Projeto Conte sua História – Celebração do Sorriso
Depoimento de Paulo Bonfá
Entrevistado por Lila Schnaider e Márcia Trezza
São Paulo, 02/08/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV573_Paulo Bonfá
Transcrito por Melissa Lourenço Machado
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Paulo, a gen...Continuar leitura
Projeto Conte sua História – Celebração do Sorriso
Depoimento de Paulo Bonfá
Entrevistado por Lila Schnaider e Márcia Trezza
São Paulo, 02/08/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV573_Paulo Bonfá
Transcrito por Melissa Lourenço Machado
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Paulo, a gente está começando a entrevista. Você fala o seu nome completo, onde você nasceu e a data, por favor?
R – Paulo Roberto Bonfá, nascido no Hospital e Maternidade São Luiz em 31 de janeiro de 1972.
P/1 – Em São Paulo?
R – São Paulo, capital.
P/1 – Paulo, você se lembra da sua infância, momentos marcantes, como era o cotidiano?
R – A minha memória infantil, ela é interessante porque ela é blocada. Eu tenho na minha cabeça vários momentos dos quais eu lembro com mais nitidez e alguns outros momentos que eu não sei o que aconteceu, que eu preciso perguntar para alguém para me contarem. É interessante, não é uma coisa linear e também ela não é uma sequência de acontecimentos desencadeados, mas no geral eu tenho para mim que a minha infância foi riquíssima e ela ajudou a moldar um pouco a minha forma de ver o mundo e de pensar, mesmo que isso não fosse uma educação formal ou uma imposição familiar e tudo mais. Eu me lembro de que o principal ativo infantil é a falta de responsabilidade. Então, isso para mim é uma coisa determinante sob o ponto de vista depois da vida adulta e da preocupação com o legado, qual a sua importância, qual é o seu papel, aquilo que você vai fazer, deixar. E isso muda de acordo com as décadas, mas hoje eu percebo que o grande valor está naquela falta de responsabilidade infantil.
P/1 – Você se lembra de algum episódio que foi marcante ou alguma situação vivida? Brincadeiras?
R – Eu acho que, para mim, essa referência infantil sobre a tranquilidade, a leveza e a irresponsabilidade, ela diz respeito muito às férias. As férias, para mim, se resumiam basicamente em uma sequência infindável de acontecimentos da hora em que eu acordava à hora em que eu ia dormir, em que tudo era prazeroso porque eu não tinha a disciplina de manter um horário por conta de escola, eu não estava vinculado a nenhum trajeto especifico que eu precisava fazer por aula de alguma coisa ou por um curso específico que eu precisava fazer etc. E eu tinha ali uma surpresa a cada dia: saber quem vai estar disponível para brincar comigo, vai chover ou vai fazer sol, pode ser na piscina ou na praça, eu vou de bicicleta ou vou ficar fazendo um jogo. Para mim, as lembranças da infância estão muito ligadas aos períodos de férias e isso em diversas idades diferentes com diversos tipos de programas diferentes.
P/1 – Quando você era bem pequeno, a primeira lembrança que você tem, onde que você passava as férias? Para a gente entender como seria isso.
R – É uma lembrança quase que subconsciente, eu demorei anos para descobrir de onde era um sonho recorrente que eu tinha, que era um escorregador de madeira, que era em um hotel em Campos do Jordão. E, daí, depois de muitos anos, só ao contar isso para os meus pais, comentar: “Ah, esses sonhos que eu já tive várias vezes, eu tive de novo, não sei por que isso aconteceu.” E aí eu descrevi, e os meus pais falaram: “Nossa, mas isso bate com alguma coisa das suas férias quando você era criança, dos seis, do zero até os seis anos de idade, na cidade de Campos do Jordão.” E, de fato, anos depois, já, sei lá, depois da adolescência, eu visitei esse mesmo local e qual não foi a minha surpresa ao ver o escorregador de madeira em uma escada que descia para o salão de um hotel para o salão de jogos, que era o que muitas vezes aparecia no meu sonho. Essa é a minha primeira memória, mas que não é uma memória de lembrar o que eu fazia, mas de ter sonhado várias vezes com algo que de fato era baseado em uma situação real.
P/1 – Você tem irmãos, Paulo?
R – Tenho um irmão mais novo.
P/1 – E essa convivência tanto na infância quanto na adolescência, você se lembra de alguma passagem com o seu irmão que foi bastante marcante? Ou o que você fazia com ele?
R – Eu e meu irmão temos personalidades muito diferentes, temos uma diferença de idade de três anos e nunca tivemos a mesma turma, o mesmo programa. A nossa convivência fora de casa era muito diferente da nossa convivência. Fora de casa, eu sempre gostei muito de esporte, ele não tinha tanto apreço pelo esporte. Enfim, programas diferentes, turmas diferentes, Mas eu me lembro muito de uma viagem, a primeira vez que a gente esteve fora do Brasil, em que nos Estados Unidos o nosso grande desafio era entender o que as pessoas falavam sem que a gente falasse aquela língua. Meu pai ia dar algumas aulas em uma universidade americana e, em uma parte da viagem, eu, minha mãe e meu irmão permanecemos lá e depois voltamos. E essa primeira viagem foi muito desafiadora no sentido de: “Por que eles falam tudo errado? Por que as coisas estão escritas de um jeito que a gente não conhece?” E ao mesmo tempo uma descoberta dessa situação toda em que eu, apesar de mais velho, estava no mesmo barco que meu irmão, e como nos virar ali, né?
P/1 – Você diz que tinham turmas diferentes. Aí, você praticava esportes desde criança ou depois mais velho um pouquinho?
R – Não, eu fiz bastante esporte. Eu pratiquei esportes durante muitos anos, eu comecei com a natação, da natação eu fui para o judô e do judô eu fui para o vôlei. Na natação e no judô, eu disputava campeonatos, eu era atleta federado, mas não era algo, um nível de competição que me fizesse pensar: “Puxa, isso aqui é o que eu quero fazer da minha vida.” Foi quando o Brasil ganhou uma medalha de prata na Olimpíada de 1984 no vôlei, que era um esporte que eu gostava e praticava brincando no colégio, que eu pensei naquilo como algo: “Poxa, acho que eu deveria fazer melhor isso que eu faço brincando.” E, assistindo a um programa na TV Cultura, um programa de esportes, os jornalistas deram a informação de uma peneira, que é como a gente chama o primeiro encontro para testar gente que quer ser atleta em alguma modalidade em um grande clube. E eu fui participar de uma peneira do grande time da época que era o time da Pirelli, e ele ficava em Santo André, e eu falei para os meus pais que: “Eu quero ir até lá”. Meu pai falou: “Olha, a gente não mora nessa cidade, a gente mora em outra cidade, e eu te levo no primeiro dia. Se você ficar, a gente vai ter que pensar como é que você vai fazer para se virar, e continuar ou não.” E foi muito interessante porque eu fui fazer essa peneira, eu tinha 12 anos de idade e eram 600 garotos. Ficaram dois, eu e mais um. Dessa história, eu comecei a jogar vôlei para valer e daí joguei durante dez anos, competindo. Eu fui campeão paulista, fui para a seleção universitária, fiz várias diferentes trajetórias de atleta, no começo mais sério e depois já percebendo que eu não ia ter uma carreira como atleta, que aquilo era algo que me dava muito prazer, que era bom para mim, que eu gostava demais, mas que tinha um limite. “Vamos ver até onde eu iria conseguir praticar sem me tornar um profissional.”
P/1 – E ele disse que não ia ficar levando você. Como é que você se virou, porque era em outra cidade, ou para ir em outros jogos?
R – Para mim, foi uma fase muito interessante porque eu gostava tanto que eu saía do colégio, eu almoçava rapidinho em casa, andava até um ponto de ônibus que levava para a estação de trem, da estação de trem eu pegava o trem, descia na outra estação, pegava mais um ônibus e ia jogar. Me matava de treinar, adorava aquilo e voltava. Então, meus dias eram resumidos a isso porque eu demorava, sei lá, uma hora para ir, uma hora para voltar, treinava quatro horas por dia e voltava para casa, comia um prato gigante de comida e capotava. Aí, no dia seguinte, ia para a escola e, da escola, ia, seguia. E isso para mim era uma superalegria, né? Eu fiquei pensando uma vez: “Ah, mas que horas eu estudava?” Depois eu me lembrei que eu ia lendo os livros no trem porque, ao contrário do carro, o trem só para nas estações, então, muitas vezes, as pessoas falavam: “Poxa, mas você ficava meia hora todo dia?” E eu falava assim: “É, mas para mim passa rápido, dá tipo dois capítulos dos livros de história, um capítulo do livro de geografia...” Era mais ou menos assim a minha ida e vinda dos treinos.
P/1 – Falando de estudar, você tem alguma lembrança marcante da escola, da primeira escola?
R – Eu tenho lembrança da minha alfabetização que, no meu caso, aconteceu quando eu já tinha sete anos de idade, na primeira série do antigo primário, em uma ocasião que a minha avó materna convidou a família toda para fazer uma viagem. Nós fomos para a Bahia, e era no meio do período letivo, eu ia perder uma semana de aulas. E eu me lembro que, quando eu voltei com o caderno, apostila ou o livro do colégio, a minha mãe falou assim: “Agora nós vamos tirar o atraso dessa semana que você passou fora.” E passou a manhã inteira comigo fazendo as lições, lições e lições para eu voltar para a minha aula na segunda-feira à tarde. E aí, quando eu cheguei na aula, eu estava três semanas à frente do resto da classe porque a gente fez tanta lição, tanta lição para tirar o atraso, que eu já tinha feito os exercícios do que ia acontecer depois.
P/1 – E você se lembra de alguma situação muito engraçada na escola, pode ser nessa ou mais para frente, quando você já estava mais adolescente, ou que te fez feliz?
R – Eu sempre fui uma pessoa observadora, eu sempre fui muito atento aos detalhes. E, na parte da escola, era algo que, para mim, era muito tranquilo. Eu sempre tive muita facilidade para aprender. Então, normalmente, as reclamações que chegavam em casa eram porque eu distraía os meus colegas e, na hora da prova, eu ia bem e eles não. Nessa situação, eu sempre me divertia, com situações que fazem parte até da minha carreira depois como humorista profissional, de detalhes às vezes de uma coisa quase cínica ou irônica, que nem todo mundo percebe ou acha graça ou consegue ver ali onde está a parte cômica. Mas eu me lembro de um trabalho em que o tema na escola era um tema até sério, formal, a mortalidade das pequenas empresas no país, para dizer que as empresas, elas eram fundadas, e poucos negócios duravam até o segundo ano, que os empreendedores, por falta de experiência, de condições ou de dinheiro não conseguiam levar adiante as suas ideias de negócio. E um colega da época, que por um acaso se chamava André, ele era o primeiro a apresentar, um dos primeiros pela ordem alfabética. Ele foi até a frente da sala e começou o seu trabalho sobre as estatísticas de acidente de trabalho, sobre quantas pessoas morreram nas pequenas empresas. E tinha um trabalho excelente de pesquisa, só que não era o tema. O tema não era a mortalidade “nas” pequenas empresas e sim “das” pequenas empresas. Eu achava isso hilário, eu me divertia, mas eu percebia que, ao meu redor, as crianças, que já não eram tão crianças, estavam em dúvida: “Poxa, será que eu errei o trabalho e o tema era esse aqui?” E eu achava aquilo ótimo porque eu falei: “Nossa, que constrangimento, e agora, o que é que vai acontecer?” “É zero para a sua apresentação, traz outro trabalho, todo mundo está errado, vale qualquer coisa...” É isso. É algo que sempre me marcou.
P/1 – Paulo, você, quando criança – eu falo criança, mas pode ter acontecido depois, quando você já estava entrando na adolescência –, você já tinha, como essa situação, outras em que você percebia que o humor estava presente? Que você trazia isso?
R – A veia cômica é inata. Se você vai desenvolver aquilo na forma de um trabalho, se aquilo vai perdurar durante a sua vida social, mesmo que não seja algo ligado ao seu ganha-pão, o meio ambiente vai dizer, a sua história de vida vai dizer, mas a minha percepção sempre foi de tentar me divertir. É a minha relação com a comédia. Ela começou por acaso, como qualquer pessoa que gosta de algo que pode ser origami, pode ser pescaria ou tocar vilão. Eu gostava de assistir aos programas de humor da TV, eu gostava de ler livros que eu considerava engraçados, eu gostava dos gibis, mas, embora eu lesse de tudo, os super-heróis, a Turma da Mônica, almanaques Disney, eu me divertia com Recruta Zero, eu me divertia com historinhas que tinham uma referência divertida no final. Essa importância do riso para mim e essa necessidade de as pessoas sorrirem, ela veio do berço, entre aspas, porque foi acontecendo, e eu ia indo atrás daquilo que me deixava mais feliz, e eu ficava muito feliz vendo uma comédia no cinema, ficava muito feliz assistindo aos Trapalhões na televisão, eu ficava muito feliz com o gibi do Recruta Zero. Então, talvez aí, eu tenha começado a buscar mais o que me trazia prazer.
P/1 – E você, de todos esses, alguns te inspiraram?
R – Eu posso dizer que eu tenho umas inspirações muito claras do meu trabalho como comediante. Uma delas é o Renato Aragão, que eu tive o prazer de conhecer e que foi homenageado dentro do projeto do festival Risadaria na edição de 2012. Renato Aragão, embora muitas pessoas... Vou de novo: Renato Aragão, embora muitas pessoas pensem: “Ah, ele é um migrante cearense que veio para o Sudeste tentar a vida com uma mão na frente e outra atrás”, ele tem uma história ótima, ele é advogado formado, ele é de uma família bem estabelecida em Fortaleza, ele teve uma carreira que ele pôde escolher o que fazer e tomou uma decisão de ir para o Rio de Janeiro para tentar fazer cinema, que era a grande intenção dele como artista que tinha se tornado. E, por acaso, a televisão também entrou nesse caminho, e ele sempre foi para mim uma inspiração, pela facilidade de fazer rir com poucas palavras, o humor físico, uma careta, um trejeito. Isso, para mim, me divertia porque sei lá, eu tinha quatro, cinco, seis anos de idade quando eu comecei a tomar contato com esse tipo de conteúdo. E, alguns anos depois, já alfabetizado, portanto, lendo livros, Luis Fernando Verissimo para mim foi uma referência ao ponto de descobrir a obra completa dele e começar por todos os livros de crônicas, dos livros que diziam respeito especificamente a histórias cômicas, que eu nem compreendia porque eu era uma criança e os temas eram mais adultos. Mas isso para mim foi muito marcante. Mas, além desses dois, falando de uma referência internacional, primeiro de um grupo ou de um conteúdo de trabalho e depois de uma pessoa, e isso foi determinante talvez, quando eu tive que optar em ser um empresário, um administrador, um economista, que é a minha área de formação acadêmica, ou trabalhar com comunicação e ir especificamente para o lado do humor, da irreverência e da comédia, que é o grupo inglês Monty Python. Uma coisa absolutamente impensável de se fazer no final dos anos 60, mas tem conteúdo atual até hoje, não importa quando essa entrevista está sendo assistida por alguém. E, aí, uma realidade muito diferente de uma realidade de produção. Como fazer um programa atemporal com uma linguagem de filme que fosse exibida em uma TV inglesa e que pudesse ser entendida em outros lugares do mundo através dos tempos? Isso, para mim, era algo fascinante, além da riqueza de temas, da profundidade da abordagem, de não ser um humor rasteiro barato, de ser algo pastelão ou fácil. Pelo contrário, tinha muitas coisas eruditas, e isso me desafiava. Eu sempre quis ter também no meu trabalho coisas que pudessem surpreender as pessoas que fossem mais exigentes, além daqueles que fossem os caminhos de fazer rir todo mundo. E, com o Monty Phyton, isso, para mim, era um fato, uma realidade. O jogo de futebol entre os filósofos gregos e os filósofos alemães, e eu falava: “Eu sei quem é Heidegger, eu sei quem é Kant”, ao mesmo tempo que tem Sófocles, Platão etc., né? Então, Monty Phyton para mim foi determinante, e Peter Sellers, como figura icônica, como uma única pessoa ou personalidade, para mim o melhor ator de comédia de todos os tempos, embora também fosse um ator dramático espetacular. O Peter Sellers era para mim assim: se eu fosse ser um ator, coisa que eu não sou, eu quereria ser alguém como ele, pela capacidade de flutuar em diferentes níveis de comédia, em situações corriqueiras, em situações complexas e fazendo rir, fazendo rir muito.
P/1 – Paulo, você contou um pouco da trajetória do Renato Aragão. E a sua como foi? Você acabou de dizer que você tem uma formação acadêmica, Economia, Administração, e como foi? Pode ir contando para a gente.
P/2 – E, se você puder falar como foi a tua, você estava na escola e o que você pensava em fazer, como é que você decidiu fazer?
P/1 – É, desde quando começou, teve essa vocação, que já era, como você diz, desde criança, mas que começou a se conformar mesmo e até você chegar lá?
P/2 – De quando você decidiu fazer vestibular, e algo que você decidiu e a tua trajetória até...
R – Tá. Eu tenho uma trajetória diferente, poucas pessoas conhecem os detalhes. Mas eu vinha de gostar de comédia, de consumir comédia, de ser bem humorado, de brincar com os meus amigos da escola, eventualmente atrapalhando uma aula, mas não uma coisa de guerra de papel, de bagunça. Mais de fazer comentários etc. E eu tenho um episódio emblemático. Quando eu tinha 13 anos, provavelmente, e seria a sétima série do antigo ginásio, e algum colega meu na época falou assim: “Olha, nós temos uma prova de Física, e eu fui fazer uma cópia de um material e eu vi ali que tinha uma cópia.” E, na hora, alguém pensou assim: “Tenta pegar uma cópia porque daí a gente já fica sabendo as perguntas e estuda só o que vai cair.” E tudo o que eu conseguia pensar naquele momento era assim: “Seria ótimo pegar a cópia dessa prova e fazer respostas de gozação e publicar isso de alguma forma.” E eu me lembro que, bom, alguém conseguiu uma cópia da prova, e teve o dia da prova, e eu falei: “Eu queria uma cópia da prova porque eu quero responder a prova.” E era uma prova de Física, que era um assunto que eu tinha uma certa dificuldade até porque eu me interessava muito pouco, eu não via quando, na minha vida adulta, ou quando, no futuro, eu estaria de fato aplicando os conceitos, embora todos tenham que ter as noções. Eu falava: “Puxa, mas depois, se eu for trabalhar, eu vou trabalhar com isso? Com movimento linear, com força centrípeta? Meu pai tem formação de Engenharia e não é algo que eu queira fazer que, pelo que eu conheço de Engenharia...” E eu sei que eu respondi aquela prova e aí eu coloquei no quadro de avisos no mural do colégio e, ao mesmo tempo que existia uma caça às bruxas para saber – “Alguém roubou uma prova, vamos cancelar as notas” –, umas pessoas preocupadas: “Ih, se souberem quem pegou!” “Que a minha nota foi boa, que eu estudei só o que ia cair!” A minha preocupação era assim: “Será que alguém vai achar tanta graça quanto eu achei naquilo que eu respondi?” E nem sei qual foi o desenlace dessa história mesmo, mas o curioso é que eu me divertia respondendo enunciados complexos: “Qual?” “Uma nave na órbita da Lua faz um movimento assim, assado, e o astronauta sai, e o cálculo...” E a pergunta, afinal, era assim: “Qual é a massa do astronauta?” E a minha resposta era tipo: “Espaguete à bolonhesa.” E eu achava aquilo o máximo, porque era um trocadilho ridículo só com uma parte da pergunta, rejeitando o enunciado, e isso para mim foi um episódio bem marcante. E aí depois, com uma turma de amigos, que eram amigos de várias situações, alguns colegas de colégio, outros vizinhos, outros as duas coisas, em situações de férias em que ninguém tinha carro, não podia sair no sábado à noite por conta própria, nós começamos a gravar fitas cassete – fitas cassete, que eram um meio de registrar áudio quando não tinham os formatos MP3, toda a tecnologia envolvida com música e som em geral –, parodiando programas da televisão, fazendo aquilo sem roteiro, só como uma diversão e com uma certa frequência, mudando os grupos de pessoas, mas fazendo aqui, fazendo lá. E essas fitas começaram a rodar pelo colégio, os colegas pediam: “Ah, posso ouvir o que vocês gravaram?” “O que é que foi, o que é que não foi?” E essa situação era um hobby, era uma diversão, e em paralelo eu continuava jogando vôlei. Então, isso era totalmente extemporâneo. Quando eu já estava no colegial, ou seja, no atual ensino médio, pensando o que vai ser o seu curso acadêmico, você vai a uma faculdade, qual será essa faculdade? Eu, de forma pragmática, um ano antes do vestibular, pensava em Ciência da Computação só pelo fato de que eu olhava e falava assim: “Ah, os computadores são o futuro!” Meu pai tinha comprado um computador pessoal em uma época em que você precisava programar o que você iria fazer, não tinha os aplicativos, os softwares. Eu lembro que eu comprava as revistas na banca de jornal para programar o que eu queria fazer, se era um jogo, um simulador de voo, tinha que programar e olhar, se era uma calculadora ou um outro tipo de função prática para a máquina, fazer aqui, e eu falava: “Puxa, isso daí é o futuro, mas também não tem nada a ver comigo.” Eu fui conversar com várias pessoas de áreas diferentes para entender até o que faz um advogado, o que faz um arquiteto, o que faz um publicitário, o que faz... Para entender o que faz. E a minha conclusão, na hora em que eu tive que optar por uma carreira, era que eu não sabia exatamente o que eu queria fazer, eu não sabia e nem tinha uma vocação clara assim de dizer: “Eu quero ser médico pediatra porque eu vou cuidar de crianças”, ou, sei lá, “eu quero ser controlador de voo, porque eu adoro a aeronáutica, eu gosto de aviões”, e, sei lá, alguma coisa assim. Então, eu fui para a Administração, o que foi ótimo, porque o administrador é um especialista em coisa nenhuma, qualquer profundidade na Administração vai exigir de você uma especialização depois. Mas é uma formação generalista muito boa e que te permite olhar vários aspectos da vida profissional ou da vida corporativa, vamos dizer assim. Um administrador perpassa finanças, marketing, produção, comunicação e áreas jurídicas, contábeis, de recursos humanos. Então, essa vivência generalista me pareceu mais adequada. Vou fazer e lá eu descubro para que lado eu fico, aonde eu me enfio. Vai ser o marketing? Vai ser finanças? Então, eu fui cursar Administração na GV [Fundação Getúlio Vargas] aqui em São Paulo, e essa foi a minha escolha acadêmica, digamos assim. Já na faculdade, e com alguns dos meus amigos, eu comecei a fazer um programa de rádio de forma experimental, semiamadora, porque não era remunerado, na USP FM. Nesse ano, inclusive, eu já estava no segundo ano da Administração. Eu prestei também Economia, eu fazia uma faculdade de manhã e eu entrei na outra à noite, na USP [Universidade de São Paulo], em Economia, à noite. Mas a minha história com Economia tem a ver com voleibol porque eu já estava com 18 anos e tinha mais um ano como juvenil e depois disso eu me tornaria o que se chamava na época “principal”, seria o adulto ou o profissional de hoje. E, aí, para não parar de jogar, eu pensei: “Tem um time lá no Cepeusp [Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo], deixa eu prestar qualquer faculdade que eu possa entrar, para ser aluno da USP e poder jogar no time, assim eu não paro de jogar.” E meu pai, na época, me falou: “Filho, você acabou de fazer vestibular, você entrou bem e tal, veja uma carreira que, se você levar adiante, tenha a ver com a sua formação.” E eu pensei: “Legal, vou fazer Direito.” Eu conheci algumas pessoas que faziam São Francisco, mas aí, depois, eu pensei: “Puxa, é a faculdade de Direito da USP, mas não é na USP, ela é no centro. Poxa, à noite, dificilmente eu vou cursar, não vai caber na minha rotina”, que era ter aula de manhã, fazer estágio à tarde, trabalhava à tarde e à noite ia para lá. Então, eu fui ver todos os cursos no campus da USP, que era mais perto do ginásio, inclusive, para ver qual que se adequava mais pela minha opção pela Administração. E aí veio a Economia, que foi a faculdade que eu prestei e entrei. E lá eu fiz um curso totalmente desconjuntado porque as matérias não exigiam pré-requisitos, então, eu comecei pelo que me interessava mais, todas as equivalências que eu podia pedir pela faculdade de Administração, que eu já tinha cursado, eu pedia, para não ter que fazer de novo. Processamento de dados, estatística, fundamentos sociais e jurídicos. E podia jogar dessa forma no time de vôlei, então...
P/1 – E jogou?
R – Joguei. Joguei. Joguei e fui para a Seleção Paulista Universitária, também nessa época, para disputar jogos universitários brasileiros. E foi interessante porque eu, nessa época também, enfim, eu não consigo nem me lembrar como essas coisas cabiam no mesmo dia. Então, fazer duas faculdades, fazer um programa de rádio que era gravado semanalmente, trabalhar todo dia à tarde em uma empresa, sair com os meus amigos, namorar, ver a família. Mas cabia, tudo cabia, a preocupação era muito menor, não sei, a minha dificuldade até em entender como é que isso funcionava, como é que isso cabia. Bom, quando eu já estava formado na primeira faculdade e estava do meio para o final da USP, toda fora de ordem, aconteceu o seguinte: depois de quatro anos, alguns contatos lá na USP FM, que aquilo era praticamente um hobby, houve a possibilidade de levar o programa para uma emissora comercial. E ele foi muito bem sucedido, se chamava Os Sobrinhos do Ataíde, e essa trajetória foi muito rápida, de forma que, um ano e pouco depois, eu percebi que eu tinha lá a minha atividade comercial porque eu tinha me formado, eu tinha aberto uma empresa com dois ex-colegas de faculdade representando uma empresa americana no Brasil, e era uma coisa super mão na massa. A gente saiu, pegou um dinheiro emprestado, cada um com a sua família, e montou um negócio e foi metendo a cara. E, ao mesmo tempo, o programa, que era um programa de rádio, que era um hobby, que não tinha recurso nenhum, estava crescendo e estava tendo audiência. E estava tendo assédio de patrocinadores, e eu estava fazendo duas coisas que se tornariam incompatíveis. E aí, nesse momento, foi quando eu tomei uma decisão. Já que não seria possível fazer os dois bem feitos eu falei: “Vou apostar na Comunicação.” E vendi a minha parte da empresa para os meus ex-sócios e passei a me dedicar só à Comunicação.
P/1 – Deixa eu, então, voltando. Fique à vontade, tá? Se você puder contar para a gente um pouco mais como é que funciona esse negócio... Você começou com a rádio amadora lá na USP, né?
R – USP FM.
P/1 – Isso. Falar um pouco mais do programa, como é que vocês começaram a conceber esse programa. Você, né?
R – Tá.
P/1 – Como, de repente, virou...
R – Sim, a minha relação com isso.
P/1 – E virou Sobrinhos do Ataíde. Como é que esse nome surgiu, conta um pouco em detalhes essa história.
R – Tá. Situando no tempo, quando a gente fala de final dos anos 80 para início dos anos 90, que é o período que eu começo com os amigos a gravar fitas cassete em casa, falando bobagens, mas de uma forma completamente improvisada, sem nenhum tipo de produção, sem roteiro, até começar a fazer um trabalho no rádio, até conhecer como é um estúdio na rádio. E nós estávamos em uma emissora pertencente à universidade, portanto, ela não era comercial e ela era muito mais arcaica que as demais emissoras. Então, os equipamentos eram mais antigos, o ambiente era o que seria o old school dos programas de rádio e, para falar sobre um programa de humor, aquilo tinha a exigência, inclusive, de criar algumas coisas que lembravam a origem do próprio rádio, ou seja, os efeitos sonoros: “Ah, eu preciso de um teletipo, então, pego a máquina de escrever da redação e coloco em cima da mesa, boto o microfone e tátátátátá plim, tátátátátá plim. Ah, gravou?” “Gravou.” “Tá, legal.” E esse programa, na época, se chamava Rádio Alegre, que não era um nome dos dez mais felizes, durante dois anos Rádio Alegre e depois, durante outros dois anos, mudou o formato, ele deixou de ser semanal aos sábados e passou a ser diário em pequenas edições ao fim da tarde. Então, começou a se chamar Os Coringas e, na mudança para uma FM comercial, tinha que se rebatizar, até porque os nomes não eram bons nomes vendedores. E, de várias opções à mesa ali, a gente tinha uma que era Sobrinhos do Ataíde, que era um nome que agradou a empresa, agradou a emissora, agradou a mim e aos meus colegas, meus parceiros e, enfim, foi o nome que permaneceu. E o que eu acho que é interessante é que, quando as pessoas pensam sobre a trajetória de um comediante, elas têm diferentes referências, nunca as referências que o próprio comediante tem porque o único que viveu a sua vida foi você mesmo, só você sabe tudo o que aconteceu, a ordem em que os fatos se sucederam, o que que deu certo, o que deu errado, onde foi melhor, onde foi pior. E eu, hoje, depois de 26 anos, quando a gente grava este depoimento, quando eu encontro uma pessoa que quer falar comigo sobre o meu trabalho, hoje eu respiro e eu espero, porque eu nunca sei sobre qual parte do meu trabalho ela vai falar: “Ah, é sobre os primórdios do rádio e Sobrinhos do Ataíde e anos 90”, ou é sobre a MTV e o programa Rockgol, um projeto que durou 14 anos e foi muito bem sucedido, ou é sobre o festival Risadaria, que começou em 2010 e está aqui, ou é sobre uma outra coisa de palco ou uma outra coisa de televisão. E eu vejo que tem pessoas para as quais eu existia esse tempo todo, pessoas para as quais eu existia no passado e eu deixei de existir porque a vida dessa pessoa mudou, e pessoas para as quais eu passei a existir depois de um tempo. E aí ela fala: “Ah, eu te vejo na televisão, mas eu nem sabia que você fazia o rádio.” Eu falava: “Não, tudo começou no rádio, foi anos depois que eu fui estrear na televisão.” Então, essa referência de tempo, ela é muito interessante e, de certa forma, eu continuei estudando e eu fui fazer um MBA, um Master Business Administration em Comunicação na ESPM [Escola Superior de Publicidade e Marketing], em São Paulo, quando eu já tinha decidido pela Comunicação. Eu falei: “Bom, já que eu optei por isso aqui, já que eu já estou trabalhando no meio...” E eu convivia muito com publicitários que eram patrocinadores do programa, que faziam campanhas, esse tipo de coisa, é que eu falei: “Tá, na prática eu estou vendo, deixa eu ver se na teoria tem algo que vai me ajudar a melhorar a prática.” Então, foi aí que eu parti para ter um estudo formal na área de Comunicação, muito mais porque eu estava querendo melhorar a minha convivência naquele meio, o desempenho do meu trabalho, porque desde sempre o meu sonho era ser isso ou fazer aquilo. É um hobby que deu certo. É uma diversão que virou trabalho.
P/1 – Paulo, você se lembra de algumas situações lá no começo, ainda na FM USP, USP FM, tal dia, quando aconteceu uma situação assim...
P/2 – Como é que era a relação com esses seus amigos que foram da escola ou do bairro? Como é que eram esses encontros, fala um pouquinho desses encontros.
P/1 – Antes, então, da rádio.
P/2 – É.
R – A minha turma de amigos, ou as minhas turmas de amigos, porque eu acabava tendo alguns grupinhos variados por questões diferentes. Então, tinha a turma que gostava de jogar vôlei ou gostava de esportes, que era uma turma que às vezes se reunia só porque estava com a bola embaixo do braço e precisamos formar um time, então, tem que ter mais gente, mas eu não tinha tanta afinidade depois, fora desse ambiente, ou os meus amigos com quem eu gostava de combinar alguma coisa: “Vamos viajar nas férias?” Ou nós vamos para uma festa juntos, sendo ou não convidado: “Ah, vamos tentar entrar em uma festa sem o convite?” E eram momentos diferentes, com pessoas diferentes, e algumas por razões diferentes. Então, eu tenho o meu melhor amigo de infância antes da escola, embora a gente tenha estudado na escola a vida toda juntos, os nossos pais se conheciam da praia, onde ele tinha um apartamento e a gente ia, e daí se conhecia de lá. E essa relação minha com as pessoas, ela sempre foi muito rica, eu acho, porque eu sou uma pessoa tímida originalmente. A minha personalidade não tem nada a ver com o que as pessoas acham que eu sou quando me escutam ou me assistem, e para mim é uma situação de trabalho. “Ah, puxa, eu tenho 40 mil pessoas na praia de Copacabana para anunciar a turnê da Taça da Copa do Mundo que vem em um helicóptero e vai ter um show.” Para mim, é uma coisa de: “Ah, mas, nossa, eu não quero subir em um palco com 40 mil pessoas.” Só que é o meu trabalho, ligamos uma chave e vamos lá fazer e ok. Tem 40 mil e vai funcionar, e tem 100 e vai funcionar também. Então, é um pouco contra a minha natureza o tipo de trabalho que eu faço, não é? E a minha relação com os amigos desde a infância, ela é muito nessa de comprar a mesma ideia. Por isso que eu falei do esporte e falei também de quem gostava de sair comigo ou passava férias ou até o que virou depois um trabalho, gravar programas de rádio e tal. É uma afinidade de: “Você gosta de fazer isso? Você está a fim de fazer isso? Ok!” E também de respeito, principalmente na questão profissional de pensar: “Ah, esse cara é bom, ele me ajuda a ser melhor.”
Então, essa percepção que, no fundo, eu já falei sobre isso com o meu analista várias vezes, volta para mim no esporte, na noção do esporte coletivo, em que não adiantava eu ser o melhor do time se o resto do time não fosse bom, porque eu não ia ganhar o jogo sozinho. E, da mesma forma, às vezes eu entrava para uma partida e eu não estava em um dia bom, sei lá, por acaso eu não acordei bem ou hoje estou errando ou estou meio gripado, e aí eu precisava que as pessoas também me levantassem ali para o time todo fluir. E essa noção, ela me acompanhou muito, me acompanha até hoje. Algumas questões que eu atribuo ao esporte, mas têm a ver também com o ambiente em que eu fui criado, têm a ver com as experiências que eu vivi, porque o esporte, ele é muito emblemático para mim, porque eu, na primeira infância, fazia esportes individuais em que eu cansava de contar azulejo, quando eu estava nadando, porque você vai e vem e vai e vem e vai e vem, e uma música na minha cabeça, a cada treino era uma música na minha cabeça. Mesmo não sendo, eu era criança, às vezes eu ficava com alguma coisa na cabeça e contando os azulejos para não errar quantas idas e voltas na piscina. E, no judô, em que em algum momento eu me desinteressei, embora eu continuasse praticando porque eu percebi que eu não ia ser melhor judoca, eu não tinha o melhor biótipo, eu via outros caras e falava assim: “Ah, esse cara é melhor para dar esse golpe porque ele faz uma alavanca melhor, ele tem um traquejo melhor.” E eu ficava pensando: “Ah, eu não vou conseguir fazer isso aqui, a minha perna é mais comprida, é fácil o cara acertar a minha perna para me dar uma rasteira.” Só que aí era eu comigo mesmo, então, era uma coisa muito de um desafio pessoal, de “eu vou melhorar meu tempo”, ou “eu vou melhorar o meu golpe” ou “eu vou acertar”. Mas é quando você está em um time de fato que você aprende como conviver, como administrar relações.
P/2 – Teve alguma situação no esporte ou profissional de conquista, que te deixou muito pleno de felicidade?
R – Poxa, essa questão, para mim, do que me completou, ela felizmente tem muitos momentos. Eu tenho uma felicidade na vida que eu acho que é ter passado por grandes realizações pessoais, mesmo aquelas que as pessoas ao meu redor não estavam percebendo. Eu tenho uma primeira impressão de que, quando eu voltei aos Estados Unidos, falando inglês, desde que eu fui criança para lá e não entendia nada, aquilo me fez dar valor às aulas de inglês porque eu falei: “Eu não vou nunca mais voltar a algum lugar sem entender o que o Mickey está falando.” E aí, quando eu estive lá, eu já era mais velho, eu tinha 14 anos, e aquilo para mim era uma sensação de vitória, de autonomia, de ler a placa, de pedir a comida, de entender o som, a pessoa falando e tal, aquilo para mim era muito: “Ah, olha só como eu conquistei, como eu finquei essa bandeira no Everest!” E, na questão esportiva, cada vitória, cada vitória eu digo assim, os campeonatos que eu participei, que eu consegui conquistar Metropolitano, Estadual, isso era muito legal. Mas eu tenho uma lembrança também na parte do esporte e principalmente do vôlei em que eu, como boa parte das vezes, eu era o cara que era o último a desistir, mesmo quando a lógica diria “esse jogo está perdido”. Mas nós não podemos perder antes que o jogo acabe, e de fato isso era uma situação previsível, era improvável, mas não era impossível. E, dos mil jogos que eu possa ter perdido, eu não perdi tantos assim, mas os três em que o jogo estava perdido, mas “não, vamos lá, vamos até o fim” e o time virou o jogo, valeram pelos mil perdidos. E o esporte me fez aprender a perder, eu detesto perder, mas eu aprendi a perder. Eu sou, eu tenho uma personalidade competitiva, mas com essa noção de que não vai ganhar sempre, tem que saber perder.
P/2 – Teve uma situação específica, que você lembra de uma história dessa?
P/1 – Conta para a gente a história do jogo, uma coisa assim.
R – Tá bom. Quando eu entrei na GV, o esporte não era o forte na faculdade. “Ah, puxa a melhor faculdade de Administração da América Latina e tal.” Mas os esportes, eles eram feitos muito na raça por pessoas que eram ex-atletas ou atletas de clubes e de outros lugares que, ao entrar na faculdade, vindo de cidades ou até de estados diferentes, falavam: “Olha, eu sou jogador, eu jogo futebol, eu jogo tênis, eu jogo vôlei” – que era o meu caso, que cheguei: “Inclusive, eu jogo vôlei, tem time aqui?” “Ah, tem, mas não está tão bom e isso e aquilo.” Mas era a história do time que não treinava, que tinha pessoas que se conheciam de lugares diferentes, que tinha vários baladeiros e não atletas, que já “eu não vou treinar, só quero jogar”. E, uma vez, nós fomos disputar um Campeonato Universitário Paulista, é na verdade Jogos Universitários de São Paulo, que era o torneio oficial, o principal torneio na época da Federação Universitária de Esportes, e nosso time, ele não era um favorito e, pelo contrário, a gente foi enfrentar um dos favoritos – na época, se não me engano, era o time da FEI [Faculdade de Engenharia Industrial], uma faculdade de Engenharia que tinha vários caras, inclusive, que tinham jogado comigo na Pirelli e que eu sabia que eram caras que ainda estavam jogando. E esse era um jogo improvável, era um daqueles que, bom, ganhamos esse, ganhamos esse, sorteou, vai ser a FEI, e o time falou assim: “É, vai ser meio FEI...” E eu falava assim: “Mas vamos lá, vamos lá jogar, no mínimo vamos jogar o máximo que a gente puder.” E aí, nesse jogo, eu não sei o que aconteceu, ou eles estavam em um dia não muito bom ou a gente se inspirou ali, a gente perdeu o primeiro set do jogo, perdeu o segundo set do jogo, depois a gente entrou no terceiro set meio que assim: “Já perdemos, já perdemos, agora, enfim, vamos perder mais uma vez.” E, na virada de quadra, eu lembro que eu falei: “Bom, é o seguinte, vamos nos divertir aqui, vamos tentar umas jogadas que a gente não tentaria porque a gente não pode errar, vamos forçar o saque, vamos irritar o adversário, vamos fazer as provocações, sei lá, vamos fazer alguma coisa diferente do que aconteceu nesses dois sets.” E todo mundo meio que entrou nessa pilha de: “Bom, vamos, eu vou dar o saque forçado, profundo como se não houvesse amanhã.” Aí, pau, o saque entrava e ponto e: “Vamos tentar essa jogada por trás assim”, que puxa em cinco vezes, tentadas as quatro iriam errar, mas, puxa, acertou, acertou. E as coisas foram dando certo e aí a gente ganhou o terceiro set. Puxa, aquilo foi tão surpreendente para o adversário e aquilo foi, então, sei lá, tão engraçado por dentro, porque eu falava assim: “Não, os caras não estão acreditando que a gente ganhou deles, vamos de novo para o set e vamos ganhar esse negócio!” E a gente ganhou o jogo, e aquilo foi um assunto na época de: “Puxa, mas a GV ganhou da FEI!” Acho que era a FEI e, sabe: “Mas quem está no time da GV? Mas quem que entrou lá que agora eles ganharam? Mas o que que aconteceu?” E, na verdade, não era só uma história de um momento ali de inspiração, e posso até dizer de irreverência, de vamos fazer umas coisas, se der errado, deu errado. “Ah, eu não vou dar uma viagem ao fundo do mar com medo de passar vergonha, vai que eu erro e a bola saí lá no teto!” Mas não, né? E, aí, seis camaradas lá entraram nessa mesma energia, e isso virou uma história muito engraçada que, na época, foi uma, era um acontecimento. “Mas como eles ganharam e tal?” E, depois, a gente foi adiante e contra um time de um colégio que tinha vários bolsistas, ex-colegas meus de voleibol, inclusive, dois foram para a seleção brasileira e um deles voltou de Barcelona com medalha de ouro pouco tempo depois, aliás, na mesma época. E aí a gente perdeu jogos de tipo 15 a um, sets, na época o vôlei ia até 15 pontos e não 25, mas também a missão estava cumprida. “Pô, mas foi 15 a um?” Foi, mas com o cara da seleção, o outro não sei quem, o outro lá que eram bolsistas. Eles nem iam estudar, eles só iam para os jogos buscar os campeonatos porque eram atletas.
P/1 – E, Paulo, e com o vôlei, o que foi que aconteceu?
R – Chegou uma hora que eu fiquei baixo. Porque eu sou alto, eu tenho 1,89 metro, mas, minto, eu vou reformular. Eu sou uma pessoa alta, eu tenho 1,88 metro e não 1,89 metro, mas eu tenho o mesmo tamanho, sei lá, desde os 14 anos. Eu cresci rápido dos 12 para os 14 ou dos 14 para os 16, e aí eu atuava em uma posição onde jogavam os caras mais altos, que era no meio de rede. Os meus amigos continuaram crescendo, aí eu fui para a ponta. Eles continuaram crescendo mais um pouco e daí eu fui fazer a saída de rede, o intermediário, o oposto, tem vários nomes essa posição e ali era o último passo antes de eu ir para o banco de reservas ou para eu me tornar levantador, porque o esporte realmente dava uma vantagem para quem tinha uma estatura maior. Fazia diferença. E aí eu também já estava com a cabeça em outra história, eu já sabia que eu não ia ser um atleta profissional. Eu gostava muito, me divertia muito, teve uma época, inclusive, quando eu comecei a jogar, em que eu passei do ginásio para o colegial, ou seja, do fundamental para o médio, fundamental não, mas eu sei lá. É isso aí, e falei para os meus pais quando acabou o ano: “Bom, vou ter que mudar de colégio porque vai coincidir o horário da aula com o treino.” E o meu colégio passava a ter aula em período integral, então, à tarde, quando eu treinava, eu teria que ir para a escola. “E eu vou ter que achar outra escola para eu continuar jogando.” E os meus pais falaram: “Não, não. Você vai achar outro time.” E ainda bem que eles fizeram isso porque ia durar mais um, dois, três anos que fosse, e eu também estava já em outro pique.
P/2 – Você falou que você era tímido, teve alguma situação que você teve uma saia justa? Porque você fala para um público grande, normalmente. Teve alguma história assim com a tua timidez?
R – Eu não me recordo tanto de situações de vida pública, vamos chamar assim, porque, depois que você se torna uma cara conhecida por conta do trabalho, porque aí, talvez, eu já estivesse muito escolado, muito acostumado. As minhas lembranças de timidez, elas são pré-rádio ou TV. Palco, eu me lembro de, quando criança, e aí ia ter a véspera de Natal na casa da mãe do tio casado com a, enfim, que ia ter “x” mil pessoas lá, na minha cabeça era um monte, eu pensava: “Eu quero chegar cedo, porque, se eu chegar cedo, todos vão ter que me cumprimentar e, se eu chegar atrasado, eu vou ter que ir de pessoa em pessoa.” E aí iam ter aquelas tias e avós que iam pegar na minha bochecha e dizer assim: “Olha, como você está crescendo!” Porque eram pessoas que eu via só uma vez por ano, só quando encontrava no Natal, que era uma celebração de muita gente, e isso para mim era claramente uma coisa de timidez. Não, eu prefiro, que eu já estou lá e, se a pessoa não me viu, não me cumprimentou, a culpa é dela, mas se eu chegar, eu vou ter que ir de pessoa em pessoa: “Oi, tudo bem? Boa noite, boa noite, boa noite.” E me lembro em outras situações, mais velho, de alguém falar: “Ah, eu achava você tão antipático, você ficava na sua.” E eu: “Não. Não é que eu não falava com ninguém, eu não conhecia as pessoas, eu estava na minha.” Basicamente, era só uma atitude menos expansiva, eu nunca fui o cara de abrir a porta e: “Oi, pessoal, tudo bem, tudo bem?” Eu abria a porta, e tem pessoas que eu não conheço: “Ah, tudo bem, eu não conheço, eu não tenho intimidade.” Eu não vou me relacionar como com alguém que eu já conheço, onde eu estou acostumado e com quem eu convivo. E, para o trabalho, eu acho que não, isso virou uma situação costumeira.
P/1 – E a gente, voltando agora para a rádio, que eu queria saber. Você falou: “Eu vou para a área da Comunicação”, mas você não pensava: “Ah, vou para a área do humor”?
R – Não, eu...
P/1 – Como que é isso? Você falou: “Agora eu vou para a área...”?
R – Isso, a minha opção por Comunicação foi única e exclusivamente por conta do humor. Se não fosse cômico, eu nunca pensei em Jornalismo, eu nunca pensei: “Ah, vou dar notícias, vou fazer umas reportagens, vou ser colunista.” Eu nunca pensei, mesmo no esporte, que era tão presente pra mim e que depois fez parte do meu trabalho, já em muitos momentos da minha carreira. “Eu vou transmitir jogos, eu vou ser um comentarista.” Não, era algo pensando: “Puxa, um dia eu vou fazer um programa como o Monty Phyton fez na televisão.” Eu gostaria de poder fazer, de repente, um filme de comédia no cinema. “Como eu chego lá, qual é o caminho para esse tipo de atividade ou para esse resultado de conteúdo, que as pessoas vão ler, vão assistir, vão ouvir e vão achar muita graça, como eu achava graça quando era só o espectador, o leitor ou o ouvinte?” Então, a decisão da Comunicação, para mim, era a decisão por comédia.
P/1 – E, na rádio, quando vocês começaram, você consegue descrever para mim algum programa, os primeiros programas, como é que vocês montavam para atingir o humor?
R – Eu penso que, desde o princípio anterior até ao rádio formal, ao equipamento, ao microfone, ao ambiente, desde o princípio nas brincadeiras da escola ou na gravação das fitas, o princípio do princípio era: “Tenho que me divertir, tenho que eu achar graça nisso.” O que é diferente de alguns trabalhos da Comunicação, como a publicidade, por exemplo, que muitas vezes o cara está lá fazendo ou a profissional está fazendo aquilo que ela tem que fazer, porque, sabão em pó, “crie alguma coisa para essa marca acontecer”, e não necessariamente aquilo vai ser divertido ou é um produto que eu consumo, ou é algo que eu gostaria de estar fazendo naquele momento. E esse princípio de que tem que acabar divertido, ele facilitava muito o processo ou os processos porque, às vezes, a falta de recursos, porque não tem a tecnologia, não tem uma discoteca ou não tem um diretor, sei lá, uma pessoa mais experiente da área para me dar a diretriz, ela permitiu uma experimentação e, dessa experimentação por tentativa e erro, surgiram coisas diferentes, diferentes até do que estava sendo feito em outros lugares, e isso acabou se tornando um destaque, vamos dizer assim. Então, a forma, a metodologia: “Ah, vou fazer o roteiro”, ou “Vou começar essa história pela situação ou porque eu vi que lá tem um disco LP com efeito de disco-voador que eu já ouvi, três, quatro diferentes faixas. Legal seria poder fazer uma história em que eu pudesse usar esses efeitos e criar um ambiente em que os alienígenas estão chegando à Terra”. Para mim, sempre foi um pouco caótico o estopim, mas a produção era muito metódica. Eu sou uma pessoa metódica e eu acho que isso ajuda muito a estruturar o raciocínio e a produção rotineira, ou seja, o dia de escrever, o dia de gravar, o dia de editar, qual que é a quantidade? Quando que vai para o ar? Quando que sai do ar? Como a linha de produção, porque, embora a inspiração seja algo subjetivo, você pode, você vai criando técnicas para aprimorar o seu trabalho, mas a inspiração pode ser de uma conversa, pode ser de uma fila de banco, pode ser de um comercial na televisão. Enfim, a inspiração é menos descritível, mas a materialização da ideia, ela passa por método. Eu, por exemplo, nunca consegui criar ou ficar escrevendo em ambientes tumultuados. Tem gente que escreve ouvindo música, tem gente que faz textos espetaculares em uma redação de jornal com gente falando total. A minha esposa é jornalista e ela está acostumada a escrever em redação com gente falando. Eu, ah, agora eu vou fazer um roteiro, não vou atender o telefone, não vou falar com ninguém. Eu vou ficar isolado em um mundo à parte ali, concentrado só naquilo. Sempre foi assim para mim, mesmo quando não era no trabalho.
P/2 – Qual foi a sua criação, não teve uma empresa fictícia, qual foi a sua criação mais curiosa?
P/1 – Ou a que você se divertiu mais?
R – Eu tenho, talvez, três diferentes momentos, todos muito divertidos, todos diferentes entre si, alguns que são rádio com televisão, outros que são só televisão, outros que são só rádio, mas que eu considero muito interessantes na minha trajetória de comediante. Um deles, baseado no meu trabalho pregresso como empresário, que motivou a criação de um personagem. Eu estava expondo, eu tinha na época com os meus sócios comprado um espaço na Feira Agropecuária de Holambra – Holambra, que é conhecida pelas pessoas como a cidade das flores e que tem um mercado de flores, uma grande produção de flores, era também um grande mercado para um dos produtos que eu importava na época, que ajudava na climatização de ambientes de estufas de produção, para controlar umidade e temperatura, uma coisa bem técnica. E, aí, nessa feira, a gente tinha lá um pequeno espaço, um estande mesmo, como em uma feira de negócios, com os equipamentos, e apareceu um potencial cliente, um produtor agrícola, bem holandês, de barba ruiva, com a bota, com a calça toda meio suja de lama, uma camiseta rasgada, enfim, um cara que podia ser milionário, mas estava lá com a roupa de roça. E ele tinha junto dele o filho, que era todo branquinho, cabelo arrepiadinho, não sei exatamente a idade, 10, 12, talvez menos, vestido com o uniforme do Chicago Bulls, o time de basquete dos pés à cabeça. Então, o tênis branquinho com uma meia puxada até a canela, um shorts do jogo com a camisa do Michael Jordan, que era o grande jogador de basquete, o Pelé do basquete. E, enquanto o pai perguntava para mim e para o meu sócio lá, ele estava falando sobre os equipamentos e qual é a potência desse motor e o consumo e a pressão da água etc., o filho estava destruindo o nosso estande, bagunçando todos os folhetos, apertando o botão das máquinas. E o pai, ele era simplório, vamos dizer assim, no jeito de fazer e falar as coisas lá, e o filho era o oposto, ele era todo americanizado e todo ligado. E o pai, devagar, e o filho, acelerado. E daí, dessa combinação, eu criei dois personagens, que eram um pai e um filho, o Seu Gilmar e o Marquinho. O Seu Gilmar sempre falava: “Xi, Marquinho!” E o filho era o Marquinho, que falava: “Não, pai, como você é burro, você não faz as coisas”, que eram baseados nessa experiência de encontrar essas pessoas que não se chamavam Gilmar nem Marquinho, e o personagem também não era no campo e tal, mas era um conflito de gerações entre um pai que não era antenado, que era avesso à tecnologia, e que tinha uma dificuldade de entender as coisas e que não acompanhava a velocidade do filho. Com um filho que era impaciente, que era americanizado, que toda hora cobrava o pai: “Vamos fazer alguma coisa, vamos fazer outra coisa.” E que essa relação deu origem aí a um par de personagens de muito sucesso. A gíria “Xi, Marquinho” foi votada a gíria da década em uma pesquisa do Grupo Estado nos anos 90. Foi muito interessante e surgiu de uma outra experiência minha de anos anteriores, de estar lá e lembrar daquilo lá, e falar: “Puxa, mas isso pode se repetir, né?” Um pai e um filho, eles podem estar em muitas situações, eles podem estar em uma loja, num restaurante, numa viagem, num videogame.
P/1 – Só uma curiosidade: aí você lembrou desse personagem depois, tempos depois?
R – Sim, tempos depois, tempos depois, sei lá, anos depois.
P/1 – E você falou que tem mais duas que foram muito...
R – É tem a lembrança da...
P/2 – ____ (risos) o que que é isso?
R – Quando eu estava já na MTV, e uma das coisas que eu fazia lá era narrar, transmitir como um locutor um campeonato de futebol entre músicos, que era um campeonato mimetizando as transmissões tradicionais da televisão, porém, sem o vínculo, porque ali ninguém era atleta profissional, pelo contrário, tinham uns poucos bons de bola. Mas a gente reproduzia o ambiente do estádio, uma arquibancada com 1400 pessoas, nove câmeras para transmitir, todo mundo uniformizado, impecável, um circo realmente montado para que, de um campeonato fictício porque não valia nada, era só um torneio amistoso, a gente extraísse programas de televisão, parodiando esse universo. E se chamava Rockgol, eu tinha lá uma missão de colocar emoção onde realmente não havia, porque não era time. Ninguém torcia de fato para eles, atletas ou músicos, ou bandas, portanto, personalidades que tinham fã-clubes, alguns mais conhecidos, outros não, mas de todos os lugares do Brasil, de estilos musicais diferentes, e faixas etárias diferentes, que eram reunidos, misturados. Montavam-se os times e iam para o campeonato. E aí, nessa situação, eu pensava: “Eu tenho que ser muito radiofônico nesse jogo de televisão porque, no jogo tradicional, as pessoas estão vendo.” O narrador, ele não precisa descrever o que está acontecendo: “Pôs o pé na bola e chutou para o lado”. Ele pode até identificar: “Ah, é o Romário”, “Ah, é o Bebeto”, “Ah, é o fulano”, mas, no caso do meu campeonato, não vão ter grandes jogadas, não vão ter muitos gols, eu tenho o tempo todo que convencer o espectador a permanecer ali e obviamente que para o lado do humor. E daí uma das coisas que me chamavam a atenção é que os penteados dos artistas eram muito malucos, caras com cores de cabelo diferente, um com cabelo até o umbigo, o outro com um raspado, careca com um chumaço em cima, enfim, é uma coisa de afirmação visual de artistas musicais ali. E a gente pegava no pé já antes das transmissões, falando disso, mas uma hora eu falei assim: “Eu tenho que criar um vínculo maior com eles.” E eu comecei a dizer que todos eram clientes meus e que eu tinha uma consultoria capilar chamada Paulo Bonfá Ringling Brothers Capillar Consultants, um nome em inglês comprido que as pessoas tivessem dificuldade de reproduzir, porque eu sabia que aquilo ia gerar uma situação do cara querer falar o nome e não conseguir. E misturando o meu próprio nome com um nome de um circo que só agora no início do século XXI veio à falência, que era o circo Ringling Brothers, e com Capillar Consultants, que eu, também na minha época de Administração, de faculdade, convivi com muitas consultorias com nomes todos internacionais, estrangeiros. Então, o Capillar Consultants, que podia ser uma coisa legal, quando juntava tudo isso o Paulo Bonfá Ringling Brothers Hair Consultants. Quanto mais rápido eu falava, era mais difícil para as pessoas reproduzirem, e aí, cada vez que alguém aparecia com um penteado exótico, para não dizer ridículo, era “um novo trabalho da consultoria capilar que joga a sua baixa estima lá no alto”. E aí as pessoas iam comprando essas ideias, os próprios artistas diziam: “Pois é, estou precisando passar lá, realmente eu tenho que retocar o meu cabelo e tal.” Era uma grande bobagem aquilo, mas até hoje em dia, mesmo eu não fazendo mais esse programa, esse produto, há, sei lá, sete anos agora, as pessoas escrevem nas redes sociais quando um jogador do Flamengo aparece com o cabelo pintado: “Ah, olha lá, um cliente da Paulo Bonfá Ringling Brothers Hair Consultants.” Aí, eu falo: “Esse é das antigas, esse cara acompanhava.” É interessante porque daí, do nada para o lugar algum, é uma ficção que para alguém que não saiba o referencial jamais vai ter noção do que se trata porque não tem uma explicação.
P/1 – E tem a terceira, se você estiver a fim de contar.
R – Ah, e tem a terceira. A gente falou do Ringling Brothers, a gente falou do Seu Gilmar e o Marquinho, mas eu tenho para mim como um episódio marcante da minha carreira a transmissão da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Quando, por uma semi-insanidade do Grupo Fox, da Fox International Channels do Brasil, eu fiquei encarregado de montar um esquema de transmissão para o canal Fox Sports 2, que tinha os direitos da Copa do Mundo. A Copa do Mundo acontecendo no nosso país, provavelmente pela segunda e última vez, porque não sei de novo quando teremos esse acontecimento aqui no Brasil. Copa do Mundo de futebol, esporte dominante, paixão nacional, sete canais iam transmitir somando TV aberta com TV a cabo, e eu falei: “Olha, eu não vou fazer mais do mesmo, eu tenho uma proposta diferente e ousada”, que foi aprovada. E qual era essa proposta? Era transmitir as partidas da Copa do Mundo de um jeito divertido, mais próximo de telespectador do que do jornalista, do cronista esportivo, ou do apresentador de televisão. E, para isso, no meu desenho, deveriam existir duplas de transmissão fixas, que é o clássico, um narrador com um comentarista, um convidado que tivesse relação com alguma coisa daquele jogo. “Ah, ele é de um dos países que está em campo. Ele é um jogador brasileiro, mas joga nesse lugar. Ah, ele é um estrangeiro que mora no Brasil, mas é daquela nacionalidade.” E sempre um comediante convidado. Gostando ou não de futebol, para ter um olhar diferente, um comediante na maioria das vezes ele vai improvisar em cima dos elementos que estão acontecendo. E uma partida de futebol para mim é como um espetáculo de improviso, não tem roteiro, começa o jogo, eu não sei se alguém vai se machucar, se vai ter pênaltis, se vai ser goleada, se o favorito ganha ou perde. E eu tenho que estar preparado ali para tentar vivenciar aquele voo enquanto o avião já decolou. E aí, nesse modelo, em 2014, foi muito interessante porque o meu argumento para convencer a empresa foi um argumento de negócios, uma convicção minha. Eu já tinha trabalhado em todas as Copas desde a França em 98, aí o Japão e a Coréia em 2002, Alemanha 2006, África do Sul 2010, sempre fazendo coisas divertidas, sempre com humor. E aí, nesse caso, que pela primeira vez eu, ao comandar uma transmissão, a minha análise eram 64 partidas, dessas 64, umas 15, 16 são realmente importantes, porque vai ter o Brasil, porque é a abertura, porque é a final, que tanto faz o país, e porque envolve alguma nação que já foi campeã do mundo, a Alemanha, a Argentina, a Itália, a Inglaterra, que são times tradicionais ou têm algum personagem muito reconhecido, o Cristiano Ronaldo, que joga em Portugal. Olhando isso, todos os outros jogos não tinham nenhum envolvimento emocional da nossa audiência, não é o Brasil, então, meio que tanto faz quem vai ganhar, mas “pô, se for o Brasil, eu quero torcer”. Não tinham uma relação de obsessão com fãs de futebol. “Poxa, o jogo da Alemanha, a Alemanha é importante.” “Olha, o Messi, ele é lá da Argentina, temos que acompanhar.” E aí me permitiram também olhar a transmissão como algo que é oficial, ou seja, tanto faz se é a Alemanha ou o Brasil que está em campo, eu tenho o mesmo ritual. Vai ter o estádio cheio, vai tocar música, eles vão entrar juntos, o juiz vai fazer isso, os times, a bandeira e tal. E aí meu argumento foi: nesses 45 jogos, eu tenho chance de ter mais audiência que os outros canais, porque o público não está interessado em Suíça e Honduras, não sabem quem é o jogador, esses times nunca ganharam, provavelmente não vão ganhar. “Ah, então, deixa eu assistir lá com o Paulo Bonfá, que eu vou me divertir.” E assim foi, a Coreia e Rússia e “n” jogos oficiais valendo vaga como os outros. E foi muito legal, a gente foi muito bem sucedido, a gente teve uma audiência muito boa. A minha dupla de transmissão foi a minha esposa, que é jornalista esportiva. Então, ainda foi divertido porque eu pude trabalhar com ela, ela como especialista e eu como entusiasta no esporte. Os comediantes participaram e se divertiram muito, e os outros convidados, eles eram tão ecléticos que o jogo não tinha nada acontecendo, a conversa seguia para eles, porque era um chef de cozinha suíço que me ensinava a origem do fondue e o queijo suíço e o chocolate suíço e até o relógio suíço. Enfim, porque o cara se machucou, está lá esperando a maca, e nós estamos falando da Suíça que estava em campo. Foi a primeira vez que um produto esportivo foi indicado para ao Prêmio APCA, da Associação Paulista de Artes, na categoria Programa de Humor. isso foi muito. Não ganhamos, mas foi uma surpresa tão grande. Falei: “Olha, a transmissão da Copa do Mundo do canal Fox Sports 2 está indicada ao melhor Programa de Humor do ano de 2014.” Isso foi bem interessante. É um prêmio que eu já havia vencido no rádio, que eu já havia vencido na televisão de comédia, mas ser indicado com a transmissão da Copa do Mundo foi muito legal. E o ponto alto, já para eu ter uma curiosidade aqui, foi quando eu anunciei os jogadores, até para a imprensa do canal poder fazer uma divulgação, eu anunciei os comentaristas. A Copa começava na quinta-feira, eu estava lá na Arena do Corinthians Itaquera para fazer a transmissão ao vivo e depois vários jogos por dia, todos os dias. E o primeiro grande clássico da Copa aconteceu em Manaus, foi Itália e Inglaterra. E aí, quando eu passei a lista dos convidados para a imprensa, teve um zunzunzum que foi para o gerente, do gerente foi para o diretor, e do diretor me chamaram e falaram: “Paulo, aqui em Itália e Inglaterra é o Geraldo Magela que vai ser o comentarista?” Falei: “É, ele é o comediante que eu convidei e tal.” “Mas, Paulo, ele é cego.” E eu falei: “Por isso mesmo, nunca um cego comentou uma partida de futebol, imagina no primeiro clássico da Copa do Mundo ter um comentarista cego.” E aí ficou um clima de onde é que isso vai parar. “Nós vamos pôr uma pessoa que é deficiente visual para comentar um jogo que ele ainda não está vendo?” E eu disse: “Provavelmente os comentários serão melhores do que vários comentaristas, analistas etc. que enxergam bem com os dois olhos o que está acontecendo, mas eles enxergam sem ver.” E foi excelente, foi ótima, foi uma transmissão hilária que chamou muito a atenção porque “Bota lá, que tem um cego comentando a partida!” Mas não era um deficiente visual que não estava acostumado com comunicação, era um comediante, um excelente profissional de humor e que comprou a piada e foi junto.
P/2 – Você lembra de algum comentário dele?
R – Vários, porque também...
P/2 – Ah, conta...
R – Porque a minha escada, a escada que eu tinha para levantar para um humorista cego comentar o futebol era em cima de: “Magela, nesse lance, o que é que você viu?” “Magela, daí da sua posição, você está enxergando o quê?” E ele falava assim: “Olha, eu vi muito bem...” Como se fossem duas pessoas que transmitem futebol normalmente conversando. E teve uma curiosidade. Teve no primeiro tempo um grande lance que foi um chute da Inglaterra, esse jogo eu não estava em Manaus, eu estava vendo pela televisão, fazendo o que a gente chama de off tube, narrar a partida sem estar no estádio com a mesma imagem que o telespectador tem. E o chute foi de muito longe e, pelo ângulo da câmera, a bola bateu na rede pelo lado de fora, mas eu achei que tinha sido gol. Então: “Inglaterra chutou, bateu e goooool!” Até eu ver a bola cair e falar: “Gooool!” E o Geraldo Magela me acompanhando e, quando eu gritei gol, ele: “Gol, goooool!” junto. E, quando eu vi que não foi, eu parei e ele: “De quem foi? De quem foi?” E eu: “Ah, Magela, pegadinha, era só para testar se você estava esperto e tal.” E não falei nada no resto do jogo, foi só depois da Copa que eu falei: “Lembra aquele dia que eu gritei gol? Então, eu não estava te sacaneando, eu tinha errado, mas eu botei a culpa no cego.” (risos) E as pessoas falavam: “Poxa, o Paulo Bonfá está trollando o Geraldo Magela, ele gritou gol e não tinha sido.” E não, eu errei e passei a bola para ele.
P/2 – Muito bom.
P/1 – Vamos entrar na Risadaria?
P/2 – Como é que surgiu a ideia, a idealização do festival da Risadaria?
R – O festival Risadaria, ele aconteceu para mim em uma caminhada no Parque do Ibirapuera em 2007. Andando com o meu irmão, caminhando lá em um final de semana, e eu contei para ele uma ideia. Eu falei: “Olha, eu estou pensando em reunir todos os comediantes do Brasil e todas as formas de fazer as pessoas rirem.” Mas ele falou: “O que é isso? É tipo uma feira de comédia?” Eu falei: “Não sei ainda o que é.” Eu nem tinha ainda a palavra “festival” na cabeça, mas eu tinha para mim um sentimento, depois de trabalhar já, na época, com 15 anos, desculpa, com mais de dez anos de televisão e de rádio já, sei lá, 16 anos, que a atividade de comédia, ela não era colocada em um patamar de cultura como ela merecia, principalmente no Brasil. Porque, quando você falava nos grandes eventos culturais, ou alguma referência, as pessoas se remetiam à dança, à música, a artes plásticas, ninguém pensava no humor. E eu, depois de trabalhar com isso e conhecendo muitos outros artistas, ou colegas da área do humor, tantos veteranos já, o Jô Soares, o Chico Anísio, como gente nova de diferentes frentes, como o pessoal do teatro, do humor do rádio, puxa, a televisão, os caras que desenham humor, enfim, de circular nesse meio, eu percebia que era um lugar comum em que os artistas se sentiam menos valorizados. Parecia que a gente era a segunda divisão das artes, a série B. “Ah, comédia é uma coisa fácil!” E eu falava: “Puxa, eu faço isso, eu sei qual é o trabalho que dá, é muito mais fácil fazer chorar do que fazer sorrir.” O desafio é fazer pessoas sorrirem e, mais ainda, o desafio é fazer pessoas sorrirem da mesma coisa. Então, como consumidor e produtor de conteúdo de humor, e circulando no meio, eu comecei a ligar os pontos e para mim era muito lógico que no Brasil, com o DNA da irreverência, do humor, dessa coisa que os estrangeiros às vezes acham que é indolência do brasileiro, mas que é o nosso espírito de rir para não chorar, e talvez a gente – falei isso em uma entrevista – a gente só consiga viver no Brasil que a gente tem por ser o povo que a gente é, porque, senão, desistiria, os números para mim eram muito vibrantes. Eu estava em uma emissora em que meu programa tinha, sei lá, o maior faturamento, a maior audiência, e a peça que estava há mais tempo em cartaz era uma comédia, Trair e coçar é só começar, e o colunista mais lido no jornal de maior tiragem era o José Simão, colunista de humor, e uma das maiores bilheterias de cinema, uma das dez maiores bilheterias de cinema de 2008 eram comédias. Então, eu falava: “Porra, isso aqui tem que estar junto.” E, se nós colocarmos todo mundo junto, as pessoas vão se dar conta de como isso é importante no dia a dia, como isso faz sentido na trajetória do brasileiro, como rir é uma questão de saúde mental, como é importante você não se levar a sério, você ter os momentos em que não importa a sua pressão de trabalho, de segurança, de dinheiro, você tem que ter válvulas de escape e para mim o humor, a comédia, o sorriso é a principal forma de você ganhar um tempo, respirar, e seguir adiante. Então, eu comecei esse trabalho de formiguinha e obviamente que aí eu fui buscar pessoas que comungassem desse trabalho, dessa mesma ideia, e que tivessem capacidade e interesse. E isso foi passando por trajeto muito grande até que, em 2010, nasceu o primeiro festival Risadaria. Ele já nasceu muito grande porque, desde sempre, a minha percepção era não poder parecer mais uma coisinha feita no teatro ou uma turma de uma exposição ou um auê com a televisão e o rádio. Ele tem que abarcar todo mundo, não necessariamente o que eu acho legal ou que eu acho graça ou que alguém acha graça. Pode ter um grupo de curadores, e de fato tivemos uma curadoria para colocar de pé o conceito, mas o principal era ser democrático e abrangente e engraçado. Então, a pedra fundamental do festival, ela se mantém. Resumidamente, a gente tem todos os gêneros de humor, do palhaço ao stand up comedy, passando pelo grupo de esquetes, pelo contador de piadas, pelo comediante que interpreta personagens, pelo improvisador, pelo imitador, pelo ventrículo, o mímico. É comédia? Cabe no Risadaria. E sem reduzir a plataforma. Então, no Risadaria, tem a turma da TV, tem o pessoal do teatro, tem os caras do humor gráfico, tem o pessoal do rádio, tem a parte digital, fotografia, grafite, literatura, tudo cabe dentro dessa grande reunião de conteúdos cômicos e que têm como proposta maior colocar o humor em um patamar de cultura e mostrar para o público ou servir de volta ao público aquilo que ele mesmo transformou em uma coisa tão importante para a cultura brasileira.
P/2 – E, de todos os momentos do Risadaria, quais foram os momentos que te marcaram, ou de conquista de um patrocinador, ou de ter um humorista importante?
P/1 – Para você, no caso, importante.
R – Essa trajetória se assemelha um pouco ao que eu lembrei aqui anteriormente nesse papo. Foram muitas vitórias e obviamente que vários problemas também, mas a minha personalidade, ela tem até um desvio de caráter. Eu consigo me lembrar das coisas boas, e as coisas ruins, elas estão muito guardadas em gavetas aí, porque eu acho que elas não atrapalharam tanto a ponto de me fazer desistir de algo. E nessa trajetória do Risadaria, desde 2010, nós conseguimos realizar coisas inimagináveis talvez ou impensáveis para o universo do humor, da comédia, frente ao que ele tinha sido até então. Na forma de reunir as pessoas, na forma de homenagear. Por exemplo, o Chico Anísio, em vida, ele cortou a fita vermelha na primeira edição do festival. E, depois de fazer isso com ele, consegui fazer com o Jô Soares, com o Renato Aragão, com o Carlos Alberto de Nóbrega, com o Silvio Luís, e serem homenagens de grandes veteranos expoentes, com décadas de carreira usufruídas por eles. Para mim, nunca fez sentido homenagear alguém depois de morto. É óbvio que Oscarito, Mazzaropi, Ronald Golias e tantos outros craques da comunicação de humor, da comédia, podem, merecem receber as suas homenagens, mas vamos começar prestigiando quem pode usufruir, e o Chico Anísio me disse isso na primeira edição. Ele já estava ruim de saúde, ele veio a falecer dois anos depois, mas, em um depoimento que estava sendo gravado no camarim por uma repórter, ele olhou para mim e falou: “Essa aqui é a homenagem mais importante que eu já recebi na minha vida, porque ela é prestada por soldados que lutam a mesma guerra que eu.” E isso me marcou muito, porque, com trocentos anos de carreira, passando por tudo quanto é lugar, ganhando chave da cidade, título de não sei o quê e pá-pá, o cara poder olhar para trás e falar: “Bom, aqui são meus pares, aqui são os meus colegas, é gente nova, é gente velha, mas é gente que sabe o trabalho que dá ou percebe a importância que tem e está reunida por isso.” O fato de conseguir realizar a primeira edição do Risadaria dentro de um pavilhão da Bienal do Ibirapuera, um prédio que recebia lá a Bienal de Arquitetura, a Bienal de Artes, o Fashion Week, que de repente está lotado de comédia, 15 mil metros quadrados de humor, exposições, palcos, cinema, oficinas, tudo ali para a comédia e com o público – na primeira edição são 23 mil pessoas em três dias, a edição mais recente, 31 dias, seis endereços, 1.561.000 visitantes, em um tempo de oito anos. É uma supertrajetória, que foi muito desafiadora e que exigiu muito braço de muita gente e que só é possível porque os colegas, os artistas, as famílias daqueles que inclusive já morreram, mas cederam o acervo ou toparam participar, fazem acontecer, são a razão disso existir. A compreensão do público em aproveitar esse momento que acontece anualmente, a simpatia dos veículos de comunicação que nos ajudam a divulgar e, não menos importante, o reconhecimento dos patrocinadores. Para uma marca se associar ao Risadaria e, para ter essa compreensão hoje, é muito mais fácil. Pô, a gente tem grandes números, críticas positivas, um monte de história para contar. Quando a Colgate entrou no Risadaria, por exemplo, a gente já tinha uma trajetória, a gente já vinha namorando, mas não tinha tido a oportunidade de lado a lado. Existia uma intenção, mas, quando a gente concretizou, o Risadaria não estava como ele está hoje, ele estava como parte do caminho. E, para um movimento que é plural, democrático, abrangente, baseado em gratuidade, se não existir um patrocinador que acredite no conceito, que perceba a importância daquilo e que queira se associar àquele movimento, àquele grupo de pessoas, àquela mensagem, seria irrealizável, porque é o maior evento da cidade de São Paulo, que é a maior cidade do país. Em quantidade de visitantes, é o maior evento do mundo, não existe no planeta, em nenhum outro lugar, nenhum evento de comédia e de humor que traga tantas pessoas às suas atividades, e é um superdesafio continuar essa caminhada.
P/2 – E qual foi o impacto depois que a Colgate foi para a Risadaria, depois que a Colgate começou a patrocinar?
R – Eu particularmente preciso revelar que fui muito insistente com a Colgate porque, para mim, o Oral Care, o segmento que cuida do cartão de visitas das pessoas, muitas vezes falando especificamente dos sorrisos e dos cremes dentais, dos enxaguatórios, e eu tinha na cabeça uma reportagem antiga que dizia que a oportunidade de emprego, em uma entrevista para conseguir uma vaga, o sorriso, a qualidade da dentição contava muito, e isso, para mim, era muito marcante porque comediantes trabalham com pessoas que reagem sorrindo. Se forem bons, se funcionar, as pessoas estão sorrindo. Se elas não mostrarem os dentes é porque alguma coisa está errada no seu show, no seu filme, no seu livro, e ao mesmo tempo também sempre me tocavam muito as iniciativas que falavam da importância disso para as crianças, então, da importância de ensinar a escovação, de ensinar como usar um produto, de ensinar a frequência e de como essas coisas estariam ligadas depois. Porque a saúde bucal da infância poderia refletir na vida adulta de várias formas, para arrumar um emprego, para arrumar um namorado, para não ter vergonha de estar nos lugares e sorrir, para conseguir comer, enfim. E aí isso ficava na minha cabeça. “Puxa, essa é uma empresa séria, uma empresa que eu conheci quando eu era estudante de Administração, portanto, com ambiente corporativo e tudo mais, que está presente em todos os lugares, que é democrático como o Risadaria, e que acompanha as pessoas ao longo da vida.” Isso que é: a gente é um projeto que o avô leva o neto, que atinge pessoas de classes sociais muito diferentes, que tanto faz se é homem ou se é mulher. E eu via essa similaridade nos produtos da empresa. Então, antes dos números, na quantidade de público, o tamanho da marca, ou o que a gente tem para retribuir esse apoio, esse patrocínio que é essencial, eu pensava na adequação. “Puxa, é muito mais natural, e muito mais próspero e mais verdadeiro eu me associar à Colgate e a Colgate à Risadaria, falando como um movimento, do que uma borracharia de pneus, que eu vou ter que dar uma volta ali e falar: ‘Puxa, onde que é tão natural o pneu?’” Adoraria que mais fabricas de pneus se interessassem em nos ajudar, mas tem essa questão que é muito natural e imediata para nós.
P/2 – E você acha que mudou? O que é que mudou depois que a Colgate entrou?
P/1 – Quando ela entra? Só para pontuar, que ano?
R – Quando foi o primeiro ano?
P/1 – Que ela participou...
R – 2014.
P/1 – Tá, e o que mudou?
R – 2014 foi nossa primeira experiência.
P/2 – O que mudou depois que a Colgate entrou como patrocinadora?
R – Muitas coisas, para a gente, mudaram depois da entrada de Colgate. Uma delas é nos ajudar a viabilizar uma turnê nacional, então, conseguir itinerar com parte do que o Risadaria realiza em um longo festival em São Paulo de 31 dias, em outras capitais. E, aí, inclusive, porque a gente, em capitais diferentes, pôde trabalhar com marcas diferentes, inclusive, da marca Sorriso aí, em alguns mercados específicos. E nos ajudou a conferir mais um carimbo de qualidade junto a outros patrocinadores, porque marcas andam acompanhadas de marcas e olham para o lado e falam: “Bom, quem é que está nesse projeto? É uma empresa séria? É uma empresa idônea? É uma empresa com governança, com visão, com trabalho de planejamento?” Então, a gente sabe que a presença da Colgate no Risadaria nos engrandeceu frente aos demais possíveis patrocinadores porque é uma empresa de grande reputação. Para os comediantes, isso é interessante porque a gente brincava e falava: “Olha, vamos fazer um kit, vamos presentear os artistas.” É uma coisa muito natural porque eles reconhecem e identificam. “Poxa, tudo a ver essa empresa estar aqui conosco, porque essa é uma empresa que ajuda a manter os sorrisos que nós fabricamos”, entre aspas, né? Óbvio, são leituras particulares minhas e, se envolvesse a equipe toda, podiam ser outras inclusive. E, quando a Colgate alcançou os 90 anos, para nós foi muito interessante também de falar: “Puxa, com 90 anos ela poderia também caminhar paro o outro lado, poderia romper esse vínculo conosco e não. Foi intensificado, né?” A gente continuou trabalhando lado a lado, e, se viessem mais 90, eu espero comemorar os cem anos do Risadaria, com os 190 anos da Colgate.
P/1 – Acho que já vamos terminando.
P/2 – E, pensando na sua vida, tem algum momento que você costuma contar que tenha sido engraçado, uma história engraçada que aconteceu com você?
R – Eu tenho muitas história engraçadas que eu me lembro que estão ligadas a situações que eu passei a viver depois me tornar uma pessoa reconhecida, de a pessoa olhar e me falar: “Eu conheço você de algum lugar.” É por conta do trabalho e da exposição, né? E eu me lembro uma vez, em Campinas, num evento, em um grande evento em um clube que, na saída, algumas crianças vieram com caneta e com papel na mão para pedir autógrafo, e uma delas estava com uma folhinha dessas que era do guardanapeiro da lanchonete, que ela era toda molenga e tal. E aí eu perguntei: “E o seu nome?” E ele falou: “Cláudio.” Eu fui começar o autógrafo aí já, splift, furou o papel. Aí eu olhei e falei: “Aqui está difícil.” Ele virou de costas para mim e eu autografei a camisa dele e, quando eu terminei, eu falei: “Pronto!” Ele olhou para mim e falou: “Tio, a minha mãe vai me matar...” Ele queria que eu apoiasse o papel nas costas dele, eu achei que ele falou: “Ah, o papel não deu, autografa a minha roupa mesmo.” (risos) E, quando ele me falou: “Tio, a minha mãe vai me matar”, eu fiquei pensando naquilo. Isso tem 20 anos, mas é uma história tão, que é de falar assim: “Puxa, coitado dele!” “Mãe!” “Filho! O que é isso?” “É um moço lá autografou.” Porque ele era muito criança, talvez ele nem soubesse direito o que eu fazia e quem eu era, né? Tive duas situações ao vivo na televisão, que tive duas situações engraçadas, não programadas, e, pelo fato de ser comédia o trabalho, as pessoas encaram aquilo como normal. Uma vez, eu engasguei com um amendoim, amendoim, tipo amendoim japonês, que se chama “joãoponês” na época do meu programa. Joguei para o alto e fui pegar com a boca, quando abri a boca para pegar, eu acertei o alvo só que ele desceu direto e, tlum. Então, eu comecei (som de engasgamento). E aí as pessoas rindo no estúdio, e a plateia batendo palma, e eu (som de engasgamento). E: “Ei! Bate aqui nas minhas costas para desentalar este amendoim!” E foi curioso porque foi o fim do meu programa, e eu estava lá no camarim e tem lá meu telefone e tem uma mensagem de voz, e aí a minha mãe, que tinha gravado, assistido ao programa: “Filho, você se engasgou, você já está bem?” Tipo, a única pessoa que percebeu perigo...
P/2 – Te conhecia tão bem, né? (risos)
R – “Ele está sufocando!” E, numa ocasião também, eu caí da cadeira ao vivo. Eu estava, não sei por quê, eu fiz algum movimento nas duas pernas da cadeira para trás que, quando eu fiz o movimento na hora, eu já falei: “Perdi o balanço, eu vou cair”. E aí eu fiquei pensando: “O que eu faço, eu tento me segurar, eu deixo cair de qualquer jeito, eu já me projeto para a queda?” E isso enquanto a cadeira estava caindo. E pensando: “Vai cair meu microfone, eu estou no ar ao vivo, será que eu vou me machucar, se eu não me machucar, o que é que eu vou fazer agora?” Só que eu já estava caindo, e, nesses poucos segundos ou frações de segundo que tanta coisa passou pela minha cabeça, eu já plau! E todo mundo rindo. E aí o pessoal da TV fez uma chamada do programa com aquilo: “Ah, acontece de tudo no programa”, e eu ploft, pau, caindo da cadeira. Aí um diretor me mandou um e-mail: “Puxa, foi ótimo, parecia sem querer.” “Não, foi sem querer, eu caí da cadeira, e obrigado por perguntar se eu me machuquei.” Porque as pessoas acharam que era de propósito, meu eu estava capotando mesmo ao vivo. É, tem situações que, às vezes, a imprevisibilidade delas é que as tornam divertidas.
P/1 – Você quer fechar?
P/2 – Mais algumas lembranças que te fazem sorrir?
P/1 – Ou escolhe uma, se der para escolher, da vida inteira.
R – Olha, lembranças, lembranças que me fazem sorrir são várias, e elas têm diferentes pesos em diferentes momentos da vida. Quando eu era criança, eu sorria muito quando eu terminava uma história. Meus pais me davam blocos em branco e, mesmo antes de eu ser alfabetizado, baseado nos gibis, que alguém tinha quer ler para mim os balõezinhos, eu fazia as minhas próprias histórias, mas elas não tinham um desencadeamento. Normalmente, eu percebia que a história tinha que terminar na penúltima página porque eu virava e falava assim: “Nossa, tem só mais uma, então, eu tenho que fazer isso aqui.” E, durante anos, minha mãe, minhas tias guardavam esses bloquinhos com as histórias e, às vezes, eram do super-herói com monstro, às vezes eram de uma corrida de carro, coisas do meu universo infantil de menino da época e, quando terminava, eu ficava feliz da vida assim e falava: “Tenho mais uma história, guardei mais uma história aqui.” Muitas outras coisas se passaram, mas lembrar do nascimento dos meus dois filhos é algo que me faz sorrir eternamente e na alma, porque o sentido de poder ensinar ou deixar algo que é de positivo e que preferencialmente possa trazer para eles também lembranças e sorrisos, me faz sorrir também. É uma realização pessoal a paternidade, para qualquer um que é pai, e muitos vão estar nos ouvindo aqui. Mas eu acho que é uma realização a cada sorriso que você conquista.
P/2 – E quais são os seus sonhos?
R – Interessante falar sobre sonhos, né? Quando me perguntam sobre sonho, eu dou uma resposta pré-produzida cômica: “Ah, meu sonho é ser o primeiro brasileiro a pisar descalço na lua, meu sonho é ser o primeiro a fazer tal coisa.” Mas hoje em dia o meu maior sonho profissional é conseguir fazer com que o Risadaria se perpetue, que o festival permaneça. Assim como empresas completam 90 anos e pessoas completam 90 anos, que o festival complete 90 anos. O Oscar vai chegar aos 90 anos aí e não tem problema e eu sei que isso significa estabelecer um jeito de fazer as coisas, de compreender o conteúdo, de tornar o conceito e o princípio algo tão arraigado que ele transcenda as pessoas, que ele exista sem mim, exista. As pessoas que hoje estão envolvidas ou que estavam antes e estarão no futuro, é como um movimento, como uma celebração, como algo que sempre resgate a lembrança da importância de fazer os outros rirem, de não se levarem tão a sério e de conseguir tocar a vida de um jeito mais leve. Como fazer isso? Eu não sei, estamos tentando. O jeito, em algum momento, a gente vai descobrir. Pessoalmente o meu sonho é conseguir envelhecer de um jeito positivo para os outros, positivo para quem estiver à minha volta, essa é uma missão que não é fácil de conquistar. Envolve muitas coisas, envolve a sua própria saúde, a responsabilidade, o mundo à sua volta, enfim, mas eu vejo que, sendo melhor para os outros, eu sou melhor para mim mesmo, e eu acho que, se isso se multiplicasse, muitas das mazelas do planeta estariam em segundo plano.
P/2 – E como foi contar a sua história aqui?
R – É divertido lembrar algumas coisas e é interessante exercer o poder de síntese. Eu, de fato, não tenho me preocupado tanto em resgatar as minhas próprias memórias e nem tenho me preocupado tanto em preservar o meu trabalho, o meu dia a dia, o sentido de um legado, e, às vezes, eu me pergunto se isso é por conta da minha vivência, o tempo todo falando com imagem, com foto, com vídeo, com áudio, e se lá na frente eu vou falar: “Puxa, mas eu não tenho essas fotos, esses vídeos dessa época, ou desse lugar, ou dessa pessoa, ou desse jeito.” Mas, no fundo, eu acho que não. É só porque eu já fiz muita coisa diferente na vida e a memória já não está ficando tão boa, então, eu vou esquecendo algumas delas, e aí outras eu vou lembrando, e outras algumas pessoas me lembram. Então, esse exercício foi interessante. Talvez daqui a 45 anos seja uma outra conversa.
P/2 – Ou até antes, porque, se a gente tivesse mais tempo, você ia rememorar mais coisas.
R – Atualizar.
P/1 – É.
R – Não, é porque eu estou com 45. Daqui a 45, eu vou ter coisas que ainda não aconteceram para lembrar (risos).
P/1 – Mas, quem sabe antes, a gente gostaria que fosse antes, outro encontro. Paulo, obrigada, viu? Muito bom.
P/2 – Obrigada pela entrevista.
R – Obrigado vocês.Recolher