, não sai. E naquela época, não tinha FUVEST, tinha a MAPOFEI e eu fui fazer a MAPOFEI numa situação um pouquinho mais tranquila, porque o último patrão da minha ame, quando a minha mãe foi empregada domestica era diretor da Escola de Engenharia Mauá. me chamou na casa dele e me falou: “Olha, você vai fazer a MAPOFEI, se você entrar na Politécnica, é gratuita e como nós gostamos muito de você, se você entrar na Mauá, coloque a Mauá como segunda opção e a FEI como terceira, você não vai pagar Engenharia também. Então, eu fui fazer o vestibular numa situação um pouquinho mais tranquila também, porque eu sabia das três opções que eu tinha, se eu entrasse, duas delas, os meus pais não precisariam pagar porque o meu pai não teria condições de pagar a Engenharia, não teria a mínima condição de pagar um curso de Engenharia pra mim. E eu entrei na Poli, então… aí ficou muito mais… minha irmã, nessa época, já tinha entrado na USP, também não era paga. E a minha irmã também já começou a trabalhar. O quê que ela fez? Ela montou no fundo da nossa casa, nós tínhamos um galpãozinho e montamos uma escola pra poder sobreviver, né, e ela dava aula de História, Português e eu dava aula de Matemática e Desenho, já, então eu já começava a ganhar o meu dinheiro. Mas nesse período todo do Científico, o meu pai sempre teve esse lado do trabalho, então, eu estudava durante o período escolar, mas nas férias, o meu pai me arrumava emprego. Então, eu fui sapateiro, trabalhei em copa de bar, carregador de pacote da fábrica da Bombril, então nesse período todo, nesses… minha mãe, nossa, as brigas familiares você não pode imaginar quando o meu pai decidia que eu iria trabalhar, imagina a minha mãe! Não queria em hipótese alguma, mas meu pai vencia, porque ele insistia, ele tinha uma tese que era importante, que ele estava criando filhos para a vida, não filhos só para uma formação acadêmica, eu teria que… ele achava e eu acho que ele estava certo, de que era bom também ter os dois lados, eu também tinha que olhar um pouquinho o lado mais mundano, quer dizer, ser um engraxate, trabalhar na copa de um bar, etc., então não me arrependo, também, viu! com orgulho, fiz essas coisas na minha avida. E aí, mesmo entrando na Poli, eu tinha certeza que os meus pais tinham dificuldade para me sustentar, porque eu percebia no dia a sia da casa as dificuldades. Então, o que eu fiz? Sem que o meu pai soubesse, eu prestei exame na MAPOFEI – isso, os meus pais sabiam que eu ia fazer – mas prestei exame de Matemática na USP, porque eu… e depois, eu me sai muito bem porque o meu pai me proibiu de fazer Física, mas não me proibiu de fazer Matemática. Então, sem que eles soubessem, eu prestei Matemática e entrei na Matemática da USP também, o que foi muito bom, porque com isso, eu entrei na Matemática da USP e naquela época, havia uma carência muito… logo de cara, eu já fui arrumar emprego de professor, então eu estudava Engenharia durante o dia inteiro e à noite, eu ia dar aula. Então, isso eu aliviei bastante… e a minha irmã também ajudava um pouco e aquela escolinha lá no fundo também que a gente tinha que dava aulas particulares, minha irmã também ganhava um dinheirinho, eu também ganhava um dinheirinho e a gente conseguiu sobreviver tranquilamente. Tranquilamente eu não digo, com alguma dificuldade, mas também conseguimos sobreviver. Diferentemente da história do meu irmão, mais jovem. A minha irmã já tinha se formado, eu estava estudando Engenharia e o meu irmão decidiu fazer Medicina. não conseguiu entrar numa Medicina pública, entrou na Medicina paga, caríssima, e aí, fizemos um esforço de guerra em casa pra poder pagar o curso dele, conseguimos! Todos ajudando, né, todo mundo ajudando. E aí, eu me formei engenheiro eletricista, escolhi eletricidade. E aí, volta o meu bisavô, eletricidade porque tinha isso na cabeça de que o meu avô tinha feito uma usina, não sei o que lá, aí na hora de optar, e também por outro lado, porque era uma das mais difíceis para fazer, também, eu falei: “Eu não vou me contentar em fazer uma modalidade simples”, também. Na época, a modalidade número um, a mais difícil, que você tem que ter as melhores notas, não é como hoje, lá você tinha o biênio e depois só você escolhia, era Eletrônica e depois, já era Eletricidade, Elétrica. Aí, eu falei: “Vou fazer uma difícil”, Eletrônica eu não gostava, mas eu gostava de Elétrica. Aí eu fiz. Fiz regularmente, adorei, fui engenheiro durante muitos e muitos anos, engenheiro eletricista, né, atuei na área de Engenharia muitos anos, atuei como engenheiro muitos anos, um período maravilhoso na minha vida. E nesse período todo, eu vou dar aula num colégio perto do zoológico, fui dar aula de Matemática lá, à noite, pra poder sobreviver e lá, eu encontro uma professora de Português e de Frances que dava aula lá, também, da USP. Aí, e a minha atual esposa.
P/1 – É isso que a gente ia perguntar agora, sobre a sua esposa.
R – Então, eu encontrei dando aula e daí, estudando Engenharia, dando aula nesse colégio, dávamos aula à noite e aí, surge uma coisa interessante, porque a gente já começava a melhorar mais um pouquinho de vida, meu pai foi promovido na empresa e no terceiro ou quarto… no quarto… eu acho que no terceiro ou no quarto ano da Engenharia, meu pai me ajuda, me dá entrada num fusquinha, num Volkswagen 68, eu tô falando dos anos 70, um 68, uma amigo dele teve dificuldades, meu pai não tinha carro, meu pai usava o carro da empresa, onde eu aprendi a dirigir, inclusive, com o carro da empresa, um jipe Willys e aí, o meu pai falou: “Tá muito longe pra você ir”, porque imagina, eu ia de ônibus, morava no Jaçanã e ia de ônibus até a Cidade Universitária, ia de ônibus da Cidade Universitária até o zoológico e voltava de ônibus, você imagina a vida que eu tinha pra poder estudar, não é? Aí, o meu pai ficou comovido com todo esse meu sacrifício, me ajudou a dar entrada nesse automóvel, que aí eu comecei… aí ficou um pouquinho mais fácil, eu saía de casa de carro, ia até a Cidade Universitária e também porque eu encontrei a minha mulher e porque aí, eu dava carona pra ela, né? À noite, quando saía, ainda não éramos namorados, mas quando eu saí da escola, eu vinha pela Vinte e Três de Maio e ela morava na Aclimação, aí:
“Você tá de carro?”, aí comecei a dar carona pra ela. E aí, não tem o que fazer, né, carona aqui, mãozinha ali, aí as coisas vão acontecendo e a vida é assim. E assim que eu conhecia
minha esposa, dando aula à noite, enquanto estudante de Engenharia, ainda.
P/1 – Bom, e qual foi o seu primeiro emprego?
R – Naquela época… falar isso hoje, num país que tem quase 13 milhões de pessoas desempregadas pode parecer que nós estamos vivendo em outro país. Quando eu me formei na Escola Politécnica, eu sou da Poli 73, no meu último ano, no quadrinho, ali, não tinha espaço nas paredes da escola de emprego. As empresas todas iam de maneira alucinada anunciar que precisavam de gente. Hoje, seria surreal, hoje. Aí, eu olhei, olhei, olhei, tinham milhares, dezenas, centenas de ofertas de emprego. A primeira coisa que eu falei: “Vou trabalhar onde?”, aí eu já tinha… a minha esposa é japonesa, então eu já tinha uma relação com a colônia japonesa, né? Depois tem um pouco da minha história de ter ido quatro ou cinco vezes para o Japão, mas Vi a NEC, pensei: vou casar com uma japonesa, gosto da colônia japonesa, me dou bem, já estava tentando aprender japonês, né? Aí, fui lá na NEC, era na Via Dutra. Fui lá, olhei, fui entrevistado, gostei, mas um amigo entrou na Telesp e falou: “Tá precisando de gente na Telesp com uma promessa de ficar dois, três meses no Brasil e fazer um aperfeiçoamento no Canadá”. E até essa época, eu não tinha feito nenhuma viagem para o exterior, mas eu sempre, desde moleque, eu sou apaixonado por viagem, para conhecer outros países. Aí, esse desejo aflorou mais forte, então eu falei: “Não vou na NEC, vou trabalhar na Telesp, porque daqui a pouquinho, eles vão me mandar para o Canadá”. Fui lá, dali três meses, um outro amigo tá na CESP e fala: “Conrado, aqui na CESP estão precisando de engenharia…”, aí volta o meu lado: vou trabalhar em subestação, trabalhar em transmissão, em usina, aí volta o meu avô. Aí eu falo: “Tenho que optar agora, vou fazer o sonho do meu bisavô – quando falo avô é o bisavô – ou vou tentar ir para o Canadá?”, não me arrependi do que eu fiz até hoje, larguei a Telesp e fui pra CESP. Fiquei lá, trabalhei um ano na CESP, uma empresa estatal, mas eu não tinha na cabeça esse negócio de estatal, naquela época, não tinha concurso público, não tinha nada, mas aí, dois grandes amigos tinham ido trabalhar numa empresa italiana chamada Merconsult da Milano, Eletroconsult da Milano
na Rua Rêgo Freitas. Me ligaram: “Conrado, estão precisando de eletricista aqui”
Fazer o quê?” “Usina”, porque nesse período na CESP, mesmo que a CESP tivesse usina, subestação e transmissão, eles me colocaram na área de subestação. Aí, esses amigos falam: “Aqui é usina”, ah, não tive dúvida, larguei o emprego público e fui trabalhar nessa empresa chamada Elke Eletroconsult da Milano, depois ela virou brasileira, chamou-se Enerconsult, fui lá. E lá fiquei durante muito tempo, fiquei de 1974 até 1975, dezembro de 74, que quando eu casei, mudei, eu trabalhei na CESP, no último dia de CESP, casei no fia 14 de dezembro, em janeiro, oito de janeiro, eu comecei a trabalhar nessa empresa italiana, aconteceu tudo ao mesmo tempo: mudei de emprego e casei. E fiquei lá até três de junho de 1984, fiquei muito tempo nessa empresa, fui trabalhar em usina, me especializei numa área que no Brasil tinha muita carência, eu fui trabalhar na área elétrica e de controle de usina termelétrica. Então, trabalhei na usina termelétrica de Tubarão, Santa Catarina e Candiota no Rio Grande do Sul. Poucos engenheiros brasileiros dominavam essa técnica de parte elétrica e parte de controle de usinas térmicas. Essas duas movidas a carvão, como vocês sabem, o Brasil não tem muito carvão, e de boa qualidade, mas ainda tinham umas jazidas ali perto de Tubarão, Santa Catarina e Candiota, no Rio Grande do Sul. Fui trabalhar nessas usinas, mas nesse período, a Enerconsult ganha um contrato de maneira completamente não esperada, porque eu não sabia nem que eles estavam concorrendo nesse assunto para fazer o projeto da Linha 3 vermelha do Metrô de São Paulo. Eu tô lá trabalhando nas minhas usinas, aí o meu chefe chama e fala assim: “Precisamos formar uma equipe pra trabalhar num contrato que nós ganhamos da Linha 3 vermelha do Metrô de São Paulo”, eu tenho o meu bisavô com a minha usinazinha de geração hidráulica de madeira no Rio do Peixe, entre Lindoia e Itapira e aí, aparece o apitozinho do trenzinho da Cantareira quando eu estava sendo gestado na barriga da minha mãe. Aí… falei com o meu chefe: “Olha, eu posso me engajar no projeto, mas depois eu volto pra usina?”, porque eu tenho o meu bisavô, ele falou: ‘não, se você puder fazer esse favor, vai pra esse projeto”, e fui pro projeto, fui trabalhar no projeto. Trabalhamos nessa empresa italiana. Desde a concepção da linha até entregar, na época, eu tenho todos guardados até hoje, com muito carinho, um negócio que hoje, se falar para um engenheiro que é, ele… chamado Caderno de Encargo, que era na verdade, a parte técnica da Licitação de hoje, que é o documento técnico que nós fabricamos no Metrô hoje para poder licitar alguma coisa. Só que na época, era Caderno de Encargo, um negócio muito bonito. Fizemos um trabalho maravilhoso e aí, eu conheci as pessoas do Metrô, porque tivemos muita interface nesse período, principalmente, todos os engenheiros do Metrô que trabalhavam na concepção do sistema elétrico. Aí, eu conheci o tal do Metrô. Aí, acabou o trabalho, eu volto para as minhas usinas. E aí, surge uma possibilidade que eu reputo de… uma oportunidade importante que mudou a minha vida de ser o engenheiro residente na França dessa usina de Candiota para os equipamentos. Eu tinha, na época, uma decisão muito difícil, porque eu já tinha nascida a minha primeira filha, eu tive duas filhas assim, na sequência, nasceram no mesmo mês, as duas são de fevereiro. Eu tinha a primeira, com um ano e pouquinho, a outra recém-nascida e aí, fui convidado para ser o engenheiro residente na França, em Lyon, na França. Uma decisão muito difícil porque eu teria que deixar… mas rara, eu teria que deixar a minha esposa com as duas crianças muito pequenas, uma de meses e a outra com um ano e alguns meses, porque naquela época não tinha telefone, no tinha nada, eu ia ficar longe delas. Conversei muito com… conversamos muito em casa e aceitei. Peguei o meu avião e fui morar em Lyon na França e deixei minha esposa sozinha com as duas crianças. Tempo difícil pra ela, porque ela, sozinha, precisava cuidar das duas crianças. Fiz um contrato de… também não fiz um contrato longo, falei: “Vou fazer um contrato de quatro meses, que eu achei que era suficiente, mas depois, houve problemas dentro da organização, eles foram adiando o meu contrato, adiando o meu contrato e eu fiquei lá quase nove meses longe das minhas filhas. A única vez que eu vi a minha esposa foi no final do ano que eu paguei do meu bolso uma passagem pra ela passar o Natal e o Ano Novo comigo na França. Ela voltou, depois eu voltei e tem uma cena interessante, quando eu volto, a pequenininha, a Débora se escondia atrás da cortina e falava pra mãe… ela já falava alguma coisinha, ela falou muito pequenininha: “Quem é esse homem?”, morri ade medo de ver, né, porque nunca tinha visto o pai, porque quando eu sai, ela tinha alguns meses de vida, só. Não me conhecia, né, só na volta que me conheceu. mas foi uma experiência muito rica, sozinho, eu e Deus, né, foi lá que eu aprendia
falar… antes de ir, eu fiz um curso muito intensivo, muito rápido, porque naquela época, quando eu fiz o Albino Cesar, essa escola de referência publica, vocês não vão acreditar, tinha Francês. A gente aprendeu Francês, Inglês e Espanhol, coisa hoje raríssima, imagina que um ginásio público, hoje ofereça três idiomas para um aluno. Naquela época, oferecia. Só que eu tinha fragmentos de francês. Quando eu decidi ir para a França, eu fiz um curso muito rápido na Aliança Francesa para não chegar zero lá na França. Mas imagina, não foi o suficiente. Então, eu aprendi a falar francês assim, no dia a dia, mesmo, porque só tinha que falar francês, ou falava francês ou falava francês para sobreviver. Fiz alguns amigos, né, naquela época, a França era um país muito fechado, era muito… não se falava inglês, uma palavra de inglês, se você não falasse francês, você não viveria ali, hoje não, hoje vai na França
e fala francês, o cara até olha feio pra você, você é obrigado a falar inglês, né? Mas naquela época não, a Franca para a língua era muito fechada, hoje, se abriu completamente pra essa globalização que nós temos. Aí, eu perdi, fiz amigos, não tantos amigos franceses, porque o francês, também do ponto de vista social, é muito fechado. Eu fiz muitos amigos argelinos, que falavam francês, então para o meu propósito também, que eu frequentava a casa deles, no final da minha estadia na França, as pessoas achavam que eu era francês, porque eu tenho muita facilidade para essa questão do sotaque. Eu vou ainda para Lindoia, ainda mantenho laços com a minha cidade de Lindóia, no caminho, eu já começo a falar como lindoiano, no caminho. Eu tô aqui na Fernão Dias, minha mulher já fala: “Já virou a chave”, começo a falar um pouquinho mais caipira, né, mais interiorano, né? Eu tenho uma facilidade para essa questão de sotaque.
E foi uma boa experiência, voltei para o Brasil, continuei nessa empresa, sem nenhuma relação com o Metrô. E o Brasil passou aí, vocês vão lembrar já, a década perdida, os investimentos no Brasil em infraestrutura começaram a minguar, essa empresa, eu não lembro, exatamente, o número de engenheiros que a Enerconsult tinha, mas eu daria um chute, naquela história nossa da precisão que não tem a mínima importância tinham mais de 100 engenheiros e de repente, toda semana, era um que ia embora. Ficamos sete. Claro que eu percebi que alguma coisa não daria certo. A empresa começou a minguar, minguar, diminuir, aí desses sete, dois eram aqueles amigos que me trouxeram, olha que coincidência. Eu falei: “Eu vou arrumar um emprego p[ara ser o próximo, eu não vou deixar que eles decidam qual de nós eles vão cortar nos próximos meses”. E aí, eu lembrei do Metrô e conhecia todas as pessoas dessa minha experiência muito rica que eu tive do projeto da Linha 3 vermelha. liguei para um dos amigos e contei a situação da empresa, aí ele me disse: “Olha, o atual diretor do Metrô é um cara que você conhece”, nem sabia que ele era diretor do Metrô, aí fui lá, falei com ele, me apresentou uma pessoa que ia falar comigo, chamava-se Laurindo Junqueira, que trabalhava como diretor, o mundo é todo assim, conheci o Laurindo aí e fiz… naquela época, para entrar no Metrô, era antes da Constituição de 88, eu tô falando de 84, e naquela época era só por indicação, não precisava ter concurso público, nada, fui fazer o concurso. Aí, esse meu amigo, chama-se Frederico Bussinger, um grande amigo, amigo até hoje, a qual eu devo muito, além de ser um profissional maravilhoso. Fui na área de Recursos Humanos fazer o meu teste lá, naquela época tinha o teste psicotécnico, não sei se tem isso hoje, de fazer as duas retinhas e fazer isso
para ver se não era maluco, né? Aí teve uma coisa gozada que eu vou contar, acho que eu nunca revelei pra ninguém. A pessoa que me entrevistou já é falecida da área de Recursos Humanos, ela tinha um tique, eu sentei, comecei a fazer o meu psicotécnico e ela tinha um tique, um tique provavelmente nervoso, mas que era com uma frequência muito alta, então aquilo o tempo inteiro me chamou a atenção. Eu me lembro que o tempo inteiro eu ria, eu sai do teste, claro que eu fui aprovado no teste, eu falei: “Se a pessoa que faz o teste psicotécnico tem esse tique, imagina os outros, né? Você tem certeza que você quer ir trabalhar nessa empresa?”, mas eu tinha um problema lá que a empresa tava praticamente fechando as portas e não fechou, graças a Deus, depois conseguiram outros contratos e não fechou. Aceitei e fui trabalhar na área de Operação, que era o lugar que me ofereceram. E nunca mais sai, até a semana passada da ares de Operação.
P/1 – Então, vamos voltar um pouquinho só, assim, você lembra a primeira vez que você andou de metrô?
R – Eu só… a primeira vez que eu andei de metrô foi quando eu fui pra França.
P/1 – Mas daqui, o metrô de São Paulo?
R – Não. Só na França.
P/1 – E daí, quando você foi andar, aí você já era funcionário?
R – Não, quando eu voltei da França, eu andei um pouco, mas eu não tinha… eu não morava em nenhum lugar que tinha metrô, então eu não tinha oportunidade de utilizar o metrô.
P/3 – Qual foi o momento que você falou assim: “Esse lugar aqui embaixo da terra, eu vou entrar!”, não teve esse medinho, aí?
R – Não, não teve. Infelizmente não teve.
P/3 – Porque você participou, né, da construção…
R – É claro que nessa época quando eu fui fazer o caderno de Encargos, eu fui várias vezes no metrô, andei com eles, existia a Linha 1 Azul, claro que para fazer a Linha 3 Vermelha, pra fazer o projeto da Linha 3 Vermelha, a gente conhecia um pouco a Linha 1, mas aí era um conhecimento mais como técnico, já, né, não como usuário do sistema. E também como essas coincidências da vida, eu fui um dos projetistas da Linha 3 Vermelha e fui o cara que conduziu o primeiro trem que entrou na Linha 3 Vermelha na cabine, eu e o engenheiro Atilio Nerilo, nós dois na cabine numa madrugada, duas horas da manhã, nós entramos na Linha 3 Vermelha pela primeira vez, nós dois conduzindo o trem. Eu e ele conduzindo o trem.
P/1 – Então, também esse é um momento importante também, né, da sua vida dentro do Metrô, várias coincidências, né?
R – É, já tinha feito o projeto, depois ter entrado no Metrô, ter ficado na área de Operação e ter conduzido o trem entrando na Linha 3 Vermelha. Primeira vez que o trem entrou. Imagina a emoção!
P/3 – Essa trajetória sua profissional, em todas essas passagens aí, qual foi o impacto disso fora, na pessoa que você é?
R – Então, aí tem um corte interessante. Enquanto eu fui engenheiro lá das minhas usinas, das minhas subestações, das minhas linhas de transmissão, a respeito do todo, talvez valha a pena… eu fui trabalhar numa… quando eu tava ainda lá na Enerconsult, eu fui trabalhar em Macapá numa usina, fiquei lá um bom período e fiquei um ano trabalhando em Porto Alegre, fazendo ponte aérea segunda de manhã, sexta à noite. Então aí, também começa o meu desejo, a minha vontade da viagem. Eu gosto, eu tenho paixão por aeroporto, eu tenho paixão por um avião, tem gente que fala, que brinca: “Uma conexão de três horas”, pra mim, eu fico olhando as conexões mais largas, porque eu gosto de curtir o aeroporto, eu gosto de ficar andando, eu adoro conexão, eu adoro… então, nesse período, eu viajei bastante também, né, enquanto eu tava na Enerconsult. Quando eu tava trabalhando em usina, linhas de transmissão e subestação, eu tinha uma relação com a infraestrutura diferente. Eu tinha a percepção de que quando eu tava trabalhando num projeto de uma usina, ou num projeto numa subestação, ou num projeto de uma linha de transmissão, eu tava na ponta, trabalhando para que as pessoas tivessem mais conforto, tivessem acesso à eletricidade na sua casa, eu sabia disso, eu sempre tive essa noção do que aquilo que eu tô fazendo, eu tenho a minha ponta para o ser humano: o que o ser humano vai utilizar daquilo que eu tô fazendo? Eu sempre tive essa noção muito clara. Mas a utilização da eletricidade é uma utilização mais estática, você tá sentado, você tem a sua tomada, você liga o seu computador, você liga a sua televisão, liga sua geladeira, liga seu rádio, carrega o seu telefone. Quando eu vou para a área de transporte, quando eu vou para a área do metrô, quando eu vou para a área de mobilidade urbana, a minha percepção é completamente diferente, aí é um choque. Porque aí, eu vou para um lado que viabiliza a vida da pessoa, viabiliza a vida do cidadão, o torna mais inclusivo. Então aí, eu percebi que aquilo que eu tava fazendo tem um papel muito mais social, muito mais voltado ao dia a dia da pessoa do ponto de vista de trazer a inclusão dela na sociedade do que eu fazia antes. Aí me apaixonei também por esse lado, mais do que eu era apaixonado pelo outro lado. Aí, a barriga da minha mãe vence de sete a um a usina do meu bisavô e nunca mais sai. Ah, uma coisa importante, quando eu entro no Metrô, o quê que eu tinha na cabeça? Falei para os meus pais e falei pra minha esposa: “Eu fico um ano, isso aqui é uma ponte, é uma pinguelinha, daqui um ano, eu vejo se a minha área volta – porque eu era um dos poucos engenheiros especializados em sistema elétrico e controle de usinas –, o Brasil volta a fazer investimentos na área de usinas, eu volto fazer aquilo que eu adoro”, e que pouca gente no Brasil sabia fazer, que era a minha especialidade. Mas oito meses depois que eu tô lá no Metrô, eu já esqueço, podia Brasil voltar, ter o maior investimento, eu não voltaria para trabalhar em usina, nunca! Eu adorei aquilo, gostei muito daquilo, daquilo que eu fazia, comecei a gostar do trem. E eu tive sorte porque eu fui trabalhar numa área em que eu comecei a me especializar nas coisas vitais do sistema ferroviário. Eu tive uma oportunidade rara de me tornar um especialista no trem, na sinalização e no sistema elétrico. não que os outros sistemas não sejam tão importantes, mas esses três são os vitais. O sistema só existe, o transporte de metrô e de trem só existe porque tem o trem, a sinalização que garante a viagem segura e o sistema que alimenta, que é o sistema elétrico. Então, eu consegui logo no começo da minha carreira ter uma visão muito profunda dos três grandes sistemas e isso eu diria pra vocês que foi um diferencial que me conduziu as mais altas posições dentro da empresa, conhecer exatamente como funciona o negócio, do ponto de vista da tecnologia. Eu não quero, aqui, dizer pra vocês e muito longe disso de que não é importante a questão da gestão das pessoas, da gestão, o dia a dia, os procedimentos de operação, não, muito longe, tudo isso é importante, mas eu acho que se eu não tivesse me aprofundado tecnicamente nos sistemas, eu não sei se as pessoas, quando me olhassem, as pessoas que decidiram a minha carreira dentro da organização, me teriam colocado só por ser um grande líder, um grande gestor. Claro que existem pessoas no Metrô, eu sei disso que foram galgadas a posições superiores só por serem grandes lideres, mas no meu caso específico, eu acho que contou muito esse conhecimento muito profundo do negócio, da geração da viagem, como a viagem é gerada. E isso, modéstia à parte, eu conheço como poucos no Metrô, como funciona o negócio. E como funciona o negócio… como um é integrado no outro, como um depende do outro, como essas coisas de tecnologias tão complexas se interagem, né? Alguém já disse que do ponto de vista da Engenharia, o trem é o que mais abrange todas as áreas da Engenharia. Lá você tem… quando você constrói uma linha de metrô, você tem Engenharia Civil, você tem Arquitetura, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia de Solo, você tem todas, não tem nada no mundo que englobe todas as áreas de Engenharia que é o trem e a sua via, nada! E todas as áreas de Engenharia estão envolvidas. Então, às vezes, a gente não se dá conta da complexidade da Engenharia que é o sistema de trem. E eu uso trem aqui lacto sensu, porque estamos falando de metrô, mas trem, metrô é a única coisa que o modo tem características diferentes por modo, né, o trem tem uma característica, o metrô tem outra, o trem metropolitano tem outra, o monotrilho tem outra, o veículo leve sobre trilho tem outra, mas do ponto de vista da complexidade, é a mesma, cada um tem suas características próprias, né? O trem não precisa ter uma aceleração muito alta, o metro tem que ter uma aceleração mais alta, o freio no trem precisa ser… então são características técnicas diferentes que cada um precisa ter. Mas de toda maneira, aquilo que você faz numa empresa que gera viagem de trem, de metrô, de trem metropolitano, de VLT, de monotrilho, de aeromóvel, todos os modos que você possa imaginar, é trazer para o cidadão, a sua inclusão social, porque a mobilidade é uma das características mais importantes da inclusão da pessoa, ela poder ir trabalhar, ela poder ir se divertir, ela poder estudar, ela poder não fazer nada. Então isso traz… principalmente hoje na conformação das cidades, cada vez mais espraiadas, cada vez mais as coisas mais longe umas das outras, que você precisa de mobilidade, você precisa de que as pessoas… e mais, e não é só ir, é em menor tempo possível. E aí, o metrô entra como uma coisa imbatível porque se tem alguma coisa importante na nossa vida hoje, fora o ar que respiramos é o tempo. Quanto menos tempo você perder em alguma coisa que você não agrega valor, mais você pode usar esse tempo em coisas que te agregam valor como estar com os seus filhos, estar estudando, estar trabalhando, estar gerando riqueza para o país. Então, nesse ponto, então, o negócio nosso lá no Metrô e um negócio que tem um papel social fundamental.
P/2 – Conrado, posso fazer uma pergunta? Dessas questões tecnológicas que você aprofundou durante a sua carreira inteira, você consegue nos descrever uma situação ou de uma inovação de tecnologia que vocês tiveram que… ou de uma coisa… um nó que tiveram que desatar, algum…
R – Existem inúmeras situações destas que você tá abordando, mas apenas como efeito de ilustração, a eletrônica… o metrô nasce… a primeira linha do metrô foi em Londres em 1863, ou 53, depois você corrige conforme concordamos. Ou seja, era de madeira, a tração era à vapor e ao longo dos tempos, a sinalização era com bastão para dar segurança e ao longo de tempo, a tecnologia, ela veio impactando muito os sistemas. Mas eu diria pra você que dentre as várias tecnologias que impactaram o nossos negócio, a eletrônica no controle da movimentação dos trens. Antigamente, todo controle da movimentação dos trens, que nós chamamos de sinalização, quando nós falamos sinalização é o controle da movimentação segura dos trens, era feito por relés, relés mecânicos, eletromecânicos e nós precisávamos ter tanta segurança que os contatos dos nossos relés eletromecânicos eram de ouro, pra você ver como surge isso aí. E atualmente, e eu participei, eu fui um agente dessa transformação, de repente, tudo isso não existe mais e a gente tudo agora é software. Se você pegar um trem hoje e um trem de 40, 50 anos atrás, o trem hoje só tem software, não tem mais relés, contator, não tem mais nada disso. Então, essa é uma grande mudança, porque se muda, inclusive, o empregado que atua na manutenção. A formação das pessoa que atuam em manutenção hoje e em operação dos trens é diferente daquelas pessoas que eu ajudei a formar, porque eu fui muitos anos instrutor também, que eu ajudei a formar as pessoas dentro do Metrô. Hoje não, hoje tudo é mais voltado para eletrônica, tudo voltado para eletrônica. Então é tudo software, essa é uma das… pra ilustrar, uma das grandes mudanças.
P/2 – Você lembra de você
ver chegando um software diferente ou uma situação que chega um engenheiro de outro lugar… teve alguma situação assim?
R – Teve. várias.
P/2 – De falar: “O que é isso aqui?”
R – Várias! Várias situações desse tipo, e mais, como você tem uma diversidade muito grande de fornecedores, cada um tem um código-fonte, é uma… eu não sei se é mais… pra gerenciar isso, eu não sei se é mais fácil hoje do que era antigamente quando nós tínhamos os relesinhos, lá, mas mudou, então você não pode… uma coisa que eu aprendi também na vida: não brigue com evolução tecnológica, não brigue porque a chance de você perder é 100%. A evolução tecnológica, ela chega, abre o espaço dela e não brigue com ela, não brigue. Você vai perder, porque existe um negócio que até às vezes e difícil de você concretizar que chama-se mercado e você é refém do mercado, o mercado chega, os fornecedores impõem determinada tecnologia e você é obrigado a utilizar, por questão de custo, inclusive.
P/1 –
E o momento seu mais importante, assim, dentro do Metrô, um pelo menos, sei lá, você consegue falar…
R – Não consigo, porque os meus… como empregado do Metrô desde o dia quatro de junho de 1984 até agora, cinco de junho de 2018, são 34 anos ininterruptos de empresa, eu digo pra você, toda semana, eu tive uma felicidade, sempre.
P/1 – Mas não tem um, assim, que se destacou assim, que você…
R – Olha, eu ficava muito feliz na época… ah, tem! Quando eu era gerente de Operações, implantamos uma coisa que me marcou muito, uma coisa inovadora no Brasil, implantamos o sistema de gestão da Qualidade no Metrô, foi uma data importante pra mim porque havia resistências e eu consegui impor por meu custo próprio, meu ônus próprio, o sistema de Qualidade no Metrô, que hoje, ninguém imagina o quanto foi difícil implantar o sistema de gestão da Qualidade e hoje, é a coisa mais comum do mundo, todas as áreas têm, mas na época, foi muito difícil e eu comecei com Operação, depois fomos para Manutenção e depois, para a empresa inteira.
P/1 – E um momento crítico, assim?
R – Ah, vários! Vários acidentes! Colapso da estação Pinheiros foi um dos dias mais difíceis da história do Metrô. Algumas paralisações devido a problemas nos trens ou na sinalização, ou no sistema elétrico e que nós ficamos assim, mais de cinco, seis horas sem operar, dias muito difíceis, muito difíceis! Porque você para a cidade. Houve momentos difíceis. Mas eu tenho como padrão de vida, lembrar só das coisas boas e que foram milhares de vezes maiores do que as coisas ruins que aconteceram no Metrô, né?
P/2 – Você tem algum causo pessoal, aí, tipo de uma situação que você tenha vivenciado e falou: “Nossa!”, que você não esperava, estava ali, no dia a dia…
R – Então, o problema é o seguinte, eu fui muitos anos chefe do CCO, eu fui chefe do departamento, fui chefe do CCO, como gerente de Operações, durante sete anos, chefe do CCO e como diretor de Operações, quatro anos. Existe uma regra estabelecida no CCO que hoje mudou um pouco, mas que na minha época era muito presente, que quando você chega, a autoridade máxima dentro daquela sala de controle é o supervisor. Isso acontece por quê? Porque você nem sempre tem a garantia de que o gerente, o diretor seja uma pessoa do ramo. Mas as quadras da vida, elas não são tão quadradas e eu era do ramo. Então, todas às vezes que tinha uma ocorrência, um diferencial, eu entrava na sala, a última palavra era minha. Então, são situações … as pessoas se sentem naquele clima, as pessoas olhando para você pra você dar a decisão. E as decisões precisam ser tomadas em milissegundos. se você tiver uma dúvida ali, o sistema cai, então você não pode ter dúvida sobre a decisão a ser tomada em nenhum instante, nenhum! Uma pessoa que tiver alguma dúvida ali dentro, não entre na sala, não entre! Pelo amor de Deus, fique de longe, atrás do vidro! Porque tudo precisa ser muito rápido e uma decisão errada, uma ocorrência que pode demorar meia-hora, pode demorar cinco se você tomar a decisão errada. Eu acho e aí, depois você pode cortar da gravação, de que nesses meus três, sete, dez, 14 anos de chefe de CCO, tomei todas as decisões corretas. mas pode cortar, porque talvez seja uma coisa que não fique bem falar isso. Mas…
P/2 – Como que você lidou com essa situação, que a sua palavra poderia parar uma cidade inteira?
R – Essa é uma situação difícil! A responsabilidade cresce, mas você fica numa tensão tão grande, tão grande que você, na hora, você precisa… então, eu tinha um ritual, né, a hora que eu entrava, sempre fiz assim, eu entrava, conseguia detectar todas as informações possíveis e uma coisa que precisa aprender, a primeira informação sempre é falsa, sempre! Toda primeira informação que chega, a segunda… pode descartar, não considere ela para tomar a decisão. A partir de uma… isso eu aprendi muito na vida, isso foi no dia a dia, a partir de um determinado instante, você começa… e aí, é feeling, começa a confiar nas informações, porque se você confiar numa informação que chega errada, você vai tomar a decisão errada. Então, eu consegui, graças a Deus, ter o feeling de saber a partir de que instante eu confio nas informações. Isso foi desenvolvido com muita pancadaria, né,
com muita pancadaria, com muito soco no omoplata. Principalmente, aquele quebrado. Então, eu percebi que a partir daí, eu falei: “Dá pra confiar”, e a partir daí, tomar as decisões. E qual era o meu ritual? Eu só pensava naquilo, eu conseguia só me envolver no problema, só no problema, só na solução do problema, nas melhores alternativas para resolver o problema. Eu não sei porque eu consegui desenvolver esse… eu não pensava mais em nada, eu só conseguia pensar em qualquer outra coisa a hora que eu resolvesse. Eu consegui desenvolver esse comportamento, era uma fixação assim, própria, só ficava naquilo. Nada mais me tirava o pensamento, nada, nada, só aquilo. E uma coisa que eu aprendi também foi a confiar muito nas pessoas. Então, o quadro de empregados do Centro de Controle de Operações do Metrô é um quadro de altíssimo nível. Na minha época, pessoas de uma formação impecável, dava pra confiar no cara que tava ali, ajudando, né, então dava pra confiar, então isso ajuda muito quando você sente que o grupo tá capacitado a resolver um determinado problema por mais grave que ele seja. Claro que houve momentos, também, principalmente na época em que eu fui diretor, momentos tensos, de algumas ocorrências mais graves que você e chamado pelo governador pra poder explicar, são momentos difíceis, momentos que não são fáceis. mas nesses momentos, também, eu me colocava a carapuça de engenheiro. Eu falava como um engenheiro. Eu nunca tentei sair, na minha vida, em qualquer fórum que eu tivesse participado na minha vida, como um politico, como um gestor, não! Eu sempre falava da questão técnica, que era o campo que eu me sentia mais seguro e que eu dominava. E uma outra coisa que eu também sempre me preocupei é sair do linguajar muito técnico, porque quando você fala com governador, você fala com uma imprensa, você fala com um presidente que não é do ramo, eu sempre tomei o cuidado de usar termos e expressões e explicações que as pessoas pudessem entender. Isso também eu acho que eu consegui, na minha vida, desenvolver. Eu não fico naquele negócio fechado, hermenêutico, só de usar: “Porque o PLD do KPTO deu…”, não, eu tento fugir um pouco disso, eu tento trazer para a realidade das pessoas que eu estou conversando uma explicação sem abandonar um pouco o rigor técnico, também não tem sentido, sem abandonar o rigor técnico,
mas com uma linguagem que a pessoa possa entender, porque se ela não entender, a minha credibilidade também não adianta, o cara falar: “O cara é um excelente engenheiro, mas ele não consegue se comunicar”, eu também percebi isso ao longo do tempo que não adiantava ficar também só no meu mundinho. O meu mundinho eu uso lá com os meus subordinados, ou com os meus chefes, que lá, a gente no dia a dia, a gente tem o mesmo repertório, mas eu consegui desenvolver um cambio de repertório quando eu percebo que as pessoas não são da área técnica. Acho que eu consegui. desculpe, eu interrompi você.
P/3 – Não, é nessa linha mesmo, assim, tava agregando o que você estava falando. Você falou que você foi chefe do CCO, né?
R – Fui.
P/3 – Na greve de 88, onde você tava?
R – No CCO.
P/3 – E o quê que foi aquilo pra você? Conta tudo!
R – Foi a greve mais longa da história do CCO, foi uma luta sindical pro uma escala que as escalas que o Metrô naquela época praticava eram escalas que, todas dentro da lei, obviamente, o Metrô… se tem uma empresa que é legalista é o Metrô, mais do que os empregados achavam, porque pela complexidade do trabalho, mereciam escalas com menos obras de trabalho. Aí, apareceu uma escala chamada 4-2-4. A escala 4-2-4 é você trabalha quatro manhas, duas noites, descansa quatro dias. Ou trabalha quatro tardes, trabalha duas noites e descansa quatro dias, é uma escala de 36 horas, havia uma luta sindical, na verdade, uma escala de 33,6 horas, mas estava dentro de uma luta pelas 36 horas, na época, o Metrô trabalhava com uma escala de 40 horas e foi uma batalha sindical, a maior que o Metrô teve até hoje. Não se acreditava na época… eu era coordenador na época.
P/1 – E o pessoal do CCO não conseguia ir? Os piquetes eram muito fortes?
R – Não, o CCO nunca fez greve na vida. A área de controle do CCO, desde que o Metrô existe nunca parou, nunca aderiu a uma greve. E isso é um entendimento sindical, inclusive, o sindicato, inclusive, nunca fez qualquer tipo de barreira para o pessoal operativo de CCO entrar. Nessa, houve algumas vezes, essa foi a única exceção que houve, mas o pessoal administrativo, houve piquetes fortíssimos, foram os maiores piquetes que eu vi na minha história como metroviário lá no Centro de Controle, eles se fecharam dando uma barreira humana e impedia que as pessoas entrassem. Foi uma das greves mais difíceis de serem administradas que eu participei do Metrô. Comigo, na época, eu já tinha um cargo de chefia, não fizeram barreira comigo. Mas a nível de supervisão pra baixo, faziam barreira e impediam que as pessoas entrassem. Foi uma greve realmente muito, muito difícil para ser administrada.
P/3 – E o impacto dessa greve nos dias sem…
R – Foi terrível! Foram amis de 300 empregados demitidos, grande parte da supervisão da CCO foi demitida, Centro de Controle, e os companheiros, amigos, próximos, pessoas que eu almoçava, que eu almoçava com elas quase diariamente foram demitidas, um momento muito difícil, muito! E muitos deles eu tenho amizade até hoje, almoço com eles até hoje, que foram demitidos na greve de 88. A gente almoça até hoje. No começo, houve estranhamento, porque não entenderam bem os papeis, mas ao longo do tempo, perceberam que cada um tinha que cumprir o seu papel naquele momento muito difícil pra empresa. E hoje, eu tenho amizade com vários deles, que foram demitidos, vários! A gente almoça junto, se encontra, se abraça, se beija…
P/3 – Você teve que demitir?
R – Tive.
P/3 – Você teve que dar a carta de demissão para o pessoal?
R – Vários. Vários.
P/3 – E para você, como é que foi essa sensação? Porque muitos deles eram seus amigos pessoais.
R – Amigos íntimos, de frequentar a casa, cumpri o meu papel. Uma coisa é você ter uma organização a ser preservada, não é fácil. não é fácil. demitir um deles que eu tinha ido, não fazia muito tempo, na festa de aniversário do filho dele.
P/3 – E ele compreendeu? Teve represálias?
R – Ninguém compreende. é impossível compreender. Se compreendesse, tem alguma coisa errada, mas ao longo do tempo, todos entenderam que cada um tinha que cumprir o seu papel.
P/3 – E na ocasião do PDV, que foi uma ocasião também de afastamento…
R – O primeiro PDV… aqueles primeiros aposentados?
P/3 – É.
R – Esse… nossa, você tá com uma memória maravilhosa! Esse também foi um momento muito difícil, porque… só que esse momento diferentemente da greve de 88, esse era uma determinação do governo do estado de São Paulo. Então, o governo decidiu que todos os empregados aposentados deveriam se desligar. Grande perda para o Metrô, porque vários chefes assim, de capacidade indiscutível foram desligados da empresa. Outro momento difícil. Muito difícil, mas nisso não tinha o que fazer, esse não houve nenhum problema assim, na relação pessoal, zero porque não era você que estava fazendo isso, era uma determinação de governo, não era nem uma determinação do Metrô, era de governo, então você tinha que cumprir, não tinha o que fazer. Ah, mas muitos saíram chateados, muitos saíram magoados, também, não entenderam porque daquela decisão e o pior de tudo, logo depois, cai. Esse também tenha sido a grande mágoa dessas pessoas, porque a determinação não ficou, ela teve uma determinação num período, desligamos os empregados e logo em seguida, não recordo quanto tempo depois, o governo voltou atrás e os empregados já tinham sido desligados, não tinha como voltar atrás, né? Isso também é uma coisa que penso que deveria ter sido melhor avaliado, assim, não tinha… o governo não tinha certeza absoluta que era uma… o que se diz é que tinham vários pareceres jurídicos que era… quando você se aposenta, você rompe o seu vínculo empregatício, depois caiu no Supremo inclusive, Supremo Tribunal federal, caiu inclusive essa interpretação de que algumas áreas jurídicas do governo tiveram na época. Triste também. Difícil! Toda vez que… quando você está num barco com um grupo de pessoas amigas e você vai parando de porto em porto e em cada porto, uma delas sai, desembarca, sempre é dolorido.
P/3 – E tem o fato dessas pessoas estarem ajudando a remar.
R – Todas elas.
P/3 – E é uma a menos, três a menos, quatro a menos ali ajudando a remar.
R – Sempre é uma perda, vai faltar alguma coisa e principalmente em situações que não estão previstas, então você não tem tempo de se preparar para isso, né? É difícil. Depois, para se reorganizar é difícil. Mas eu diria que nós temos uma resiliência muito forte, a gente consegue, né, superar… superamos… você acabou de citar dois momentos difíceis pra empresa que foram superados, né? Com muitas cicatrizes, mas foram… hoje já se faz uma… a cirurgia plástica tá bem avançada, né, então muitas das cicatrizes já foram eliminadas, mas no momento, fica a cicatriz, sim. Fica a marca.
P/1 – E Conrado, quando teve a implementação do Bilhete Único?
R – Ouuuuu… a implantação do Bilhete Único é uma coisa não resolvida até hoje.
P/1 –
Não, né?
R – Não, não tá resolvida até hoje. São Paulo, isso você pode deixar na relação, São Paulo é uma das poucas cidades do mundo, grandes cidades do mundo que ainda não tem um sistema tarifário único, uma integração única, não tem uma autoridade metropolitana que resolve esses assuntos entre todos os modos e todos os municípios. É uma… eu vou usar uma palavra dura, é uma pena que São Paulo ainda não tenha resolvido esse problema da autoridade metropolitana, principalmente, para a questão do planejamento do transporte e para a questão da tarifação única e integrada. São Paulo ainda tem… há corredores em São Paulo ainda em que há concorrência entre o metrô e ônibus. São Paulo, ainda, região metropolitana possui dois bilhetes, o Bilhete Único e o Bom, que não se conversam. Não tem mais sentido isso. Tá na hora do governo e as cidades, os municípios que compõem a região metropolitana entrarem num acordo, porque não dá para conviver mais assim.
P/1 – Mas foi um momento também assim, de mudança, né, o número de pessoas que começaram a utilizar o metro aumentou bastante, né, naquele momento, né?
R – Do ponto de vista da operação, stricto sensu falando, o problema foi a lotação. Nós já éramos um sistema muito lotado. São dois momentos que marcam a lotação nossa, na verdade, a entrada do Bilhete Único e a integração gratuita com a CPTM. Não esqueça desse momento, também, que são decisões politicas, não são decisões técnicas e que impactam muito a nossa lotação. Nós já tínhamos lotações, já em níveis muito superiores aos principais metros do mundo e a partir desses dois fatos, que você muito bem mencionou, a nossa super lotação… tem uma história que eu não vou citar o nome, porque ela é gozada por si só, independe de autor. Existia uma pessoa no Metrô que proibiu que nós falássemos que na Linha leste–oeste transportássemos os 15 minutos mais críticos, mais de dez pessoas por metro quadrado. Esta pessoa dizia: “É impossível, vocês não podem dizer isso”, transportávamos. E transportamos, às vezes. Só gozado pelo fato de você ver o tamanho da lotação. Você pode comparar sistemas… você pode comparar a lotação de sistemas com vários indicadores, vários indicadores, mas se eu pegar um só desses vários, você pode fazer as comparações, que é carregamento diário da linha pelo número, pelo quilômetro da linha, só um eu vou pegar, a Linha 3 Vermelha é a linha mais carregada do mundo! Existem outros, vários outros, mas se pegar esse, passageiros transportados no dia na linha pela extensão da linha, a Linha 3 Vermelha é a mais carregada do mundo. E é uma batalha diária. Eu não sei se as pessoas imaginam… conseguem imaginar se você colocar uma pessoa parada entre… eu não sei qual é o horário mais de pico, porque agora eu falo de saudade, né, mas entre sei lá, sete… seis e 45 e sete horas, ou sete horas e sete e 15 da manhã na plataforma 1 de Brás e contar em uma hora que irão passar 36 trens, cada um com duas mil pessoas, será que essa pessoa consegue imaginar a complexidade tecnológica que tá por trás disso? O que tem de engenharia por trás disso?
E aí, eu uso a palavra engenharia no sentido da tecnologia, da técnica, o que tem de engenharia atrás disso para você passar a cada seis segundos um trem com duas mil pessoas? Parabéns aos metroviários.
P/1 – Nossa, hein! E sobre a Linha 4, que agente já falou sobre acidente, também, né, não vamos voltar, né, sobre o acidente…
R – Não, podemos voltar. Eu não tenho nenhum problema com o acidente, eu fui o primeiro engenheiro a chegar na obra. Nós estávamos fazendo uma visita de inspeção numa estação em obras ali na expansão da Linha 2, Verde, quando recebemos a informação de que a estação tinha colapsado, então todos saímos correndo, eu já era diretor, nós assumimos dois, três dias antes do acidente, foi no dia 12 de janeiro de 2007. Eu virei diretor alguns dias antes. Você imagina que presente de ser diretor, né? E aquilo mudou a empresa! Não esqueçam que esse dia muda a empresa, a empresa vira outra. Cheguei lá, eu fui o primeiro, me lembro como se fosse agora, eu deixei o carro ali na Cidade Jardim, vim correndo, as emissoras de televisão já tentando me entrevistar: “Engenheiro, engenheiro…” “Eu tô chegando”, eu não vou… eu consegui me desvencilhar das emissoras de televisão, fomos lá ver o que tinha acontecido, as primeiras informações sempre erradas, né, não tinha nada, não morreu ninguém. Uma coisa que eu aprendi também na vida, qualquer que seja o acidente, qualquer, se não há vítimas, é uma acidente. Havendo uma vítima, é outro acidente. A sociedade se comove. Quando você tem uma vítima, o tratamento do acidente é outro. Não adianta só a partir daquele instante ficar voltado só para a área técnica, não, existe comoção, a sociedade se comove, as pessoas que estão envolvidas se comovem. Quando chegamos lá, a primeira informação, eu não sei se isso aqui já foi dito é que não havia vítimas. Então, nos primeiros minutos, nas primeiras… só colapso! Mas a partir do instante e não demorou muito, começaram as chegar as informações de que haviam vítimas e muitas vítimas, o ambiente se transforma de uma maneira radical. Porque você sabe que você vai ter que lidar agora com uma coisa que é a perda da vida humana. E o tratamento é muito diferente. Aquilo mudou muito, mudou as relações internas da empresa. Mudaram as relações internas da empresa, as pessoas começaram a se olhar de uma maneira diferente em todas as áreas. Foi uma dia… eu diria, um dos dias mais tristes da história do Metrô, pela magnitude do acidente e pela quantidade de vidas humanas e de vidas humanas que se foram. Triste dia. E uma obra e era a primeira obra nossa tentando se utilizar de uma… do que havia e há de mais moderno na construção de metrôs, tanto na área civil, quanto na área de sistemas. A Linha 4, hoje, é considerada uma das linhas mais modernas do mundo do ponto de vista de sistemas e civil, né? E muito próximo de entregar a Linha, aquele acidente.
P/1 – E essa mudança tecnológica da Linha 4 teve consequências nos seus trabalhos, lá, você como diretor?
R – Teve. A linha é uma coisa até muito estranha, porque ela foi concebida por nós, né? Toda a Linha 4, toda tecnologia que tá na Linha 4 é uma concepção do Metrô estatal. O operador da Linha 4, ele pegou… aliás, faz muita confusão entre a construção da Linha e a operação, né? A PPP é a operação da Linha, não é a construção da Linha e eu me lembro muito bem que durante o incidente de Pinheiros, vários jornais, várias mídias faziam discursos, matérias e matérias e matérias contra a PPP. E não tinha nada… a construção não foi a PPP, a PPP foi a cessão de operação e manutenção, né? Então, toda a construção da Linha foi feita pelo Metrô de São Paulo, metroviários, a Linha foi concebida por nós, tudo que tem lá de tecnologia fomos nós que colocamos. E um sentimento de perda também, porque você constrói uma linha daquela, considerada uma das linhas mais modernas do mundo e você não vai operá-la, é um terceiro que vai operá-la. Isso criou um pouco de frustração também pra nos, operadores, né? Muito bem operada, hoje, tá maravilhosamente bem operada, mas eu tô dizendo da sensação de você estar lá dentro, ter construído e depois, por razoes que não interessam aqui agora, você não vai operá-la. É um terceiro que vem que vai operá-la. Isso criou um clima também difícil dentro da… e agora mais recentemente, também há perdas que você já operava, acabamos de conceder a Linha 5 e a 17, só que a 17 você não opera, então o sentimento de perda é diferente, a 5 você operava, então a 5 agora está sendo… acho que agora em agosto já passa definitivamente, eu não sei exatamente a data, mas logo em seguida, aí, ela vai passar… e vamos ter agora em junho o Edital da 15, que é outra Linha que nós operamos também e que vamos também conceder.
P/1 – Bom, e como você vê essas concessões? Ela muda um pouco, né, o…
R – Eu acho que nós temos que nos adaptar, eu aprendi com um grande psicólogo americano chamado Duane Schultz (? 01:29:59) que você tem na vida um problema e uma contingência e ele dizia que o problema você resolve, a contingência, você administra. Então, nós estamos falando desse momento de contingências, não estamos falando de problemas, isso não é um problema, o problema você resolve, isso é uma contingência, uma decisão politica em cima disso e que vamos administrar da melhor maneira possível. Antes de sair do Metrô, eu fazia um discurso para as pessoas que vinham com lamúrias com relação a ceção das linhas, falava: “Não, essa decisão politica de ceder as linhas deve tornar você participante das linhas que restarem do Estado, as melhores linhas. Você deve mostrar que a linha que ficou com você como Estado opera melhor do que as linhas que foram concedidas. É esse o seu trabalho, é essa a sua resposta”, eu faço esse discurso lá dentro, fazia esse discurso lá dentro, para as pessoas não desanimarem. Aí, tem uma conversa que eu rebatia veementemente: “Difícil” “Como difícil? Por que difícil?
“Porque essas concessões são de linhas que operam com tecnologias modernas, com novas tecnologias, equipamentos novos e o Metrô fica com as linhas com as tecnologias mais antigas, mais difíceis de serem operadas”, eu rebato veementemente: “Faz parte do nosso trabalho, também, a modernização dos sistemas, dos nossos ativos. Acabamos agora de fazer
operar 98 trens da década de 70 e torná-los tão modernos como os trens da Linha 4, como os trens da Linha 5. Então, você também faz parte desse projeto de modernização”, então não é só ficar lamuriando, não, tem que ações ativas no sentido de que mesmo esses ativos que já existem, que já estão há muitos anos em operação, você tem maneiras hoje técnicas, tecnológicas de modernizá-los, os ativos.
P/2 – Deixa eu fazer uma pergunta, porque isso apareceu em outras entrevistas do Metrô ser um lugar de ponta de tecnologia. engenharia… e o pessoal criando… mas com as concessões desse novo contexto, continua espaço para ou dentro do Metrô estatal ter um polo de tecnologia e continuar criando e continuar… vocês ainda tem…?
R – Assunto delicadíssimo que você coloca. Muito delicado. Existe em Economia, uma palavra que chama-se “sinal”, então você age de acordo com os sinais. Infelizmente, alguns sinais recentes que as minhas antenas conseguiram captar com todos os ruídos que uma antena tem quando ela capta algum sinal de que não há um pensamento forte de manutenção de tecnologia dentro do Metrô estatal. As minhas antenas podem estar desreguladas, mas até onde eu captei, até onde eu consegui melhorar o entendimento do sinal que me foi dado é de que não há uma grande preocupação na manutenção de um polo de pensamento, de aplicação de tecnologias modernas dentro do Metrô estatal. Não sei se eu fui claro. Isso é uma preocupação.
P/3 – Qual é o seu hobby, Conrado? O quê que você faz quando você não tá trabalhando, que eu já vi que não tem esse momento, mas existe algum?
R – Existe. O meu hobby é trem. Então, deixa eu contar uma coisa pra vocês. A minha esposa é pintora, se você for na minha casa, lá de lazer, todas as paredes, os quadros são todos de trem. não tem um quadro que não seja de um trem.
P/3 – E ela que pintou?
R – Pintou todos, eu peguei a foto e falei: “Eu quero esse trem, eu quero esse trem, eu quero esse trem, eu quero esse trem”. Tudo pintadinho, bonitinho. Na minha estante, é chave de trem, é trilho, é tudo que você imaginar, uma MV. Na minha biblioteca, você vai na biblioteca, só livros: trem, trem, trem… eu gosto muito… já comentei aqui, eu gosto muito de viajar. Eu tenho feito, em média, quando eu tava no Metrô, a trabalho, eu tava fazendo duas, três viagens internacionais por ano, pelo Metrô, porque depois que eu sai da diretoria, eu fiquei sendo representante do Metrô em todos os prêmios internacionais, o CoMET, que é Community of Metros, Alamys, que é Associação Latino-Americana de Metrôs Subterrâneos, a UITP que é a União Internacional dos Transportes Públicos e eu também era até a semana passada o diretor de planejamento da Associação Nacional dos Transportadores e Passageiros sobre Trilhos, a ANPTrilhos lá em Brasília que é uma organização, uma associação fundada em 2010 que tem como objetivo o desenvolvimento dos sistemas de transportes urbanos sobre trilhos no Brasil. Então, com isso, eu viajava… pra Brasília, eu ia duas, três vezes por semana, por mês, para o Rio de Janeiro, todos esses… e até 2000 e… nós estamos em 18, eu diria que até 2015, 16, eu fazia duas, três viagens internacionais pelo Metrô, trabalhando nesses organismos internacionais. E quando eu não ia pelo Metrô, eu ia por conta própria. E o que eu fazia na cidade? Andava de metro. O que eu fazia na cidade, se eu conhecia alguém da área, porque eu conheço quase todo mundo dos metrôs do mundo, os diretores dos metrôs do mundo, né, tem mudado muito também, né, mas eu cheguei a conhecer quase todos, aí eu ligava, mandava um e-mail: “Posso ir visitar o seu centro de controle?”, eu já dormi uma noite no centro de controle do metrô, os caras acharam que eu era maluco. Fizemos uma reunião em Paris um dia, quando foi lá para às seis horas, chamei um carinha do lado: “Você conhece alguém do CCO?” “Conheço” “Você fala se eu posso entrar às dez da noite e passar à noite e sair só às cinco da manhã para ver como funciona de madrugada?”, entrei às dez da noite eu entrei e sai às cinco da manhã. Passei à noite inteirinha vendo como eles trabalham à noite no metrô de Paris. Então, essas maluquices… essas minhas maluquices sempre voltadas para… adoro metrô, e vou, faço fotos… aqui, uma revista, a não ser vocês duas que se lembram, tinha uma revista que saiu, não me lembro mais o nome dela, que todo mês tinha a história de um metro do mundo. Não tem mais, o Metrô publicou…
P/3 – Metrópoles.
R – Metrópoles.
P/3 – Você fez um artigo lá, né?
R – Todo mês, eu falava do metrô do mundo. Todo mês eu escrevia sobre um metrô do mundo. Mas contando coisas que as pessoas não sabiam, nada de… não é procurar assim, no Wikipédia, não é nada disso, é porque eu fui, eu vi, eu anotei. Então olha, cuidado, pá, pá, pá, tem isso, tem aquilo… e é um artigo grande de pagina inteira, vocês se lembram, né?
P/3 – Lembro. Com duas páginas, né?
R – Duas páginas, todo mês… aí, o que aconteceu? Parou a revista. Não sei quais são as razoes, parou e eu já tinha três outros metrôs escritos, estão guardadinhos lá, um dia se voltar, eu publico (risos). Eu me antecipei, já, e escrevi três… aí, um dia eu ligo lá:
Quando que eu tenho que mandar o meu Metrô?” “Não, a revista… vai ter descontinuidade na revista, não vamos publicar mais” “Tá bom”. Eu não sei se você leu os artigos, eram bem interessantes, eram…
P/3 – Li.
R – Eu abordava aspectos, assim, curiosos das operações, né? Moscou, por exemplo, as escadas são as escadas mais… com o maior desnível do mundo e pra poder dar emprego para as pessoas, principalmente, para as viúvas dos soldados da Guerra, eles punham uma cabine embaixo e uma cabine em cima para ficar a senhora lá controlando a escola rolante, não fazia nada, mas tinha emprego. Então, são essas coisas que eu contava assim, que a gente chegava: “Por quê que tem aquela cabine lá?”, hoje não tem mais a senhora lá, né, aí eu contava a história. Então, eu já fui contando…
P/3 – Mas você conhece todos os metrôs?
R – Ah, eu conheço quase todos do mundo.
P/3 – Tem algum ainda que ficou?
R – Tem.
P/3 – Ficou no desejo?
R – Tem. Tenho desejo, ainda. Do Japão, eu conheço todos, da China, eu tinha vontade de conhecer o de Guangzhou que eu não fui ainda, que é um grande metro do mundo, Pequim e Xangai eu conheço, Hong Kong eu conheço. Guangzhou que eu não conheço da China, um grande metro. Eu não conheço o metrô de Taipei que eu também tenho uma vontade louca de conhecer, todas as linhas mais modernas do mundo, os demais eu conheço todos. Tirando esses, já fui em todos, já andei em todos.
P/3 – Essas viagens de lazer, você vai só ou a família te acompanha nessa parte do metrô?
R – É o seguinte, as de trabalho, raramente eu… eu ia sempre sozinho, raramente eu ia acompanhado. Essas de lazer, eu levo a minha mulher, às vezes, vai sim, a minha mulher.
P/3 – Ela compartilha?
R – Gosta, adora!
P/1 – Esse amor… de tanto pintar, né, agora ela tá… até já entende.
R – Gosta, adora. Ela gosta.
P/3 – E suas filhas? Qual é o sentimento delas pelo metrô?
R – Elas, desde pequenininhas, elas… eu entrei no Metrô em 1984, então a primeira… elas nasceram em 78 e 79, então, desde cinco, seis anos, elas conhecem o pai como o pai do Metrô, o pai que tem… eu sou da época que tem o BIP, vocês nem sabem… sabem o que é BIP?
P/3 – Aquele aparelhinho.
R – A gente tinha BIP, porque eu sempre trabalhei em centro de controle, BIP do lado da cama, depois quando chega o celular do lado da cama, então a vida inteira, elas me viram tocar o celular uma da manhã, levantar e ir embora, trocar de roupa e ir embora trabalhar, uma da manhã. E uma coisa que eu fazia com muito carinho e sempre fiz, quando eu era gerente e diretor, eu fiquei… vou dar um chute, 12, 13 anos que eu nunca passei o Ano Novo com a minha família. Quando eram dez horas da noite do dia 31, eu ia para o CCO, ficava com os empregados, desejava Feliz Ano Novo pra todos e depois eu ia embora pra casa, fiz isso seguidos, 12, 13 anos.
P/3 – E como é que a sua família lidava com essa sua paixão todo pelo Metrô?
R – Ah, entendia. Esperavam, a ceia em casa era sempre duas da manhã, duas e meia da manhã, esperavam eu chegar.
P/1 – Porque isso é uma coisa bonita que tem… essa união que tem, né?
R – Esperava, a gente comia as duas da manhã, tranquilo. Também eu não ficava, meia-noite e pouco, meia-noite e quinze, eu ia embora, meia-noite e meia. Ligava o rádio, falava pelo rádio com todos os empregados que estavam trabalhando. E a reação é linda, porque todos respondem no rádio: “Você também, Feliz Ano Novo”, muito bonito.
P/3 – Então, era um amor que era partilhado pela família?
R – É, todos adoram. Não, nunca ninguém reclamou, nunca ouvi qualquer palavra de censura em relação a não passar o Ano Novo com eles, nunc!
P/3 – Ah, que legal!
R – Nunca. Nunca. Apoio total. Agora me emocionei, agora não tem jeito (choro/emoção), agora não tem jeito.
P/3 – E me diz uma coisa, qual é o legado que você, o Conrado, deixa pra turma que você ensinou, nem que seja bater o cartão?
R – O que eu… agora eu sai do Metrô, eu sempre fiquei no CCO, né, então eu estava no CCO, uma coisa que eu faço desde o meu primeiro dia no CCO, minha porta nunca fechou na vida, nunca fechei uma porta. Nunca, nunca, nunca, um dia, um minuto, não, a porta sempre aberta e as pessoas passam, vêm falar, eu era uma das pessoas mais antigas do CCO até a semana passada, né? E as pessoas vêm contar as suas alegrias, suas angustias, suas preocupações, uma coisa normal, né? Eu sempre digo que há muitos anos atrás, na relação trabalhista, na relação profissional, que é um dos papeis mais difíceis que tem, porque dos três papei que você tem na vida, o papel pessoal, familiar, o papel familiar, o social e o profissional, o mais difícil de todos é aquele que você tem menos chances de mudanças e o profissional. Você não escolhe seu chefe, você não escolhe seu subordinado, às vezes, você não tá contente, você não pode sair porque você precisa do dinheiro pra trabalhar. Um familiar, você brigou com a sua mulher, se divorcia, no social, se não gostou ou não é bem visto num clube, você vai embora, o profissional não, é mais difícil. E durante muitos e muitos anos, as nossas organizações premiaram só a competência e a dedicação. Hoje em dia, eu digo que não basta, continua sendo imprescindível a competência e a dedicação. Mas hoje em dia, tem um componente que é fundamental para a organização, a ética. fazer tudo certinho, sem prejudicar ninguém! Sem prejudicar seu companheiro, sem prejudicar sua empresa, sem prejudicar o fornecedor, tudo dentro da melhor ética possível. Isso hoje é fundamental para um bom profissional, precisa ter ética. não abrir mão da ética em hipótese alguma. Às vezes, aparece algum passarinho numa gaiola dourada, não! Não! Por favor, não! A ética. Não sucumba em hipótese alguma a ética. E principalmente para as empresas estatais, hoje é fundamental. E para todos os empregados. É o discurso que eu tenho feito lá, e aumentar a dedicação. “Ah, já sou dedicado”, dedicação não tem limite, “Pode se dedicar mais” “Mas eu sou…”
“Dedique-se mais”, sempre há um espaço para você se dedicar mais, se doar mais. E uma coisa também que eu sempre digo com essa velocidade muito rápida de novos conhecimentos: “Tudo que você sabe passe pro outro”, porque isso é uma maneira de que tudo que tem armazenado na sua cabeça, hoje, vai passando pra abrir espaço pra entrar coisas novas. Você pega o celular hoje, de vez em quando fala: “Você não pode baixar esse aplicativo, porque a memória…, não tem essa história? A nossa cabeça e a mesma coisa, então você precisa de novos aplicativos, jogue fora os que você tem, não é jogue fora… aliás, de todas essas palavras que eu tenho visto aí nessa modernidade toda que as mídias sociais usam que eu acho que ela é a mais importante do que tudo que nós usamos, eu não gosto da palavra “curtir”, essas coisas, eu não… mas tem uma palavra que me marca que eu acho que é o futuro, a palavra “compartilhar”. Compartilhe, descarregue seu buffer, descarregue o tempo inteiro, descarregue, você aprendeu, você descobriu uma nova coisa, reúna os companheiros da sua área, da sua seção de trabalho e conte para eles, instigue-os também, porque não é todo mundo que tem a oportunidade do tempo inteiro de aprender coisas. Tudo que você aprender, que você captar e que você acha que é importante para o trabalho, compartilhe. Eu acho que isso ajuda muito. Ajuda você, inclusive. E outra coisa que eu sempre digo é o seguinte: “Fique feliz no seu dia a dia de trabalho se as pessoas estão se desenvolvendo. Não fique com ciúmes do seu vizinho quando ele pinta a casa dele. Ao pintar a casa dele, ele valorizou a sua casa, mesmo a sua casa não estando pintada”, isso é importante para as pessoas, porque nós precisamos cada vez mais melhorar… o que eu percebo, também, com essa história do computador, as pessoas se isolam muito, As pessoas chegam, dão bom dia, sentam no seu computador, ficam lá o dia inteiro, levantam, vão embora, né? Não se compartilha mais as coisas. E esse compartilhamento pessoal, ele é muito mais rico do que você mandar um texto para o cara ler, você mandar um e-mail explicando alguma coisa. Às vezes, é na troca, é na conversa, é no olho no olho que… por isso que às vezes… eu vou queimar a minha língua, eu vou queimar a minha língua com o que eu vou dizer agora, eu desconfio muito dessa história de que no mundo, as pessoas vão fazer o trabalho em casa, que vai ser tudo feito em casa. Eu desconfio muito, eu acho que tem uma… que nós temos uma solicitação, uma necessidade agregada que vai demorar muito tempo pra sumir da gente, que é ter o contato, que é olhar no olho, que é abraçar, que é dar um tapa no omoplata que tá quebrado pra conversar, dar o beijo. Eu gosto de dar a mão. Eu acho que isso vai… conversar, olhar no olho, mesmo, ser interrompido quando tá falando… a pessoa não gostar do que você tá falando, ninguém precisa gostar do que você tá falando, mas você perceber. Às vezes, por e-mail, às vezes, você falando, você machuca menos do que escrever. Às vezes, as palavras só muito mais duras do que… a palavra escrita do que a palavra falada. Então eu acho que cada vez mais, as pessoas precisam se preocupar com as relações. Não as relações fúteis, mas as relações de troca, principalmente no ambiente profissional, de troca de experiências, de troca de conhecimento, cada vez mais é importante para as empresas crescerem. Você perceba que essas grandes empresas de hoje, elas têm muito disso, né, os ambientes um pouco mais abertos, que as pessoas possam… tenham a liberdade de compartilhar mais as informações. Eu acredito muito nisso.
P/3 – Conrado, eu tenho uma pergunta. E agora?
R – E agora, eu tomei a seguinte decisão, eu vou ficar dois meses… vou tirar dois meses sabáticos, vou ficar dois meses aí, sem fazer nada não, porque desde o dia que eu sai, eu não parei um minuto no computador, eu escrevo, eu tô escrevendo, mandando, resolvendo coisa antiga, ligando para amigos: “Olha, aquilo que eu te devia, estou mandando agora”. Mas eu queria ficar esses dois meses assim, pondo um pouco a casa em ordem, a minha casa mental, a minha casinha um pouco em ordem. Sabe aquele armário que eu queria colocar uma tabua nele faz seis meses e eu não pude colocar? Agora eu quero ver se eu consigo uma hora durante o dia – eu não consegui até agora – mas ir lá no marceneiro, medir: “Você coloca uma tabuazinha aqui pra mim?”, isso enquanto eu estava no Metrô, não tinha como fazer, impossível! Você ficar tomado o tempo… e nessa minha vida, até o último dia, é sem parar um minuto, ainda mais essas atividades que eu tenho, essas atividades externas, porque eu era responsável por responder todas as demandas de todos os organismos internacionais, nacionais, você não imagina a loucura que era aquilo. De toda maneira, eu quero tirar esses dois meses e botar um pouco em ordem… aquele granito da pia da minha cozinha que quebrou, que aquilo me incomoda anos, agora vou ver se eu vou conseguir um horário para chamar o graniteiro: “Dá um jeito aqui de colocar uma massa plástica”, arrumar, mexer, acho que todos nós temos isso nas nossas casas. A Netflix que não pega em casa, chamar um técnico pra ver se a Netflix funciona porque o sinal não chega, vou ver se eu consigo ligar uma Netflix, que a Netflix cai toda hora. Já botei lá no papelzinho: “Chamar um técnico de eletrônica para ver se consegue trazer o sinal com melhor qualidade para a sala”, então essas coisas eu vou fazer nesses dois meses. Consequentemente, tem a Copa do Mundo também pelo meio, então isso vai mudar muito o dia a dia das pessoas, né? depois, eu vou querer fazer alguma coisa na vida. A minha primeira ideia é ir para um lado também de… um trabalho voluntário, vou ver se eu consigo… eu não quero sair dessa área de trem, viu ver se eu consigo fazer alguma coisa na área acadêmica pra isso. Eu gosto muito de… comecei como professor, vocês ouviram a minha história, onde eu conheci minha esposa, eu gosto de dar aula, eu gosto de ensinar, eu gosto de transmitir o que eu sei, eu vou ver se eu vou um pouco para a área acadêmica, trabalhar, mas nada muito rígido mais. Continuar, porque a área acadêmica, a Academia exige que você estude, esse é o pressuposto da Academia, é o estudo, a pesquisa isso eu gosto de fazer muito, eu gosto de estudar, de pesquisar, isso talvez vá me ajudar um pouco, né? Às vezes, você fala: “O professor vai lá e demora 40 minutos para dar uma aula”, mas o que tá por trás desses 40 minutos que um professor preparou uma aula, né? Então vou tentar ver alguma coisa, não tem nada certo, ainda, é tudo… são todas conjecturas, trabalho voluntário, área acadêmica e talvez alguma coisa nessas áreas de organizações, aí, trabalhar em prol do transporte, escrever artigos para as pessoas se conscientizarem que o transporte sobre trilhos é o melhor transporte do mundo, não tem nada melhor. Tentar desenvolver trabalhos nessa área, né? Pensando em fazer essas coisas.
P/3 – E o quê que você leva do Metrô?
R – Muita alegria! Nossa senhora, uma empresa maravilhosa, maravilhosa! Só me deu alegrias. Olha, claro que nós acabamos de falar de vários momentos difíceis pelos quais nós passamos, mas o balanço é muito positivo, muito positivo. Se eu botar numa balança o que o Metrô deve pra mim e o que eu devo para o Metrô, nossa senhora! O que eu devo para o Metrô é muito, mas muito maior, não tem caderneta que consiga colocar todas as minhas dividas e as oportunidades que o Metrô me deu, tanto do ponto de vista profissional, como pessoal e quando eu falo “pessoal”, é desenvolvimento humano, mesmo. Participei de vários momentos difíceis de relação, não esqueça que a Operação mexe com o usuário, então eu trabalhei alguns anos nessa área de relação
com usuário também, então as mazelas. Um certo período, eu atendi os usuários lá no Metrô, não porque eu precisasse, eu queria entendeu um pouquinho melhor o negócio na ponta, né? Então, você transporta tudo que há de bom e de ruim na sociedade, você não faz seleção, ele não é seletivo, ele é um micromundo da sociedade, micromundo. Todo mundo que passa ali faz parte da sociedade, diferentemente de um clube, que você tem uma seleção natural daquele mundinho, ou até de um supermercado, dependendo do tipo de supermercado, para o Pão de Açúcar é um mundo, pro Dia é outro… cinema, um consultório médico, então dificilmente, você tem, a não ser um metrô ou ônibus que toda sociedade estar representada ali. Todas as classes. É claro que eu sei que tem mais classe tal, menos classe tal, trabalhei nisso anos, mas todas as classes estão ali. Claro que na sua representação, mas todas estão ali, todas! Você tem jovens, homens, mulheres, pessoas com idade, universitários, analfabetos, pobres, ricos, muito ricos, muito pobres, branco, preto, todos os gêneros hoje em dia, todos os gêneros que você possa imaginar, estão todos representados ali. Todos! Então, é uma representação muito interessante da sociedade, eu acho que é uma das melhores representações da sociedade é a nossa, o nosso usuário que é a razão da nossa existência. Nós só existimos porque existe o nosso usuário, né? Eu brincava que a melhor definição para o usuário é… tem uma brincadeira, uma tecnicidade que talvez seja interessante, a diferença entre passageiro transportado de entradas. Entrada é a pessoa que catraca, não interessa depois que ela entrou dentro do seu sistema se ela vai pra uma linha, para duas linhas, para três linhas e o passageiro transportado é uma pessoa que catracou e eu conto quantas viagens ela fez. Claro que os políticos adoram o número de passageiros transportados porque ele é muito maior do que as entradas, né? Mas na verdade, você não transporta o passageiro transportado, você transporta a entrada não é isso? E aí, essa entrada é a alma. Uma vez pediram pra eu fazer um estudo de quantas pessoas são transportadas por dia no metrô de São Paulo. Aí, eu devolvi a pergunta para quem solicitou o estudo: “Você quer quantas almas são transportadas ou quantas pessoas?”, porque não se esqueça de que quando você entra numa estação A, você desce numa B, você entra numa B, volta, você é a mesma alma, que foi, passou lá o dia inteiro e voltou, né? A mesma alma, como passageiro, você foi duas vezes, não é verdade? Como passageiro, você foi duas vezes, mas como alma, você foi uma só, não é? E era um dado interessante porque era um dado que a mídia pedia para saber quantas pessoas seriam atingidas. Quantas almas seriam atingidas, né? E é muito interessante, o estudo ficou bom, ficou bem feitinho porque você tem que usar um monte de informações, de pesquisa de origem e destino, mas deu… ficou bonitinho, então você trabalhar com essa finalidade, com esse resultado dá muita alegria, dá muita satisfação, dá muita satisfação. E no final do dia, quando você termina um dia, eu que trabalhei na área de Operação durante muitos anos, de manhã você pega o relatório, a vida inteira, eu lia… primeira coisa que eu fazia antes de escovar os dentes, ver oi relatório do que aconteceu o dia inteiro, então você pega aquele negócio que não teve uma ocorrência, pouquíssimas ocorrências, você fala: “Que serviço maravilhoso nós demos ontem, como o nosso usuário deve estar satisfeito, que alegria que nós demos para essa gente”, e
por outro lado, também, alguns dias, inevitavelmente, teve algum acidente: “Que porcaria de serviço que nós demos ontem, como os nossos trouxemos tristeza para muita gente”, então essas… então é uma coisa que diretamente você sabe o que você fez. Não é aquela história que vou precisar de uma análise para saber se eu fiz o bem ou o mal, eu sei logo de cara se eu fiz bem ou… se nós fizemos bem ou não fizemos um bom serviço, né, isso dá uma satisfação também, porque é o único serviço que ele é produzido e ao mesmo tempo que tá consumindo, tá agindo. Quando você vai no supermercado, você compra o sabonete, que relação você tem com a produção? Você vai no supermercado, vai no lugarzinho, tá lá o sabonete, você pega, que relação você teve com a produção? Zero! Eu tô lá no CCO produzindo a viagem e o usuário tá entrando na porta do trem, que relação ele tem com a produção da viagem? 100%, porque se esse querido adorado usuário resolve segurar a porta do trem, para o sistema. Complicou tudo, você já não consegue andar, perde a regularidade, perde tudo, então eu digo que eu preciso ter esse usuário muito mais satisfeito do que o usuário do sabonete, porque o usuário do sabonete, ele não tem nada com a produção, ele chega em casa, não gostou do aroma do sabonete, xinga, mas não vai mudar, o cara lá na fabriquinha continua fabricando. No nosso caso, não, ele para a próxima produção. Então a satisfação dele precisa ser muito maior, precisa estar o tempo inteiro focado nele, sabendo o que ele pensa, o que ele quer, como
que ele tá vendo o serviço. Essa é uma diferença em relação aos outros serviços. Eu preciso estar muito atento o tempo inteiro, permanentemente, eu preciso saber o que ele tá pensando de mim, não é? E quais são as novas necessidades que ele tem. Eu preciso atender essas necessidades. Hoje em dia, seria possível imaginar e ainda nós temos, hein, temos alguns casos, um cara não poder usar um celular dentro do trem? Porque o celular virou hoje uma coisa que todo mundo… o celular é a terceira mão nossa, nós precisamos dele, não vivemos sem ele, né? Aliás, há clinicas hoje em que o cara vai fazer uma terapia para ficar um dia sem celular, vocês viram na “Veja” essa semana, então o cara paga uma nota pra poder conviver um dia sem o celular, porque ficou tão presente no nosso dia a dia. Então, você precisa ficar atento o tempo inteiro e as necessidades mudam, viu! As necessidades dos usuários mudam, não com uma velocidade grande, mas mudam, você precisa estar atento o tempo inteiro, o que ele tá querendo mais, o que ele precisa mais. essa talvez seja a grande… tem o lado tecnológico, mas tem o lado também de percepção das necessidades dos nossos usuários que se utilizam dos nossos serviços. Tá bom?
P/2 – Vamos finalizar? Querem fazer uma última pergunta? Teve alguma pergunta que não fizemos que você gostaria de…
R – Não, vocês foram brilhantes.
P/2 – Pessoal, então em nome do Metrô, do Projeto 50 anos e em nome do Museu da Pessoa, muito obrigado pela entrevista.
R – Eu que agradeço. Eu fiquei muito contente aqui, foi uma manhã muito gostosa com vocês quatro aqui, muito obrigado e vou marcar esse dia como mais um dia importante na minha vida de estar com vocês aqui.
P/2 – Muito obrigado, então.
P/3 – Da minha parte, foi uma delicia!
P/1 – Foi mesmo.
P/3 – Ficaria aqui ouvindo você falar dias…
FINAL DA ENTREVISTARecolher