Projeto Conte a Sua História
Depoimento de Julianne Daud
Entrevistada por Lila Schnaider e Marcos Terra
São Paulo, 07/05/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV569_Julianne Daud
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Oi, Juliane. Por favor, você poderia falar o seu n...Continuar leitura
Projeto Conte a Sua História
Depoimento de Julianne Daud
Entrevistada por Lila Schnaider e Marcos Terra
São Paulo, 07/05/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV569_Julianne Daud
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Oi, Juliane. Por favor, você poderia falar o seu nome todo, data de nascimento, onde você nasceu?
R – Bom, meu nome é Julianne Maria SawayaDaud, eu nasci em São Paulo, aqui em São Paulo capital, a 13 de novembro de 1970.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Minha mãe se chama Maria de Lourdes Sawaya Daud, o apelido dela é Deca, e meu pai, Maurício Daher Daud.
P/1 – Qual a origem deles?
R – Libaneses. Eles nasceram no Brasil, meus pais já nasceram aqui, são a geração que nasceu aqui, mas os meus avós vieram, o pai do meu pai e o pai da minha mãe vieram do Líbano. Inclusive, eu tive a oportunidade de estar lá agora, 20 dias atrás, e resgatar minhas origens e me emocionar muito com a história de vida deles, de luta, de garra, de sair de um país que estava sempre em guerra e ver o que eles conseguiram conquistar.
P/1 – O que mais que você sabe da história da vinda dos avós?
R – Olha, os libaneses fugiram do Líbano porque os turcos-otomanos estavam querendo acabar com os jovens libaneses pra que eles não formassem um exército.Então, Dom Pedro abriu o Brasil, porque, como ele viu que os libaneses eram muito mascates – eles eram muito bons no comércio –, ele precisava disso no Brasil e ele abriu o Brasil pra esses libaneses. E o meu avô veio, meus avós vieram nessas levas, tanto o pai da minha mãe quanto o pai do meu pai.O que me impressionou muito foi o pai do meu pai, porque a cidade dele era quase a três horas de Beirute, uma aldeiazinha, uma coisa simples.Eles sempre falavam de Rashaya, “porque Rashaya...”. Eu imaginava que Rashaya... A hora em que eu cheguei em Rashaya, eu falava: “Gente, eu admiro mais ainda o meu avô”.Porque imagina você sair de uma aldeiazinha?Tudo bem, o Brasil era outro.Eles foram pra Monte Azul, e lá vários libaneses vieram juntos, e eles todos tinham comércio um do lado do outro.Era muito engraçado, vendiam nas fazendas.É maravilhosa a história. E o pai da minha mãe já é de uma região mais próxima de Beirute, que é capital, que é cidade grande.Eu fiquei muito emocionada mesmo.
P/1 – Teus pais faziam o quê quando você nasceu, quando você era pequena?
R – No ano em que eu nasci, a família da minha mãe tinha uma fábrica de cashmere, que era cashmere mesmo, a maior fábrica da América Latina.Era junto com os ingleses, só que, no ano em que eu nasci, o irmão da minha mãe, que cuidava de tudo, morreu, e ficou na mão dos outros irmãos, e a coisa foi degringolando.Mas minha mãe sempre teve o dom de mexer com tecido, com moda. O meu pai, nessa época, o meu avô teve fábrica de meia. De meia, de cueca.E meu pai seguiu o caminho do meu avô.Meu pai abriu a fábrica dele e seguiu o caminho dele. E a minha mãe, em 73, uma amiga dela, casada com um primo do meu pai, que é a tia Claudete, tinha tido um filho com Síndrome de Down e ligou pra minha mãe, falou: “Ai, Deca, vamos fazer alguma coisa, eu queria trabalhar, fazer alguma coisa com moda. A gente pode começar uma coisa pequenininha e dar sempre uma porcentagem pra instituições com crianças com Síndrome de Down.” E elas começaram numa garagem na casa da tia Claudete. A loja é a Claudeteedeca.Até hoje, elas estão há 44 anos acho.É, eu tenho 46, elas estão com 43 anos no mercado, passando por todas as crises do país e continuando firme.Isso eu acho muito lindo, são duas guerreiras. E elas começaram a loja e deslancharam. Tinha uma época em que elas tinham várias casas na Vila Nova Conceição. Quer dizer, ainda é na Vila Nova Conceição a loja.Eu fui criada muito nesse ambiente, no mundo da moda e sempre adorei. Mas nunca foi a minha ideia trabalhar com aquilo.Até em uma época eu trabalhei um pouco, mas nunca foi a minha, o meu destino.O meu caminho de vida não era moda.
P/1 – E o teu pai?
R – E o meu pai tinha fábrica de cueca, ele tinha a fábrica.Então, os dois comerciantes: a minha mãe com a loja, já um público mais de luxo, o meu pai com um produto que era mais popular.
P/1 – Quais eram os costumes na tua casa na infância?
R – A gente foi criado, meus pais sempre foram muito boêmios, o que eu acho o máximo, porque eu me lembro de eles chegando seis da manhã.Eles iam para as baladas, Baiuca, Gallery.Eles sempre foram muito animados, sempre gostaram da casa cheia, essa tradição libanesa de “chama pra cá, chama todo mundo em casa”.Chegava, “comidaiada”. Os meus amigos, eu lembro que os meus amigos da escola olhavam e falavam: “Nossa, mas que exagero!” Porque tem pais que detestam criança dentro, um monte de molecada fazendo bagunça.Os meus pais sempre amaram, tanto quea gente, férias de julho, o meu pai alugava um hotel em Campos de Jordão pra gente passar as férias e cada filho levava cinco, seis amigos. A gente foi criado com muita liberdade.Meus pais sempre foram muito além do tempo deles, muito modernos. Nossa, um amor que eles têm!Eles estão, olha, o meu pai está hoje com 85, minha mãe com 81, eles são grudados.Eles são um casal que eu olho e falo: “Gente, como eles se amam!” Um amor que é de uma vida, né? Então, eu fui criada nesse ambiente de amor, não tinha briga. O máximo era o meu pai brigando com os filhos, dando bronca, porque a gente aprontava muito.Éramos quatro filhos, eu sou a mais nova.Todos os meus irmãos falam que eu sou a mais mimada, mas não sou (risos).Não sou mesmo.O meu irmão que foi o mais estragado. Eu tinha uma irmã mais velha, que faleceu há oito anos de câncer, que foi a maior dor da minha vida, acho que de toda a minha família, do meu pai, da minha mãe. É uma dor, é uma ferida que não cura, mas estão aí os filhos dela, um orgulho.O mais velho fez 30 anos agora, se formou na FGV [Fundação Getúlio Vargas], advogado, está na Ambev. Então, os três filhos... Eu sempre olho para o céu e falo: “Chris, você estaria tão orgulhosa de ver os teus filhos aqui!” Tive esse momento muito difícil na vida oito anos atrás.Mas, voltando, a gente foi criado nessa farra.
P/1 – E os outros irmãos?
R – Eu tenho a Lu, que é a minha... A Chris era a mais velha, casou com o Tufi, teve três filhos, que nenhum deles está casado, acho que um vai casar ano que vem.Mas a Lu, minha irmã que tem 49.A Lu fez 49 agora, casada com o Henrique, que é um dos nossos melhores amigos de infância. É muito engraçado, porque parece que ficou tudo em família.Tem dois filhos,e eu sou alucinada pelos moleques. Um, o Mathias, tem 11, e o Martim tem oito, duas pestinhas “aprontonas”. E agora deixaram o cachorro deles comigo, agora eu virei a mãe do cachorro deles.Eles moram com a tia, pra eles poderem visitar de vez em quando. Aí tem o meu irmão, que é o Maurício, esse deu trabalho, esse aprontou, esse foi para as drogas. E conseguiu sair do buraco das drogas, se formou como psicólogo, hoje trabalha em hospital, lotado de clientes. Mas foi difícil.
P/1 – Esse foi o mimado?
R – Esse foi mimado.E, graças a Deus, tomou jeito, casou com uma menina superbacana, está superbem. Mas deu muito trabalho.
P/1 – Ele tem que idade hoje?
R – O Maurício tem 48.Minha mãe teve três seguidos: a Lu tem 49, o Maurício faz agora 48, e eu vou fazer 47. Acho que foram três anos em que eles não tinham televisão em casa (risos). Então, ela ficou fazendo filho, né?
P/1 – Vocês gostavam de ouvir histórias?Eles contavam histórias pra vocês?
R – Sempre contaram, sempre contaram.Mas eu sinto que a minha mãe bloqueou um pouco de contar muita história da família dela, porque, como teve briga, um pouco de briga por herança, umas coisas, ela nunca falou tanto. Agora, a família do meu pai sempre foi superpróxima.Os irmãos do meu pai, imagina, o irmão mais novo do meu pai levava a gente pra balada.Era assim.E o irmão mais novo deve ter o quê? Vinte anos a menos que o meu pai.Ele levava a gente, a Lu, eu, pra noite.Eu tinha 15, 16 anos.Então,a gente foi criado com muita farra, muita festa, sempre muita, muita música. A família do meu pai, eles sempre foram com essa coisa de música.A primeira grande mesa de som era na casa do meu avô, que os meus tios montaram.Era uma loucura!Eu fui criada nesse ambiente da música, da alegria. Com 14 anos, eu comecei a estudar um pouco de violão, porque eu queria cantar que nem Maria Bethânia.Eu queria.Tinha um lado Maria Bethânia e tinha um lado mais Diana Ross.Tinha a época do Motown, Michael Jackson, aquelas músicas maravilhosas, que são hinos até hoje, né? E comecei a estudar.Estudei violão um tempo, daí eu fui estudar canto mesmo, isso com 14. Aí, quando eu fui estudar canto, uma professora olhou pra mim e falou: “Ah, mas a sua voz é de cantora lírica.” Eu falei: “Hein?” Eu não tinha costume nenhum de ouvir ópera, não era o meu universo, mas eu segui o conselho dela e comecei.Porque ela falou: “Você tem um dom, porque a sua voz, o seu timbre é maravilhoso, a sua voz é maravilhosa.” Então, você vai, você fala: “Ai, meu Deus, eu não posso jogar isso fora, eu tenho que...” E aí eu comecei a estudar o canto lírico, o canto lírico entrou na minha vida, foi um mergulho nisso. Comecei a estudar, depois fui fazer teatro e comecei a seguir uma carreira nesse sentido. Mas a música eu aprendi a ouvir em casa.
P/2 – Nessa música de escutar em casa, a música era cantada pelos seus pais, como era essa entrada? Você tem essa lembrança? Sua mãe cantava, seu pai cantava? Eles gostavam de escutar um disco em especial? Tem alguma história relativa a isso?
R – Na verdade, você sabe que não é nem o meu pai nem minha mãe que ouviam tanto.Eram os irmãos, os irmãos do meu pai que tinham esse costume da música.E a minha irmã mais velha, a Chris, começou a namorar muito cedo e casou muito cedo. E esse marido dela, que também é primo – uma casou com o melhor amigo, outra com o primo (risos) –, também tinha a coisa da música. Do que eu me lembro muito é disco, música bem alegre, e muito Maria Bethânia. Bethânia, Chico, Gal, todos, Elis, todos os brasileiros que eram a sensação na época.
P/1 – E fora os brasileiros?
R – Ah, então, todos esses...
P/1 – A libanesa, por exemplo?
R – Não, libanesa nunca foi.O meu avô falava árabe, meu avô falava, sempre falou com sotaque, ele falava com sotaque.Mas nenhum dos filhos, nenhum deles aprendeu árabe, só palavrão.Até, um tempo atrás, eu também só sabia palavrão em árabe.O resto nada.
P/1 – Do que é que você se lembra, como é que era o bairro em que vocês moravam? Em que bairro vocês moravam? Como era?
R – Eu morava na Maestro Elias Lobo, que é uma travessa da Avenida Brasil.E eu estudei a vida inteira no Mater Dei. Minha escola era a três quadras da minha casa.Eu lembro que era uma delícia, eu adorava aquela casa.Eu me lembro muito do meu... Eu tinha um cachorro, um pequinês, eu sempre fui alucinada por bicho. Aquela casa, é engraçado, eu tenho sempre sonhos com ela.Eu não tenho com a casa em que eu moro hoje, eu tenho mais sonhos com essa minha casa em que eu vivi até os 18 anos.Eu cresci nessa casa, que era dos meus avós. Aí, os meus pais foram morar, foram cuidar da minha avó e tiveram os filhos, e a gente ficou morando lá depois, até comprar a outra casa. Eu amava, amava. Hoje eu passo na frente, eu falo: “Ai, como eu gostava de morar aqui, esse bairro é o mais legal que Cidade Jardim, aqui é perto de tudo.” E era uma casa alegre, porque sempre teve essa abertura pra levar os amigos, pra estar sempre recebendo.
P/1 – Vocês costumavam fazer brincadeira de rua, brincavam com os vizinhos, os amigos da escola? Como que era?
R – De rua, eu acho que não tanto, eu já não peguei.Mas o meu irmão fazia mais brincadeira de rua.Eu já não, eu sempre fui mais acho que pra dentro da casa, nunca fui muito de rua.Mas, por exemplo, eu ia a pé às vezes pra escola, mas não ia sempre a pé, porque era muito cedo.Eu fazia sapateado na Kika, que também era do lado da minha casa, na KikaTap Center, eu fiz dez anos. Mas de rua não.
P/1 – Que brincadeiras vocês costumavam fazer com os amigos?
R – Ai.
P/1 – Com os irmãos, com os amigos, gostavam de brincar de quê?
R – Eu ficava muito com o meu irmão, porque as minhas irmãs estudavam, elas estudavam de manhã, e o meu irmão e eu, quando a gente era mais novo, a gente estudava à tarde. Então, o meu dia era muito com ele. E a gente teve uma babá, que viveu com a gente 50 anos.Não, não foi tudo isso, ela ficou eu acho que uns 40, até morrer.Ela teve um câncer e faleceu.Mas ela criou todos nós, porque a minha mãe trabalhava o dia inteiro. Minha mãe e meu pai saíam o dia inteiro pra trabalhar.Então, foi ela que criou a gente. Aí, das brincadeiras, eu me lembro doGenius, mas eu não lembro se eu era tão criança, coisas de cartas, jogar bola. Mas o meu irmão jogava a bola em mim, então, eu tinha uns traumas.Pular corda, eu adorava pular corda, isso era uma coisa que eu fazia com as minhas amigas, e amarelinha, bem coisa de criança mesmo.E boneca e coleção de papel de carta.Eu tinha uma coleção que era fenomenal, nossa!Aí, eu doei pra minha sobrinha quando ela era novinha.
P/1 – Poxa, eu tive uma, mas não guardei (risos).
R – Eu guardei, eu dei pra ela. Ela já deve ter jogado fora.
P/1 – O que te deixava feliz na infância? Quais são as lembranças?
R – Comer a comida da minha avó, que eu me lembro que eu amava, que eu ficava vendo ela cozinhar.Eu sempre achei...A minha avó fazia comida árabe, ela enrolava os charutinhos.Você via ela sentada ali enrolando aquele charutinho.Aí, aquela panela ia para o forno.Na hora que saía, aquilo era uma coisa maravilhosa. Ela fazia sequilhos, pãozinho. Era uma coisa. Eu sempre fui gordinha, sempre amei.E estar com a minha família e estar com os meus amigos, eu acho que isso e a música, acho que são as coisas que mais me deixavam feliz.
P/1 – Tem algum fato pitoresco, alguma história que você lembra que aconteceu com os teus irmãos, de brincadeira?
R – Nossa, eu tenho um problema sério com a minha infância. Eu não lembro muita coisa, é engraçado. Eu não sei porquê.Eu até cheguei a perguntar para os meus pais: “Como é que eu era?” Ai, de brincadeira, não lembro.
P/1 – Você queria ser o quê quando crescesse?
R – Sempre cantora.
P/1 – Desde pequena?
R – Sempre.Não, foi...
P/1 – Já tinha certeza?
R – Já tinha certeza.Atriz, cantora, sempre por esse caminho, que não é nada fácil.Eu vou dizer que não foi e não é até hoje um caminho fácil.É um caminho de altos e baixos, é um caminho.Tem momentos em que eu estou sorrindo loucamente, a hora que eu estou numa produção de um espetáculo, que está dando tudo certo. Mas também, às vezes, você tem problema, você tem, óbvio, né?E o país em que a gente está, hoje em dia, pra cultura não está fácil.
P/2 – Quando você começou a fazer suas aulas de violão, depois de canto, nessas aulas geralmente tem aquelas apresentações de final de ano, né?Tem aquelas para os pais.Tem alguma lembrança de uma dessas apresentações, que, quando você se viu no palco, você teve certeza de que era isso que você queria fazer?
R – Teve, teve de sapateado, que eu cantei também.Eu comecei a fazer sapateado com 12 anos, e foi lá que também eu fui descobrindo.Lá eu conheci o Jorge Takla, porque o Jorge, a Kika – que era KikaTap Center –, a Kika tinha uma escola em que ela tinha mais de 300 alunos.Ela montava shows de final de ano que eram absurdos.Era no Procópio Ferreira, no Tuca, eram shows absurdos. Pra você ter noção, o roteiro sempre era do Flávio de Souza, os figurinos da Mira Haar, a luz do Jorge Takla. Era assim, era tudo muito luxuoso.E ali que eu comecei a minha história, aos 12 anos, de estar em cima do palco realizando, fazendo os espetáculos. Até um dia que eles me colocaram pra cantar. Além de sapatear, cantar numa coreografia.Era uma coreografia incrível, que era: a história se passava num hotel, eu era carregadora de mala e aí tinha toda a história.A gente dançava, eu entrava com uma mala, sapateava e,“nãnãnã”, sapateava em cima da mala. Tinha um momento que todo mundo saía, e eu ia lá pra frente, cantavaLa Donna è Mobile.E foi pra mim, ali foi o momento, foi quando eu vi: “Nossa, eu amo isso, eu quero estar em cima do palco, eu quero.Nossa, é isso que eu quero!”Eu tive esse momento e agradeço a todas as pessoas que me ajudaram.Inclusive, o Jorge foi uma pessoa que, depois, mais pra frente, quando eu estava em dúvida: “Vou estudar nos Estados Unidos? Vou estudar na Europa?”, ele falou: “Vai pra Itália, Ju, é lá, é o berço, vai estudar lá, que é o berço da ópera.” E eu fui, enfim, segui um caminho.
P/1 – Voltando um pouquinho para o período escolar, como era na escola, com os amigos da escola, ou tem algum professor que você lembra, que te marcou?
R – Eu estudei numa escola muito familiar. O Mater Dei era uma escola em que a gente não era mais de 30 numa sala.Era uma delícia.Eu amava a minha escola, primeiro porqueeu era amiga e querida por todo mundo, por diretor. Imagina, o diretor entrava na sala de aula, eu subia em cima da carteira e dançava o Piripiri da Gretchen pra ele.Eu era uma palhaça, eu sempre fui palhaça.Eu parava o recreio inteiro pra todo mundo cantar junto comigo. Eu tive esses momentos, que as pessoas, quando eu encontro gente que estudou comigo, eles falam: “Ju, eu nunca vou esquecer quando a gente estava não sei onde, que aí você começou a cantar.” Cada um tem uma história sempre, isso é muito legal.
P/2 – Tem uma dessas histórias que você pode contar pra gente?
R – Ai, essa do recreio, que eu parei o recreio inteiro, e começou todo mundo a cantar junto comigo.Eu acho que é inesquecível, inesquecível. E, depois, eu era tão fã de Gretchen, porque nisso eu não estava cantando música da Gretchen, mas depois eu virei tão...Eu me divertia tanto com a história do Piripiri que, quando eu fiquei noiva, no meu “chá bar”, uma amiga fez uma surpresa e teve show da Gretchen (risos).Isso foi das coisas mais engraçadas. A hora que eu vi a Gretchen, mas não é que eu gritava, eu dava escândalo, que eu falava: “Eu não acredito!” Tudo por causa dessas histórias de quando eu era menina, que eu dançava Gretchen na escola pra todo mundo.E eu era gordinha. Eu cheguei, eu tive um momento de vida que de repente eu engordei muito.Com 18 anos, eu cheguei a pesar 110 quilos.Eu fui morar num spa, eu fui.Nossa, até hoje eu fico pensando: “Por que que eu engordei tanto? O que tanto eu comia pra engordar daquele jeito?” E aí teve esse momento também na minha vida, que ficou marcado também.
P/1 – Você demorou até conseguir emagrecer?
R – Eu fiquei seis meses no spa, eu emagreci 35 quilos, eu voltei toda bonitona, não sei o que lá.Mas depois eu dei uma engordada, mas eu não passava dos 90.Eu ficava 90, baixava. Dez anos atrás, eu tive uma depressão, que foi quando eu descobri a doença da minha irmã. Meu casamento não estava bom, foi um momento.Aí, eu fui num médico e eu falei: “Eu não estou feliz comigo mesma, eu não estou feliz com o meu corpo, não.” E foi um momento que eu tive que me reinventar. Aí eu emagreci, eu comecei, eu não fiz cirurgia, não fiz nada, fechei a boca, comecei a malhar, voltei pra academia e me conscientizei.Hoje é assim: eu engordo um quilo, dois, eu já fecho a boca.
P/1 – Como foi essa sensação depois de emagrecer?
R – Nossa, maravilhosa!Taí,uma das coisas mais felizes da minha vida, a hora que eu me olhava no espelho, que a balança só descia, eu falava: “Não, não acredito!” Porque só quem lutou com problema de peso é que sabe a dificuldade que é, e a dor que é você estar gordinha, você não ter roupa pra sair, você não se sentir bem. Imagina, a minha mãe tinha uma loja de luxo, nada servia em mim.Eu tinha que mandar fazer as roupas, porque eu estava muito gorducha.Então, esse foi um momento de dor. Depois, quando eu emagreci, até hoje, eu sempre pego uma coisa maior.Falam: “Ju, mas você não vai usar, isso é grande, você vai usar 40.” Eu falo: “Nossa!” Imagina, né?Eu usava 52, 50(risos). E aí ganhei de presente “fazer uma”Carmen Miranda depois que eu emagreci. Aquela foto que você vê toda...Nossa!Viva a malhação, viva a academia, viva a força de vontade pra realmente emagrecer!
P/1 – Valeu o esforço, né?
R – Valeu, valeu e vale até hoje.Que nem hoje, eu acordei, eu falei: “Bom, depois, eu não sei como é que vai ser o meu dia, mas eu já vou malhar de manhã.” A gente tem que ter foco, objetivo.
P/1 – Como foi a tua juventude, as tuas primeiras conquistas amorosas?
R – Eu adorava ter uns amores platônicos, e sempre tinha alguém que era apaixonado por mim e que eu nem percebia.E que depois a pessoa vinha se declarar, eu achava aquilo divertidíssimo. Mas o meu primeiro namorado foi o Fernando Piva, que é hoje um arquiteto famoso.E a gente estudava juntos.E o Fê foi o meu primeiro namorado.A gente dá risada na hora que a gente se encontra.Eu olho pra ele, falo: “Não, eu não acredito que a gente namorou!” (risos) Com 14, 15 anos. Aí teve minha fase gordinha, que foi uma fase em que eu estava mais reclusa, mas, depois que eu voltei no spa, começou. Aí, relacionamentos, namora um aqui, namora um ali.Fui pra Itália, fiquei noiva, cheguei a ficar noiva de um italiano, de um barítono. A gente se conheceu num curso. Era a Accademia Verdiana diBusseto, era onde eu, que eu tinha aula com o Carlo Bergonzi, que foi um dos maiores tenores do mundo, que inclusive cantou com Maria Callas. E essa cidadezinha com esse nome engraçado, Busseto, foi onde nasceu Giuseppe Verdi, o grande compositor de Traviata, de Macbeth.A academia dele era lá, e lá eu conheci o Carmelo Caruso, de quem eu fiquei noiva.Hoje é meu amigo do Facebook, eu dou risada, né?Mas eu estava, eu não queria casar, eu era muito nova, eu falei: “Não, não está na hora, não.” (risos) Aí eu voltei.Isso eujá passei uns anos.Então, eu já fui para os meus 21, que foi quando eu mudei pra Itália.Eu comecei a estudar o canto aqui, comecei com o violão, daí eu fui pro canto lírico.Comecei a estudar mais tudo voltado ao lírico, fui fazer teatro na Célia Helena. Inclusive, eu tive a oportunidade de estudar com a própria Célia Helena na época. E eu fiz uma audição, que era, na época, você tinha que mandar tape, não tinha CD ainda. Era fita mesmo.Eu mandei uma fita pra JuilliardSchoolof Music, de Nova York, que eles estavam dando um curso na Itália. Eles iam dar na Itália um curso, na cidade de Espoleto, que é onde tem um festival.E eu fui chamada pra fazer o curso. Aí eu falei pros meus pais: “Eu vou.” E, antes disso, eu fui estudar em Firenze com duas amigas.A gente foi estudar italiano.Eu falei: “Deixa, eu preciso deixar meu italiano bonito.” Eu fui estudar com elas, a gente ficou uns dois meses, eu acho, em Firenze.Daí fui pra Espoleto, fiz esse curso da Juilliard, fiquei apaixonada. De lá, uma das alunas, das cantoras, que estava no curso também, falou: “Você tem que estudar com o Carlo Bergonzi, ele vai amar a sua voz, o seu timbre é fantástico, você tem que ir estudar com ele.”Aí eu falei: “Ah, estou na Itália, vou fazer uma audição pra ele.” Fui fazer uma audição pra ele, já na cidade de Busseto, que é a uma hora de Milão. Aí ele me aceitou na academia dele.Eu liguei para os meus pais no Brasil, eu falei: “Eu não quero ir embora, só que a academia dele vai começar daqui a um mês e meio, uma coisa assim, então, eu vou viajar um pouco, tá? O Beto, o meu amigo, está morando em Paris.” Eu fiquei um pouco viajando, aí eu fui fazer, fui estudar com ele nessa academia, que a gente ficava morando lá nessa cidade, que era uma rua. Juro, quando eu cheguei, eu desci do trem, eu saí de Milão, cidade grande, eu desci do trem, chegando em Busseto, eu olhava, falava assim: “A cidade é isso, é uma rua?” E eu cheguei na hora da siesta, que estava todo mundo dormindo (risos).Ninguém, não tinha ninguém na rua. Eu falava: “Eu não quero morar aqui, eu vou morrer de tédio.” Imagine eu, acostumadacom tudo, sempre com casa cheia, com gente, com movimento, numa cidadezinha pacata? Mas eu falei: “Não, eu não posso perder essa oportunidade.Eu quero, eu vou estudar.” Meus pais falaram: “Tá bom, pode ficar.” E eu fiz toda a oficina dele, depois eu fui pra Milão.A oficina dele eram uns oito meses, que eu ficava.Aí eu fui morar em Milão, continuei estudando com ele. Eu tinha aula com ele esporadicamente, com os pianistas.Entrei na Escola Musical de Milão, eu fiquei um ano mais morando em Milão. Um dia, eu vim de férias para o Brasil e uma amiga que trabalhava na Folha de S. Paulo falou: “Ah, Ju, eu quero fazer uma matéria com você”, que ela trabalhava na coluna do consumidor. “Eu quero fazer uma matéria com você sobre manteigas e margarinas.” Eu achei aquilo superengraçado. “Vamos, vamos fazer a matéria.” Aí fizemos. Saiu uma foto minha no jornal, e o Jorge Takla, que já me conheciada época da Kika, que foi a pessoa que me falou pra ir pra Itália, ele tinha acabado de comprar o espetáculo Master Class pra fazer com a Marília Pêra como Maria Callas e estava fazendo audição para o elenco. E aí a Kika me liga: “Ju, você está no Brasil?” Eu falei: “Estou.” “O Jorge quer que você vá fazer uma audição pra Master Class.” Eu falei: “Nossa, mas o que que tem que cantar?” Daí ela falou: “Olha, é a ária da Lady Macbeth do Macbeth.” Eu falei: “Eu não acredito!” Era o tipo de repertório que eu tinha acabado de trabalhar na Itália, eu estava com voz tinindo, aquele repertório dificílimo. Aí eu fui fazer a audição. Marília e Jorge gostaram de mim, e eu fui, fui.Voltei de mala e cuia da Itália, voltei pra entrar em cartaz com o espetáculo. A gente ficou, ficamos mais de um ano com o espetáculo, fizemos no Cultura Artística.Daí comecei.A minha primeiraexperiência realmente profissional já foi ao lado de uma Marília Pêra. Conviver com a Marília me trouxe uma experiência como atriz, na parte, num lado mais comediante. Eu criei uma desenvoltura. Apesar de já ter feito Célia Helena, mas na hora em que você está com uma atriz fera daquela em cena...E eu fiquei muito amiga da Marília.Então, a gente se divertia.Foi uma fase, foi uma das melhores fases da minha vida. Isso me fazia sorrir muito, muito, porque a gente fazia o espetáculo, saía pra jantar depois, a gente se divertia. Era um elenco que se adorava, era tudo engraçado.Apesar de a história ser dramática, a Marília tinha... Imagina, ela arrancava cada gargalhada da plateia que tinha dias que eu me segurava pra não rir.Imagina, foi maravilhoso.
P/1 – Isso foi quando, em que época?
R – Isso foi em 96, 96/97, porque a gente fez São Paulo, depois fizemos Rio e depois a gente viajou pelo Brasil. E, agora, 20 anos depois, eu comprei os direitos, já era uma produção minha. Meu sócio e eu, nós compramos os direitos de Master Class.Eu cheguei a convidar a Marília pra fazer, mas já foi na fase em que ela estava doente.Aí a gente convidou a Torloni e o Possi, e fizemos uma temporada. Nossa, foi um sucesso.Pra mim, foi uma coisa completamente diferente.Num eu estava só como atriz/cantora, no outro na produção.O espetáculo era meu, era toda a produção, captação, e ter que lidar com todos os problemas do dia a dia.Eu fico superfeliz de ver que o espetáculo foi um grande sucesso. Imagina, a gente, no Rio, teve cinco estrelas na Vejinha.Era o espetáculo mais indicado do Rio de Janeiro no ano passado.
P/1 – Como foi esse processo de cantora a produtora musical?
R – As coisas vieram acontecendo, porque eu passei muito tempo mais só cantando e fazendo evento. Então, cantava, fazia ópera, concurso.Eu fiquei um bom tempo, depois que eu fiz o espetáculo com a Marília, minha vida foi por esse caminho.Até que eu conheci o Fábio, que é um maestro, que foi com quem eu me casei.E o Fábio tinha um monte de projeto engavetado, inclusive restauro de uma ópera do Carlos Gomes. E, quando eu comecei a olhar aqueles projetos, a Lei Rouanet tinha acabado de ser criada, e na época tinha uma outra lei, que era a Lei Mendonça, e a gente começou a: “Bom, vamos tentar realizar esses projetos que você tem aqui engavetados.” Esse do restauro de uma ópera inédita do Carlos Gomes – foi a segunda ópera que ele escreveu – foi um trabalho insano, insano. E a gente começou.Quando eu vi, eu estava produzindo.Quando eu vi, a gente conseguiu.Esse restauro era mais uma parte que ele fazia, mas depois a gente fez um concerto na Sala São Paulo com trechos da ópera, pra depois montar a ópera. Eu comecei produzindo ópera, que é o mais difícil, muito mais que musical, porque tem muito mais gente envolvida. Você tem um universo, você tem uma orquestra inteira, um coral enorme, um monte de gente sempre no elenco. E eu comecei produzindo as óperas.A gente via que era muito difícil você fazer ópera no Brasil, porque custa muito caro, e você faz poucas sessões.E aí você chegava num patrocinador, o cara olhava e falava: “Ah, mas você vai fazer oito sessões, oito apresentações e precisa de tanto?” Porque era caro, e a gente não tinha uma orquestra nossa, tinha que pagar todo mundo. E a gente chegou a fazer umas três, quatro óperas, até que a gente começou com a história, a gente começou a fazer big bands.O Fábio sempre gostou, que, aliás, é um estilo que eu também sempre amei, que é o das big bands, de Frank Sinatra, todos os grandes, os grandes hits de big band.E a gente começou a trabalhar com isso, fazer pra festa, pra casamento. E aí começou aquela big band que a gente ia colocando mais coisas, então, 18, eram cinco trompetes, não, cinco saxofones, quatro trompetes, quatro trombones, toda a cozinha.A gente começou a colocar cordas também e a gente começou, eu comecei a estar sempre produzindo e cantando, produzindo e cantando.Era um nervoso.É até hoje, que até hoje eu faço isso.
P/1 – Você se casou primeiro e teve a produtora, ou primeiro teve a produtora e depois se casou?
R – Não, eu casei primeiro.Depois, eu ainda fazia outras coisas.Eu, no começo, depois que a gente casou, eu ainda fazia só as minhas coisas, cantava.E o Fábio trabalhava na Secretaria de Cultura, porque – essa história é engraçada – a gente se conheceu, o Fábio foi assessor da Secretaria de Cultura, assessor de música, e ele montou e ele estudou. É assim, agora eu vou falar um pouco dele.Ele é um cara extremamente inteligente, estudou música a vida inteira e estudou regência com o Eleazar de Carvalho, que foi o nosso maior maestro. Eu acho que todo mundo bebeu na fonte de Eleazar de Carvalho.E o Fábio foi pra Yale, pra Universidade de Yale.O Fábio ganhou uma bolsa pra estudar lá com o Eleazar e com todos. Ele fez mestrado em Yale. E aí ele voltou pro Brasil, pouca oportunidade de trabalho, poucas orquestras, ele começou a trabalhar na Secretaria de Cultura e decidiu montar uma oficina pra cantores líricos bem baseada naquilo que ele tinha aprendido em Yale, naquilo que ele via lá.E, quando eu vi aquilo, eu falei: “Nossa, que coisa bacana, gente!Nossa, os melhores professores, tudo de graça.” Eu falei: “Gente, isso é muito!” E aí eu fui fazer.Já tinha até terminado as audições, mas eu falei com o Sergio Casoy, eu falei com não sei quem, eu falei: “Mas eu quero fazer a audição.” Quem comandava tudo era o Fábio, e nunca tinha me visto na vida.Falou: “Bom, tudo bem, se ela é indicação, se ela tem a voz tão linda assim, deixa ela vir.” E eu ainda falei: “Ah, mas eu quero estudar com a Niza de Castro Tank”, que era, foi uma das nossas grandes sopranos. E no dia que eu, a primeira vez que eu falei com ele foi pelo telefone, pra saber como é que chegava lá na oficina. E ele me indicou tudo: “Você faz assim...” Não tinha Waze, era tudo mapinha (risos). Vira aqui, vira ali.E eu fui fazer, eu fui lá fazer essa audição, e ele estava assistindo. Aí já começaram as aulas, e ele estava sempre lá nas minhas aulas me assistindo, ouvindo.Até que um dia ele falou: “Ah, você não quer vir fazer, passar um pouco comigo? Eu adoro Carlos Gomes, eu vi que a Niza te deu Carlos Gomes pra cantar.” E tal, tal.Eu já achei estranho, eu falei: “Será que esse maestro está me paquerando?” E eu namorava um cara chamado Fábio e eu comecei a ficar apaixonada pelo Fábio maestro.Eu falei: “Gente, eu estou gostando.” Música, né?A gente falava de arte.Eu me lembro de uma história engraçada: estava tendo um Guarani, eu não lembro se era no Alfa ou no Municipal, eu acho que foi um Guarani que foi montado no Teatro Alfa. E a Vânia Parraris me convidou e ela falou: “Só que você vem pegar teu ingresso aqui atrás do teatro.” Quando eu vi que ele também ia, eu falei: “Maestro, eu também vou.” E ele falou: “Nossa, onde você está sentada? Vem sentar comigo, tem um lugar do meu lado.” Eu sei que, quando eu vi, eu estava sentada do lado dele assistindo Guarani. Aí as coisas começaram. A gente saiu, ele me convidou pra jantar, a gente começou a namorar e depois de um ano a gente casou. Eteve episódios engraçados da gente e tem uma história que eu acho maravilhosa.O Fábio foi chamado pra ser o diretor musical do Beijo da Mulher Aranha, com a Cláudia Raia, com o Miguel Falabella, com o Tuca Andrada, direção do Wolf Maia, e eu continuava lá o meu canto lírico, tal e tal.O Fábio fez tudo, e eu ia assistir a um monte de ensaios deles, adorava. E eles estrearam, estavam lá em cartaz. Um dia, num domingo, véspera de a gente casar, três dias antes do nosso casamento –porque a gente, artista, casa numa quarta-feira, porque quinta, sexta, sábado e domingo tem espetáculo(risos).Então, a gente casou numa quarta.Três dias antes de a gente casar, no domingo, o Fábio me liga e fala: “Ju, nós estamos com um problema seríssimo aqui.A Vera do Canto e Mello está com uma trombose, e a Cláudia, o Miguel e o Tuca estão pedindo pra você entrar no lugar dela, pra você substituí-la, porque não tem ‘sub’.A‘sub’ que tinha não está mais e já está em outro projeto, e você é uma pessoa que assistiu muitas vezes o espetáculo, eles querem que você faça.” Eu falei: “Você está louco? Você acha que eu vou aprender o personagem dela em três dias, sendo que a gente casa quarta-feira e eu estou tremendo de medo de casar?” Ele falou: “Vai, eu vou sair hoje do teatro e eu vou pra aí pra gente ensaiar.” Gente, nós pegamos segunda, terça e quarta, no dia do meu casamento eu fiquei ensaiando até cinco da tarde, cabeleireiro me esperando pra me pentear, arrumar, “nãnãnã”.E eu lá ensaiando, ensaiando, ensaiando. Não tinha conseguido decorar, porque tinham vários textos e a maioria das minhas cenas era com o Miguel. Eu fazia o papel de mãe do Miguel Falabella, e musical é aquilo: você entra milhões de vezes em cena, cada vez com um figurino, cada vez de um jeito.Tinha um quarteto pra cantar, tinha uma ária, tinhaum solo da mãe e um monte de diálogos e coreografia no final. Eu falei: “Ah, já que eu vou fazer, eu vou fazer tudo, inclusive a coreografia do final.” Então, eu fiquei três dias ali naquela luta, eu falei: “Bom, pelo menos as músicas eu vou decorar, o resto eu posso usar alguma coisa.” Por exemplo, tinha uma hora que eu entrava com uma panela na mão, eu tinha a cola do texto na panela (risos). Tinha uma hora que eu entrava de cadeira de rodas com uma bíblia, eu tinha cola do texto na bíblia.Então, não tinha jeito, eu tive que... Eu não tinha cabeça pra decorar tudo aquilo e pouco tempo também, e não tive ensaio com eles.Na verdade, na quinta-feira, que foi o dia que eu estreei, que eu tive o ensaio a partir das três da tarde com o Wolf Maia pra passar luz, mas aí era muita marcação de: “Você entra por aqui, você sai por ali.” Enfim, chegou a quarta-feira, a gente casou, eu não podia cantar, eu não podia gritar, quer dizer, eu entrei cantando no casamento, eu entrei cantando ClimbEv’ry Mountain, da Noviça Rebelde, mas eu não podia gritar, eu não podia falar alto, porque no dia seguinte eu tinha que estrear um espetáculo que eu não tinha feito nenhum ensaio. E aí foi.Foi uma loucura, no dia seguinte.Então, no casamento eu tive que ficar meio muda, só rindo, e não pude beber.Imagina, eu não pude beber no dia do meu casamento (risos).Não podia.E, no dia seguinte, às três da tarde, eu estava lá com o Wolf ensaiando e à noite eu já estreei.E eu fiquei quase um mês fazendo o espetáculo, porque a Vera demorou pra voltar e foi uma experiência incrível.Eu amei.
P/1 – Qual foi o musical de que você mais gostou de participar?
R – Olha, O Beijo eu acho que foi um deles.OMaster Class a gente não considera um musical, é mais uma peça de teatro mesmo, com música. Quer dizer, ela não é um musical mesmo, ela é uma peça. O New York, que foi o New York, New York, pra mim foi, nossa, um grande desafio, porque eu fiz uma Carmen Miranda.E, imagina, uma pessoa que a vida inteira foi gordinha, de repente eu me vi de barriga de fora, tendo que ser aquele sex symbolque era a Carmen.Era o meu oposto, era de quebrar toda aquela minha postura mais rígida de cantora lírica. Nossa, esse foi o maior desafio.Eu acho que esse realmente foi um desafio, mas também foi uma alegria imensa, porque eu venci esse desafio, eu pensei em desistir várias vezes, mas eu não desisti.E a primeira montagem nós fizemos durante três anos, foram três montagens de New York, New York, com elencos diferentes, porque cada montagem a gente ficava um tempo em cartaz, aí tinha que, no ano seguinte, remontar. “Ah, fulano não pode, já está fazendo um musical tal.” Tinha mudança de elenco, e eu cuidando de toda a produção disso tudo.E aí, no primeiro ano, foi difícil.Pra mim foi o mais difícil.E tudo pra mim era muito novo, aquela grande produção, por mais que eu produzisse ópera. Assim, você tem um compromisso com contrato assinado de três meses com o teatro, como o Teatro Bradesco, que cobra caríssimo por dia.A responsabilidade de encher aquele teatro, se não, é um prejuízo que tem que vender a casa de todos os irmãos pra você pagar, porque é puxado. Entrar numa coisa de um espetáculo tão grande, você assume riscos grandes também, apesar de você ter uma lei te ajudando, não está tudo pago pela lei.Você tem um monte de coisas que você paga da bilheteria. Então, foi uma loucura, foi um aprendizado enorme e foi um desafio enorme fazer essa Carmen.Acho que o que mais me deu prazer em tudo, de todos os espetáculos que eu já fiz na vida, foi com a Marília, porque eu acho que foi o primeiro, foi a primeira grande experiência, aquilo tudo era muito novo pra mim.
P/1 – Como é que é acompanhar de perto esse processo de criação do ator? Fala um pouco sobre isso.
R – Ai, é genial, é genial, porque a hora que você vê todo o processo, que começa com uma simples leitura e ali o diretor começa a conduzir, você começa a fazer exercício cênico, você começa a ter um trabalho que estão te puxando aos poucos e você começa a te puxar, porque você vê o outro crescer.Você também, aquilo, você começa a mergulhar naquele universo. Você começa a viver aquilo que você está criando, aquilo que você está, aquele personagem que você está vivendo, você começa a viver aquilo no seu dia a dia.Então, você vai até escovar o dente, você vai escovar como a sua personagem.Você começa a fazer esses laboratórios na sua casa, você começa a brincar de ser a personagem 24 horas por dia.Isso pra mim foi, nossa, eu acho genial. Nesse último processo que eu tive, que foi com a Torloni, o Possi, ele teve que me desconstruir, aquela Ju, que eu tinha muito... Aquela Sharon, que era o nome da minha personagem, que eu fiz com a Marília, teve que desconstruir aquela Sharon e criar uma nova.Isso é difícil, você fazer duas vezes o mesmo espetáculo com concepções completamente diferentes. Quando eu fiz com a Marília, era de um jeito, eu tinha 20 anos a menos e, quando eu fui fazer o ano passado e retrasado com a direção do Possi e com a Torloni, eles exigiam de mim outras coisas, eles queriam outra Sharon.Então, o Possi foi desconstruir isso com os exercícios cênicos, que eu me lembro que eu terminava, eu terminei um no chão, chorando, tamanha foi a minha dificuldade de quebrar coisas internas minhas, porque a gente tem que quebrar coisas, mostrar coisas que a gente não quer.Nossas, né? O ator tem que entrar nesse processo.Então, às vezes, pra você entrar num processo, pra você crescer, você tem que ir lá no fundo – é um fundo que dói –
pra, depois, você conseguir sair e sorrir, pra aí você olhar e falar: “Nossa, olha o que eu construí.” Então, esse processo foi muito intenso, muito, muito intenso, daquele que você fala: “Não, chega, não vou fazer, não quero fazer, não estou feliz, não vou fazer, não quero mais.” Aí você começa a lembrar e fala: “Mas, espera aí, esse sonho foi meu, quem quis ir lá, comprar os direitos desse espetáculo fui eu. Eu vou desistir agora que eu consegui tudo, que eu já tenho agora o patrocínio, a atriz, o diretor, o elenco, o teatro, agora eu vou jogar isso pros ares?”Você chega nesse momento e depois que você estreia, que você começa a ver os elogios, os aplausos, vem o sorriso e a alegria de falar: “Ah, consegui, venci.”
P/1 – E, com algum desses atores, em algum momento, ou de ensaio ou na hora, no palco, aconteceu alguma coisa?
R – Teve um episódio com a Marília, deu um branco na Marília. Imagina, no meu primeiro espetáculo, a atriz principal tem um branco.Foi, gente, eu nunca vou me esquecer, numa noite em que o Silvio Santos estava lá assistindo, o teatro lotado.O Cultura tinha mil e tantos lugares, lotado. A Marília teve um branco, teve que parar o espetáculo, parou.Ela se acalmou, melhorou, mas ela foi pulando o texto do início ao fim. Eu nunca vou me esquecer da minha tensão, porque você tem que estar tão atenta, porque você vira um pouco mecânica, você já sabe, e de repente não.Ali era ao vivo mesmo, a gente estava e foi maravilhoso. Foi uma experiência única, porque depois ela nunca mais teve isso, e pra mim foi um crescimento.No dia seguinte, o meu corpo inteiro doía, porque foi tamanha tensão que eu acho que eu fiquei assim.E o meu corpo doía.Mas foi maravilhoso.
P/1 – Você tinha que ir acompanhando de acordo com a deixa dela.
R – Com a deixa dela.
P/1 – Então, você tinha que estar muito atenta.
R – Porque eu não podia fazer o texto como era, naturalmente, porque, senão, era uma conversa de maluco.Ninguém ia entender, porque ela falava uma coisa e eu ia responder o que estava no texto? Não, eu tinha que responder conforme o que ela falava.Então, isso foi genial, foi. Teve um episódio também, que foi no New York, New York, que o Fábio um dia me ligou, a gente estava superesgotado. É superestressante você estar como produtor.Ele era diretor musical, eu fazia a Carmen. Então, eu estava ali, eu estava com o elenco, e tudo o que o elenco precisava era em mim que todo mundo vinha. “Ai, Ju, não sei o que lá, eu preciso disso.” Eu vivia... Pra vocês terem noção, vocês não sabem, eu estava com a coisa do malhar, malhar, eu precisava, porque era onde eu extravasava, fazendo ginástica.E tinha dias que eu tinha que ir muito cedo pro teatro e já ficar até de noite. Eu falava: “Gente, como é que eu vou fazer? Onde é que eu vou malhar?” Uma vez, eu malhei correndo nos estacionamentos, eu ficava correndo, todo mundo falava: “Essa produtora é louca, ela fica correndo no estacionamento do shopping.” Mas era, eu precisava extravasar, de tanto estresse. E outra, uma vez, eles estavam, tinha um... Sabe demonstração de aparelho de ginástica? Eu falei para o moço: “Você não quer alguém que fique andando na sua esteira?” Subi e fiquei correndo na esteira (risos). Mas o episódio foi que o espetáculo estava acontecendo, e a gente tinha uns carros que imitavam a cidade de Nova York, que eram com rodinhas e que os maquinistas puxavam. E um dos atores, o pé dele ficou, a roda passou em cima, ele saiu com o pé supermachucado, não tinha condições de ele voltar pra entrar em cena e ele fazia vários personagens. Eu, de Carmen Miranda na coxia, catei o telefone.AMaestrini saiu, falou: “Ju, quem vai fazer? Quem vai fazer a cena do bar? Quem vai fazer o dono do bar?” Catei o telefone, liguei pro Fábio, que estava lá, estava vendo o borderô na bilheteria, eu falei: “Vem já pra cá entrar em cena, que você tem que fazer o bar.” “Hã?” Ele não tinha visto o que tinha acontecido, ele não sabia que o menino tinha se machucado, nada.Eu falei: “Vem já pra cá, vem já pra coxia, que você vai entrar em cena.” Por sorte, ele tinha feito a adaptação do texto, então, ele sabia o texto de cor, e era um personagem que não tinha canto. Gente, ele entrou e fez.Eu me lembro de todo mundo com as mãos dadas na coxia, assim: “Ele vai conseguir, vai conseguir, vai dar tudo certo.” Porque, imagina, você tem que parar o espetáculo.E deu tudo certo.Depois ele continuou fazendo e ele virou, quase virou um ator, se divertiu.
P/1 – Vocês tiveram filhos?
R – Não, não, só quatro patas (risos).
P/1 – Hoje em dia você tem um cachorro?
R – Eu tenho.
P/1 – É o do teu sobrinho?
R – Não, eu tenho a minha, que chama Maria Callas, que é a minha chihuahua, que, aliás, ela vai em todos, ela fica em coxia de espetáculo, todo mundo cuida dela.Imagina, a Torloni falava: “Cadê a MC?” A MC tinha que ir em toda sessão.Ela ficava, ficava bonitinha, a camareira cuidava dela. MC é a minha sombra, é uma chihuahua e tem oito anos. Quer dizer, o nome dela, Maria Callas, é antigo.Quer dizer, Maria Callas sempre foi a minha inspiração no canto lírico, sempre foi.A história de vida dela, de luta, de emagrecer. Ela foi uma cantora muito gorda que emagreceu muito, virou uma sex symbol quase, né?Ela virou uma mulher linda, chiquérrima, elegantérrima. ECallas tinha um sorriso lindo, tinha.Então, sempre fez parte da minha vida.
P/2 – Tentando entender essa questão da sensação artística, desde criança até hoje...É uma pergunta que talvez ela já fez, mas tem alguma sensação do palco que você já sentia quando criança e hoje você sente? Quando você está lá em cima, você se lembra de você criança, olhando para o público talvez, ou mesmo realmente a sensação de estar ali, do que você gosta, do que você ama, que você descobriu tão cedo?Tem alguma sensação que é muito familiar e liga alguma coisa na sua memória quando você a sente no palco?
R – Tenho sempre uma adrenalina enorme.E eu tenho que ter um ritual em dias de espetáculo ou em dia de apresentação.Eu tenho que sempre ter um ritual, se eu não sigo esse ritual, parece que as coisas não... Meu medo de não dar certo é enorme. É muito engraçado isso, e a adrenalina e as mãos frias, eu tenho sempre mãos e pés frios, ficam gelados de nervoso, coração bombando. E a hora que eu subo no palco, a respiração, a reza, São Miguel Arcanjo sempre, sempre oração, sempre muita fé. Eu acho que a gente tem que se proteger, nesse sentido de estar... Tem sempre algo maior em volta da gente, e de que eu estou ali pra emocionar, pra cantar, pra alegrar as pessoas que estiverem me assistindo. Então, eu tenho sempre essas coisas, que é um ritual que eu faço sempre antes de entrar em cena. E rezar pra mim é uma coisa muito importante.
P/1 – Como é que começou esse interesse da Colgate com vocês, o patrocínio?
R – Então, a Colgate, foi engraçado. Um dia, eu estava em Florianópolise eu estava com a minha cunhada. Não, com o meu cunhado, com a minha irmã, com as crianças. E a gente encontrou um amigo de infância, com a mulher, com os filhos, ele falou: “Pô, gente, vem aqui, vem num churrasco, vamos reunir. Vamos, há tantos anos a gente não se vê” – que era o Rick, o Ricardo, que nesse dia ele contou que trabalhava na Colgate. Eu falei: “Nossa, eu estou correndo atrás de patrocínio, fiz em 2011 o espetáculo com patrocínio do Bradesco, estou indo atrás.” Ele falou: “Pô, eu sei que a Colgate investiu alguma coisa, mas não sou eu que cuido disso. Eu vou, posso te passar o contato de quem cuida pra você tentar marcar uma reunião e eu dou um toque na pessoa.” Então, foi assim. E aí eu voltei, eu lembro que eu estava com o e-mail errado, eu fiquei uns dois, três meses pra conseguir falar. Quando finalmente eu consegui agendar uma reunião, um dia antes, eu fui numa... Me chamaram pra uma palestra dessas de vendedor, de você conseguir convencer.
P/1 – Captação de recursos?
R – Não, de você convencer a pessoa sobre o seu produto. Na verdade, não tinha nada a ver comigo, mas me falaram tanto e me convidaram, que eu fui lá. Eu saí daquilofalando: “Gente, espera aí, eu vou usar isso para o meu musical, é um produto que eu amo, eu já sei que deu certo, a gente já fez uma temporada, é um sucesso, estou indo numa empresa.” Nessa noite, eu comecei a linkar tudo o que tinha a ver a Colgate com o musical New York, New York, que foi.A Colgate acho que começou lá, então, a sede que tem é em Nova York.A gente podia colocar uma coisa no par romântico, que quem fazia era o Juan Alba e a Maestrini.Tinha um momento que cabia uma frase: “Ah, me dá teu sorriso Colgate. Cadê teu sorriso Colgate?”, que virou, acabou virando uma frase da peça.Então, dava pra colocar. A gente tinha muita projeção.Nas projeções dava pra colocar aquele prédio com aquele logo antigo da Colgate passando, porque eles andavam cantando por Nova York, dava pra... Então, tinha toda essa coisa de tudo o que eu vivi um dia antes, eu tinha. Eu sentei ali naquela reunião, eu me senti tão forte, e foi uma reunião com a Paula. E, quando eu mostrei, ela falou: “Olha, eu preciso apresentar pra um monte de gente, tal e tal.” E conseguimos fechar essa parceria.Aí começou uma parceria superbacana porque eles começaram... Quando a gente estreou, eu nunca vou me esquecer, a Paula olhou pra minha cara e falou: “Como é que vocês fizeram tudo isso com tão pouco dinheiro?” Eu nunca vou me esquecer dessa frase dela, porque é tão engraçado, porque o espetáculo era enorme. Eram orquestra, coral, tinha 90 pessoas envolvidas. E eu falei: “Vem ver, vem ver os bastidores, vem conhecer como é que é aqui atrás, como é que é esse nosso universo, deixa eu te explicar tudo.” E eu comecei a explicar pra Paula e pra mais gente da Colgate.Aí eles começaram a se apaixonar por tudo aquilo. Depois, a gente foi pra lá dando uma palestra pra falar sobre o universo por trás das cortinas.Eu fiz um vídeo onde eu ando pelo teatro inteiro.Eu começo na porta do teatro mesmo, mostrando desde cartaz, vou entrando, mostro tudo, mostro a bilheteria, mostro.Aí eu entro pela cortina e falo: “Agora a gente vai entrar lá atrás e ver como é que são os camarins, como é que funciona aqui, tudo aqui atrás, todas as pessoas que estão envolvidas, como é que o cenário entra, como é que o cenário sai, como são feitas as trocas de figurinos, quantos figurinos cada ator tem.” A gente começou, e foi uma parceria de muito sucesso.No ano seguinte a gente fez de novo o New York, só que foi uma turnê, e um dos grandes clientes deles que pediu o espetáculo, que foi um evento que a Colgate fez pequeno, deles, que era para o lançamento de algum produto.Eles quiseram fazer com o espetáculo. Teve o espetáculo e depois teve um jantar. E nisso o Martins, da Martins Distribuidora, Seu Alair olhou e falou: “Eu quero levar esse espetáculo pra Uberlândia, eu estou restaurando um teatro lá – que era um teatro com o projeto do Niemeyer – e eu quero fazer esse espetáculo.” E a gente, no ano seguinte, a gente voltou, fez.Aí, a gente fez em Uberlândia, fizemos uma turnê, e a Colgate sempre é a nossa parceira. Então, no Master Class, eles também foram nossos parceiros.Tem uma parceria de sucesso, porque New York foi incrível, eles amaram, eles distribuíram muitos ingressos pra funcionário, pra cliente.A marca, né?A gente, eu sempre tive muito carinho em colocar a marca da Colgate sempre de uma forma muito em destaque nos espetáculos. Então, foi uma parceria que perdura. Eles têm confiança na gente, nos espetáculos que a gente monta, é muito bom.
P/1 – Como é que era antes de ter o patrocínio e depois? Que diferença você sente depois do aporte?
R – Ah, acabei virando amiga. Eu comecei, porque eram várias reuniões na Colgate, aí começa, entra. Depois, como toda a turma da Colgate que ia eles faziam esse tour pelos bastidores, eu comecei a conhecer todo mundo.Fui dar palestra. Acabou virando, acabaram virando amigos, né? E aconteceu, por exemplo, nesse ano, me ligou uma pessoa, que um amigo meu me indicou pra cantar no aniversário de 80 anos da mãe dela.E aí, um jantar pra 40 pessoas, uma coisa superpequena, eu não conhecia essa cliente.E,na hora que eu cheguei lá pra cantar, eu vejo a Adriana da Colgate, que é do marketing, que hoje em dia está morando... Onde que a Adriana está morando? É no México? Eu não sei, mas não é no Brasil. E eu olhei, ela olhou pra mim, falou: “Ju, você que vai cantar no aniversário da minha mãe?” Eu falei: “Não, eu não acredito, que coincidência.” E é uma pessoa que é uma das, a Adriana Leite, que é uma das chefonas do marketing da Colgate.Então, coincidências, coisas engraçadas. E, no fim, a festa da mãe dela foi maravilhosa, a família inteira cantou. E hoje são amigos.APati encontrei, estava no Guarujá, a gente se encontrou, passamos o réveillon juntas.A Paula ficou super minha amiga.Então, virou uma grande família.
P/1 – Uma sensação desse momento, quando você ficou sabendo que o patrocínio saiu, do primeiro espetáculo, você se lembra da sua reação?
R – Nossa! O da Colgate ou do Bradesco?
P/1 – Sim.
R – Da Colgate? Nossa, foi uma conquista, porque não é fácil.Eu acho que todo mundo que lida com lei sabe que sei lá quantos dos projetos morrem na gaveta.E foi uma conquista minha, né? Eu vibrei, vibrei de poder ter a oportunidade de montar aquele espetáculo de novo. E, aí, numa nova montagem, você pode corrigir erros do passado.Isso foi uma oportunidade única, e quando eu vi o pessoal da Colgate lá amando e se divertindo, adorando, feliz da vida com o espetáculo, foi a maior realização, ainda mais ouvir de uma diretora que: “Nossa, mas vocês conseguiram fazer só com aquilo de dinheiro?” Então, isso não tem preço.
P/1 – Olhando hoje pra sua trajetória de vida, você mudaria algo?
R – Tem um monte de coisas que eu devia ter feito, não fiz, que eu queria ter feito e não fiz, mas a gente tem que ser um pouco iogue nessa hora.Esquece o passado e vamos pensar no hoje, o que eu posso fazer daqui pra frente. Então,teve coisas, por exemplo, no ano passado, quando, um pouco antes de terminar o Master Class, quer dizer, bem antes, quando a gente estava, durante a temporada, eu falei: “Eu quero trabalhar de novo, eu quero voltar a estudar o meu lado atriz, eu quero pegar algum, estudar.” Eu fui conversar com a Lígia, a filha da Célia Helena, que é a dona da escola, que me conhecia desde menina.Eu falei: “Lígia, eu quero voltar a estudar.” Ela falou: “Ju, mas com tudo o que você já fez, com as pessoas que você já trabalhou, você quer voltar? Você sabe que é molecada.” Eu falei: “Mas eu quero.” Não estou, pra mim, eu quero, eu quero estar, eu quero trabalhar meu corpo melhor, eu quero trabalhar meu lado de comediante, eu quero trabalhar junto com a música.Aí eu fui fazer uma pós-graduação em Interpretação para Teatro Musical, que eu acabei agora, eu acabei nesse ano, com uma peça dirigida pela Neyde Veneziano, que foi uma comédia engraçadíssima.E a gente se divertiu, e eu amei ter feito, amei. E nisso eu também fui estudar um outro estilo de voz, que é o belting, que é a voz de teatro musical.Eu me formei nisso com o Maestro Marconi, que foi a pessoa que trouxe, que desenvolveu o belting para o cantor brasileiro.Obelting é a técnica de música pop, de música de teatro musical.É um nome que foi dado.E ele desenvolveu o belting contemporâneo, e eu me formei pra dar aula. Então, agora, um desafio que eu quero ter, junto com as produções, junto com conseguir realizar, tem três projetos que a gente está, que eu estou atrás, que é a turnê do Master Class, que a gente quer realizar, o PatatiPatatá:oMusical – a gente está com os direitos e escreveu uma linda história, divertida, em que o PatatiPatatá vão salvar uma cidade, que a bruxa má, enfim... –, e a gente comprou os direitos do texto do O Bem-Amado pra fazer musical.Aí, as músicas serão todas de compositores conhecidos, músicas de Toquinho, Vinicius, Chico. Então, a gente está com esses três projetos pra realizar, mas, junto disso, eu estou pensando nessa questão de dar aula.Eu quero passar um pouco de tudo o que eu já vivi, tudo o que eu já aprendi, tudo o que eu conheço pra outras pessoas.Então, uma vontade que eu estou e um desafio que não é fácil, mas que eu estou querendo seguir também esse caminho de começar a passar um pouco da minha experiência pra outras pessoas.
P/1 – Vamos falar mais desse lado comediante. E aí? Você não falou muito disso até agora.
R – Ah, mas é que isso é, na verdade, é uma coisa que começou a vir, porque, como a vida inteira eu fiquei muito na ópera, fazendo tudo muito trágico, a comediante começou depois da Carmen, depois de fazer a Carmen Miranda, de trabalhar ali com uma Alessandra Maestrini, que é uma comediante de primeira – a que fazia o Pato Branco lá no Toma Lá, Dá Cá. Então, você começa a olhar aquele timing, aquela coisa gostosa, e, mesmo quando a gente fez Master Class, essa montagem, uma das coisas que eu falei muito com o Possi e com a Chris, eu falei: “Gente, a gente não pode deixar virar um dramalhão.” Porque ele tem que ter os momentos de drama, é óbvio, porque tem a hora que ela fala de dores, a Callas está falando de dores dela, mas a Callas lidando com os alunos tem que ser uma coisa divertida, tem que ser leve, as pessoas têm que se divertir com isso. E aí começou, essa comediante em mim começou a aflorar bastante.Então, as pessoas iam assistir, falavam: “Ju, você é uma mega comediante, você é muito engraçada.” E eu comecei, eu falava: “Gente, será que eu quero?” Por isso que eu também, quando eu fui, voltei pra fazer uma pós-graduação, eu quis trabalhar esse lado da comédia. Foi a primeira coisa que eu falei pra Lígia. Eu falei: “Lígia, eu quero trabalhar o meu lado da comédia.” É um timing difícil, e eu, espontaneamente, eu sou engraçada.Se eu estou numa roda com os amigos, eu sou.E o meu timing é rápido, eu sou aquela que, imagina, eu falo rápido as coisas e tenho sacadas rápidas.Mas claro que é completamente diferente da hora em que você está em cena, porque ali você tem um texto e você tem que...
P/1 – Tem alguma história muito engraçada que aconteceu com você?
R – Ai, meu Deus, nossa.
P/1 – Que você gosta de contar.
R – Nossa, tem um monte, mas o problema é lembrar, porque a memória vai indo embora. Bom, quando eu estava com o Fábio, a gente começou, teve aquela fase romance ainda, os dois, e ele me convidou pra jantar.Eu lembro que eu estava mais gordinha, eu estava com o pé meio inchado, eu falei: “Ai, eu vou ter que pegar o sapato da minha mãe.” Minha mãe tinha um sapato idêntico ao meu.Fui lá e peguei o dela e fui jantar toda de salto.Eu lembro que era um sapato azul, toda de azul, toda bonita, não sei o que lá. Aí a gente sentou pra jantar e tomou uma garrafa de vinho.Ele começou a pedir a segunda, eu já estava “tralalá”, “nãnãnã”.Na hora do café, eu sinto ele puxando o sapato do meu pé.Eu falei: “Onde ele vai com o sapato? Pelo amor de Deus, onde ele vai com esse sapato?” Ele segurou no salto, ele pegou o cafezinho, ele virou dentro do sapato e começou a tomar o café no meu sapato. E eu só pensando: “Se a minha mãe estiver com chulé, o sapato com chulé da minha mãe, ele está tomando café...Ai, meu Deus do céu!” Gente, eu dou risada até hoje.A gente lembra dessa história, mas a gente chora de rir, que eu falo: “A primeira vez que você tomou café num sapato foi num sapato da sogra (risos), não foi no meu.” Essa história a gente conta até hoje.
P/1 – É muito boa (risos), muito boa.
R – Ai, meu Deus.
P/1 – Quando você não está cantando, produzindo, que coisas você gosta de fazer?
R – Viajar, amo viajar.Nossa, amo.Me fala: “Arruma a mala que a gente está indo pra não sei onde.” Mas viajar, hoje em dia, já viajei bastante em esquema mais... Hoje em dia, eu sou mais chata.Hoje em dia, eu gosto de programar uma viagem. Então, se vou pra Londres ficar uma semana, tem toda uma... Tem o gostoso de organizar a viagem, adoro. E, no dia a dia, eu estudo piano, sento no piano, falo: “Ai, eu quero tocar aquela música.” Eu vou lá, eu cato nota, de vez em quando eu faço aula, mas o piano sempre foi um desafio pra mim.Então, eu gosto de sentar, fico horas, é uma terapia. O esporte, eu tenho uma bike de spinning no meu quarto, que eu amo.Eu parei a academia em fevereiro, março, porque eu falei: “Gente, eu não estou indo, estou pagando, gastando.” Eu falei: “Você quer saber? Eu gosto de estar na minha casa, eu gosto de estar com os cachorros, eu amo pedalar, que é um dos esportes que eu mais gosto e ioga também.E são coisas que eu posso fazer sozinha, que eu não preciso ter alguém.”E o piano, que é uma paixão também.E ir ao teatro. No mínimo uma vez por semana eu vou ao teatro.
P/1 – Você costuma ir com amigos, ir viajar com amigos?
R – Sim, sim.Hoje em dia, com amigos ou sozinha, se bem que, por exemplo, para o Líbano agora, eu fui convidada pra cantar, mas eu aproveitei pra conhecer e viajar.E a minha irmã quis ir junto, então, foi uma viagem das irmãs, que foi maravilhosa, foi incrível.Uma experiência incrível estar com a minha irmã. Ela está casada há 14, e eu fiquei casada, eu casei em 2001.Quer dizer, a gente tinha viajado juntas, mas sempre com marido, filho e cachorro, papagaio, periquito.E aí, pela primeira vez, a gente estava viajando nós duas, pra um país que...
P/1 – E vocês se divertiram juntas?
R – Mas muito.A gente dava tanta risada, porque eu comecei a descobrir que, pra eles me entenderem, o inglês tradicional, meu inglês com sotaque bonitinho, eles não entendiam. Então, eu tinha que falar o inglês com sotaque árabe, e a Luciana chorava de rir a cada vez que eu perguntava: “Whereisthepharmacy, please? Pharmacy.” Eu falava com um sotaque, gente (risos). A gente se divertiu, demos muita risada.
P/1 – E você conheceu um tio, né?
R – Conheci um tio que eu descobri, na verdade, aqui. Eu cantei num congresso, eu cantei o Hino Nacional Libanês e o Hino Nacional Brasileiro e a Aquarela do Brasil num congresso de cirurgia plástica aqui no Brasil, que um médico que é brasileiro de origem libanesa montou e chamou libaneses do mundo inteiro, grandes nomes da cirurgia plástica que são libaneses, pra falarem, pra darem o seu depoimento. E nisso teve um jantar, e o Fábio Nahas, que foi o que organizou, ele virou e falou: “Ju, como é o sobrenome da sua mãe mesmo?” Eu falei: “Sawaya.” Ele me catou pela mão e falou: “Vem cá, tem um primo seu do Líbano.” Eu falei: “Ai, Fábio!” Bom, um menino chamado Elias Sawaya, um cirurgião que mora em Bordeaux.Ele mora na França, nasceu na cidade da família da minha mãe, no Líbano, e o pai dele ainda mora, os pais deles moram lá, uma irmã ainda mora.Mas ele, na época da guerra, em 1990, o pai mandou os filhos pra estudarem na França, e ele acabou ficando lá e se formou e hoje está morando em Bordeaux. Mas é da minha família, porque toda a família Sawaya veio dessa mesma cidade.A gente não conseguiu descobrir o parentesco, de quem que vem, de onde vem, mas eu fui visitar esse tio lá, porque isso tudo aconteceu, eu ainda estava no Brasil.Aí eu marquei todo o encontro.A gente foi lá pra cidade encontrar com ele, foi muito legal, e ele é parecido com a família da minha mãe.Eu achei tão engraçado.
P/1 – Como foi esse resgate da sua cultura, das suas origens?
R – Você começa a entender um monte de coisa, porque a avó fazia assim, o avô, aquele jeito, aquela coisa, nome.Porque é tradição mesmo, é cultural, é uma questão cultural aquele exagero. As pessoas falam que os árabes são exagerados, é cultural mesmo. Você senta, tinha restaurante em que eu falava: “Lu, vamos dividir?” Porque os pratos são enormes, é tudo muito.Aquela receptividade, você está passando na frente da casa de uma pessoa, ela nunca te viu na vida, ela te convida pra tomar café e vai te fazer um café árabe. Então, tem essa gentileza, que eu comecei a entender porque os meus pais eram daquele jeito, porque que a casa tinha que estar cheia.Porque os meus pais foram criados também com casa cheia, levando os amigos deles.Então, eles passaram isso pra gente, e eu vejo que a gente é igual. Eu adoro receber, a Lu, minha irmã, adora receber.A gente tem, a gente puxou, a gente vem das raízes.Aí fui visitar os cedros, eu falava: “Lu, olha as nossas raízes aqui nesses cedros de três mil anos.” Maravilhoso.
P/1 – Legal que agora você aprendeua fazer homus, né?
R – Nossa, a minha coalhada, daqui a pouco eu vou começar a fazer pra vender, né? (risos)
P/1 – Quais são seus sonhos?
R – Meu sonho é ver o mundo com paz, um mundo menos agressivo, o ser humano pensando mais no outro, que eu acho que isso a gente perdeu muito.Isso é uma coisa que me dói demais, ver o que a gente está virando. As pessoas estão esquecendo umas das outras e esquecendo os valores, o que a gente veio fazer no mundo mesmo. E queria ver o nosso Brasil crescer, acabar com essa corrupção toda.São sonhos mesmo, que a gente quer ver, deixar um país melhor para as crianças que vêm por aí, com muito menos desigualdade social. Tentar que o ser humano seja mais amor no mundo. Esse é o meu sonho: mais amor mesmo, mais espiritualidade, menos depressão, menos angústia, mais alegria, mais felicidade, mais sorrisos.
P/1 – E um sonho teu, pra tua vida?
R – Que eu encare todas as dificuldades com muita força, que eu tenha...O meu sonho é ter fé até o fim, em tudo, e conquistar, conseguir realizar os espetáculos que eu quero realizar ainda, as coisas que eu tenho pela frente.Formar muitos cantores.Esse é o meu sonho.
P/1 – O que te dá mais prazer na vida?
R – Mais prazer? A hora em que eu estou em cima do palco cantando. E cantando bem, claro, porque, se eu estou cantando mal, eu estou ali querendo me matar.Mas na hora em que estou com a voz bonita, que eu me sinto cantando bem, que eu vejo as pessoas emocionadas, que eu vejo lágrimas nos olhos ou sorrisos, eu falo: “Essa é a minha missão, eu estou cumprindo ela.” Esse é meu dever cumprido.Quando eu sinto que eu realmente estou cumprindo a minha missão é quando eu estou em contato com a minha arte, ou fazendo bem pras pessoas.
P/1 – O que a tua mãe e teu pai, tua mãe sente quando ela te vê no palco?O que ela fala pra você?
R – Eles amam.Eles são... Master Class eu acho que eles viram a primeira montagem umas 20, essa outra mais umas 20, o New York umas 30.Eles vão, são super, têm o maior orgulho.Quando eu falo que eu vou cantar não sei onde, é um orgulho.Nossa, amam.
P/1 – Teus irmãos também foram pra área artística ou não?
R – Não.
P/1 – Eles fazem o quê?
R – Um é psicólogo.A Chris, que era a mais velha, era estilista de alta costura e prêt-à-porter.A Lu trabalha com moda, a Lu é a que toca, junto com a tia Claudete, a loja da minha mãe.A Lu foi pra moda, e eu que fui pra arte.
P/1 – Como foi contar a sua história aqui para o Museu da Pessoa?
R – Ah, uma delícia, é um resgate. Ontem, eu estava na minha terapia e eu contei pra minha terapeuta. Eu falei: “Nossa, eu vou ter uma experiência diferente amanhã.” Aí eu contei, inclusive, entrei no site de vocês, mostrei pra ela, ela falou: “Ju, que coisa bacana, olha como sua vida está te levando para o resgate.” O resgate do Líbano, todo esse resgate da cultura da minha família. Eu acho que nada é por acaso. Era pra eu fazer esse resgate da minha infância e é lindo. É lindo a gente olhar pra trás e ver o que a gente construiu e o que a gente também não conseguiu fazer e não se culpar daquilo que a gente não fez. Então, seguir pra frente, né? É maravilhoso, uma experiência linda, gente. Agradeço de coração.
P/1 – Nós que agradecemos. Obrigada, foi ótimo.
R – Imagina, eu que agradeço.Que delícia.Agora vocês vão se divertir lá com as fotos.Recolher