Museu da Pessoa

Movido a paixões

autoria: Museu da Pessoa personagem: Antônio Leandro Ribeiro

Programa Conte Sua História
Depoimento de Antônio Leandro Ribeiro
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 15/05/2016
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PCSH_HV535
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado por Luiza Gallo Favareto



P/1 – Vamos começar do começo, então. Só para registrar, fala o seu nome completo, local…

R – O nome verdadeiro ou a identidade secreta?

P/1 – O que você quiser, primeiro, o de nascimento e depois…

R – (risos) Tranquilo. Eu chamo Antônio Leandro Ribeiro, 34 anos, nascido em Jundiaí.

P/1 – Que dia você nasceu?

R – Dia nove de março de 82, às dezessete e 35. Falo que é às cinco e meia.

P/1 – E o seu pai, qual o nome dele inteiro?

R – O nome do meu pai é Antônio Ribeiro, minha mãe se chama Conceição Aparecida de Souza Ribeiro. Toda vez que no aniversário dava dezessete e 35, falava: “Mãe, já nasceu?”, ela: “Nasceu”, essa ligação que a gente tem. A gente vem de uma família que a maioria são músicos, mas do jeito deles. Todo mundo toca um pouquinho de violão, um pouquinho de qualquer coisa e as mesmas músicas, o que é legal, uma reunião de final de semana de família, a mesma sequência, “Boate Azul”, “Fio de Cabelo”, “Pinga Ni Mim”, que é legal para caramba, só que o meu pai já veio com o lance de Roberto Carlos. O meu pai que me ensinou. É estranho falar isso, porque a gente não se dá muito bem, conheço ele faz… Faz um ano que eu conheço ele de bater papo com ele, tivemos um do lado do outro a vida inteira, [mas] a gente não se conhece muito. A gente é igualzinho, mas não se conhece… As vezes, ele pega na minha mão para me mostrar um toque novo, fala: “Filho, só são sete notas, elas se repetem aqui, aqui você manda se é valsa, se é rock, se é…”, e até hoje eu choro com isso, faz muito tempo que a

gente não toca.

P/1 – Junto?

R – Junto. A gente canta junto, quando os dois tomam um goró, ficam meio assim, o outro… Aí teve uma… A primeira lembrança que eu tenho deu querer ser músico foi… Vocês vão lembrar da época, RPM, quando era aquela febre do RPM, todo mundo em banda e o meu irmão tinha uma banda, cortava uns pedaços de madeira, passava papel laminado, passava umas lã assim, pegava a fitinha de playback, fazia umas câmeras com o papel laminado também e ia fingir que ia tocar na escola. Eu tinha uns oito anos quando lançou isso aí, “não é possível, seu pai toca, seu tio toca, você vai ficar com essa… Você quer tocar, então, cara?” Me deu uma fita de VHS na época, do Guns N’ Roses, Bon Jovi e um monte de rock. Aí eu comecei nessa viagem toda aí.

P/1 – Mas vamos falar um pouquinho do seu pai?

R – Sim.

P/1 – A família dele vem de onde? Lá de Jundiaí, também?

R – Não. Meu pai nasceu em Marília. Minha mãe em Vera Cruz, eu sei que meu vô é da Bahia. Não sei a história do meu vô, até é estranho que eu nunca perguntei. Meu vô tá do meu lado o tempo todo, eu nunca perguntei. Meu pai veio primeiro, ele tem uma galera de irmão, tem uns oito, nove, mas já teve uns que morreu, já…

P/1 – Tio?

R – Tio. Tem um monte de tio. Aí ele foi o piloto. Ele veio para Jundiaí, trampou pra caralho, alugou a casa e veio trazendo todo mundo, só que o pessoal era unido lá, chegando aqui foi se espalhando. Hoje são poucos que se falam. E o meu pai tá do lado do vô até hoje. Mesmo eu não gostando muito da viagem dele, eu acho que ele foi herói nessa parte.

P/1 – Por causa disso?

R – Por causa disso, porque ele aguenta até hoje uma galera lá em casa, que parece uma pensão na dele. E ele tá lúcido, tá jogando bola ainda. Ele com sessenta anos se aposentou em tornearia mecânica, ele foi estudar, como que é o nome? Injeção eletrônica. Tá montando a oficina dele, ele é doido para que um filho dele siga os passos dele, só que ninguém seguiu os passos dele, profissionalmente falando. Ele fala que ele ensina pelo exemplo, só que com o tempo vai ficando cada vez mais fechado, vendo que a galera não vai seguir. E é isso que eu posso falar do meu pai por enquanto.

P/1 – Sei, mas ele é torneiro mecânico?

R – Aposentado como torneiro mecânico. Trinta e lá vai cacetada de profissão.

P/1 – Trabalhou nisso?

R – Trabalhou nisso a vida inteira. Trabalhou. Meu pai é o MacGyver em pessoa, vamos falar assim, só que ele é um gênio e só ele é o gênio. Esses dias, a gente passou um tempo juntos, que rolou uma chuva lá em casa, todos os lugares rolou uma chuva. Só que em casa pinga há trinta anos, pinga. Daí deu uma zoada e rolou de sobrar pra mim e pro pai passar um tempo juntos. Legal passar um tempo juntos. Só que eu não aguento cinco minutos.

P/1 – Com ele?

R – Porque ele tem o jeito dele e eu tenho o meu jeito. A gente se entendeu, a gente ri, a gente briga, aí deu para um conhecer o outro um pouco mais: “Pai, sou louco mesmo na minha loucura, você é inteligente na sua inteligência, você também é louco, e eu também sou inteligente”. A gente brinca assim, porque o meu pai é o gênio, só que o professor, o gênio, o cara que tem um pouco mais, o desafio dele é fazer com que o aluno aprenda, achar uma forma do aluno aprender, igual o engenheiro, você ensina para o ajudante, mas deixa o ajudante trabalhar. E a treta que o meu pai tem assim, demorou para eu entender, hoje eu entendo, porque teve que brigar, não de porrada, mas brigar nas palavras: “Vai mano, sai daqui, se joga”, é o jeito dele falar assim, como ele falou quando eu tinha quatorze anos: “Você tem mais cabeça para trabalhar pra você do que para os outros, se joga cara, faz a sua vida, não fica marcando aqui, não”, e essa é a viagem que eu tenho com ele, até gosto dele, gosto, mas não tenho um… Como eu deveria ter, aquele que a gente vê, o máximo que eu faço é pedir benção pra ele: “E aí, pai, firmeza?”, ele fala: “Deus te abençoe”. Só que com a minha mãe já é completamente diferente. A mãe já é uma ligação… Não sei, a vida tem muitos segredos que não pode contar aqui ao vivo, mas a mãe é ligação direta total. A mãe é firmeza, é a dona da pensão, ela que manda. Mesmo assim a gente treta. Minha mãe veio de Vera Cruz, uma família também de bastante gente, bastante que eu não sei te falar quanto…

P/1 – Vera Cruz, São Paulo também?

R – É divisa com Marília, 450 quilômetros daqui. Só que a cidade é um ovo, cidade de primeira, se engatar a segunda, você tá fora da cidade, mas é legal pra caramba, só que ela veio já quando a minha vó morreu, eu não sei também muito a história, pessoal não conta, não posso julgar eles, aí o meu vô deu uma filha dele para cada tia cuidar. A minha mãe veio pra Marília, a outra foi para outro lugar e foi nessa… Só que o estranho que eu acho que é um pouco de mentira que eles contam, porque eles já se conheciam.

P/1 – Os seus pais?

R – Os pais, tipo, trabalhavam em fazenda, tinha colônias na fazenda, então as famílias, os avós meio que já se conheciam, não tô falando que é casamento arranjado, mas que tem alguma coisa obscura aí tem.

P/1 – Então foi mais ou menos assim que eles se conheceram, você acha?

R – Sim, quando o pai veio pra cá, eles já… Acho que foi isso aí, quando ele veio pra cá… Não, não, eu lembro como eles se conheceram, eu lembro que a minha mãe falou, minha mãe falou uma vez só que o meu pai… Na época não tinha transporte público lá, então tinha os bares, um tocava, outro tocava lá, tal, minha mãe tava começando a sair também, a mãe falou que ela viu, a imagem que ela tem de ver o pai vindo de, acho que era época de boca de sino, o pai tinha um cabelo do tamanho do mundo, só que tava vindo de caminhão e teve que empurrar o caminhão e cheio de barro, então imagina, terno branco, camisa branca e cheio de barro, minha mãe disse que tomou um susto quando viu o meu pai: “Pô, que maluco!”, nunca tinha familiaridade com cabelo, cavanhaque, tal, na família dela só tinha cabelo curto, ela falou que não foi o que ela conheceu, foi o que ela viu. Aí pra conhecer, a gente não sabe do detalhe, só que as famílias já eram meio amigas. Geralmente quando tem trato numa fazenda, manda bastante gente para lá, vai bastante chefe de família, e pegaram, fala o circuito da plantação de café, daí tinha outra plantação, eles já se conheciam. Mas aí eles se casaram até estranho, porque no casamento do meu pai eu fui, do pai e da mãe.

P/1 – Ah é?

R – Eu tinha acho que… Foi 98, 99, que eles nunca tinham casado na igreja e é estranho falar isso aí…

P/1 – Você foi no casamento dos seus pais?

R – Fui no casamento da minha mãe. A religião tem uma burocracia assim, para você batizar, você tem que casar na igreja e tava lá os seis filhos dela no casamento dela. Isso não existe, né?

P/1 – E como que foi esse casamento aí, o dia?

R – Olha, se eu contar, vocês não vão acreditar, minha mãe foi no cabeleireiro lá perto de casa, tomou um tropicão, ralou os dois joelhos e na hora de ajoelhar lá foi um negócio, todo mundo preocupado com ela. Foi uma cerimônia simples, legal, não teve vestido de noiva, nada, mas pra gente foi muito legal ver a mãe ali contente, o pai também, pareciam crianças os dois. E nós estávamos cuidando deles nessa parte. Eu não tenho muita memória disso aí, também não estava preocupado em ver… Estava em outro mundo já, mas foi legal ver o casamento do pai e da mãe. Eu acho que eu sou a única pessoa que posso falar que viu o casamento do pai e da mãe.

P/1 – E a sua mãe, a família dela trabalhava nessa agricultura? Como era?

R – Todo mundo trabalhava um pouco, só que a família da minha mãe já é um pouco mais de vagabunda, vamos falar assim, não de vagabundo, de não gostar muito de serviço pesado. Então minha mãe sempre compara com os tios. E quando o vô veio, o vô por parte da mãe veio vindo, foi largando filho… Tem um tio meu que é chefe de uma estação em Várzea Paulista, outro que trabalhou em outra estação em Jundiaí. O vô foi arrumando emprego, foi colocando cada um numa função: “Você vai ficar aqui” e cada cidade que passava, largava um. Tem um tio meu em Tupã, conheceu minha tia de Tupã, essas histórias não chegam até a gente. Mas eu sei que o vô foi largando, quando ele montou a casa dele, veio todo mundo de novo morar com ele até a hora que o vô ficou meio diferente, o vô teve Alzheimer e tal, aí no final, todo mundo abandonou ele, quem ficou foi a mãe. E aí virou uma treta essa família, porque a gente se encontra, fica todo mundo: “Oi, tudo bem?”, que legal, mas no fundo tá todo mundo apunhalando o outro por causa que ninguém cuidou do vô e eu defendo a mãe por causa disso aí, porque a mãe foi heroína nesse final.

P/1 – Ficou sozinha com ele?

R – Ficou. Porque assim, uma pessoa já de idade, já com Alzheimer vira uma criança, meu vô era teimoso, meu vô era forte de umas porradas, meio punk e aí, ninguém quis, e a mãe: “Imagina, vai ficar em casa” e a gente sempre gostou do vô, sempre gostou do vô, tive mais contato com o vô do pai do que com o vô da mãe, ao contrário, mais com o da mãe, porque a gente tinha lá todo o tempo. Ele ficou com a gente lá, até hoje, não entendo porque ele morreu, ele tá por aí, a gente só não se encontra, a viagem que eu tenho é que a gente só não se encontra…

P/1 – E que de repente, uma hora você vai estar lá e…

R – Sim, a gente até se encontra, porque dá um estalo assim, ele fala uma coisa no meu ouvido, não sei se eu acredito, eu tô ligado que ele tá falando, dando um salve assim, na linguagem que a gente tinha. Meu avô falava assim quando a gente chegava na casa dele: “Você já cagou hoje?” “Vô, presta atenção no que você tá falando” “Não, precisa cagar para ter saúde, cara”, os antigos têm essa renovação, não sei. Depois que a gente ficou mais velho, ele falava: “você já casou? Tem que casar” “Vô, que casar? Presta atenção, tô com quatorze, quinze anos” “Não, mas já vai…”, era o jeito dele falar, fora as outras, eu lembro mais dessa que ele falava que a vida tem uma ordem, e eu nunca vi o meu vô sem um sorriso no rosto. Nunca vi. O outro vô já vi sem sorriso, já vi com sorriso também, agora sorri mais que depois dos oitenta, a pessoa fica criança, só que esse vô já é mais durão, e o de parte da mãe é o que eu lembro mais, às vezes é por isso que eu sou ligado mais com a mãe, porque a minha família… Tenho dois irmãos mais velhos, a gente tem uma distância muito grande de contato, de idade, a gente tem três anos de diferente, um tem 38, o outro tem 36 e eu tenho 34 e tem as irmãs que vieram na sequência, tenho mais três irmãs mais novas, 28, 25 e não vou lembrar a idade da Sabrina. Então, era uma época, noventa, quando me conheci por gente que a geração tinha separação, as escolas, tipo cara de quatorze não andava com cara de dezesseis, uma frescura vamos falar assim. Então eu colava com as minhas irmãs, porque a minha mãe falava: “Ajuda a cuidar” e as minhas irmãs colavam com as meninas e eu já era músico, então entrei por outra linha, hoje eu falo com os meus irmãos, tenho respeito, porque a vida que levei, eles não acreditam que eu tô vivo até hoje. Meus irmãos nunca saíram do ninho ali, só saiu a hora que o pai deu uma força, eu desde os quatorze eu saio. Saio, quebro a cara, volto, falo: “Mãe, não deu certo”

“Fica ai” “Só o tempo de eu planejar outra”…

P/1 –

E vazar.

R – E vazar.

P/1 – E as suas avós, como elas são?

R – Eu não conheci.

P/1 – As duas?

R – Eu tenho uma imagem só da minha vó, uma só. A vó da parte da mãe eu não conheci, da parte do pai, a gente tava indo viajar para Marília para… Ficou uns parentes pra trás também, tem um monte espalhado. Eu lembro, tenho uma imagem da minha tia dando sopa para ela e eu não consigo entender essa imagem ainda, se ela… Meu pai falou que ela tava meio sem dente, babando assim, pra mim a minha vó tava com a boca costurada. Eu era muito criança, eu não lembro disso. Meu pai falou: “vamos nos despedir da vó” e esse despedir hoje que eu entendo que a vó tava indo, já. Quando eu voltei, ela não tava mais, eu nem lembro do enterro dela, não me lembro de nada. Não tenho esse contato. Também não pergunto porque eles não falam, uma família meio dura na queda.

P/1 – E você nasceu em hospital lá em Jundiaí?

R – Nasci no, como que é o nome do hospital? Santa Rita. Todos nós nascemos. O meu irmão nasceu, seis nascimentos, dois hospitais diferentes, o resto foi tudo num hospital só. E hoje a geração que tá vindo agora tá tudo no mesmo, mudou o nome do hospital, mas tem uma tendência de nascer no mesmo hospital.

P/1 – E o seu pai e a sua mãe falaram como é foi o dia do parto? Você sabe essa história?

R – Não. Não, eu não perguntei, eles não… Para ter umas conversas mais íntimas assim é complicado, tem que dar a maior volta e às vezes, você tem que pedir a palavra, senão, você joga tudo e fica semanas sem se falar. Pai e mãe é complicado, não tô falando que eles são ruins, eles têm o estilo deles e demorou pra eu entender que eu que tenho que entender eles e não eles que têm que acompanhar a mim.

P/1 – Mas você nasceu em Jundiaí e vocês moravam onde quando…

R – Eu até brinco com os meus irmãos, porque o meu pai sempre pagou aluguel, a hora que eu nasci o meu pai conseguiu construir a casa dele: “Tá vendo molecada, foi por causa de mim”. Aí a gente sempre morou na mesma casa, do lado da casa do vô, acho que a viagem dele é essa, não vai abandonar o pai dele nunca, mas não de não ser independente, mas de se o pai dele precisar, ele tá ali, porque o pai dele ajudou ele a vida inteira e é estranho porque eu vi muita gente sair dali, muita gente nascer, muita gente morrer e eu fiquei muito tempo naquela vila ali. Quando eu fui na televisão, eu virei o Aerosmith da vila. E era uma coisa simples, fui no festival de calouros, só que foi o primeiro, e eu tive que sair daquela vila, até hoje eu não sinto saudades de nada de lá, tem uma meia-dúzia de pessoas que eu faço questão de ver, eu fui lá semana passada, eu faço questão de ver, vou na casa de um, a gente tem a mania… Não sei se aqui em São Paulo tem, de você ir na casa da pessoa, não só dessa nova geração, aí eu fui morar no sítio também, que o pessoal já tinha contato com a família e no sítio é muito legal que você vai na casa, você não avisa que você vai na casa da pessoa, você vai. Então você já vai com o feijão cozido, com algum drink pra você tomar alguma coisa e com o violão. Então, você tem assunto para a vida inteira e eu saí de lá, eu não faço questão de voltar lá, não. Volto só para ver a mãe e ver o pai também, agora que eu tenho falado com ele, ver o pai também que tá indo, mas não sinto saudades de nada lá, não.

P/1 –

Me descreve a casa lá que o seu pai construiu? Como ela é?

R – É uma casa simples, de três, quatro cômodos, cada vez ele ia aumentando um pedacinho. A casa que nunca… Construção inacabável? Tá lindinha, bonitinha, só que sempre chega mais um também, irmã, nossa vida não é das mais de novela, uma irmã tem um filho aqui, uma não deu certo ali, sobra tudo pra mãe, sobra pra mim também,

não sustento ninguém, porque pelo amor de Deus, eu ajudo a cuidar, porque é o tio louco, é o tio que brinca com as crianças, é o tio que joga bola, eu gosto muito de criança. Muito da molecadinha também, que eles têm uma vida bem diferente. Então eu chego lá, às vezes, só para ver a mãe e ir embora no dia seguinte, a mãe fala assim: “Você vai fazer o que amanhã ?”, já sei que…

P/1 – Tá pedindo, já.

R – “Tá bom mãe, o que você quer?” “Segura aí, leva eles na quadra”, aí eu passo um dia com a molecada, só que não são meus. Então aí tem o lance de educação, eu dou uma, a mãe dá outra, o pai dá outra… Falo: “Quer saber? Eu vou brincar com vocês, vamos

tocar violão, vamos andar de skate”, esses dias eu tava ensinando a molecada a jogar taco, não sei se você conhece taco, tem lugar que é um nome, bet, tal. A hora que eu vi tinham umas dez crianças na rua, falei: “Vai virar profissão, eu já posso criar uma creche”, alguma coisa. Só que ainda não tenho essa paciência pra ter duas, três horas com um monte de criança de três até dez anos, só que quando é parente nosso, a gente tem uma correção melhor para corrigir, quando é filho dos outros você não pode falar nada, então…

P/1 – Mas como é essa casa? Tem quintal?

R – É assim, a casa do pai é assim, tem uma garagem, sala, banheiro, cozinha, quarto da mãe. Embaixo tem um quarto que é a pensão, que eu falo que é a pensão, todo mundo que precisa voltar, usa aquele quarto, já foi de todo mundo aquele quarto, não teve um que não precisou daquele quarto, não teve um que deu certo assim de primeira, vamos dizer.

P/1 – Nunca voltou?

R – Não, não fala: “Nunca voltei”. A minha última irmã que saiu agora, ela saiu porque ela veio de uma geração diferente da nossa, eu falo que cada vez que a mãe teve um filho, ela tentou melhorar a criação, legal isso aí, só que a última foi de um jeito diferente, não tenho como classificar. E a minha irmã nunca saiu de casa, a gente teve uma treta, falei: “Vai viver, vai, você tem vinte anos, já tá tudo pronto”, ela foi e não voltou ainda, então… Só que foi abandonando a família, entendeu? Não tinha treta pra deixar a mãe triste daquele jeito, então a gente ficou meio chateado com ela. Mas é até bom, parece mágica, até bom que quando um vai brigado é o tempo certo do outro voltar, não é combinado, mas são um cosmos, é um karma que tem, tem que deixar um espaço aberto ali. A mãe fala pra mim, toda vez que eu chego lá sem avisar: “Você voltou? Você tá aí, eu arrumo espaço para você” “Tô tranquilo, só vim ver e já tô saindo, porque eu tenho que deixar… Eu já sei viver no mundo, eu tenho que deixar a vaga aberta pra quem vier agora”. A mãe fala que ali, antigamente, não… Eu tenho lembranças, mas não tenho muita que por ser a última vila de Jundiaí assim, perto da reserva da biosfera, da Mata Atlântica, tinha as fazendas e não tinha muro, a casa foi construindo, foi morando, as vacas vinham, o gado vinha e não tinha água e ia lavar roupa no rio, tenho toda essa memória, bica, lembro de quando colocou asfalto, algumas coisas a gente lembra e não faz um ano, olhei atrás de casa e falei: “Mãe, o que esse pé de abacate aí tá fazendo dele? Não lembro dele” “Você não lembra? Quantos abacates deu quando vocês eram pequenos aí? Que vocês jogavam…”, a gente nasceu… Hoje tem um pé de abacate lá de mais de sete metros, a criançada fica louca que o tio dela sobre em cima da árvore e joga abacate pra eles. E a molecadinha tem uns que não gostam, então a gente inventa delícia gelada, vários nomes pra comer a vitamina. Ai esse abacate aí veio que unir a família de novo, olha que maluquice. Um dia passou um tio lá, falou: “Cara, esse abacate aí tá madurinho” “Você tá querendo? Espera aí então”, deu um pulo lá, a gente não tava vencendo de comer na época assim, aí tem um pretexto de “Arruma um abacate pra mim?!” “Passa em casa para buscar então”, ou então, a gente vai levar”, virou uma ligação, uma coisa simples, que a gente plantou a semente sem saber, coisa de criança mesmo, só que agora que a gente plantou e cresce mesmo, falei: “Por que você não faz uma horta lá atrás?”, que é um terreno de uso comum, de uso público, eu passei uma semana fazendo, plantando umas coisinhas lá, só que a família ainda não, vamos dizer assim, eu acredito que eu evolui, não cabe mais ali, eu acredito nisso, que precisa ser jogado no lugar, mas a mãe quer, mãe é mãe, né cara, não adianta, você pode ter cinquenta anos, ela traçou um perfil pra você, tem que ser assim, tem que ser igual aos seus irmãos. Aí os irmãos… Um tá se dando bem, graças a Deus, mas o outro já foi, voltou, vai e volta…

P/1 – Aproveitando que você tá falando dos seus irmãos, conta pra mim quem são eles e como é você nessa escadinha? Você falou já, mas…

R – O Adriano que é o mais velho foi o piloto, o que veio na frente. Muito do que eu sou de estilo veio desse cara, ele me deu a primeira fita de… Ele que tocava com os papelãozinho dele, com as madeiras dele que não era violão, porcaria nenhuma. Aí, ele me fala: “Vou tirar o baixo do Guns N’ Roses, cara”, e o baixo do Guns N’ Roses que ele me ensinou [tocando] “Imagina que isso é Guns N’ Roses, cara!”, e eu tretava com ele, tocava aqui em cima, eu falava: “Não é, cara” “Você quer ser músico, então?”, deu a fita, só que aí ele já tava se bandeando para o outro lado, o meu irmão fazia… Faz cinco anos que ele é DJ, tem a equipe dele. E eu passava, porque eu era louco, era escola, tinha uma diversãozinha e dormir, e dormia no mesmo quarto, eu e os meus irmãos, e ele tinha as pick-ups dele, as paradas dele e era a noite inteira [som de batida de música] uma música em cima da outra, eu já tentei me interessar por isso, acho legal pra caramba, só que eu não tinha chance com os amigos dele e quando ele não tava lá, eu ia ligar e eu cansei de queimar equipamento dele. Até que ele me ensinou um pouco, eu fui fazer uns sons com ele, aí quando ele começou a fazer umas mesas de som, mandou bem, Zé Geraldo, Zé Ramalho, ele pegou uma galera desse meio aí, de mesa de som, só que aí eu já tava em outro mundo, vamos dizer, eu já era meio louco, e ele falou que só ia me ajudar se eu tivesse careta, aí eu falei: “Então, você não vai me ajudar nunca, cara, porque mesmo sendo saudável, não usando nada, minha loucura vai continuar”. Hoje, a gente tem até um respeito, porque a gente precisou dar uma tretada forte para ter o respeito, falei: “Cara, eu cresci, se você tá achando que você…”, não vou falar as palavras que são palavras muito fortes, mas falei: “Mano, acorda aí, vamo… Pra eu derrubar você falta pouco, só que você não aguenta um round comigo e não é na mão”. A maior briga que tem são nas ideias, porque quando a pessoa manda o outro calar a boca, acho que já perdeu, começa a gritar, já perdeu e a gente já sabe conversar, sabe como falar um palavrão, erguer a voz, incomodar a pessoa só num pé que você puxa. Até é meu amigo, cara, até legal essa amizade. Não tô dizendo também que ele tava errado, eu também já aprontei muito que não cabe nessa história, o outro meu irmão, o Fábio, a gente era amigo mesmo. Amigo mesmo, só que devido a geração ser diferente, vamos dizer assim, a gente ia para

Marília final de ano, era dezoito, dezesseis e quatorze, aquela mania que todo mundo tem de ficar com as primas, sobrava encontro pra todo mundo, só que como eles faziam as paradas deles lá meio malucas, eles achavam que eu ia falar pra mãe: “Imagina, também tô ficando com uma aqui, só que eu não falei para vocês”, a gente não tinha esse contato e foi se distanciando, distanciando e eu não tive exemplo dos meus irmãos, sempre tive exemplo dos caras serem bacanas, mas não tive referência, não tô falando que é culpa deles, presta atenção, só que eu também: “Quer saber? Eu quero que se foda esses caras, também, vou andar sozinho”, e fui procurar minha referência na rua, não na rua em si, com os meus amigos que eu tinha. Aí com quatorze anos já fumou o primeiro baseado, gostou do primeiro baseado, que é outro mundo, jogava bola com o meu irmão, tinha um time, legal, abandonei isso aí também, jogava bola profissionalmente, abandonei e eu aprontei muito, que era uma forma de eu vingar deu ter sido da minha cabeça, que demorou pra eu entender, de eu me vingar dessa separação, que eles me tiraram do jogo, admirava os caras, via os caras andando com as meninas, via os caras tocando, via os caras jogando bola, via os caras com grana e os caras trabalhando e eu ali, de escanteio, falei: “Não cara, isso aí tá errado”, aí aprontei várias pra eles, é foda. Várias. Eles também não foram muito santos, chegamos até a sair na mão um com o outro, só que aí, Fábio, o meu irmão, a gente se parecia muito, muito, falavam que a gente era gêmeos, muito!

P/1 – Fisicamente?

R – Fisicamente e a voz. Até falava que se ligassem em casa e falar que é o Antônio, você já sabe que não é: “Não é o Antônio, não”, até a voz parecia muito, todo mundo da família do pai tem a voz grossa. Aí eu lembro que o meu irmão jogava bola e eu já joguei bola pra caramba, só que aí já entra em outro detalhe também, jogava bola o dia inteiro, aí não fazia mais nada, tinha uma facilidade na escola, só que a professora queria que o cara copiasse e eu gosto de escrever, eu não queria copiar a lousa, eu já assimilava e eu ia conversando e o pai cortou muitas asas minhas, é o outro atrito que eu tenho com o pai também, que chegou um contrato: “Seu filho vai jogar no Palmeiras, no Paulista de Jundiaí” “Não, não vai não”, meu pai ia lá no time me tirar, nossa, eu ficava louco, aí eu fugia de casa, só que nessa, eu já tava jogando bola mais por prazer, mas mesmo assim tinha um time, tinha uma história, eu levei meu irmão pra jogar campo, ele já tinha uns vinte e poucos anos pra jogar campo e ele jogou campo e ele se deu muito bem, se deu muito bem, mesmo. Só que ele trabalha numa firma lá, começou a jogar no campo, jogava num time amador, em Campo Limpo Paulista, jogava ele e o Grafite, o Grafite da seleção, meu irmão jogava duzentas vezes mais que o Grafite, tô puxando o saco, porque o meu irmão até hoje joga, mas ele tá mais… E aí teve a… Não sei como dizer, teve uma peneira e o meu irmão já tinha passado para subir a, vamos dizer assim, não que ele ia tirar o caminho do cara, do Grafite, mas ele ia traçar o dele para poder chegar em outro lugar. Aí o bonitão, sabidão comprou uma motoca, lembro até hoje, comprou, começou a andar, não tirou a carta, vou falar bem claro que o certo é… Achou que o céu tava aberto, eu lembro que ele acordou e falou: “Você vai fazer o que, cara?”, eu falei: “Vou lá na frente da escola ver as garotas” “Vamos lá comigo, então” “Então vamos colocar roupa igual pra você ver como eu pareço com você, você não acredita”, chegou lá, pessoal viu: “Vocês são iguais”, ele ficou muito contente que a gente parecia, eu falei: “Vou ficar aqui”, ele falou: “Eu tô indo buscar a moto na revisão”, isso meio-dia e meia. Onze e meia, onze e pouco, já tinha fumado um monte, tomado um monte, aquela… Com o violão pendurado assim, aí o meu outro irmão, Adriano, que não morava em casa e tal, em cima da beliche do Fábio, e se parecem razoavelmente, mas o Adriano é mais avantajado: “Leandro, o Fábio tá no hospital, tá zoado” “Imagina cara, vi o cara de manhã” “Tá no hospital”, eu falei: “Imagina, você nem mora aqui, cara, o que você tá falando? Eu tô muito louco, eu vou dormir, amanhã eu vejo o que eu faço”, aí o meu irmão teve um acidente de moto e ficou muito tempo com pino na perna, zoou o joelho dele, e acabou o rolê, você tem uma chance de explodir, não que você vai alcançar o sucesso e acabou aquela viagem dele. Eu lembro dele em casa com uma gaiolona e a moto parada, acabou, tirou a gaiola, começou a jogar bola, teve um outro problema no joelho, aí que meio que desistiu. Hoje ele tem o time dele, o time amadorzinho com os amigos dele, tem o time que faz só de, cada um da família que alcança sessenta anos tem que ter um time, só que tudo combinado, tudo… E o legal que desse reencontro meu e do Fábio, ele falou: “Já que você é maluco mesmo, você vai ficar narrando, eu sou um jogador de futebol, você é um artista, você vai lá e narra o jogo”, a gente tem essa brincadeira.
Na Páscoa foi aniversário dele, falou: “Você não quer fazer um acústico pra mim na minha casa?”, eu fiz um som pra ele com o pessoal dele, com o pessoal nosso, também. A gente não é amigo, mas a gente tem um respeito, a gente consegue dar risada junto. Mas passou, criou-se um hiato muito longo…

P/1 – Entre os dois, né?

R – Entre os três, vamos dizer, que daí foi quebrando o que tinha entre os dois também, quebrou e por ter quebrado a amizade dos dois, os dois viraram meus amigos, que eles falaram: ‘Você tava certo, cara, a gente quis ter tudo e não teve nada”. As outras irmãs… Irmã é complicada, cada um tem uma história e a que eu sou mais amigo é a que a gente briga mais, é a do meio, de 21. A gente se parece muito, só que ela tem a história dela, tem quatro filhos com quatro pais diferentes, eu não julgo, eu julgo que ela tá tentando acertar uma, eu acho que nessa última ela acertou o cara certo. Eu não acho errado você tentar, mas também não precisa tentar tanto assim. Ela tem uma profissão, ela é cabelereira, manicure, ganha a maior grana, tem a viagem dela. A outra irmã, mais velha, já é professora, com 25 ela tem a casa dela, às vezes, um com trinta ou outro com quarenta não tem, ela tem a casa dela. A outra irmã, a Sabrina, a gente já não se fala muito, ela partiu na viagem dela…

P/1 – A mais nova, né?

R – A mais nova. Partiu na viagem dela e não temos contato. De vez em quando, vem lá, mas a gente já não conversa muito, mesmo.

P/1 – Quantos anos tem a mais nova?

R – Nasceu em 98, faz a conta…

P/1 – Dezoito, né?

R – Não, ela tem mais de vinte anos. Noventa e quatro ela nasceu.

P/1 – Tem 22 então.

R – Tem 22.

P/1 – Já saiu de casa, já?

R – Até que enfim que saiu de casa, que ela é muito inteligente, formada na faculdade dela, não sei o que de Administração, qual parte que ela é, trabalhou pra caramba, fala umas duas línguas já e tá fazendo o que dentro de casa? Vamos dizer assim, né? Vai fazer um intercâmbio, vai viver… Só tinha arrumado um namorado só, vai namorar mais, vai fazer alguma coisa. Aí a gente costuma falar na família que abandonou a nave, abandonou a firma. Tá todo mundo trabalhando junto, aí abandonou a firma, foi morar com um maluco aí, a gente não conhece ainda, porque a gente não tem que gostar dos namorados, mas no mínimo tem que se apresentar…

P/1 – Pra família?

R – Pra mãe, sabe, pro pai, porque mãe e pai têm um carinho, têm um cuidado com o filho, mas pelo menos para a mãe ficar sossegada, saber onde a filha tá. Isso é uma caretice que eu trago deles, o dia que chegou o novo da irmã do meio, eu cheguei com cara de ontem, sabe quando você vem da balada com cara de ontem? Estragado, com o violão assim: “Tudo bem, jovem?” “Tudo bem” “Quem é você?” “Eu sou o Zé” “Você vai entrar e se apresentar ou como que nós fazemos?”, aí depois ele falou assim: “Dos seus irmãos, você é o mais gente boa, porque pelo menos fala com a gente, os outros não falam”, mas é mais para a mãe ficar sossegada. Aí eu tive uma aventura esses dias aí, trabalhei um mês e meio para esse meu cunhado, montou uma oficina, um picareta esse cara. Eu não fui investigar o cara, mas ele falou: “Você precisa ganhar uma grana?”, falei: “Preciso ganhar uma grana porque vai vim uma garota de Capivari para ficar comigo, eu preciso ter dois ingressos dos Rolling Stones, cara”, meu nome é Tone Roll por causa dos Rolling Stones, por causa da viagem que eu tenho, do herói vivo e aí, eu trabalhei para ele uma semana e tudo bem, tudo tranquilo, trabalhei por quinze dias, aí deu uma treta, que ele falou que não tinha grana: “Não precisa de grana não, cara, você tá começando, fica tranquilo. Faz o seguinte, me arruma um violão, eu sei que você consegue arrumar fácil e me arruma uns cem contos, só pra eu chegar lá no Morumbi tranquilo”, que a Rafa tava trazendo os ingressos já, já tava com os ingressos, tava tranquilo, a gente ia ver os Rolling Stones e eu esperando também a vontade… Eu ia na quarta e no sábado, na quarta eu ia para trabalhar mais um pouco porque a minha irmã tá lá, tá com o neném pequeno, tem que ir um maluco lá para ficar um pouco lá para dar uma… Sabe? Precisa ter algum dos nossos lá. Esse cara me vem com dez reais quatro horas da tarde. Eu só não xinguei ele com um palavrão, mas eu falei tudo que eu devia ter falado para ele e fiquei contente, passou mais uma semana, eu trabalhei de novo para ele, vou dar uma força, a gente perdoa. Hoje eu não consigo olhar para a cara dele: “Você é um picareta”, assim, assim e assim a caminhada dele, já sabe quem que é o cara, aí a minha irmã manda a foto de ultrassom que tá grávida do cara, falei: “Pronto. Tomara que dê certo”, essas histórias que eu tenho com as minhas irmãs, não tenho tanto contato, porque também isso não interfere na vida delas por eu ser maluco, elas não interferem na minha, um gosta do outro, só que gosta não brigar, a gente não fica se alisando, é raro a minha família ter um abraço entre irmãos, entre pai e filho nunca teve. Quando eu cobrei isso do meu pai, ele falou: “Você fica vendo televisão demais”, cheguei a passar já dezesseis horas vendo televisão quando era mais novo por causa dessa segregação que tinham, os mais velhos podiam sair, você tinha que ficar ali porque você era intermediário, você não tava com idade para sair, só que os mais velhos saiam quando tinham a minha idade. Então quando a mãe mudou a criação, mudou o sistema de criação, falou: “não, você vai ficar com a molecadinha aí”, e criou essa pilha na minha cabeça que eu fico perdido em gerações na família.



P/1 – E como é que era Jundiaí quando você era criança?

R – Olha, Jundiaí é uma província. Uma cidade… hoje em dia, ela é desenvolvida, até bonita, só que desse tamanhozinho a cabeça das pessoas. Jundiaí é um Tatuapé, vou falar pra você, de desenvolvido, de recursos, só que… Eu não lembro muito dela quando eu era pequeno, que eu quase não saía, eu fui sair depois dos quatorze.

P/1 – Você lembra mais assim da rua ou do bairro?

R – Eu morava na casa da… Sempre morei naquela casa, eu andava cem metros, eu tava na escola, na mesma calçada, então você não tinha muito recurso, ia na missa, que era uma obrigação ir na missa, se não fosse tava fudido e quando ia com a mãe, a mãe ficava beliscando pra você prestar atenção e o meu pai nunca foi na missa, foi nos momentos que ele tinha que ir, no batizado e eu falava: “se ele não vai, por quê eu tenho que ir?”, aí tem aquela coisa: “mas ele é seu pai”. Hoje eu entendo que você não precisa ir na missa direto. Era essa a diversão e jogar bola. Só que jogar bola, a gente era profissional de jogar bola na rua, a gente pintava a rua, fazia campeonato com tabela e taça, inventava um gesso e fazia medalha. A diversão que a gente tinha era jogar bola, 24 horas por dia jogar bola, fora as outras brincadeiras de pé na lata que é uma mistura de pega ajuda com… Sabe o pega ajuda, né? Com pega esconde e com o lugar que você se salva, a gente fazia umas brincadeiras malucas para passar o tempo e tinha o toque de recolher, tal hora tinha que estar todo mundo. Só que a gente começou a crescer, o que tava pego, o que tinha que procurar, quem ficasse por último para procurar tomava um croque da molecada, imagina trinta moleques, você tá procurando, você tinha que se livrar para você continuar brincando e se livrar para não apanhar da molecada, só que na minha família, eu nunca fui de violência, meu pai falava: “não briga na rua, cara, eu não gosto de briga, mas se brigar, bate, porque se você apanhar na rua, você vai apanhar em casa também. Se você bater na rua, você vai apanhar em casa também”, por causa da não violência. Só que dentro de casa não era bem assim. Eu me acostumei a apanhar dentro de casa, não em surra, sempre tinha uma chinelada, sempre tinha uma varada, sempre tinha, não tinha muita conversa, a cultura deles veio dessa... Então a molecada falava assim: “Você tá de calça hoje porque tomou umas pancadas ontem”, pancada é linguagem de hoje, mas já tinha uma varinha esperando, tinha mangueira, tinha uma cultura dessa aí que me deixou um pouco maluco, porque como que eu não posso brigar na rua e eles ficam brigando comigo?

P/1 – Dentro de casa, né?

R – Dentro de casa. E não tinha diálogo. Na rua, ainda tinha diálogo, tinha diálogo e tinha uma na manga, que a coisa mais legal era brincar de lutinha, o moleque adora a lutinha, brincadeira mais besta do mundo é brincar de lutinha, porque sempre sai um machucado, nunca sai um inteiro. E aí a mãe comprava arma pra nós, arma de ninja, arma de… Pregou-se a violência, vamos dizer assim, só que o que nós fazíamos era o futebol, o futebol pra nós é que era a válvula de escape.

P/1 – Jogava na rua mesmo?

R – Jogava na rua, só que a gente começou a crescer, começou a jogar bola, vamos dizer assim, o futebol parece uma brincadeira de criança, mas pega dez crianças aqui que se todo mundo jogava contra, mas jogavam no mesmo time, um time de campo e saiam para jogar em lugares de Jundiaí diferentes. Foi conhecendo, mas também era ir ali e voltava, não conhecia… chegou uma vez que eu já não tava muito fã de… Meu pai já tinha cortado as asas da coisa profissional, tinha até começado a tocar, já queria uma outra vida. Não queria mais jogar bola, o pai falou assim: “Você só vai jogar bola se você for na missa” “Tá bom, é ir na missa que você quer? Então, é na missa que eu vou”. Acordei cedo, fiz o que tinha que fazer, fui na missa, chata pra caramba, que missa, minha opinião, igreja católica dessas antigas, você dorme, porque é chato. E eu ia quando eu fiz comunhão, catequese, eu ia até de orador, de falar lá na frente, cheguei a participar. Saí e voltei, meu pai estava dormindo. Peguei as chuteiras, a hora que eu ia sair: “Você não vai jogar bola” “O que você falou pra mim? Se eu fosse na missa…” “Você não vai jogar bola, você não foi na missa” “Você que não viu”, aí ficou aquele impasse, falei: ”Agora se eu não tomar uma atitude, eu vou ficar pra sempre nessa ai”, falei: “Tá bom”, eu já desci, do jeito que eu desci, o meu irmão já viu o que eu ia fazer, já viu que a minha irmãzinha veio atrás, a caçula, isso faz um tempo, teve uns salves assim, meu irmão chamou ela para dar tempo de eu pular o muro, falou: “Vai nego”, porque os meus irmãos, quando o meu pai proibiu, eles também se proibiram. Eu pulei o muro, joguei bola, nem lembro o resultado do jogo, a hora que acabou o jogo, falei: “É agora”, quando eu chegar lá, vai estar estranho, eu não vou voltar não.

Foi a primeira, com dezesseis a primeira fuga. Aí virou hábito. Mas não de qualquer coisa. A fuga começou a ser uma busca, quem fugiu de casa sabe, agora eu que tô fudido, porque se eu não fizer nada… Tinha uns amigos que sempre davam apoio, tinha a mãe de um amigo meu, do Erlim, um grande amigo meu, não sei se ele tá vivo ainda porque aprontou muito, quando eu chegava na casa dele assim: “Como é que tá lá?” “Tá embaçado, tá moiado” “Fica aí, fica à vontade”, o pai dele chegava, via eu deitado assim: :”Fugiu, né cara? Fica tranquilo”, passava um tempo, baixava a poeira, a mãe dele dava os passos: “Vai pra casa, se der errado você volta”, só que as fugas começaram a ser mais constantes, cada vez mais tempo. Até que uma vez eu fiquei nove meses sem falar com a mãe, mas não que tava brigado, vou viver a minha vida, daqui a pouco eu ligo, daqui a pouco eu ligo, nove meses, a mãe botando cartaz aí em São Paulo atrás de mim, procurando, um monte de coisa, achando que eu imaginava que ela tava achando que morreu, só vem notícia ruim. Aí agora eu ligo para a minha mãe pra dizer assim: “Mãe, tô vivo, tô bem, tô longe dos crimes, das drogas e da prostituição, é o que você precisa saber”. Ela fica contente só disso. Só que Jundiaí, eu já toquei em todos os lugares que tem pra tocar lá, depois que eu cresci, eu andei em todos os lugares, me apaixonei pela maioria das garotas que tinham lá que era possível se apaixonar, fazer música e tal. Então, eu não… A cidade é muito pequena, sabe? A cidade é legal, tem muitas coisas legais pra você fazer, só que existe outro mundo aqui fora, e às vezes, eu volto lá e sinto saudades, saudades não da cidade, saudades de quando eu era pequeno e a cidade era enorme, quando a gente é pequeno, daqui do outro lado da rua é gigante, é cheio de possibilidades, às vezes, eu tô desenhando com a molecadinha, pego um carvão, não tem o que fazer, vamos arrumar o que fazer com a molecada, invento uma brincadeira. A gente ficava só de fazer um desenho na rua, o quarteirão da rua era um mundo pra nós, hoje o mundo já não é isso aí. Então, meio que eu abandonei Jundiaí, quando eu chego lá, tem um pessoal: “Tone…”, só que dá dois dias, já me dói o coração.

P/1 – Fica pequeno?

R – Fica pequeno. São Paulo, eu me apaixonei por São Paulo, conheci tudo. Tudo não, mas quase tudo, tudo do bom e tudo do ruim, também, aprendi com os melhores, e com os melhores a gente fazia coisas ruins também.

P/1 – Mas vamos voltar para a sua infância, mesmo. A gente tem um tempinho pra ver, eu queria saber um pouco da sua rua. Como era a sua rua? Como era a vila onde você morava?

R – Como assim, você fala?

P/1 – O que tinha na rua? Você falou que por exemplo, demorou para por calçamento, tal…

R – A primeira lembrança que eu tenho daquela rua é quando estavam colocando os postes. Eu lembro que a gente ficava fissurado, fascinado com aquela máquina de fazer sarjeta, jogava o cimento assim, vinha e já tava pronto. A gente quebrava, o cara vinha fazer de novo, só para ver a máquina fazer, a gente ia lá e ver a máquina fazer de novo. Eu lembro colocando asfalto, lembro dessa… Depois, apaga um pouco na mente. Eu lembro que tinha uma molecada, toda casa tinha uma árvore, toda frente da casa tinha uma árvore, nenhuma era pé frutífero, porque a gente fazia muita bagunça, o que tinha de fruta, a gente fazia bagunça. Tem um pé de fruta na casa de tal pessoa, a gente ia lá, subia e ficava o dia inteiro. Tinha uma molecada muito unida. Eu lembro da molecada, menina quase não tinha, tinha umas quatro ou três, só que era uma geração que não tava no nosso alcance, mas também não estava nem preocupado com nada, só jogar bola e dar porrada no outro. Eu lembro que a geração… Até me entristece um pouco, porque eu vi, vamos dizer assim, eu era o highlander ali, eu nasci ali, eu vi muita gente chegar e muita gente partir, vi duas ou três gerações partir dali. Muita gente mudar e todas as casas eram iguais, a maioria das casas iguais, que eram todas as casas de aluguel, a gente por ter uma… A gente não, né, o pai que tinha, porque ele sempre bateu no peito que a casa era dele, a gente por ter uma casa própria: “Vocês são boy”, que boy, cara? Você não sabe o rolê que tá dentro dessa casa e para manter esse… Porque tinha uma diferença muito grande também de… Meu pai tinha um carro, uma brazoca, nossa adorava aquela brazoca. Aí, a rua era um… Vamos dizer assim, o filme “Karatê Kids”, todo mundo tinha a mesma viagem, sessão uma da tarde, acabava o filme, saiam uns trezentos moleques com a faixa na cabeça. Na época do Cavaleiros do Zodíaco, quem tinha os homenzinhos, tinha, quem não tinha, vai lutar na rua. Eu lembro de uma coisa legal que tinha da… Isso faz tempo, hein! Nossa. Figurinha do Ping-Pong Pantanal, bater bafo, altos campeonatos rolando assim, tenho saudades também que tinha terra na minha rua, tinha calçadas que não tinha calçamento e tinha uns terrenos baldios, que hoje não tem. Hoje pra você jogar bolinha de gude… A molecadinha não sabe o que é a bolinha de gude, meu sobrinho procura os lugares, pessoal mais velho fica até contente com isso. Eu tenho saudades que tinha espaço, hoje em dia, com o progresso e tal, todo mundo quer melhorar, mas perdeu um pouco a vila; agora tá vindo uma outra vila, tá construindo um Alphaville atrás, um terrenão assim, a nova Alphaville que vai mudar muita coisa naquela vila, lá. Por isso que eu não sinto saudades da vila, eu sinto saudades dela assim, mas há vinte anos atrás, agora não tem graça. Ou eu que virei um cara sem graça, já que eu não vejo graça mais em nada, só vejo graça nessa babilônia aqui.

P/1 – E como foi na escola? Qual foi a primeira escola que você entrou, Tone?

R – Eu lembro com detalhes quando eu entrei na escola. Eu entrei, sentei, me apaixonei logo de cara pela Vivian loira lá na frente, fiquei bravo com o Fernando que sentou na minha frente, naquela confusão ali, a gente já se conhecia. Eu lembro das professoras, dos amigos que a gente tinha. Eu sempre tive facilidade de aprendizado, facilidade mesmo. Não tô falando de ser gênio, mas de captar, devolver e aquilo me sobrava tempo pra bagunçar. A professora falava assim para a minha mãe: “Seu filho é inteligente, seu filho não é educado, ele não é sem educação, só que ele incomoda”, porque não sei se é hiperatividade, não sei o nome que dá, cativava a criançada, isso foi até a terceira, quarta série. Nunca fui de me esforçar também não, é C que precisa, a média? É isso que precisa? Então tá bom. Só que às vezes, tinha um lance de disputa: “Eu duvido que você tire dez sem errar uma vírgula, sem errar um acento”, mas isso, se tivesse usado isso para o bem, ia ter válido muita coisa. Aí chegou uma época, sexta série, foi sexta série? Foi um divisor de águas, sexta série eu fui pra… Todos os meus dois irmãos repetiram a sexta, eu vim da quarta a quinta batendo no peito: “Eu não, vocês não sabem, a sexta é mais fácil”, porque sexta virava gente, vamos dizer. Eu peguei uma geração de maluco, repetente, não tô julgando os malucos e nem os repetentes, mas o cara estava em outra onda e eu acompanhando a onda dos caras, ia jogar bola, brincar, a gente fazia questão de sair para fora da aula e montar um time de dez caras para jogar bola. Quando a professora entendia que era, ela falava: “Não vou, vou deixar o time desfalcado”, a gente começava a atirar cadeira, a escola já era meio sem comando, tinha uma diretora lá, todo mundo obedecia ela, mas quando ela não tava, era terra de ninguém.

P/1 – Qual que era o nome? Você se lembra?

R – Aparecido Garcia, era na rua de casa, a mãe olhava assim pra ver se a gente ia para a escola mesmo e para bater o pé na escola era terrível, como que ia bater o pé na escola? Do lado de casa. A única vez que eu bati o pé na escola, tinha um timinho, que nós fazíamos tudo junto, os parceirinhos nossos. A mãe pegou, alguém caguetou, eu morava… Isso fez bem para a criação, eu morava na última rua da vila, para eu sair da vila, eu tinha que cruzar a vila toda, então você ficava exposto, a escola aqui, na calçada de casa, o horário de aula, o tonto não sabia nem tirar o uniforme, então a mãe pegou, deu umas porradinhas de leve, aí não dava mais para bater o pé pra lá, e atrás de casa passa o rio, passa um brejo, o que a gente fazia? A gente ia para a escola, pulava o muro da escola, estava dentro da escola, ia lá nadar, pescar, fazia o que tinha que fazer e voltava por volta da escola. Deu certo até que um dia a mãe pegou uma roupa cheia de barro de rio: “Essa escola não tem barro”, aí foram puxar a capivara, só viram a molecadinha correndo lá embaixo, assim, era nós. Aí já estava nessa bagunça. Aí aconteceu de eu não me preocupar muito e ficar de recuperação.

P/1 – Sexta série, né?

R – Sexta série, professora Eunice. Até uns dois anos pra cá eu queria matar ela, assim, de filha da puta, me repetiu, mas depois eu entendi que se ela não tivesse me repetido, minha vida tinha tomado outro rumo, porque quando eu repeti a sexta, eu fiz mais uma sexta naquela escola ali, conheci uma outra galera que tinha até a mesma idade, repetido antes, são grandes amigos que me alcançaram. Pessoas que eu toquei, pessoas que eu gostei. Aí, na sétima série foi no ano de 95 pra 96, o digníssimo lá, o Fleury, alguém desses caras aí, que era do governo dele mudou a escola, igual o Alckmin quer fazer agora, botou de primeira a quarta em uma, de sexta a oitava em outra escola. Aí rolou aquela luta por vaga e tal e a mãe me jogou na escola lá: “Você quer ir no Gandra?”, o Gandra é no centro da cidade, falei: “Não”, moleque, ainda meio caipirão, tinha costume de ir para o centro, mas não queria ficar no centro, meus irmãos estudavam numa escola chamada Coronel Siqueira de Moraes, essa escola foi a segunda escola inaugurada estadual, escola pública em São Paulo. Quando ela foi inaugurada, o Dom Pedro Segundo foi em Jundiaí para inaugurar essa escola, que era uma biblioteca, linha férrea Santos Jundiaí, então tinha que botar uma escola ali, a escola tem uma história. Meus irmãos estudavam lá desde o prezinho. Aí eu fui pra lá. Bunda mole, com medo da escola, se na Aparecido Garcia tinha naquele período trezentos alunos era muito, naquela escola tinha uns mil e pouco, tinha gente de Jundiaí e de outra cidade e era uma época, 96 que tinham os bonés gringa, galera tava roubando demais, muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo e eu cheguei nessa escola com a camisa do Corinthians, bermudinha, não achei o meu nome na lista, aí já deu, falei: “será que a minha mãe errou, cara?”, com quatorze anos com cara de choro, aí eu lembro que eu fiquei um pouco perdido, andando para … De repente, um cara, um brutamontes, três metros de largura, bateu assim e fez a roda assim, que antigamente era isso. Fazia a roda. Falou: “E aí? Você não é irmão do Zóio?”, o Zóio é o apelido do meu irmão DJ, falei: “Sou, por quê?” “Irmão do Zoião, anda com nós, anda com nós, cara”, aí eu virei o rei. Aí no Siqueira veio muita gente de muito lugar diferente, muita cultura diferente e a maioria tava todo mundo assustado com o tamanho da escola, com pessoas diferentes, a gente se uniu de uma forma que não tem explicação, naquele ano e nos dois seguintes. Tinham seis caras na classe, só seis homens, o resto tudo mulherada.

P/1 – Quantas pessoas tinham na sala, você sabe?

R – Trinta e oito. E quatro caras totalmente um diferente do outro. Tinha o mais bobo, tinha o mais alegre, tinha o briguento… Tinha um personagem de cada, então a gente se uniu que a gente era uma pessoa só. Só que a gente se uniu pra se defender, molecagem, tinha que bater, todo dia tinha que bater em alguém, só que não por briga, a gente inventou um… Vocês já jogaram um jogo chamado canela ball? Mas o canela ball é o vale tudo, a gente vendia pra molecada que quem ficasse mais tempo com a bola era o campeão. Todos contra todos, uns duzentos moleques, só que para nós, a gente não explicava o que era canela ball, valia tudo, então quem tivesse com a bola ia tomar canelada, mas tinha um lugar para salvar, chamado de pixe o lugar para salvar. A gente não tava nem um pouco preocupado em jogar bola, quando bater, tirar aquela… A gente evoluiu nesse jogo chamado “passou, levou”, tomava uma caneta, tomava porrada, na verdade parece truculência, mas não era nada de violência de quebrar, era só para gastar adrenalina, tinha esse lance. Aí aconteceu de uma paixão louca que aconteceu naquela escola também, esse é outro caso, mas eu lembro de… Eu já tocava um pouco de violão, bem pouco também, eu tava começando a andar de um lado para o outro e eu lembro que a Fabiana entrou chorando de se derramar, falei: “Ixi”, não entendia o que era isso ainda, entendia que tinha morrido alguém, não sei. “O namorado dela brigou com ela”, cada um especulava, os caras aqui, aí nessa entrou o Igor, o Igor era mais velho, o Igor tinha um filho, então o Igor era o rei nosso, ele tinha um filho com dezesseis anos, eu tinha quatorze, só que o Igor entrou… Foi assim, a Fabiana entrou chorando e o namorado dela combinou com o Igor: “A hora que eu bater na porta, você já começa a tocar”, aí o cara entra com um buquê de flor pra pedir desculpas e começa a tocar “Tears in Heaven”, todo mundo chorou, emocionado, o cara pedindo desculpas, ajoelhou, falei: “Nossa, que daora, funciona”. Aí o meu amigo Erin falou assim: “cara, vou aprender a tocar violão”, falei: “Então vamos”, digo mais: “Vou montar uma banda então”, foi o primeiro conjunto que toca de tudo. Aí começamos. E nessa, nós levamos muita gente nesse embalo. Dia onze de fevereiro, meio-dia e 35 foi quando fez vinte anos desse primeiro encontro nosso, existia uma promessa de um brincadeira assim, se o moleque que você era quando você era pequeno daqui vinte anos, ele vai te dar um chute na canela ou ele vai te abraçar? Qual que vai ser a reação do cara? Vai ficar contente com o que se tornou? Daqui vinte anos a gente volta, mais vinte anos. O dia que os Mamonas morreram, 96, mesmo sem saber tocar, a gente cantava o dia inteiro, Legião, Mamonas, pessoal chorando e o tonto aqui fez uma brincadeira: “Não adianta chorar, morreu, morreu”, quem tomou umas porradas fui eu aquele dia. E eu lembro que foi virando muita coisa, resumindo assim, eu saí… No dia que fez esse aniversário de vinte anos,eu tava lá com a camisetinha do Hendrix, cabelo despenteado, All Star no pé e de skate no horário combinado, todo mundo já tava meio sabendo que a gente foi falando que ia ter as… Só tava eu lá. Eu fiquei triste no começo, depois eu fiquei contente, porque o que lutei para ser eu tava conseguindo ser, tava sistematizado. Aí eu falei: “Só faltava agora um baseado aqui”, não me passa um do lado ali: “Chega aí, tem uma seda?”, “nossa, obrigado irmão!” Aí, depois disso aí, até mandei uma mensagem pra galera falando: “Eu deixei meu coração, não quero mais ficar com essa memória”, na mesma noite apareceu todo mundo no inbox, virou um chat, contando as histórias, às vezes, foi eu que dei muita importância para isso, eu dei tanta importância por causa de uma garota, sempre tem uma garota na história, o maluco sempre tem uma garota. Ela era muito bonita, muito. Ela ainda é muito bonita. Aí uma paixão platônica, não teve nada, pra eu conseguir falar com ela demorou quatro anos e meio. Quando eu falei, eu chorava mais do que falava, falou: “Tone, eu já sei” “Tudo bem, mas eu precisava falar”. Precisava. Fiz duas músicas para ela, só. Aí eu saí da escola porque fui convidado a se retirar, que eu era bem bagunceirinho, bem bagunceirinho, mas não tinha nota ruim. Então pra não atrapalhar, a diretora mandou a gente embora. Aí eu fui para outra escola, só que a outra escola que era perto de casa também _________, meus irmãos… Toda minha família estudou naquela escola ali, sem tirar nem por, todo mundo estudou, fora pai e mãe, todo mundo estudou e ali, eu tava na minha fase meio punk, de pintar os cabelos, rasgar as calças, sabe punk mesmo, de contra tudo e contra todos? Ia para a escola com o violão assim: “não vou entrar hoje não”, aí alguém falava: “O Tone tá aí e não vai entrar não”, saiam uns vinte, trinta, esvaziava assim, as classes, porque atrás daquela escola tem a Boca da Baleia que é um pico que a gente subia, assava batata, tomava vinho, fumava maconha e tocava violão e quem desce sorte, ficava com alguém, quem não desce, dava risada do mesmo jeito.

P/1 – Quantos anos? Dezessete, dezesseis?

R – Isso foi em 98, já tava com dezoito pra vinte, nessa faixa, não vou fazer a conta agora de cabeça. Aí, foi quando eu comecei a andar com as próprias pernas, vi que tava funcionando, o que eu aprendi tocar tava indo, comecei… Não vou falar me tornar profissional, mas sabe, direcionar a coisa.

P/1 – Quando foi que você falou que a sua família toda tocava música, mas quando foi que você tocou no violão a primeira vez?

R – A primeira vez que eu toquei eu não lembro a data, eu lembro por causa do meu padrinho, irmão da mãe, tio Ruben… É assim, não podia tocar: “Não vai tocar, não que você vai quebrar o violão”, aí o que eu escutava, cara? Vai quebrar o violão. Então ensina eu, doido”, não era com essas palavras, mas… “Não, não vou ensinar, não”. Aí alguém encostava o violão, eu ia lá e pegava. Eu lembro que eu toquei… Toquei?! Copiei da revistinha, era o Lobisomem Juvenil da Legião Urbana, eu já tinha um gosto por rock, já, o pai gostava do Roberto Carlos e eu sempre fui procurar saber quem que era e o que tava em volta, mas se eu falar que eu tinha uns dez anos, acho que era isso aí que eu tinha. Sentei sozinho e toquei o violão. Aí eu peguei esse hábito, eu não tinha violão, eu fiquei quatro anos sem ter violão, também eu não tinha condição de ter um violão, o violão que tinha em casa a mãe jogou fora. E o legal é que o violão que ela jogou fora, meu amigo achou esse violão na frente de casa e a gente… Somos muito amigos e tocamos muito bem juntos por causa desse violão. Aí onde tinha um músico, eu colava do lado: “Ensina eu, ensina eu. Não vai me ensinar? Então vou ficar do seu lado assim, até eu aprender de qualquer forma”. E nessa eu tocava guitarra, baixo, batera, fui aprendendo... O que faltava chamava eu, que sabia que não tinha limite, o cara aprende. Aí, eu já tava com aquela ideia de fazer sucesso, que jovem tem essa ideia de sucesso de televisão…

P/1 – Em quem que você se espelhava nessa época, você lembra?

R – Eu lembro que eu pegava um… O meu irmão já tinha uma câmera dessas JVC, eu botava a câmera assim e brincava direto na TV, olha que pira… Ficava sentado tocando violão, aí o meu cabelo, queria alisar o cabelo, eu queria ser o Slash, eu queria ser por causa da fita do Guns, eu queria ser o Slash. Aí um dia eu vi que não ia dar para ser o Slash e o cabelo já tava caindo, eu tava alisando demais, caindo mesmo o cabelo, falei: “Não, eu vou ficar careca”, eu sempre tive um apelo de parecer com alguém famoso, não sei da onde que vem isso daí, vou ser eu mesmo e vai por aí mesmo. Aí eu me tornei especialista… Como eu toquei com muita gente, assim, de aprender, o dia que eu fui montar a minha banda, eu montei umas quatro: “Tá tocando?” “Tô, tô querendo montar uma banda” “Vou tocar com você”, parecia aquela fábula do flautista que vem com rato… Aí faltou um baterista, aí me chega o Chuck. O Chuck é um alemaozão, irmãozão que a vida me deu, desse tamanho assim, parece o Chuck mesmo e eu ali de calça rasgada, moicano fluindo para cá, ele falou: “Eu não gosto de preto” “Pega eu então, cara” “Só gosto de preta”

“Ah bom!”, brincando assim, virou amigo, vamos tocar juntos. Só que aí eu já tinha me apaixonado e me desapaixonado várias vezes, escrito um monte de letra e eu não sabia cantar: “Eu não sei, eu tô aprendendo”, mas eu tinha sentimento que tava cantando, dava choque, vamos dizer assim, né: “Nossa, o cara canta demais!”, mentira, eu tava gritando. A gente passou três anos juntos e começou a tocar nas escolas e todo pessoal que a gente conheceu na escola que acompanhou as histórias com as garotas, escutava as músicas: “Eu lembro disso aqui”, tinha mina que falava assim: “Faz pra mim essa música que eu gosto de você, eu faço questão de…”, e aí eu vi que funcionava, só que a gente não tava preparado. Chegou uma época de ter três bandas que eram requisitadas para tocar, não porque tocava bem, porque tinha disponibilidade de tempo, por não trabalhar, tenho uma profissão, sou pizzaiolo, sou eletricista, sei fazer melhor do que o cara fez ali, os tijolos, eu garanto pra você que eu sei fazer, não tenho medo de trabalhar, mas prefiro não, se eu puder trabalhar com música, eu faço prostituição musical, tocar na rua para ganhar dinheiro, ainda mais o lugar que eu tocava dava muito dinheiro, na Augusta com a Paulista. Eu comecei a tocar por querer ter sucessos, ser famoso, ainda se vier, não vou negar, mas hoje eu entendi a importância de você ser músico, a importância de você ter um… Tanto de ser músico, como de ser um engenheiro, como ser qualquer outra profissão, só que música é tachado de vagabundo. Aí demorou, como muita gente foi ficando, Jundiaí é foda porque Jundiaí é modismo, quando tinha a época do hardcore, todo mundo é hardcore, todo mundo com meia na canela. Aí chegou os caras do reggae, todo mundo virou reggae. Chegou os emos, todo mundo começou… Vamos dizer assim, não todo mundo, mas tem um flutuação do público que vai para lá e vai para cá e eu fui o cara que finquei os pés no rock, falei: “Do rock eu não saio”, só que eu vinha do… Minha primeira banda que eu fui tocar, eu toquei, nem tocava, eu cantava porque eu não tinha equipamento, era Raimundos, Ramones e Guns N’ Roses. Então até eu sai dessa banda porque eu não tinha… Os caras me pediram pra ter acompanhamento de voz, meu pai falou assim: “Pede para esses caras esperarem até… Hoje é dia cinco, até o dia quinze que sai o vale, eu te compro uma caixa”, mas os caras não esperaram, foram embora porque chegou um bacana com equipamento, aquele dia eu chorei, cara, aquele dia eu chorei, aquela rua de casa ali sabe o quanto que eu chorei, de soluçar e a mãe e o pai do lado assim, não sabiam o que fazer, porque eles viram que eu gostava. Falaram: “Fica tranquilo, você vai ter a sua banda e você vai ensaiar aqui”. Tava eu e o Erim, duas guitarras, tocando alto para caramba dentro de casa. Aí, decidimos gravar um disco. Gravar um disco, cara! Como que vai fazer sucesso? Temos que gravar um disco. Estranho que tudo rolava em torno do Siqueira, que ali que era o pico nosso. O estúdio que a gente gravou, hoje em dia tem até um artista, Júlio Machado, fez essas novelas aí, ele fez um capanga nesse Velho Chico, o pistoleiro lá, esse cara aí tinha uma banda, Adenotrip o nome da banda dele, até lembro a música dele, mas é muito esquisito tocar. Eu ajudei esse cara, ele também me ajudou muito a colar o carpete no estúdio dele, tava todo mundo começando, só que ele foi para o lado da Arte Cênica. A gente gravou o disco, eu lembro que chegou para gravar, legal que o meu pai sentou para ver. Pressão total. Eu fui fazer só o baixo, fiz o baixo, uma música besta, triste pra caramba. Aí o cara foi fazer a guitarra, o Erim, que era o meu herói, fumei maconha por causa dele, olha que besteira, cara: “Como que é fumar maconha?” “Fuma aí”, toda juventude, você tem alguém em quem você se espelha, mais próximo e não é ruim ter isso, só que é ruim você fazer de tudo. O cara não conseguiu tocar, não conseguiu cantar, não conseguiu tocar, eu fiz as duas guitarras, fiz a bateria, na hora de cantar, ele… “A música é sua, mano”, olhei assim para o meu pai, não vai rolar hoje, tentei umas duas, três vezes. Eu gravei uns cinco, seis discos, passava um mês, eu quebrava porque eu não tava bom, mania de querer ser perfeito. O último que eu gravei, eu gravei sozinho. Ficou legal, só que já não tava… Ficou legal aquela viagem de quinze anos atrás, só que a viagem agora é outra. Só que através da música foi o que me proporcionou conhecer muita gente e muita gente me conhecer.


P/1 – Nessa época, já, também, né?

R – Já, porque por eu ser grande de tamanho, vamos dizer assim, na época, eu tava com dezoito, a galera tava com 26, trinta, a malucada, galera descolada, os bacanas que a mãe não gosta, mas as filhas gostam. Eu colava junto e como eu sempre procurei saber, tenho a formação – entre aspas – musical por causa do meu pai, do meu irmão, de ter muita informação, meu irmão tinha muito disco em casa, muito disco, então eu sempre gostei de ver e ler o que estava acontecendo. Então, às vezes, chegava pra escutar uma banda como o The Doors lá, o The Doors era especialista, eu era doente com aquele maluco. Aí tá tocando certo? Eu era tipo referência dos caras, aí quando comecei a tocar, o pessoal vinha com fita, que era a época da fita cassete ainda, vinha com uma fita pra tirar a música. E eu comecei a conhecer muita gente e enlouquecer também, a alterador de consciência, vamos dizer assim, pra falar bonito, fumar e beber pra caramba. E tinha vez que eu chegava em casa, minha mãe falava assim: ”Você bebeu hoje?” “Claro que não, mãe” “Você bebeu e não bebeu pouco” “Imagina, olha como que eu tô careta”, ela só pegava assim: “Olha o seu violão aqui, ele chegou primeiro que você”, porque às vezes, eu dava trabalho, mas não de ser uma pessoa chata, mas sabe: “Só vou dormir aqui e depois eu vou embora” “O Tone tá lá, olha o violão dele, depois ele dá um jeito de chegar aí”, e começou a virar a cabeça. Foi onde começou as fugas, mesmo, de querer ver, de querer sair…
Aí eu montei uma banda uma vez, vou falar de banda agora também, que é a parte legal. Essa banda com o Chuck… Todo mundo que era amigo de infância montou uma banda, eram cinco caras que tinham se fudido por causa de mulher, todo mundo triste, todo mundo meio deprê, eu cheguei com umas músicas mais deprê ainda, e a galera… virou uma cena, vamos dizer assim, uma onda naquele bairro ali, depois virou no outro bairro, Jundiaí inteiro conhecia a banda Iris, que a Iris era o nome de uma mina de um camarada nosso, a gente pediu emprestado o nome dela, faz a banda e tal e depois, ele também separou e juntou com nós… quem… não é dor de cotovelo, que a gente nunca teve nada com as garotas, era só de gostar e tava começando a ser gente naquela época. A gente montou uma banda, a gente ficou três anos e meio juntos, tocou duas vezes porque eu forcei a barra, que a galera gostava de estar tocando e eu já falei: “Gente, bora…”, aí eu tava com três bandas, uma banda punk, esses caras e ensaiando com os outros, montando um festival, uma semana antes, a banda saiu fora. Eu sempre me fudi com isso, tá ligado? Vamos, vamos, chega na hora, diz assim: “Não vou não”. Aí, eu montei uma banda de emergência, eu me tornei especialista em banda de emergência, eu toquei com muita gente e aí: “Vamos?” ”Vamos”, só que não tinha nome a banda. Eu trouxe um vocalista do Siqueira, que até tinha feito a transação, trouxe o cara, arrumei um baterista, todo mundo bebia, garrafas e baldes, mas não era beber todo dia, não tô justificando gente, mas bebia, aquele dia ia tomar um monte. E para tocar The Doors, que era… vocês jogaram Super Trunfo? Acho que todo mundo jogou Super Trunfo na vida, chegava assim, a gente jogava Super Trunfo com The Doors, quem tinha mais revista, cada um tinha mais informação trazia, juntava um sábado, vamos beber e ver quem tem mais… Às vezes, ter a mesma revista com uma foto invertida ganhava a disputa daquele lance, a gente montou a banda, tocamos oito músicas, galera gostou mas não tem nome, não tem nome. Aí passou um caminhão The King, legal cara! Aí o gordo baixista me puxa um maço de Derby’s: “Nossa cara, Derby’s, The Doors, Derby’s”, pronto! Matou o nome da banda. Arrumamos um empresário, dono de um bar grande lá de Jundiaí, bancava a gente, bancava em tudo: comida, bebida, transporte, cigarro, ensaio, instrumento e a substância, quem usava, usava a sua. A galera não usava muito, a galera tinha também o seu corre. Aí a gente veio… Foi quando comecei a vir para São Paulo sem fuga, Teodoro, de tanto ler já sabia os endereços das lojas de músicas, aí aqui o pessoal já conhecia um pouco, arrumamos um festival para tocar. Eram quarenta bandas, mas como a gente já tinha uma caminhada, no dia ia ter nós, Los Hermanos e Lobão, tem uma oportunidade. A banda fez o quê? “Ah não”, ficou com medo dos caras. Fiquei puto da vida com todo mundo, meti o pé mesmo e comecei a tocar sozinho.

P/1 – Isso foi em que ano, mais ou menos?

R – Isso foi em 2001. Aí voltei até a trabalhar, cortei cabelo, fui trabalhar num restaurante, fui fazer pizza…

P/1 – Em Jundiaí?

R – Em Itupeva, que é uma cidade também que tem um tio meu que o meu vô espalhou, sabe, tem várias…

P/1 – Antes de você continuar, eu só queria te perguntar duas coisas: a primeira, na escola você tinha alguma matéria que você gostava mais ou uma professora que te marcou, alguma coisa assim?

R – Olha, professora que marcou acho que não… Tem, tem um professor sim, bacana. Tem, o professor Paulo. Aquele maluco era foda, cara. Ele pegava um jornal assim, olha, na época, se fumava ainda dentro da sala de aula, olha só que… Com o charutão dele assim, o jornal dele, duas páginas, uma era furada e a outra não, ele ficava só olhando a gente aqui. Ele comprou um livro, era professor de História e Geografia, ele falava assim: “Vai grifando o livro”. Hoje eu entendo que fazia a gente grifar o livro todo, só que a aula dele não tinha como você não aprender, eu lembro até hoje. Tem um professor também de… Professor Norberto, professor de Ciências, depois eu voltei para o Siqueira, eu voltei três vezes para o Siqueira, brigava na escola e voltava para o Siqueira. Agora eu não posso voltar mais, só dando aula. Aí, eu lembro da gente se encontrar depois, falar: “Mas eu lembro de você, lembro que tinha uns caras no fundo tocando violão, sétima G, tal horário”, eles ficam contentes da gente lembrar deles, mas de matéria, sempre gostei de Língua Portuguesa por causa da escrita, por causa da música, por causa do Inglês também, mas não para aprender a falar Inglês, até hoje, eu embromo no Inglês, mas de pegar uma letra e traduzir e na maioria das vezes, sempre tinha um amor na escola, sempre teve. Então eu tava escrevendo uma música, pensando outra coisa, o professor incentivava, os poemas que eu escrevia, as letras, não precisava fazer exercício mais, porque ela corrigia por ali o lance da linguagem, não sei falar o nome correto, mas da matéria dela, ela corrigia por ali. A gente sempre teve essa máxima, que a melhor coisa que inventaram foi a escola, a pior foi ter que estudar. Porque é o único lugar em que você vai ter encontros grátis, vamos dizer assim, pessoas grátis, depois que você fica velho, você tem que fazer outras coisas, mas não tem… Eu lembro desses dois professores que esses eram os caras, esse porque foi um pessoal que conduziu a gente tanto moralmente, quanto na educação.

P/1 – E você falou que tinha uma camisa do Corinthians, você sempre foi corintiano, então?

R – Tive que ser, né. A família era, não sou tonto de ficar… Só em 94 que eu chorei pra caramba quando o Palmeiras engoliu nós lá, aquilo foi foda. Mas quando o São Paulo ganhou em 91 lá em Tóquio, eu assisti, torci para o São Paulo, eu gosto de futebol, entendeu? Esse último que teve, esse episódio que não combinaram com os alemães, que se combina com os alemães ia ser só dois a zero, eu fiquei louco, porque eu entendi que é peça de teatro, que é tudo uma papagaiada. O ingresso

custa caro, um cachorro-quente lá é quinze paus, a camisa custa caro, e se ganhar ou perder, você tem que trabalhar do mesmo jeito. Então eu parei com isso. Sou corintiano porque eu tenho hábito de ser, mas falar pra você que eu vou botar uma camisa do Corinthians hoje e vou pagar pra ver um jogo? Não vou mais.

P/1 – Sei, mas antes você acompanhava? Tinha ídolo?

R – Nossa!

P/1 – Jogava bola, né?

R – Jogava bola e gritava o nome do cara que eu era o cara, na época, pra mim era o Viola, sempre foi tendo um… A gente tem essa mania de botar um nome de quem você quer ser. Eu sou o Viola, eu sou tal… O campeonato na rua nosso, o Corinthians é a gente, cara, você vai ser o São Paulo. Tinha vez que: “Não vamos ser o Corinthians? Então, nós não vamos jogar. Vamos fazer outro campeonato e vamos ser o Corinthians”. Mas é fanatismo infantil, não desse que tem hoje, aí. Hoje o que eu tenho de loucura no futebol mesmo é quando jogo play. Eu só jogo com o Brasil, aí é patriotismo, eu jogo com o Brasil, mas eu sei jogar tanto que se eu pegar Trinidad e Tobago, é pelo jogo. Mas nem futebol a gente joga mais hoje, quinae minutos aí já perde a graça. Legal de ver, legal de ver gol bonito, legal de ver a malucada torcendo, mas tem muito mais coisa pra fazer hoje em dia.

P/1 – Você se lembra de algum jogo que te marcou que você assistiu na TV ou você viu ao vivo? Do Corinthians…

R – Eu nunca vi um jogo, eu fui uma vez no estádio em Jundiaí. Tem um time em Jundiaí, sabia, de verdade?

P/1 – Paulista, né?

R – Teve um time, agora tá na quarta divisão, campeão da Copa do Brasil, ganhou do Palmeiras. Eu fui uma vez quando eu era pequeno com o meu pai para jogar bingo, aqueles bingos que dá carro, que dá… A única vez que eu fui no estádio foi essa. E não me marcou… Jogo que me marcou não vou lembrar, lembro que eu chorei nesse aí que o Corinthians perdeu do palmeiras, porque tava numa fase de pressão do Corinthians e quando foi campeão em 94, que ali eu fiz uma promessa, subi a escada com o joelho, escada de casa tem quatorze degraus, que promessa é essa? Nem doeu o joelho, mas para criança entender o que era uma promessa e cumprir, ali eu digo que marcou. E o último de 2012 que foi campeão também.

P/1 – Libertadores?

R – Mundial. Mas mais por influência de onde eu tava, do time que eu tava. Meus irmãos são doidos pelo Corinthians. Meu irmão Fábio tinha uma pasta assim, não sei se ainda existe, mas tinha uma pasta de saquinhos com tudo que saía do Ronaldo, ele tinha tudo. Ele comprava, ele trabalhou, teve chuteira, camisa, mano… Isso aí é doença. Cortava o cabelo e pá e não sei o que, e no final das contas, quem se parece com o Ronaldo hoje é o meu irmão mais velho, que tá gordo e careca igual o Ronaldo.

P/1 – O atacante ou o goleiro do Corinthians, você diz?

R – Não, o Ronaldo Fenômeno. Os dois tão careca agora.

P/1 – É, e gordo.

R – E gordo. Mas eu não consigo ver jogo com o meu pai e com o meu irmão e nem com o meu sobrinho. Gosto de ver jogo, gosto de ver um futebol, mas eu gosto de ver, eu não gosto de ficar brigando com a televisão. Então eu meio que abandonei. Fui jogar bola esses dias no parque Tietê pra brincar com a rapaziada lá, cinco minutos, já pedi balão de oxigênio, não aguenta. Eu esqueci, gente, eu tenho noção, sei que… Não vou me condicionar a isso, nem pra isso me condiciono mais, vamos dizer. Às vezes eu ando com o violão: “Você toca? Parece fácil”, eu digo: “Sim, é fácil, mas tem 22 anos que eu ando com o violão”, qualquer coisa que você faz durante um tempo, você vai criar um hábito. “Por que você não dá aula de música?” Não sou professor, sou um incentivador musical, posso ficar do seu lado um tempo passando para você. E futebol, eu quis jogar futebol muito, eu quis tanto, tanto, que eu já não quero mais hoje. Não sei se existe isso... Gastou aquele…

P/1 – Vontade, né?

R – Existe jogar amador, praticar, o pessoal fala de ter um time de final de semana, mas em Jundiaí a gente tem um timinho lá nosso, o Internet Super Soccer, só que tudo videogame, a gente joga no sítio de um brother meu. Só que a falta é do pescoço para cima, não é porrada, é no grito. A gente fala que futebol é um jogo de contato, então permite contato, só que a gente joga, a gente bebe, a gente fuma durante o jogo. Teve um jogo que marcou sim, lembrei de um jogo agora. Brasil e Paraguai, lá no sítio. Do outro lado tinha um pessoal trabalhando que eram os paraguaios, la cucaracha, eu não sabia falar nada de espanhol: “Cucaracha, Hermano”, pegamos amizade e foi desafiado Brasil e Paraguai. Só que no final, ficou dois contra dois, porque os caras foram embora. Uma semana antes, eu tinha ido no show da Legião Urbana cover e tinha tomado um soco no meio da roda agitada, aí tava com uma bandagem no nariz enorme assim, só que mesmo assim não desisti de jogar. A gente fez dois a zero nos caras, os caras fizeram quatro a dois e deu elástico, começou a humilhar, sabe? Falei: “Parou com esses caras”, ganhamos o jogo até a hora que a gasolina aguentou no corpo, na hora que começou a faltar o ar, a pinga começou a subir, aí o meu amigo falou assim: “Tone, arruma uma falta”, sou especialista, quando eu fui parando de jogar, eu fui virando cai e cai, eu arrumava uma… Não confusão, caía, falava que tava machucado, tirou o cara, eu cai, bati o nariz no chão, só que não fez nada, começou a sangrar, acabamos o jogo. Aí fizemos uma súmula: “No dia tal, tal, tal, o nome deles…”, esse foi um jogo da outra geração que marcou, de ter jogado com pessoas de outro país, é legal você ver a cultura do cara no futebol, são ruins pra caramba, só que são tipo, têm gana, têm vontade de ganhar, mas não têm talento. É igual você descer aqui no… Onde moram os bolivianos aí, futebol de boliviano, Deus que me perdoe, é um esporte, é um exercício físico, mas de jogo é isso aí. Não tem muito… Passou essa viagem de jogo pra mim, passou.

P/1 – Eu queria te perguntar depois como é que foi essa passagem de começar a namorar, as meninas e tal, mas eu só queria ir no banheiro antes...

P/1 – Vamos começar do começo, então. O começo da história.

R – O começo é o começo, hein gente! Eu lembro que no prezinho, 89, eu não lembro como, eu não lembro que jeito, eu lembro que eu tinha uma namorada, coisa de criança, de pegar na mão, de dividir o lanche, a gente tinha isso aí. E eu me envergonho até hoje do que eu fiz, que uma vez ela foi sentar e eu puxei a cadeira, só que eu fazia isso para todo mundo e eu esqueci… Eu não tinha carinho assim, por ela, a gente era namoradinho. Aquilo me incomoda até hoje, deve ser por isso que eu sou meio romântico com as meninas, para devolver aquilo que passou. Eu lembro que eu fui um cara…

P/2 – Você derrubou ela no chão?

R – Puxei a cadeira. Criança, sete anos, não tem desculpa. Mas isso não foi só para ela, foi para todo mundo. Tinha uma brincadeira. Bom, ela já me perdoou já, a mãe dela veio dar aula para mim na terceira série… A gente já conversou bastante coisa. Até ia rolar de novo, mas a vida foi para outro lado. Eu lembro que… Vamos por etapas.
Primeira série, eu lembro da Vivian, de tudo. O gostar de infância, não tinha muita atitude, nunca tive e não tenho até hoje, vamos dizer assim, não sou… A minha atitude tá aqui, também não sou um tonto, mas… Gostei da Vivian um tempo, a sensação de gostar da pessoa para mim é legal, ainda mais quando você tá descobrindo, ali já comecei a escrever, escrevia carta, verso, eu tinha caderno de verso. Passou. Não deu em nada porque nunca procurou dar em nada, passou naturalmente e sempre tinha que ter… Parece um vício, sempre tinha que estar gostando de alguém, que movia tudo em volta, movia o futebol, movia a música, movia até ir na igreja chata que a mãe mandava, tinha que… Eu vou lá porque eu vou ver ela, ela tá lá na missa, tá ligado? Tinha isso na vila.

P/1 – Era o motor?

R – É. Todo mundo tinha uma namoradinha na cabeça, uns davam certo, outros não davam, uns pegavam na mão só, outros faziam música, outros iam na missa para ver ela. Às vezes todo mundo gostava da mesma garota, dava a maior treta… Isso foi só o gostar. Apareceu uma nas grandes festas que o meu irmão dava, aí apareceu uma, Andrea. Eu tinha onze, ela tinha dezesseis, era uma diferença muito grande, que ela era uma mulher já e eu era um moleque, tanto em tamanho, quanto em cabeça. Ela ficou comigo. Foi a primeira vez que eu beijei alguém e não fiquei doido, tipo, geralmente o cara fica meio doido, mas não, não fiquei doido. Eu consegui ficar com ela umas três, quatro semanas, assim, de ela ir me buscar na escola, era mais velha, tal e a mãe brigava: “O que tá fazendo lá?” “Tá lá com a menina, lá, deixa o cara, mano”, só que por eu ter onze anos, a mãe com a criação… Não tô culpando ela, passou essa aí… Quando começou a fazer diferença foi no Siqueira. Com quatorze anos, a hora que eu entrei naquela sala ali que todo mundo tava diferente, todo mundo; tinha seis caras, trinta e poucas mulheres e tinha uma que chamou a atenção, aí o tonto foi gostar da mais bonita. Eu tenho essa vantagem, essa qualidade, entendeu, não que a beleza seja o primordial, aproxima mais rápido, a primeira, mas lembro de tudo, a roupa que ela tava, a roupa que eu tava, eu lembro de tudo, de tudo.

P/1 – Como é que era?

R – Ela tava com uma sandália baixa, tipo papete, com um shorts dobrado aqui, camisa do Piu-Piu, cabelo preso, tava ela e a Angélica, a Francine e a Angélica. Não sentei do lado dela, eu sentei ali. Na hora que eu olhei pra trás, eu falei: “Nossa, vou acabar gostando dessa menina”, mas no segundo ano tava gostando já, porque eu vinha de uma… Sentimento meio infantil, mas é legal pra caramba. Aí a gente tinha a mania de… Coisa de juventude, bala, essas coisas. Aí a professora falou assim, professora Rosângela, essa também foi legal pra caramba, essa que fez o primeiro contato com a Francine: “Tá com o bolso cheio de bala” “Não tenho bala pra ninguém, professora” “Pra mim você tem uma bala?”, falei: “Lógico, pra você eu tenho todas”, aí a professora falou assim na chamada: “Antônio ou Antônio?”, falei: “Antônio, professora, com circunflexo”, aí a Francine fala: “É Toninho professora”, aí: “Pode ser, ela tá falando…”, eu carreguei esse nome por quatorze anos. Toninho. Meu pai é Tonhão, pegou tudo. Bom, mas aí nunca teve nada, ou eu fantasiei que eu tive alguma coisa, uma vez, eu tive uma chance de ficar com ela, deu cinco minutos nela, fui pra cima, isso com dezesseis anos, aí aquele segundo passou, porque não ninguem podia ver que ela namorava, não sei, não rolou. Aí eu saí do Siqueira, só que eu ia toda tarde buscar ela, como se fosse alguma coisa. A gente se tornou muito amigo, muito amigo, então para não perder o hábito, eu ia junto… A gente estudava junto e passava a noite juntos ainda, criou um amor imenso. A primeira música que eu fiz foi para ela, a segunda também. A hora que eu gravei o disco, a galera falou: “Tone, você vai lá levar pra ela” “Não vou, cara, não vou”, aí tava em cima de uma moto, a moto virou para a casa dela: “Você vai ou eu vou”, mostrei pra ela, ela gostou. Passou. Aí apareceu uma outra, só que a outra já tinha 21 e eu tinha dezesseis, era diferente, mais umas três músicas. E é legal que a galera acompanhava, a galera torcia. Tem um amigo meu que fala que o sonho da vida dele é ele ver eu ficando com a Francine: “O sonho da minha vida é ver você ficando com…”, bom, nunca se sabe, né, seu sonho, seu sonho.

P/1 – E como é que é essa música que você fez para ela? Você se lembra?

R – É bem simples, chama Superman, ainda, eu queria voar…

P/1 – A primeira que você fez?

R – A primeira [Tocando], ela é bem mais simples, ela tem muita influência do Child O Mine do Guns, porque eu escutava Guns o dia inteiro. [Tocando]: “Mas enquanto isso nos arredores da metrópole city, o crime anda solto a espera de mais um trabalho para o homem de aço. É um pássaro? Não. É um avião? Não, é o Superman, para o alto e avante. E quando eu disse tudo o que eu sentia, não imaginaria, hoje eu estaria trancado no meu quarto vendo TV. Tudo que você me disse não tem mais valor onde está o seu louco amor que você me disse que iria durar? Agora, eu vou voar, eu sou igual ao Superman, vou esquecer de quem ficou aqui na terra. Quem sabe lá do alto eu possa achar a solução, entender a razão por eu ser tão triste assim. Eu sei, existe outro alguém que se parece com o Superman, só que ele não pode voar. Sim, eu vou, nem que seja só eu.”

Era uma época em que eu ficava vendo televisão, via a Francine, chegava em casa, ficava vendo televisão com o rádio ligado e aquilo o dia inteiro. Eu tinha outra vida aqui dentro. Entende a maluquice do maluco. Viajava em milhares de viagens. Às vezes, eu fazia questão de dormir rápido para pensar nela, para não ter interferência da galera. Eu tava em casa assim, vendo televisão… O que aconteceu, uma musiquinha simples. Passou a Francine. Fiz uma outra música para ela, mas ela já era mais de saída. Aí, apareceu a Fabi. Fabi era uma linda garota, mas da molecadinha, uma outra geração. Eu não podia gostar dela por causa que eu ia tirar o sonho da molecada, vamos dizer, eu era mais ou menos o herói da molecada. Aí, a gente chegou com a banda Iris pra tocar na casa dela, foi uma… E a Fabi foi a primeira pessoa que eu conheci que usava droga, garota, falar assim, com um papo mais maduro. Falavam: “Tone, você é mais velho, fala com ela”, falei: “Gente, eu também fumo”, aí fizeram: “Ahhh! O Tone também fuma, oh”, muita gente se debandou de perto e a Fabi, hoje ela tá em Paris, casada com outro cara, a vida dela… Às vezes eu penso que se eu tivesse ficado com essas pessoas, a vida… Não que a minha vida devia ter dado, mas eu não troco nada do que eu vivi por causa disso aí. Aí deu a Juliana. A Juliana o destino falou assim… Tem um amigo meu, o Marcelo, da época do Siqueira, você sempre tem um amigo que você corre junto, você idolatra e tem um que te ajuda, vamos dizer assim, não que te ajuda porque precisa de ajuda, mas que você defende, você é defendido e defende. A gente tinha mania que quem chegasse aos dezoito anos, a gente tinha uma camisa do Superman por causa dessa música, passava a camisa pro outro cara que tava vindo atrás para fazer dezoito, para não arrumar briga, besteira. Aí defendi o Marcelo, salvei ele de uns cinco, seis narizes quebrados, eu salvei ele. Aí o Marcelo gostava da Bruna, a gente era um timinho, aparecia as minas, apareciam os caras e tinha que ter os caras para tocar violão para fazer o meio de campo. Aí falou: “Tone, não tem como você… Sei lá, mano, ficar com a Juliana só para…” “Não tem como, eu gosto da outra” “Tone, inventa uma história aí”, e eu inventei uma história, telefone, trocamos ideia, de repente, de uma vírgula, a história passou do meu controle, deu a entender que eu gostava dela, porque eu tinha que segurar a bronca dela para o Marcelo ficar com a outra, o Marcelo não ficou com a outra, eu fiquei com a imagem de que gostava dela, a gente começou a ficar amigo, de repente, eu comecei a gostar dela de verdade. Aí morreu, porque quando eu gosto, eu não gosto pouco, não faço nem um pouco de loucura. O pai dela já não gostava de mim, o pai dela era meio racista, problema dele. Só que já não gostava muito de mim de amizade, o cara que ela recorria era eu, briga com a mãe, brigou com o pai, ia para casa do Tone. Eu fiz 42 músicas para ela, não cansava de escrever para ela, não cansava. E todo mundo dava apoio pras músicas. Foi um amor que eu não sei como passou, olha, passou, graças ao bom Jesus. Hoje ela tá fazendo o trampo dela em São Paulo também. A maioria do pessoal que eu conheci veio tudo para São Paulo, então deve ser por isso que eu tenho esse amor por essa cidade. Aí apareceu uma…

P/1 – Antes de você passar para outra, você se lembra de alguma dessas 42 aí para a Juliana que você queria tocar?

R – Querer tocar já é diferente, deixa eu achar uma palheta. Acho que eu coloquei no bolso… Vou tocar com a mão. E aí essa Juliana foi onde, na linguagem do pessoal, foi quando eu… Ela não é nem um pouco bonita, nem um pouco, vou falar assim pra você, não tem nada que atraia, só que a gente conversava muito por telefone, entãoo visual não teve igual nas outras que eram todas lindas, maravilhosas, falavam: “Tone, você tá marcando com essa menina, não vai dar nunca certo”. Deixa eu lembrar uma que eu fiz para ela. [Tocando] lembrando que essa é toda fase hardcore, tá? “Não vou mentir te dizendo que eu não sei, você pode entender, é melhor assim. Lembrar daquela flor que você deu pra mim quando assistíamos TV, só eu e você e o que fez depois não é problema meu, de todas as coisas que eu tenho, te ofereço o meu jardim, Butterfly, diga que não vai, esse não é o fim. Butterfly, você ainda pode voar, a solidão, o meu jardim. E na escuridão, existe um amor que se escondeu com medo de ficar e se me espetar, eu não vou te dizer, não vou pedir para ficar, não vou perder mais uma vez. Butterfly, então diga que não vai me esquecer e nem vai chorar, Butterfly”. Esse é um pedaço dela, não me lembro dela inteira de cabeça.

P/1 – Foi pra ela?

R – Foi pra ela. Foi um monte pra ela. E eu chegava com música nova, tanto pra ela, quanto pra banda. A banda ficava louca: “Tone, de novo, cara!”, e sem contar que ela fez parte da banda, teve todo o entrelaçamento. E eu vi que não ia ter futuro isso aí, mas não tava conseguindo sair.

P/1 – Não deu certo isso?

R – Não deu nada certo. Dei um selinho um dia que os dois tomaram um pouco a mais, na hora que viu, falou… Fico até nervoso de lembrar disso aí, porque foi totalmente errado, quase perdemos… Hoje temos um contatozinho, quase perdemos a amizade. Aí nessa época, acabou a

primeira banda, tudo em 2001, por aí, acabou a outra banda, tava ruim de amores, aí o que o homem faz? Vou arrumar um emprego, numa outra cidade, com outras pessoas, fui trabalhar em Itupeva, fazer pizza. Tinha um restaurante e tinha uma loja filial, eu fazia parte da filial, mas tinha contato, eu não dominava ainda a loja. Um dia quando eu montei uma banda, falei: “Vou mandar uma banda de emergência” para um festival em Jundiaí, chegou um amigo meu da vila, da Maringá, falou: “Tone, tem uma mina aí…”, que ele namorava já, mas ele fazia serviço sem nota, falou: “Tem uma mina aí que quer entrar na banda, você não conversa com ela?” “Claro, manda ela ligar aqui”, e no telefone quando você quer conversar com uma pessoa, você troca uma ideia, você tem um script e pela voz, ela pensou que era outra pessoa, vamos dizer assim, pensou que eu era um senhor. A hora que ela viu que era um maluco, meu cabelo tava desse tamanho, foi a primeira menina que eu conheci sofisticada, que não era uma criança, que não era vamos dizer assim, cheia de frescura, mas era vamos dizer, evoluída, não sei porque também a Mônica passou, a Mônica teve um filho com dezesseis anos. Uma família desestruturada, mãe solteira, então tem uma diferença de vida. E outra, estávamos em 2001, a Mônica é uma linda, eu trabalhava em outra cidade, a Mônica tinha uma caranga, ela fazia questão de me buscar e de me trazer pro trampo, sem a gente ter nada, a gente era amigo, por causa que o cara ficava com ela e ela gostava do The Doors, Morrison, só que eu vi que eu ia acabar gostando dessa mina, pelo jeito dela, você já vê que o meteoro tá vindo. Aí eu não podia furar os olhos do cara. Nem deve fazer isso, falei: “Renato, seguinte, você namora, não namora? Cinco anos, né?” “É” “Então o que você vai fazer com essa situação aí, se você não falar, eu falo” “Você fala o quê?” “Além de eu falar que você tá namorando, falo que gosto dela, ainda”, ele olhou assim, foi lá e fez o que eu falei. Eu e a Mônica saímos durante um tempo, a gente não chegou nem a se beijar porque ela queria que eu fosse o pai do filho dela, o Gabriel já me chamava de pai, ele tinha três anos. Ela falou: “Eu queria que você fosse o pai do meu filho” “Desculpas, eu cheguei atrasado”, subiu o BO, não falou assim, mas é isso que a gente tá falando, aí isso me assustou um pouco. Só que aí fiz duas músicas pra ela, também, nem toco mais essas músicas porque a história virou outra, tem lá, no fundo da memória, eu tenho as músicas. O que era uma história que era para ser muito legal ficou com muita cobrança, entrou família, entrou… Ficou muita coisa, você nem beijou a menina, a mãe já quer saber de tudo, sabe? Deixa pra lá. Aí foi a história que vale a pena contar, mesmo. Não que as outras não valham, mas na mesma vila ali tinha uma amiga da minha irmã, sempre tem uma… Por isso que é legal ter contato com a irmã, tinha uma amiga da irmã que eu via ela, bonita, desse tamanhozinho, um metro e 56, bonitinha, mas sabe, só de ver… Meu cabelo tava dessa idade, tava três anos sem cortar o cabelo, só de black power, boca de sino, porque o pai também tem essa cultura e a gente tem uma mania de ir pra frente da escola, não sei porque, quando a gente é novo tem mania de ir para frente da escola, não faz nada, fica lá, mosqueando. Aí minha irmã comentou de mim para a Carla, a Carla ouviu, viu o cabelo, disse que não dava para ver quem que era, falei: “Ah é, tá tirando, então?”, outro dia eu botei uma trança, pelo menos ela vai me ver, né? Aí deu uns olhares, mas nada demais, falou: “Pena que ele fuma” e essa foi a treta o relacionamento inteiro. Fumar. Aí um dia, eu cheguei em casa... De vez em quando eu tenho umas pilhas de ficar careta entendeu? De vez em quando duram, até cigarro, eu cheguei brincando com o meu irmão: “Tô careta, 24 horas…”, gritando, assim, zoando. Em casa, eu tenho essa brincadeira de fazer barulho. Quem que me saí na porta? A Carla. Pronto! Moiô, falou: “Dá para você levar ela embora?” “Como levar ela embora? Ela mora do lado da escola. O que ela veio fazer aqui?” “Ela veio te ver, cara”, levei embora. Só que aí, ela tinha um namorado e é complicado, a gente se beijou mesmo assim. Sei lá, olha, por mais que eu seja inteligente, tem coisa que eu não entendo, esse negócio de relacionamento aberto, gente, que ela tinha com o cara, falei: “Como que é isso?” “Você pode ficar com quem você quiser”, pronto, se o cara não se importa, quem sou eu para me importar, né? Ela largou do cara, a gente ficou três anos, a gente morou juntos dez meses. A gente só não se viu quatro dias nesses três anos. Ficava junto o dia inteiro, o dia inteiro fazendo planos e planos e transando e tocando, só que chegou uma hora, era amor demais naquela época, a Carla foi das melhores coisas da minha vida, das melhores mesmo, é até difícil. Quando a gente casou, a gente não tava preparado, ninguém tá preparado para casar, não adianta falar que tá que é mentira. Fomos fazer um teste drive, só que aí na minha casa, por eu ter irmã mais nova, minha mãe tem um cuidado, esse é um cuidado mesmo, tem um horário para namorar, por ser do interior também, a família mais do interior ainda, tem horário. Então a gente brincava que às dez horas a gente virava abóbora. Na casa dela era onze horas que ela virava abóbora, só que a gente tinha muito amor ainda, a gente ficava a madrugada inteira, pegava uma coberta, ia para o pico acampar, ou abria a porta do carro, a mãe dela pilotava uma Kombi, arrombava a porta e ficava lá dentro. Então era maluco mesmo, não tinha fim esse amor e desejo, não tinha fim. Só que aí quando chegou uma hora que a família dela começou a se incomodar com o estilo de vida, quer ver a apresentação? Como que eu fui apresentado, botei a boca de sino, penteei o cabelo, pronto, não vou botar disfarce, botar uma camisa, coisa normal, tomar banho, violãozinho. O pai dela é negro, mãe dela é ruiva, o pai dela: “Nossa cara, gostei de você, você parece eu quando jovem” “olha, tô legal”, a mãe dela: “Eu não gostei de você, você parece ele quando era jovem perla mesma coisa”, falei: ”Agora morreu”, e eu não tinha muito contato com a família, não tinha, nem ela com a minha e… Tinha com a minha irmã, que era amiga em comum, mas tomou uma proporção esse namoro que tinha que ser nós mesmo. E a família brigou: “Vai ficar com esse cara aí?”, vamos dizer assim, sei lá o que pensaram, mas tava ficando muito tempo juntos. Aí ainda mais quando caiu a máscara da identidade secreta: “Você fuma?” “Fumo um pouco” “Bebe?” “Bebo”, mas não dava vexame, só para aparecer assim, e a família que não bebe, não fuma, tem uma outra visão. Aí na minha visão eu abandonei um pouco dos meus sonhos, porque na minha casa, tinha guitarra pendurada, baixo, bateria, eu tinha tudo que você imaginar de instrumentos, eu tinha. Falou: “O que você tem para casar comigo?”, falei: “Tenho meus instrumentos, tenho o meu colchão e o meu cachorro”, que eu tinha um weimaraner, ela falou: “Tá bom”, o pai dela deu uma força, a gente montou uma casinha, só que casa, dinheiro, trabalho, peguei uma profissão qualquer, fui trabalhar em lava carro, polidor e a gente passava o tempo que dava pra trabalhar, trabalhando e o resto do tempo, transando, brincando de casinha, vamos dizer assim, não planejava mais nada. Nem tocar eu tava tocando direito. Tava tocando, sim, fazia barulho dentro de casa, não tava projetando nada. E foi na época que eu comecei mais, usar umas paradas meio loucas aí, desandar, só que era o meu subterfúgio, que eu não conseguia nem respirar, porque eu não tinha mais os meus amigos. Ela também tinha o rolê dela que trabalhava pra caramba. E eu não tô falando do trabalho informal, ela é engenheira elétrica hoje, formada aqui no Mackenzie, falou: “Cara, eu ganhei uma bolsa de 100% no Mackenzie e você não tem o terceiro ano” “Lógico que eu tenho, eu tenho três, não acabei um”, porque eu sonho, até é infantil falar isso, a gente prometeu que quando fizesse vinte anos, quem pudesse, ficasse pra voltar no Siqueira, entendeu? Se eu quiser voltar lá e estudar, acho que eu não consigo, eu fiz o terceiro ano no ano passado, pleiteei e ela é muito inteligente, só que só ela é inteligente na cabeça dela e eu já não tava com muito romance mais, porque essa foi a minha primeira namorada, namorei e casei. Falei: “Existe um mundo aí fora”, sabe quando o amor não é suficiente? Começa a entrar o dia a dia? Aí, foi foda, foi osso. Na mesma semana, foi um abandono total. O trampo, a mulher e a casa. Fui até para uma igreja, vou tentar qualquer birutagem diferente, quatro meses na igreja, a gente continuou ficando meio dando uma volta, armando uma volta que nunca aconteceu, nunca acontecerá, mas mesmo assim, no dia que ela foi embora para São Paulo, eu montei uma banda e botei a banda na frente do trampo dela, combinamos com o pessoal do trampo dela: “Alô, banda de emergência, como que você tá de tempo sabadão?” “Vem aqui, vamos tocar” “Não tô tocando mais, não faço mais show” “Gente, é por causa de um amor” “Aquela mina, lá?” “É” “Então vamos”, a galera se uniu pro Tone fazer uma loucura de amor para ela. Se beijamos, tal, quando deu… Foi uma cena linda no centro de Jundiaí, Jundiaí parou, parecia aquele filme “Curtindo a Vida Adoidado”, com o Michel J. Fox, só que aí, ficou uma coisa pra trás, ficou uma vírgula a ser acertada, porque a gente tinha falado: “Vamos dar um tempo e vamos se acertar”. Aí eu vim para São Paulo, ela tava morando aqui, eu vim para São Paulo.

P/1 – Em que ano foi isso?

R – Ah meu jovem, difícil falar pra você, mas o ano que foi… Vou chutar 2006, porque em 2007 eu vim morar aqui. Foi, 2006, 2007. A gente tinha uma mania de disputar todas as tarefas de casa no xadrez. Tinha vezes que… Legal pra caramba, mas cuidado com quem você joga, porque tem vezes que você… Vamos lavar a louça, isso é tarefa de casa, fazer compras, coisas simples, só que eu e ela meio gananciosos, perdia, falava: “O dobro ou nada. Eu aposto as tarefas de amanhã”, Tinha dias que eu ficava o mês inteiro sem fazer nada, tinha vez que eu era escravo de Jó, só que sem reclamar, botava o tabuleirinho de xadrez ali, não que a gente jogasse muito xadrez, mas a gente… Era uma forma de se entreter. Aí o dia que eu vim aqui, a gente falou, conversou um pouco, eu nunca tinha vindo no MASP e aquilo ali foi o lugar que… Parecia um filme, a gente sentado, jogando xadrez no MASP assim, embaixo. Hoje o MASP, não aguento mais ver o MASP, sentado, jogando xadrez debaixo do… Disputando xadrez e parecia um pôquer. Aí chegou um cara novo na cena, cumprimentei como um cavalheiro, ele também, na hora de ir embora, falei: “Jovem, dá licença aqui, que você chegou agora, tá”, sabe quando você vê aquele amor que acabou… “Você tá indo para onde?” “Tô indo para Florianópolis” “Fazer o quê?” “Oportunidade de música, vou ser músico”, aí vem a viagem, pegar uma carona, Jundiaí já não bastava mais, onde que eu ia, eu via ela. Em tudo, todo mundo perguntava dela, porque virou uma coisa, vamos dizer assim. O pessoal sempre torcia porque achava legal os dois estarem juntos, eu fui embora, fugi de Jundiaí, mais uma fuga, fugi para ser o ídolos, vamos dizer assim, arrumar um motivo e a galera botou o maior gás nisso aí, para ser o ídolos. Tem a história toda de Florianópolis, eu morei lá três meses, trabalhei, toquei, não teve amor nenhum lá, ela até quis ir morar comigo lá, aí eu não dei chance para isso.

P/1 – A...?

R – A Carla. Aí aconteceu de um dia deu uma loucura, falei: “Mano, não aguento mais isso aqui, não aguento mais, preciso fazer alguma coisa, vou ficar aqui até que horas?”, e a temporada acabando, começando a ficar frio. Eu cheguei lá dia 28 de novembro e sai dia primeiro de março.

P/1 – Florianópolis?

R – Florianópolis, só que eu saí com uma mochila, cheguei lá com uma mochila, um violão e os documentos. Eu voltei de lá, na verdade, com uma troca de roupa, deixei tudo lá, não quero nada daqui. E dinheiro no bolso, claro. Só que eu vim embora andando, eu andei de Florianópolis a Curitiba em seis dias, Deus sabe o que eu andei. Eu acordava e andava, comia, tomava um banho e andava, contente que eu tava indo embora, tô indo ver a minha mãe, mentiroso, não falava que eu queria ver a Carla. Passei duas semanas em Jundiaí, só que como eu peguei Florianópolis na temporada que tava estourando, Jundiaí é desse tamanhozinho, já era menor ainda. Conheci um hippie em Jundiaí, tava saindo, veio pra cá, veio pra morar em Mourato. Aí um belo dia, estava em Mourato, os dois muito loucos de Caieiras pra cá, estava vindo a pé, eu peguei uma carona… Olha que loucura, com um maquinista de trem, de carro, ele me deu uma carona e a música que eu fiz do Paulo Henrique Amorim, a gente tinha uma mania de cada um imitar um artista, imitava o Silvio Santos, o dia que eu fiz essa música a galera estralou, vamos dizer assim, o pessoal nosso. Para cada um que eu ia tocar, eu tomava um gole: “Vamos comemorar, vai ser sucesso”, a hora que eu cheguei para tocar perto dela, toquei uma nota e cai, ela falou: “Tá bom, cara, amanhã você volta”, que ela viu que não dava mais, estávamos em estilos de vida diferentes. Aquela velha mania do cara romântico com um buquê de flores e violão, eu guardei essa ainda, cheguei em São Paulo, na São João, arranjei um trampo de pintar geladeira para ganhar uma grana, sentei em frente do Mackenzie, simples, essa história pouca gente sabe, eu fiquei três dias, não ali sem fazer nada, tentando gastar a última… Tirar aquilo de mim. Ou funciona ou não funciona. A hora que eu vi o tanto de gente que tinha na escola, eu falei: “É muito improvável que ela… Mesmo se me ver aqui, não vai adiantar nada”. Aí eu fui viver a minha vida em São Paulo. Fui morar numa academia de boxe debaixo do viaduto Garrido, fui morar lá, fui conhecer, só que eu vi que não era pra mim, comecei a falar com ela de novo, aí eu pegava um baseado, fumava metade, ia andando em linha reta, tava na metade, aí voltava, ascendia outro, a hora que eu chegava nas pontas, fazia espiral, então não tem uma rua em São Paulo no centro estendido, do Jabaquara até a Lapa, até onde você imaginar, Santana, Tucuruvi… Tucuruvi eu conheci esses dias, mas eu tinha ido até a Parada Inglesa já, que eu não tenha andado, fumado e pensado nela.

P/1 – Até hoje?

R – Não, isso já passou. Isso foi na primeira temporada aqui em São Paulo, 2010. E aí a gente forçou de se encontrar e eu não quis, porque eu entendi que a história já tinha passado. Só que ficaram as canções, né? Ficaram e até a gente brinca assim, até de vez em quando falo com ela, bem de vez em quando, a galera que acompanhou, que seria um crime contra a humanidade se as músicas não tocassem por aí, porque não é porque eu fiz, porque tinha muito amor, muito, muito. Só que não deu certo e até hoje tem uma… Fica alguma coisa pra trás, que a história poderia ter continuado, se continuasse… Só que depois eu aprendi com as pessoas que eu conheci em São Paulo, tanto amigos, experiência, às vezes que eu me dei mal também para evoluir, eu não trocaria pela vida que ela tem, porque eu vi as fotos do casamento dela, é a mesma história que a gente tinha, uma bandinha, uma cara de bike, minha história evoluiu, só que amor é complicado. Aí eu fiz uma música chamada “O Amor”, que eu não conseguia mais falar sobre isso e aí eu vi uma pá de garotas escutar essa música e chorar: “É tão ruim assim?”, eu sou bem desconfiado: “Não, a música é bonita, cara. Pra quem que você fez?”, de brigar com a pessoa, eu fiz a música. Eu fiz umas outras também. O legal dessa garota é que ela me ensinou muito. Eu ensinei alguma coisa para ela também, mas durante o rolê todo eu evolui muito como músico, por ter que correr, acabou, acabou, você vai fazer o quê? Vai ficar chorando até que horas. E eu chorei bastante. Eu sei o quanto que eu chorei, só que ninguém via, não podia ver. Então quando eu tava chorando, geralmente eu tava fazendo música: “Ele tá fazendo música, deixa ele lá”, era o disfarce que eu tinha para eu poder chorar, para fazer música. Hoje eu nem falo com ela, por curiosidade eu olho a foto, legal. Até a minha irmã fala assim: “Você se livrou de uma, ela é carne de pescoço, hein!”. Quando você tá dentro do relacionamento, você não vê que a pessoa… Também não sou o melhor do mundo, não tô me defendendo, não, aprontei várias também para chegar a esse ponto. E agora vou tocar uma aqui, vocês vão tentar entender o que eu tô falando. [Tocando]: “Quando um rio separa uma ponte e um homem, se a vingança encara, o remorso pune. Você vem, me agarra. Depois vem e me solta, você foi na marra, mais um dia volta. O nosso amor não se perdeu e o tempo tem feito bem a nós. Sonho por onde vou, um lugar só para nós dois continuar a viver nesse amor, ser feliz, oh baby, ser feliz desta vez, e foi por isso que eu me guardei só para você me conquistar, amor. O amor… Sonho por onde vou que foi por isso que eu me guardei só para você me conquistar e eu vou viver para sempre rir, para sempre rir, só para te amar, amor. O amor…”. É essa aí. Essa é a mais… É o amor essa música, eu tentei colocar e funciona, funciona. É complicado pensar nisso, é complicado falar nisso. Não querendo que volte, que já tem outras no caminho, ou eu tô no caminho de alguém, que eu não sei, cada hora acontece uma história diferente, mas essa foi… Não por ter sido a primeira, porque eu sempre esperei um lance assim, de televisão, lance de filme, lance de garoto, que ia ser uma que ia ser a bola da vez, que ia ser a primeira vista, e aconteceu tudo até a hora que eu não tava preparado para ser isso. E até aceitar que não aconteceu, até aceitar que aquilo passou e até entender que existem outras foram dez anos. Dez anos de assunto proibido, gente, ninguém fala, ninguém fala nada, meu pai ficou ligando pra ela um ano e pouco, meu pai virou amigo dela, só que ele ligava e falava: “Ele tá bem maluco ai”, o que podia ajudar… O pai dela, quando eu vejo o pai dela, eu falo: “Oi chefe, tudo bem?”, tem um respeito, mesmo eu posso estar louco, porque sempre teve um… Muita gente não entendeu porque isso acabou. Eu sei porque acabou, porque eu fiquei louco demais e ela também louca demais na loucura dela e eu sempre gostei de fumar uma maconha, sempre gostei de fumar um cigarro e não é por causa disso que acabou, mas isso foi… Tinha tretas, aquilo era uma coisa que era para passar batido, tinha que ser perfeito, então não foi perfeito, tinha que achar um bode expiatório, então achou-se. Só que é estranho pensar nisso, pensar nisso hoje, fazia tempo que eu não pensava nela, tempo, tenho até que segurar um pouco, porque tem uma confusão ainda, tem a comparação… Cada dia aparece uma loucura nova, vamos dizer, uma garota nova, uma paixão diferente. Eu fui morar no sítio, fui morar, não, tive que ir morar no sítio, uma das várias idas e voltas da vida, para eu não brigar com o meu pai, eu sai fora. Eu sai fora com… Tô com 34, com 31, 33, porque eu ia dar no meio do meu pai, porque macho alfa, sabe, você tem que… E umas vezes já teve uma porrada de grande e eu falei: “Nunca mais você bate em mim, se você bater, você vai tomar duas”, só que eu não vou chegar e bater no meu pai, não existe isso, para me defender eu vou, pelo menos colocar a mão na frente e ele não gosta disso. E rolou um lance que eu fui morar no… Fiquei sem rumo, o irmão que a vida me deu, Birão: “Vem morar aqui, cara”, e lá é assim, um é biólogo, outro é engenheiro agrônomo, outro é apicultor, o outro é guia turístico, cada um comprou seu terreninho, isso há muito tempo e eu sou o quê? Eu sou um músico que toca e todo mundo gosta de… Então senta aí e põe suas músicas num caderno. Em 25 dias, eu botei 56 letras num caderno, assim pronta, música pronta. Fora que tinha mais um monte. Aí comecei ver que a maioria… Nunca fiz uma pra mim, pensei uma coisa, mas tudo tem nome, número e série e tem gente que lê a letra assim, e fala: ‘Nossa cara, eu lembro dessa menina”, não conhece nem, mas parece que lembra, as histórias são familiares e sítio com homem solteiro, aparecem as garotas, nada demais, nada de putaria, mas somos jovens, a gente quer… Apareceram lá umas garotas legais, pessoal já pensa que é outra fita, né, todo mundo livre, desimpedido, apareceu um bonita lá esses dias, bonita mesmo, que eu fico até espantado, só que não rolou química, se rolou, eu tava muito louco, passou e eu não vi, porque eu tenho dessas também, não entendi, eu tava pensando em outra coisa, porque tem que ter uma química, legal também ter o desejo, legal ter… E apareceu uma outra que eu me apaixonei por ela, tipo, em 24 horas, foi o tempo deu fazer uma música”, o cara contou a história dela pra mim, eu mostrei, ela falou: “mas essa música é sua?” “Essa música é minha”, foi uma dessas que eu toquei, ela falou: “Duvido”, peguei o meu caderno: “Mas essa letra não é sua”. Eu falei… Eu sei que ela curtiu: “Faz uma música para mim um dia?” Eu fiz uma música para ela, só que eu fiz uma música para ela e não consegui mostrar para ela, porque eu sai do sítio e fui tocando uma nova que eu fiz agora e vieram três garotas que gostaram de mim por causa da música, falei: “Ah! Eu vou usar isso então, agora”, só que eu já fiz isso e não dá certo, de falar que a música é para ela depois que você começar a pegar. Sempre na minha cabeça, uma hora vai dar certo um amor, não precisa ser relativamente bonita, precisa ser inteligente, para trocar ideia, mas não precisa ser pirada igual a Carla ficou no final que só ela é inteligente. É estranho falar isso aí, que um amigo meu fala assim… Não é tão mais amigo, que ele aprontou, falou assim: “Tone, você gostou de todas, cara?” “Não, eu gosto de todas, mulheres, gosto de todas, só que para apaixonar, para ter um relacionamento, para fazer uma música é muita coisa”. E aí de certa forma, hoje em dia, eu não miro… Sonho alto pra caramba, não quero nada menos que os Rolling Stones, que você pode sonhar o que você quiser, só que você sonhar até aqui e só ser uma bandinha pequenininha, não vou falar para não desmerecer ninguém, se é uma banda pequena, seu sonho vai até ali, o meu sonho é tipo, o infinito. A minha viagem é mostrar para essa galera, tanto para a galera que me acompanhou, tanto para a galera das garotas, para mim mesmo que funciona, que deu certo. A história de acreditar no amor, sou o último dos moicanos? Não, tem gente espalhada aí que acredita dessa forma, de ficar doente, de levar flor de madrugada. Tem uma história legal, eu vou lembrar um monte da Carla, agora, tinha umas tretas. Normal, muito amor, muita treta e aí eu comecei a ver que a gente ia separar, sabe? Não é déjà vu, mas sei lá, você vai tendo essas… Uma das tretas, a gente tretou, mas não na porrada, sempre discussão e quando as duas pessoas são inteligentes, a discussão é o pior que tem, você vai tendo argumento e fechando, discutindo e jogando xadrez. Teve um dia que não sei que treta que deu, que eu sempre passava e levava uma flor para ela, em Jundiaí tem esse lance de pegar… Como é uma cidade perto de serra, tem flores, tem beleza. Sempre levava uma flor, coisa… Era natural, só que aquele dia a treta foi tão forte que se eu levar flor não vai adiantar bosta nenhuma. Eu passei umas duas horas pulando nos portões, nos muros e o pessoal assustado, eram onze horas da noite: “Quem tá aí?” “O Tone” “Tudo bem, já sei o que você tá fazendo, é para a Carla, né?”, sabe, era uma coisa… A rua dela não tinha mais que trinta metros, quinze metros, era uma rua sem saída. Eu forrei aquela rua de flor. Fui embora. Não falei nada. Cheguei em casa, liguei: “Amanhã você vai trabalhar?” “Vou”, espumando com a boca, falei: “Só sai na frente e dá uma olhada”, “Você tá aqui?” “Só sai na frente…”, aí já mudou tudo, porque pelo menos uma o cara fez, um cara tentando se redimir. A mãe dela falou: “mas ele colocou até aquelas espinhas de… Coroa de Cristo”, toda flor que eu achava, eu pegava. A mãe dela falou assim: “Se cair no olho, sei lá, cega” “Se você tá brava porque o seu marido nunca deu flor pra você, não tenho nada…”, aí tinha esse lance, da onde eu vinha não tinha demonstração de amor e a minha era muita e a dela era muita também, por isso que eu tive que correr dessa sensação, eu nunca mais tive essa sensação, tenho paixonite aguda, assim, mas dessa…

P/1 – Desse tamanho.

R – Desse tamanho e que funcionou, vamos dizer assim, eu não sei o que tá para vim, teve umas e outras aqui em São Paulo, só que em São Paulo as pessoas são diferentes, não tô julgando, não são melhores e não são piores, são diferentes, eu sou diferente de São Paulo. Uma vez, nessa viagem toda nessa primeira temporada em São Paulo, foram cinco temporadas que eu morei, eu fui tocar num lugar, eu passei no estúdio dela, a Ana me deu um sorriso que eu fiquei uma semana besta, apaixonado pelo sorriso dela. E fiz uma música para ela que eu tava perdido e tal. Outro dia também aconteceu de… A história da garota da Mooca. Teve uma época que a gente tocava na rua e conheceu muita gente, e às vezes dá dinheiro e às vezes não dá dinheiro. E às vezes, dá muito dinheiro, a gente não tem cabeça e gasta tudo, fica do mesmo jeito, a gente trocava o dia pela noite. Tocava ali em frente da São Judas, tocava em frente da Anhembi Morumbi, não conhecia muito São Paulo para andar, conhecia mais a leste, uns pedacinhos, sabia o que era o centro, sabia que era… Aí morava num albergue, tô descendo, tá lá o André, o André é um irmão meu que Deus me deu, a gente se uniu muito forte. E estávamos tocando na prostituição musical, no meu ponto e tinha uma lojinha lá, um doze, então nem maconha eu comprava, o cara tava lá… Eu precisava comer, dormir, fumar pra esquecer um pouco e tocar, não precisava ter outra atividade para passar o tempo da doida. O André tava lá, eu cheguei bravo: “O que esse cara tá fazendo no meu ponto?”, não sei se vocês já viram briga de puta, quem conhece já viu alguma coisa. “O que você tá fazendo no meu ponto? Tá marcando, cara?” e ficou aquele impasse, o pessoal falou assim: “Nós que segurou ele aqui, ele toca gaita, queríamos que ele tocasse com você”, só que mesmo assim não avisei, toquei um violão, tocou um violão, tocou gaita, toquei gaita, vamos tocar um som meu: “Pô, você não é o Antônio de Jundiaí?”, eu tava num ambiente totalmente hostil, que por mais que você esteja tocando a música, ali para você virar bolsa é rapidinho, pessoal pegar você ali, falo que é a cidade baixa mesmo, o Brás, aquele pedaço, sei que o André sabia o meu nome, tinha um amigo em comum nosso que tocava na primeira banda com a gente, quando ele parou de tocar na banda que ele foi pra Itapevi, o André veio morar na casa do André. A vida deu uma volta que o tio do Miltinho casou com a mãe do André, depois a gente se encontrou num outro… A gente virou amigo. Tudo junto. Para variar, a maioria dos músicos estavam perdidos por causa de mulher, não tem músico que tá contente com mulher que não esteja perdido. Apareceu um trampo, eu não tenho medo de trabalhar, só não gosto de trabalhar muito tempo que vai me dando numa pilha na cabeça, sei o potencial que tenho de músico se eu me organizar. Fui trabalhar na Ford, trabalhamos durante vinte dias, deu setecentos contos cada um, setecentos e alguma coisa. Em vez dos bonitões alugarem uma casa, não, vamos para casa própria, viagem de maluco, compramos uma barraca, um violão, uma guitarra, um monte de porcaria para o cabelo, meu cabelo chegou até a cair depois, que eu pintei de colorido, ficou liso, vermelho, parecia o cara do Prodigy. Aí a gente foi morar na frente da Faculdade São Judas, perto do Brejo Azul que tinha uma galerinha, o bonde de maconha, tinha uma galerinha também fora os maconheiros, a gente se dava bem com todos e eu lembro de… Era um time, eu não lembro de quem era, lembro que era muita gente, e sempre juntava, não só por causa de mim e do André, tinha muito músico, um pessoal alternativo, descolado. E aí foi nessa história que apareceram a Amanda e a Lu, até aí não sabia quem que era a Amanda e a Lu e a gente tava ali, tava de bacanão, os hippies, os artistas, as meninas pagando o sapo, tava todo mundo louco. Aí sobrou a Amanda e a Lu para o André, foi bem assim: “É nós, hein, André”, tem uma… Quem já leu ________ que fala duzentas frases só no olhar e o André toca demais, mais que o Satriani, o André toca demais, demais. E ele gostava das minhas músicas, então ficava fácil, porque ele fazia… Ele fazia um show mesmo e as meninas ali e nós ali, falei: André, tá ligado que…” e a missa rolando. Até hoje, as meninas estavam dando bola pra nós, não que nós estávamos loucos, tava mas não tava, não sei, de repente assim: “Não sei, não quero”, conversa dela para o André, nós estamos aqui, vamos jogar, falei: “Dá só um selinho que tá bom”, a gente na nossa inocência, vamos dizer assim, um vai ganhar só um selinho e o outro vai ficar com a mina, funcionou, azar de quem tomar o selinho, certo? certo. E tocando e conversando e não, pera aí… Porque se fosse um fora, já tinha tomado um fora já. A Amanda vira e beija o… Não tenho preconceito nenhum, tenho bastante amigos que são homossexuais de todos os lados, mas nunca tinha visto ao vivo, ainda mais a gente achando que era pra nós e o selinho virou um selão e falei: “André continua ticando, cara, continua tocando. Nós não ficamos espantados porque as meninas se beijaram, nós ficamos espantados porque elas se beijaram na nossa frente, não sei, foi a primeira impressão, eu já tava meio louco e porque a gente tava afim das minas. Continuamos tocando, passou. No outro dia, eu tô fazendo uma música, porque eu gostei da Amanda, num flerte, uma paixonite rápida, tipo, como fala, fast food, sei lá, um amor rápido, precisava sentir por alguém pra eliminar o outro. Aí a Amanda veio já com a transição, cabelo curto, uns panos mais… Amanda era uma linda, é uma linda, só que não tinha mais os traços femininos, entendeu? E eu fazendo a música, ela falou: “Você não é o Tone?”, falei: “Sou” “Eu sou a Amanda” “Imagina que você é a Amanda!” “Pô, eu conheci você pela voz, cara” “Legal”, eu tava fazendo a música para ela, ela chegou: “O que você tá fazendo aí?”, falei: “Senta ai” “Canta ai”, a hora que eu toquei, ela já ligou tudo, falou: “Não, Tone, não é, eu gosto de menina” e não fazia tanto tempo que ela tinha tomado… Não sei, cada um tem as suas viagens, né? Quando a pessoa não deu muito certo, eu não sei… “Se eu tivesse conhecido você antes, quem sabe?”, aí ficou aquilo na cabeça. Hoje a Amanda é muito amiga minha, a galera toda lá. Hoje não rola mais nada, nem existe a possibilidade de rolar nada, porque o mundo dela já girou, o meu também já girou e outra, vamos dizer assim, ela é mais jovem que eu, tanto em quesito de mulherada, de atitude, de pessoa mesmo, de evolução. A gente se encontra, a gente sai juntos, toma umas brejas, eu trato ela como se fosse um cara, só que aí, por ter essa experiência aí, pseudo-experiência aí com ela, eu fiz uma música que virou meio que uma homenagem a galerinha do lado B, vamos falar assim, do lado bissexual, sei lá, bicha, tem um nome que eles falam.
Aí teve uma outra história lá em Jundiaí, tinha a Tais. Tais tocou por muito tempo, eu gostei da Tais, só que eu tava numa fase quando… Quem quer entender, entenda. Quem nunca comeu melado, quem nunca comeu mel, se mela todo, entendeu? A Carla tinha relacionamento aberto, e a Tais era amiga, tava a fim de mim, falei: “Vamos também”. Tá ficando. Rolou, teve uma parte legal e a Tais é minha amiga até hoje ou não é mais também, não sei como que tá lá. Eu comecei a

virar um imã por causa dessa música para garotas que gostam de garotas e eu… Pra mim não rolava nada. Eu até fui morar com duas meninas aqui, eu falava: “Qualquer coisa eu tô aqui, vocês batem na porta, vai que precisa, não sei” (risos), às vezes, precisa porque entre elas mesmo tem essa… Não vou falar uma putaria, mas é uma liberdade, uma liberdade. Uma liberdade que a gente tinha, só que essa liberdade atrapalhou muito a minha evolução, porque eu gosto de garotas de todos os tipos, apaixonado por todas, só que você tá num meio que você não vai evoluir em nada, vai evoluir como pessoa, como esclarecimento, como liberar seus preconceito…

P/1 – Mas amorosamente…

R – Não vou achar uma ali, você pode até achar uma que tá meio bravinha com a outra, que você vai fazer raiva, mas aí, eu fiz esse som pra… Eu vou tocar um pedaço dela aqui, chama “Garotas Doidas do Outro Lado”, parafraseando Leoni, “Garotos II”. E o legal que elas mesmo tocam entre elas, virou um hit single. [Tocando]: “Trabalhei na Mooca sentado, coisa que parece ser normal hoje em dia. Tinha um ponto lotado na esquina, meu coração bem vazio feito um buzão quando você partiu aquele fim de semana. E além do horizonte, meu bem, outra linha. Foi quando eu vi você dobrar a esquina de braço dado com a sua namorada, coisa que parece ser normal hoje em dia. Garotas que beijam outras garotas, garotas que beijam outras meninas e além do horizonte, meu bem, quem diria! Eu tava ali na Mooca sentado, eu muito louco igual o Kid Morgado, garotas doidas do outro lado e além do horizonte, além do horizonte, meu bem, outra linha. Vem que eu te ensino a voar sobre as nuvens, vem que eu te ensino a voar, garotas que beijam outras garotas, garotas que beijam outras meninas, beijar os caras só para sair de uma rotina. Coisa que pode ser normal hoje em dia, coisa que parece ser normal hoje em dia.” E aí essa virou… Até os caras, vamos dizer assim, que são meio malucos nessa malucagem aí, eles fazem a versão deles agora.

P/1 – Garotos?

R – É, eu não consegui entender, rapaz que beijam outros garotos e tal, falei: “Rapaziada, a música tá aí, vocês fazem o que vocês quiserem, só me manda os direitos autorais”.

P/1 –

Eu queria te perguntar umas coisas sobre São Paulo. É porque a gente tá meio que acabando com o tempo, mas como que é se virar em São Paulo? É difícil? Como você faz?

R – Não é difícil, São Paulo é uma mãe. Uma mãe com açúcar, uma avó. Muita gente reclama de São Paulo que não tem trampo, falo de se virar na maneira de business, dinheiro. Existe o emprego, existe o trampo, existe a tarefa, existe qualquer coisa pra você fazer e se não tiver qualquer coisa, você vai arrumar alguma coisa pra você fazer. Eu cansei de ver, eu vou voltar na tecla, eu não sou vagabundo, mas eu não sou fã de trabalho formal, porque eu não encaro isso aqui como trampo. Cansei de ver nego pedir, já de idade… Eu toquei muito tempo no farol porque eu via os caras ganhando grana, falei: “Não é possível, dá grana, dá grana, mas eu vou fazer uma coisa diferente”, fazia o Boa Noite São Paulo, foi um evento, foi uma maluquice que a gente criou e deu certo. No Masp, isso há uns cinco, seis anos atrás tinha uma galera que sentava lá e tipo, sentava lá e botava o instrumento aqui assim, todo mundo, cada um botava o instrumento e tinha o pessoal do Daime, o pessoal de tudo quanto é maluquice que você imagina e o que desse certo, uma estação de metro de assalto para ganhar grana, aí: “Acho que você pode dar certo, cara”, só que a pessoa foi pedir grana para o músico que tava tocando. Tudo errado. Eu vi passar, chegar dez reais na minha mão e o cara sair todo contente. Algo tá errado. Aí foi o André tocar. Uma hora deu a conta, a gente chegou a

fazer 150 contos por hora, era prostituição musical, mesmo. O som mais tocado da rua que eu falo que é o Paulo Henrique Amorim, ele é o mais tocado mesmo. Tocava só ela, porque ela já é uma apresentação, já é… Ela tava completa. Tô falando disso, de São Paulo. Aí criou-se um evento, de quinta a domingo, era um dia só. Boa noite São Paulo, estamos de volta, com vocês aqui na rua. Naquela esquininha do Safra juntava várias pessoas para ver o que a gente fazia, só que como ninguém tinha compromisso com nada, juntava dinheiro, dividia a grana, quem queria enlouquecer, ia enlouquecer, quem queria alugar uma namorada ia alugar uma namorada, quem quisesse dormir, ia dormir. A gente não parava. Trabalhava com música. Hoje eu não faço porque eu não tenho mais esse gás, essa cara de pau, mas se virar, tem trampo, tem hotel, tem rua também, não vou falar pra vocês que não durmo na rua, dormi várias e não é novidade, se precisar, também durmo de novo. Não esquento minha cabeça, só que…

P/1 – Como é que você faz?

R – Depende. Depende do dia, depende da cabeça e depende… São várias dependências, vamos dizer assim. Porque para dormir, basta o sono. São Paulo… Vou entrar num detalhe, São Paulo tem uma indústria da miséria bem grande, São Paulo tem a escola de vagabundo, se o cara não quiser fazer nada, o cara não faz nada, o cara come, dorme, tudo que você imaginar, nego vem, te dá grana e te dá goró. São Paulo tem isso, eu vivi num mundo desse, só que não é pra mim. Para dormir, basta o sono, torno a

falar, qualquer lugar é lugar. Isso eu peguei, porque eu sempre acampei muito, vocês conhecem Paranapiacaba? Acampei muito lá em Paranapiacaba, eu conheço de cabo a rabo aquele lugar, de camping, de pegar o trecho, eu peguei o trecho uma vez só, de ter que morar dentro da mochila, hoje eu tô dentro da mochila, mas daqui a pouco, vou ter que sair, trabalhar, ganhar um dinheiro, pagar no mínimo uma pensão mequetrefe de quinze contos que você tem que dormir amarrado na mochila ou então, voltar para Jundiaí e entrar no sistema. Tem como se virar, mas às vezes, eu não vejo tanta necessidade de se virar porque o meu plano não é esse ainda, me estabelecer em São Paulo, São Paulo é só uma passagem, mas essa passagem já tem oito anos e tá ficando cara essa passagem em São Paulo. Agora rolou… Sempre rola oferta de trampo. Já toquei no farol, já me chamaram para tocar no Tom Jazz, tocar nos lugares, toquei um dia com a galera para tocar no Morrison, fui lá também. Esses dias, eu tava vindo com o violão, tava morrendo de vontade de fumar um cigarro. Uma febre para fumar um cigarro. Só que eu vim com o violão ali pela Augusta, rata da Augusta, tenho que sair daquele lugar, lá viro assim, encontrei uma malocadinha, conheço muito maluco de rua, mas muito, conheço uns duzentos, e eu entendo que a importância de separar isso também, sentimento às vezes que dá uma força, quando eu cheguei aqui, eu não tinha nada. “Tone, dorme aqui”, ali na frente do Itaú, na Paulista, ali, debaixo do policial, morrendo de medo, ainda mais que eu sou um cara meio corajoso, mas não conhecia São Paulo. Então vou lá tocar com a galera, tal. Eu sai dali, esqueci o nome da rua, Coelho… Travessa da Augusta que tem o sobrenome de Coelho, toquei com a malucada, tomei um goró, nem enlouqueci, fiquei careta, tranquilo, eu tava indo… Eu falo trabalhar, tava com o violãozinho emprestado. Tinha uns dois patrícios, vamos dizer assim, bem alimentados fumando um cigarrão de boa, falei: “Jovens, empresta um cigarro desse aí?”, falei alguma coisa do gênero: “Você toca mesmo?” Toquei, falei com os caras, depois conheci o patrão deles. Aí ele me pediu “Faroeste Caboclo”, falei: “Cara, você pediu pra mim ‘Faroeste Caboclo’?”, eu falei: “Pode ser Faroeste, pode ser…”,

mandei um monte de Legião para o cara e para desenvoltura, a ideia rolou bacana também, tinha um monte de goró na mesa e tudo que você falava e eles também, teve um astral, teve um astral, sim, mas a bebida ajudou pra caramba. Me ofereceram um trampo de quatro mil reais por mês para trabalhar numa agência de pacote de viagens, de turismo. Os caras tinham tudo montado, já ligou para a esposa dele, já trouxe para vim buscar, foi para o outro lugar, trouxe aquela farda de sistema, sabe? Eu toquei com eles ali à noite inteira, toquei no restaurante, falei: “Jovens, não”, porque uma coisa é você estar ali, eu prezo muito a liberdade, por isso que eu não gosto de ficar parado, ficar andando. Eu vim aqui hoje, eu desci lá, eu desci na Rebouças, fiz a troca do passe, peguei um buzão, porque eu gosto desse pedaço, eu andei muito aqui e já morei em muitos lugares aqui, nas invasões, tal. Esse é um outro parênteses. Então para você trabalhar e ficar numa firma oito horas por dia, não sei se vocês conseguem, eu não consigo, me dá um tique nervoso, me dá alguma coisa, me dá um… E não é preguiça de trabalhar, não. O último emprego que eu tive fixo foi um ano e meio, polindo carro. Qual que é a missão? Eu tenho quatro carros por dia? Então vou acabar e vou embora. Mas em São Paulo tem a onda, tem gente que se vira, até amigo meu, não vou falar nome porque vai ficar chato, o cara chega e fala: “Puta, fiz uma cena ontem, roubei não sei o que”, tem um que rouba que é um puta de um talento, não é certo, mas tem nego que trabalha que tem mais talento ainda e o cara que pede? Não, eu vivo com o violão, arrumo meu violão, toco. Eu ganhei muito dinheiro, não fiquei rico, mas de ser puxador de loja de instrumento. Uma faixinha do Jimi Hendrix, botava um vestimento meio parecido e ficava… Sabe como é puxador, ficava… Conserto, violão, essas coisas e nessa, você sempre tem uma comissão, só que a minha comissão era porque eu estourava muito, só que teve uma época também que eu não soube ter dinheiro, ter muito fluxo de dinheiro e endoidar com dinheiro, o que não ia adiantar nada. Aí eu fui procurar outras coisas pra fazer. O se virar para quem quer se virar em São Paulo, se vira. A gente já foi… A gente que eu falo, que aí já tá… Ela foi para um lugar pra ter um rango, tava sem grana, bater um rango, eu também uso esses sistemas, não tenho vergonha de falar. E: “Vocês querem se virar?”, tinha uma sacolinha de sandalinhas Havaianas, sabe, miniatura? Custava 25 centavos cada uma, para você vender a um real, você ganhava, para você se virar, fazer a sua grana. Eu fui vender no farol que eu tocava violão, só mudava a profissão. A gente vendia como sandálias da sorte, tinha uma piada toda pronta, todo mundo louco, eu não me lembro mais: “Sandálias da sorte…”, pra mim é sorte “Quanto custa?” “Cem reais”, você já quebrava o gelo: “Já que você é meu amigo, eu faço por dois”, e vendia aquilo, ganhava muita grana, aquilo, vendia água, o que tinha de produto a gente vende, fazia a troca da venda. Só que aí, eu vendendo a minha música, nossa, eu vendia mais, eu vendia o sonho, o cara ficava contente. Teve uma vez, tocando no farol, já especialista, quem tivesse no farol já saía quando a gente chegava. O policial chegou: “O que vocês estão fazendo?” “Tocando”, mas parecia que a gente tava roubando, quem ficava olhando, parecia um assalto e eu chegava com o violão assim, mas sempre fazendo barulho, fazendo bagunça para o pessoal entender e eu por não enxergar de longe e não estar usando óculos no momento, eu pagava um cara para olhar o carro pra mim: “Qual janela tá aberta?”, pagava um para contar moeda, estava sem violão, falava: “Empresta o violão aqui” “Quanto você quer por hora?”, porque dava muita grana. Aí eu fiquei especialista, só que num pico só. Igual esses dias agora, eu botei… Precisava de um troco, eu botei a música para balançar, pelo menos as mesas mexeram, a gente desce em cada… Eu sou especialista nisso, em música. Só que também já fui fazer carga, já fui fazer o que tiver para fazer.

P/1 – Como você conheceu o É de Lei?

R – O É de Lei, eu passei lá uma vez numa outra época que tinha lá, mas passei, de passagem, do que rolava lá, também não tava… Tinha várias: “Tem um lugar legal pra ir”. Essa última foi assim: “Tone, tem um lugar que tocam violão”, me falaram que tem um lugar que tocam violão, que tem um café, tocar violão e tomar café tem duzentos lugares em São Paulo. Ouvi falar que tem uma galera legal e lá, a galera é descolada, vamos falar esse… Descolada, vamos lá, falar com os malucos. Cheguei lá, já conhecia um monte de maluco de lá, até hoje, eu não sei direito como que é lá, tô perguntando, tendo informação do que se trata aquele ambiente, mas eu fiz uma coletiva com a galera, com a galera do baixo clero, vamos dizer assim, e a galerinha também foi passear esses dias aí, pessoal todo… Todo mundo gosta de música, então frequento lá, não tenho o que dizer, é um lugar bacana, tava lá ontem vendo filme do Steven Seagal. Conheci assim, como eu conheci vários outros ambientes também que tem a malucada. Eu tenho um imã pra maluco e gosto de andar no meio de maluco, mas não de doido, de pirado. Eu já vi o guarda falar assim, o policia falar assim: “Por que você não faz igual ele? Ele vende a arte dele, vocês ficam pedindo, cara! O cara tá aí o dia inteiro, aprende a tocar violão com ele”, aí eu brinquei outro dia… Uma pessoa me chamou para dar uma oficina, ensinar a pessoa a tocar, ensino a ganhar dinheiro com o violão, mas não é tocar na rua, na rua é só um… O cara que vende CD, o cara que vende água, o cara que faz qualquer coisa na rua, se ele tivesse chance de trabalhar em outro lugar, ele trabalharia, só que a rua dá muito dinheiro. Imagina só,

eu comecei a fazer um estudo sobre porquê dava tanto dinheiro assim. São Paulo é a capital financeira da América Latina. No continente americano, maior que a gente só Nova York, então vai por essa conta. A Paulista é o fluxo. Faria Lima não tem tanto. Aí tem a seleção natural, quem tá lá direto, tem quem chega de manhã, é o pessoal que trabalha já nas funções mais… E vai assim, tem uma hora, duas horas no dia, na hora do almoço, mas eu gosto de trabalhar de noite. Na hora do almoço e seis horas até umas nove horas, imagina uma pressão dessa, executivo, secretariado e estagiário que vai delegando… Tá todo mundo com a cabeça quente. Tem um maluco tocando violão. Eu posso falar assim, com o peito cheio de orgulho que essa cena na Paulista não tinha de músico de rua, a gente começou isso aí. Não tô falando que a gente é responsável principal, mas vamos aí, vai ficar tocando até que horas aí? Pessoal parava, tocava violão e ia embora, fumava umas maconhas e ia embora. Tem dois, três, quatro tocando. Essa história de happy hour, então a pessoa chega pra escutar a gente tocar ou qualquer outra arte. Começou a chegar gente de teatro, gente de cinema…

P/1 – Circo, né?

R – Circo. Eu lembro que tinha um pessoal que fazia assim, oito minutos de peça por tantos reais. E a gente tinha uma brincadeira que o primeiro dinheiro que a gente ganhava, a gente ajudava o próximo artista, para um dar força pro outro. Só que de uns tempos pra cá, o se virar em São Paulo virou meio punk, que tem que… Acho que eu vou ter que arrumar um emprego formal, mesmo, uma parada para se manter aqui… Não tô falando de crise, não, crise é para quem não sabe lidar com oportunidades. Imagina isso aí, a crise é a oportunidade de você vencer ou então entrar no sistema, mesmo ou desistir de tudo isso aqui ou correr com isso aqui a mais e… Eu sei que funciona. Eu ainda tenho aquele gatilho do amor que vai funcionar, que vai dar certo, que vai encontrar alguém, que vai acontecer alguma coisa, só que parado, o Raul faz, tem que acontecer alguma coisa, parado eu não posso ficar.

P/2 – Você já falou várias vezes: “Eu, malucão conheci o pai da fulana e me viu que era doidão, sei lá o que…”, eu queria perguntar um pouco como que é sua relação com as drogas.

R – Qual delas? A relação com as drogas, eu gosto. Sinto até falta, só que não cabe mais na minha vida, entendeu? Tive um problema muito grave com drogas. Não de ficar maluco, de ficar doido, mas de não conseguir encarar o mundo sem um mesclado, sem uma farinha, sem o álcool, sem uma porcaria de um cigarro, que tudo pra mim é droga. Eu não sei, vamos dizer assim, sei, vou falar a verdade, eu joguei muito tempo futebol e o corpo meu drenado de atleta sempre precisava de uma adrenalina, quando eu parei de jogar, não foi culpa de parar de jogar, foi culpa de… Aconteceu, vamos dizer assim, foi por acaso. Não, não foi por acaso, eu sabia que era maconha que eu tava fumando, o mesclado eu não sabia, mas depois eu gostei. E eu tenho uma fantasia, tenho ainda, tá acabando, mas eu tenho que matar mais um pouco, do rock, do Hendrix, do Doors, desses caras tudo louco e não é assim que funciona. Hoje com 34 eu entendo. Tenho a clareza disso, que eu tenho que fazer um monte de lance, só que até aí eu já tava afundado até o pescoço. E nunca tive preconceito, usei várias, só não injetei porque eu não tive coragem e não tomei LSD ainda porque eu não tive chance de tomar em um lugar bacana, você tomar num lugar louco, você fica biruta. Cogumelo, lírio, chá de fita também não, mas de sempre ter, sempre estar contra a dor de consciência. Até o Benflogin, eu gosto pra caramba, eu não uso mais. Benflogin, cola… A maior brisa que tem é a cola, porque é um tal de volta para o futuro, ela volta na mesma brisa. E as drogas, eu perdi uma grande caminhada por causa de drogas, falo assim, em matéria de profissionalismo mesmo, se distanciar um pouco da galera, porque quando você tá usando droga é tudo legal, tudo bacana, só que não é bacana para quem não tá usando. Isso demorou para eu entender, porque as pessoas não entendem, para eu me entender, eu precisava usar, sei lá, dar um tiro e é legal, não é ruim, não. Só que não fica nenhum, já tem quatorze anos que eu uso essas paradas. Entrou uma garota esses dias… Sempre tem uma garota, entrou uma garota que quer ter um filho comigo só que não posso fumar nem cigarro, só que até para a minha mãe eu falei que eu voltei por causa de saudades, não consigo ver de outra maneira ainda. Vai falar: “Não, vai para a igreja”, já fui. Quando eu parei de usar, já fui e fiquei mais louco ainda, ficava bitolado. Eu consigo viver sem, só que tem um determinado momento que ela faz assim, olha, pelo menos uma bola eu tenho que dar: “Ah que legal”, só que não tem graça, eu não consegui achar graça na vida sem uma maluquice, uma doideira… Eu acho legal, o glamour, por eu ser mais… Pensar nas histórias antigas, antigamente, fumar um cigarro era bonito, né? Hoje você é um cidadão de segunda classe se fumar um cigarro, vai fumar lá fora, é assim que funciona hoje, antigamente era nego fumando Marlboro. Mas agora com essa onda também de muita gente fumando, perdeu um pouco do lance de exclusivo, fumar uma parada… O que eu gosto, maconha nem tanto, maconha lesa, eu gosto de um drink, só que eu não tenho limite. Não sou um alcoólatra que tenho que usar todo dia, só que eu não tenho limite, tomo até… Não até cair propositalmente, mas chegar ao ponto de perder instrumentos, achar que todo mundo é seu amigo, já perdi muita coisa. De pegar um buzão sexta-feira agora e parar no Tucuruvi, você tá entendendo? Querendo descer até o centro, na Augusta, de estar fazendo mal, já.

P/1 – Por quê você falou que você não injeta? Tem medo de quê?

R – Eu acho feio, nunca tive, nunca vi de perto, eu acho… Eu já li, acho… Opinião minha, acho esquisito, porque eu já passei… Fiquei internado no hospital tomando injeção, é uma coisa meio estranha, você ficar… E outra, sem contar o risco que é, tá ligado?

P/1 – Risco de quê?

R – Risco de doença, risco de… Sei lá, amigos meus que já injetaram falaram: “Meu, não vai não, cara, que o bagulho é tão louco, você vai gostar tanto, depois você nunca mais vai conseguir viver sem”. Tem um amigo meu que ele usou umas heroínas na vida dele aí, quando ele tava bacana, hoje ele não consegue ficar careta mais nenhum minuto, tem que beber, tem que tomar, porque é uma sensação tão forte, eu não imagino como seja. Eu tive um problema com pedra bastante tempo, tive, não tenho mais, só que ficou um rastro de destruição enorme. Ainda que não ficou tanto, porque eu tenho a parte da arte que contrabalanceia, só que eu venho de uma família que droga nenhuma, cara, droga nenhuma. “Vai lá no bar comprar um cigarro pro pai. Acende o cigarro”, não tô falando que é culpa dele, mas eu vi meu pai fumar, beber e tocar violão, eu lembro dele. Meu pai não bebe de monte, não, mas a família de final de semana, ficava tocando violão e bebendo. Qual exemplo que eu tive? Beber é da hora. Experimenta um pouquinho. E não adianta, se bateu a liga, você vai tomar mesmo, você vai fumar mesmo. Depois que eu vi que… Quando eu comecei a tocar, todo mundo começou a tocar na mesma época, todo mundo tocava La Bamba e mais outra lá. Todo mundo toca La Bamba até hoje e cada dia um tinha que aprender a bolar, até hoje, eu não sei bolar, bolo do meu jeito, funciona, tá bom, não é para bater foto, tem que ser funcional, só que não precisa aprender a bolar, não, só toca. E eu aprendi sempre relacionado à música, ao rolê, você tinha que ter um alterador de consciência. Eu não me conheço careta, eu fiquei quinze dias caretas por causa de uma doida essa semana aqui, que nem amor tem, é só uma proposta, um contrato que a gente tava assinando: “Quero ter um filho seu, você vai ter que ser assim, assim…”, e eu entrei em parafuso por estar careta. Deve ter alguma coisa pra você fazer. Ela me falou assim: “Toma floral”, tem um lance aí que é uma droga também. Tudo que altera a consciência é uma droga. O cara que pula de paraquedas, sem paraquedas, ele tá procurando alguma coisa que é uma droga. O meu paraquedas é aqui embaixo com o pé no chão. Às vezes, eu brinco assim, eu sou pisciano, eu devia nadar um pouco… Nem nadar eu sei, mas eu morei três meses numa ilha, do lado de um rio e não sei nadar. Eu gosto muito de ver esporte aquático, eu perco muito por não saber nadar. Eu morava na praia, morava perto da praia, numa ilha, eu pagava uma grana para o salva vidas para ele dar uma olhada em mim, alugava um colete e uma prancha e ia brigar com o mar. Cansava de ver o salva vidas indo lá: “Maluco, você tá marcando, cara?”, eu lá no meio do mar. Tem duzentos esportes aquáticos, eu já pensei que isso pode ser uma saída, porque a água é um pé de fôlego e eu não tenho fôlego por causa de cigarro. Eu comecei a fumar cigarro, meu irmão uma vez: “Duvido que você fume”, coisa de irmão é foda. Eu vi que um baterista de uma banda chamada Fevers, ele perdeu a voz porque ele ficou rouco. Minha voz não era assim, eu já perdi 30% dela, já. Eu fiquei duas semanas sem cantar, eu fiquei fudido. Eu queria ter a voz do Frejat, queria porque queria ter a voz do cara. Só que isso aí, comecei a comer cigarro, a banda chama Derby por causa do cigarro, depois vieram uns Derbys vermelhos e aí, quando você toca, qualquer coisa que você fizer se tiver no meio de malucos, vai vir as oferendas. Para não fazer desfeita, vamos cheirar isso aí, vamos fumar isso aí sim. Mas com relação a drogas, eu não penso, sinceramente, em parar por enquanto, porque a maconha me dá um gás legal pra caramba, não tô falando de relaxar e ficar viajando, porque eu não viajo mais, porque no começo… Eu tenho essa visão, você fuma para expandir pensamento, depois você começa a fumar para parar de pensar, você fuma e dá risada, você cheira… Depois você fica tão drenado com essas responsabilidades da vida, com o mundo que você evoluiu, que você é mais velho, você fuma um para amenizar a pressão, vai relaxar, que relaxar, relaxar do quê? A vida que eu levo! Me falam assim: “Se eu tivesse o talento que você tem…”, só que eu não consegui entender essa conta, ainda. Tem muita gente que me acusa por eu ter usado droga, por isso eu não fiz sucesso, só que eu só não fiz sucesso porque eu uso droga. Na minha cabeça é ao contrário, porque se eu tivesse estralado como a mídia pensa, como os meus amigos pensam, eu tinha sido mais rápido do que os Mamonas Assassinas, porque eu sou conhecido como o Sem Limite, o Kamikaze, vamos até o fim danado, não morre mesmo. Só que o corpo começou a acusar alguma coisa já, a máquina começou a

dar uns tilts, começou a parar, teve uma época aí que eu fiquei um dia, fiquei 25 dias no hospital e o hospital não sabia o que era. Aí eu liguei para cá, que tem um pessoal que já me conhece: “Dá aquele prontuário para mim, lá, manda…”, eu sei que já é uma carga, só que eu só vou entender isso, ou não vou entender quando der um tilt na cabeça, ficar louco, ficar pirado mesmo de… Esses dias eu fiquei meio preocupado porque eu esqueci a letra de Eduardo e Mônica. Eu esqueci o final dela e eu embasava para tocar…

P/1 – Você achou que acusou?

R – Eu acho que já é um… Alguma coisa em desuso. É o que dizem, eu não posso comprovar, mas você vai esquecendo as coisas com o tempo e a maconha também, só que a maconha me potencializa. O goró me potencializa. E é difícil... Não é abstinência, tô careta, tô sóbrio, é difícil… Eu não me lembro de ter sido careta, eu me lembro, sim, em dois mil e pouco, eu fiquei quatro meses careta, porque eu perdi a carta, fui para a igreja, fiquei quatro meses lá, mas fiquei biruta na igreja, louco… Não tô falando que é ruim ou mal a igreja, buscar a espiritualidade é uma coisa legal pra caramba, buscar Deus, buscar o diabo, buscar o raio que parta que você achar que dá passividade, mas a instituição, religião, igreja detonou o Tone, até hoje eu sou pirado. Eu comecei a ver também umas paradas muito loucas de apostos, Bíblia, subconsciente, de árvore do diabo, peguei tudo que podia dar algum lance. E aí a droga foi o que me concentrou, porque eu acredito nisso, que a droga é um facilitador, porque se a gente tomar algum café, pegar o mesmo café ali, de acordo com a experiência que a gente tem, cultura, o mesmo tanto de açúcar pode estar doce para mim e para você pode não estar. Então não é que vou fumar um baseado ou fazer um rock

n’ roll vai ser um sucesso. Isso não é frase minha, isso é o Keith Richards que fala e o cara é um dos melhores que tem. Tem um lance que você chega de evolução, de expiração, de talento, de técnica em tudo que você vai fazer, você vai direcionar aquilo. A droga é um facilitador, é um adiantador, é um sei lá, um acelerador para a sua preguiça de pensar, e aí eu não consegui entender como fazer para chegar nesse nível de sem dar essa adiantada, que já se tornou uma preguiça: “Vou fumar um, vou dar uma de louco aqui, o que eu lembrar, eu toco”, e não é assim, porque eu aprendi careta, eu até falo quando eu tô fumando para a galera sobre tocar: “Aprenda careta, porque louco você esquece”, e a maioria dos rolês loucos que eu fiz, eu esqueci todos. A pessoa chega e fala: “Nossa, cara, lembrei de você, tal dia, tal…”, aí você vai lembrando. Eu passei uma noite com uma garota esses dias, que é uma história, que se Deus quiser vai dar muito pano pra manga ainda. Aí eu não lembro de metade do que eu falei pra ela, eu nem sabia se a gente ia se ver de novo, porque o rolê foi tão massa, tão massa, e depois no final do rolê chegou um cara: “Você toca um Elvis?”, falei: “Claro, qual você quer?”, o cara começou a quebrar farinha, eu dei uns dois tiros, normal, não tenho preconceito, porque um é careta, e nem de cheirar eu gosto, só que você tá inserido, você já tá maluco, não tô dando desculpa, tem que achar um jeito de… Parece uma coisa… Por vir da família religiosa, sei lá, cultura mais quadrada, mais antiga, é um pecado usar uma droga. Tem uma coisinha que a mãe falou ainda que é pecado, mas pra mim não é, para o mundo é, mas os meus heróis, Cazuza, estão vivos ainda, Rolling Stones, os caras estão vivos ainda. Mas os caras pararam. Só que os caras usaram muito pra chegar lá, você entende a pilha que é? Então, eu tenho problema com droga? Sim, mas a droga também tem um problema comigo, ela achou um cara que aguenta o baque, vamos dizer assim, que aguenta o rock. É estranho falar sobre isso.

P/1 – Por quê?

R – Porque eu parei para pensar nisso dessa forma esses dias. Vamos achar uma forma para sair disso, vamos procurar, isso não existe. Você vai num psicólogo, você vai num psiquiatra, eu fui num psiquiatra, fui em dois. Até vou ainda de vez em quando para ver quem que é mais louco. A psiquiatra me deu… Fez umas paradas lá, tem uns centros de referência aqui em São Paulo, eu vou lá quando tá meio maluco pra dar uma… Me deram um remédio para abrir o apetite, um remédio para vitamina, um para absorver a vitamina, um para dormir e um para ficar feliz. Falei: “Gente, mais droga do que eu uso”, ela falou: “É mesmo”. Aí tava com vontade, me deu Diazepam, eu falei: “Não funciona isso pra mim, me dá outro”, ela me deu autonomia sobre Diazepam, falou: “Você pode tomar a hora que você quiser”, doida, esse remédio aí é pra maluco, isso aí é pra dormir, eu briguei com… Falei: “não quero tratar com você mais não”, você tem essa escolha, vou procurar outra pessoa. O psiquiatra veio e falou assim: “Tone, careta você nunca vai ser, pega uma maconha boa, dá duas bolas e apaga. É esse nível que você precisa”, falei: “Mentira”, chamei duas testemunhas, amigos meus: “Olha o que esse cara tá falando”, é a maconha terapia que nós fazemos. Só que eu não consigo enfrentar ainda se eu quero parar ou não, o problema não é usar droga, é se eu quero parar por enquanto, porque careta é chato pra caramba. Eu não tô falando careta de não usar nada, a pessoa que não tem a visão de um maluco. Então isso é complicado.

P/1 – Você quer fazer alguma pergunta, Gaby? A gente vai ter que encerrar, infelizmente. Eu tinha muita coisa pra te perguntar, mas a gente vai ter uma gravação já às duas, aqui, em outro lugar, na Angélica ainda. Mas eu queria te perguntar como final, quais são os seus sonhos hoje para o futuro?

R – Sonhos… Sonhar é uma coisa que… Não vou dizer que cabe mais sonho, eu acho que eu já sonhei tudo que tinha para sonhar. Sonhar. Imaginei tudo, passei muito tempo só sonhando, só imaginando, realizando pouco, sonhando em ter sonhos, vamos dizer assim. Tem uma brincadeira assim, a gente fala que o rock morreu, salvar o rock, isso é um sonho, minha já é uma realidade. Mas de sonho, de… Não que eu não tenha mais sonhos, mas não há nada que eu já não tenha sonhado, do mais simples ao mais maluco do mundo, desde um astronauta até sei lá… Pescar um peixe grande, fui pescar no passado, eu fui aprender a pescar, pisciniano, morando do lado do rio, família tudo do interior e eu nunca pesquei. São coisas simples. Um sonho meu seria, vamos botar nesse parâmetro, é realizar algum deles, alguns deles. Coisa simples, não é nada de bicho de sete cabeças, não. Ter um não precisar correr tanto atrás para sobreviver. Não passar tanto apuro, que já chega, tô ficando velho também, já, não tenho mais o poder de reação, agora uma baladinha mal dormida, são quatro dias para voltar ao normal. Não são mais duas horinhas, e tô pronto para outra. A idade chega para todo mundo. É trabalhar, mas do jeito que eu acho que o trabalho é trabalho, música, não sei, às vezes, eu acho que se eu parar de tocar, eu vou realizar a música mais fácil do que eu ficar dentro dela. Tem os sonhos universais de ver todo mundo contente, tal. Sonho, vou dizer de novo, eu sonhei tudo que tinha para sonhar já. Sonhava em conhecer os caras do Doors, morreu um monte, morreu dois esses tempos atrás, só tem um. Mas isso é piração. Um sonho é parar de sonhar um pouco e realizar alguma coisa que não tá tão longe, conseguir manter um foco, seria… Que eu sou meio maluco de foco, tenho um monte de comecinho assim, um monte de história começada, um monte de planta, só que eu não consigo cultivar, são os sonhos, são os projetos. O que eu fiz? Eu parei de sonhar um pouco, comecei a preparar o terreno para esses sonhos que é o tocar, que é arrumar uma garota de novo, mas aí eu tenho que me arrumar primeiro, não é assim, a pessoa me liga e fala assim: “Eu quero ter um filho com você”, também não existe mais o primeiro amor, essa história do grande amor da vida já não existe mais na minha cabeça. Um sonho seria parar de sonhar um pouco e continuar fazendo. Acho que é isso. Demais assim.

P/1 – Como que foi contar um pouquinho da sua história pra gente?

R – Complicadíssimo! Eu entrei em lugares que eu não imaginava que eu tinha aqui dentro, ainda, que eu vou ficar lembrando mais uma semana de coisas que eu tinha feito questão de esquecer. Às vezes, até bom lembrar para esquecer de vez. Estranho. Eu pensei a semana inteira: “O que eu vou ficar falando lá? Não vou, não”, isso passa na cabeça, mas uma coisa é uma coisa, você pode impedir… Pensamento é igual abutre, sabe dessa? Você pode impedir que ele faça ninhos, mas que eles voem em cima da sua cabeça, não. Ideias a gente tem.

P/1 – Foi bom? Foi ruim?

R – Foi legal, legal. Eu me surpreendi com o tanto de coisa que eu tô falando, careta. É estranho isso aí. Não que seja uma dificuldade, mas é uma falta de hábito me expor – entre aspas – vocês são pessoas que eu nem conheço, todo respeito, a gente tá se conhecendo agora, eu não sei nem para que alcance… Sei o que você me disse, que alcance vai ter isso aí, falei coisas que eram minhas e eu botei… Não tô com medo de nada, represália, mas então pra mim é um grau de evolução, conseguir enfrentar alguma coisa, vamos dizer, parece uma terapia. Se eu tivesse louco, essa história seria outra, não seria com tão… Não seriam tão importantes as histórias, entendeu?

P/1 – Fechamos, então?

R – Tranquilo, cara.

P/1 – Obrigada então, Tone.