Sou o raspa do tacho da família Chiari: o Luís Carlos é 14 anos mais velho que eu; e o Milton Sebastião, o irmão do meio, é 12. Meu pai se chamava Orlando e era lavrador, passando a ser guarda noturno quando nos mudamos para São Paulo. Minha mãe, Genésia, sempre foi do lar, ajudando meu pai...Continuar leitura
Sou o raspa do tacho da família Chiari: o Luís Carlos é 14 anos mais velho que eu; e o Milton Sebastião, o irmão do meio, é 12. Meu pai se chamava Orlando e era lavrador, passando a ser guarda noturno quando nos mudamos para São Paulo. Minha mãe, Genésia, sempre foi do lar, ajudando meu pai na lavoura. Eles eram do campo, com toda a família crescida no sítio. Então, além de ser o raspa do tacho, sou o mais “cidade” de todos: eu só tinha três anos quando saímos de Bauru.
A infância que eu lembro, então, é em São Paulo. Aliás, fomos para São Paulo pela necessidade de crescimento. Meus irmãos adolescentes precisavam de uma expectativa de vida melhor. Fomos morar nos fundos da casa de uma tia que tinha ido antes pra São Paulo. Quando meu pai e meus irmãos arrumaram emprego, a gente alugou uma casa. Eu jogava bola, empinava papagaio, rodava pião, batia figurinha, mas sempre com bastante dificuldade no sentido de dinheiro. Então eu tive uma infância bastante feliz no sentido de brincar: eu me divertia! Mas, ao mesmo tempo, sabia que as coisas não eram tão fáceis financeiramente. A gente nunca passou necessidades dramáticas, mas foi uma vida dura.
A gente morava numa rua de terra, onde hoje é a Berrini. Tinha o Rio da Prata, que você atravessava por pinguelas, por pontes, de um lado para o outro. Do lado da marginal, você tinha muitas casas muito mais humildes e os campos de várzea: aquela região enchia bastante e, um dia, houve uma enchente que nos fez perder tudo. Então mesmo como todo sacrifício do meu pai pra comprar as coisas e mobiliar a casa, com a enchente perdemos tudo. Eu tinha, sei lá, quatro, cinco anos. Lembro de sair de cavalinho com o meu irmão vendo aquela água vermelha toda.
Comecei a trabalhar com 14 anos na Bombril e aos 18 anos, fui convidado pra ser o encarregado de departamento pessoal da unidade de escritório da Bombril, meu primeiro emprego. Eles precisavam de alguém pra cuidar da área de recursos humanos, que basicamente era de pessoal naquela época. Isso foi motivo de orgulho para o meu pai, pra minha mãe: imagine! Aos 18 anos ser encarregado, poxa! Tanto é que a gente teve que ir ao cartório pra eles me darem emancipação pra poder assinar a documentação em nome da empresa e tudo mais. Então isso foi motivo de celebração na família. E meu pai e minha mãe sempre investiram nessa coisa de estudo: “Você precisa, você precisa, você precisa estudar”. Me formei no final de 1982 e foi como tirar um peso também, em falar: “Consegui! Consegui me formar!” Na formatura, minha mãe era só sorrisos…
Rapaz, eu acho que já tinha um pouco essa coisa de lidar com as pessoas, lidar com as dificuldades. Acho que sempre dá pra ajudar com a sua experiência: às vezes, aquilo que a pessoa tá passando você já passou. Naquele tempo eu comecei a gostar de entender não só o processo em recursos humanos, mas também o processo da fabricação da palha de aço, no caso do Bombril. Então eu sempre me encantei um pouco com essa coisa também de entender por que a gente fazia aquelas coisas. E na parte de recursos humanos, acho que tem uma coisa que é assim: você está em contato com todas as nuances das pessoas, principalmente daquela que precisa de um colo. Eu me preocupo assim: o que essa história sobre o Vladimir pode trazer de aprendizado para as pessoas? O que elas podem ganhar ouvindo o Vladimir contar como foi a infância dele, como ele cresceu? Eu espero que essa iniciativa possa ajudar as pessoas a descobrirem vocações, enfim, fazerem reflexões, buscarem o jeito certo de fazer as coisas, acho que esse é o grande legado. Tomara que dê certo. Espero que eu possa contribuir pra isso.Recolher