Projeto Conte Sua História
Depoimento de Josephina Senken
Entrevistada por Bruno Pinho e Felipe Rocha
São Paulo, 15/09/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV638_Josephina Senken
Transcrito por Karina Medici Barrella
Edição: Eliana Giannella Simonetti
P/1 – Qual seu nome completo, onde nasceu e em que ano?
R – Meu nome completo é Josephina, de solteira era Buzas, agora eu sou Senken, porque casei nos Estados Unidos e tenho o nome do meu marido. Nasci em São Paulo em 1937, dia 12 de maio. Meus pais eram Francisco Buzas e Ana Buzas. Sou de uma família de seis crianças, éramos três irmãos e três irmãs. O meu irmão mais velho era Pedro, minha irmã Albina. Depois vinha minha irmã Anita, que é Ana mas a gente chamava de Anita, depois eu, Josephina, o José e o mais novo, Francisco. Tive uma vida muito alegre, num ambiente muito sadio. Minha mãe era uma dona de casa muito boa. Tínhamos problema com meu pai porque ele gostava de beber e quando bebia ficava um pouco agitado e nervoso, mas caso contrário a vida foi muito feliz. Só estudei até o primário, depois fiz cursos aqui, ali, porque não tinha dinheiro para ser mandada para nenhum colégio. Trabalhava como costureira desde os 13 anos, com a minha irmã, numa oficina no Bom Retiro. Depois que minha irmã casou e teve filho, já não queria trabalhar tão longe, então eu decidi estudar à noite para poder arrumar um emprego melhor. Consegui emprego no Andromaco, uma companhia farmacêutica. Trabalhei lá por quatro anos. Depois trabalhei em uma companhia de publicidade, J. Walter Thompson, por uns sete anos. Foi aí que uma amiga que estava indo para os Estados Unidos me convidou para ir também. Eu estava com 27 anos, não era, como se diz, teenager (risos), e acabei emigrando para os Estados Unidos, onde estou há 50 anos.
P/2 – Como seus pais se conheceram?
R – Eles eram vizinhos na Lituânia. A minha mãe era de uma família de oito crianças, quatro irmãos e quatro irmãs. O meu pai era de uma família de sete, cinco irmãs e dois irmãos. O meu pai gostava muito da minha mãe, estava completamente apaixonado por ela, mas minha mãe não gostava dele, não queria ele. Ela ia nos bailinhos e não queria dançar com meu pai porque não gostava dele. E ele era amigo dos meus tios. Então a minha mãe conhecia um rapaz, dançava, o rapaz acompanhava ela até em casa, e o que acontecia? O rapaz nunca mais aparecia nos bailes, e ela nem sabia o por quê. Depois foi descobrindo que os meus tios batiam no rapaz para ele não encontrar mais com a minha mãe. Eles queriam que o meu pai casasse com a minha mãe. Aí, quando o Brasil mandou alguém para a Lituânia procurando empregados para trabalhar na plantação de café, o meu avô decidiu vir ao Brasil, toda a família veio para o Brasil e o meu pai ficou lá. O quê o meu pai fez? Convenceu a família dele a vir para o Brasil também. Quando chegaram, a minha mãe foi trabalhar numa fazenda. Depois descobriu que o meu pai estava numa outra fazenda. Os dois em São Paulo. Aí na fazenda, cheio de gente preta, escura, todo mundo olhando para minha mãe, olhando para as minhas tias. Minha mãe falou: “Vocês sabem de uma coisa? É bom eu casar com aquele rapaz, pelo menos ele é branco também”. E acabou casando com meu pai, aceitou. Quer dizer, meu pai precisou vir da Lituânia para encontrar a minha mãe no Brasil e casar.
P/1 – Como era o dia a dia quando você era criança?
R – A gente não tinha nada, fazíamos os nossos brinquedos. Por exemplo, tinha uma boneca e nós fazíamos vestidos, vestíamos, desvestíamos, vestíamos novamente. Meus pais, não vou dizer que eram pobres, pobres, mas não tinham facilidade de comprar as coisas, então tudo era limitado. A roupa da gente, o sapato passava de um para o outro. Nós morávamos em uma rua sem saída, sem asfalto, então sempre estávamos pulando amarelinha, pulando corda. Passávamos o dia assim, com os irmãos, com as irmãs. À noite, se tinha água a gente tomava banho, se não tinha, não tomava, porque naquela época não era tudo tão fácil. Era água do poço tirado com balde, não tinha encanamento, não era abrir a torneira e ganhar. Minha mãe criava galinhas, porco, num quintal grande, e muitas vezes a nossa brincadeira era correr atrás das galinhas e dos porcos. Em volta não tinha casas, eram quintais livres, vazios. A gente tinha muito lugar para brincar. A escola era na garagem de uma senhora. Vinha a professora e ensinava o primeiro ano. Tinha uma escola maior, mas no caminho tinha um barranco e quando chovia e tinha barro, deslizava, era muito ruim chegar lá. Então minha mãe decidiu me colocar numa escola paga, católica, que era perto do bairro onde a gente morava. Eu sempre pertenci à igreja, eu gostava de ir à igreja com as freiras, tinha muita amizade com elas, então a igreja e a escola era o nosso entertainment, e eu era feliz assim. Quando eu conto para as minhas filhas, elas não acreditam (risos) que a vida era tão simples. E a gente era contente com o que tinha.
P/1 – Que histórias você conta para suas filhas?
R – Falo do jeito que a gente vivia. Dormíamos todos os oito irmãos num quarto só. Em cada cama de casal dormiam três pessoas. O fogão era a lenha, e era preciso esperar o fogo pegar, não era assim, abre o gás e já tem fogo. Se você quisesse tomar água, ou lavar uma roupa, tinha que pegar o balde, descer o balde lá para baixo do poço, pegar a água, puxar para cima. Lavar o quintal era com o balde, não tinha mangueira. Minhas filhas não acreditam que era assim.
P/1 – Como eram seus irmãos e seus pais?
R – Minha mãe era uma boa dona de casa, tentava sobreviver. Costurava para as vizinhas, consertava roupa. Meu pai trabalhava numa metalúrgica, fazia serviço grosseiro. Quando não bebia ele era um santo, uma pessoa quieta, não falava muito; quando bebia a gente tinha que ficar longe. Minha mãe era mais tagarela, contava mais coisas, mas o meu pai não era de se abrir muito. Meu irmão mais velho ficou com a gente um tempo, depois decidiu morar com a minha avó, porque ela morava num bairro melhor e ele arrumou amigos lá. Muitas pessoas não sabiam nem que eu tinha esse irmão, porque só viam os cinco que ficaram. Eu gostava de pegar as roupas da minha irmã mais velha. A gente não brigava muito, mas ela ficava muito brava.
P/1 – Por que você gostava?
R – As roupas dela eram melhores do que as minhas. Principalmente os sapatos. Quando ela não usava o sapato de passear, eu é que usava, sem ela saber. Essa era a minha irmã mais velha. A mais nova não se incomodava porque também não tinha sapato bom. E havia dois irmãos mais novos do que eu. A gente ficava bem em brincar com eles. Eles soltavam capuchetas, como chamávamos antigamente. Pegavam o jornal, dobravam, colocavam uns pedaços e depois os quadrados, que eles mesmo faziam. A gente ficava empinando quadrado o dia inteiro. Quer dizer, eu ficava com eles. E as amiguinhas das redondezas também.
P/2 – Em que bairro vocês moravam?
R – Vila Zelina. Praticamente o bairro só tinha a igreja, que era uma estrutura grande. O resto eram terrenos vazios e uma ou outra casa. Isso na minha infância. Depois o bairro foi crescendo. Agora é completamente diferente.
P/2 –Todo mundo se conhecia na vizinhança?
R – Conhecia, a maioria era de lituanos. A igreja do bairro foi construída pelos lituanos. E os lituanos começaram a comprar terrenos e construir as casas deles perto da igreja. Então o bairro se tornou lituano.
P/2 – Qual é a paróquia?
R – Paróquia São José de Vila Zelina. Os padres eram lituanos e as freiras que abriram o colégio também eram lituanas, vieram da Lituânia.
P/1 – Como era o contato com os lituanos?
R – Meus pais eram imigrantes lituanos, não sabiam falar muito bem o português. Em casa, quando pequenos, nós conversávamos em lituano. Mas depois meus pais foram aprendendo português e diminuímos a conversa lituana. Meus irmãos esqueceram o lituano, só as três irmãs conseguiram segurar a língua. Quando entramos na escola, as freiras falaram para a minha mãe não conversar com a gente em português, deixar o português para elas ensinarem. Porque a minha mãe estava tentando ensinar o português da maneira incorreta que ela estava aprendendo. Então as freiras falavam: “Não, conversa na sua língua e deixa que na escola a gente ensina o português”. Eu lembro muito bem (risos).
P/1 – Como você se sentia falando lituano em casa e português fora?
R – Com os amigos falava em português, em casa em lituano. Muitas vezes a minha mãe falava em lituano e a gente respondia em português, era uma mistura. Mas eu ainda consegui segurar o lituano, o que me ajudou muito quando fui para os Estados Unidos.
P/2 – Tinha alguma tradição da Lituânia que vocês mantinham no bairro, alguma festa tradicional?
R – Eu pertencia ao coral da igreja, que era em lituano, e pertencia à dança folclórica, que é também lituana. A gente se apresentava na televisão com as roupas e as danças lituanas quando tinha a festa internacional. O coral cantava na missa das 11 horas aos domingos, que era lituana. E também foi convidado para muitas atividades na televisão, no rádio. A colônia lituana era bem unida. Até agora existem dois grupos que continuam a manter as danças e o coral lituanos.
P/2 – Como foi a primeira vez que a senhora participou dessa festa internacional?
R – Eu já estava com 16 anos, porque até 16 anos eles não queriam que a gente cantasse no coral.
P/2 – Por que não?
R – Porque não era um coral infantil. E acho que comecei no grupo de danças quando estava com 17 anos.
P/1 – Como foi a primeira vez que você foi à TV, no rádio?
R – Ah, foi exciting. Desculpa, para mim já faltam palavras em português. Porque como eu estou nos Estados Unidos há 50 anos não é fácil lembrar tudo. A gente se sentia muito importante, punha umas roupas, geralmente vestido branco para cantar no coral. Não usava traje lituano.
P/2 – Tem um traje típico lituano?
R – Eu tenho lá, não aqui. E, de fato, não tenho nenhuma fotografia com o traje, porque levei tudo para os Estados Unidos.
P/1 – Como é o traje?
R – A saia mais ou menos com cores escuras: não pode ser cor de rosa, claro, tem que ser verde escuro, azul bem forte. No traje não entra a cor preta. A blusa é bordada com os desenhos lituanos. Tem um avental também, geralmente com desenhos de tulipas ou de umas tranças. O traje é muito bonito. E depois tem um chapeuzinho com desenhos. Geralmente nós mesmos tínhamos que fazer esses desenhos, porque não tinha como comprar.
P/1 – Como vocês iam a essas festas? Todos juntos?
R – Ninguém tinha carro e não dava certo ir de ônibus comum, então geralmente alugávamos um ônibus e íamos e voltávamos todos juntos.
P/1 – O que foi marcante nesses momentos?
R – Formamos um grupo de amigos. Fazíamos muita festinha, porque não tinha outros lugares para ir. Às sextas-feiras tínhamos ensaio de danças e canções, para aprender novas músicas. Depois a gente ia comer pizza no bairro. Amigos que não eram do coral e da dança vinham, e até amigos brasileiros acabavam vindo dançar, porque gostavam de estar conosco. Lembro que uma vez eu tinha que participar de uma inauguração na catedral, na Praça da Sé, com o traje lituano. Só eu e minha amiga estávamos disponíveis, mas a gente tinha que levar a bandeira lituana e não tinha nenhum rapaz para ir conosco, segurar a bandeira e a gente ficar ao lado. Nós pegamos um rapazinho nosso amigo, escurinho, sem cara de europeu, ele colocou a roupa lituana e foi. Nossos amigos que não eram lituanos gostavam de participar das nossas atividades, era muito legal.
P/1 – Você ainda lembra de algumas músicas do coral?
R – Bastante!
P/1 – Pode cantar? Um pouquinho.
R – (risos) Agora vai ser difícil. Precisa cantar?
P/1 – Só se você quiser. Seria ótimo.
R – Ok. Alguma fácil. Porque eu ainda continuo cantando no coral nos Estados Unidos. Mas quando você está em turma é tão fácil lembrar e quando você está sozinha não é tão fácil. (canta em lituano de 0:24:32 a 0:25:15). A voz também já não está tão boa (risos).
P/1 – O que significa essa música?
R – A mãe está mandando ela limpar o quintal da casa porque o namorado dela está vindo. E ela tem que limpar. Então a mãe repete: “Vai limpar o quintal novamente porque o rapazinho vem aí te visitar”. Aí quando ele vem, encosta na cerca e a cerca cai. O pai vem consertar. É uma canção assim.
P/1 – Voltando para os seus primeiros anos de escola, numa garagem, como era essa época?
R – Não era uma escola formal. Era numa garagem de uma senhora, com cadeiras. A gente vinha, sentava e a professora dava aula. Eu acho que todo o primeiro ano foi assim. No segundo ano fui para a escola das freiras.
P/1 – E como foi passar a ir para a escola formal?
R – Era mais rígida, tinha uniforme. As freiras eram dirigentes e havia as professoras. O uniforme tinha que estar em dia, você não podia ir desmazelada, tinha que ter chapeuzinho na cabeça, e a disciplina era muito rígida.
P/2 – Uma dessas freiras lhe marcou mais?
R – Elas tinham o convento com um quintal muito grande e a gente ia ajudar. Sempre precisava. E como elas eram da Lituânia a gente falava com elas em lituano. Até encontrei uma delas nos Estados Unidos. Porque elas vieram dos Estados Unidos, quatro freiras que vieram dos Estados Unidos formar uma escola para as crianças lituanas em São Paulo. Mas não tinha tanto lituano para completar uma classe, então elas abriram as portas também para não lituanos.
P/1 – Como foi esse encontro com a professora nos Estados Unidos tantos anos depois?
R – Minhas filhas estavam indo à escola lituana nos Estados Unidos e ela estava lá ensinando a religião. Eu vi, lembrei, fui conversar com ela. Mas ela não lembrava de mim.
P/1 – Sua família costumava ir à missa?
R – A minha mãe não ia e meu pai também nunca foi. Na época que a gente estava indo tinha diversos grupos: o grupo dos rapazes, que se reuniam, faziam festinhas, era o Grupo de São José. As Filhas de Maria também faziam festinha, convidavam os amigos. Era uma forma de a juventude se encontrar. A igreja, a religião, dava essa oportunidade. Eu e minhas irmãs íamos à missa todos os domingos, mas meus irmãos não.
P/1 – Qual foi a importância desse vínculo com a religião?
R – Foi muito bom porque me deu uma educação melhor. E uma visão de como é a vida. Pela religião você entra em contato com as outras pessoas, o que me ajudou também quando fui para os Estados Unidos. Quando fui morar lá eu logo fui procurar uma igreja lituana e fiz meu ambiente. Conheci meu marido lá, porque ele também era descendente de lituanos e cantava no coral.
P/1 – Você começou a trabalhar como costureira aos 13 anos de idade. Como foi esse início de trabalho?
R – Depois que eu terminei o primário tinha que procurar emprego para ajudar em casa porque, meu pai era o único que trabalhava, com seis filhos. Minha mãe não trabalhava, ela costurava, me dava os retalhos que sobravam, me ensinava como costurar a mão os vestidinhos de boneca. Quando eu fiz 13 anos ela falou: “Agora você pode aprender na máquina”. Minha irmã foi trabalhar como costureira e eu também. Eu gostava e tinha que ajudar em casa, um modo de fazer minha mãe progredir, construir uma casa melhor. Acabamos construindo uma casa muito boa com ajuda das três irmãs que trabalhavam mais.
P/1 – O que você achava de ter que trabalhar?
R – A gente não gostava, mas tinha que trabalhar. Ganhava o ordenado no fim do mês, entregava para a minha mãe, ela fazia a conta de quanto você precisaria para pagar a condução, para um lanche, e o resto ficava com ela. Se precisasse de um vestido, um sapato, tinha que pedir a ela. Se tinha dinheiro suficiente, você ganhava o sapato, o vestido, se não tinha...
P/2 – Você lembra de alguma coisa que tenha querido muito comprar e quando começou a trabalhar conseguiu o dinheirinho e comprou?
R – Uma capa. Eu já estava trabalhando na cidade e meu ordenado ia todo para a minha mãe. Tinha uma capa muito bonita que eu queria comprar. Eu falei: “Vou juntar dinheiro desse mês, do mês que vem e eu vou conseguir a capa”. Juntei o dinheirinho, quando eu fui comprar a capa, o preço tinha dobrado! Eu falei: “Ai meu Deus do céu, agora tenho que esperar mais um mês para comprar aquela capa. Será que aquela capa ainda vai estar lá na vitrine?”. Demorou para eu juntar o dinheiro e comprar aquela capa. Porque naquela época só se vendia à vista. (risos) Ah, me senti bem quando consegui. Mas também tinha raiva de usar a capa porque todo o dinheiro foi nela, não tinha para outras coisas.
P/1 – Você usou essa capa em alguma ocasião especial?
R – (risos) Usei. Quando a gente saía, estava chovendo, tinha que usar a capa. Era uma capa clara, mais escurinho do que o bege. Sapato era a mesma coisa. Minha mãe dava dinheiro para comprar sapato barato, eu queria um sapato mais bonito lá da Rua Direita, do centro da cidade. Então também, tinha que esperar para comprar o sapato. As coisas eram difíceis.
P/2 – Era na Rua Direita que estavam as lojas de sapatos bons?
R – Isso. Entre a Praça da Sé, a Rua Direita e outra rua, não lembro o nome, só tinha loja de sapatos finos. A gente ia passear e ver os sapatos bonitos no horário do almoço.
P/1 – O que você achava dessa divisão que a sua mãe fazia com o seu salário?
R – Não reclamava porque parecia uma coisa normal. A gente construiu uma casa enorme, com três dormitórios, um sobrado. Foi o primeiro sobrado na nossa vila. Então, depois que estava pronto, era metade para ela e metade para nós. Já era mais fácil, a gente já tinha um dinheiro mais avulso.
P/2 –A Vila Zelina era muito longe do centro da cidade?
R – Uma meia hora de ônibus. Quando trabalhava no centro eu ia de ônibus.
Mas quando eu trabalhava no Bom Retiro, tinha que caminhar até a Vila Prudente, e ali pegar o trem que ia até a estação da Luz. Chegava na estação da Luz, tomava um trem para ir quase até a Casa Verde. Eu falava: “Como a gente arrumou emprego tão longe?”, mas era o único emprego que conseguimos. Eu e a minha irmã acordávamos cedo e voltávamos tarde. Atravessávamos toda a cidade. Depois puseram uma linha de ônibus da estação da Luz até o Parque São Lucas, o que facilitou. A gente pegava o bonde da oficina, vinha até a estação da Luz e ali pegava esse ônibus São Lucas, que passava na Vila Zelina. Já não precisávamos andar tanto.
P/1 – Antes de você começar a trabalhar no centro ou no Bom Retiro, você costumava ir a esses lugares?
R – Não. E depois que eu arrumei emprego no Ipiranga não fui mais ao Bom Retiro (risos).
P/1 – O que você achava desses lugares da cidade?
R – A gente ia muito para a cidade aos fins de semana, para ir ao cinema. Era no centro que ficavam os cinemas.
P/2 – Qual que era o cinema?
R – Tinha diversos e cinemas bons. Acho que um era Ritz.
P/2 – Que tipo de filme que vocês gostavam de ver?
R – Americano.
P/2 – Ia a família toda?
R – Não, minha mãe e meu pai nunca foram no cinema. Nem minhas irmãs.
P/1 – Quem ia?
R – Eu ia com amigos. Muitas vezes a gente saía do emprego, olhava a fila do ônibus, porque ponto do ônibus da Vila Zelina ficava em frente, na Ladeira Porto Geral, eu e minhas amigas dizíamos: “Ah, eu não vou ficar naquela fila”. E íamos ao cinema. Voltávamos para casa quando a fila já estava bem pequena.
P/2 – E tinha algum ator favorito? Algum filme que você gosta até hoje?
R – Não lembro. A gente gostava de todos os filmes americanos daquela época, antes de 65. Principalmente naquelas telas enormes.
P/1 – Nessa época você começou a namorar, a conhecer os rapazes?
R – Não. Tinha pretendentes, rapazes que queriam marcar encontro, mas eu não estava interessada porque eles eram baixinhos, eu era alta e não queria rapaz baixo. Então éramos amigos, só amigos.
P/1 – E quando foi o seu primeiro namoro?
R – O meu primeiro namoro não foi aqui no Brasil. Só teve uma vez um rapazinho que estava interessado, era alto, bonito, também cantava no coral e me acompanhou até em casa, mas o meu irmão não gostou dele, deu uma surra no rapaz e me disse que ele não servia para mim. Eu disse a ele: “Quem é você para dizer quem serve para mim, quem não serve para mim?”. Ele falou: “Não, esse não serve. Depois o rapazinho falou: “Eu não quero nada com você, teu irmão é brabo”.
P/1 – E o que você acha do que o seu irmão fez?
R – Não sei. Ele resolveu que aquele não era o namorado certo para mim. A gente nem estava namorando, ele só me acompanhou. Quer dizer, eu precisava tomar cuidado com quem eu andava. Mas geralmente eu estava em grupo, porque morávamos na mesma colônia.
P/2 – Onde você e seus amigos gostavam de passear?
R – A gente saía muito. Nos finais de semana com feriado, alugávamos uma casa na Ilhabela e íamos em uma perua alugada. Mas não tinha ninguém namorando, era só amigo. Também íamos à Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém. Uma vez o nosso coral foi convidado a cantar na igreja, na cerimônia de casamento da filha do prefeito de Itanhaém. Eram muitas atividades. A igreja, o coral, as danças ajudaram bastante a juventude. Se não tivesse aquilo eu não sei o que faria, porque era um modo de ter amigos, de se encontrar. Uma vez, quando houve o congresso eucarístico no Rio de Janeiro, nosso coral foi convidado e nós fomos de ônibus. Eles arrumaram acomodação e passamos quatro dias lá, usando a nossa roupa lituana, representando a Lituânia. Mesmo agora, quando o Papa esteve aqui, as pessoas do coral também foram, as danças também foram representar o povo lituano que mora no Brasil.
P/1 – Essa viagem para o Rio foi marcante?
R – A gente se perdeu no Rio. Éramos quatro moças e fomos passear na praia de Copacabana. Na volta, tomamos o ônibus errado. Quando descemos falando: “Esse lugar não era onde a gente estava”, o motorista falou: “Sobe no ônibus, volta a Copacabana e toma o outro ônibus”. Quando chegamos aos nossos aposentos, depois das 11 horas da noite, a porta estava fechada. Ficamos desesperadas. Mas um porteiro escutou e abriu a porta. Foi um pânico e depois não saímos mais (risos).
P/2 – Qual foi a primeira vez que você foi ao mar?
R – A igreja fez um piquenique, alugou um ônibus para a gente ir à praia. Então fomos à Praia José Menino, onde havia umas cabanas para a gente procar de roupa, e passamos o dia inteiro lá. Voltamos como uns lobsters, vermelhas, queimadas. No dia seguinte tínhamos bolha em tudo quanto é lugar. Eu falei que nunca mais iria à praia, porque sofri, não sabia que tinha que me proteger. Nem existia nada naquela época. E a gente passou o dia inteiro! Não sabia nadar, mas ia um pouquinho na água e ficava um segurando no outro. Mas logo esquecemos as dores, teve outro piquenique: “Ah, vamos novamente!’.
P/1 – Vocês gostavam de ir à praia.
R – Quando a gente ia em grupo, como fomos a Itanhaém passar o fim de semana, já tomava conta, só ia um pouquinho na praia, saía, voltava, se escondia. Ou colocava roupa para não se queimar. Porque hoje tem todos esses protetores que você pode ficar o dia inteiro e não se queimar, mas naquele tempo não havia.
P/2 – Depois do seu trabalho de costureira o que você foi fazer?
R – Depois de costureira minha irmã casou, ficou grávida, teve neném e já não queria mais trabalhar em Bom Retiro. Então, o nosso patrão deu serviço para a gente fazer em casa. Trouxe uma máquina para casa, trazia o serviço, a gente costurava e depois levava o serviço pronto a ele. Isso durou um bom tempo porque ela trabalhava com bebê em casa. Nós duas trabalhávamos. Mas aí eu decidi estudar à noite. Trabalhava em casa durante o dia e à noite ia à escola Orosimbo Maia para pegar um serviço melhor. Foi então que arrumei o serviço na companhia farmacêutica Andromaco, no Ipiranga. Trabalhei no escritório por quatro anos. Depois arrumei outro emprego no centro da cidade, nessa companhia de publicidade, onde eu trabalhava na contabilidade. E fui embora para os Estados Unidos.
P/1 – Como era o trabalho nessa companhia de publicidade?
R – Muito bom. Eu tomava conta dos pagamentos de painéis que eles colocavam nas avenidas, nas rodovias.
P/1 – Como você decidiu morar fora?
R – A minha amiga estava indo para os Estados Unidos, para a casa da irmã dela. Essa minha amiga falou: “Olha, eu estou indo.Você não quer ir junto?”. Eu falei: “Quem não quer ir para os Estados Unidos?”. Mas não tinha dinheiro para ir como turista. Ela falou: “Você podia trabalhar lá”. Eu falei: “Não seria má ideia, mas o que eu vou procurar?”. Eu sabia um pouco de inglês porque tinha ido à escola, mas não era suficiente. Aí o pastor da paróquia lituana, que viajava muito para os Estados Unidos e para o Canadá, e era muito amigo da gente, perguntou para mim e para minha outra amiga: “Vocês não querem ir para o Canadá?”. Isso porque havia muitos rapazes lituanos que haviam fugido, depois da Segunda Guerra, para o Canadá. Eles queriam casar com moças lituanas, e não havia moças lituanas lá. Eu já estava com 27 anos. “Lá está cheio de rapazes procurando esposa, se corresponde com eles”. Eu falei: “Não, eu gostaria de ir para os Estados Unidos”. Ele olhou para mim e falou: “Eu arrumo alguém para te chamar”. Assim eu não fui como clandestina, fui como imigrante. O consulado americano me deu o visto e não precisei pagar a passagem de ida e volta. No dia seguinte eu tirei o papel para poder trabalhar. Minha intenção era ficar lá uns dois, três anos e depois retornar. Mas acabei conhecendo o meu marido e fiquei.
P/1 – Como você imaginava que seria a vida lá, o que você esperava encontrar?
R – Não tinha ideia de como era. Me aventurei. A minha intenção não era Nova York, era estado de Pensilvânia, para ficar perto das minhas amigas. Mas não era tão fácil arrumar emprego. Para homem sim, porque na Pensilvânia há minas de ferro, fábricas muito grandes. Para mulher não havia chance. Aí eu decidi procurar Nova York. Tinha uma amiga que morava em Nova York, escrevi para minha mãe, pedi o telefone dessa amiga, telefonei para ela e falei: “Como é a situação em Nova York?”. Ela falou: “Você sabe costurar?”, eu falei: “Sei”. Ela falou: “Vem que aqui está cheio de emprego de costura”. Ela falou que até a senhora dona da casa onde ela morava trabalhava em costura. E eu mudei de Pittsburgh para Nova York. Essa senhora logo me arrumou um emprego em costura em uma oficina que fazia terno para soldados. Depois que eu estava trabalhando tinha mais contato, já não tinha medo. Eu falei: “Não vou ficar na costura, vou procurar algum lugar”. Fui fazer entrevista na Varig e depois na Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.), em Nova York, no centro da cidade. A Petróleo Brasileiro me aceitou e depois a Varig me chamou, mas eu já estava trabalhando para a Petróleo Brasileiro e acabei ficando lá.
P/1 – Como sua família reagiu à notícia de que você ia embora?
R – Todo mundo ficou contente. A minha mãe estava muito excitada. Ela falou: “Vai, vai! Aproveita! Você ganhou uma oportunidade dessa, vai! Não pensa duas vezes”.
P/1 – Como você deu a notícia?
R – A gente já tinha conversado antes. Aquela minha amiga que estava indo foi conversar com a minha mãe, perguntar se a minha mãe deixava eu ir com ela. Minha mãe falou: “Pode ir, mas como? A gente não tem dinheiro suficiente para ficar lá como turista”. E a gente esqueceu um pouco. Então esse casal do estado de Connecticut, que era amigo do pastor da nossa igreja, atendeu o pedido do pastor e me chamou. Eles fizeram um documento chamado “Affidafit”. Essa senhora tinha que ser responsável por mim por um ano. Se eu ficasse doente, se precisasse voltar com alguma emergência, ela seria responsável. Essa família concordou. Quando o pastor recebeu a notícia de que eles me ajudariam, eu disse a minha mãe: “Eu já tenho oportunidade de ir”. Foi a minha mãe que pagou a minha passagem, porque eu nem tinha dinheiro. Eu fui para os Estados Unidos com cem dólares no bolso!
P/1 – E seu pai, seus irmãos?
R – Estavam todos contentes porque eu estava indo.
P/2 – Eles foram todos te levar ao aeroporto?
R – Teve ônibus (risos). Porque nós éramos as duas lá da vila, ela vinha de uma família italiana grande, eu também, então nós alugamos um ônibus para levar o pessoal. Foi uma festa no aeroporto de Congonhas.
P/1 – E como foi o momento de entrar no avião?
R – A gente se arrumou bem, viemos com terno, com chapéu. Não como agora, que a gente viaja de calça jeans e sandália. Não, naquela época o pessoal viajava com elegância, todo mundo no avião estava bem vestido. Nós também, as duas fomos bem vestidas. Até fiz um tailleur, comprei o chapéu e fui. Interessante.
P/2 – Vocês ficaram com medo durante o voo?
R – Medo antes. Mas depois que a gente entrou no avião e ele subiu, o medo desapareceu. Isso foi em janeiro de 1965. Descemos em Nova York e vimos aquele branquinho, porque tinha nevado. Você nem imagina a alegria de ver aquilo. Mas foi rápido, porque trocamos de avião sem nem sair do aeroporto e fomos para o estado da Pensilvânia. Lá estava cheio de neve. A gente nem tinha bota, nem tinha casaco apropriado, mas foram nos buscar no aeroporto, logo entramos no carro, fomos para a casa dessa amiga, ela encheu a gente de blusas quentes e falou: “Precisamos comprar bota porque para andar na neve precisa ter bota que não escorrega”. No dia seguinte fomos comprar bota e no outro dia já fomos tirar nossa documentação. E eu já pude ir procurar emprego.
P/1 – Como você se sentia nos primeiros dias?
R – Dava medo. Porque aí começamos a trabalhar, tomar ônibus. Então o marido dessa minha amiga me levou até o emprego, ensinou o caminho e depois falou: “Olha, presta atenção como você tem que voltar” porque ele não vinha me buscar. A companhia era italiana, e dá para entender o italiano se as pessoas falam bem calmas, suaves. Também tinha uma moça que sabia um pouco de espanhol e eu perguntei a ela onde o ônibus parava. Ela explicou. Eu mostrei o endereço da casa onde eu estava para o chofer para ele avisar quando chegasse o ponto de eu descer. Quando eu desci, reconheci o lugar. E no dia seguinte foi a mesma coisa.
P/1 – Nesse começo, com espanhol, italiano, inglês, como era para conversar?
R – No ônibus eu ficava quieta, não abria a boca. Mas na companhia foi uma aventura!
P/1 – E depois você acabou indo para Nova York, começou a trabalhar nessa empresa de petróleo. Aí como é que foi?
R – Isso. Aí fui estudar à noite também. O inglês. Saía do emprego e ia para uma escola pública onde estavam dando lição de inglês para imigrantes.
P/2 – Onde você vivia em Nova York?
R – Em Queens. Não no centro de Nova York. Porque Nova York é dividida em cinco distritos: Manhattan que é a ilha, o Bronx, o Brooklyn, Queen, Staten Island e Long Island. Long Island é uma ilha, dos dois lados tem o oceano, de um lado e do outro lado é que nem um bay. Quer dizer, estava rodeada de água. A distância da minha casa até a praia é de 15 minutos.
P/2 – Quais as diferenças entre Nova York e São Paulo?
R – Grandes, grandes. As casas são diferentes, com aquecimento no inverno: quando está um frio tremendo lá fora, você entra na casa e ela está quentinha. A estrutura das casas lá é de madeira. Agora eles estão usando pisos de cerâmica na cozinha: antigamente era linóleo, que não é tão frio. Mas é tudo assoalho para segurar caloria, porque senão você gastaria muito dinheiro com aquecimento a gás. E o estilo das casas é diferente, a comida é diferente. A comida do Brasil é a melhor, o pessoal come muito bem, tem fruta o ano todo. Lá as frutas são caras. Aqui você compra uma dúzia de laranja por um dólar, lá você compra três laranjas por um dólar. O cardápio americano não é grande, é mais simples. Em Nova York, você pode tomar a água da torneira, que é a melhor água. Antigamente tinha 12 companhias de cerveja em Nova York porque usavam a água que era a melhor. Mas o que aconteceu? Começaram a cobrar imposto muito alto das companhias e elas foram embora.
P/1 – Você sentiu um choque de cultura muito grande, nessa diferença entre Nova York e São Paulo?
R – A cultura americana é completamente diferente, mas sendo lituana eu entrei na cultura lituana lá.
P/1 – Como foi isso?
R – Para mim foi a mesma coisa. Fui à igreja lituana. Lá havia seis e escolhi aquela em que me senti melhor. Eu não procurei brasileiro, fui procurar lituano, porque a senhora com quem eu morava também era lituana. E minhas amigas que moravam em Nova York eram lituanas da minha vila. Para mim não teve diferença de cultura. Fui cantar no coral. Assim que você chega,
não importa de onde tenha vindo, se você fala que é lituana, o pessoal te abre os braços: “Bem-vindo!”.
P/2 – Do que a senhora mais sentia falta do Brasil?
R – Da família. Da minha mãe, do meu pai. Depois, quando casei, vim passar a lua de mel aqui, para meu marido conhecer a família. E também minha mãe e meu pai foram para lá. Sempre que eu tinha oportunidade de convidá-los, eles iam. E trouxe meus filhos pequenos para o Brasil.
P/2 – Você falou da comida que era muito diferente, você sentia falta de alguma coisa especial da alimentação brasileira?
R – Do arroz e do feijão. Porque lá o pessoal não come feijão. Arroz come bastante, mas feijão não. E tem um feijão que você compra preparado, numa latinha, muito gostoso. Mas eu estava acostumada com a comida lituana, porque aqui mesmo a minha mãe não cozinhava muito a comida brasileira e aprendi a fazer mais comida lituana do que brasileira. E lá os meus amigos usavam mais a comida lituana.
P/2 – O seu prato favorito é lituano?
R – É. Kugelis. Os alemães usam como Kugel. É um prato que você faz com batata ralada, ovo, leite e depois põe no forno. Esse é o meu prato preferido. E lá o pessoal gosta muito também.
P/1 – E você falou da saudade que sentia da família, volta e meia fazia essas viagens mas quando não conseguia como você falava com sua família aqui?
R – Escrevendo cartas, porque eles não tinham telefone. Só tinha uma vizinha na Vila Zelina que tinha telefone. Eles tinham uma fábrica, eram amigos da minha mãe, e se eu precisava para alguma emergência telefonava para essa vizinha. Eles buscavam minha mãe ou alguém a levava na fábrica e eu chamava novamente para poder conversar. Mas o mais era por carta. Depois, quando eles tiveram telefone, já foi mais fácil. Não chamava sempre porque era muito caro, saía uma base de 40 dólares uma ligação. Então chamava no Natal para desejar Feliz Natal. Agora não, agora é baratinho.
P/1 – E nas cartas, o que vocês escreviam? O que você contava para sua família?
R – Eu era preguiçosa, eu não escrevia muito (risos). Sabe o que acontece? Você não queria se gabar muito e você não queria falar das partes tristes, dos momentos tristes. Então não tinha muito o que escrever. Eu escrevia das flores, dos tempos, das roupas que eu comprei, onde a gente foi, coisa simples, porque não queria chorar as lágrimas de saudades e também não queria gabar que estava muito “contentona”.
P/1 – E o que eles te escreviam? Como você sentia quando chegava carta?
R – Também não escreviam muito, não, eram preguiçosos. Demorava uma carta, daqui dois meses chegava, muitas vezes curtinha, pequenininha, só para dizer que eles estavam vivos.
P/1 – Você
tinha que ir até a agência para enviar suas cartas? Colocava em algum lugar?
R – O correio dos Estados Unidos é muito bom, muito correto, tem em todo bairro. Você escrevia a carta, colocava o endereço, ia no correio, pedia o selo que ia pro Brasil, colocava o selo e você deixava a carta. Aqui muitas cartas e desapareciam, eles não recebiam. Lá não, lá o correio até agora é bom. Hoje, com toda essa nova tecnologia, ninguém está escrevendo carta, é tudo pelo celular, pela internet, daqui a pouco o correio vai desaparecer.
P/1 – Como era o seu dia a dia fora do trabalho, o que você fazia logo que chegou aos Estados Unidos?
R – Para ir trabalhar não havia problema, porque pegava o trem que vai por baixo da terra e o trem que vai por cima. Só tinha de tomar cuidado ao caminhar quando fazia muito frio ou estava nevando, e se congelava era como se a gente estivesse com patins. Nos fins de semana, quando a gente ia à igreja, estava cheio de lituano em volta que te dava carona, porque a igreja era longe, não era no meu bairro.
P/1 – Qual era o seu bairro?
R – A igreja era no bairro de Brooklyn e eu moro em Queens. Então arrumava carona. E mesmo quando a gente saía para algum lugar sempre se ia com alguém que tinha carro.
P/1 – O que você mais gostava de fazer quando você saía, na igreja, ou fora dela?
R – Saía da igreja e ia almoçar. A missa terminava, o que vamos fazer? Vamos almoçar. Depois que almoçava ia para casa.
P/1 – Como você conheceu seu marido?
R – No primeiro dia em que eu fui à igreja ele me viu e falou: “Eu me encantei com você”. Até falou para ele mesmo: “Ah, ela vai ser minha” (risos). Ele morava no mesmo bairro. A distância era de três quarteirões, então logo ele: “Ah, você mora lá? Você precisa de ajuda, estou disponível, te pego para vir” “Vai decidir entrar para o coral e eu te pego, te trago”. Naquele ano teve aquela exibição da feira internacional, World Fair. Ela já tinha terminado, foi em 1964, mas eles estenderam para o outro ano. Então, nesse ano de 1965, ele me convidou para conhecer a feira internacional, me pegou para ir à igreja às dez horas da manhã e nós só voltamos à meia-noite. E olha que eu ainda não conhecia ele muito bem. Estava morrendo de medo, já queria ir embora, falava para ele: “Vamos embora porque no outro dia eu preciso trabalhar”. E ele: “Não”,
me mostrava isso, me mostrava aquilo. Nós fomos almoçar num prédio em que os helicópteros desciam para a feira internacional, muito chique sabe? Aí ele falou: “Nós vamos voltar para jantar lá”. Eu não queria mais nada, só queria ir embora. Mas telefonei para minha amiga e disse: “Não se preocupe, eu ainda estou na feira mundial”. E ela falou: “Você está bem?”, eu falei: “Estou bem”. Meu Deus do céu, ele estava me levando em tudo quanto é pavilhão, dos mexicanos, dos australianos. E quando nós entrávamos, tínhamos que ficar porque eles têm programa. Eu falei para ele que se todo passeio fosse longo como esse, eu não ia sair com ele nunca mais. Ele deu risada, e falou: “Não, foi só esse, porque eu queria que você visse toda a feira que logo vai terminar”.
P/1 – Você gostou desse primeiro encontro?
R – Ele gostou de mim, mas eu estava com intenção de ficar um pouco lá e depois voltar ao Brasil.
Mas a gente ficou saindo junto. Então uma vez ele foi a Miami passar um mês de férias e me disse que quando voltasse gostaria de atualizar alguma coisa, ou vamos namorar ou vamos... ele falou:
“Quem sabe você vai sentir falta". E eu senti falta (risos). Não sei se eu senti falta da acomodação que ele me dava, ele ia me buscar na escola, me levava para cá, me levava para lá (risos). Eu falei: “Eu não sei se eu estou confusa com todo esse acomodamento ou se estou mesmo apaixonada”. Aí o patrão da casa onde eu morava, porque eles já eram de idade e eu ajudava bastante, olhou para mim e falou: “Escuta, você tem algum pretendente no Brasil?”. Eu falei: “Não, eu não deixei ninguém”. Então ele falou assim: “O que você está esperando? O Charles é um rapaz bom, um filho muito bom. Ele tem uma vida confortável e vai te dar conforto também, é um rapaz honesto. Por quê você não dá chance?” E quando ele voltou de Miami eu falei: “Está bom. Agora nós vamos namorar seriamente”.
P/1 – Como foi essa conversa? O que você sentia antes dela?
R – Quando ele voltou, foi me buscar na escola, viu o meu sorriso e percebeu que eu estava contente. Até foi interessante porque quando eu escrevia para minha mãe eu falava: “Fui com o Charlie para cá e eu fui com o Charlie para lá, fui com o Charlie para o Canadá, fui visitar minhas amigas lá em Connecticut com ele”. E minha mãe recebeu uma carta dele, pedindo a minha mão em casamento. Mas ele não sabia escrever lituano, meu marido. A gente conversava em lituano, mas o lituano dele não era muito bom. Ele pediu ajuda para um padre lituano conhecido dele. E o padre escreveu a carta dizendo a minha mãe e ao meu pai se identificando como Casimero (que é Charlie em lituano). Então pôs: “Casimero está pedindo a mão da sua filha em casamento, como tradição”. Quando ele me mostrou a carta eu falei: “Por que você colocou Casimero?” “Eu não coloquei, foi o padre que colocou”. Eu falei: “A minha mãe só te conhece como Charlie, não conhece como Casimero. Meus pais vão pensar que é uma outra pessoa pedindo a minha mão em casamento”. Era um domingo quando ele me mostrou a carta, até escrevi uma carta logo para minha mãe: “Não se assusta porque Charlie e Casimero é a mesma pessoa” (risos).
P/1 – Ele tinha te falado antes da proposta de casamento? Ele mandou a carta antes de te pedir em casamento?
R – Ele mandou a carta aos meus pais antes de me pedir em casamento, antes de ficarmos noivos.
P/1 – E o que você achou disso?
R – Eu achei engraçado. Eu falei: “Você está pedindo a minha mão aos meus pais?”. Ele falou: “Claro, é tradição”. Eu falei: “Você nem sabe se eu aceitei ainda”. Mas ele falou: “Eu já sentia que você ia aceitar”. Ele estava confiante de que ia dar certo. Mas ele foi adiantado, né?
P/1 – Você também teve uma primeira impressão boa do Charles? Um sentimento especial?
R – Não, nada. Ele foi muito atencioso, muito camarada, mas não senti nada de dizer: “Esse daqui seria um bom partido”, não (risos).
P/1 – Foi seu primeiro namorado.
R – Oficialmente foi.
P/1 – E como foram os meses de namoro antes desse pedido?
R – Por quase dois anos fomos só amigos. Depois a gente andava de mão dada e tudo.
P/2 – Como foi o casamento de vocês?
R – Da minha parte teve muito pouca gente porque eu tinha poucas amigas. Mas da parte dele teve bastante gente, quase 300 pessoas, e foi na igreja em que a gente cantava com o coral, o coral que cantou para nós. E foi durante a missa, o que é raro acontecer, mas como ele era coroinha desde os seis anos de idade, ajudava no altar, morava perto da igreja, estudou na escola que pertencia a essa igreja, tinha amizade com o padre, então aceitaram fazer o nosso casamento durante a missa. Depois da missa a gente foi para um lugar alugado para fazer festa, e arrumamos um senhor que fazia catering, que também era descendente de lituanos. Então a festa foi meio lituana e meio americana, porque tinha americano e tinha lituano. A orquestra tocava música lituana. Os lituanos gostam muito de dançar polca, no meu casamento teve bastante valsa e polca.
P/1 – Como você estava se sentindo nesse dia inteiro? Na hora de subir ao altar, na festa, depois do sim?
R – Eu acho que eu me senti bem. Não estava nem nervosa. Sabia que no dia seguinte ao casamento nós viríamos ao Brasil (risos). Então estava contente. A única coisa que eu senti foi a falta de alguém da minha família lá. Tinha as amigas, mas não parente.
P/1 – Como foi a lua de mel aqui no Brasil?
R – No Rio. Quando eu telefonei, avisando que a gente iria para o Brasil, eu falei: “Mas a primeira semana eu quero passar no Rio, vou passar a lua de mel no Rio”. Não escrevi que avião, que hora, eu falei: “Quando estiver no Rio eu telefono e comunico quando a gente vai para São Paulo”. Assim que eu cheguei ao aeroporto, vi meu irmão mais novo. Acho que ele passou o dia inteiro e a noite inteira no Rio esperando os aviões que vinham de Nova York. Eu falei para ele: “O que você está fazendo aqui?”. Ele falou: “Eu queria ser o primeiro a ver você”. Aí pegamos um táxi para o hotel, o Copacabana Palace, e meu irmão foi conosco. Deixamos as coisas e fomos tomar um lanche. Meu marido filmou a gente andando. Depois meu irmão pediu para ficar no nosso quarto de hotel enquanto a gente passeava. Quando nós voltamos ele estava dormindo, parecia que não tinha dormido a noite inteira. Saímos novamente, eu falei: “Deixa ele dormir”. Depois, quando voltamos, ele já tinha acordado, estava esperando a gente. Saiu, mas voltou no dia seguinte com cara de sono. Meu marido foi dar uns mergulhos e perguntou a ele: “Você quer mergulhar?”. Ele falou: “Eu quero, mas não tenho calção”. O meu marido falou: “Eu tenho extra”. Deu o calção para ele, ele foi à piscina e quase se afogou. Ele não sabia nadar! O meu marido estava no raso brincando, a piscina estava vazia, não tinha ninguém e meu marido falou: “Acho que seu irmão está se afogando”. Eu falei: “Vai salvar ele!”. Depois disso meu marido disse: “Vai se arrumar, nós vamos mandar você para casa” (risos). Colocamos ele no ônibus e mandamos embora. Quando chegou em casa, ele falou para a minha mãe: “O Charlie é uma beleza, mas ela não mudou nada, ela é carrancuda e brava como sempre!” (risos).
P/1 – O Charles já conhecia o Brasil? O que ele achou?
R – Ele adorou, gostou bastante. Voltou diversas vezes.
P/1 – E na hora de apresentar para família?
R – No lituano, né? Ele conversou com meus pais, minhas irmãs, meus tios, sempre em lituano. Não houve problema. Se o pessoal
não entendia o que ele dizia, ele mostrava com a mão, te puxava. A gente foi para a cidade e ele pegava o táxi melhor do que eu.
P/1 – Fazia quanto tempo que você não via sua família aqui em São Paulo?
R – Quase dois anos e meio.
P/1 – Como foi o reencontro?
R – Gostoso. Tinha mais alguns sobrinhos que nasceram depois de eu ter ido embora, alguns sobrinhos novos.
P/1 – Você tinha quantos anos quando casou?
R – Trinta.
P/1 – Depois da lua de mel vocês voltaram para os Estados Unidos. Foram morar juntos?
R – Quando voltamos da lua de mel fomos para a casa dele. Era uma casa de dois andares. A irmã e a mãe dele moravam em um andar e nós ocupamos o outro andar.
P/1 – Vocês vivem nesta casa até hoje?
R – Agora sim, mas por um tempo nós mudamos para outra casa. Separamos da minha sogra e da minha cunhada porque eu perdi um filho de quatro anos e não queria ficar naquela casa. Muitas memórias. Então compramos uma outra casa. Mas meu marido ficou doente, ele tinha Parkinson, e nessa casa em que nós morávamos sozinhos os dormitórios eram em cima, era um sobrado, embaixo tinha sala de visita, sala de jantar, cozinha, um banheiro. Não tinha como colocar um dormitório para ele no térreo. Enquanto ele conseguiu andar, subir e descer escada, foi bom, mas depois percebemos que estava sendo dificultoso. Vendemos nossa casa e voltamos para a casa da família. Minha sogra já tinha morrido, só a minha cunhada estava lá. E é nessa casa que estou agora.
P/1 – Mas antes de tudo isso acontecer, como foram seus primeiros anos de casada nessa nova casa com um marido morando junto com você?
R – Eu não notei diferença nenhuma. Não teve ajustamento da nova vida como casal. Eu ia para o trabalho, ele ia para o trabalho, voltávamos, eu fazia o jantar.
P/1 – E quando vieram as filhas?
R – Quando o meu primeiro filho nasceu, eu parei de trabalhar para tomar conta dele, fiquei em casa, rotina de dona de casa. Fiquei muito contente por ter uma criança, acho que como toda mãe.
P/1 – Foi essa criança que morreu com quatro anos?
R – Faleceu. Ele tinha problema no coração, na aorta. Os médicos falaram que tinha que esperar ele completar quatro anos para ser operado, para por uma válvula. Mas aconteceu uma complicação, a operação levou dez horas e depois ele pegou pneumonia. Não escapou, faleceu com quatro aninhos.
P/1 – Como foi receber a notícia?
R – Foi triste. Nós passamos todas aquelas horas no hospital esperando notícia. Depois da operação de dez horas, a gente foi ver e ele estava todo entubado. Foi chocante de ver uma criança assim, mas a gente tinha esperança. No dia seguinte nos disseram que ele tinha pegado pneumonia, me mandaram ir para casa. Eu nunca esperei que ele fosse falecer porque os médicos não estavam dizendo que era uma chance de 80% que era perigosa. Mas teve complicação. Criou muito tissues em volta do coração dele e para operar tiveram que remover todo aquele tissues, o que fez a operação demorar tanto.
P/1 – E você foi para casa?
R – Fui. Tomei banho e o meu marido falou: “Você dorme em casa e eu fico no hospital”. Mas logo o hospital trouxe ele para me buscar porque meu filho não ia sobreviver e já iam desligar os aparelhos.
P/1 – Como foi esse momento de desligar os aparelhos?
R – De choque. Perder uma criança é um choque. Por cinco anos eu fiquei devastada, mas eu tinha a minha filha e depois eu engravidei e aí veio a minha segunda filha, o que ajudou bastante porque a preocupação de uma nova criança alivia o coração.
P/2 – Qual era o nome dele?
R – Charlie também.
P/2 – Qual a lembrança mais feliz que você tem com ele?
R – Acho que todo momento. Desde que nasceu até morrer, era só felicidade. Ontem a gente estava vendo o filme que fizemos com ele aqui no Brasil e lá em Nova York.
P/1 – Como você sente essas lembranças hoje?
R – São só lembranças. Você lembra coisas boas. As ruins você deixa para trás, acho que chega, né? (risos)
P/2 – Você chegou a ir à Lituânia em algum momento? Como foi?
R – Sim. Minha mãe falava muito da redondeza onde que ela morava, perto de um rio muito grande, que é muito famoso na Lituânia. Mas ela veio para o Brasil depois da Primeira Guerra, depois da Segunda Guerra foi tudo destruído lá. Eu fui procurar onde ela morava e a informação dos meus avós, mas não consegui porque estava tudo destruído. A cidadezinha se reformou, eu não sei como era antes. Mas foi bom ver o lugar em que ela morou. Ela nasceu na Inglaterra e quando era pequena a família voltou à Lituânia. E como meu avô gostava de viajar muito, eles moraram na Rússia, uma tia minha nasceu na Rússia.
P/2 – E quando você foi para lá você se identificou com o lugar?
R – Como lituana! (risos) A primeira vez que fui à Lituânia foi para um festival de canções com o coral de Nova York. Dois mil cantores de todo lugar. Do Brasil, dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália. Todos os corais se juntaram nesse evento. Foi muito, muito, super, muito bonito. Você encontrava lituano por tudo quanto é lugar. E também encontramos brasileiros.
P/2 – E do que você mais gostou na Lituânia?
R – Ah, as igrejas! As igrejas da Lituânia parecem museus. As estruturas, os desenhos. Quando os russos tomaram a Lituânia eles não destruíram as igrejas porque viram o valor da arquitetura. Só que eles usaram as igrejas como um lugar para guardar as coisas. Agora estão restaurando. E tem igreja em cada esquina. O povo é camarada, alegre, gosta de cantar e de dançar.
P/1 – E você falou que chegou lá e se sentiu lituana. Você cresceu a vida inteira com essa cultura tão forte e presente na sua vida, qual o sentimento de ter tido essa oportunidade, desde criança crescer junto com a cultura lituana?
R – Muitas vezes eu me sinto culpada de não ser tão brasileira, nascida no Brasil e me sentir mais lituana do que brasileira, porque fui criada num ambiente lituano. E não sei muito da cultura brasileira. Mas aqui em São Paulo é uma mistura de nações, acho que se morasse na Bahia ou em Pernambuco, lugar mais brasileiro, sentiria mais. São Paulo é como Estados Unidos, acho que só tem 20% de americano, o resto é tudo palestino, polonês, lituano, espanhol. Não tem americano lá. Tem gente que nem quer aprender inglês. Você pega uma bula e está toda em espanhol, na televisão metade é em espanhol e metade em inglês. Uma ou outra cidadezinha, no Midwest, no centro, acho que ainda se salvou, é um pouco mais americana, mas essas cidades grandes, como Los Angeles e Nova York, Miami...
P/1 – E dona Josephina, o que você sentiu hoje dando esse depoimento ao Museu?
R – Eu estava esperando completamente diferente. Você fez poucas perguntas para eu responder muito Foi legal (risos).
P/2 – Como é esse exercício de ir buscando as coisas na memória?
R – Eu acho que ajuda bastante o desenvolvimento da gente com tudo, com o que você passa. Mas também é muito para acumular na cabeça, pensar em tudo. Pode ser que quando eu voltar para casa eu falei: “Ah, meu Deus, eu podia ter falado aquilo! Agora que eu lembrei”. Não sei.
P/2 – Quais são seus sonhos? O que você espera do futuro?
R – Acho que já não tenho nada o que esperar. Na minha idade é só esperar ter saúde e não ser um transtorno para as minhas filhas e se eu tiver que abandonar esse mundo, que seja rápido, isso é o meu sonho, não ser uma inválida. O resto eu tenho de tudo. Tenho uma vida boa, gosto do que faço, do meu trabalho, me ocupa o dia inteiro. Eu tenho minha filha que mora comigo, três netinhos, e nunca estou sozinha quando chego em casa: eles estão lá. Eu ajudo minha filha, ela faz o jantar, eu lavo a louça, meu genro é muito legal. E os meus netinhos também. Financeiramente eu estou bem, se quero vir para cá ou se eu quero ir para lá eu vou. E adoro o que eu faço no meu serviço.
P/1 – Hoje, com 80 anos, o quê te dá mais prazer de fazer?
R – Cuidar das minhas plantas! E dos meus netos! Sair com eles, ir acampar com eles. Todo verão a gente vai acampar em Vermont. E no ar livre, na montanha, não tem celular, não tem televisão, não tem nada. É acampamento lituano. Minhas filhas não são casadas com lituanos, uma é casada com um nascido nos Estados Unidos mas é descendente de irlandês. O outro genro, a mãe é colombiana e o pai é irlandês. Mas eles são envolvidos na colônia lituana. As crianças não sabem falar lituano, mas a gente vai, a cultura é lituana.
P/1 – E como é esse acampamento?
R – Tem a casa principal onde ficam a cafeteria e o salão onde fazemos programas. Em volta tem 12 casinhas em U. Cada casinha tem 12 camas beliches, um banheiro. A gente só dorme lá. Eu vou quando acontece A Semana da Família, então você fica naquela casinha com sua filha, com seu genro, todos juntos. E tem a casa onde tem o lanche da manhã, o café da manhã, o almoço, o jantar. Logo de manhã toca a campainha avisando que o café está pronto, todo mundo sai das 12 casinhas para o café da manhã. Aí começa o programa do dia. As crianças são divididas pela idade, o instrutor já têm o programa: hoje nós vamos fazer isso, amanhã aquilo. O dia inteiro as crianças têm atividade.
P/1 – Mas e você?
R – Eu vou lá, acompanho, se precisar de ajuda com as crianças pequenas, porque têm dificuldade de pintar, de montar as coisinhas, os adultos ajudam. Depois eles têm futebol, tênis, pingue pongue, natação no lago. Aí é uma hora livre, se você quer ir nadar vai, se não quer, quer ler um livro, vai. E depois volta novamente, tem o jantar e atividade da noite. Uma noite é o Dia do Talento. Se uma criança que tem talento sabe tocar piano, aí então ela vai tocar piano. Se uma tem uma voz boa para cantar, canta. Não é obrigado, mas se você tem talento a gente gosta. E as crianças gostam de se mostrar. Outra noite você com seu grupinho, você faz um programa, uma comédia, alguma coisa alegre. Uma noite a gente faz a fogueira, ao ar livre, uma fogueira grande. Então cada grupo recebe roupa, sapato, cadeira, e com esse material em que fazer um programa, uma coisa gostosa de assistir. Uma vez um grupo recebeu umas rodas, então falou que era caminhão, ônibus, e as crianças ficavam rodando e falavam: “Esse caminhão é da Ford”. Uns programas saem muito gozados, divertidos, outros não tão divertidos. E as crianças gostam, porque participam. Depois tem uma noite de ensinar as crianças a dançar a polca. É muito interessante. Quem vai a esse acampamento quer voltar! As minhas filhas não perderam nenhum ano, elas começaram com sete anos até os 15 anos. Depois de 15 anos só se for como instrutora. Nas férias a gente queria ir ao Brasil, elas queriam ir para lá. O ar é bom, é na montanha. Quando você está lá em cima parece que o céu está perto de você, você quer pegar as estrelas. E a procura é muita, assim que abre na internet você tem que se inscrever, porque se esperar não vai ter lugar. Quer dizer, estou nos Estados Unidos mas no meio dos lituanos (risos). Então nem posso falar que sou americana, né?
P/1 – E como você se sente pelas suas filhas, seus netos terem seguido essa cultura?
R – Eu gosto, adoro! Minhas netas adoram. E meus netinhos também. Tem um tempo em que eles vão sozinhos, sem os pais, por três semanas. Só ficam eles com os instrutores e com o pessoal que toma conta do acampamento, os pais não vão. E essas crianças aguentam três semanas. Até o pequenininho esse ano já queria ir, mas ele só tem seis anos, não pôde. Voltou chorando. Minhas amigas lituanas, que casaram com lituanos, mandam os filhos e os netos também. Quer dizer, a gente continua a se encontrar com os brasileiros que são lituanos casados com lituanos lá.