Projeto Conte Sua História
Depoimento de Kleber Atalla
Entrevistado por Felipe Rocha
São Paulo, 27/07/2017
PCSH_HV602_Kleber Atalla
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
Revisão: Paulo Rodrigues Ferreira
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Projeto Conte Sua História
Depoimento de Kleber Atalla
Entrevistado por Felipe Rocha
São Paulo, 27/07/2017
PCSH_HV602_Kleber Atalla
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
Revisão: Paulo Rodrigues Ferreira
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P/1 – Primeiramente, muito obrigado aqui pela presença, Kleber.
R – Eu que agradeço pela oportunidade.
P/1 – É um prazer tê-lo aqui. A gente sempre começa com um pedido para que se diga o nome, o local e a data de nascimento.
R – Correto. Então... meu nome é Kleber Atalla, nasci em 13 de junho de 1961, aqui na cidade de São Paulo, Capital, na Pro Matre. Paulistano da gema, de verdade.
P/1 – Legal, Kleber. Fale um pouco sobre os seus pais. Quem eram seus pais? Quais os nomes deles? O que eles faziam?
R – Meu pai se chamava Oscar. Meu pai é falecido e minha mãe é viva - minha mãe é Beatriz. E eu venho de uma criação assim meio rígida, comparando com hoje em dia, vamos dizer; então, eu sou aquele jovem revoltado, cresci meio na revolta, porque meu pai era linha dura, gostava das coisas muito certinhas. Então, ele era aquele cara que queria pôr tudo dentro de casa e cobrava, lógico. Ele queria, no mínimo, um cara que estudasse para ter um futuro. Eu tenho duas irmãs, mais novas do que eu - eu sou o mais velho. Enfim, tivemos uma convivência relativamente boa, alguma coisa fugiu do controle em algum momento, porque eu também venho de uma época de liberação total, anos 70. Então, a gente passou de uma ditadura com uma liberação praticamente, assim, total: sexual, drogas, música. E quem não soube lidar com essa situação, se perdeu. Então, eu sou dessa geração. Usei droga, muita droga, sou dependente químico, faz vinte e cinco anos que eu parei de usar qualquer tipo de droga, não uso mais nenhuma droga. Ultimamente parei de tomar até refrigerante, porque estava fazendo mal. Então, meu pai procurou dar esse tipo de criação, escola das melhores, ele trabalhava das seis às onze da noite, e o primordial dele era isso: que a gente tivesse uma casa nossa, um apartamento próprio, então acho que são esses conceitos básicos que eu trago hoje comigo, porque eu acho que a gente é o espelho do nosso pai.
P/1 – E o que ele fazia?
R – O meu pai era representante de medicamentos. Essa profissão não existe mais hoje porque chegou a internet. Meu pai era tirador de pedido, ele ia de farmácia em farmácia e tirava o pedido, levava para a firma. Hoje em dia, isso já não existe mais. E eu trabalhei com isso também, porque teve uma época em que ele adoeceu - quando eu tinha pelos meus dezoito, dezenove anos, ele ficou de cama - e ele tinha esse patrimônio, que era o único patrimônio que ele me deixou, que era o emprego dele, vamos dizer assim. E eu sempre tive uma dinâmica legal, sempre me interessei por rua, por vendas, e até que fui bem. Só que, infelizmente, as drogas me atrapalharam nessa condução da vida, nessa parte da minha vida, nessa adolescência. Então me envolvi com pessoas horríveis, vamos dizer assim, e fiz algumas coisas erradas - eu paguei por tudo isso, cadeia, etc. Mas assim... meus pais foram do bem total, minha mãe. Hoje em dia, graças a Deus, eu consegui retribuir. Não diria retribuir, mas fazer com que tudo que eu fiz de errado, que eu a magoei, passasse por cima disso, e hoje ela é minha fã número um, assiste meus vídeos, porque eu sou um youtuber hoje, e fica apavorada com meus vídeos também. Tem dia que ela liga, fala: “‘Meu’, você está louco, você está andando que nem um louco nessa moto, para com isso, dadadá, dadadá”. E é isso. Tenho muito a agradecer os meus pais por ser o que eu sou hoje, apesar de ter enveredado, lá atrás, por outro caminho. Mas sempre com aquele ensinamento que meu pai me deixou, de honestidade, de coisas boas, de ajudar o próximo. Então, hoje, eu tenho o meu lado social muito forte, através do YouTube, da internet, que dá essa possibilidade. Eu faço várias ações sociais, tal. Isso eu trago tudo do meu pai, eu tenho certeza disso.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Mais ou menos. Conheceram-se, eram vizinhos de bairro. Minha mãe de uma família muito rígida também, meu avô era major do Exército - eles são cinco irmãos na parte da minha mãe. E eles eram vizinhos, inclusive aqui na Oscar Freire, porque São Paulo não é o que é hoje, que você vai até o fim de Parelheiros lá e é São Paulo ainda. São Paulo se reduzia a aqui, Jardim América, tal. A periferia, realmente, era um negócio mais discriminado do que é hoje. Hoje não existe... São Paulo é São Paulo, não importa se é lá no fundo da zona leste. Mas, nesse tempo, era mais assim, mais panelinha; então, eles eram vizinhos.
P/1 – Aqui em Pinheiros mesmo?
R – É. Aqui na rua Oscar Freire.
P/1 – E foi onde você nasceu também?
R – Não. Não. Eles se casaram, aí meu avô, na verdade, antes da guerra de 1945, ele tinha jogo de bicho, que era liberado, não era proibido. Aí, no pós-guerra, vieram várias leis, tal, e baniram esse jogo de azar, vamos dizer assim, passou a ser proibido. Aí ele enveredou para o lado do jóquei, cavalos. Tanto é que meu pai teve vários cavalos também, cavalos de competição, meu avô investiu tudo nisso. Eu lembro vagamente dele, porque ele morreu quando eu devia ter uns quatro, cinco anos, mas eu tive uma convivência. E meu pai optou... Nessa época aí, eles tinham um sítio aqui em Suzano, próximo a São Paulo aqui, dá uns setenta quilômetros, e ele fez uma granja. E nós fomos todos morar lá, já tinha minhas duas irmãs, porque a gente tem pouca diferença, de um ano para o outro. E até mais ou menos 1969, 1970, eu morei nesse lugar. Em 1970 eu mudei para São Paulo, são lembranças que eu tenho da Copa de 70, eu já morando aqui em São Paulo. Foi um negócio muito louco assim, que só quem passou sabe o que foi a Copa de 70, foi um momento muito marcante na minha vida, que eu trago boas lembranças assim, sabe? Muito legal.
P/1 – Quantos anos você tinha na Copa de 70?
R – Na Copa de 70 eu tinha nove anos.
P/1 – E o que foi marcante para você?
R – Ah, aquele, vamos dizer, aquele sentimento que se abateu sobre o país. Porque o país vinha numa crise já da gasolina, era cara a gasolina, e a vida era difícil, até pela ditadura. Então, quando o Brasil ganhou, muita coisa mudou, parece que o povo ficou mais alegre. Tanto é que aqui é o país do futebol mesmo, o pessoal é movido por essa emoção. Então, tenho lembranças de a gente fazendo bolão dos jogos e a gente assistindo cada jogo na casa de um amigo. E eu morava num prédio e, pô, muito legal. Assim, ficou muito gravada na minha memória a Copa de 70. Tanto é que eu torcia pelo Santos, que o Pelé jogava no Santos, e é isso.
P/1 – Onde você viu a final?
R – A final eu vi na minha casa. Brasil e Itália, quatro a um, foi muito legal.
P/1 – O Pelé era seu jogador favorito?
R – É. Pelé, Clodoaldo, tinha o Brito, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, essa nata do futebol aí, que realmente foram os caras que representaram o Brasil, o Brasil é calcado neles. Não cheguei a ver o Garrincha jogar porque ele já estava numa decadência, mas nunca vi o Garrincha jogando. Agora, o Pelé, eu já vi vários jogos dele. E toda essa minha geração torcia pelo Santos, por causa do Pelé. A maioria deles.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho. Você estava falando do seu avô, eu queria que você falasse um pouco mais da sua infância então. Como é? Você cresceu então nessa chácara em Suzano.
R – Nessa chácara. É. Subindo em pé de jabuticaba, tirando cenoura da terra, são coisas que eu tenho vivo assim na minha memória. E estudava já desde cedo em colégio de freira, porque meus pais eram católicos e iam à missa quase toda semana. E eu sou católico por causa deles, não optei por outra religião. E era uma vida muito legal, era uma chácara bem grandona e tinha várias coisas, tinha cavalo.
P/1 – Como era a chácara?
R – Era uma casa bem grandona - que seria a sede. Aí tinha o estábulo, onde ficavam alguns cavalos que não eram de comércio, nem nada, era mais lazer. E tinha várias plantações. Porém, mais para consumo nosso também, porque meu pai gostava de cultivar horta e tal. Como eu falei, meu pai sempre foi um cara muito rígido, a gente não tinha muita conversa, ele achava que fazendo tudo isso estava tudo certo. Então, não tem esse lado humano que existe hoje, que eu percebo entre pais e filhos, até mesmo eu com meus enteados. Eu acho que hoje em dia é bem mais fácil a convivência entre pais e filhos. Antigamente, acho que era bem difícil mesmo. Por quê também? A gente queria algumas coisas que, realmente, eram impossíveis. Como, na minha adolescência, eu queria ter um carro, porque eu andava com pessoas que tinham carro, o cara tinha dezesseis anos. E meu pai tinha uma condição financeira de me dar, só que como eu te falei, ele era um cara pelo certo. Então: “Não, ‘meu’, você não pode dirigir carro, você não tem dezoito anos, você não é habilitado. Vamos sofrer consequência se acontecer alguma coisa”. E eu não entendia isso, eu achava que: “Poxa, ‘meu’, o cara maior chatão, e tal”. Mas hoje, com esses meus enteados, eu vejo o que ele sofria na minha mão, você está entendendo? Porque os moleques são muito loucos, quer bibibi, bobobó. Então, são todas essas coisas aí que eu acho que nesses idos desses anos a criação era muito diferente. E, assim, agradeço, como eu te falei, ao meu pai, por tudo que eu sou hoje, pelo que eu sei. E espero que os pais de hoje tenham essa dedicação toda também com seus filhos. Essa preocupação com educação, isso aí é fundamental, eu acho.
P/1 – Qual a lembrança que você tem mais marcante... (interrupção). O que você acha que ficou mais marcante, Kleber, dessa rigidez do seu pai, uma coisa que você se lembra da infância que foi...
R – Então, como eu te falei, todos esses preceitos que ele tinha, de viver honestamente - você trabalhar para ganhar dinheiro, nada vem fácil - e honestidade. Isso aí eu tenho certeza de que eu trago dele, foram coisas básicas que ele incutiu na minha mente, e que eu teria que trabalhar.
P/1 – Mas teve algum episódio que foi marcante na sua infância, que você lembra e fala: “Putz, aquela vez que meu pai falou tal coisa para mim”?
R – Relativo a drogas, ele chegou e falou: “Poxa, ‘meu’, você não precisa disso, você não nasceu com isso. Se quiser ajuda, a gente vai atrás, tal”. E para te falar a verdade, eu enveredei pelo caminho da droga fortemente depois que ele faleceu, porque quando ele era vivo, até por respeito, por medo, eu me controlei bastante. Só que depois que ele faleceu, eu conheci várias drogas, cocaína principalmente, que acho que é o mal do século, a cocaína, puff, horrível; muito boa, mas é horrível. Então eu o magoei muito quando ele ficou sabendo que eu usava droga, inclusive foi um episódio que eu tomei muito remédio. Naquele tempo, a gente tomava remédio para emagrecer, e você tomava com álcool, fazia um efeito totalmente contrário, você ficava loucão. E eu exagerei e entrei, tipo, em coma. E os caras que estavam comigo, meus amigos - isso eu tinha quatorze, quinze anos - os caras se apavoraram, pensaram que eu ia morrer, aí me levaram para casa, me deixaram na porta de casa, tocaram a campainha e saíram correndo. Meu pai abriu a porta, me viu naquele estado. Eu não me lembro disso, eu acordei no hospital, porque ele me levou para fazer uma lavagem estomacal, tal, tal, tal. Assim, tenho muita mágoa de ter feito isso, porque eu o magoei profundamente assim. Eu tenho certeza de que jamais ele esperou que isso fosse acontecer. Mas depois, isso serviu de lição também, eu aprendi que a gente tem que dar valor para as pessoas, não magoá-las por fazer uma coisa que você queira. Mas depois, infelizmente, eu conheci a droga, perdi minha identidade como pessoa. A cocaína me levou para o fim da vida assim, só não morri porque não era para eu morrer. Tive quinze overdoses, sete internações. Então, hoje, eu agradeço a ele por isso, porque chegou uma hora em que eu parei por vontade própria, nada adiantava, nada me segurava, aí me apeguei a ele, sempre peço para ele - não sei se isso é certo, se é errado - mas todas as coisas de que eu preciso eu peço para ele, porque eu tenho certeza de que ele olha por mim. E é isso. O que eu guardo dele é um grande homem, um homem trabalhador, honesto, nunca o vi brigando com a minha mãe por causa de mulher, por causa de droga, por causa de nada, o cara era sensacional.
P/1 – Depois a gente entra um pouco melhor nisso. Voltando um pouco, voltando para a chácara lá, tal, o que você gostava de brincar lá? Como era?
R – De bicicleta. Nossa, eu adorava acordar, pegar minha bicicleta. Eu lembro até hoje que tem um negócio que eu detestava: minha mãe me fazia comer pão com manteiga e a manteiga ficava na mão, e eu louco para andar de bicicleta, e eu pegava no guidão, ficava tudo melecado, puxa vida, isso eu lembro até hoje, é um negócio que eu nunca vou esquecer. Mas era assim um negócio muito saudável. E outra coisa: meu pai vinha para São Paulo, esporadicamente, trazer os produtos, e eu lembro de que eu me escondia dentro da perua Kombi para vir com ele, porque ele não queria me trazer. E sempre ele me achava dentro do carro: “Poxa, você não pode ir comigo, tal”. Eu ficava danado, falava: “Pô, o cara não me leva por quê, se ele vai e volta? Ele vai de manhã e volta no fim do dia”. E são algumas coisas assim, são lembranças, e muito tempo, porque eu devia ter o quê aí? Uns cinco, seis anos de idade. Para você ver como é o ser humano, o ser humano tem a capacidade de armazenar algumas coisas no cérebro, na memória. E tenho lembranças também do colégio em que eu estudava, que era uma igreja, assim, não me lembro de classe, de nada, mas eu me lembro da entrada do colégio, que era a igreja. São essas memórias assim.
P/1 – Você se lembra do seu primeiro dia nessa escola?
R – Não lembro. Mas eu ia de ônibus. Minha mãe me levava de ônibus para a escola, um ônibus de linha que passava, e me buscava - a gente voltava de ônibus. Tanto é que foi onde eu aprendi a dirigir, olhando o cara do ônibus. Você acredita? Dirigir. Eu aprendi a dirigir.
P/1 – Mas como era isso?
R – Não, eu ficava prestando atenção nos movimentos que ele fazia, tal. Quando tinha uns doze para treze anos, depois da Copa, tinha um ônibus no pátio do colégio, eu peguei o ônibus e fui dirigir o ônibus, eu tinha uns doze anos de idade. Nossa, acabaram comigo.
P/1 – Mas ele estava lá parado, você...
R – É. Montei no ônibus, enchi de criança: “vamos dar um rolê (risos)”. Fui repreendido, meu pai foi chamado lá, quase me expulsaram do colégio. Então, são coisas que ficam na lembrança da gente. Mas eu aprendi a dirigir por causa desse trajeto que eu fazia todo dia com a minha mãe. E eu gostava de sentar no banco da frente, aí eu ficava reparando, porque tinha as paradas de ponto, aí eu reparava como ele parava o ônibus, como ele fazia para sair com o ônibus, aperta a embreagem, engata a marcha, freia. Aprendi a dirigir desse jeito.
P/1 – Caramba!
R – Muito louco (risos).
P/1 – E você falou que vocês tinham um monte de bicho lá, que não eram para... Você tinha algum animal de estimação assim?
R – Cachorro. Sempre tive cachorro. Tanto é que hoje eu tenho cachorro, estou até preocupado com ele, está bem velhinho, tem quatorze anos, já está... Mas sempre gostei de cachorro. Sempre. E de cavalo, eu gostei de cavalo, gostava de andar a cavalo.
P/1 – Você falou que seu pai e seu avô competiam no jóquei. Você ia com eles?
R – Ia. Ia. Ia. E a maior bronca era isso. Quando o cavalo ganhava, eles iam para a foto, só que menor de idade não podia entrar na foto, porque tinham que entrar num lugar que era meio perigoso lá, então era meio restrito. Então, tenho várias fotos do meu pai segurando o cavalo, inclusive, se puder, eu vou te mandar uma que eu tenho lá. E a família ficava preocupada com o meu pai, porque as minhas tias, irmãs da minha mãe, também tiveram aquela criação rígida, tal: “Pô, mas o cara vai se viciar, tal, de ficar jogando”. Meu pai, nem no cavalo dele jogava. O velho era... Só que ele gostava. Ele gostava daquele glamour de jóquei, tal. Nossa, eu adorava ir com ele, porque ficava lá na tribuna de honra tal, que os proprietários ficam. E são lembranças também que eu tenho. E a minha maior bronca era essa, que eu nunca tirei uma foto do lado do cara quando o cavalo dele ganhou a corrida.
P/1 – E como era o jóquei nessa época?
R – Aqui o Jockey Club de São Paulo.
P/1 – Não, como era?
R – Ah, era um glamour total, não é? É como a gente vê em alguns filmes, aquelas mulheres com chapéu, tal, os caras de terno e gravata, a molecada brincando, tinha o espaço criança já nesse tempo. Porque como não podia circular, eles acharam por bem criar o espaço criança, que pelo menos entretinha as crianças lá. Mas aí meu pai parou também com os cavalos. Ele chegou a ter acho que oito cavalos, e tudo campeão, cavalo bom mesmo, ganhou muito dinheiro com o jóquei. E era a família inteira: era o meu pai, os meus dois tios, irmãos dele, e o jóquei era um tio meu casado com uma irmã do meu pai - ele que era o jóquei. Então, foi uma época muito legal da minha vida.
P/1 – Teve algum cavalo que foi favorito assim?
R – Teve. Chamava Cotidiano. Ele ganhava todas as corridas, era impressionante. Cavalo muito bom.
P/1 – Sabe por que ele se chamava Cotidiano?
R – Não. Não. Já comprou com esse nome.
P/1 – E como foi a primeira vez que ele te levou ao jóquei?
R – Ao jóquei? Então... porque, inclusive, ele causou uma discórdia na família porque ele não queria os irmãos como sócios, e aí ele foi ser sócio de um cara para o qual ele vendia na farmácia - o cara era proprietário da farmácia - e o cara gostava de cavalo também. Só que era um japonês, e aí meus tios ficaram bem contrariados assim: “Poxa, ‘meu’, você não quer...”. Porque ele já tinha esse preceito também, de que esse negócio de família não dá muito certo. Sabe como é, sociedade, tal... Isso eu trago dele também. Procuro não ter a família no negócio, porque realmente traz discórdia. Todas essas coisas eu aprendi com ele, que eu aplico hoje no meu comércio. Tenho irmãs também: “Poxa, não dá para você arrumar emprego para o meu marido?” “Pô, vamos continuar amigos. Se quiser uma ajuda, eu ajudo, agora, pôr o cara para trabalhar junto comigo, não vai dar certo. Não vai dar certo”. E meu pai tinha muito isso, ele era bem rígido nos pensamentos dele. E acho que isso passa de pai para filho, a convivência. E aí eu me afastei um pouco dele, quando eu comecei a usar droga. Isso, eu acho que é natural de todos. Só que aí ele adoeceu, ficou ruim, ele teve um câncer, metástase óssea, o cara não andava mais. Em seis meses, ele ficou pesando quarenta quilos e, tipo, morreu. Então, eu tive esse tempo para ficar todos os dias do lado dele, eu que cuidava dele, tal, tal, tal. E me redimi com ele de várias coisas, para mim foi gratificante ter acontecido dessa forma. Pelo menos eu tenho certeza de que ele faleceu sem nenhuma mágoa minha e sabendo que eu ia cuidar do resto da família.
P/1 – Quantos anos você tinha nessa época?
R – Cinquenta anos ele tinha.
P/1 – E você?
R – Eu tinha vinte anos. Na sequência, me casei; casei bem novo.
P/1 – Antes disso, como foi mudar? Você mudou da chácara e veio para São Paulo?
R – Vim para São Paulo, porque meu pai encheu o saco de mexer com frango, com ave, e tinha um conhecimento legal, ele era um cara bem ativo em questão de se relacionar com as pessoas. Foi aí que ele arrumou esse emprego numa distribuidora de medicamentos. Só que o cara deu a zona sul para ele trabalhar, a região sul aqui de São Paulo, então ficava muito longe para ele vir todo dia e voltar, aí optamos por mudar. Vendeu a chácara, que era da família, que meu avô tinha deixado de herança, fizemos uma partilha, e com esse dinheiro ele deu entrada no apartamento em que nós moramos. Essas coisas eu aprendi tudo com ele, que a gente tem que ter, tem que comprar, tem que ter o básico, que é o seu teto. Começa por aí. É o que eu prego hoje. Você tem que se estabelecer, ter a sua casa para você ter uma tranquilidade de vida, para você se fixar num lugar e progredir, produzir. Porque você ficar se preocupando, tal, todo ano você ter que mudar para lá, para cá... Isso eu aprendi com ele. Então, nós viemos para São Paulo. E aí foi que começou a minha infância, que eu tenho alguma lembrança, que é dessa época aí de 1970, da Copa, tal.
P/1 – Onde era o apartamento?
R – Aqui na zona norte, em Santana.
P/1 – Como foi essa mudança para você? Como você se sentiu?
R – Foi drástica. Apesar de que, para mim, eu não senti tanto, vamos dizer assim, vir do campo para a cidade. Por quê? Porque era um prédio que tinha muita molecada, então já mudamos de página e vamos ser urbano então. E sempre andando de bicicleta, sempre com a bicicletinha. E fui estudar num colégio de freira, que era bem próximo da minha casa. E é isso.
P/1 – Você falou que com quatorze anos você deu esse susto aí no seu pai, que seus amigos te levaram lá. Como você começou a...
R – A usar droga?
P/1 – A usar droga. Ou como foi esse começo, essa juventude?
R – É assim: eu acho que existem algumas historinhas do pipoqueiro que vende droga, tal, tudo mentira, o cara usa porque ele quer, ninguém te induz. O cara tem que ser muito fraco para ser induzido, então, eu é que fui atrás. Eu via os caras fumando, falava: “Pô, que coisa é essa que esses caras estão fumando?” Porque era tudo escondido. Hoje em dia já está até mais liberado, você vê o cara dentro do carro fumando maconha, não está nem aí. Naquele tempo, era coisa de bandido mesmo, coisa de marginal. E não tinha assim, como hoje em dia, lugares para você comprar a droga. Não tinha. Ou você entrava na favela, na favela ninguém entrava, porque tinha aquele estigma de ser roubado, disso e daquilo, mas eu conheci no colégio, no colégio de freira. Os caras fumando baseado, eu comecei a fumar baseado também. E aí eu enveredei para o ramo da química, esses medicamentos para emagrecer, cheirava benzina também, tudo químico, sou totalmente químico. E vim parar só, como eu falei para você há pouco, quando eu tinha já quase trinta e dois, trinta e três anos. Sofri bastante com a droga.
P/1 – E o que você fazia nessa época de sair?
R – Nada, eu só estudava. Só estudava. E aí, quando eu mudei para a zona sul, que eu vim lá da zona norte para a zona sul, para ele ficar mais perto lá do setor dele, aí conheci outro tipo de pessoal, um pessoal mais abastado, vamos dizer assim. Tanto é que os caras tinham carro, tinha motos, com quatorze, quinze anos, e aquilo para mim começou a despertar esse tipo de sentimento que eu queria ter um negócio, que eu queria ter um negócio. Tanto é que eu peguei uma vitrola que eu tinha, com dezesseis anos, e troquei num carro, num Simca Chambord, parece até música. Na hora em que ele viu isso, ele falou: “‘Meu’, você está de brincadeira, ‘meu’. Não é por aí, você não pode, eu sou responsável por você se acontecer qualquer coisa. E não é nem por isso, é por você mesmo, não quero que...”. E aí me despertou outro lado meu, de viajante. Porque o pessoal... A gente ia acampar direto, ia para o litoral norte. Não tinha nem estrada, como tem hoje. A gente, para chegar àquela região ali de Maresias. Boiçucanga - vocês conhecem para lá, não é? - levava doze horas de carro. Você tinha que descer para Santos, ir até o Guarujá - são duas balsas - do Guarujá para Bertioga, aí você ia pela areia, onde tinha o morro, tinha uma estradinha que vinha para o morro, voltava para a praia. E o meu negócio era passar o fim de semana viajando com a molecada. Ia à escola mais ou menos, sabe aquele estudo para passar, tal, não sei o quê lá? E assim, sempre me dava dinheiro para eu viajar, contra vontade dele, tal. Conheci muitos lugares, era muito bacana. Isso aí eu tenho uma lembrança bem legal da minha juventude. Tinha um cara, que era maior, e ia todo mundo com o cara. O cara tinha dezoito anos, a gente tinha quatorze, quinze, dezesseis. E aí fazia aquelas vaquinhas de gasolina, tal, comida, e ficava lá, principalmente nas férias escolares. Ficava dez, quinze dias na praia acampado, sem tomar banho, sem nada, loucura total. Hoje em dia, os moleques não fazem mais isso. Difícil.
P/1 – Teve alguma que você lembra que foi muito legal?
R – Ah, todas foram legais. Assim... o acampamento era muito legal porque a gente acampava na praia mesmo. Na praia. Que nem Camburi, que hoje em dia é... Não tinha nada lá, não tinha casa, não tinha nada, não tinha um barzinho. Então, a gente tinha que sair de São Paulo já com cigarro, com comida, porque a partir do momento em que você chegava à praia, para você conseguir alguma coisa era muito difícil. Então, tem essas lembranças assim, a preparação para a viagem era um negócio muito louco, era muito legal.
P/1 – E ia só molecada?
R – Só molecada, só homem. Só homem, mulher não fazia parte desse grupo. Sem preconceito nem nada, mas que pai ia deixar uma menina de quatorze, quinze anos ir viajar com um bando de marmanjo? Então, a gente ia só em homem.
P/1 – E vocês ficavam lá trocando uma ideia na praia?
R – É. Muito legal. E não tinha droga, não tinha nada. Tinha assim uns baseadinhos, mas nada que comprometesse a relação. E era muito legal. Muito legal mesmo.
P/1 – Você falou que começa a ficar... Você fica nessas então, até os dezoito anos, tal.
R – É. Porque assim... eu tive alguns probleminhas. O que aconteceu? Eu me envolvi com algumas pessoas e os caras eram assaltantes, assaltantes de banco, e aí me envolvi com os caras. E eu, nessa revolta, que meu pai não me dava um carro, que não me dava um carro, o cara falou para mim: “Olha, vou fazer o seguinte: vou pôr você no negócio, você só vai dirigir” – que eu dirigia muito bem – “Você só vai dirigir e eu vou te dar 10% do que a gente arrumar. Beleza?” “Beleza”. Infelizmente, fiz isso com os caras, os caras foram lá, assaltaram o banco, eu estava dirigindo. Aí os caras me deram um dinheiro, um dinheiro de hoje assim, tipo, duzentos mil dólares. Era dinheiro. Só que, por alguma coisa do destino, alguém me viu com um dos caras, e eu era amigo do sobrinho do Romeu Tuma. E esse cara, um dia, dentro da casa do Romeu Tuma, me viu e me reconheceu. Aí chegou para o cara que... Era irmão do Romeu Tuma, que os filhos dele que eram meus amigos: “Pô, ‘meu’, nós vimos o seu filho com um cara que talvez esteja envolvido em assalto assim, assim, assado”. Aí os caras me cataram, me levaram para o Dops, aí me deram um pau, que queriam que eu confessasse, que eu confessasse. Só que os caras já tinham sido presos - isso foi depois de uns oito meses do assalto - os caras estavam presos já. E: “Não, você tem que confessar. Você tem que...”. Eu falei: “Poxa, não sei o quê lá, não sei o quê lá”. Aí, meu pai... Quando os caras me pegaram, meu pai estava chegando à casa, aí, pum, levaram meu pai junto, para não ter, sabe... Chamar advogado, esse tipo de coisa, levaram o meu pai junto. Nós ficamos o dia inteiro lá sob interrogatório, interrogatório. E os caras já estavam presos, eu já tinha gastado o dinheiro, não tinha mais um centavo do dinheiro. E aí, enfim, os caras falaram para o meu pai: “Olha, a gente pode fazer um negócio aqui, estamos precisando de um dinheiro”. Resumindo: meu pai deu um apartamento para os caras, que a gente tinha no Guarujá, para eu ir embora e sair de lá como foragido. Então, fiquei uns dois anos da minha vida andando para lá e para cá na casa de parente até eu conseguir resolver essa situação, que aí eu fui absolvido, consegui voltar para São Paulo. Mas, tipo assim, dos meus dezoito até os vinte anos eu fiquei, tipo, foragido. Só que aí fui absolvido, meu nome, graças a Deus, ficou limpo, e eu segui minha vida. Então, isso aí afetou bastante assim a minha vida, porque mudei muito os meus pensamentos e me revoltei na época, sabe, aquelas coisas, comecei a usar mais droga, mais droga, mais droga, aí na sequência meu pai faleceu. E eu tenho assim um mal estar comigo que eu posso ter causado alguma coisa a mais para ele assim por causa do desgosto que ele teve. Porque ele nunca esperava isso, um filho assaltante. Mas é isso. E também serviu para eu me centrar. Só que, infelizmente, comecei a usar droga, comecei a usar cocaína. Usei uns dez anos a cocaína.
P/1 – E foi nesse momento da morte do seu pai que a coisa ficou mais intensa?
R – Foi. É.
P/1 – Como... Claro, se você estiver à vontade para falar, como foi esse processo da morte do seu pai, um pouco mais? Você falou que ficava diariamente... Como foi receber o diagnóstico?
R – Porque assim... É difícil você saber que a pessoa vai morrer, você ter essa certeza. Você não tem certeza de que ela vai se curar, porque o câncer dele era assim, fulminante. Tanto é que, em seis meses, o cara morreu. E aí, pô, você vai acompanhando o cara definhando, o cara morrendo, você não pode fazer nada, e aí me veio aquele sentimento de ter que aproveitar até o último dia do cara, junto com ele. Eu ia para a escola, voltava, eu que aplicava injeção nele, eu que tomava conta dele, tal, então foi muito doloroso para mim. Muito doloroso. E vários arrependimentos, sabe? E esse peso na consciência: será que eu agravei a situação médica do cara, clínica? Será que eu provoquei tudo isso?
P/1 – Ele conversava com você sobre a situação?
R – Conversava. Conversava. Mas ele achava que ia sarar, sabe? E eu nunca tirei isso dele: “Não, veião, fica tranquilo, nós vamos andar de moto ainda, e tal, tal, tal”. “Eu tenho certeza. Esse tratamento está doloroso, tal, mas está me fazendo bem, tal”. O cara era positivo assim; em momento algum ele deixou a doença... Porque tem cara que fica sabendo da doença, ele já morre só de ficar sabendo, isso é um psicológico muito forte. E assim... tentei fazer de tudo, porque eu tinha certeza de que ele ia morrer. Não tinha nenhuma estimativa de tempo, nem nada, mas eu vi que era grave o negócio e tentei ficar o mais possível do lado dele.
P/1 – No dia em que ele veio a falecer, você estava?
R – Estava. E foi assim: ele faleceu no hospital, então, tipo assim, os médicos chegaram para minha família, falaram: “Olha, não tem mais jeito, ele está vivendo com medicamentos”. Não diria que foi uma eutanásia, mas eles desligam tudo e o cara apaga. Então, a minha mãe, por bem... A gente entrou num acordo lá, e achamos por bem... Porque não adiantava, não tinha condição do cara sair, evoluir para uma melhora, então, poxa, o cara vai ficar ali sofrendo? Ele não enxergava mais, não falava mais, desse tamaninho. Então optamos por isso. Ao mesmo tempo em que foi um alívio foi torturante saber que o cara não ia estar mais lá. E a gente continuou morando no mesmo apartamento, então são lembranças que ficaram por muito tempo. O cheiro do cara, as coisas do cara, é complicado.
P/1 – O que você acha que, nesse momento, foi diferente e que você começou a entrar pesado na droga?
R – Porque eu já não tinha a referência dele, já não tinha mais aquele medo de magoar, ou de ele saber. Porque mãe é mãe. Mãe é totalmente diferente do pai, mãe você enrola, tal, tal, tal. Como eu falo para a minha atual esposa, que ela é uma mãe protetora dos animais, os caras estão sempre certos, e não adianta debater. Eu fico só esperando, Na hora em que acontece, eu falo: “Está vendo? A próxima vez, quem sabe, você me escuta”. Não que eu não tivesse respeito pela minha mãe, mas eu não tinha o medo que eu tinha do cara, entendeu? Aí me enveredei. Tinha dinheiro, trabalhava, ganhava muito dinheiro, e infelizmente a cocaína acabou comigo nesse sentido, nessa época da minha vida.
P/1 – Trabalho é o que você assumiu dele?
R – Sim. Sim. O que aconteceu? Comecei a mexer com dinheiro dos outros, comecei a pegar dinheiro para mim. Tinha uma conta no banco, arregacei a conta, enfim, perdi toda a identidade. Até que eu sofri um acidente de motocicleta e fui para o hospital. Aí o médico chegou em mim, falou: “‘Meu’, infelizmente você vai morrer, ‘meu’. Você está totalmente debilitado, só após a cirurgia”. Eu quebrei tíbia, perônio, fêmur, acabei com a minha perna.
P/1 – Como foi esse acidente?
R – Esse acidente, eu tinha uma Vespa - sabe o que é Vespa? (risos) E eu passei num cruzamento que era preferencial para mim, o cara veio que nem um louco e me atropelou. Fiquei quase dois anos sem andar. E aí fui para a Santa Casa. O convênio que eu tinha não cobria esse tipo de cirurgia, porque iam alguns fios metálicos, aquela história, aquela história, e deu um dinheiro muito alto, ninguém tinha para pagar, aí fui para lá para a Santa Casa. Fui operado, o médico, no dia seguinte à cirurgia, foi lá ter uma conversa comigo, que acho que o pós-operatório que todo médico tem, ele falou: “Sua cirurgia foi perfeita, você vai ficar com um defeito na perna, mas se você continuar se drogando você vai morrer. Seu fígado... você está com hepatite C, seu fígado está só o caco. Então você ainda tem chance se você, imediatamente, parar, tomar outro rumo na sua vida, até em questão alimentar, enfim”. Foi isso que me deu o clique para eu parar de usar droga. Isso foi em 1994, Copa do Mundo, que nós fomos campeões, eu assisti dentro da Santa Casa. E a partir do momento em que eu tive a minha alta, foi muito difícil eu parar de usar droga. Quem me ajudou foi a Ana Lúcia, que me indicou aqui para contar a minha história, sofreu demais comigo. E foi a partir desse momento que eu parei de usar droga.
P/1 – Você pulou essa parte, aliás. Como você conheceu a Ana Lúcia?
R – A Ana Lúcia? Conheci-a na rua, paquerando. Tempo em que tinha a Henrique Schaumann aqui perto, que tinha aqueles barzinhos, ficava aquele trânsito, tal. Aí, estava eu e um amigo, e ela e uma amiga, aí a conheci, começamos a namorar, paixão fulminante, em menos de um ano eu me casei com ela.
P/1 – Como foi o casamento?
R – Ah, foi bem legal. Eu me casei todo de branco, na igreja, saí de Impala conversível, pô, foi muito legal. Muito legal. E você acredita que eu não tenho o registro de nada disso? O cara que estava fazendo a mídia, não sei o que aconteceu, queimou tudo, não tenho nada, nada de foto, nem no altar eu com ela, nada, nada.
P/1 – Putz. Mas ficou na memória.
R – Ficou na memória. Muito legal.
P/1 – Teve festa?
R – Teve. Teve. Meus parentes têm uma rede de restaurante aqui, aí minha tia ofereceu um jantar lá para todo mundo, assim, entre aspas, mas devia ter umas quarenta pessoas. E foi muito legal. Muito legal mesmo.
P/1 – E ela te ajudou... Como era? Vocês mudaram então, foram morar juntos?
R – Fomos morar juntos. Casamos, eu já tinha essa ideia de ter um lugar, então eu já tinha comprado um apartamento, estava pagando, que era no centro da cidade. E ela não queria morar no centro, porque achava que era tatatá, tatatá, boca do lixo, tal. Aí alugamos um apartamento lá no Morumbi, só que aí foi quando eu comecei a pegar pesado na droga. Pesado, pesado, pesado.
P/1 – Vocês se casaram, seu pai ainda estava...
R – Não.
P/1 – Seu pai já tinha...
R – Ele faleceu, eu me casei com ela. Mas ele chegou a conhecê-la, adorava-a. Ela não fazia nada, era “filhinha de papai”. Aí eu a coloquei para trabalhar, então, assim... ela me agradeceu muito. O que ela é hoje também foi porque eu a incentivei a trabalhar numa loja de roupa, como balconista. Porque não adianta, eu tenho vários amigos que os caras não fazem nada até hoje, por quê? Porque lá atrás, quando eu fui trabalhar num balcão, ninguém quis vir comigo: “Ah, não, meu, pô, eu quero ser gerente”. E ela teve essa humildade. Ela começou lá embaixo, hoje ela é sensacional, ela dirige uma cadeia de lojas, oito lojas, supervisora geral, está muito bem, graças a Deus. Então, eu tenho essa felicidade dentro de mim, que eu ajudei nesse ponto. Dei muito trabalho para ela também, mas foi compensador.
P/1 – Como era a dinâmica desse casamento?
R – Ah, era muito louco. Porque ela trabalhava e eu trabalhava como vendedor de medicamento, eu tinha um horário mais flexível, então eu conseguia levá-la, porque ela não tinha carro - a levava, buscava. De vez em quando, a droga atrapalhava alguma coisa. E ela nunca compactuou com negócio de droga, ela nunca usou droga, sempre foi contra, mas permitia. O amor faz coisas que até Deus duvida. E aí, inclusive, me perdi também depois. Depois que eu parei de usar droga, me perdi mentalmente por outros motivos, fui trabalhar em lugar que não tinha nada a ver, fui trabalhar numa boate, aí me envolvi com uns caras, com umas meninas, e estava no lugar errado e na hora errada, e aí fui preso. Só que dessa vez fui preso mesmo, de verdade, fiquei quatro anos preso - de 1999 a 2003. Porque eu estava num apartamento de umas meninas, a polícia entrou, uma pessoa deu queixa, uma das donas do apartamento tinha um negócio comigo, aí eu fiquei com a amiga dela, e eu era casado, sabe como funciona. Estou abrindo minha vida aqui, mas a Ana depois ficou sabendo de tudo isso, porque acho que a gente tem que... Enfim, chegaram ao apartamento, tinha uma porção de droga lá, foi todo mundo preso. E aí eu fui condenado por tráfico. E não usava droga, não fiz nada, fiz vários exames toxicológicos, tal, mas não consegui sair absolvido, tive que cumprir. Cumpri três anos e oito meses. E a Ana do meu lado, visita, me provia de algumas coisas, e tal. E foi nesse tempo que eu conheci o Chorão, do Charlie Brown Jr.
P/1 – É mesmo?
R – É. Eu o conheci em 1996, em 1997 ele estourou. Eu o conheci, ele não era nada, assim, em termos, não era o Chorão.
P/1 – Qual foi a primeira vez que você o viu?
R – A primeira vez que eu o vi foi num estúdio de um amigo meu, que foi o cara que lançou o Chorão. Ele com uma fitinha cassete, tal, não sei o quê lá, tentando fazer alguma coisa. Aí sabe aquelas amizades assim que você olha para o cara, o negócio puff, parece um ímã assim? Aí pá pá pá. De repente, três, quatro meses que eu o conhecia, estourou. Estourou, ficou rico, aí comprei algumas coisas com ele, carro, tal, que eu tinha conhecimento, ganhei dinheiro com ele. Quando foi em 1999 eu fui preso, aí ele me ajudou demais quando eu estava preso. Levou uns dois anos para ele saber que eu estava preso, foi quando ele encontrou com a Ana num shopping, aí ela foi conversar com ele, falou: “Eu sou a Ana, esposa do Kleber”. “Putz, esposa do Kleber, eu estou procurando o cara, tal, tal, tal”. Começou a me ajudar financeiramente, me deu uma estabilidade assim. E eu conversava com ele pelo telefone - tinha telefone lá - ele falava: “‘Meu’, fica tranquilo, eu vou te ajudar quando você sair daí. Só põe a cabeça no lugar, fica tranquilão. Não se preocupe com o depois, eu garanto que você vai ficar legal, só quero que você passe bem aí, não faça nada de errado para te prejudicar, eu vou estar esperando quando você sair e tal”. E assim... vou te falar uma coisa: o que eu tenho, financeiramente, hoje, eu devo a ele. Porque ele me deu emprego, eu trabalhei com ele doze anos, até eu que o achei, infelizmente. E é isso.
P/1 – Então, depois que você saiu da cadeia, você começou a trabalhar com ele?
R – Com ele. Comecei a trabalhar de motorista para a esposa dele.
P/1 – Ele que te ofereceu?
R – Foi. Ele que me cham... Porque assim... Quando saí, eu falei: “Olha, Alê, eu precisava de um dinheiro para comprar uma moto para trabalhar pelo menos de motoboy, que é o que dá para eu sair trabalhando. Enfim, porque é complicado, você tem uma ficha, o pessoal já puxava para ter informações - isso foi em 2003, 2002, complicado. Ele falou: “Não, ‘meu’, vamos fazer assim: toma esse dinheiro aqui” – isso foi em março – “Eu quero que você fique em casa descansando. Toma esse dinheiro. Se precisar de mais, eu vou te dar. Agora, esquece esse negócio de motocicleta, de motoboy, e você vai trabalhar comigo”. “Beleza”. Passaram-se uns três, quatro meses, ele me chamou, falou: “Olha, você vai começar a trabalhar comigo a partir de amanhã, tal, tal, tal, você vai ser motorista da minha mulher. Ela estuda em São Paulo, então você vai e vai voltar todo dia com ela” – porque ela não dirigia, ela andava de Van – “E vou comprar um carro para vocês andarem e tal, tal, tal”. E, graças a Deus, foi o que me deu uma força para eu ser o que eu sou hoje aqui.
P/1 – Você ficou esses doze anos, acompanhou toda a trajetória dele no...
R – Toda. Toda. Altos e baixos. Porque quando eu cheguei à banda foi quando ele estava se separando da formação original. Porque teve dinheiro, onde envolve dinheiro, sabe como é. Então o que aconteceu? Lá atrás, os caras fizeram um contrato no qual o Alexandre Chorão era dono da metade da banda - 50% era dele - e da outra parte ele participava com um quarto, que eles eram em cinco, então era dividida em cinco a outra parte; e ele participava. Só que chegou uma hora em que os caras falaram: “Pô, mas isso está errado”. “Como está errado? Quando nós fomos fazer o negócio lá, todo mundo concordou com isso aqui, e agora vocês querem o quê?” “Ah, pá pá pá”. “Então vamos fazer assim: vamos somar as partes, eu vou pagar, vocês estão fora”. Foi quando começou a decadência dele, porque os fãs não perdoam. Fã, infelizmente... E hoje eu sei por causa do YouTube. É complicado. E eu peguei essa fase dele, de uma mudança muito brusca. O cara ficou sem dinheiro, ficou perdido, sem nada, não tinha show marcado, não tinha nada. Porque ele fez outra formação da banda, aí os fãs não aceitaram isso, queriam a outra formação. E foi duro, também, lidar com ele, foi complicado, ele era um cara meio complicado. Eu era muito amigo dele, aí misturava um pouco de amizade com patrão, chegava uma hora em que ele falava: “‘Meu’, cala a boca porque agora quem está falando é o seu patrão; se você falar mais alguma coisa, nós vamos nos estranhar. Então, fica quieto”. Ele era um cara muito autoritário, muito bravo, enérgico, cabeça-dura. Ele pensava, já era, não adiantava discutir com o cara. Mas foi muito legal viver com o cara. Foi muito legal.
P/1 – Chamava-o de Chorão ou de Alexandre?
R – De Alexandre. Eu o chamava de tiozão. Hoje meu apelido é tiozão, e eu o chamava de tiozão. Assim... A gente brigava muito porque eu discordava de várias coisas. Porque eu já não usava droga e o cara... Eu falava: “‘Meu’, pô, você tem que parar com isso”. E, realmente, a cocaína... Ele perdeu a identidade - tanto é que o cara morreu. Você está entendendo? Ele chegou ao ápice de ter tudo. Ele teve tudo que quis na vida: carro, mulher, casa, apartamento; então, chegou uma hora em que ele não tinha mais para que viver, sabe? Não tinha mais. Ele não morreu de overdose, ele já vinha se matando, num processo assim... Não comia, não bebia água, cheio de dores, nunca foi ao médico para saber o que era. Quando ele faleceu, foi feita uma autópsia. Aí detectaram pancreatite, hepatite, edema cerebral... Então, quer dizer, ele sentia muitas dores e se drogava por causa das dores; porque quando ele se drogava, não sentia mais nada. Tanto que ele tentava parar, ficava três, quatro dias sem usar, mas chegava uma hora que ele pum, ia lá e usava de novo. Então, isso para mim foi muito doloroso, eu ter passado pelo que ele passou e não poder fazer nada. E eu sabia que não adiantava, porque eu passei por esse processo de, sabe, família: “Pô, o que você precisa? Quer ir para tal lugar? Quer ser internado?”. Nada disso adianta se o cara não falar: “Não, eu quero ser, mas eu quero parar”. Não para enganar. Porque as sete internações que eu tive foi só para enganar a minha família. Porque eu falava: “Pô, os caras vão parar de me encher o saco, eu fico lá trinta dias, dou uma saradinha e volto”. E era o que acontecia: voltava com força total. Então, isso aí não digo que foi frustrante para mim, mas magoou demais. Eu não poder fazer nada com o cara. Inclusive a família dele... Porque chegou uma hora em que eu fiz a mente das pessoas para fazerem uma internação compulsiva com o cara, entendeu? Catar o cara e levar de camisa de força. Só que chegou na hora de abrir a porta, ninguém quis assumir. Falaram: “Vai você”. Eu falei: “Não. Eu não vou”. Porque minha mãe fez isso comigo. Eu tenho essa mágoa dela até hoje. Eu falei: “Poxa, ‘meu’, o cara vai me matar”. Agora, por outro lado também, se tivesse feito isso quem sabe o cara não teria morrido. Mas a gente não pode viver do “se”.
P/1 – E como foi o dia em que você o encontrou?
R – Nossa, horrível. Horrível. Porque assim... eu já pressentia que isso ia acontecer. Tanto é que, um mês antes, nós tivemos uma briga, ele me mandou embora, porque eu falei um monte de coisa na frente do filho dele, ele não admitiu isso. Depois de uns três, quatro dias, ele me chamou, falou: “Poxa, você não devia ter feito isso, tal, tal, tal”. Eu falei: “Não, você me perdoa. Eu fui errado, mas naquele momento era o único jeito que eu tinha para, talvez, até você abrir sua mente e tomar outra atitude, parar com essa porcaria”. E falei para ele: “‘Meu’, você vai arrumar ainda alguma coisa de eu achar você morto num lugar e os caras quererem me incriminar que eu que levava droga para você, e alguma coisa desse tipo”. Batata, ‘velho’! Trinta dias depois o cara morreu e eu que o achei. E sobrou para mim. Sobrou para mim. Os caras levantaram a minha
toda, só que não tinha nenhum indício, não tinha nada. Eu ainda falei para os caras: “Ele ficou hospedado em mais de seis hotéis durante esses dois anos. Se vocês puxarem filmagens, provavelmente vocês vão achar quem levava droga para o cara”. O que eu ia falar? Eu sabia quem levava droga para o cara, mas eu também não podia chegar para os caras e falar, você entendeu? E eles acharam o cara pelas filmagens. E foi triste. Foi muito triste. E é triste até hoje, eu penso no cara todo dia, todo dia, porque nós tivemos uma vida muito junto, principalmente nos dois anos últimos de vida dele, que ele saiu de casa e veio morar aqui em São Paulo. E aí, pô, eu que acordava o cara, eu que o fazia ir tomar banho, eu que o levava para comer, comprava remédio para ele, cuidava do cara como se fosse meu filho. Porque ele já estava totalmente louco. Fazia com que ele fosse aos compromissos dele, inclusive shows - a gente brigava por causa disso: “Ah, não, manda cancelar o show”. Eu falava: “Pô, você está de brincadeira? Que ‘mané’ cancelar o show. Não é assim”. Isso é a droga. Droga deixa o cara sem pensamento nenhum, sem preocupação, sem nada.
P/1 – E você estava indo lá como se fosse um dia normal.
R – Não. Já não era um dia normal, porque ele tinha saído de um hotel que ele quebrou o hotel inteiro - porque ele quebrava hotel - e voltou para o apartamento, que estava todinho quebrado, todinho quebrado, inabitável, vamos dizer assim. E nesse dia, quem o levou, foi o segurança, e ele tomou a chave que a gente tinha. Porque a gente tinha uma chave para poder entrar - porque o cara não acordava - para eu pegá-lo. Aí fui ao prédio, que aliás é aqui do lado, Rua dos Morás, sabe onde é? Fui ao prédio, pá, interfone, telefone, nada, nada, nada, nada. E as portas eram blindadas, não tinha como abrir, chaveiro ir lá e abrir. E as portas eram de uma empresa, nem vou falar o nome, que eles não... São 24 horas para os caras tomarem uma postura de vir para arrombar a porta para abrir. E aí ficamos reféns dos caras, ‘meu’. O que aconteceu? O segurança, de segunda para terça-feira, começou a revirar nas coisas dele, achou uma chave, falou: “Klebão, tenho certeza que a chave é do apê, estou subindo” – porque o segurança era de Santos. Chegou aqui eram umas três horas da manhã, fomos lá ao apartamento, de segunda para terça, fomos ao apartamento. Na hora em que eu abri a porta, já senti um negócio estranho. Falei: “Puxa vida, o cara está morto”. Não deu outra. Entrei para a cozinha assim, já o vi no chão, uma poça de sangue, porque ele teve um ataque e caiu em cima da pia, aí bateu com o rosto. E eu não sabia se ele tinha se esfaqueado, porque foi a primeira coisa que veio na minha cabeça. Falei: “O cara deu uma facada no coração”. Aquele monte de sangue, eu falei: “Poxa, ‘meu’”. Cheguei perto dele, encostei nele, ele estava frio. Falei: “Nossa, o cara morreu, ‘velho’, não é possível”. Eu: “Vitão, o cara morreu”. Ele falou: “Não acredito”. Ele nem entrou junto comigo. “Não acredito.” Eu falei: “Pode acreditar”. E, pum, liguei para o advogado, que era, tipo assim, que cuidava de todas as coisas dele: “Doutor Maurício, Alexandre morreu”. Ele falou: “Pô, Kleber, você está de brincadeira? Três horas da manhã”. Eu falei: “‘Meu’, eu estou falando sério para você: o cara está morto. Não tem o que faça... Não dá para fazer mais nada, o cara morreu. E agora, o que eu faço? Vou discar 190, chamar a polícia?”. Ele falou: “Não, faz o seguinte: desce, vai à delegacia” – porque é do lado, tem uma delegacia – “... E tenta conversar sem alarde, sem nada, chega lá ao delegado para não haver negócio de imprensa, essas coisas. Tente ser discreto e veja o que você arruma, que eu estou subindo”. Beleza. Pum, fomos lá à delegacia, eu entrei, o Vitor ficou fora. Aí o Vitor, bobão... Tinha um cara lá fora, bababá, ele pegou e contou para o cara, e o cara era Polícia Militar, puff, já ligou para todo mundo, porque os caras ganham dinheiro. Enfim, cheguei no delegado, falei: “Doutor, eu trabalho com o Alexandre Chorão, tal, tal, tal, o cara faleceu. Ele está aqui no prédio aqui ao lado, neste mesmo quarteirão”. Ele falou: “‘Caraca’, não acredito”. Eu falei: “‘Meu’, o cara está morto”. “Você tem certeza?” Falei: “Tenho certeza. O cara está morto”. “Então está bom, vamos para lá”. Chamou o auxiliar dele, que foi o cara que fez as fotos e jogou na internet, entendeu, do cara todo acabado. Para te falar a verdade, eu não vi nenhuma foto dessas, eu não quis ver. E chegamos lá, tal, o delegado veio, todo revirado, cheio de droga, eu não mexi em nada. Porque eu falei: “Pô, não adianta eu esconder esse pratinho aqui, chegar lá dentro tem um saco. O que vai adiantar? Não vai adiantar nada”. Não mexi em nada na cena do negócio. Aí chegou o IML. Chegou o cara, olhou, olhou, olhou, ele falou: “Doutor, encontramos aqui sinais de luta corporal”. O doutor já olhou para mim e para o segurança, eu falei: “E aí, doutor, esse olhar aí não...”. Falou: “Olha, Kleber, infelizmente, o cara testou aqui alguma... Vamos ter que chamar o homicídios”. Falei: “Legal”. Aí, pum, não deu dez minutos chegou o homicídios, porque os caras acharam que alguém tinha feito alguma coisa com o cara. Veio doutor, tal. Resumindo: fomos para a delegacia e prestamos esclarecimentos, tal, aí veio essa parte: “Quem levava droga para o cara?” “Não sei” “Não, você sabe. Como você não sabe? Não, você sabe, bababá, bababá”. Bom, enfim, ficou resolvido dessa forma, o cara foi enterrado, tudo acabado, deixou um monte de gente necessitado, porque ele fazia várias coisas e nada disso é documentado, ele ajudava várias famílias, e essas famílias, de um dia para o outro, ficaram sem o dinheiro que ele dava, sem o remédio - ele doava medicamento para várias famílias. E é isso.
P/1 – Qual a lembrança mais vívida que você tem dele?
R – Ah, tenho várias. Várias. Várias. O cara era... Assim... o que eu mais lembro era das refeições que a gente fazia, porque o cara só gostava de ir a lugares bem bacanas. Tanto é que todos os lugares que eu conheci assim foi com ele, aprendi a comer bastante com ele. E as lembranças que eu tenho é de quando ele chegava, porque eu fazia esse traslado de levá-lo para o aeroporto e pegar. Então, sempre que ele chegava, puxa, ele estava super contente, e o show deu certo, pegou várias minas, veio com dinheiro, então era só alegria. E pá: “E vamos aqui ao Fogo de Chão”. Porque eu o levava para Santos. “Vamos ao Fogo de Chão, vamos ao rodeio, vamos aqui, vamos ali”. Então, são essas lembranças. E lembranças de palco, que eu ia a vários shows. Inclusive, ele fez várias homenagens para mim, porque chegou uma hora em que eu comecei a fazer vídeo e fiquei meio que famoso no YouTube. O primeiro vídeo que eu fiz, eu mostrei para ele. Ele falou: “‘Meu’, você é louco? Você está brincando que é você?” Eu falei: “Sou eu”. “‘Meu’, você é louco, para com isso. Você está fazendo isso por dinheiro?”. Eu falei: “Não. Não sei nem se ganha alguma coisa”. “Não, ‘meu’, você está totalmente errado. Você é meu motorista, pelo amor de Deus, tal, tal, tal”. Pum, nunca mais eu mostrei nada para o cara. Só que eu comecei a ficar famoso e o pessoal da técnica dele, todo mundo youtuber, os caras: “Pô, mas é o Kleber”. E aí falavam para ele, ele não dava atenção. Até que em 2012 nós fomos ao Salão do Automóvel, porque a Jovem Pan tinha um aquário lá que todo dia ia uma banda diferente fazer um show, cantar três, quatro músicas lá. Aí nós fomos. Foi a banda, segurança, tal, eu que o levei. E aí ele está lá cantando, e eu estou em frente, ele assim no aquário, uma redoma de vidro. E estou lá, tal, de repente começa uma aglomeração, os caras tirando foto comigo, tal, foto, foto, foto. Chegou uma hora, ele parou a música, falou: “Klebão, tá acontecendo o quê aí que eu não estou entendendo? Você está dando o quê para esses caras tirarem foto?”. Ninguém entendeu nada. Eu fiquei todo sem jeito, pum, saí do ar, saí da frente dele. Na hora que acabou, ele falou: “E aí, Kleber, o que está acontecendo?”. Eu falei: “Nada, tio, eu tenho um canal no YouTube”. “Como um canal no YouTube?” “Um canal no YouTube, ‘meu’”. “E você faz o quê?”. Eu falei: “Eu filmo minha rotina, tatatá, tatá”. E assim... Nunca falei para ninguém que eu trabalhava com o cara, que eu tinha o maior medo de prejudicar a imagem dele. Porque eu fazia vídeos transgredindo leis de trânsito, então, poxa ‘meu’: e aí, Chorão, você está levando uma aí, você já viu seu motorista? Sabe tipo assim? Você está pregando uma coisa e você tem um funcionário seu que é um louco. E aí nós saímos pelo salão andando, e foto, foto, foto, tem até um vídeo disso, eu estava filmando. Chegou uma hora em que ele sentou no chão assim para ficar me esperando. A gente tinha uma amizade muito forte, era muito forte. Depois desse dia, ele mudou um pouco a imagem que ele tinha de mim. Passado um mês disso aí, eu o tinha levado para o aeroporto, ele foi fazer show no Rio Grande do Sul, aí ele ficava quatro, cinco dias lá, fazia três, quatro shows. No sábado... Eu o levei na quinta-feira; no sábado, três horas da manhã, toca o meu rádio - era Nextel naquele tempo, o rádio do segurança, porque ele não tinha telefone, não tinha nada, nada. Para você falar com ele, você tinha que saber com quem ele estava que tinha telefone, aí você ligava, falava: “Ô, dá para eu falar com o Chorão?”. Se ele quisesse, ele atendia. Aí: “E aí, Vitão?”. Ele falou: “Vitão é o cacete, é seu patrão. ‘Meu’, você é fogo. Eu estou assistindo a um vídeo seu aqui, está todo mundo chorando, ‘meu’, que porcaria é essa? Quem é esse cara em cima da sua moto, que eu não conheço?” “Esse sou eu, Kleber, que não é motorista do Chorão, que não é nada”. Ele falou: “‘Meu’, na hora em que a gente chegar aí, vou conversar com você, porque estou admirado. Você é o cara, virei seu fã número um. Que é um vídeo que eu chego ao farol, e aí tem uma molecada saindo da escola e a molecada me reconhece: “Poxa, Kleber, pá pá”. Aí começo a conversar com os moleques, tal, que emoção assim para mim também, porque não é como hoje, era mais difícil de eu ser reconhecido assim na rua, tal. E aí os moleques começam...Uns oito moleques assim, eles fazem voltinha na minha moto, todo mundo me abraça, tal, de repente começa uma choradeira, eu, os moleques, tal. Aí fui embora, não conseguia nem andar na moto, parei, falei algumas coisas, e aí ele se apaixonou por isso aí, esse meu lado. Depois disso, até nossa amizade se estreitou ainda mais, porque ele não se conformava, ele falava: “‘Meu’, eu sou artista. Desde os meus seis, sete anos, que eu tenho lembrança, eu me preparei para ser artista. Você, ‘meu’, porcaria nenhuma. Aonde eu vou, todo mundo conhece você, quer tirar foto com você, e você não está na Rede Globo, você não está em lugar nenhum, você está no YouTube. Para o cara te ver, ele precisa ir lá ligar o computador, acessar o seu canal para te ver, você não está exposto na mídia”. E poxa,’meu’, sensacional. Sensacional. Só que nós tivemos pouco tempo, isso aí foi em outubro, em março ele faleceu. Mas aí já... Sabe, ele mudou totalmente a postura comigo, me deixou chegar mais ainda nele, se apegou mais a mim e... muito legal.
P/1 – Por que você começou a gravar esses vídeos?
R – Porque foi o seguinte: eu ganhei na loteria, e o Chorão estava quebrado, quebrado, não tinha um centavo no bolso. Aí eu fui, ganhei na loteria federal, sabe aquela de bilhete? Então, tinha cinco bilhetes. Não tinha o bilhete inteiro, que são dez. Cinco bilhetes. Ganhei no primeiro prêmio. Ganhei na época cento e trinta mil reais, isso em 2010. E a gente estava quebrado, eu estava sem receber salário uns dois, três meses, e ele não tinha dinheiro para coisa nenhuma. Aí ele ficou mais depressivo, não saía de casa. Eu liguei para ele, eram umas dez horas da manhã... Liguei para ele não, liguei na casa dele, atendeu a funcionária, que era doméstica lá, falei: “Lúcia, dá para você acordar o Alexandre? Leva o telefone para ele” “Pô, cara, sabe que não é assim, ele fica danado, pá pá, ele vai querer até me bater”. Eu falei: “Não, mas é um negócio super importante, leve para ele o telefone, tal”. Eu a convenci, aí ele acordou: “Poxa, ‘meu’, o que você quer?”. Eu falei: “Pô, Alê, deixe-me falar para você: não que nossos problemas estejam resolvidos, mas ganhei um dinheirinho na loteria e, poxa, estou indo para aí”. Ele falou: “‘Meu’, pode parar. Não esquente a cabeça, não. Não quero saber desse seu dinheiro. Esse seu dinheiro, você o pega e já aplica, guarda o dinheiro, que isso aí é sua aposentadoria”. Eu falei: “Não, tudo bem, tal, tal, tal”. Aí, pum, desci para Santos. Cheguei lá, falei: “Não, ‘meu’, eu não preciso do dinheiro, preciso só comprar uma moto. Eu só preciso de trinta mil, cem mil eu te dou, eu sei que você vai me devolver o dinheiro e tenho certeza que vai te ajudar, tatatá”. O cara ficou bravo, falou: “‘Meu’, já falei para você...”. E não quis pegar dinheiro nenhum meu. E aí ele arrumou cinquenta mil reais e gravou o clipe Só os Loucos Sabem, em que ele está num Cadillac, tal. Naquele dia, estourou. No dia em que ficou pronto, o clipe estourou na MTV. Aí já foi para as rádios, aí começou tudo de novo. Charlie Brown, Charlie Brown, Charlie Brown. Dois meses depois disso... Porque ele era marqueteiro, o cara era... Muita coisa que eu aplico hoje, aprendi com ele. Falou: “Bom, o que você acha de eu chamar os caras de volta para a banda? Não me dou com... Mas comercialmente”. Porque estava todo mundo morto de fome, entendeu? Porque os caras pegaram o dinheiro que ele deu, todo mundo gastou o dinheiro, ninguém fez nada. E os caras sozinhos - assim, sem desmerecer ninguém - mas eles não eram nada. O guitarrista é o guitarrista, ele vai fazer o quê? Vai tocar guitarra solo? O baterista vai fazer o quê? Eu falei: “No ponto de estratégia, eu acho legal. E aí, você vai aguentar?” “Ah, a gente vai dar um jeito, tal”. Aí deu um ‘bum’ no cara, ‘velho’: Charlie Brown com formação original, tal. Tanto é que quando ele faleceu, em março, ele tinha show até outubro do outro ano marcado. E esse dinheiro na conta dele. Metade desse dinheiro já estava tudo na conta dele. Então, financeiramente, nós conseguimos respirar de novo, tal, tal, tal. Então, acompanhei esses altos e baixos dele, ‘meu’. Muito louco.
P/1 – Mas aí, por que você começou a fazer o vídeo?
R – Ah, para fazer os vídeos, então, porque foi o seguinte: tinha um lugar em que eu ia, todo dia, quando eu chegava de Santos, eu parava na oficina. Aí, aquela coisa: uns fumam baseado, tal, carteado, e eu ficava lá com os caras. Porque eu nunca parei de andar. Depois que eu usei droga, eu não parei de andar nos lugares onde tem a droga. E isso me fortalecia. No começo, isso me fortalecia porque eu via os caras todos bicudos, tal, e eu firmão, fortão, ia para casa dormir para trabalhar no dia seguinte. Os caras estavam lá, todo mundo imbicado. Tanto é que eu saía no dia seguinte, os caras continuavam lá. Então, isso me dava uma grande força, falava: “Pô, não é isso que eu quero para minha vida, ‘meu’, graças a Deus. Então eu não posso chegar perto dessa droga. Não posso. Não posso. Não posso”. E eu chegava lá e começava a contar história: “Pô, que eu dei pau em tal, dei pau em não sei o quê lá”. Porque eu comprei uma moto grande quando eu ganhei na loteria, e eu ia todo dia e voltava para Santos com a moto, e tinha várias coisas que aconteciam, tal. Aí: “Puxa, ‘meu’, como você é mentiroso, tal”. Eu falei: “Pô, eu vou começar a filmar essa porcaria só para mostrar para vocês”. E aí comecei a filmar por isso, nem para o YouTube, nem nada. Um dia, eu coloquei um escapamento na minha moto, eu estou passando num lugar, pum, vem um cara atrás de mim com a mesma moto que eu tinha, era uma moto que tinha chegado ao Brasil, ninguém tinha. O cara veio atrás de mim, falou: “Pô, ‘meu’, onde você comprou esse escapamento?”. Eu falei: “Ah, um amigo meu que faz” “Poxa, não dá para fazer um para mim?”. Eu falei: “Lógico que dá”. Peguei amizade com esse cara, esse cara falou para mim: “Poxa, ‘meu’, por que você não faz um vídeo no YouTube e coloca em alguns fóruns?”. Como tem o zap zap, que tem esses grupos. Isso, em 2010, 2011, eram fóruns. Eu falei: “Pô, não tenho nem e-mail”. Ele falou: “Poxa, crie um e-mail, tal, tal, tal”. Bom, resumindo, comecei a ver uns caras filmando e comecei a filmar minha rotina e colocar no YouTube. E comecei... A partir disso, comecei a colocar uns vídeos, os caras falaram: “Pô, que escapamento é esse?”. Eu falava: “Um escapamento que um amigo meu faz, tal, tal, tal”. Comecei a vender escapamento no YouTube. Porque o YouTube tem o inbox, ia no inbox: “Você não tem um e-mail para eu mostrar para você o escapamento que eu tenho, tal?”. E a empresa que eu tenho hoje começou disso, do nada, entendeu? Esse cara que fazia os escapamentos para mim, no fim eu briguei com ele por causa de dinheiro, para variar, amizade de quarenta anos, nunca mais vi o cara e comecei a fabricar o escapamento. E, tipo assim, nos vídeos que eu gravo quase todo dia: “Pô, mas que luva é essa? Que espelho é esse? Que relógio é esse?”. Hoje eu tenho mais de oitenta itens no e-commerce que eu tenho. Eu tenho duas lojas físicas através disso aí. Eu não tinha nada em 2011. Nada. Nada. Nada. Nada. Eu tinha o que eu recebia dele, que era um salário legal até, hoje em dia eu ainda penso, falo: “Pô, hoje em dia eu tenho tanta dor de cabeça, se o filho da mãe estivesse vivo (risos) ia estar ganhando um salário legal e não precisava estar aqui”. Mas, tudo certo. E começou disso, ‘meu’. Quando ele faleceu, eu já vinha numa crescente. Ele não sabia de nada que eu tinha meu comércio. Eu já tinha o e-commerce, e eu trabalhava sozinho, eu que fazia tudo. Eu comprava escapamento desse cara, aí os pedidos entravam, o que eu não tinha, como eu moro perto ali da rua das motos, eu ia lá, comprava, tal, tal, tal. E minha empresa começou assim. E aí regularizei a empresa, por conta dos inimigos virtuais: “E aí, ‘meu’, que porcaria é essa? Eu pesquisei seu nome, você não tem CNPJ, você não tem nada, eu vou mandar a Receita Federal aí na sua casa, que eu sei que o negócio é dentro da sua casa”. Aí me forçaram a fazer um CNPJ, a criar uma empresa. E, graças a Deus, estou aí na luta. Hoje eu sou um dos maiores fabricantes de escapamento do Brasil para motos.
P/1 – E começou porque os caras não botavam fé do...
R – Porque eu fazia umas aventuras loucas. Mas eu gravava esses vídeos, aí fiz um suporte, gravava com uma Sony Cyber Shot - que nem digital era - em cima do tanque da moto. E aí, só pegava a visão da pista onde eu andava. E eu não falava. Hoje eu interajo, tal, tal, mas não tinha um microfone, não tinha nada, era só o barulho da moto, só loucura. E eu gravava esses vídeos só para mostrar. Chegava lá no computador, tirava o negócio da maquininha, colocava lá, fazia os caras ficar vendo: “Agora você vai ver, filho da mãe, se eu não faço os negócios que eu falo. Eu não sou mentiroso”. Aí, por um acaso, chegou esse cara com essa moto, eu não tinha e-mail, não tinha nada. Criei um canal no YouTube, que é esse canal que eu tenho hoje, tenho quase um milhão de inscritos.
P/1 – Qual o nome do canal?
R – KLE621. Esse aqui, full. Daí me destaquei, fui para a televisão, a polícia veio atrás de mim, assinei alguns inquéritos por apologia ao crime, direção perigosa, só que isso não deu em nada, porque são vídeos, eles não podem te incriminar por... Só se o cara te pegar no flagrante, tirar o chip da sua máquina e tiver testemunha, falar: “Olha, isso aqui eu tirei dele”. Então, eles não podem incriminar dessa maneira, nem multar, nem tirar sua carta, nada disso. Mas gastei muito dinheiro com advogado. Tive um acidente de carro nessa época em que eu estava no auge do negócio. Tive um acidente, o cara bêbado atravessou o farol, o farol verde para mim, farol de pedestre, faixa de segurança, tudo, o cara atravessou o farol, infelizmente eu o atropelei, ele veio a falecer. E sofri uma represália muito grande através das pessoas: “Está vendo? O cara é maior louco”. Só que não foi de moto. Eu não tinha vídeo de carro. Infelizmente foi um acidente, inclusive fui absolvido, faz agora um ano que eu fui absolvido. Foi em fevereiro, dia 28 de fevereiro de 2013, dia seis de março o Chorão falece, então foi um baque muito grande assim na minha vida, uma revolução total. Chegou uma hora em que eu não sabia o que fazia - se eu ia, se eu não ia; enfim, foi um baque muito forte. E, olha, o Chorão morreu na terça-feira. Na sexta-feira eu abri minha primeira loja física, que era um buraquinho. E eu tramando para trazer o cara para conhecer minha loja, tal, infelizmente ele não conheceu a minha loja.
P/1 – E essas aventuras, o que você faz normalmente nos vídeos?
R – Ah, eu ando forte. Tipo assim, sou o rei do corredor, vamos dizer assim. Eu tenho vários vídeos indo para Santos no meio dos caminhões, assim, tipo, cento e setenta por hora, os caminhões todos parados. Inclusive tem vídeos mundiais aí, com cem milhões de acesso, um vídeo é The Crazy Motorcycle in Brazilian (risos). Porque o gringo adora esse tipo de coisa, lá fora não tem isso. Vai fazer isso lá, os caras te prendem. Então, eu tenho um vídeo famosão assim. E eu fiquei conhecido como o tiozão da Hornet, porque eu tinha uma Hornet na época, e foi onde eu me destaquei, o SBT veio atrás de mim, Rede Globo, tenho muitas matérias gravadas. Muitas.
P/1 – E como é do dia para a noite assim as pessoas te reconhecerem na rua?
R – Complicado, ‘velho’. Vou ser sincero para você: eu consegui lidar mais ou menos com essa situação, por quê? Porque como eu trabalhei com o Chorão por doze anos, eu tive uma vivência do outro lado, eu tomando conta dele. Então, eu aprendi como lidar com os fãs sem magoar o fã, a ser receptivo total. Porque, pô, a partir do momento em que você colocou sua imagem lá, você não pode querer privacidade, não pode ficar bravo com as pessoas que chegam em você. Como hoje, eu estou comendo, o cara: “Poxa, ‘meu’, dá para tirar?” Lógico que dá para tirar. Paro de comer, tiro foto com o cara, você entendeu? Tudo isso eu peguei do Chorão, ‘meu’. Eu posso até estar nervoso, mal humorado, mas eu tenho que dar uma risadinha e... Porque esse cara, ele vai me atrapalhar nos três mil que me querem bem, você entendeu? Então é complicado, a fama é um negócio... Dinheiro é complicado, porque eu comecei a ganhar dinheiro. Hoje em dia está difícil, eu estou daquele jeito, mas cheguei a ganhar muito dinheiro, muito dinheiro. E aí pique Chorão, comprei as coisas que eu quis, comprei o carro dele, que eu tinha vendido o carro para um amigo meu, fui lá, o cara fez maior, tipo, mercenarismo: “Dá essa porcaria aí, vou comprar”. Só porque o carro era dele. E o carro que, assim, nós passamos o maior tempo juntos. Ele criou várias músicas do meu lado, porque só eu dirigia para o cara. Fui lá e comprei o carro, fiquei um ano e meio com o carro.
P/1 – Que carro era?
R – Uma Chrysler 300C, perua. Loucona, roda aro 20, socada no chão, tudo ele que fez. O cara era muito louco, ‘velho’.
P/1 – Você comprou logo depois?
R – Uns três meses depois que ele faleceu, fui lá e comprei.
P/1 – E pela lembrança mesmo?
R – Pela lembrança. Por ter estado com ele muitas horas dentro do carro, fizemos muitas viagens. Porque, o que aconteceu? Quando ele brigou com a banda, ele não tinha mais um relacionamento com os caras, ele não andava mais na mesma Van que os caras. Passagem de avião, comprava lá na frente o banco dele, e o resto lá para trás. Então, tipo assim, shows em São Paulo, a gente ia de carro. Até uma distância de quatrocentos, quinhentos quilômetros, íamos eu e ele, só, no carro. Os caras de Van, de avião, pá, ele ia no carro comigo. Então, a gente teve assim um relacionamento muito forte, muito forte. Participei de várias letras... Não eu... Mas assim... Ele criou várias letras do meu lado, no carro. Escrevia, punha no porta-luvas. E mexia nos papéis dele para ver o que acontecia! Não podia nem lavar o carro, ‘velho’, nada, nada. Se passasse aspirador no carro, ele ficava bravo (risos). Uma figura.
P/1 – Ele pedia para você dar pitaco de vez em quando?
R – De vez em quando. “O que você acha disso, tal?” “Ah, eu acho legal. Acho que vai ficar legal.” Demos várias batidas juntos, de carro. Acidente. Ele só andava como louco, e aí me forçava a fazer uns negócios... Batemos, acho, que umas duas vezes como loucos na estrada. Mas assim... não tenho nada para falar do cara. É artista. Ele era artista, ele tinha os momentos dele de neurose de artista. Mas não era aquele cara, sabe: “quero trinta toalhas brancas”. Nada. Ele não tinha nada disso. Total. Mas ele era um cara louco: “Hoje eu não quero falar com ninguém”. “Ah, mas você tem um compromisso”. “Dane-se. Desmarca. Não quero sair. Eu não vou e acabou”. “Poxa...”. “Eu não vou e acabou. Pronto, ‘meu’”! Eu aprendi a respeitar o cara. Mesmo que ele estivesse errado, eu vou brigar com o cara? Eu sei que a decisão dele já está tomada, então... Mas foi muito legal conviver com o cara, aprendi muito com ele. Muito. Muito.
P/1 – Você falou, lá atrás, de como você aprendeu a dirigir. O que é dirigir para você?
R – Ah, é um grande prazer. Eu viajo duzentos quilômetros por dia, porque eu moro em Indaiatuba. Então eu venho e volto, aí são cento e quatro para vir, cento e quatro para voltar, todo dia. Então, é um prazer, mesmo que... É onde eu tenho as minhas ideias, na estrada, onde eu tenho os meus insights do que eu vou fazer, que vídeo eu vou fazer, como eu vou conduzir alguma coisa. Enfim, onde eu resolvo os meus problemas é na estrada. E é como era com o Chorão, quando eu trabalhava em Santos, ‘meu’: é uma loucura total. A estrada é um negócio muito louco.
P/1 – Qual a estrada que você mais curte pegar?
R – Então... Hoje eu ando muito na Bandeirantes. Agora, eu gosto muito da Imigrantes, porque foi lá onde eu peguei esse negócio de saber que isso faz a diferença. Solitário total, porque apesar de você estar numa estrada cheia de carro, mas estou eu, minha moto, meu capacete e meus pensamentos. Então, é muito louco isso. Muito louco. Hoje eu sei, assim, se eu não tivesse isso, muita coisa não teria acontecido. Se eu não tivesse esse momento estrada. Então é muito louco. É legal para caramba.
P/1 – Voltando um pouco, como terminou o seu casamento com a Ana? Você falou muito de como ela estava sempre junto, você falou muito da dinâmica de vocês, eu queria saber como...
R – É. Então... o que aconteceu? O Chorão me ligava assim, tipo, duas horas da manhã: “‘Meu’, preciso que você venha aqui”. “Pô, mas o que você quer?” “Não interessa, eu preciso que você venha aqui”. Pegava a minha moto, meu carro... E isso, ela não se conformava. Ela falava: “Poxa, ‘meu’, o cara...”. Eu falava: “‘Meu’, o cara é meu patrão. Eu tenho esse negócio com o cara, eu não sei o que o cara quer, se ele está passando mal, se ele...”. “‘Meu’, mas o problema é dele”. “Não, o problema é meu, não é dele”. E o que aconteceu? Quando o Chorão faleceu, ela falou: “Pronto. Acabou tudo isso, eu vou ficar legal com o cara”. Porque o casamento já não estava mais legal, foram vinte e nove anos de casados, não é pouco; se você pensar, são muitos anos. E aí já tivemos vários desgastes, tal, me redimi de muitas coisas, inclusive financeiramente, quando ela me ajudou. Quando eu ganhei na loteria, quitei todas as dívidas dela, dei um carro zero para ela, troquei o carro que ela tinha, dei a diferença, tal, paguei viagem para ela, tal. Assim, esse lado estou tranquilo, financeiramente. Agora, tem coisas que você não consegue... Como as vezes em que ela foi me visitar na cadeia, isso aí não tem dinheiro que pague, ela me ajudou demais com isso para que eu pudesse passar alguns dias mais tranquilos lá e ter a esperança de sair e ter alguma coisa para fazer aqui, porque lá dentro você fica totalmente louco, perdido. Os caras que têm uma mente fraca já vão enveredar pelo lado da ruindade mesmo. E o que aconteceu? Quando o cara faleceu, eu caí de cabeça na minha empresa. Mas caí de cabeça de dormir na loja, tudo. E ela começou a me atrapalhar, porque ela andava atrás de mim, ciumenta, achando que estava com mulher, tal. E começou a ir à minha loja, via mulher lá, já fazia escândalo, isso começou a me atrapalhar. E eu não me conformava, falava: “Pô, mas eu nunca dei motivo para ela, de uns tempos para cá... Para ela ter esse tipo de comportamento, tal, e ela não acredita em mim”. O que conta é o que você já fez lá atrás, infelizmente, a pessoa nunca... E aí achei por bem, falei: “Ana, vamos fazer assim: para a gente ficar amigo, vamos nos separar. Deixe-me respirar um pouquinho, minha vida está muito tumultuada, o cara morreu, atropelei um senhor”. Por mais que eu estivesse certo, todo dia me lembro do cara, tirei a vida de um cara. O cara tem família, a família está em cima de mim, meteu um processo em cima de mim. Eles querem oitocentos mil reais de indenização, apesar de eu ter sido absolvido. Então, são coisas que me afetaram demais nessa época. Eu falei: “‘Meu’, vamos...”. Porque senão, eu não ia conseguir conduzir a minha empresa, porque eu estava crescendo assim vertiginosamente. Só para você ter uma ideia, eu tinha um site que comecei a vender, tipo assim, duzentos mil reais por mês. Muita coisa. E eu sozinho. Eu, mais um cara e mais um que me ajudava na loja física, e o cara que tomava conta do e-commerce. Então eu que fazia todos os pedidos, eu que embrulhava, eu que levava para o Correio. Não que eu não tivesse mais tempo para ela, mas, sabe, ela queria uma dedicação minha, ‘meu’, aí cheguei a essa conclusão, falei: “Ana, vamos continuar amigos, fique no apê, tudo certo”. E ficamos nessa mais ou menos um ano. Não saímos mais, não tivemos mais relação, tal, mas a gente sempre se falava, tal, tal, tal, até que eu conheci a pessoa com quem eu estou hoje. A partir do momento em que ela viu que eu tinha conhecido uma pessoa, se desligou totalmente de mim. Hoje ela não é nem minha amiga, porque a gente não conversa. Ela frequenta a casa da minha família, minhas irmãs minha mãe, mas nunca me liga, eu não ligo para ela também. Assim... Eu gostaria de tê-la como amiga, porque ela faz parte da minha vida, fez parte da minha vida, me ajudou demais. Para mim, não é legal isso, é um negócio mal resolvido, que eu talvez tente resolver uma hora. Porque, como ela, eu também tenho direito de ter alguém. E eu dei esse espaço para ela, falei: “Olha, ‘meu’, eu sei que posso te perder para outra pessoa, mas a vida é assim, eu não posso ser egoísta a esse ponto de querer ter você e não te dar o que você precisa: carinho, amor, sexo etc. E nós vamos continuar juntos? Por ela continuaríamos, porque ela também precisava de mim, da minha amizade, mas infelizmente... E hoje sou feliz, casei com uma... Ainda não casei, vou casar em novembro agora. Conheci-a em um evento, o filho dela é meu fã número um, ela é separada, foi ao evento com o moleque, tal. Aí surgiu um papo, falei: “O que você faz?” “Ah, eu sou dentista”. Eu falei: “É mesmo? Eu estou precisando fazer um tratamento, tal, tal, tal”. Aí começou disso. Fui fazer um tratamento para fazer um implante, e é ali em Indaiatuba, por isso que eu moro lá. Aí a conheci, e os moleques se envolveram também, começamos a namorar, depois de dois, três meses, estávamos morando juntos já, lá em Indaiatuba. E hoje os moleques são meus funcionários, abri uma loja lá e eles que tomam conta da loja. Ela é dentista, especializada em implante, em estética, e vamos que vamos. Construí uma casa minha, eu e ela.
P/1 – Qual o nome dela, desculpa?
R – Iana. É sofredora também, vem de uma família que tomou vários golpes de um cara que era amigo da família, pegou um monte de coisas deles, colocou como fiador e eles perderam. Inclusive tem o nome sujo até hoje. E ela é a maior batalhadora, criou os três filhos, se separou acho que faz uns dez anos, do marido, e criou os moleques sozinha, financeiramente. O cara não ajudou em porcaria nenhuma. E hoje sou eu que crio as crianças, pagamos escola juntos, construímos uma casa, um quarto para cada um. O moleque é piloto por minha causa, de SuperBike, ele corre de Ninja 300, e a menininha corre de CG 160. Chama Honda Junior Cup, sem querer fazer propaganda aqui. Mas a menininha é um estouro, danadinha, a Giovana, tem nove anos.
P/1 – E todos viraram seus filhos já?
R – Não tem jeito. Tem que ser. E é uma relação muito legal, porque hoje eu vejo que a relação de pai e filho é uma relação complicada, o cara é o chatão, o pai... não pode nada. Lógico, pô, você tem que... Então, eu tento agir de uma forma... E a faço fazer as coisas. Senão, ‘meu’, o moleque vai chegar para mim, falar: “Pô, você não é meu pai”. E eu não quero escutar isso dele, entendeu? Então, a gente tem uma relação bem legal, de respeito, de amizade, não fala negócio de mulher, essas coisas, tal, porque acho que não entra no mérito, eu tenho que respeitá-la. E procuro... Quando tem alguma situação, eu fico de canto, não me envolvo. Como nas corridas. Corrida, pô, você vê aquela mulherada, o moleque fica louco, o moleque tem dezessete anos, imagina. E a mulherada chega em mim para tirar foto, tal, fala: “Pô, tio, mas você não...”. Eu falo: “Pô, tem que respeitar sua mãe, não é desse jeito”. Então tento incutir também neles essa relação de esposo e esposa, tem que ter um respeito, não tem jeito. E hoje - eu vou ser sincero para você - eu tenho outra postura nesse casamento, assim, traição, tal, porque não vai me levar a nada. Eu já experimentei isso e não é legal para ambas as partes, porque você que faz, você vai dormir com a consciência pesada. E a pessoa que não faz, na hora em que ela descobre, você pode acabar com a vida da pessoa, em termos psicologicamente. A pessoa fala: “Poxa”. E é isso.
P/1 – E como foi para você virar pai depois de tanto tempo assim?
R – Então... é complicado. Porque assim... Eu não tinha isso na minha vida. Porque quando eu me casei com a Ana, logo que nós casamos ela teve problema, ela engravidou, perdeu, só que aí foi constatado que ela tinha vários miomas e tinha um câncer. Aí ela extraiu o útero, ovário, enfim, não pôde mais ficar grávida. “Ah, vamos adotar”. “Não vamos adotar”. Porque a situação financeira era meio complicada. Eu falei: “Ah, vamos deixar passar o tempo, quem sabe a gente, com a nossa maturidade do casamento, a gente até adote alguém”. Mas optamos por não adotar. E aí é aquela coisa: eu tomo conta dos caras na escola, fico atrás de boletim, disso, daquilo. Um dos moleques tomou pau no ano passado, aí tomou um ferro também, porque quando eu cheguei... E outra coisa, eu cheguei com uma proposta: ninguém vai andar de moto na rua. Na rua, esquece. Coloquei os caras na pista. E aí o moleque se destacou. Track Day. Track Day é uma modalidade de... Você vai no fim de semana numa pista, todo equipado, com várias outras pessoas, e anda. Não é corrida, é um treino. E o moleque começou a se destacar. Aí a mãe já pum, pum, hora que eu vi, comprou uma moto de corrida para o cara, que ela tem uma condição financeira boa também, e: “Não, ele vai correr na SuperBike”. Eu falei: “‘Meu’, você é louca? Não estou entendendo aonde você quer chegar desse jeito”. Aí: “Você vai me ajudar e você vai por causa da sua estrutura”. Eu falei: “Poxa, espera aí, você não me avisou de nada, você está só comunicando?” “É mais ou menos por aí”. E aí fizemos um pacto. É assim: dezoito anos, ninguém tem moto para andar na rua. Você vai andar na pista, o outro vai andar na pista. E está aqui, olha, acabei de comprar dois consórcios de carro: um para você, um para você. Você quando fizer dezoito anos, você vai ter um carro zero aqui na porta. Só que você não vai andar de moto, nem na garupa, nem em lugar nenhum. Está bom? Está bom. Um dos moleques repetiu de ano, isso é inconcebível. Eu e a mãe: “E aí, que castigo nós vamos dar para ele?” “Vamos fazer assim: vamos adiar o carro dele por dois anos. Ele vai andar a pé por dois anos, ou vai trabalhar um ano sem salário”. Aí: “Pô, mas você está sendo cruel”. Eu falei: “Não, a gente tem que fazer alguma coisa, porque senão a menina vai esculachar, o outro vai esculachar também”. Foi feito. Pusemos as duas opções para ele: “Ah, prefiro ficar sem meu salário”. “Então está legal. Beleza”. O outro vai fazer dezoito anos agora em novembro, estou acabando de pagar o consórcio, vai dar certinho, vai sair o carro. Então é isso. E hoje eu tenho essa ação social de tentar levar a molecada para a pista. Eu tenho várias ligações com várias escolas de pilotagem, que levam essa molecada para fazer Track Day, que não precisa ter idade, não precisa nada, é um lugar fechado, autorização dos pais, não precisa ter carta. E é aquilo: o moleque não precisa da moto para trabalhar, não precisa de nada, então, pô, um grande divertimento para o cara, entendeu? E está dando certo, graças a Deus. E a menininha também corre. Mostrei para você a foto. E a menina apaixonada por moto, apaixonada por mim. E ela pegou todo o meu jeito, me copia e, sabe, tem toda receptividade, chega, entra nos box dos caras, sobe na moto, tira foto, assim, sensação da SuperBike. Saímos na Rede Globo, Esporte Espetacular, Globo Esporte, aquele programa de domingo que tem de carro. E ela deu várias entrevistas, enfim, se destacou. Aí, falei para a Gabriele, tive um convite para levá-la para a Califórnia para treinar lá - morar e treinar - tudo de vídeo que os caras viram dela. O cara entrou em contato comigo: “Oh, Kleber, sou brasileiro, sou tipo um manager aqui da molecada, ensino. E, pô, sua filha, nossa senhora, todo mundo ficou assim maravilhado com ela, temos uma proposta para você, tudo pago. Se você a trouxer para cá, nós vamos bancar o estudo dela para ela treinar de moto, só que tem que ter uma pessoa responsável”. Aí, pô, estamos meio sem condições de fazer. Não vou mandar o irmão dela com ela também, o moleque tem dezoito anos, imagina, na América do Norte lá, deslumbrado, aí já viu. Mas é legal. E tudo isso aí a mídia que traz, internet, YouTube. E agradeço o YouTube, o Google. Hoje em dia eu não ganho dinheiro com o YouTube, já ganhei. Porque hoje em dia os caras estão mais criteriosos para pagar, porque isso virou terra de ninguém, principalmente nessa área de moto filmagem. Os caras começam a fazer loucura no trânsito, vários morreram. Então, o Google, percebendo isso, tirou a monetização desses caras. Eles só pagam vídeos com conteúdo. Então, se o cara está xingando, passando no farol vermelho, fazendo imprudência, o vídeo dele vai para o ar só que não tem propaganda nenhuma; então, ele não recebe nada. E essa loucura... Vivo da minha empresa hoje, somos bem sucedidos, graças a Deus. E todo mundo trabalha, até a menininha. A menina de férias, ela vem todo dia comigo. Não vem de moto, a gente vem de carro. Mas vem todo dia, já sabe tudo que eu vendo, atende o telefone, terrível. Terrível. Terrível. Isso é legal. Eu fico contente por ter chegado à vida deles e ter dado essa dinâmica, vamos dizer assim.
P/1 – Kleber, eu vou já encaminhando para o fim.
R – Certo.
P/1 – Eu só queria retomar umas coisas que eu achei que deixei meio batido.
R – Vamos lá.
P/1 – Eu queria que você falasse... Você falou várias vezes de perder a identidade nesse momento mais pesado, digamos.
R – Certo.
P/1 – O que é perder a identidade para você?
R – Para mim é assim: é você não dar valor para nada do que você tem, do que você precisa fazer, pela droga. Então, faltar a compromissos, pegar dinheiro dos outros, principalmente. Isso eu fiz muito. Graças a Deus, eu devolvi tudo - tenho minha consciência tranquila hoje. Por eu ter tido essa condição financeira, de quatro anos para cá, eu resolvi muitos problemas financeiros. Mesmo que as pessoas tenham ficado magoadas, pelo menos nessa parte aí... Então, perder a identidade é isso: é você pensar 24 horas na droga e sem se preocupar com nada - se os caras vão falar mal de você, se você vai entrar num lugar, falar: “Pô, o cara drogado, tal”. “Já vai para o banheiro usar droga”... sabe, estereótipo que os caras... Sem responsabilidade nenhuma, sem se preocupar com o amanhã das pessoas que estão ao seu lado, que gostam de você, que você está magoando. Isso para mim é perder a identidade. É complicado. Não tem um compromisso com a vida.
P/1 – Depois você falou que foi preso, como você se sentiu quando foi preso?
R – Ah, o último dos últimos. Porque eu não precisava estar ali, tanto é que foi difícil eu lidar com essa situação, porque estava numa transição desse partido, que acho que não convém nem falar o nome, mas eles estavam entrando para dentro das cadeias e você tinha que se filiar aos caras. Então, se você é contra, quer dizer, não que você seja contra, se você não está com eles, você tem que sair fora. Então, para mim foi muito difícil lidar com essa situação. Só que, como eu era uma pessoa mais velha, tinha uma cultura... Porque, infelizmente, a cadeia hoje é uma lástima - os habitantes dela. E aí foi difícil para eu sobreviver, eu tive que ter jogo de cintura para estar com os caras e não me filiar. Porque se eu tivesse feito isso, eu hoje não teria nada, seria refém dos caras. Então, foi um exercício muito grande assim, sofri demais, envelheci demais, eu sinto que... Perdi um pouco da visão, de ficar fazendo leitura, leitura, leitura. Porque não tinha o que fazer, tinha que ler, ler, ler, ler. E não usava óculos nesse tempo e lia no escuro, luz de vela, essas coisas. Nossa, era um sofrimento terrível. Aprendi muito. Não precisava ter passado por lá, mas hoje eu dou outro valor para a vida, coisas pequenas, como você ir ao banheiro com uma privada, comer com garfo de metal, prato de louça, sentar a uma mesa para comer. Então, são valores que eu aprendi lá dentro, infelizmente. E não recomendo para ninguém, o crime realmente não compensa. Por mais dinheiro que você tenha ganhado com ele, você vai perder tudo e vai prejudicar várias outras pessoas, que são a sua família. Ah, para a minha família foi um horror. A parte da minha mãe é uma família abastada, rede de restaurante famosíssima, pô, para minha tia... E é minha madrinha de crisma, então, para ela... Agora, também me redimi com ela, de um tempo para cá. Inclusive, quando ela estava lá em Miami, ela chegou a um lugar, os caras estavam passando um vídeo meu. Ela não acreditou: “Pô, meu sobrinho”. E hoje em dia eu faço parte novamente da família, vou a jantares. Porque os caras tinham me excluído geral. Pô, o cara só anda drogado, só vem aqui para ir ao banheiro, você entendeu? Então isso aí são coisas marcantes que a droga... Agora, tem o cara que pode usar droga. Tem o cara que usa cocaína só de sexta-feira. Eu não sou desse tipo. Então eu tenho firme e forte que nunca mais vou fazer isso. O cara fala: “Você não pode falar ‘nunca mais’”. Mas essa certeza eu tenho, que eu nunca mais vou usar droga, nem bebida. E é a mensagem que eu tenho para passar nos meus vídeos também. Porque assim... no YouTube eu também abri minha vida, todo mundo sabe tudo isso que eu já passei. Então, eu uso isso para tentar mostrar que o cara não precisa experimentar, ou usar, porque eu já passei por isso e estou falando para você que não serve, então não serve. E já proporcionei acho que sete internações de pessoas que chegaram a mim para eu levar numa clínica, umas clínicas que eu conheço que dão esse suporte. Desses sete, cinco até hoje, coisa de dois, três anos, pararam de usar droga. Dois não conseguiram. Então, são coisas que alegram espiritualmente, mentalmente, e dão força para continuar esse tipo de ação.
P/1 – Legal, Kleber. Quais são seus sonhos? O que você espera do futuro?
R – Então... eu espero ser o que sou hoje. Ter minha empresa, porque eu gosto do que faço, ter dinheiro para fazer algumas coisinhas, porque isso é natural. Não almejo ser milionário, pô, vou parar de trabalhar, vou arrumar uma... Isso, esquece. Tenho certeza de que eu vou trabalhar até o último dia da minha vida. Então, faço o que gosto, hoje estou com quem eu gosto, que é essa família. E meu sonho é esse: continuar do jeito que está hoje, tendo dinheiro para pagar minhas dívidas, meus funcionários. Hoje eu tenho dez funcionários, entendeu? É como o Chorão falava, que ele era um gerador de emprego. E assim, ele expôs minha vida, no bom sentido assim, de falar que ele era um exemplo que alguns tinham que seguir, dar uma oportunidade para as pessoas que tiveram algum problema com a justiça. Porque, realmente, se não fosse ele, eu não sei o que eu teria feito da minha vida. Então, ele chegava aos lugares e falava: “O cara já foi preso, é meu funcionário, é meu cara de confiança. Anda com meu talão de cheques, com as minhas chaves, transporta minha família”. Inclusive teve um show em que ele me chamou lá na frente, não acreditei. Falou um monte, falou: “‘Meu’, esse é o cara”. E eu já era conhecido. Em Franca, foi isso. Aí me elogiou, falou: “‘Meu’, o cara é o cara, então quem puder dar uma chance para alguma pessoa, tal”. E ele falava que era um gerador de emprego. Hoje eu sou um gerador de emprego. E tenho um cara que estava preso, que dei emprego para ele. Está comigo já faz três anos, é o cara mais grato que tem dentro da minha empresa, é esse cara. E não me dá um tipo de problema.
P/1 – Beleza. Kleber, foi muito bom. A última pergunta, já para encerrar, a não ser que você queira contar alguma história que você acha que ficou batido.
R – Falei pra caramba já.
P/1 – Para encerrar, eu queria que você falasse o que achou dessa experiência aqui de lembrar toda essa trajetória.
R – Muito legal, ‘meu’, porque acho que isso aqui é um meio de algumas pessoas que não são do YouTube, ou, sei lá, saberem da vida da pessoa, saber das coisas, problemas, que todo mundo tem. E espero que sirva para algumas pessoas que forem ver a minha vida, acho que vai ficar bem legal. E gostei demais. O que eu puder contribuir, pode ter certeza que será feito.
P/1 – Beleza então. É isso, Kleber.
R – Beleza? Legal.
P/1 – Acabou.Recolher