Programa Conte Sua História
Depoimento de Francisca Fragoso Diniz
Entrevistada por Felipe Rocha
São Paulo, 22/06/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV593_Francisca Fragoso Diniz
Transcrito por Karina Medici Barrella - MW Transcrições
Editado por Renata Pereira Rotunno
P/1 – Bom dia, D...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Francisca Fragoso Diniz
Entrevistada por Felipe Rocha
São Paulo, 22/06/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV593_Francisca Fragoso Diniz
Transcrito por Karina Medici Barrella - MW Transcrições
Editado por Renata Pereira Rotunno
P/1 – Bom dia, Dona Francisca! Primeiramente queria agradecer a presença pedir a confirmação de o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Francisca Fragoso Diniz, nasci na cidade Catolé do Rocha, Paraíba, em 1952.
P/1 – Poderia falar um pouco sobre suas origens familiares. Por exemplo, tem alguma lembrança de seus avós?
R – Os meus avós maternos eram a Dona Leonina Diniz Dantas e o Seu José Antônio Dantas. Os paternos eram a Dona Maria Rosa Fragoso e o Seu José Fragoso. Sou filha de Maurina Diniz Dantas e Lindolfo Fragoso Veras, que são primos de segundo grau. Os dois já faleceram e tiveram nove filhos juntos. A minha mãe casou-se duas vezes e sou filha do segundo casamento. No primeiro, infelizmente ela perdeu o marido um ano e meio após se casarem. Tiveram um filho, meu irmão mais velho. Todos nós somos paraibanos.
P/1 – Como seus pais se conheceram?
R – Meus pais são primos de segundo grau e se conheciam desde pequenos. Assim que minha mãe tornou-se viúva e mãe solteira, retornou a morar na casa dos meus avós. Naquela época, era ruim para uma mulher ser viúva e mãe solteira. A sociedade não aceitava bem e os meus avós ficaram preocupados. Sabendo que o meu pai era apaixonado por ela desde a adolescência, insistiram que ela aceitasse o pedido dele de casamento. Mesmo sendo contra, minha mãe obedeceu a vontade dos meus avós e casou-se com o primo. Eram pessoas totalmente diferentes, tiveram muitos problemas na relação. O meu pai era machista e seguia tradições e a minha mãe era feminista, pensava além de seu tempo. Ela acreditava que as mulheres deveriam estudar, adquirir uma profissão e trabalhar como os homens.
P – Como a sua mãe manifestava o ideal feminista?
R – Bom, o meu pai era contra que as filhas meninas estudassem. Já a minha mãe, queria que todos os filhos estudassem e aquirissem uma profissão. Principalmente as meninas, para não serem dependentes dos homens. E diante de protestos do meu pai, ela estudou e virou alfaiate. Confeccionava ternos e roupas de festa para todos da região e ganhava bastante dinheiro. Esta atitude ajudou com que ela realizasse alguns sonhos, como matricular todas as filhas nas escolas e enfeitá-las com jóias. A primeira coisa que ela fazia, assim que uma menina nascia, era comprar um par de brincos de ouro, com pêndulos de pedrinhas vermelhas, e furar as orelhas. Sou a sexta filha do casamento, que gerou nove filhos. Antes de mim, todas foram meninas. A ideia de adquirir uma profissão e ter a própria renda foi pensando nas filhas, em nos ajudar nos estudos e aparência. Ela era vaidosa e transmitia isso a todos os filhos e por conta disso meu pai reclamava demais e eles brigavam. Viveram juntos até todos crescerem. Então, ela não aguentou mais viver num casamento infeliz e pediu o divórcio.
P – O divórcio foi bem aceito na época?
R – Não, foi difícil para ela lidar com a situação. O meu pai era uma pessoa boa, honesta e responsável. Só que as opiniões diferentes geravam conflitos desagradáveis. Ele era muito machista, acreditava que o homem devia ser o único provedor da casa e tinha direito de ser infiel. Minha mãe não aceitava, achava um absurdo, e exigia a fidelidade. Ele não compreendia essa vontade. Ela tomou essa atitude e enfrentou sozinha os padrões sociais.
P/1 – Como eram as jóias que a sua mãe adornava as filhas?
R – Assim que nascíamos, ela furava nossas orelhas com um brinquinho de ouro comprado com o dinheiro dela. Seu trabalho como costureira lhe permitia comprar pulseirinhas, brinquinhos de bolinhas, pingentes. Tudo de ouro. Eram seis filhas e todas bem arrumadas e vestidas. Trabalhava muito para isso.
P/1 – Ainda tem o brinquinho?
R – Sim, guardo como lembrança.
P/1 – Como foi quando nasceu?
R – História interessante! A minha mãe tinha por tradição nomear todos os filhos começando com a letra -j. E quando nasci, ela quebrou a tradição para cumprir uma promessa a São Francisco de Assis. Sempre com boa intuição, sétima gravidez, percebeu que teria problemas no parto. Naquele tempo, não existia médico próprio, tudo era feito pelas mãos de parteiras e na casa das próprias família. Então, chegou o dia e ela teve várias contrações diferentes. Ficou apavorada com a ideia de perder a criança, ou nascer com problemas de saúde. E tudo isso, porque durante a gestação ela passou muito nervoso com a família do papai. O meu pai tinha dois irmão, um deles com problemas mentais, e ambos eram apaixonados pela mesma mulher. A tal mulher, escolheu o irmão saudável como marido e este foi jurado de morte pelo que tinha problemas.Na semana do meu nascimento, estourou na família a história do assassinato e o meu pai queria intervir. Nessa, a minha mãe entrou em desespero. O meu pai poderia ser agredido e até morrer no meio da briga e fez a promessa a São Francisco de Assis. Ela prometeu que se o meu pai saísse em segurança ela quebraria a tradição de nomear todos os filhos com nomes que começavam por -j e me daria o nome dele a criança. Antes de mim, nasceu: Jurandira, Juraci, Juceilda, Jadi e José. No dia do meu nascimento, foi quando o meu pai correu para apartar a briga e no meio do caminho avisaram a ele que mamãe estava em trabalho de parto. Ele retornou às pressas para casa em segurança e o meu tio com problemas acabou matando o que estava casado. Depois disso, ele foi internado no manicômio e eu nunca o visitei. Foi uma marca bem forte na família e a minha mãe atribuiu o milagre de meu pai sair ileso devido ao santo. Recebi o nome de Francisca. Segundo a minha mãe, eu fui o bebê mais forte, saudável e peralta que ela teve (riso). Ajudava bastante em casa também, gostava de resolver os problemas e organizar as coisas. Morávamos num sítio, adorava também cuidar dos animais. E Francisco entrou no meu registro no batistério, batismo, e no registro de nascimento.
P/1 – Você cresceu no sítio? Como era a rotina?
R –
Os meus pais vieram de uma família de classe média. Não era uma família rica, mas viviam bem. Os meus bisavós passaram por várias dificuldades na Paraíba, sobreviveram as revoluções e conflitos armados que ocorreram em meados de 1877, passaram fome, trabalharam na construção da linha férrea que cortava o estado e venceram a seca. Meu pai contou que, quando pequeno, chegou a comer carne podre para sobreviver. Depois que passaram a má fase, trabalharam muito até conseguirem comprar uma fazenda no sertão. Os meus avós moravam nessa casa grande e tinha muitos vizinhos que trabalhavam para eles na fazenda. A casa era enorme, tinha uma varanda grande e com vista incrível. A minha mãe foi a primeira filha e ajudou a cuidar de todos os irmãos. Após ela casar com o primo, o meu pai, foi morar num sítio pequeno próximo a casa de meus avós. E ela ajudou muito o meu pai a crescer na vida, ela o incentivava e o cobrava a evoluir. Além disso, após se tornar alfaiate, ajudou a juntar dinheiro e a investir na decoração da casa e em novos imóveis. Outro motivo de briga entre eles! Meu pai achava que a casa deveria ter uma mesa para comer, um fogão para cozinhar e fartura em alimentos. A minha mãe era vaidosa e decorava tudo: cortina, toalha de mesa, colcha de cama, por ai vai. E eu cresci no meio dessas brigas (riso), eu e meus irmãos. Quando alcancei os 11 anos, conseguimos comprar uma fazenda razoavelmente boa no Ceará - considerada um salto em nossa vida simples. Vendemos o sítio que cresci e mudamos de estado. A fazenda tinha um pequeno açude que ajudaria no período de seca. Construímos uma casa grande e compramos uma pequena no centro da cidade, para podermos ficar próximos da escola.
Meu pai também construiu uma casa pequena na fazenda para os trabalhadores morarem, ele era um ótimo administrador. Antes deles comprarem a casinha no centro, caminhávamos seis quilômetros até a escola, ou íamos em três no lombo de um jumento. O jumentinho era usado para levar o leite que a fazenda produzia até a cidade, para ser vendido. Logo, aprendi a andar de bicicleta e ia para a escola pedalando. Depois nos mudamos, meu pai ficava na fazenda e a minha mãe no centro junto com os filhos. Foi quando conheci um rapaz, comecei a namorar e depois me casei. Tinha 14 anos quando o conheci.
P/1 – Os estudos começaram no Ceará?
R – Não, desde pequena lá no sítio a minha irmã mais velha,a Juracema, nos alfabetizou. Ela morava com os meus avós e nas férias escolares ela passava com a gente. Com uma cartilha, ela nos ensinou (eu, a Maria e a Juceilda) a ler, escrever e calcular. Dez anos mais velha do que eu. Quando fomos estudar na escola, cursei apenas a quarta série do primário e logo entrei no ginásio.
Conclui o ginásio aos 16 anos. E o meu pai era muito querido por todos no Ceará. Carismático, cortês, comunicativo. Todos gostavam muito dele. A única falha era a infidelidade no casamento.
P/1 – Como era a escola?
R – Particular, a minha mãe contrária ao meu pai nos matriculou e pagou os nossos estudos como dinheiro que ganhava como costureira. Acabei me destacando na escola, porque era tímida e concentrada. As minhas notas eram as mais altas. Isso fez com que meu pai animasse e começasse a ajudar nas contas. Ficou tão empolgado com o meu desempenho que me incentivava a ser médica. As outras alunas não acreditavam como eu me saia tão bem nas notas, porque não estudava em casa. E eu dizia: “é só prestar atenção na professora!”. Nesse tempo, meu pai também foi melhorando de status. Entrou no ramo da política e tornou-se influente na cidade. Conhecia todo mundo e por conta a infidelidade foi aumentando. As brigas no casamento ficaram mais tensas e era quase insuportável conviver com os dois. Como comentei, aos 14 anos comecei a namorar um rapaz que era meu vizinho. Ele era pobre, levava uma vida simples, e os meus pais eram contra o relacionamento por eu ser muito nova e por ele ser pobre. Eu não ligava para isso, admirava o relacionamento harmonioso que a família dele tinha e o fato dele trabalhar como office boy.
P/1 – E como foi que vocês se casaram?
R – Foi uma bomba para a família! Assim que terminei o ginásio, combinamos de fugir de bicicleta até o sítio de um amigo do pai dele. Naquela época, fugir de casa era obrigado se casar, mesmo que nada acontecesse. Passamos a noite nesse sítio, não fizemos nada. Dormimos até em quartos separados. E quando retornamos, os meus pais ficaram decepcionados comigo. Eu queria sair do meio daquela confusão de brigas e desentendimentos. Queria viver numa família complacente, harmoniosa como a dele. E a única saída para me livrar disso e caminhar com as minhas próprias pernas, foi fugindo para me casar (riso). Planejei tudo, porque sabia que esse seria o único meio de sair de casa. Tiveram que aceitar e o meu pai decepcionado me disse: “Até agora cuidamos de você e agora que quis fugir para se casar vai se virar sozinha”.
P/1 – Como vocês se viraram?
R – Não tínhamos muita noção de como as coisas funcionavam e fomos morar com a minha sogra. Era nova demais e estava acostumada com o conforto, sofri muito depois do casamento. Várias noites, antes de dormir, eu chorava em silêncio porque estava com fome. Eles eram pobres demais. Tudo era difícil, mas todos era unidos. Então, no primeiro ano de casamento engravidei. Teve um problema na cidade e abortei. O primeiro filho foi aborto. Como ninguém falava em métodos contraceptivos, engravidei novamente em seguida. Era uma menina que acabou nascendo doente. Ela tinha icterícia, conhecida como hepatite. No começo, os médicos disseram que não precisávamos nos preocupar que não era perigoso. Mas quando ela abriu os olhos, vimos como estavam amarelados. Nós não recebemos nenhuma orientação médica e com o tempo ela foi piorando. Por conta disso, fui morar com a minha mãe que estava na Paraíba.
P/1 – A sua mãe saiu do Ceará?
R – Sim, logo após eu me casar. O susto que os meus pais levaram com a minha fuga incentivou a minha mãe a pedir o divórcio. Assim que saiu, ela voltou a morar próximo a família que estava na Paraíba. Então, viajei até a casa dela para ter apoio nos cuidados com a criança. O meu marido não foi, viajou para São Paulo junto ao irmão a procura de emprego. Em São Paulo, eles encontraram alguns parentes que os ajudaram a conseguir emprego e após juntarem dinheiro alugaram uma casinha.
P/1 – E você foi morar com eles junto com a menina?
R – Não, ela não sobreviveu a doença. Faleceu aos nove meses. Foi um momento muito triste, o meu marido nem chegou a ver a filha antes dela morrer. Depois que eles alugaram uma casa em São Paulo, me chamaram para morar com eles. Eu ficaria responsável pelos cuidados da casa, cuidaria deles. Mas, o meu
marido era tão pobre que tive que vender uma vaca que ganhei do meu irmão para pagar a minha passagem. Viajei sozinha em um ônibus que parecia um “pau de arara”. Balançava o caminho todo por causa da estrada de terra e o caminho inteiro choveu. O meu cunhado conseguiu um emprego como peão e o meu marido entrou na fábrica da Spam Wolff, que fabricava utensílios caseiros de inox, como talheres. Eles ganhavam, cada um, um salário mínimo. Para pagar o aluguel precisavam continuar juntos. O meu cunhado me chamava de Vera, por causa do sobrenome Veras que herdei do meu pai - Lindolfo Fragoso Veras.
P/1 – Você perdeu uma filha muito cedo. Como se sentiu?
R – Foi horrível! Era jovem e não tinha maturidade para ser mãe. E eu vinha lutando internamente contra os problemas do casamento dos meus pais. Quando casei foi na intenção de melhorar de vida e entrei numa família que não tinha recursos para comprar comida. Depois veio o aborto e em seguida o falecimento da criança. Muito difícil! Cheguei a me arrepender uma época, porque, apesar de viver no meio de um pé de guerra, vivia na fartura de alimentos e no conforto. Não me faltava nada. A minha mãe trabalhava e o meu pai tinha fazenda e gado. Mas, não voltei atrás. Levantei a cabeça e segui em frente acreditando que tudo iria melhorar. O meu sonho era crescer e ajudar a família do meu marido que me acolheu de braços abertos. Mesmo tendo pouco, eles aceitaram mais um dentro de casa. Tentava focar meus pensamentos que aquilo era uma fase e iria superar. Sempre tive essa compreensão interna de me ajudar e ajudar os outros. E as coisas foram acontecendo conforme imaginava.
P/1 – A família do seu marido não trabalhava?
R – Trabalhavam, mas não tinha conhecimento de como administrar o dinheiro e fazê-lo render como os meus pais. Gastavam o que ganhavam entre eles. Não conseguiam sair daquele ciclo. O meu marido já era diferente, pensava como eu. Ele dizia: “Se eu trabalhar bastante, vou conseguir comprar tudo o que quero e melhorar de vida”. E unindo os nossos pensamentos, conseguimos com o tempo. Sofremos muito, viu!
P/1 – Pode explicar melhor o que seria a “compreensão interna”?
R – Em meio o drama, a minha escapatória estava nos meus pensamentos. Sempre tive a visão de que era capaz de realizar todos os meus sonhos porque o mundo é grande e cheio de oportunidades. Via claramente que, se existe algo grande para ser conquistado, eu poderia conseguir. Afinal de contas, o homem não inventou a televisão? Quando vi uma pela primeira vez fiquei encantada com o que podíamos criar. O espaço, a energia elétrica, a tecnologia. Também, lembrava de um conselho que o meu pai deu quando era criança, no sítio da Paraíba: “Se eu morar em cima de uma pedra e onde a vista alcançar for pedra, ainda assim terei como sobreviver e viver bem. A vida se resume aqui dentro (aponta para a cabeça), não está fora. Você tem que começar primeiro aqui para depois seguir o caminho que quer”. Ele me ensinou. Foi por isso que fugi de casa, não poderia mudar os meus pais e decidi enfrentar o desafio de assumir um casamento ainda nova.
P/1 – Qual foi o seu primeiro contato com a tecnologia?
R – Quando era criança e morava no sítio, na Paraíba, o meu pai comprou o primeiro rádio da região. Funcionava a bateria e ouvíamos o programa “Voz da América”. Ele adorava o programa e escrevia aos americanos em português. Eles traduziam, liam a carta dele e respondiam. Mas foi em Cedro que assisiti
televisão pela primeira vez, preto e branco. Assim que chegou a energia elétrica, a vizinha da minha sogra comprou uma. Nós nos reuníamos na janela da sala dela e assistíamos dali a novela “Antônio Maria” (riso). Íamos todos os dias assistir a novela pela janela da vizinha, a vizinhança era unida e nos tratávamos como familiares.
Era gostoso nos reunirmos.
P/1 – E como foi a vinda para São Paulo?
R – A viagem durou seis dias e cheguei na rodoviária apenas com o endereço escrito num papelzinho. Combinados deles me pegarem na antiga Rodoviária Sorocaba, que ficava próxima a Estação da Luz. De fato, se eles não fossem me buscar teria me perdido. Cheguei na cidade em setembro e estava escuro e frio. Foi uma viagem cansativa, o ônibus parava a todo o tempo por causa da chuva que deixava a estrada de terra instável. Na rodoviária, fiquei parada - meio assustada - num cantinho até que eles me encontraram. O
irmão dele me recebeu muito bem e contou que o ônibus que eles vieram era pior (riso). Eu era jovem, aguentei bem a viagem.
P/1 – Qual foi a primeira impressão?
R – Frio, muito frio. Cheguei em setembro de 1970. Tinha 18 anos. Casei com 16. Pensei: “Meu Deus! Isso aqui é um outro mundo!”. Garoava. Até hoje, quando o tempo escurece e garoa, lembro-me do dia que cheguei. Tudo era novo e diferente, inclusive as pessoas. Não conhecia ninguém. Logo, me levaram a casinha que tinham alugado e não havia nada no lugar. Apenas colchonetes que colocávamos no chão para dormir. Mais nada. O meu foco era comprar um fogão com o dinheiro que sobrou com a venda da vaca. Essa vaca ganhei do meu irmão enquanto ela era bezerro. Criei com muito amor e a vendi quando precisei.
P/1 – Como era o apartamento de vocês?
R – Pequeno, tinha três cômodos: sala, quarto e cozinha. O banheiro era compartilhado com as demais casas do cortiço. Nós dormíamos no quarto e o meu cunhado na sala. Depois, eles alugaram a cozinha para um casal sem filhos dormir. Após uma semana, consegui comprar um fogão e três panelas para cozinhar. Os alimentos ficavam no chão da cozinha, em cima de uma toalha. Éramos muito pobres. Não tínhamos móveis e a cozinha não tinha pia. As mulheres se revezavam para lavar o banheiro e a louça eu lavava no tanque de um quintal compartilhado. Em um ano, já tinha me acostumado com o ambiente e a situação e foi quando o meu marido decidiu trazer a família dele para morar conosco. Viriam cinco pessoas (riso).
P/1 – Como vocês se organizaram e por quê os parentes vieram?
R – Eles estava passando por muitas dificuldades no Ceará por causa da seca. Não tinha emprego e nem comida, era nossa obrigação recebê-los. Mas, eu estava grávida e não caberia tantas pessoas numa casa de três cômodos. Conversei com o meu marido, que já estava fazendo uns bicos de final de semana como feirante, e decidimos alugar um quarto com cozinha em outro cortiço que ficava na mesma rua. O irmão dele continuaria na casa e receberia os pais e os demais irmãos. Alugamos um quarto com uma micro cozinha. Só cabiam duas pessoas de pé nela (riso).
P/1 – E onde ficavam os cortiços?
R – Na Vila das Mercês, no Jardim da Saúde. As pessoas do cortiço eram unidas, comentamos que estávamos para receber parentes do Ceará e cada um doou uma coisa. Quando eles chegaram, já tínhamos mudado para o quartinho. E daí a Jaqueline nasceu. O cortiço que morávamos tinha cinco casinhas e também um banheiro para todas as famílias compartilharem.
Tinha dois tanques no quintal e um poço artesiano que pegávamos água. Não tinha bomba, pegávamos a água com um carretel. O meu marido vendia produtos de armarinho na feira: botões, linha, agulhas. Ganhava mais que um salário mínimo, conseguimos começar a juntar dinheiro.
P/1 – Você só cuidava da Jaqueline?
R – Não, assim que ele começou a ganhar dinheiro extra na feira eu comecei a ajudar confeccionando bonecas dorminhocas, sensação na época. Elas era fofas, feitas de veludo, e serviam para enfeitar o banco de trás dos carros. Na feira, o meu cunhado José ficou sabendo sobre essa moda e descobriu como confeccionar. Chegou em casa e me ensinou: “Você que fica em casa, aproveita o tempo e faça essas bonequinhas. Vai dar dinheiro e podemos vender na feira”. Então, com o dinheiro que estava sobrando, comprei os produtos para montá-las. Deixava a bebê com uma vizinha e fabricava as dorminhocas no quarto. A casa ficava cheia de pelos, porque eu tinha que rasgar o tecido a mão e o veludo que era de pelúcia espalhava pelos por todos os lados. Tinha gente que me visitava e brincava, dizendo que até o tempero da minha comida era feito com os pelos da pelúcia. O José era um rapaz bastante criativo, não sei como ele aprendeu a confeccionar as dorminhocas. Eram feitas com o tecido, uma bonequinha de plástico e cola de sapateiro. A casa fedia a cola de sapateiro (riso). Eu cortava a cabeça da bonequinha, tinha um jeito especial de corte, e esquentava o plástico na chama de uma vela acesa ao lado da cama. O plástico ficava mole e eu virava o pescoço dela para trás, em seguida a mergulhava num balde d´água para endurecer mais rápido. Depois, com a cola de sapateiro, eu forrava a bonequinha com o tecido. Foi o meu primeiro trabalho e ganhei muito dinheiro. Passava a madrugada toda fabricando as dorminhocas, puxado.
P/1 – Vocês vendiam apenas na feira?
R – Não. Com o tempo, comecei a tomar o ônibus para vendê-las no centro. Primeiro, eu levei o mostruário aos lojistas e depois fabricava o pedido. Levava tudo de ônibus, colocava dentro de um saco de bombril de supermercado - era quase do meu tamanho - feitas de papelão, e deixava na parte da frente. Pedia para o motorista olhar enquanto eu passava pela catraca que ficava na parte de trás do ônibus. Não tinha vergonha, as pessoas ficavam olhando mas nunca deixei ninguém me intimidar.
Tinha 19 anos, era mocinha.
P/1 – Você trabalhava de madrugada? A Jaqueline ficava com você de tarde?
R – Não, não. Revezava os cuidados dela com uma vizinha que fiz amizade. Quando tinha que ir ao centro, deixava a menina com ela. Começamos a juntar dinheiro, eu e o meu marido. As bonecas e o trabalho na feira rendiam. Foi quando consegui comprar meu primeiro carro.
P/1 – Que legal! Como foi esse processo?
R – Muito legal! Comprei um fusquinha branco, depois que tirei a carteira de motorista. Sempre que ia ao centro, sentava na cadeira mais alta do ônibus e pela janela observava os motoristas de carro. Eu sonhava em ter um, em colocar as minhas dorminhocas no porta-malas e entregar os pedidos tranquilamente. Quando conseguimos dinheiro suficiente para tal, tirei a carteira de motorista e compramos o fusca. Foi um sonho! No começo eu tinha medo de dirigir na cidade, não conhecia as ruas e nem os caminhos, tremia tudo. Não existia Waze (riso), tudo era feito na raça. Bati o carro algumas vezes (riso). O povo ficava olhando, uma menina nova dirigindo um carro novo. Fazia isso toda orgulhosa, andava pra cima e pra baixo com aqueles pacotes. A nossa vida era muito precária, comigo dia e noite rasgando pelúcia naquele quarto. Foi um passo em direção ao crescimento.
P/1 – E o seu marido?
R – Ele tirou a carteira depois de mim, após três tentativas. Como não tinha estudado, não conseguia passar na prova escrita. Eles exigem saber ler e escrever. Chegou a ficar nervoso com isso, dizia: “Caramba!”. Então, decidi ajudá-lo e o ensinei a ler e escrever. Ao menos, o suficiente para passar na prova. Ele conseguiu.
P/1 – Como você descreve essa sensação de dar o primeiro passo?
R – Ah, era uma menina de sítio. Cresci em meio aos animais e plantações. Depois que casei, chorava quase todo dia por causa das dificuldades. Quando tive que vir à São Paulo, senti muita tristeza por causa da distância familiar. Aqui não tinha ninguém, além do meu marido. Ele tinha os parentes dele, mas eu… apenas a força de vontade em melhorar de vida. O nosso objetivo era ganhar dinheiro e não gastá-lo. Demorei nove anos para visitar meus parentes do nordeste. Quando conseguimos o carro, senti uma explosão de alegria no peito. Felicidade! Um pensamento de que tínhamos o mundo inteiro para desbravar. Enxergava um grande espaço em nossa frente de possibilidades. Sabia que precisávamos de criatividade para ultrapassar cada desafio e vencer. E cada coisa que aparecia, agradecia profundamente pela oportunidade. Festejávamos sempre quando conquistávamos algo.
P/1 – Era difícil ser aceito na cidade, vendendo coisas, quando ninguém lhe conhecia? Como funcionava?
R – Era complicadíssimo. Éramos dois nordestinos simples que vieram morar no clã paulista. Na nossa rua, além de nós, não tinha mais nenhum nordestino morando e o preconceito pairava. As pessoas olhavam e diziam: “Baianos! Isso é coisa de baiano”. Colocaram o apelido porque na cidade muitos baianos vieram para trabalhar na construção civil e os paulistanos achavam que o nordeste era a Bahia para cima. Chamavam todos os nordestinos de baianos. Nos sentíamos mal com o apelido, porque era o mesmo que nos chamar de baianos bestas, bobos, atrapalhados, sem educação, analfabetos. Era isso que pensavam da gente e por isso tínhamos mais força de vontade em seguir batalhando. Mostrar que, mesmo se fôssemos baianos, não moraríamos em favelas e passaríamos fome. O mundo é de todos e Deus não faz distinção. cheguei a ouvir certa vez: “Esse baiano vai ter que viver a vida inteira numa favela, ou roubar para conseguir dinheiro”. Trabalhando honestamente, fazendo as coisas certas, dentro da medida do possível, íamos alcançando os objetivos. Por exemplo, confeccionando as dorminhocas. Até que a onda das dorminhocas acabaram e tive que me virar.
P/1 – Você continuou trabalhando?
R – Sempre! Só não lhe digo que rodei bolsinha na esquina (riso). Não podia ficar parada, então arranjava o que fazer. Vendia flores no farol, ajudava na feira. Até que fiquei sabendo que sacos de farinha davam dinheiro. Entrei na onda, corri em todas as padarias que conhecia e recolhi os sacos de pano de farinha que eles descartavam. Depois, fui vendendo de porta em porta. Meu marido não acreditou que eu conseguiria, mas enfrentei e consegui ganhar dinheiro! Depois, ele trocou o horário de expediente na fábrica e passou a vender os sacos em meu lugar. Entrava na fábrica às sete da manhã, saía às duas da tarde e passava a tarde toda vendendo as coisas de porta em porta. Foi quando ele virou marreteiro.
P/1 –
Marreteiro? Foi trabalhar com marreta?
R – Não, marreteiro é o que hoje conhecemos por camelô. E já existia fiscalização, chamávamos de Comando. Quando eles apareciam, carregavam todas as mercadorias e o meu marido chegava só com o paninho limpo em saco - o saco que carregava as coisas. Tem até uma história triste: no desespero, fugindo dos fiscais, ele correu e passou por uma mulher que caiu no chão. Depois de uns dias, ela apareceu na feira com uma tipóia - tinha quebrado o braço na queda. Ele ficou muito mal, com a consciência pesada, e ela puxou assunto com ele e contou: “Os caras passaram correndo, passando por cima de todo mundo!”. E ele pensou: “Meus Deus! Será que eu causei isso?!” (riso). Mas não foi só ele quem saiu correndo, foram todos os homens da feira e eram muitos. Neste dia, meu marido subiu num telhado e foi pulando de casa em casa, tudo para salvar as mercadorias. E nessa, escorregou e se machucou todo. Foi quando decidi não apoiar mais o trabalho dele como marreteiro. Extremamente perigoso. Comecei a lutar contra essa ideia e tomei uma atitude. Imagina! Não acredito que um ser humano tenha que viver dessa forma. Virei para ele e disse: “Não tem mais condições! Vamos comprar uma barraca na feira. Temos que comprar uma barraca!”
P/1 – E ele concordou?
R –
Nada, foi totalmente contra. Ele acreditava que as mulheres compravam as coisas com ele por pena, por verem que era simples e não tinha barraca. Mas, não aguentava mais vê-lo correndo perigo. Ele dizia: “Barraca não vende e não serve pra nada!” (riso). Expliquei a ele que deveríamos começar a trabalhar corretamente, pagando o imposto. Assim, ficaríamos tranquilos e ninguém levaria os nossos produtos. Mesmo assim, ele não concordou (riso). Então, dizemos um trato de que ele continuaria como marreteiro e eu abriria a barraca na feira. No final do mês, calcularíamos os ganhos e veríamos quem lucrou mais. Dito e feito, ganhei mais dinheiro que ele! A barraca não precisa ser desmontada quando chove, ou quando o fiscal aparece. Já o ambulante, quando chove perdeu o dia e o mesmo com o fiscal. A minha barraquinha era pequena e vendia alho e temperos caseiros. Depois, começamos a vender bijuterias e produtos de armarinhos.
P/1 –
Os vizinhos apoiaram?
R –
Ficamos conhecidos como os baianos que andavam com as “mucuta” em cima do carro. O meu marido colocava a barraca na parte de cima e as mercadorias iam no porta malas. A barraca era de madeira. Ficava bem alto (riso), chamava atenção. Logo, compramos uma Variant e depois uma Brasília e íamos de carro a feira. Acho que lançamos tendência, porque depois da gente um monte de vendedor começou a levar a barraca em cima do carro (riso). Então, passei a trabalhar com documentação e marcava presença em quase todas as feiras. Formei rápido clientela, talvez pelo meu jeito. Assim, convenci que trabalhar com documentação era o mais correto. Ele comprou uma barraca para ele e ficamos com duas. Fiquei dois anos trabalhando nela, até que cansei. Não gostava, preferia sair batendo de porta em porta. Achava desgastante acordar de madrugada, levantar a barraca, arrumar tudo, trabalhar na chuva, sol e no vento forte, depois desmontar tudo e começar de novo no outro dia. então, uma prima dele estava desempregada e a contratamos como funcionária. Ele ficou no meu lugar na feira, ganhando salário.
P/1 –
E o que você fez depois?
R –
Tive a minha segunda filha e fiquei um tempo em casa. A minha mãe foi convidada a morar em Brasília, junto o filho do primeiro casamento e me chamou para visitá-la. Foi logo que a cidade surgiu, em 1968. As minhas irmãs foram morar com ela e quando cheguei uma delas pediu para, quando eu voltasse, comprar alguns produtos de confecção de bijuterias na 25 de Março. A Juceilda, ela explicou que a filha vendia bijuterias na escola e queria comprar coisas novas para montar. Não entendia nada do assunto, mas fiz o que ela pediu. Retornando, fui na ladeira da Rua Porto Geral e vi um rapaz comprando cerâmica numa barraquinha. Cheguei perto e o ouvi comentando: “Isso vende como água!”. Perguntei do que tratava e ele explicou que servia para fazer colares, mas não quis me explicar como fazê-los. Tive que comprar um modelo dele para poder aprender. O dono da barraca me vendeu tudo o que precisava (nylon, fechinho, bolinhas) para confeccionar os colarzinhos e levei tudo para casa. Em casa, ainda morávamos no quartinho do cortiço, decidi que ficaria com uma parte e a outra enviaria via Correio para a minha irmã. Analisei a peça e fiz dez colarzinhos. Pedi para o meu marido tentar vender na feira. De noite, ele chegou sorridente dizendo: “Vendeu que nem água! Deu até briga. Mal coloquei os colarzinhos na banca, uma mulher chegou querendo levar todos, outra mulher chegou ao mesmo tempo e as duas começaram a brigar!”
Pensei: “É um bom negócio!” Voltei na 25 de Março e comprei mais materiais. Vendíamos a um custo que hoje podemos considerar por um real.
P/1 –
Foi quando começou a trabalhar com bijuterias?
R –
Sim. Então, o meu marido decidiu vender os colarzinhos na região da 25 de Março. Levou um mostruário e retornou com as pernas bambas. Disse que um lojista gostou do trabalho e pediu encomenda de cem dúzias. Era dinheiro que dava para comprar outro carro. Sai correndo pelo cortiço, batendo de porta em porta, chamando minhas amigas para trabalharem comigo na confecção. Foi quando montei a minha primeira fábrica, dentro daquele quartinho. O meu marido não tinha estudado, mas tinha talento para
fechar negócio. E eu pagava as minhas vizinhas por comissão de peça produzida. Começamos a ganhar dinheiro e logo fomos ampliando os nossos modelos de bijuterias conforme a Xuxa lançava uma nova moda. Ganhamos tanto dinheiro que conseguimos comprar um terreno na Vila Maristela, próximo a Rodovia Anchieta, e começamos a montar uma casa grande.
P/1 –
Que belo salto! Como continua a história?
R –
Então, a Xuxa nos ajudou muito (riso). Toda moda que ela lançava, nós conseguíamos copiar e vendíamos tudo. E como tempo, fui pegando experiência no assunto, e comecei a criar peças novas. O negócio ia de vento em popa. Os familiares dele começaram a entrar no negócio também,
e todos nós passamos a crescer junto. Então, nos mudamos para a Vila Maristela. Fizemos uma casa que tinha duas entradas, cada uma numa rua diferente. E no porão eu tinha a minha fábrica. Conhecíamos tanta gente e éramos tão conhecidos que formava fila do quarteirão de gente pedindo matéria prima para confeccionar as peças. Eu tinha uma balança de precisão para calcular tudo o que entregava ao colaborador, assim podia conferir se o material era entregue corretamente - sem desvios. O negócio cresceu também, passei a elaborar peças de ferragem de metal, banhadas a ouro e prata. Também observava a vitrine das lojas para copiar alguns modelos. Ajudamos muita gente com trabalho, viu. Pessoas doentes e aposentadas conseguiam gerar renda. Até que a vida nos trouxe outro desafio.
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O que aconteceu?
R –
Acho que por sermos conhecidos por dar trabalho à todos que pediam e por ter grande movimento em nossa casa, durante uma reunião de família em um final de semana dois assaltantes invadiram a casa e trancaram todos nós em um quarto. Levaram tudo o que tínhamos de valor, inclusive os nossos carros. E para piorar, levaram o meu cunhado Cafu como refém. Ele retornou em segurança, depois, mas o ocorrido fez com que criássemos um alerta em nossas mentes sobre a segurança de nossa família. Foi quando decidimos nos mudar para uma casa mais segura. Depois de perder toda a matéria prima, alugamos uma loja na 25 de Março para montar a nossa fábrica. Era mais seguro e por conta, sem percebermos, estávamos vendendo por atacado a todo o país. O meu cunhado entrou como sócio no empreendimento e nomeamos a loja como Caudé Bijuterias. Fomos crescendo, ficando conhecido por todos os cantos do Brasil. Aqueles nordestinos, chamados de baianos bobos, estavam se desenvolvendo por meio de trabalho honesto e realizando os sonhos. Ajudamos muita gente, inclusive a todos da família. E tudo por causa do assalto que sofremos, logo surge a seguinte frase: “Não há mal que não traga bem”. A família toda se beneficiou, passou a acreditar neles mesmos e a terem consciência das decisões que tomavam. Foi um momento ótimo.
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Vocês ficaram o dia todo presos no quarto?
R –
Sim, até alguém nos socorrer. Foi um trauma enorme, porque tinha criança envolvida e a família estava toda reunida. Ficar o dia inteiro trancado num quarto, sem água e sem comida, é um mal trato. O pior não aconteceu, mas ficou o trauma. O trauma na mente de todos nós. A minha cunhada, casa com um dos irmãos do meu marido, estava grávida e passou mal dentro do quarto. Muito difícil.
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Você comentou que decidiram se mudar?
R –
Sim, folheava o jornal todos os dias procurando casas boas, não queríamos apartamento. Até que um dia, sentada na varanda, ao lado da churrasqueira, encontrei um jornalzinho, desses que entregam na porta das casas, e havia o anúncio de terrenos sendo vendidos dentro de um condomínio fechado de casas. Achei novidade, um condomínio fechado de casas! Achei bom negócio. O anúncio dizia: “Casas com segurança total!” Lógico, meu marido ficou desconfiado. Tinha muito medo de perder dinheiro com investimentos inovadores. Então o convenci a irmos ao local para conhecer, que ficava em Barueri. Chegando, a região era chamada de Alphaville e achamos tudo muito lindo. E o meu marido mudou de ideia assim que viu a entrada repleta de árvores. Era tanto verde que nem acreditávamos que poderia ser dentro de São Paulo.
Ficamos com receio de sermos mal tratados por sermos nordestinos, éramos simples. O meu marido chegou até a ser confundido com um dos pedreiros da construção. Mas o corretor logo nos atendeu na imobiliária e nos direcionou até o Residencial 11. Ele estava doido por comissão e não se importava se estava atendendo nordestinos ou o presidente. Ficamos chocados com o valor do terreno, era muito barato e daria para pagarmos, construirmos a casa e mobiliá-la. Ainda sobraria dinheiro. Era 1988, quando o meu marido soube do preço, nem precisávamos ver outros terrenos, ficamos com o primeiro que apresentaram. Nem nos importamos com o tipo e o nível de solo para construir. No Residencial 11 havia apenas uma casa construída, o resto era terreno e mato. A minha intuição dizia que no futuro aquele lugar renderia uma bola de dinheiro. Estava certa, minha intuição para essas coisas sempre deu certo. E nessa, a parte mais difícil ficou por minha conta.
P/1 – Como assim?
R – Primeiro, foi explicar e convencer os meus filhos adolescentes sobre a importância de nos mudarmos. A menina tinha namorado que morava na mesma rua e o menino tinha vários amigos, não queriam se afastar. Segundo, o
meu marido não tinha olho clínico para comprar coisas boas, apesar de preferir. Então, largou tudo sobre materiais de construção na minha mão. Tive que correr atrás de tudo: materiais, operários, documentação. A sorte é que já tínhamos construído algumas casas na Vila Maristela e conhecíamos os pedreiros. Levei a equipe para começar o trabalho e fui administrando a obra junto aos trabalhos da fábrica de bijuterias, enquanto ele cuidava da loja na 25 de Março. Tinha dois pedreiros, o Zezinho e o Zelão, rapazes baianos, que construíram uma casinha no terreno para poderem trabalhar no projeto diariamente. Demorou dois anos para a casa ficar pronta e quando nos mudamos foi outro martírio. Meus filhos não queriam ir, foi o maior “chororô”, e a adaptação também foi complicada. Nos sentíamos peixinhos fora d'água, diferentes, vivíamos em meio a pessoas sofisticadas e intelectuais. Devagarzinho, fomos nos adaptando e com o tempo parei de trabalhar na fábrica.
P/1 – Mas ela continuou existindo?
R – Então, fiquei um ano afastada da fábrica e nesse tempo compramos uma loja. Virou a loja da fábrica, depois mudamos o nosso perfil empreendedor como vendedores normais. Quando desativamos a fábrica, tínhamos tantos fornecedores que já abasteciamos a loja e mais uma outra que estava sendo inaugurada. Depois, inauguramos uma terceira, a Vitória, que recebia o nome da rua. Funcionava tudo no mesmo prédio: no sétimo andar, na sala 817, ficava a loja de atacado. A segunda ficava no primeiro andar e a terceira no térreo. Ficávamos no número 853, da Rua 25 de Março, de frente ao Armarinho Fernando. E nossa.... como tinha movimento! Era o dia inteiro gente entrando e saindo e pensávamos que estávamos sonhando alto demais. Quando planejamos abrir a terceira loja, o meu marido ficou com medo pelo investimento ser alto demais. Achava que não tinha o nosso perfil, mas tudo deu certo! Não tinha um ponto melhor do que aquele, sabe? Sentíamos muita gratidão por tudo o que conseguíamos.
P/1 – Que história bonita! Como continua?
R – Contínua que a sociedade foi desfeita. O Cafu quis seguir sozinho e nos deixou escolher qual loja ficaríamos, e o meu marido veio me perguntar. Respondi: “Nem precisa perguntar, você sabe que é a loja térrea. Se você não pegar a loja de rua eu não irei lhe ajudar”. Ficamos com a Vitória. Na parte de cima ficava a Caudé. Depois, eles trabalharam mais um ano como sócios e o meu marido decidiu fechar a loja. Foi quando nosso caso de separação começou (riso), ele tinha receio de não conseguir cobrir os custos com a quantidade de clientes. As lojas se mantinham juntas e a loja de fábrica fornecia para o país todo. Ele ficou indeciso, cheguei a pressioná-lo para saber da decisão e ele disse que estava pensando. Reforcei que se ele não pegasse a loja do térreo eu não iria ajudá-lo, podia esquecer. Aquilo era uma bola de ouro, tínhamos movimento o dia todo. Então, ele aceitou mas mudou todo o procedimento. Como estávamos morando em Alphaville, acabei me afastando e com o dinheiro que sobrou da construção da casa, usei para abrir uma loja bem bonita em Barueri, ao lado de uma agência Bradesco. Ontem mesmo, visitei a loja e conheci a gerente do banco. Ela comentou que é nossa cliente desde que inauguramos e que adorava nossas bijuterias. Fiquei super feliz, mas infelizmente não consegui atender a um pedido. A gerente do Bradesco desejou que nunca fechássemos, mas com a crise do ano passado tivemos que abaixar as portas esse ano. Mas fechamos a loja Vitória, que ficava de frente ao Armarinho Fernandes. A despesa estava alta porque perdemos muitos clientes com a concorrência desleal dos chineses. Não sei como é a vida deles, mas levam uma vida de trabalho diferente da nossa. Trazem diversos contêineres com mercadorias e o dinheiro que investem vem de fora. O preço deles são inferiores, então tivemos que fechar. E enquanto entrávamos com o processo de fechamento da loja, surgiu outra separação.
P/1 – A separação dos sócios?
R – Não, a do nosso casamento. Sabe, nos casamos muito jovens. Éramos praticamente crianças e focamos a nossa vida no crescimento. Acabamos esquecendo de investir em nossa relação afetiva, no romance. Tínhamos uma relação ótima como marido e mulher, compartilhamos tudo, e esquecemos do romance. Esquecemos do valor que tínhamos um pelo outro. Começamos com um brechinha e depois percebemos que havia um abismo. A necessidade em melhorar de vida fez com que passássemos a fase da adolescência para a adulta. Talvez, tenhamos nos precipitado. Da minha parte, batia o pensamento de que tínhamos que continuar juntos, a viver juntos. Tínhamos uma relação amigável, diferente da dos meus pais. Acho que depois que fechamos a loja do centro e
conseguimos um pouco de tempo para viver, ele sentiu necessidade de viver a juventude que não teve. Não só dele...a minha também. Existia uma vontade enorme de viver. E foi quando percebemos que a nossa relação não era mais romântica, o relacionamento fechou. Como mulher, fazia o que era certo para a família e sempre pedia a opinião dele. E ele, a mesma coisa. Então, a situação começou a pesar, comecei a me sentir presa em um casamento antigo e chamei ele para conversar. Comentei que tínhamos que mudar a situação e decidi abrir uma loja em Brasília. O pessoal de lá estava me chamando para abrir uma loja e achei que era um bom momento. Comecei a viajar com frequência para administrar o local e ele se sentiu sozinho. Foi
morar no nordeste, perto da família, e mudou de personalidade. Fiquei sabendo que ele passou a frequentar festas e a beber muito. Até que chegou aos meus ouvidos que ele se envolveu com uma moça. Foi quando o cristal quebrou...não tinha como aceitar. Pensava: “Meu Deus! Não confio mais em você. Não consigo confiar”. E mesmo quando a gente tentava voltar, a moça ficava ligando aprocura dele, enviando mensagens. Foram três anos lutando para recuperar aquele casamento. Então, nos separamos. Foi uma confusão! Ele foi morar com essa moça, seis meses depois ficou doente e pediu para voltar a morar com a gente. Pediu para o meu filho e voltou, mas eu já tinha me acostumado a viver sozinha: em ser uma mulher solteira. Perguntei a ele como ficaria a nossa situação e ele respondeu que queria apenas ficar junto a família. Expliquei que não confiava mais nele, que não combinávamos mais e que estava acostumada a ser solteira. E o acordo foi ele dormir no quarto de hóspedes. Tentamos reatar, os dois, mas não deu certo. Ele bebia muito e chegava em casa de manhã. Não tinha condições de recuperarmos aquilo que vivemos por 38 anos. Não tinha mais clima, não teve jeito. Pedi o divórcio e só consegui tirá-lo de casa com a ajuda de um advogado.
P/1 – E vocês ainda se falam?
R – Sim, conversamos até hoje. Somos amigos e sócios por causa da empresa. Principalmente pela loja que ficava no centro e que fechamos este ano. Por causa da crise, o movimento começou a cair e fiz de tudo para recuperar as vendas. Gastei muita energia, mas não consegui. Não gostava mais de trabalhar com ele, não me sentia bem. Já tínhamos as nossas partes do negócio separadas com o acordo do divórcio e eu tinha as minhas responsabilidades para seguir. Dividimos tudo, fiquei com a loja de Brasília e ele com as lojas do sul - os nossos filhos viraram sócios dele. Nossa única ligação estava na loja do centro. Dividimos a responsabilidade porque a loja do centro distribuía todos os materiais as demais lojas da rede. Então, precisávamos tocar juntos. Mas, não conseguimos segurar e tivemos que entregar o ponto. Ainda estou acertando algumas coisas com fornecedores e funcionários. Depois que fechamos a loja, considerei a segunda separação. Agora, podia seguir em frente sem nenhum elo - apenas nossos filhos.
P/1 – Continua trabalhando?
R – Sim, no mesmo segmento. Após dez anos trabalhando com bijuterias, continuei no ramo. Também, como estamos há vinte anos morando em Alphaville, acabei investindo em terrenos e imóveis. Como chegamos no início da formação da cidade, fomos comprando tudo a prestação - pensando que seria como uma poupança que no futuro geraria lucro. E deu certo, íamos investindo ali e aqui e conseguimos conquistar muitas coisas.
P/1 – A sua vida mudou bastante desde que chegou em São Paulo.
R – Nossa, mudou
muito. Quando olho para trás, vejo aquela menina curiosa e pronta para desbravar o mundo. Pelo menos, conquistar algo que beneficiasse toda a família. No começo, sentia um pouco de vergonha em receber nossos amigos e parentes naquele quartinho de cortiço. Dentro de mim, sabia que podia oferecer algo melhor. Sabe, colocávamos o colchão no chão e dormíamos um do lado do outro. E eu pensava: “Não! Preciso de um quarto de hóspedes para receber a minha família que mora longe”. Sonhava...e ia conquistando. Sou muito grata a Deus por tudo, pela compreensão que tive naqueles tempos, por ter superados os desafios. Recordo de quando fugi de casa para viver em condições menores do que estava acostumada, e tudo foi apostando. É gratificante, faria tudo novamente.
P/1 – Você lembra com carinho da loja do centro. Como era trabalhar na 25?
R – Bem, trabalho nessa região até hoje porque muitos dos meus fornecedores estão ali localizados. Ah, era cansativo! Posso dizer que nem era saudável, com o que visualizo hoje como saúde no trabalho. Era um ambiente sem ventilação e apertado, batalhava arduamente contra a concorrência chinesa e contra as pessoas que saiam dos cortiços e vivíamos em meio das baratas. Mas foi o que aprendi a fazer e acabei me acostumando. Não sinto mais desconforto, porém quem chega de cara para trabalhar lá sente o impacto.
P/1 – E teve alguma história marcante com algum cliente?
R – Marcante, marcante….apenas os fiscais (riso). Como ganhávamos muito dinheiro, a fiscalização era pesada - “jogo duro”. Aqui no Brasil, não tem como trabalhar cem por cento na linha, sempre passa alguma coisa despercebida. E eles pegam e quando pegam a multa é pesada. Por exemplo, se você esqueceu de pagar uma taxa. Compreende? Qualquer coisinha gerava multa e isso nos traumatizava. Até hoje estamos pagando algumas dessas multas (riso), são muito altas e fora da realidade. Pelo menos eles parcelam o valor (riso). Sobre clientes...tivemos casos de roubo. Por isso, tínhamos seguranças que quando flagravam levavam a pessoa até o quartinho do fundo e faziam a maior pressão para que ela nunca mais voltasse na loja. Às vezes, quando forçavam a pessoa a assumir o crime saia uma briga danada. Era a maior confusão e por isso eu era um pouco contra essas coisas. Não tinha como evitar, o cliente entra na loja e coloca a mercadoria na sacola discretamente. Quando você percebe que algo está faltando, ele já está carregando tudo para fora da loja. Como são bijuterias, coisas pequenas, não dá para ser atento por completo. Acontece! E por conta disso, tivemos que pedir que os clientes lacrassem as sacolas antes de entrar. Outras lembranças são dos clientes que queriam pagar mais barato e isso acontecia o dia todo. Você se sente pressionado, cansa, mas não pode perder a posição. Tem que ser firme. Era estressante, acho que deu o que tinha que dar. Teve o lado bom de termos fechado a loja, cansativo demais. E lá na região, você vê de tudo e mais um pouco.
P/1 – E como se sente hoje, agora que tem mais tempo para você?
R – Estranha. Há oito anos me divorciei e há dez não dormimos mais juntos. E desde lá, costumo me perguntar: “por quê de tudo isso?” “O que o levou a me trair?” “O que fez atrair, trazer para mim, criar esse problema?” Foi desgastante. Fiquei cinco anos com depressão, sem aceitar o ocorrido. Desmotivada. Chateada. Digamos que...realmente me chateei. O resultado financeiro foi conquista pessoal, particular, frutos da experiência que adquiri com o tempo. A separação, sinceramente, não esperava. Nunca… jamais imaginei que chegaríamos a esse ponto após tantos anos de relacionamento, união, companheirismo. Éramos saudáveis, celebrávamos todas as conquistas - fazíamos tudo juntos. De repente: “poof!”, percebi que a minha vida era só minha. Comecei a me enxergar como ser individual. Tive que procurar ajuda terapêutica, fiz alguns cursos. Hoje tenho aulas com um coach, o que me ajuda a olhar para dentro e visualizar os meus talentos. Consigo analisar as minhas possibilidades, os meus talentos e me aceitar melhor como pessoa. Passei por tantos apuros e contei com o apoio dos meus filhos. Cheguei a comentar que tenho três filhos? Todos seguiram o nosso ramo, ensinamos eles a trabalharem. Apenas o meu caçula que assumiu não gostar de trabalhar com bijuterias e que trata-se de uma fase (riso). Ele é bem espiritualizado e eu disse a ele que quando encontrar algo que goste e que ajude a pagar as próprias contas, darei todo o apoio que precisar.
Olha que ele tem bastante conta para pagar! (riso). É casado e a mulher dele não trabalha, eles tem uma vida razoavelmente boa. Repeti pra ele o que meu pai me dizia, que a realização dos sonhos e a conquista do sustento vem de dentro para fora e não o contrário. Você precisa sentir aquela vontade crucial de ter algo, visualizar,
agradecer e repetir sempre: “eu consigo! eu quero! eu posso!” Não adianta brigar com vizinhos e invejar as outras pessoas, a obrigação de se desenvolver é unicamente sua. Hoje, respondendo a pergunta, retorno a esse assunto dentro de mim. Tudo o que criei, tudo o que tenho, devo apenas agradecer e continuar desejando mais felicidade e conhecimento. Não podemos nunca esquecer de ajudar as pessoas. Assim, conseguimos melhorar o mundo, a nós e atraímos coisas boas e pessoas amorosas.
P/1 – Quem é a Mãe Francisca?
R –
Nossa, foi um papel mal ensaiado e desesperado. No início eu não aceitava que ser uma mãe, olhava para os meus filhos e pensava: “são meus filhos? preciso fazer algo por eles, coisas para eles” Mas acredito que me saí bem na função porque tenho filhos maravilhosos, fantásticos! Não sou coruja e nem melosa, mas tiro o chapéu para os três. Amo demais todos eles!
P/1 – Tem netos?
R – Sim, quatro e são todos lindos! Olha que não sou uma avó coruja, não fico paparicando os meus netos, mas quando vou visitar o mais novinho vem correndo e gritando: “Vovó chegou!”, e me dá um abraço. Penso como ele pode saber que o amo tanto, já que não transmito isso por gestos. Deve ser que ele sente que o meu amor é profundo, está aqui dentro do meu coração. Amar é aceitar sem surpresas. É como abrir a porta de casa e encontrar uma surpresa, dizendo: “olha, estou aqui dentro!”. Minha vida foi toda na base do improviso (riso), até agora por sinal. Procuro dar sempre o meu melhor, mesmo sendo no improviso ou em algum momento inusitado. Depois, sempre vem a gratidão! É muito gostoso.
P/1 – Estamos chegando no final da entrevista. Queria concluir perguntando se possui sonhos e quais são?
R – Gostaria de continuar compreendendo mais quem sou, para continuar a compreender melhor os outros. Talvez sonhe com uma nova história, porque a que acabei de contar já passou. Mas, quero viver algo mais leve, talvez com um novo companheiro. É muito bom ser feliz com outra pessoa, poder compartilhar os bons momentos. Quero me aceitar melhor, ser mais feliz comigo mesma. Há dois anos estou conseguindo ser feliz comigo mesma, sabe? Uma separação nos machuca demais, chegamos a nos sentir até meio culpados pelo que ocorreu. Depois, compreendi que um relacionamento exige metade do comprometimento de cada um. Lidar com outra pessoas é como se fosse 50% seu e 50% dela. Nada depende apenas de você. Entende?
P/1 – O que achou da nossa conversa?
R – Uma ótima experiência! É um treinamento para escrever a história de um livro, um ensaio sobre a vida. Estou vendo como funciona contar, relembrar, se soltar um pouco. Não tinha esse perfil, de me abrir com as pessoas. Então, acho uma grande experiência pessoal. Hoje, contei histórias que nem lembrava e é bom! Enriquecedor. Contar sobre os nossos momentos difíceis nos faz valorizar a nossa história e a orientar quem a conhece. Quem sabe quem for conhecer a minha história consiga dar passos maiores na vida?
P/1 – Muito obrigado por essa conversa!
R – Obrigada você, Felipe!
FINAL DA ENTREVISTARecolher