Depoimento de Plínio Oswaldo Assmann
Entrevistado por Cristina Castro, Dilce Carvalho e Juliana Venâncio
São Paulo, 25 de maio de 2018
Entrevista número MET_HV03
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Doutor Plínio, o senhor pode começar nos dizendo a data de nascimento e o local de nascimento?...Continuar leitura
Depoimento de Plínio Oswaldo Assmann
Entrevistado por Cristina Castro, Dilce Carvalho e Juliana Venâncio
São Paulo, 25 de maio de 2018
Entrevista número MET_HV03
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Doutor Plínio, o senhor pode começar nos dizendo a data de nascimento e o local de nascimento?
R - Eu nasci em Santa Catarina, em 30 de outubro de 1933 e, muito jovem, ainda com os meus pais, vim para São Paulo. Aqui me formei e essa cidade me fez o que eu sou hoje.
P/1 - E a origem da sua família: tem alguma história que o senhor possa nos contar?
R - O meu bisavô veio da Alemanha em 1853. Na época do Império aqui no país, havia muita imigração desta região europeia. Ele veio com a família e se alojaram no Rio Grande do Sul e lá fundaram uma cidade, que se chama Santa Cruz do Sul, capital do fumo. Lá, se estabeleceram. O meu bisavô veio com 11 anos de idade, lá da Alemanha. A família já teve a nacionalidade brasileira antes de embarcar, na Alemanha. A partir daí, aconteceu o que normalmente acontece com as famílias que vieram da Alemanha na época: o mais velho fica com o terreno e cuida da família e os outros saem para se virar na vida. Isso acontece até hoje no Brasil. É assim que nós estamos colonizando o Mato Grosso. Quer dizer: os gaúchos vêm, lentamente, subindo até o norte do Brasil e estão lá, hoje, no Mato Grosso do Norte, no Pará e são os responsáveis pelo sucesso da soja no Brasil hoje. Entendeu? E isso aconteceu. Eu nasci em Santa Catarina, produto dessa origem, porque os meus pais vieram do Rio Grande do Sul e foram subindo. O primeiro passo que deram foi Santa Catarina. Eu sou do oeste de Santa Catarina, de uma pequena cidade chamada Piratuba e, a partir daí os meus pais decidiram vir para São Paulo, que era irresistível na época.
P/1 - E sobre alguma história da sua infância, assim, que seja marcante e que o senhor gostaria de contar, compartilhar com a gente?
R - É o seguinte: eu vim de lá com sete anos de idade, e toda a família. Veio também, junto, um tio meu, que foi procurar escola para as crianças da família. A resposta que eu recebi é que não podia entrar naquele ano, que tinha de entrar no ano seguinte, porque era meio do ano e não tinha mais vagas. Eu não aceitei. Eu fui falar - sozinho, na cidade que eu não conhecia, não sabia - com a escola e falei com a diretora. Lembro disto, absolutamente. Então a diretora deu uma vaga para mim. Eu entrei no meio do ano. Me lembro como hoje da minha professora, nome, etc. Tudo é, para mim, memória muito fresca. Consegui passar de ano, com nota 50, que era a menor nota possível para passar de ano.
P/2 - No meio do ano.
R - A partir daí eu continuei e me formei.
P/1 - Você era filho único?
R - Não, eram três filhos e eu era o menor.
P/3 - Posso fazer uma pergunta?
P/1 - Claro.
P/3 - O senhor se lembra dessa sua chegada à São Paulo?
R - Sim.
P/3 - Lembra da cidade?
R - Sim.
P/3 - Das impressões que o senhor teve?
R - Sim, sim.
P/3 - Conta um pouquinho para a gente, fazendo favor.
R - Viemos de trem. De trem. O trem, aquilo que se chamou depois de Viação Férrea Paraná-Santa Catarina, e que hoje em dia só tem um transporte turístico, mas esse projeto de ligação de São Paulo com o sul do Brasil foi feito no tempo do Império. Houve um primeiro projeto e ele fez com que essa via férrea fosse primeiro para Curitiba - São Paulo-Curitiba - e de Curitiba a ideia era até o Rio grande do Sul. O Rio Grande do Sul tinha uma ferrovia, que ia de Santa Maria até Porto Alegre. Então, a ideia era - e foi assim construído - ligar Curitiba com essa ferrovia: Viação Férrea Riograndense para até chegar à Porto Alegre. Bem, essa ferrovia margeou o rio que nasce praticamente na fronteira entre Santa Catarina e Paraná e desagua no Uruguai. É o Rio do Peixe. A minha cidade, onde eu nasci, incialmente era apenas uma estação de estrada de ferro, que tinha o nome de Rio do Peixe. Assim, a cidade chamava-se Rio do Peixe. Quando o Brasil entrou nessa questão de que as cidades iriam virar municípios, ter território e serão delimitadas, então mudaram de nome e a cidade, hoje, chama-se Piratuba - que quer dizer "Rio do Peixe". Entendeu? Então, isso, efetivamente aconteceu. E a única ligação que tinha, na época, com São Paulo, era a ferrovia. Então a família veio para São Paulo e, naturalmente, veio, vamos dizer assim... não tinha dormitório, portanto dormia sentado no banco do trem. Mas tinha restaurante. Eu lembro muito bem que a primeira vez que eu comi macarrão, na vida, foi no trem.
P/1 - Que bacana. Como é isso? Lembrar disso?
R - Com seis, sete anos de idade. É isso aí. Aí chegamos aqui.
P/3 - E o que o senhor achou?
R - O que que eu achei?
P/3 - Dessa cidade, o que o senhor viu?
R - O que eu achei é o seguinte: eu morava numa cidadezinha que tinha ruas, mas não tinha sarjeta, não tinha calçada, não tinha nada disso, entendeu? Isso era a Rio do Peixe da época. E aqui, impressionante. Tinha calçada, tinha sarjeta. Para que que serve isso? Para que fazer essas coisas? Porque lá eu não conhecia. E, mais ainda, que negócio é esse do bonde? Tem um bonde aqui, entendeu? Então, realmente, nós moramos em um bairro chamado Perdizes, na época, e é isso: impressionante. Tinha bonde. Para que serve esse negócio? Está certo?
P/1 - E a sua primeira casa aqui, ali em Perdizes? Quais são as suas lembranças dessa chegada, dessa casa, de vocês, da família junto?
R - Eu me lembro muito bem. Infelizmente, agora é um prédio.
P/1 - Ah, hoje é um prédio.
R - Não existe mais essa casa. Mas a rua que nós morávamos não tinha pavimento. Era terra e a gente jogava bolinha de gude na terra. O futebol que nós tínhamos era com castanhola. Castanhola é o fruto de uma árvore e a gente jogava bola com ela, porque bola não tinha. Não tinha nada disso, entendeu? Mas a molecada da rua toda jogava bola de gude, jogava futebol e todo mundo conhecia. Tinha umas meninas morando na rua, que tinha um patinete. Olha só que coisa impressionante ter patinete. Eu nunca tinha visto isso, entendeu? Então é isso aí.
P/1 - Aí nessa casa, em Perdizes, que o senhor morou por algum tempo ou por muito tempo?
R - Algum tempo.
P/1 - Até a juventude?
R - Algum tempo. Eu me lembro muito bem que essa casa tinha garagem. Na garagem, tinha o automóvel do meu pai. Mas como era época da guerra, não tinha como usar o carro. O carro ficava sempre na garagem. E eu e os meus irmãos íamos fazer de conta que estávamos guiando o carro, na garagem. Mas o carro não podia andar. Depois, então, fomos mudar para perto dali, no bairro de Perdizes, na Avenida Água Branca. Mas agora não chama mais assim, chama Francisco Matarazzo. Morávamos lá. Aí eu já estava entrando no ginásio. Então, ao invés de ir a pé até a Escola Primária Manoel da Nóbrega, onde eu estudei, pegava o bonde para ir no Ginásio Anchieta, onde eu estudei. Essas duas escolas eram da Associação Paulista de Professores, que não era estatal. Não havia isto. Mas a Associação Paulista de Professores é que mantinha as escolas.
P/1 - Bom, o senhor estava morando ali na Água Branca, a essa altura, e andava muito por São Paulo? Circulava? Começou a circular muito por São Paulo?
R - Não muito, porque a única coisa que tinha era o bonde.
P/2 - Qual foi a sensação, quando o senhor entrou a primeira vez no bonde? Se lembra?
R - Me impressionou muito o seguinte: primeiro que está escrito no banco do bonde mais ou menos assim: "cuidado, passageiro. Esse passageiro se curou com Rhum Creozotado". Mais ou menos isso estava escrito no bonde. Eu li aquele negócio e achei uma coisa impressionante: "mas como? Está falando que tosse e rouquidão se cura com Rhum Creozotado". Estava escrito, entendeu? E tinha o cobrador. E, naturalmente, a gente dava um jeito que o cobrador não visse a gente, para não pagar.
P/1 - Muito bom. E aí, como foi, assim, essa fase da juventude?
R - Sim.
P/1 - Que experiências, que histórias que, ao pensar nisso, hoje, "isso foi marcante para mim"?
R - Várias coisas. Ih, nós não vamos sair daqui. Era a época da guerra. Então, as escolas tinham que se preparar militarmente. Tinha isso: eu aprendi a marchar. No primário, tinha um uniforme que a gente tinha que usar para marchar e tinha uma pessoa, do Exército, que fazia Ordem Unida no primário, entendeu? Agora, como era tudo muito pequeno, a minha mãe conversava com a minha professora. Se conheciam. Está certo? Essa professora que me desasnou - o verbo desasnar -, quer dizer o seguinte: ensinar uma criança a ler a escrever. Então, essa professora, muitos anos depois, eu vim a conhecer o filho dela. Esse filho dela foi secretário de transportes da prefeitura que eu construí o metrô. Fui conhecer o filho dessa professora, chamada Ruth da Silva de Freitas, e mãe do secretário de transportes que fez, na prefeitura, comigo, o metrô. Cidade pequena.
P/1 - Cidade pequena. E essa lembrança? Lembrar disso... tinha que estar lá na escola, aprendia a marchar...
R - Tinha.
P/1 - Era...
R - Dureza.
P/1 - Dureza?
R - Dureza. Não tinha papo não, mas, como eu só fui meio ano aluno dessa professora, mãe do secretário de transportes, no segundo ano eu me lembro da professora Déia, que fazia uma coisa interessantíssima: representação teatral dos alunos. Entendeu? Então tinha lá o teatro. Tinha uma peça para representar. E eu tinha que representar Franz, o Alemão. Era a minha parte, entende? Lá pelas tantas, tinha uma briga entre os moleques na representação teatral, e aí eu dizia assim para eles: "venham um a um e vamos brigar, um por um".
P/3 - Nesse período da guerra, o fato da sua família ser da Alemanha teve algum problema de alguma ordem?
R - Todos os problemas que você pode imaginar. Imagine o bullying, que não sabia que existia? Então, eu era o alemãozinho que vinha de Santa Catarina, aqui. Então, bullying. Como não? Mas não é esse bullying de hoje não. Não tem nada a ver com isso. Entendeu?
P/3 - E seus pais também tiveram esse problema com o comércio?
R - Não, o meu pai era um comerciante.
P/3 - E não teve problema?
R - Meu pai era comerciante. Ele trabalhava trazendo alfafa de Santa Catarina para alimentar os burros que tinha aqui, porque o lixo era tirado com carroça puxada por burro. Ok? A distribuição de leite, pão, era com burro. Então tinha burro para burro aqui na cidade e precisava importar alfafa. Ele era um comerciante.
P/1 - E o senhor...
R - Mas ele só tinha primário. Ninguém, naquela época... curso superior só para muito pouca gente. Meu pai aprendeu a ler e a escrever e virou um comerciante.
P/1 - O senhor chegou a trabalhar com o seu pai? Ajudá-lo, começar a trabalhar?
R - Não. Não, infelizmente não. Porque eu, daí, segui a carreira escolar. Como o Ginásio Anchieta não era muito rigoroso no ponto de vista do estudo, nós nos mudamos. Eu e meu irmão nos mudamos para o Mackenzie. E eu fui terminar o ginásio no Ginásio Mackenzie. Aí eu aprendi outras coisas, outro tipo de gente. Gente de melhor nível, classe diferente... não era aquele pessoal do bairro, está certo? E bons professores. Excelentes professores, entendeu? Tinha que falar o Hino Nacional. Não podia cantar o Hino Nacional. Ele tinha de ser falado, para a gente saber o Hino Nacional direito. Não era a canção. Fazia a canção também, mas eu prefiro o Hino Nacional falando.
P/1 - E algum professor dessa época, assim, o senhor se lembra? Foi marcante?
R - Claro. O professor de canto. O professor de canto que ensinada solfejo. Então tinha que solfejar. Tinha que expressar uma música no solfejo. Dó Ré Mi Fá Sol... e assim por diante. Solfejo.
P/1 - Que bacana. Experiência no teatro, experiência, assim, no canto.
R - No canto. Tudo tinha na escola, na época.
P/1 - Que bacana.
P/2 - Nessa escola nova, então, no Mackenzie, que eram outras pessoas, que lembrança que o senhor tem das relações novas que foram construídas, então?
R - Eu tenho amigos do ginásio, do Mackenzie, hoje. Então, essas pessoas eram excelentes. Já eram alunos cujas famílias moravam no Jardim América. Eram outra coisa, não era onde nós morávamos, lá em Água Branca. Era um outro padrão. Mas eram gente boa. Muito boa. Até hoje conheço.
P/1 - E se encontram até hoje?
R - Sim, a gente se vê. Como não?
P/1 - Que bacana.
R - E tem as professoras, né?
P/1 - Sim.
R - Tinha a professora de francês, que era dureza. O professor de geografia, que tinha um caderno de geografia e que tinha que escrever as perguntas que ele fazia e, no caderno, as respostas. Então, as aulas de geografia estavam no caderno, através de pergunta e reposta.
P/1 - E esses professores ajudaram o senhor na escolha da carreira?
R - Sim, no ginásio.
P/1 - No ginásio?
R - Eles é que me puseram na cabeça que tinha que ser engenheiro. Eles que puseram essa forma racional do ensino do Mackenzie, que, depois, com a cabeça, para ser engenheiro. Sim.
P/1 - E como foi esse caminho, então?
R - Na época, terminei o ginásio no Mackenzie e aí fui fazer o colegial lá. Mas eu não queria fazer a engenharia no Mackenzie porque era muito caro, entendeu? Meus pais não podiam. Então eu decidi fazer a Politécnica. E daí, então, no terceiro ano do científico, eu saí do Mackenzie e fui numa escola bem fácil, para poder fazer um cursinho duríssimo para poder concorrer na Politécnica.
P/1 - Para poder concorrer na Poli.
R - E entrei.
P/1 - E qual foi o sentimento, assim, o seu, da família, ao entrar na Poli?
R - Bom, eu fui o único dos irmãos que seguiu a carreira na universidade, porque os outros tiveram que ajudar o pai. Tiveram que trabalhar no comércio do pai. Então, eu fui lá. Quando eu cheguei na Poli, a Poli é um deslumbre, na Avenida Tiradentes, não é na USP.
P/1 - É na Tiradentes.
R - A USP não. Muito depois, que é isso. Então foi na Avenida Tiradentes, né? E lá, realmente, eu tive uma visão do que que era o conhecimento aqui no Brasil e de São Paulo. Professores excelentes. Excelentes. Professor da Poli, na época, era professor catedrático. Não chama mais assim, chama titular. Mas os professores catedráticos da Poli na época, ganhavam como ganha um desembargador. Eram pessoas bem remuneradas, excelentes. Entende? Professores que depois eu fui encontrar na vida.
P/1 - Sim.
R - Já na vida prática. Extremamente rigorosos. Era dedicação integral e inclusive sábado à tarde. Então era de segunda à sábado, à tarde, na Poli. Escolhi, na Poli, o curso mais duro, porque na Engenharia tem o que a gente acha que não são engenheiros, são engenheiros civis. Eu fui ser Engenheiro Eletricista, que é alta tecnologia. E aí, de novo, tive professores excelentes e que me abriram todo o mundo tecnológico. O que me ajudou muito no metrô, depois.
P/1 - Mas em algum momento o senhor teve dúvida da sua escolha?
R - Nem um pouco.
P/1 - Não?
R - Nem um pouco, mas eu, na Politécnica, aprendi uma coisa: tinha Grêmio. Ou teve. Você tem Centro Acadêmico. E eu passei a vivenciar o Centro Acadêmico. No Centro Acadêmico... bom, mas essas coisas não têm que perguntar, né?
P/1 - Não tem que perguntar?
R - No Centro Acadêmico nós começamos a discutir uma coisa que chamava-se, na época, nacionalismo. Nós éramos nacionalistas. Então, eu fui no Centro Acadêmico... no Grêmio Politécnico, que funcionava num porão lá da escola. Eu chefiei o departamento de cultura e nós fazíamos o seguinte: nós convidávamos os melhores intelectuais do Brasil para fazer palestras na escola. Nossa, o que é isso... e o assunto, na época, era Petrobrás.
P/1 - Olha só...
R - Faz ou não faz Petrobrás? Então, nós convidamos gente que não tinha tanto quanto tinha no Rio de Janeiro. Então o pessoal vinha de lá. Na escola, como já tinha gente que tinha automóvel e guiava, então um colega nosso ia pegar o cara no aeroporto e que vinha fazer uma palestra. Convidávamos os expoentes, né? Por exemplo convidamos lá um que era diretor técnico da CHSF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Era um engenheiro paulista formado na Escola Politécnica e que virou o diretor técnico da Usina de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, e que depois nos convidou para irmos lá ver a obra. E a obra da Hidrelétrica de São Francisco era construída em um trecho onde a correnteza do rio era muito forte e o governo brasileiro, na época, a CHSF - que era coisa pública -, contratou o Banco Mundial. O Banco Mundial estava começando iniciando na época, para ter uma assessoria para a construção dessa hidrelétrica. E os americanos que vieram para lá que não dava para fazer hidrelétrica aqui porque a correnteza do rio não dá para construir a barragem. E esse professor da Escola Politécnica e que era o diretor técnico da Hidrelétrica do São Francisco bolou um sistema para que a água do rio fosse mais lenta e permitisse fazer as escavações necessárias para construir a barragem. Esse foi um gênio, esse professor da Escola Politécnica.
P/1 - Quanto aprendizado.
R - Mas meu Deus, não era só isso. Então, nós contratamos Josué de Castro. Josué de Castro, para quem sabe, ele foi um grande escritor e escreveu um livro chamado "Geografia da Fome", sobre o Brasil. Esse cara era um cara intelectual, do Rio de Janeiro, e ele veio fazer uma palestra sobre isso. Josué de Castro. Já era um autor conhecido no Brasil. Então, esse ambiente intelectual, eu vivi na Politécnica. Muito, muito bem.
P/1 - A partir do Centro Acadêmico.
R - A partir do Centro Acadêmico. E o Centro Acadêmico, no porão do prédio, era maior do que a diretoria da Escola. O Centro Acadêmico fazia o Baile Paula Souza. Quer dizer o seguinte: tinha um baile anual para a gente conhecer as meninas, né? Fazia o Baile Paula Souza. Fazia a Paula Poli, que era a disputa entre a Politécnica e a Escola Paulista de Medicina. Futebol e tudo.
P/2 - Esporte.
R - Esportes. Fazia esse movimento na área de cultura. Tinha um departamento chamado "Departamento Politécnico de Planadores" porque estava se construindo a Cidade Universitária da USP e tinha um campo lá. Então deram um jeito de fazer uma escola de planador aqui em São Paulo e usava o campo que está ao lado da raia olímpica na USP. E construiu a Casa do Politécnico, que era um prédio lá na própria área da Escola Politécnica para alojar os caras que vinham do interior. Os caras que vinham estudar, do interior. Os caras que vinham de Botucatu eram craques na matemática, porque tinha um professor bom lá em Botucatu para ensinar a matemática, e os caras eram bons na matemática. E o jeito que o Grêmio Politécnico construiu esse prédio, não foi com o governo não. Nada disso. Foi emitindo debentures. Ninguém sabia o que era. Debenture quer dizer o seguinte: é um documento que você dá para obter um empréstimo. E o pessoal andou, então, nas empresas de São Paulo emitindo debentures para arrumar dinheiro para construir o prédio. E o prédio está lá hoje. Bom, eu não sei qual é o uso que é feito hoje, porque a USP agora está toda lá, né. Então, depois, no dia da inauguração do prédio, chamamos todas as firmas que ajudaram e dissemos que nós não íamos pagar. Ponto. "Não vamos pagar porque não tem como pagar. Tudo bem. Então tchau". Foi assim que foi a inauguração do prédio.
P/1 - Olha só...
R - Foram coisas... aprendeu para a vida.
P/1 - Mas eu fiquei curiosa com uma coisa. Fiquei aqui pensando nesses bailes aí que vocês promoviam. Como foi? O senhor teve alguma namorada? Conheceu alguém a partir dessa época, desses bailes?
R - Não, eu conheci a minha mulher, com quem eu estava casado há quase 70 anos. Não, não. Não foi aí. Foi um pouco diferente, porque tinha muito professor da Escola Politécnica que era professor da Faculdade de Filosofia, na Rua Maria Antônia. E a Faculdade de Filosofia tinha curso de Matemática e Física, então tinha muito professor que dava aula na Poli e dava aula na Filosofia. E a gente também convivia lá na Filosofia. Está certo, quer dizer, convivíamos, porque esse ambiente cultural que a Poli fazia e que era diferente da Faculdade de Direito, a Medicina não fazia. Não tinha nada. A Direito fazia outras coisas. Era a Revolução de 32 e esses negócios. Nós estávamos olhando o Brasil. Não estávamos olhando a Revolução Constitucionalista, aqui. Então, a gente tinha muita relação com o pessoal da Filosofia e eu acabei conhecendo minha mulher através de uma família de pessoas que eu conheci na Faculdade de Filosofia.
P/1 - Doutor Plínio, então, toda essa vivência no Centro Acadêmico e nesse ambiente intelectual e cultural, levou o senhor para qual caminho depois dessa época?
R - Eu, então, cursei o curso de engenheiro mecânico e eletricista, onde eu sou diplomado e que era o curso tecnológico. Não tinha esse nome e nem se conhecia assim, entendeu? Eu me aproximei muito da tecnologia e frequentava o IPT. Depois eu presidi o IPT, faz uns 20 anos. Eu frequentava o IPT e ele foi o primeiro a construir alguma coisa na Cidade Universitária. Cidade Universitária existe como tal porque teve o pessoal da Politécnica que estava fazendo o IPT, que tinha laboratórios na própria Escola Politécnica, lá na Praça Coronel Fernando Prestes, na Avenida Tiradentes, mas era pequeno. Por exemplo, o pessoal da química estava desenvolvendo o pró-álcool, mas não se chamava... mas, enfim, co-álcool. E no dia que eles estavam processando álcool lá, era uma fedentina na escola, tremendo. Está certo? Então o pessoal decidiu transferir esses laboratórios do IPT e que estavam na Escola Politécnica para a Cidade Universitária. E assim foi feito. O primeiro prédio na Cidade Universitária foi o IPT que fez. E, eu, formado, cavei uma bolsa da FIESP, na época, e fui fazer um curso no IPT. Ia de ônibus até o IPT. Era um ônibus do IPT que catava o pessoal aqui na cidade para ir lá. Eu fui fazer esse curso. Nesse curso eu aprendi coisas impressionantes. Teve um professor do IPEN - Instituto de Pesquisas Nucleares - que fez uma palestra lá nesse curso... logo recém-formado. E ele falou uma coisa que eu ia aplicar no metrô, anos depois. Está certo? Ele dizia que não havia um curso de Física do Estado Sólido. Ou seja: hoje é tecnologia de ponta, chips e todo esse modelo. No começo era chamado de Física do Estado Sólido. Ele mostrou teoricamente um tiristor. O tiristor virou hoje o chip. No chip tem, pelo menos, uns 200, 300 tiristores, tudo micro. Mas na época não era assim. Aí que eu aprendi uma coisa que vim a aplicar no metrô, depois. Eu entendi a teoria que estava no e que agora está no chip. Eu já aprendi nessa ocasião.
P/1 - Antes do senhor chegar no metrô qual foi a sua trajetória?
R - É um papo que vai durar umas duas horas. É o seguinte...
P/2 - Está cansado?
R - Eu não.
P/2 - Não? Então está bom. Sinaliza.
R - A vida é dura.
P/1 - O senhor está gostando de lembrar disso, desses fatos?
R - Demais.
P/1 - Ótimo então.
R - Mas não sei que uso vocês vão fazer disso. Mas o fato é o seguinte: eu fiz esse curso lá no IPT, de três meses, e um professor da Escola Politécnica me convidou para ser professor lá. E eu fui. E eu fui assistente do professor da cadeira de máquinas elétricas e dei um ano de aula lá, mas eu achei que não era ali. O que eu estava era assim: eu estava um capítulo na frente dos alunos. Eu achei que não era isso. Então arrumei uma bolsa e fui fazer, de novo na Federação das Indústrias, um estágio no Rio de Janeiro, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB. Ali eu tive contato com a melhor intelectualidade do Brasil. Na época, esse ISEB era uma criação do governo do Juscelino e do Ministério da Educação para disseminar o conhecimento do Brasil. Eu fui aluno do Celso Furtado. Outros caras que eram conhecidos eram professores lá na escola. Era o braço civil daquilo que o Exército tinha e que chamava-se... esqueço o nome da área que fazia também isto, só que o governo do Juscelino foi fazer o braço civil. Eu fui fazer o curso da área civil e tinha um competidor, vamos dizer assim, militar e que depois deu o Brasil que vocês sabem. E aí foi impressionante. Impressionante, porque eu tive contato com os melhores intelectuais do Brasil no Rio. São Paulo era uma província. São Paulo não tinha essa competência, entendeu? Ah, a Escola Superior de Guerra. O Exército tinha a Escola Superior de Guerra e o civil tinha o ISEB. Depois da revolução fechou o ISEB. Era um curso de extensão universitária e pessoas do Brasil inteiro lá também. Tem outros alunos, nem todos mencionáveis, fizeram carreira política, viraram presidente da república, enfim. O ambiente era de altíssima... não só dos professores, mas dos alunos também. Eu vi o Brasil. Eu vi tudo aquilo que tinha visto no limite do Grêmio do Politécnico, eu fui ver lá o que era o Brasil. Um ano. Muito bem. É aquela história: tinha que ir para lá, para o Rio de Janeiro. Tinha que ir de trem. Tinha um trem na Central do Brasil. Não tinha a rede ferroviária federal na Central do Brasil e que ia lá. O fim de semana passava em casa, mas ficava numa pensão lá no Rio de Janeiro, junto com gente de tudo quanto é lugar. Aí, terminado o curso, eu resolvi trabalhar em Volta Redonda, na Companhia Siderúrgica Nacional. A Companhia Siderúrgica Nacional era a maior empresa do Brasil na época e a mais moderna. Aí, então, foi um aprendizado brutal.
P/1 - O senhor entrou lá fazendo o quê?
R - Engenheiro recém-formado.
P/1 - Trabalhando como engenheiro.
R - Engenheiro recém-formado, apesar de ter feito um curso, esse do ISEB, de um ano. Mas eu fiz lá o concurso para entrar. Nessa época casei. Fomos morar lá em Volta Redonda. Está certo? Em Volta Redonda tinha uns três ou quatro paulistas, colegas, engenheiros e tinha mais carioca, mas o grosso era mineiro. O grosso era Minas Gerais. A diferença entre os paulistas e os cariocas para os mineiros era brutal.
P/1 - Em relação a quê?
R - À competência, capacidade. A turma de Minas não... mas era quantidade. Todos que se sobrepunham lá era a turma de São Paulo e do Rio de Janeiro. E aí conheci muita gente do Rio de Janeiro, com os quais, durante muito tempo, convivi também. Nós morávamos - eu e Luiza, minha mulher - em uma casa alugada e aí tinha que arrumar uma empregada. A empregada não sabia o que era banheiro. Tinha que ensinar a cozinha. Pessoa simples, mas aprendia. Na Usina de Volta Redonda, na época, todo engenheiro recém-formado tinha que fazer um estágio de seis meses. Aí eu aprendi tudo. Operei ponte rolante, operei locomotiva, entrei nos subterrâneos das cablagens elétricas... tudo. Uma vez eu cheguei para um cara da (searia) [00:53:27], um desses caras que a gente estava estagiando, né, e perguntei para ele: "quantas pessoas trabalham aqui?". O cara respondeu: "a metade". Aí, então, casamos e a mulher ficou esperando nenê e eu disse: "não, nós não vamos criar os nossos filhos aqui não. Nós vamos voltar para São Paulo", porque a Luiza é de São Paulo. Então voltamos para cá e aí eu fui trabalhar na Cosipa - Companhia Siderúrgica Paulista. Na época, começando a obra. E eu era uma pessoa que já tinha visto siderurgia. A turma que estava iniciando na Cosipa nunca tinha trabalhado em siderurgia. Eu conhecia aquilo lá por dentro e de tudo quanto é jeito. Então fui trabalhar na Cosipa e a área em que eu trabalhava era uma coisa que raramente os engenheiros faziam na época - hoje nem fazem mais -, que era na área financeira. Eu tinha conhecimento, lá em Volta Redonda, dessa questão. Não apenas da produção do aço - isso era com os mineiros -, mas a condição empresarial, o conhecimento empresarial. Tinha essa visão de Volta Redonda e fui fazer isso. Aí, quando eu comecei a entender mais o que era a Cosipa, eu cheguei para a diretoria e falei que não ia dar, que a Cosipa não ia conseguir. A Cosipa era privada, era uma iniciativa de empresários paulistas. "Não vai conseguir fazer uma usina. Não tem jeito". Aí era a época do parlamentarismo, né, o primeiro ministro era o governador de São Paulo, o Carvalho Pinto. Eu fui falar com o Carvalho Pinto. "Não dá para fazer a Cosipa. O Governo Federal tem que ajudar". E os mineiros estavam fazendo a Usiminas na época. Os caras são mais vivos. Não tinha ninguém, não tinha setor privado em Minas. Era só governo para fazer a Usiminas e em São Paulo era só o setor privado. "Não dá, não vai conseguir" e aí conseguimos dinheiro do Governo Federal para viabilizar a Cosipa, entendeu? Então fui trabalhar na Cosipa, está certo?
P/1 - Por quanto tempo?
R - Eu trabalhava na usina. Trabalhava lá embaixo, em Cubatão. Tudo isso é três anos, por aí. Eu fiquei três anos em Volta Redonda e aqui na Cosipa também foram uns três ou quatro anos. Por aí. E sempre nessa questão de como é que viabiliza a empresa, porque a parte técnica da engenharia da Cosipa era muito boa. Tudo aquilo lá foi feito no pântano, porque aquilo era mangue. Era uma plantação de banana no mangue. A parte técnica bem, e tudo em ordem. Aí, nessa questão, eu trabalhei com o meu diretor, na época, de planejamento, chamado Zé Carlos Figueiredo Ferraz. O Ferraz virou prefeito e me convidou para ser o presidente do metrô. Eu não entendia nada de metrô. Nunca tinha andado de metrô. Não sabia nada.
P/2 - O senhor falou que a Cosipa fica em Cubatão, né?
R - Cubatão.
P/2 - E como era o transporte até lá nessa época? Como é que o senhor fazia? Era todos os dias? A família residia em São Paulo, em Cubatão?
R - Ônibus. Não, não. Ninguém residia em Cubatão. Tinha a turma de Santos. Tinha muita gente de São Paulo e tinha um ônibus. A Cosipa nos apanhava aqui e levava lá.
P/2 - Ah, tinha o ônibus da própria Cosipa.
R - Alugado, tudo perfeito e ia para lá, para Cosipa.
P/1 - Mas como foi esse convite para o senhor ser presidente do metrô?
R - Eu recusei.
P/1 - Recusou o convite?
R - O Ferraz me chamou lá para presidir o metrô e eu disse: "eu não aceito".
P/1 - O senhor lembra bem desse momento.
R - "Não, não. Eu não aceito. O que é isso? Eu posso ser diretor, mas presidente não". Aí o seguinte... primeiro: tinha muitos amigos aqui. "Você tem que aceitar. Deixa de ser besta".
P/1 - Amigos aqui no...
R - Em São Paulo. Amigos da época e tal. "Tem que aceitar". "Não, não vou aceitar". E o Ferraz, acho que tentou outras soluções e não agradou... "você tem que aceitar". Então aceitei.
P/2 - Aceitou.
P/1 - Chegou no metrô.
R - Cheguei no metrô. Entendeu? Bom, cheguei no metrô e aí, o seguinte: "e a diretoria?". Aí o Ferraz: "não, você se vira". E eu formei a diretoria... essa fotografia que vocês têm aí é toda gente que eu escolhi. Eu.
P/1 - O senhor formou a diretoria. Primeira diretoria do metrô.
R - Não, não foi a primeira.
P/1 - Não?
R - Não foi a primeira, mas eu que escolhi. Eu que escolhi. Não tinha esse negócio de política. Não tinha. Ninguém estava aí, entende? Aí comecei no metrô.
P/1 - E por que, a princípio, o senhor recusou o convite?
R - Porque era muito alto. Eu não tinha nível. "Como é que eu vou ser presidente?". Uma coisa muito alta. Não aceitei. Só aceitei porque os meus amigos pressionaram e o Ferraz também pressionou. "Tem que aceitar". E eu já tinha trabalhado com ele na Cosipa. Eu que achei que a Cosipa precisava de dinheiro federal. Ele era o diretor da época. Eu que fui falar com o Carvalho Pinto, entendeu?
P/3 - Senhor Plínio, desculpe a minha ignorância: o metrô já existia e daí foi chamado?
R - Bom, agora, então, vamos falar coisa séria, que é o metrô.
P/2 - Eu queria dar um tempinho agora, só para a gente... aí a gente entra na coisa séria. Pode ser?
P/1 - Doutor Plínio, o senhor compôs a diretoria do metrô.
R - Sim.
P/1 - Conta para gente sobre esse primeiro momento do senhor com essa diretoria nesse momento inicial, da primeira reunião. O que que dá para lembrar desse momento?
R - Eu conhecia todos e cada um de longa data. Eram engenheiros de excelente qualidade, já profissionais que tiveram um desenvolvimento profissional antes. Não era primeiro emprego, de jeito nenhum. Então, a questão toda era "como vamos gerir o metrô?", "como vamos fazer a gestão e o que vamos fazer?".
P/1 - Essa foi a questão colocada nesse momento inicial.
R - Não foi a questão colocada no momento, mas era por aí. Tínhamos o prefeito com quem a gente - eu, pelo menos - tinha um relacionamento já antigo e ele tinha interesse em fazer o metrô. O Ferraz teve esse interesse, diferente do seu antecessor, Paulo Maluf, que, praticamente, parou a Companhia do Metrô. A Companhia do Metrô foi iniciada pelo prefeito Faria Lima, a partir do GEM - Grupo Executivo do Metrô, que era um grupo na prefeitura liderado por um grande amigo meu já falecido, Mastrobuono. Marco Antônio Mastrobuono. "E esse grupo GEM é que tem pessoas que eu quero sugerir a você, que ainda estão aí e que você deveria procurar, porque foi, realmente, o pontapé inicial do metrô, o GEM". Bem, o GEM contratou uma consultoria alemã para o metrô, chamada HMD. Três siglas: duas alemãs, uma Hochtief, que é uma empresa de construção civil, The Consult, que é uma empresa de operação de metrô na Alemanha e Montreal, que é a firma nacional, brasileira. Então, esse HMD produziu o célebre livro azul, que é um livro desse tamanho, conhecido no metrô e que produziu todo o conhecimento que tinha sobre essa questão, tanto o conhecimento urbano como o conhecimento técnico. Muito bem. O primeiro presidente da Companhia do Metrô foi Francisco Quintanilha Ribeiro, que depois foi trabalhar lá com o Faria Lima e que depois foi chefe da Casa Civil do governo Jânio Quadros. Bem, foi o primeiro presidente. Aí houve a sucessão e o prefeito seguinte (virtualmente) [01:07:26] não deu andamento ao metrô. A prioridade que o prefeito Paulo Maluf tinha não era o metrô, era o minhocão.
P/1 - Mas nessa época o que existia da Companhia do Metrô? Existia o pátio Jabaquara?
R - Nada.
P/1 - Nada?
R - Nada, nada. Tinha algumas licitações em curso. Não tinha obra, a não ser uma, simbólica, que o Faria Lima deu início no Jabaquara, no dia 08 de dezembro de 1968, mas foi uma bate estaca lá na Avenida Jabaquara. Então foi simbólico.
P/1 - Ah, simbólico.
R - No dia 13 está publicado o AI-5. Entendeu? Então essa foi a gênese inicial. O Faria Lima faleceu. A sucessão foi com o Paulo Maluf, que não deu andamento, a não ser algumas licitações em curso, não ainda em obra. Mas tinha uma coisa importante que a turma do GEM fez: a obra tinha que começar no Jabaquara e em Santana. Começa a obra e um dia essas duas tem que se ligar. Entendeu? Inteligente. Uma posição inteligente. Então, quando eu assumi a Companhia do Metrô, a questão era: o Ferraz quer o metrô. A cidade precisa do metrô. A cidade está mais do que madura para receber o metrô. Então acontecia o seguinte: todo sábado nós íamos à obra com o prefeito. Então era uma coisa excelente, porque visitávamos a obra e, como era o prefeito, os donos das empresas construtoras, as empreiteiras, iam lá também, óbvio.
P/1 - Visitavam a obra onde? Lá no Jabaquara?
R - Jabaquara. Basicamente Jabaquara.
P/1 - Era ali no Jabaquara.
R - Jabaquara, entendeu? Iam lá vereadores. Então, a visita que o prefeito fazia à obra... e uma: visita para tomar decisão, na obra, ali, com a engenherada do metrô e a engenherada da empreiteira. "Como que faz?", "faz ali e tal". Quer dizer, era alguma coisa prática, não era uma visita de cortesia nem nada. Era uma prática. "Como faz isso, como faz aquilo?", aí com o Ferraz.
P/1 - Já tinha um planejamento, uma meta, para chegar até onde? Tinha isso?
R - Estava tudo no começo. Mas aí teve que definir como é que a Companhia do Metrô ia fazer as coisas e aí isso competia à diretoria, claro. Aí nós começamos a fazer o seguinte: "em primeiro lugar, vamos recrutar gente. Nós não queremos ninguém da prefeitura. Vamos recrutar gente no mercado. Não é para vir gente da prefeitura não".
P/1 - Essas decisões eram polêmicas?
R - Eu estou contando isso porque passaram-se quase 50 anos e eu posso contar, porque não podia contar, que é isso.
P/1 - Não podia?
R - Não, se conta isso.
P/1 - Porque, afinal, a época, né, permeando tudo isso tinha esse momento de AI-5 em curso. Em curso. Então, "gente da prefeitura não. Vamos no mercado. E não queremos gente da ferrovia também, porque vem com aquelas ideias... não, não. Nós vamos no mercado". E fomos. Aí para o engenheiro que estava lá no metrô, tinha que tem diploma e passaporte.
P/1 - E passaporte.
R - E entrava no metrô e tinha que viajar para conhecer outros metrôs do mundo. Entendeu? Porque tinha o início que o GEM fez, tinha a consultoria alemã e brasileira, mas, prático, não.
P/1 - Tinha que buscar o conhecimento.
R - Então, vai conhecer o mundo. Aí descobrimos uma coisa interessantíssima: os metrôs não fazem competição entre si. Não competem. Cada um está na sua cidade.
P/1 - Teve muita troca de experiência nessa época.
R - E aí eles contavam as dificuldades que eles tinham com os fornecedores, que eram, basicamente, os mesmos. Então, aí ficamos sabendo: "ih, aquele pessoal...". Então, uma experiência prática brutal, de muita gente. De muita gente. Não é um não. E aí começamos a perceber o seguinte: que a Hochtief que tratava da área de engenharia civil era muito boa. Deu e definiu um conceito de qualidade na obra. Quer dizer o seguinte: as obras do metrô em concreto tinham tolerância de milímetros. As obras do metrô não podiam ser feitas com os conceitos que a prefeitura fazia as suas obras. E a Hochtief deu essas coordenações nas normas. Então, começamos a ter normas de qualidade na obra civil. A obra civil do metrô é de excelência na qualidade. A The Consult que era a parte técnica e operacional, queria fazer as coisas como era lá em Munique: um metrô que não era o que nós achávamos que tinha que ser.
P/1 - Esse foi um momento crítico?
R - Esse foi um processo político de entendimento com a consultora. A Montreal, que era a brasileira, fez um trabalho excelente, porque fez pesquisa de origem e destino. Então aprendemos a fazer pesquisa de origem e destino e o pessoal de Montreal também tinha que visitar. Foram visitar onde? Estados Unidos, que estava fazendo esse tipo de pesquisa - porque americano faz pesquisa para tudo - e na época estavam fazendo, no início da Guerra Fria, vias expressas em toda cidade americana para poder evacuar rapidamente uma cidade no caso de uma crise atômica. Então eles tinham pesquisa e como fazer pesquisa. Então, aprendemos a fazer pesquisa e que o metrô faz até hoje.
P/1 - Sim.
R - Até hoje faz essas pesquisas e fazem com conceitos corretos.
P/1 - Agora, nesse momento, nesse começo, o senhor lembra de algum momento crítico do ponto de vista de decisões? Impasses, decisões.
R - Só tinha isso.
P/1 - Só tinha esse momento? Tem algum momento que o senhor poderia descrever?
R - Tinha todo dia. Mas antes disso, o modelo que a gente ia ter de gestão. A nossa gestão é com todo mundo. Não é só com a diretoria. Todo mundo.
P/1 - Todo mundo é quem?
R - Os caras que viajaram, porque eles que sabiam. Está certo? Os caras sabem mais do que nós. A diretoria não viajou. Eu viajei, mas por outras coisas. Não esse pessoal, que, na época, fez amizade com pessoas de fora.
P/1 - Dos metrôs.
R - Então, por exemplo: nós tínhamos que fazer o projeto de ventilação do metrô. Lá em Montreal, pegou fogo no trem do metrô. E como é que eles trataram isso? Como é que eles conseguiram dominar o fogo? E aí, esse cara, esse grupo de Montreal, nos ensinou a fazer projeto de ventilação de metrô. Aqui no Brasil tinha a (Foid) [01:19:16] que era uma empresa produtora de ventiladores para ventilar com essas torres de ventilação, mas não era projetista. Então aprendemos a fazer projeto com esse pessoal. Tudo no papo. Então resolve esse problema. E assim foi problema por problema. Para poder fazer isso, a gestão tinha que ser de todo mundo. Então, fizemos o seguinte: temos uma reunião da diretoria, semanal, e tem uma reunião de todo mundo, uma vez por semana. Por isso que o metrô tem mesa grande e não se consegue fazer uma obra complexa se não tiver mesa grande.
P/1 - Precisa de mesa grande.
R - Não sei se o metrô ainda tem mesa grande, eu não sei, mas... mesa grande e para todo mundo. Tinha reunião de 20 toda semana. 20 pessoas e tal.
P/1 - E como era o clima dessas reuniões?
R - O jogo era limpo. Quer dizer o seguinte: tinha um grupo de planejamento, ligado a mim, e que preparava a reunião. Essa reunião era preparada com cada caso que precisava ser tratado. Vinha dessa reunião o pessoal que estava tratando dos vários casos que precisavam ser discutidos e todo mundo dava palpite. Mas esse grupo de planejamento discutia com esse pessoal antes, de modo que eles não fossem pegos de surpresa, no pontapé. Não tem nada não. Eles eram preparados para fazer a exposição e o grupo discutia se... aí vinha tiroteio de todos os lados, mas não era uma coisa que não fosse exatamente no sentido de fazer as coisas que o metrô precisava fazer. Isso chamou-se administração participativa, diferente do modelo de administração tayloriano, que divide a empresa em áreas autônomas. Não foi isso o que fizemos no metrô. Nós temos as várias áreas, mas uma vez por semana junta-se todos para discutir porque um influi no outro e isso era discutido. Criamos, na época e não tem mais, é uma pena, a Associação Nacional de Administração Participativa para as outras empresas que tivessem projetos complexos fazerem isso também. O metrô é um projeto complexo.
P/1 - O seu sentimento nessa época é que o senhor estava conduzindo no caminho certo? Qual era a sua sensação ao término dessas reuniões? Como é que o senhor ficava após essas reuniões?
R - Eu percebia e não dormia, porque o metrô que estava sendo pensado não ia conseguir ser feito.
P/1 - Não iria conseguir?
R - Não. "Temos que mudar", porque quem pensou o metrô inicialmente, não tinha o conhecimento do terreno, da geologia, que depois o metrô teve, entendeu? Não tinha esse conhecimento e planejou um modelo que não íamos ter metrô. E agora?
P/1 - E como foi chegar nessa conclusão?
R - E agora? Ou seja: conversa com todo mundo. Tem que viabilizar, entende? Então, a licitação que estava em curso quando eu cheguei lá, de fazer a obra na Rua Boa Vista, o que se chamava vala aberta. Sabe o que é?
P/1 - Ah, sim.
R - Não dá, não ia ser possível. A Boa Vista está cheia de prédios altos, todos em concreto que não pode ter um milímetro de declive. Era um concreto armado e pode ruir aquele prédio. Alguém diz: "tem shield. Tem tatuzão". Então vamos mudar o projeto, ok? E pior ainda: a empreiteira já estava lá. Então tem que mudar o projeto com a empreiteira em curso. Briga entre o metrô e a empreiteira. Os dois brigando, do grupo técnico. Então criamos a Comissão da Paz.
P/1 - Comissão da Paz.
R - É um grupo que tinha para se entenderem. Então tinha que mudar o projeto. E mudou. Aí, o pessoal da empreiteira, que tinha que cumprir o que estava no projeto deles, depois perceberam que era um risco. Aí teve que comprar tatuzão e fazer tudo isso. E quem fez esse projeto de vala aberta na Paulista era uma belíssima firma de engenharia aqui de São Paulo. Boa, excelente, mas...
P/1 - Mas não ia ser possível.
R - Tem que mudar o projeto. Então se viraram lá e arrumaram. Foram comprar shield na Alemanha. Excelente, tudo certo e tal. Tem uma fotografia aí do shield chegando na estação São Bento. Nunca ninguém sabia como era isso, o que era a shield. Não se conhecia. "Tem de aprender". O shield, na época - hoje não mais - trabalhava com câmara de ar comprimido na frente. E o operador, que tinha que entrar na frente, tinha que entrar no ar comprimido. E depois, que tinha que sair, ele tinha que ser descomprimido numa câmara, senão não pode sair, quem está no ar comprimido, para a atmosfera normal. Tem de ter uma câmara de descompresão.
P/1 - Que desafio, hein?
R - Sim, tudo tinha que ser feito, mas ninguém sabia. A condução do shield é com laser. Quer dizer, é milimétrico. Então, muda. Tem que mudar.
P/1 - Até que se adotou essa metodologia, o shield, em que momento deu para comemorar alguma etapa vencida? Qual foi o momento de comemoração?
R - Toda vez que o shield saísse de um lugar e chegasse no outro, era festa. Essa fotografia que está aí, é o shield chegando na estação São Bento. Chegou no lugarzinho certo e etc. E o que aconteceu, com isso? Um belo dia dei o aviso na Companhia do Metrô que o Anhangabaú estava pegando fogo. Fogo saindo do asfalto. Fogo. Aí descobrimos que passava uma canalização de gás no Anhangabaú, que o shield, com a pressão, deslocou. Aí passam um desses automóveis com escapamento e tal, pega fogo. Fala com a Comgás, arruma e não sei o que. Nós conhecíamos todo mundo e falávamos com todo mundo. Eu era amigo do Abade de São Bento. A minha mulher era conhecida. Fui na bênção abacial dele... a gente conhecia. Aí, o pessoal do São Bento telefona dizendo o seguinte: rachou o quadro negro de um professor, dando aula.
P/1 - Onde?
R - Na escola, eles têm uma faculdade lá. A Faculdade de São Bento. Bom, aí vai lá o Amaral, nosso diretor de obras, que está aí na fotografia. Os padres estavam todos assustados: "vai cair. Vocês que ficam inventando esses negócios aí. Vai cair". O único jeito de acalmar os padres, foi o nosso diretor dormir lá. Dormir com os padres, para dizer que não tinha perigo.
P/1 - Nossa, ele dormiu com os padres.
R - Dormiu com os padres lá, para dar confiança de que o negócio não vem abaixo.
P/1 - Ele contou como foi dormir lá com os padres, na época?
R - Não, mais ainda. Rachou o quadro negro e danificou coisas na própria igreja. Teve rachadura na igreja. Aí o metrô fez o seguinte: "nós vamos reformar a igreja". Tudo por conta do seguro, porque para fazer isso tudo que nós fizemos, tivemos que contratar um seguro. E não tinha companhia de seguro no Brasil para fazer isso. Fomos lá na Praça de Londres para assegurar o centro de São Paulo. Então, com o dinheiro do seguro, reformamos a igreja. Os padres adoraram.
P/1 - Se acalmaram.
R - Hoje a igreja está lá, direitinho, limpa e em ordem por causa da reforma que o metrô fez na Igreja de São Bento. Tudo em ordem, com seguro.
P/1 - Nessa época o shield já tinha passado por onde?
R - Ele saiu lá da Prestes Maia, da Avenida e estava na estação de São Bento, da fotografia.
P/1 - E o outro trecho lá, de Jabaquara, Mariana?
R - Já chego lá. Continua no shield. Aí o shield tem de sair no Largo de São Bento e ir para a Sé, passar pela Boa Vista. O que que o shield encontra na Boa Vista? Uma obra da qual não se tinha conhecimento. Onde está o banco Itaú, na época. O banco Itaú comprou esse prédio e o cara que o vendeu fez um puxado por baixo, dentro da Rua Boa Vista e o shield encontra isso. Outro rolo, que não estava no projeto.
P/2 - Surpresa.
P/1 - Surpresas de projeto.
R - Tem que tratar do prédio. Tem que refazer aquilo, tirar aquele negócio que foi feito na frente do shield. O shield ficou parado, mas ele não pode ficar parado porque ele é muito pesado e começa a pesar, a afundar. Ele tem que andar. Para o peso do shield o solo é mole. Tem que fazer rápido, tudo aquilo, para o shield continuar.
P/2 - O senhor dormia? Conseguia dormir?
R - Aí vai em direção à Sé. Quando chega no prédio da Caixa Econômica ali na Sé, o shield sofre um desvio não previsto, porque o solo não é igual. Ele encontrou um solo mais duro e deu um desvio. Putz, e agora? Como é que faz? O pessoal do metrô: "não, fácil: vamos demolir o prédio". O que é isso, gente? "Não, a gente bota abaixo aquele lá. É uma porcaria". "Não, espera aí, Caixa Econômica". Então, como é que faz? Os técnicos dizem que tem que demolir. Como é que faz? Eu tenho que dizer: "toca, vamos em frente". O trem, quando passar por lá, vai diminuir um pouco de velocidade, mas isso com sistemas eletrônicos e tal. Lá tem um desvio. Até hoje o pessoal do metrô chega e diz que nós decidimos fazer isso. Chega na Sé. Chega na Sé e aí começamos a olhar o seguinte: a linha vem de Santana e a obra civil já está na Sé. E do Jabaquara, vala aberta, chega na Liberdade. Então está começando a unir os dois lados. Sim, mas o projeto original previa que a segunda linha... já tínhamos que pensar na segunda linha, porque estava ficando pronto. Tínhamos que começar a pensar na segunda linha, que era para ir até a Penha. Celso Garcia, Rangel Pestana e tal. Debaixo do glicério... e aí, como todo mundo no metrô tinha aquela reunião das quartas-feiras, que tinha que falar tudo e tal, um cara lá e falou e disse que não dava para ir para a Penha. Falamos com a turma da Light e disseram: "vocês são loucos de passar com esse tatuzão lá na Rangel Pestana. Loucos. Nós, para fazer o trilho do bonde, tivemos que mudar o solo. Aquilo é pântano. Vocês não vão fazer nada". Assim.
P/1 - Essa foi a notícia.
R - Na reunião.
P/1 - Na reunião.
R - Quer dizer, não é uma notícia que o subordinado fala para o chefe. É: "fala para todo mundo" e todo mundo tem que encontrar uma saída. E aí? Como é que faz? Além do mais, o shield é muito caro. Quer dizer: um túnel em shield, só onde não tem outro jeito. É muito caro. Não íamos ter dinheiro. Os caras chegaram lá e: "não, fácil, a gente fala com a rede ferroviária, vamos pegar o leito dela e vamos até Itaquera. Não vamos para a Penha não, vamos mais longe, para Itaquera". Engenheiro, né? "Não, sei vira, vai lá falar com a rede e convence eles". Então muda o projeto da Sé. Muda o projeto da Sé, que a segunda linha ia passar por baixo da linha um. Muda. Vai passar por cima. Só isso. E empreiteiro lá. Aí, muito bem. Aí começa a... e os caras já dizem: "não, se passar por cima, a obra é a metade. Não precisa tanta escavação e não vai passar lá embaixo". Tinha que passar por baixo do Tamanduateí. "Não, passa por cima".
Vai falar com a rede.
P/1 - Aí a linha três, por cima.
R - Por cima. Aí muda o projeto. Conversa, briga com empreiteiro, sempre. Agora, jogo limpo, hein? Não tem esse negócio de lava-jato. É aberto. Não tem esse negócio de um cara falar sozinho em uma sala. Tudo aberto, não tem jeito. É essa a tal da administração participativa. Então vamos mudar o projeto. Tudo bem. O negócio é o seguinte: para o engenheiro é fácil. "Vai, vai lá e se vira", mas como a gente conhecia todo mundo - todo mundo -, fomos falar com a rede. "De jeito nenhum". O presidente da rede chegou para mim e disse: "você é louco, porque lá naquele lugar, no Tatuapé, tem uma turma de moleques que em todo trem que passa eles jogam pedras e quebram o vidro do trem. Todo dia. E nós não conseguimos. Você chegar com esse seu metrô todo fresquinho, vocês vão ver se os caras não vão acabar com o trem". Aí, tudo bem, vamos falar com essa gente. Vamos falar com essa gente. Aí, mudar o projeto. Eu fui lá falar com o Ferraz e disse: "olha, Prefeito, vamos ter que fazer mais um viaduto lá no Glicério, porque"... o Ferraz disse: "ah, um viaduto a mais, um a menos, não faz mal". Veja como...
P/1 - Faz um viaduto.
R - Para fazer um viaduto, tinha que demolir uns prédios para o viaduto poder aflorar e passar o viaduto sobre o Tamanduateí e pegou o tal jornal O Diário Popular. Aí então, O Diário Popular começou a meter o pau no metrô. Como a gente sabia de tudo nessa cidade...
P/1 - Sim.
R - Eram umas 20 ou 30 pessoas na reunião da quarta-feira, então o pessoal sabia tudo. Um cara chegou falando: "não tem problema. O Estadão quer mudar lá para a marginal e O Diário Popular pode pegar os equipamentos do Estadão" e foi o que o metrô fez. Então o Estadão foi para a marginal e O Diário Popular foi para a Consolação, no lugar do Estadão. Tudo bem, então vamos fazer.
P/1 - Segue a obra.
R - É, mas, a partir daí, tem que fazer o acordo com a rede, que não estava querendo. Aí, como a gente metia o nariz onde não era chamado, acabamos tendo que ir decidir lá em Brasília em uma reunião da Companhia do Metrô e Rede, no gabinete do ministro.
P/1 - Quem era o ministro?
R - Era um militar, o Dirceu Nogueira. Era um general, no tempo do Geisel já. Aí chegamos lá e... fazemos uma reunião e vou embora, né? O ministro disse assim: "só sai daqui com uma solução". Fiquei uma semana. Tive que comprar escova de dente. Fiquei lá uma semana e saímos com a solução. Era óbvio que o ministro estava lá e nós estávamos na antessala dele. Já percebia que as conversas a gente fazia, mas ele falava lá com o poder do planalto, né? Lá em cima. E acertamos. Acertamos as exigências da rede, que queria que preservasse o pátio Engenheiro São Paulo. O metrô ia passar subterrâneo no pátio para que ele, que era de manobra de trens, fosse preservado para a rede. Hoje não tem mais nada disso, é bobagem. Hoje só passa lá e... por que que passa subterrâneo nesse trecho? Não tem...
P/1 - Foi isso.
R - Pois é. Mas, no instante em que o projeto da estação Sé subiu - como a segunda linha ia passar por cima, tudo subiu ao invés de se aprofundar, como era o projeto inicial - a metade ficou a metade do preço. Aí tivemos que desapropriar prédios ao redor. O maior proprietário dos prédios do setor em uma certa área lá da Sé era a Cúria. Não tivemos dúvida, né. Passa para o prefeito, que assina um projeto de desapropriação e vamos em frente. Eu levei um pau do Dom Paulo... me chamou lá na casa dele, levei um cacete. "O que que eu vou falar? Vocês não respeitam a Igreja Católica". Pau. Levei cacete do Dom Paulo.
P/1 - Foi primeiro lá no ministro, depois aqui da Igreja.
R - Cacete do Dom Paulo e cacete da minha mulher, porque eu tinha combinado com ela de chegar em casa para gente sair, para ir num... chego em casa dez horas da noite. E não tinha celular na época. Ok. Aí, já que a estação subiu, tem que demolir um quarteirão, entre a Praça João Mendes, Praça da Sé. Os urbanistas adoraram. "Vamos ter uma praça digna de São Paulo. Tem que demolir". Aí aparece um prédio chamado...
P/1 - O Mendes Caldeira.
R - Um prediozinho de 30 andares, novo. Todo mundo ia almoçar lá. Tem que demolir. Mas a demolição que a gente fazia na Praça da Sé e nos outros prédios, todo dia tinha gente que levava uma pedrada na cabeça, porque era na marreta. Com todo cuidado que tinha que cuidar para não acontecer nada, queixa. E como é que vamos fazer com o Mendes Caldeira? Marreta?
P/1 - Um prédio.
R - Um prédio. Aí os caras lá: "tem um negócio chamado implosão". Implosão. Então, o metrô foi falar aqui no Consulado Americano, em São Paulo, para que ele nos indicasse alguém nos Estados Unidos, que fizesse implosão, porque era época da Guerra do Iraque e aquele fogo que acontecia quando entrava no campo de petróleo, eles faziam uma implosão e o fogo acabava. Teve umas especializadas nisso. Pedi para o Consulado indicar a firma, mas o nosso negócio não era petróleo, era prédio. E eles indicaram. "Então vamos falar com os caras. Pede para eles virem aqui". Não era uma firma, era uma pessoa. Esse cara que era especialista nisso. A firma era uma pessoa. "Ah, não dá, não pode ser". O pessoal diz assim: "não tem problema. Ele explica tudo como fazer. Nós vamos contratar uma firma de engenharia aqui de São Paulo se o prédio vai realmente cair do jeito que ele está fazendo". Então contratamos uma empresa de engenharia para verificar tudo. E para que esse no-hall ficasse no Brasil, obrigamos ele a fazer uma sociedade com os caras do IPT, que tratavam dessas questões de demolição e tal. Então, criaram uma empresa, que depois pegou. Esse negócio de implosão... né. A essa altura do campeonato o prefeito é Setúbal. Eu vou falar com ele. "Ah, precisamos implodir o prédio". "Ah, não. Que garantia você dá?". "Não, a firma é americana. Eu só aceito se você trouxer uma companhia de seguro que assegure tudo isso". Tudo bem. Correto. Não tinha nenhuma firma aqui que fizesse isso.
P/1 - Que assegurasse.
R - Aí, então, o metrô foi lá na Praça de Londres e encontramos empresa que fazia o seguro disto. Então estávamos com o seguro aí. Projeto conferido por uma firma de engenharia boa aqui de São Paulo, para fazer. Mas o cara disse o seguinte: não pode ter ninguém da Praça da Sé no dia da implosão. Não pode, porque é perigoso, vai pedra para tudo quanto é lado. Não pode ter e não pode acontecer. O metrô, então, entrou em contato com a mídia e combinou: "ninguém avisa nada. Não pode botar no jornal". Tudo acertado. A secretaria de segurança do Estado, tratou de não permitir que ninguém pudesse ir naquele domingo lá na Praça da Sé. Restaurante não pode funcionar, tudo, tudo, tudo. Prédio não pode, tudo fechado. E a mídia não... então, tudo acertado, num belo domingo.
P/1 - Fico imaginando como o senhor acordou nesse domingo. "Hoje é o dia da implosão".
R - Fui o primeiro cara a chegar lá e vou contar depois como é que foi. Cinco horas da manhã já estava lá. Aí, então, um jornal... aparece na primeira página d'O Diário Popular, dizendo o seguinte: "atendendo o pedido do metrô, não vai haver missa na Catedral domingo". Putz. Ele não deixou de cumprir o acordo.
P/1 - Ele não falou porquê.
R - Ele não falou o que, mas ele avisou e mostrou a foto do aviso do padre na porta da igreja. E agora? Bom, aí eu falo com o secretário de segurança. "Vamos em frente, vai ter. Vamos fazer a implosão". Então, tudo bem. Eu cheguei lá cedo e vi o praticável. Sabe o que é, né? Aquele palanque que os caras põem para as autoridades. Eu vi aquilo e pedi para mudar. Pedi para mudar o praticável onde estava até em frente aos bombeiros, que fica do outro lado da João Mendes. Aí, tudo certo. A hora da implosão. Impressionante. Esse episódio do Paissandu agora, me lembrou exatamente a implosão. O prédio caiu direitinho, do jeito que o americano falou. Foi primeiro uma parte, de modo que... mas um cara que estava no palanque conosco, levou uma pedrada. Lá do lado dos bombeiros. Imagine se estivesse lá? Então foi assim a implosão. Está certo? Aí tem um outro problema. Vem a turma e me diz o seguinte: como é que vai guardar isso? Sempre tem alguém que entende... nós tiramos fotografia. Os caras do metrô foram lá na fotóptica e pediu emprestado uma máquina que tirava por segundos, em uma sequência de segundos, como você faz aí agora. "Empresta? Eu te devolvo no dia seguinte" e ficou... o metrô tem isso guardado.
P/1 - Tem registrado na biblioteca.
R - Tem na biblioteca isso. Esse foi o episódio da implosão.
P/1 - Marcante.
P/2 - Na época, quantos empregados tinha o metrô? Você lembra? E como eles reagiram a essa implosão? Eles participaram?
R - O que é isso... vibraram, todo mundo. Era tudo junto. Mas não tinha muita gente porque não tinha operação ainda. A operação estava começando só. O metrô não tinha muita gente nessa época. Então, o fato é que, com isso, o metrô foi lá para Itaquera.
P/1 - Chegou lá.
R - Chegou em Itaquera.
P/1 - E o trecho de Jabaquara à Mariana? Nós estamos chegando aí no meio-dia, né?
R - Tem tanta coisa...
P/1 - Tem tempo? Ótimo, porque está muito rico esse seu relato.
R - Jabaquara à Vila Mariana.
P/1 - Sim. E esse trecho?
R - Vou contar. Então, o metrô fechou a rua desde Jabaquara até a Liberdade. Então isso ficou conhecido no mundo, porque era uma obra de metrô de vala aberta, em uma cidade razoavelmente grande. Aí aconteceu uma coisa muito interessante: os interesses de fazer metrô em outras cidades do Brasil - Recife, Salvador, Rio de Janeiro - apareciam. Apareciam para fazer um financiamento para estudos, tipo HMD. Estudos, assim, para o Governo Federal, para pedir aval. O metrô também fez isso, a mesma coisa. Aí o pessoal do Governo Federal pedia para a gente dar palpite. "Ah, vocês que entendem e tal, como que é? Concordamos ou não concordamos?". Era o Ministério do Planejamento que tinha que dar o aval. Aí nós achamos que tinha que criar a ANTP, porque nós não conversávamos. Ninguém conversava aqui no Brasil. Era São Paulo e nada. Então tinha que conversar com o Rio de Janeiro, com o Recife, com Salvador... então criamos a Associação Nacional do Transporte Público para que tudo isso o pessoal ficasse sabendo. E está aí, viva e funcionando.
P/1 - Agora, doutor Plínio, em função dessa outra metodologia, que é a construção em vala aberta nesse trecho, isso também deve ter sido motivo de muitos chamamentos em Brasília ou mesmo pelo prefeito, porque isso também causou um grande impacto.
R - Todo mundo. Não, espera aí. Hoje em dia não se faria mais isso. Outros sistemas de vala aberta você começa a obra e cobre tudo em uma semana. Cava embaixo. Isso o metrô não fez na época porque ninguém conhecia. Mas isso ficou muito conhecido no mundo e atraiu isso e aí criamos a ANTP. Mas o negócio é o seguinte: tinha um lugar lá na Rua Domingos de Moraes em que a obra passava a meio metro da entrada de um prédio que fica lá. E o pessoal, para entrar no prédio, tinha que vir a pé pela obra. E o pessoal do prédio disse: "e se morrer, como é que faz? Como é que tira o cadáver daqui nesse negocinho estreito?". Quer dizer: não dá mais para fazer isso. Paciência. Mas o metrô, na época do AI-5, em pleno AI-5, o metrô estava aberto. Todo mundo no metrô podia falar com jornalistas. Não tinha problema nenhum. Nos canteiros de obra sempre tinha um dia da semana que o engenheiro dava explicação para os vizinhos. Estava aberto. Jornalista podia ir. Aí acontecia uma coisa muito interessante: o engenheiro da obra falava uma besteira e três horas depois o jornalista estava na minha sala. "Explica isso. O senhor está falando isso e o cara está falando...". Tem que ser bom, hein? Tem que ser bom, porque o engenheiro falou e às vezes ele podia falar mais do que a companhia falava... é isso aí. Um belo dia sai uma manchete no Estadão, primeira página. Fotografia da obra na Rua da Liberdade: uma caveira e duas tíbias, um sinal de alta tensão, em uma fotografia. O metrô instituiu - e não faz mais isso hoje - que os tapumes tinham que ter tela, para o pessoal poder olhar dentro, para ver se a turma está trabalhando ou não. Tela. Manchete dessa foto: "Liberdade interditada". Putz. Embaixo: "a Companhia do Metrô interditou a Rua da Liberdade". E aí eu percebi que o censor estava do nosso lado. A censura estava do nosso lado, porque deixou publicar... e o jornal é um sacana. Sacana. Versinhos de Camões, receita de bolo e tal, na censura. Não censurou aquilo. Estamos no caminho.
P/1 - Encarando todos esses desafios, inaugurou esse primeiro trecho.
R - Primeira linha.
P/1 - O primeiro metrô.
R - A foto está aí, quando o trem passou. A primeira vez que o trem passou.
P/1 - E o impacto para a cidade, né? Como é lembrar disso, doutor Plínio? As suas decisões, junto com toda uma administração, chegando a esse momento de inauguração e levar para a cidade esse metrô?
R - Então, o problema sempre acontece assim: tem a cidade com as suas exigências e o metrô, com as suas exigências. E tem que conciliar um com o outro. Nem o metrô conhecia a cidade e nem a cidade conhecia o metrô. E como é que faz para a cidade conhecer o metrô? Aí a Companhia do Metrô fez um acordo com a Secretaria de Educação do Município: em toda escola do primeiro grau o metrô iria e faria uma exposição para as crianças, convidaria as crianças para irem dar uma voltinha no trem que estava em testes, com a professora. A professora ia lá com as crianças. Lá, as crianças tinham que segurar em uma corda e a professora ia na frente, para dar uma voltinha de metrô. O metrô em testes, porque o metrô fazia testes com saco de areia, porque precisa testar. Então, nesse dia, era com as crianças. E o pessoal da operação ia começando a aprender a tratar com gente. Aí a molecada da vizinhança também queria. Não era só com a professora. Então tinha que contratar uma professora para fazer isso com a vizinhança. E, mais ainda: no acordo com a Secretaria, a Companhia do Metrô tinha o direito de fazer uma prova e dar para as crianças uma prova difícil sobre o metrô, mas podia levar para casa, para o pai fazer. Aí o metrô entrou nas famílias, ok? Nas famílias. Quer dizer o seguinte: foi fazendo assim, para a turma começar...
P/1 - O processo de educação.
R - ...a educação da cidade e do metrô. Os dois tem que aprender. Então, nesse processo, o pessoal do metrô achava que o trem ia ser o maior sucesso. Porque o trem que a companhia, até então chamada (Mafersa) [02:07:52] produziu, a Companhia do Metrô mudou inteiro. Recentemente, agora, esse primeiro trem saiu de operação, 40 anos depois, para ser remodelado. O metrô não concordou com o trem, então tem que mudar. E contratou uma firma de projetos para fazer a disposição interna das cadeiras. A proposta que tinha era igual ao subúrbio, aquelas cadeiras ao longo do trem, todo mundo ao lado do outro. Não, essa firma fez este desenho que hoje está aí e que o mundo está usando, porque dá espaço para entrar e sair. E depois, não é aquele espaço aberto. Mas o que mais deixou o metrô louco da vida foi a frente do trem. A firma fez um chanfrado, assim, de aço. Ah, não, o metrô quer uma máscara, e fez. Tinha que ter uma máscara para ser mais moderno e tal. E aí o metrô achou que o maior sucesso era o trem. Não foi. O maior sucesso foi a escada rolante.
P/1 - Não existia.
R - O povo não conhecia escada rolante. Não tinha escada rolante em São Paulo. Então o sucesso foi a escada rolante.
P/1 - Aprender a usar a escada rolante.
R - É isso aí. Pronto, moça?
P/1 - Mas doutor Plínio, o senhor ainda tem tempo?
R - Sempre tenho, rápido.
P/1 - Durante a sua gestão, teve esse momento da inauguração desse trecho, inauguração de Sé e algum outro momento marcante de inaugurações ainda ou a linha três, primeiro trecho... qual foi?
R - Não. O negócio é o seguinte... o metrô fez assim: o trem passa, vem de Jabaquara, vai para Santana, passa na Sé, mas a Sé está em obra.
P/1 - Sim.
P/2 - Sim.
R - Então passa o shield, faz o túnel e depois de o shield passar, vamos desmanchar a casca do ovo e fazer uma proteção para o trem passar e enquanto isso a obra continua em cima. E durante muito tempo, eu já estava fora do metrô, quando a Estação Sé foi inaugurada. Fora.
P/1 - Ah, tá certo.
R - E aí tudo isso sempre tem briga no meio, né? O pessoal que tinha feito o projeto da Estação Sé não concordou com as mudanças. Era contra. E daí, como que resolve isso? O metrô foi contratar um arquiteto americano que fez as estações de São Francisco. O cara chegou aqui e disse uma coisa que nós não tínhamos visto: vocês estão em um país tropical cheio de sol. Por que vocês não aproveitam isso e põe luz natural ao invés de gastar energia elétrica para iluminação? E na linha cinco, hoje, só tem isso. Então é isto o que aconteceu. Mas a coisa não é só assim. A radial leste terminava no Tatuapé. O que que o metrô teve que fazer? O metrô teve que fazer a radial leste até Itaquera. O metrô que fez, ok? O metrô que fez. Está certo? O metrô canalizou o córrego. O metrô que fez. E fez o pátio de Itaquera. O pátio, por que Itaquera? Era um terreno enorme para fazer pátio, porque cada linha precisa ter o seu pátio. E aí, o pessoal do metrô: "vamos fazer as obras das oficinas grandes, porque se falhar o fornecedor de trem, nós os fazemos aqui". Você vê que os caras estão olhando. Mesmo assim sobrava terreno. Aí então a diretoria do metrô: "vamos convidar uma escola superior de engenharia para fazer um campus lá, nesse terreno. Vamos dar, de graça". Recusaram. Não quiseram. É a Mauá. A Escola de Engenharia Mauá. Não aceitou. Agora, a turma de baixo, então, disse: "vamos doar para o Corinthians".
P/1 - E assim foi.
R - Nada. Aí, o que acontece: "vamos falar com o Vicente Matheus, com a Marlene Matheus", que eram do Corinthians. São contra, não querem. O Vicente Matheus dizia: "eu não vou sair do Parque São Jorge nunca". E o que que nós vamos fazer com aquele terreno? Bom, era a Marlene Matheus que mandava. Concordaram em fazer um centro de treinamento lá.
P/1 - Agora, doutor Plínio, como foi olhar o desenvolvimento da Companhia não estando mais sob a sua direção, na sua gestão? Como foi acompanhar e como está sendo acompanhar o desenvolvimento durante todos esses anos?
R - Não gosto.
P/1 - Não gosta?
R - Não. Não tem a mesa grande para fazer a reunião com todo mundo. Então fica a cúpula lá em cima e tal. Tem mais coisas. Mas isso tem que ser outro dia. Não gosto.
P/1 - E qual é o seu sonho, doutor Plínio, hoje?
R - Só tenho pesadelo.
P/1 - Só pesadelo?
R - Eu só tenho pesadelo. Eu estou muito preocupado com a decadência de São Paulo. E luto no que eu puder e estou podendo fazer alguma coisa e não tenho poder nenhum.
P/1 - Está fazendo?
R - Sim. O que nós fizemos é o seguinte: na realidade, Itaquera era um lugar que só tinha chácaras para fazer pêssego. É por isso que tem a Estrada do Pêssego. Lá tinha um padre que nos ajudou muito como fazer aquilo. Aí nós fomos falar com a Prefeitura para fazer Cohab. "Como nós vamos para Itaquera? Não tem ninguém. Tem que botar gente lá". E aí a Prefeitura fez Cohab um, Cohab dois, Cohab três. Bom, aí fomos falar com o pessoal da Cohab, que disse o seguinte: "quem toma conta desses caras aqui?". Sim, cheio de Cohab... então, falamos com o padre lá de Itaquera. Tem que reservar um apartamento para o padre. Essa Cohab, então, tem um padre lá. Tem um padre que mora lá e toma conta daquilo, para não acontecer o que acontece lá no Rio de Janeiro. Entendeu? O Padre toma conta.
P/1 - Está lá.
R - Está lá. Está bom? Então é isso. Mas agora não tem emprego em Itaquera. Então o metrô tem que trazer todo mundo de Itaquera para a Paulista, porque lá não tem emprego.
P/1 - Está certo.
R - Eu estou pagando essa dívida. Estou com um grupo da Prefeitura, da USP, para criar startups na zona de Itaquera. Emprego.
P/1 - Que bacana, não sabia.
R - Entendeu? É isso.
P/1 - Muito bom.
R - E esses caras da Prefeitura não cuidam da cidade e ela está em decadência. Veja a invasão. Não dá. Não é possível. Não podemos perder essa cidade. Não tem nada no Brasil que não tenha sido feito antes em São Paulo. Tira São Paulo. O resto do Brasil não existe. Era bom quando tinha o Rio de Janeiro, mas hoje ele caiu. Depois que mudou a capital, caiu.
P/3 - Deixa eu só fazer uma pergunta: o senhor ficou até quando no metrô?
R - Eu saí em 77.
P/3 - E depois para onde que o senhor foi?
R - Eu fui presidir a Cosipa.
P/1 - Volto para a Cosipa.
R - Eu fui empregado da Cosipa e depois fui presidir a Cosipa. Eu não concordei, na época, com o Prefeito Setúbal de transferir o metrô para o Estado.
P/1 - Ah, foi por isso.
R - Não quis. Então, eu estava em Montreal e recebi um telefonema do Governo Federal, dizendo: “o senhor só vai para a Cosipa”. Ainda bem. Saí. Pronto, moça.
P/1 - O senhor gostou de contar a sua história?
R - Demais. Demais. Eu não pensava que fosse assim. Pensava que seria diferente. Agora, como é que vocês vão fazer isso eu não sei.
P/3 - Aí é problema nosso.
R - Aí é problema de vocês.
P/3 - Está bom?
R - Está bom.
P/3 - Eu ia fazer um agradecimento, justamente. Muito obrigado por dar o seu tempo, contar a sua história. Foi ótima. A gente tem muito material aqui.
R - Humano.
P/1 - Isso. É esse mesmo.
[02:21:36]Recolher