TRANSCRIÇÃO MUSEU DA PESSOA
Depoimento de José Gerson de Moura
Entrevistado por Denise Nacht Cooke e Lara Nacht,
São Paulo, 26 de junho de 2017.
Entrevista número PCSH_HV597
P1: Está tudo bem?
R: Está tudo bem.
P1: Vamos lá. Onde o senhor nasceu?
R: É, primeiramente bom dia.
P1: Bom dia, seja bem-vindo.
R: O prazer é todo meu por estar aqui falando um pouquinho da minha história, e vamos lá, pode perguntar que eu vou responder.
P1: Então conta para a gente onde o senhor nasceu?
R: Eu nasci numa cidadezinha do interior do Sergipe, com nome Carrapicho, hoje depois de 40 anos passou a ser cidade, que chama Santana de São Francisco, e nos anos 70 eu vim pra SP, porque eu perdi minha mãe muito cedo, fui criado pelos meus avós porque o meu pai na época veio embora pra SP e
eu tinha 2 meses de idade e aí fui criado pelos meus avós e nessa época um irmão mais velho veio pra SP e mandou me buscar porque não tinha mais ninguém lá pra ficar comigo porque meus avós estavam muito velhinhos, já né?
P1: E o que seus avós faziam?
R: Meus avós trabalhavam na roça, né? Eles trabalhavam plantando mandioca, milho, as coisas boas que nós temos lá, e me dava o sustento como eles podiam. Meu irmão aqui em SP mandava um dinheirinho também porque assim que minha mãe morreu meu irmão começou a mandar um dinheirinho para lá, para ajudar os velhinhos, né? Porque precisava.
P1: Vocês eram em quantos irmãos?
R: nós, somos eu e meu irmão só.
P1: Certo.
R: Por parte de pai e mãe, meu irmão mais velho veio para cá e mandou me buscar nos anos 70, e aí eu vim para cá, achando que SP assim, na minha cabeça, seria o Estados Unidos, porque, assim, uma coisa impossível, SP era uma coisa muito impossível de um dia chegar aqui porque a situação nossa lá não era uma situação ruim não, era uma situação boa, porque quando a gente tem o que comer, entendeu? Nem tudo depende de dinheiro, então a gente vivia uma vida igual um passarinho, era muito bom, mas aquela ilusão de vir pra SP, já que meu irmão já estava aqui eu vim para cá.
P: mas como a foi a sua infância lá? O que o senhor lembra da sua infância?
R: Ótima! Sabe aquela pessoa que levanta de manhã e não está preocupada com nada, e vai andar, brincar, eu não tinha medo de violência porque lá não existia violência, hoje já existe, mas naquela época não existia, era muito difícil uma violência lá. A não ser um bêbado que caiu lá e se machucou, então eu tinha muitos amigos, jogava muita bola, então, a minha vida no Nordeste foi uma vida muito boa. Por exemplo até quando eu vim para cá nos anos 70, eu cheguei em SP, vim com meu avô, por parte de meu pai. Meu avô já tinha vindo algumas vezes aqui, e eu vim com ele, meu irmão mandou um dinheiro para me trazer para cá. Eu vim com meu avô, vou pra SP, e chegando aqui em SP eu vi prédios, para mim aquilo ali era uma coisa de outro mundo, porque eu morava numa casa de pau a pique, aquela casa feita de parede de barro, coberta de palha, então era totalmente diferente, chegando em SP na rodoviária eu falei: “ Nossa senhora! ” E eu muito ali assustado com tudo aquilo, e eu achava que eu ia morar naqueles prédios, porque eu vim para SP. Chegando em SP, pegamos outro ônibus, aí eu falei para o meu avô, eu tinha 16 anos, não sabia nada, “ meu avô: mas nós vamos para onde? Nós não estamos em SP? Sim, mas nós vamos para o bairro! ”
Bairro? O que é bairro? Bairro para mim é o que eu brincava no Nordeste, fazia casinha essa brincadeira, e ele falou: bairro aqui em SP é o que não fica no centro. E pegamos o ônibus e viemos embora.
E aí, chegando ali no 9 de julho tem um túnel, quando o ônibus entrou ali, eu entrei em pânico, achei que ia morrer embaixo da terra, porque é escuro, eu nunca tinha visto aquilo, me agarrei no meu avô, e até o ônibus sair do outro lado. E o ônibus veio embora, essa história é bacana, e eu ali, passando os prédios, eu falei: “ meu avô, peraí, a gente está voltando de novo para o nordeste? Porque não chega nunca? Calma que nós vamos chegar! Seu pai mora longe, seu irmão mora longe. ” Está bom.
Resumindo, passou todos os prédios, todas as bonitezas que eu vi, que eu tinha aquela fantasia. Começamos a entrar nos bairros de SP, favelas, porque o ônibus passa por dentro de tudo, e aí passou as favelas e nós fomos longe, e começou a aparecer os matos. E eu falei: peraí, vou morar na roça? Que SP é esse? E meu avô: ”. Calma que nós estamos chegando. ” E 2 ou 3 horas dentro do ônibus, porque naquela época era muito ruim. Chegando lá, chegamos no bairro, descemos do ônibus lá, ele me levou até um barranco, lá embaixo, ele me mostrou uma casa com um quintal cheio de milho, em frente da casa, mato demais. E falou: “ olha, seu pai mora lá! ” E eu falei: mas peraí, aqui é roça! Não é SP! E ele falou: “Não, aqui é SP, faz parte de SP! ” E como vamos chegar lá embaixo? Vamos descer aqui. Olha, lembro como hoje, para a gente chegar na casa do meu pai nós tínhamos que dar uma volta muito grande, a pé, até lá embaixo para depois voltar, então, para cortar caminho, tinha uma ribanceira muito grande, feito uns degraus de barro, muito longo o negócio, e ele falou: “ tira o chinelo”, porque eu vim de chinelo de dedo, havaianas, eu não tinha tênis, não existia isso lá para mim, “ você tira esse chinelo aí e vamos descer isso aqui. ”
Mas isso não dá para descer, cheio de barro, nós vamos cair lá embaixo, e ele: “ Não, nós vamos descer! ”. Aí descemos, eu desci com ele, e chegando lá na minha casa, na casa do meu pai, roça de milho, eu falei nossa senhora, que loucura! Aí começou a me bater uma tristeza, porque não era aquela imagem que eu vi lá, aquela cidade, os prédios e tal, eu falei não, para eu morar aqui, eu prefiro o nordeste! Mas aí cheguei em casa, conheci minha madrasta, que nunca tinha visto ela, a segunda mulher do meu pai, eu olhei assim para os meus irmãos, os 3 ou 4 irmãos que tinha, olhei, achei estranho, tudo diferente, em uma situação muito ruim, porque eles moravam muito mal, porque meu pai, como vou falar do meu pai? Meu pai era uma pessoa boa, mas era uma pessoa muito sem responsabilidade, porque eu fui criado por meus avós com jeito muito diferente, e aí eu cheguei em casa e meu pai não estava. Eu perguntei: cadê meu pai? Aí minha madrasta falou: “ Seu pai está no bar. ” E mandou um de meus irmãos chamar meu pai. E aí, foi um irmão mais velho lá, da família, da segunda família chamar meu pai, e meu pai chegou. Mas aí quem pôs ele pra dentro foi meu irmão, segurando ele pra ele não cair, porque ele bebia muito, era alcoólatra. Meu pai era aquela pessoa que tomava cachaça e quebrava o copo no dente. Falei nossa senhora, a imagem do meu pai era outra. O que eu vim fazer aqui? Resumindo tudo isso, eu esperei meu irmão chegar, porque ai eu já estava querendo ir embora, já estava querendo voltar.
P1: Seu irmão que...?
R: Que já estava aqui.
P1: Certo.
R: Meu irmão morava no quartinho do lado de fora da casa, meu pai era pedreiro e ele fez um quartinho do lado de fora para o meu irmão. Meu irmão era empregado, meu irmão trabalhava na Catterpillar, ele já estava bem, por isso que ele mandava um dinheiro para minha avó, pra ajudar no que eles precisavam. E aí, meu irmão chegou, eu fui conversar com meu irmão, foi aquela alegria porque fazia 10 anos sem ver meu irmão, e via ele por foto, essas fotos desses binoclinhos, porque essas fotos não existiam, então foi uma alegria, em ver meu irmão eu esqueci um pouco de querer voltar, porque meu irmão me acolheu muito bem, e aí chegou a noite eu falei: vou dormir aonde? Porque se você dorme nesse quartinho que só tem uma cama? Ele falou: “ você vai dormir na casa do meu pai. ” E eu falei, mas eu vou dormir lá em que lugar porque um monte de criança, não vi cama para mim lá, mas eles deram um jeito para mim dormir lá, muito mal, muito mal. E meu avô, ele ficava 15 dias aqui e ia embora, ele não ficava aqui, ia e voltava, parecia um turista, entendeu? Meu avô falava muito pouco. E eu falei com meu irmão: não dá para eu voltar com meu avô? Ele falou: “ Não, você não vai voltar para lá não, você vai ficar com a gente! Mandei buscar você para você ter uma vida aqui, entendeu? ” Falei: mais aqui é muito ruim, um frio, mas um frio que naquela [época rachava a boca toda, eu falava nossa senhora, eu queria ir embora de volta. E aí, eu com apoio do meu irmão, com meu pai eu esqueci dele um pouco porque a imagem do meu pai me fez mal, eu não achava que meu pai era daquele jeito, era muita briga em casa com minha madrasta, era uma confusão danada, era uma coisa muito ruim.
P1: E a sua madrasta, era bacana? Como ela tratava o senhor?
R: Minha madrasta era uma coitada. Sabe aquela mulher que aguenta tudo porque não tem outro jeito? Naquela época, hoje em dia não, as mulheres hoje em dia se vai com o marido numa loja e ela quer comprar uma calça e ele falou não quero comprar outra e se for contra, termina o casamento, acaba ali. Porque hoje a mulher não depende de homem, hoje mudou tudo, naquela época não, a mulher aguentava muita coisa, e hoje não a mulher não aguenta isso, hoje a mulher está acima de muita coisa. E a minha madrasta sofria muito com meu pai, ele batia muito nela, então eu via aquelas cenas e era uma coisa muito ruim para mim, bom resumindo, eu fiquei, fui indo fui indo, meu pai ele tinha os problemas da bebida, mas ele era uma pessoa muito boa sabe? Trabalhava muito ele, e ele como pedreiro, eu fiz 17 anos, estava com 16 anos, eu não podia trabalhar naquela época porque era aquela época que eu estava perto do exército, eu não podia trabalhar, porque eu não podia registrar a carteira, eu com 17 anos.
P1: O senhor fez exército?
R: Não, na época do exército você não podia trabalhar fichado, porque naquela época não podia trabalhar com 17 anos porque você tinha que se alistar e essas coisas todas aí, você vai servir o exército, e se você está trabalhando seria complicado, então naquela época você não podia estar trabalhando. Eu comecei a trabalhar com meu pai em construção civil, sabe? Meu pai era pedreiro e me levava, ganhando uma graninha, um dinheirinho, para ajudar ele porque a situação dentro de casa era muito ruim, entendeu? Meus irmãos lá, tudo molecada, e eu comecei a trabalhar com meu pai, e com esse dinheiro do meu pai eu comecei a dar dinheiro para o meu avô. Eu dividia o pouquinho que eu ganhava, salário mínimo, mas eu tirava um pouquinho para mandar para o meu avô. Para ajudar meu avô. Eu comecei a fazer aquela função que o meu irmão parou de fazer, que ele fazia antes. E fui indo com ele, fui indo, fiz 18 anos, aí já estava há um tempinho aqui, já estava há uns 3 anos aqui, fiz 18 anos, e eu fu trabalhar numa empresa, foi a primeira empresa que eu trabalhei chamada OELSTON (?) e eu entrei l[a como ajudante geral, saí da construção civil, e fui trabalhar numa fábrica, e trabalhei nessa fábrica 1 ano. Mas como eu tinha uma vantagem na vida que eu sempre gostei de futebol, então eu jogava muita bola, cheguei no meu bairro e em 10 casas que tinha eu fiz amizade porque eu jogava muita bola, e conheci os amigos no futebol, e tinha um amigo lá que hoje está em Portugal, inclusive o Claudio foi pra Portugal e teve com ele lá, porque na época ele era gerente do Clube Itaú. E nós jogamos bola, como eu jogava muita bola na época, ele falou: “ olha, tem uma proposta para você. ” Eu falei o que é? “ Eu trabalho num clube, sou gerente lá, você não quer trabalhar no clube comigo? ” Eu falei, mas o que eu vou fazer no clube? Eu não sei o que é clube! Nunca vi um clube na minha vida! E aí ele falou: “ vou levar você lá! ” E eu falei, mas eu estou trabalhando, eu estou fichado numa fábrica! E ele falou: “ você pede a conta lá! ”
E eu falei: o que é pedir conta? “ É sair da firma! ” Eu falei está bom! Aí, fui lá´, sai fora da firma, confiei nele porque ele era um amigão, e daí ele me levou para esse clube. Quando ele chegou lá ele falou com um outro garoto, porque ele era um subgerente, ele não era o gerente geral, tinha um gerente lá, um italiano, aquele cidadão que faz até medo quando ele olha para você, porque era aquele cara muito sério, e eu magrinho, cabelo comprido, porque eu vim para cá mas não sai da onda do Roberto Carlos, cabelo comprido, aquela onda toda, e aí, ele me levou lá nesse cidadão chamado Seu Álvaro, um negócio assim, não lembro bem, aí ele falou: “ você trouxe ele pra que?”
Eu trouxe ele aí pra…ah, era seu Silvano o nome dele, Silvano. “ Eu trouxe ele para trabalhar aqui. ” “ Mas ele é muito fraco, ele não vai trabalhar aqui, vai trabalhar de que ele aqui? ” “ Com esse cabelo comprido, não dá para trabalhar aqui. ”
“Não, não, mas ele já saiu do emprego, e ele tem que trabalhar, eu falei para ele que eu arrumava emprego para ele aqui. Vamos colocar ele de garçom! ” Aí o gerente: “ de jeito nenhum! Como ele vai trabalhar de garçom com esse cabelo comprido, você tem que cortar esse cabelo. ” Aí eu disse: não, meu cabelo eu não corto! “ Para trabalhar de garçom tem que cortar o cabelo. ” E eu disse não, não vou cortar! Aí ficou naquele negócio né? De garçom não, ele não aguenta nem um prato na mão, vai derrubar tudo, não tem jeito. Aí seu Silvano falou: “vamos fazer o seguinte: vamos colocar ele na piscina? ” Eu falei na piscina para que? Vou fazer o que numa piscina? Nunca vi uma piscina na minha vida! Ele falou: “ você vai trabalhar numa piscina, cuidar da agua. Tem um rapaz lá que vai te ensinar. ” Resumindo, eu fiquei nesse clube 4 anos. Nesses 4 anos eu conheci a minha esposa, porque ela não trabalhava lá, mas ela tinha uma amiga que vendia roupa, e essa amiga dela ia no clube vender roupa para a gente lá, e esse dia ela foi com ela. E eu na compra de roupa, falei assim opa, eu vi a minha esposa toda tímida do lado, falava pouco, aí eu olhei para ela, ela olhou para mim e a gente começou a se olhar, aquela pouco tempo ali. E ela começou, se interessou a ir mais, com a amiga para vender roupa lá, e nesse tempo a gente se conheceu, terminamos namorando, ela era noiva de um, ela era noiva de um outro rapaz, que era sobrinho da mãe dela, e, mas ela era noiva porque a família obrigada, porque minha esposa ela tinha uma vida também, não muito boa, coitada, ela teve muito problema, ela perdeu o pai muito cedo, a mãe dela veio embora com outro homem pra SP e ela foi criada, quase praticamente um filho criando o outro. De minas Gerais. E aí, nós começamos a namorar, e aí surgiu esse casamento da gente. Inclusive nos nem casamos no primeiro ano, passamos um ano, eu levei ela para minha casa, eu já morava, já tinha saído da casa do meu irmão, do meu pai, e eu morava de aluguel, numa casa. Eu e mais 4 primos que eu mandei buscar no Nordeste. Eu comecei a ganhar um dinheirinho e comecei a trazer o pessoal do Nordeste para cá. Meus primos, né? E eu tinha 4 primos morando comigo nessa casa, eu trabalhava durante a semana no clube e fim de semana eu ia para essa casa aí, que eu gostava de forro, um sambinha e a noite eu saia com meus amigos. E eu tinha onde dormir, porque o clube Itaú, fica num ugar muito deserto, e para voltar a noite não dava e eu aluguei essa casa mais por isso, mas aí, nessa vivencia toda eu levei minha esposa para minha casa, nesse lugar com esse monte de primo. E ela: “ mas eu vou cozinhar para esse pessoal todo aqui? ”
Não, você não precisa cozinhar para ninguém, seu marido aqui sou eu, você cozinha só para mim, eles que se virem, eles moram comigo porque mandei buscar no Nordeste então, eles estão aqui eles se viram, seu marido aqui sou eu, não sou eles, você não precisa ter interação nenhuma com eles aqui.
Então ai, vivemos ali, e aí começou a apertar, porque eu ganhava um salário mínimo no clube, porque no clube era assim, o Itaú dava café, almoço, cama, roupa lavada e o salário, então pra mim, era muito bom, porque eu tinha do bom e do melhor no Itaú, porque dentro desse clube, até hoje ele tem umas torres de apartamento, 2 torres que eles fazem as pessoas saírem de férias lá no Ceará , do Itaú, e vem passar as férias em SP e vem pra esse clube, e até hoje é assim, se você trabalha no Itaú eles chama de colônia de férias, um negócio assim, né? E eu, estava ali, no meio daquele pessoal bonito, porque muita gente bonita...
P2: E o senhor era o salva vidas?
R: Não, eu trabalhava na piscina cuidando da agua.
P2: Ah, da limpeza da agua?
R: Sim, nessa época eu ainda não era salva-vidas. Eu nem sabia o que era isso, eu via o pessoal na represa lá, para cima e pra baixo nos barcos, mas, eu não sabia, não tinha noção do que era isso. E aí eu sei que eu trabalhei um tempo nesse clube, casado ainda, e começou a apertar porque o salário mínimo não dava para pagar o aluguel e estava complicado.
P1: A sua esposa não trabalhava nessa época?
R: Não, ela não trabalhava. Aí ela ficou gravida do Claudio, aí eu fui pedi para esse cidadão lá que era o gerente, que eu ia embora, não dava mais para ficar ali. Aí ele falou assim para mim: “ Mas você fica arrumando pelo em ovo, rapaz! Como é que você vai arrumar uma mulher? ” Aí eu falei, o Silvano, mas eu também não posso ficar a vida toda aqui ganhando salário mínimo, eu tenho que caminhar na minha vida, não adianta eu ter uma boa vida aqui e não dar um a boa vida para minha esposa lá em casa, entendeu? A situação está difícil, para mim não dá mais, aí resumindo ele falou o seguinte: “ então eu entendo você” Eu tinha 4 anosa de clube. Ele me deu a indenização dos 4 anos, eu não tinha móvel nenhum na minha casa, eu tinha uma daquelas televisões antigas, aquelas em preto e branco e umas coisinhas que eu comprei o que eu podia para me virar, um fogãozinho e tal. Aí quando eu peguei esse dinheiro do Itaú, que foi a saída do contrato, eu comprei uns moveis melhores, e aí já melhorou a situação, com uns moveis novos, minha mulher ficou muito feliz, porque coitada, ela já não sabia, morando numa situação assim muito precária, faltando tudo, não era muito boa. Aí beleza, eu fiquei desempregado, mas eu falei, agora eu vou procurar emprego porque quero ganhar um salário um pouquinho melhor porque minha mulher está gravida e eu preciso..., mas foi rápido o emprego, eu fui para esse Indiano, que estava precisando de operador de piscina, só que tinha que ter um curso, e eu não tinha esse curso, mas como eu tinha uma pratica, eu fiquei na frente dos concorrentes que estavam ali. Tinham uns 5 mais ou menos, por essa vaga e eu consegui essa vaga, na frente desses rapazes aí. E eu...o rapaz, o gerente falou, se eu ficar aqui e para pagar um pouco mais, o senhor vai ter que fazer o curso, porque a gente não pode pagar o senhor que tem a pratica, mas não tem o curso para poder
ganhar um pouco mais, porque você tem que fazer o curso. E resumindo eles me pagaram para fazer esse curso de técnica dentro de agua. Aí eu fiquei lá uns 3 meses fazendo esse curso, peguei um diploma, eu ganhava 2 salários passei a ganhar 3, porque assim que eu cheguei com o diploma, que não me ensinou nada, quem me ensinou mesmo foi a pratica, o diploma mesmo foi só um jeito de...um documento, e eu desse diploma aí comecei a ganhar um pouquinho mais.
Mas aí eu via, que os bombeiros, que trabalhavam de fim de semana, ganhava mais do que eu o mês inteiro, trabalhava o fim de semana os dois, e cada um levava um salário naqueles dois dias que eu não ganhava no mês. Aí eu falei, poxa vida, aí a curiosidade, a vontade de vencer na vida, porque você não pode olhar para trás, tem que caminhar, e aí eu cheguei em um dos bombeiros, perguntei para eles e eles falaram: “ olha, você tem que ter um curso. ” Eu falei onde faz esse curso? “ Lá na Agua Branca, tem um curso que é dado pelo governo, que paga, só que é seguinte, são 50 candidatos para eles escolherem 20, 25 no máximo, porque é muita gente para fazer esse curso, e você tem que estar bem na agua, porque o curso lá é por tempo. ” E eu sabia nadar, eu sabia nadar muito bem, mas assim, nado de rio, porque eu nadava no meu Rio São Francisco, desde pequeno, mas eu não tinha uma formação de natação, uma coisa, como nadar rápido sem se cansar, e aí, tinha um professor muito bom lá no clube, mas eu tinha vergonha de falar com ele, porque ele é um professor e eu, poxa vida, vou pedir paro cara me ensinar, fica chato né? Aí o que que eu fazia? Quando chegava fim da tarde, que a piscina esvaziava, não tinha mais ninguém, eu entrava na agua, sozinho, eu via ele dando aula, captava tudo aquilo que ele ensinava para os alunos, e eu praticava depois que eles saiam da agua.
Para ninguém me ver nadando, porque eu nadava nado de rio, e dificilmente você com nado de rio ia a algum lugar para fazer um curso desses que são muito exigentes. Aí eu comecei a nadar, levei 6 meses para ficar um pouquinho, porque lá era assim, você tem que fazer 400mts em 8 minutos. Eu estava fazendo em 15, já depois de 6 meses nadando. Como eu estava sozinho, então tinha um pouco de dificuldade, mas aí quando chegou a inscrição na época, eu falei, agora eu vou lá! Eu estou nadando em 15, mas é muita coisa, mas não é possível, lá eu vou dar um gás melhor, vou me esforçar mais e vou fazer o curso. E fui, me inscrevi e tal, cheguei lá e tinha uma multidão de gente lá. Eu via pessoas entrando na agua, para fazer o curso, que nadava os 400mts em 6 minutos, eu falava, meu, não vou ter chance nenhuma! Eu nado em 15! Mas fiquei lá, coração querendo sair pela boca, batendo, né? E aquela aflição toda, aquele medo, e eu vendo o pessoal nadando muito rápido e outros também nadando muito mal. Aí quando chegou minha vez e tal, na bateria de 8 pessoas na borda da piscina, aí eu, o tenente bateu o apito e eu: Pum, na agua. E fui vindo: pow, pow, pow, aí o cara bateu nas minhas costas, e parou! Quando eu olhei eu vi os caras nadando ainda na piscina, eu falei, ué, mas tem gente nadando e eu já parei? Legal! Será que fui reprovado? O senhor encosta para lá um pouquinho, por favor? Espera sua chamada, falei: nossa, fui reprovado! Porque os caras continuaram nadando lá. Aí na hora, de uns 40 alunos, ele foi escolher os melhores tempos, aqueles que não fizeram o tempo adequado, esperem o próximo curso, vai nadar, vai aprender, e depois volta. Eu vi ele chamando todo mundo ali, chamando, chamando e eu ele não me chamava, aí eu pensei, será que eu vou ficar para final, não é possível! E aí, o coração começou a ficar mais alegre porque eu vi que eu estava ficando no meio do pessoal que, né? Porque eles não dão a nota na hora, depois que eles falam quanto tempo você fez. Aí resumindo tudo, eu fiquei na bateria já para final. O senhor fez em 8 minutos, eu falei: em 8? Eu pensei, mas não falei para ele: mas eu fazia em 15! Como é que eu fiz em 8 aqui? Será que se lá o que aconteceu, adrenalina? Porque? Quando eu fazia no clube, sozinho, eu fazia e parava para ver quando fazia os 400mts, 500, eu parava pra olhar o relógio, porque eu nadava com o relógio ou deixava o relógio na borda da piscina pra quando eu chegar olhar o tempo, mas até eu pegar o relógio, e olhar, os minutos iam embora, eu não conseguia, eu estava fazendo em menos, mas pra mim eu estava fazendo em 15, 14, porque até eu pegar o relógio, enxergar e tudo, tirar o óculos, pra olhar o relógio, e lá eu fiz em 8, passei! Aí eu voltei, cheguei no clube, conversei com o presidente, ele falou agora você, eles dispensaram o salva vidas do bombeiro, e falou: “daqui para frente você vai comandar a parte aquática, é você que comanda. Vai ter mais 2 salários aqui para você. ” Então de 3 eu fui para 5, ai a minha vida, foi ficando boa, porque dinheiro, dependendo da sua situação, é muito bom e o dinheiro também se chega na hora errada também é muito ruim, depende do que você faz na sua vida, e para mim foi bom porque eu precisava melhorar um pouco a situação que já estava boa, aí ficou melhor ainda, porque são 2 salários a mais, eu comecei a ganhar 2 salários a mais. Aí eu fui, esse Indiano, por isso que eu falei para vocês, da foto lá, o Indiano é muito importante na minha vida, todo lugar que eu vou, que falo, eu falo do Indiano.
P1: O clube Indiano?
R: O Clube Indiano, porque esses 20 anos que eu trabalhei lá, eu fui fazendo os acordos, com o primeiro acordo eu comprei minha casa, que eu morava de aluguel, inclusive a casa de meu irmão, desse meu irmão que me trouxe pra SP, a casa era dele, e eu comprei a casa dele. Porque eu fiz um acordo na empresa, e peguei naquela época 12 mil RV, e 12 mil reais era uma grana boa, e a minha mulher, coitada, a fantasia dela era morar em apartamento, apartamento para ela era tudo na vida que ela queria, e quando eu peguei esse dinheiro eu falei com ela: Olha amor, fiz um acordo com o clube. “Mas você está desempregado? ” Não, eu não estou desempregado, eu fiz um acordo e continuo trabalhando, só peguei lá a minha rescisão de contrato e peguei um dinheirinho aí que vai dar para gente comprar um terreno. Ela falou: “mas um terreno e depois para construir? ” Eu falei: eu estou recebendo 5 salários mínimos, já dá para gente segurar. Só que meu pai, e volta meu pai de novo naquela época que meu pai me levou, por isso que eu digo, tem coisas boas e coisas ruins, eu peguei coisas boas de meu pai, não peguei coisas ruins. Então, eu guardei. Ele me levava para essas construções e ele me ensinou a ser pedreiro, não trabalhar como pedreiro, mas ele me ensinou muita coisa sobre construção de casa e eu fiquei bem sabendo de muita coisa: como usar uma colher de pedreiro, prumo, esquadro, esticar uma linha, então, só que não praticava isso. E aí, eu com esse dinheiro, eu dei uma volta com minha mulher para comprar um apartamento, mas antes de chegar no apartamento, não era meu sonho, sabe porquê? Eu sempre pensei assim, eu tenho que ter a minha casa para morar e mais uma casinha de aluguel para quando eu me aposentar. Eu pensava longe já. Porque eu não tinha muito estudo para poder vencer, ganhar muito bem, eu tinha os cursos e tal, mas não dava. O salário de salva-vidas não é um salário altíssimo, é um salário básico né? Que para construir casa é complicado, mas é um salário bom, e aí eu fui nos apartamentos e não gostei de nada, e ela era contra, ela queria apartamento e não casa, nem terrenos, ela já queria morar no apartamentinho dela e tal. Eu falei: olha filha, não da. Apartamento não dá, é muita dívida. É 25 anos para pagar, você dá uma entrada e nesses 25 anos acontece muita coisa na vida da gente e eu não quero deixar vocês amanhã com uma dívida, eu quero deixar vocês, se eu chegar amanhã com qualquer acidente da vida da gente, vocês têm que ficar bem. Eu não quero deixar dívida, isso não existe. Aí tudo bem, ela concordou comigo, e fomos atrás dessas casas germinadas, que é financiada pela Caixa, pelo Bradesco e tal. E chegamos numa vila, perto de casa, tinha umas casas do Bradesco, bonitas, sobrados, germinados, muito bonitas, e eu fechei com um desses sobrados, com o corretor que estava presente.
E eu tinha 12 mil RV, ele pediu 10 mil, de entrada e financiar o resto enquanto eu pudesse pagar em 20 ou 30 anos. E eu muito empolgado, a minha mulher mais ainda, porque imagina morando de aluguel em 2 comodozinhos, e de repente morar num sobrado bonito daqueles. Garagem para 2 carros, bacana, mas a dívida muito alta. Aí, eu fechei com o corretor, ela foi já medir as cortinas, porque ela estava feliz da vida, mais feliz do que eu, e ela mediu as cortinas lá, beleza. E eu não peguei a chave porque tinha uma papelada para assinar, aí eu voltei para o clube. Porque, cheguei no clube, sentei, pensei e falei olha, acho que, com minha consciência, acho que não vai dar certo esse sobrado, não é o que eu quero. Porque não é o que eu preciso. Isso aí, eu estou comprando uma coisa que vai me dar problema depois, eu preciso comprar uma coisa que eu preciso, e assim, com o pé no chão. Não tenho muito dinheiro para isso e vou ficar devendo muito dinheiro. Aí eu na hora, tinha um fusquinha, na época 72, peguei meu fusquinha e fui igual um louco onde eu fechei a casa com o cidadão. Cheguei lá, assim que eu cheguei ele falou: ” você veio pegar a chave? ” Eu falei não, rapaz, eu vim conversar com você. Aí falei com ele, ele sentou e falou: “Você quer o que? ” Eu falei eu vim desistir da compra do sobrado. Ele falou: “não, não pode! Você já assinou o contrato e não tem como. Se você desistir você vai perder a sua entrada. ” Eu falei, você está louco! Aquilo parecia que ele tinha me matado. Porque eu senti assim, puta eu caí ali, sentei, parecia que me tiraram minha garganta o resto de oxigênio que eu tinha. Eu falei não rapaz, não fala uma coisa dessas pelo amor de deus. Ele disse: “ Não, você fez contrato e eu deixei de vender para outras pessoas porque você fechou contrato, você deu 10 mil e esses 10 mil vão ficar. ”
Aí eu conversando com ele comecei a contar a história ora ele e pa,pa,pa. Aí conversando com ele, ele disse: “ olha faz o seguinte: eu vi que você é um cara sincero, preocupado com sua família, está lutando para ter a sua casa, e eu acho que você está certo, casa financiada, tem tanta gente aqui entregando a casa e perdendo o que deu, e vamos fazer o seguinte: eu vou descontar 10 por cento do valor que você deu para mim e eu te devolvo o resto. ” Aí eu falei, 10 por cento, aí você está, não pode fazer isso. Ele falou: “ Mas eu mandei o cheque para a empresa. ”. Nada, o cheque estava dentro da gaveta dele. Aí ele falou: “ 5 por cento para eu não perde meu tempo, senão, perdi vendas, né meu! Você pode me dar 5 por cento? ” Eu falei, 5 por cento, é bem melhor do que perder 10 ou o total do dinheiro. E aí, resumindo, ele cobrou 5 por cento e me devolveu o cheque. Nossa, aquilo ali eu nasci de novo. Aí veio aquela tristeza, eu falei e agora e a minha mulher. Ela veio já mediu tudo aqui, já mediu cortina, nossa, estou morto! Vai ser complicado, desci para falar com ela lá, e ela estava assim, sabe, com os olhos brilhando, entendeu? Eu falei olha filha, é o seguinte, vamos conversar porque temos um problema. “Que problema? ” Um problema porque não é o que eu quero, não é o que eu preciso. Preciso de uma casa, mas uma casa diferente daquela que nós compramos. “ Você está louco? ” Aí, ela desmoronou. “ Eu sei que com você a gente vai passar o resto da vida de aluguel. ” Eu morava 12 anos de aluguel já. Eu entrei lá nessa casa eu era solteiro. Foi uma casa só. Aí ela, teve uma confusão porque ela não concordava e tal, e foi na hora que meu irmão chegou. E falou: “Oh, mano tudo bem? ”
Sim, umas coisinhas com a mulher aí, mas já está passando, ela está nervosa, eu estou também, mas já está tudo bem. Aí ele falou: “ Você saiu do clube? ” Eu falei, não sai do clube, fiz um acordo com o clube. Aí eu fui comprar uma casa e não deu certo...ele falou: “ Você está querendo comprar uma casa, cara? ” Eu falei: estou. Quero comprar uma casa porque quero sair do aluguel, estou com um dinheirinho aí. Aí ele falou: “ quanto você tem? ” Eu falei: eu tenho 10 mil. Não falei que tinha 12, porque deu 12 mil reais, fora a diferença de 5 por cento que estava faltando, não era mais 12. Ele falou: “ Eu estou vendendo a minha! Você não quer comprar a minha casa? ” E a minha mulher lá dentro, já nervosa. Eu falei: mano, vamos conversar lá fora? Porque minha mulher está nervosa e tal. Minha mulher não queria saber de comprar a casa de meu irmão, porque era muito feio o negocio lá. Não a casa, a casa era linda a casa dele, 3 cômodos, sala banheiro e cozinha, uma garagem, que meu irmão era taxista, era não, é até hoje, a profissão dele.
E aí fui conversar com ele lá fora. E ele falou: “ Eu te vendo por 9 mil URV, 9mil”, eu falei, não, se eu for dar 9 mil para você eu tenho 10 não vou ter dinheiro para fazer a mudança.
P1: E em que bairro era a casa do seu irmão?
R: Nakamura, só que era uma rua diferente de, né? Eu morava na principal e ele morava numa ruazinha que para você entrar lá tinha que arregaçar a calça porque era lama demais, muito bairro, a rua muito feia, porque naquela época não existia asfalto, então os encanamentos, os esgotos eram todos na rua, então passava um carro, estourava um cano, aquilo era tudo na rua uma loucura. E meu irmão como taxista, vivia revoltado porque ele lavava o carro e quando chegava no fim da rua, tinha que lavar de novo porque ninguém ia pegar o carro dele. Ele tinha um fusquinha, que era taxi, e ele ficava nervoso com isso. Mas o terreno dele era muito bom, uma casa boa, casa muito boa, e era a casa que eu precisava, independente do lugar, porque eu não queria...a minha vontade era ter um terreno para construir mais casas e não ficar pelo resto da vida em quarto sala e cozinha, ou em dois quartos sala e cozinha que é como eram os apartamentos.
P1: Aí o senhor comprou a casa dele?
R: Aí eu comprei a casa dele.
P1: E estão morando nessa casa até hoje?
R: Estou, opa, essa casa aí tem história. Então, com a minha mulher foi uma guerra, porque minha mulher não queria ir para lá, porque ela já tinha ido visitar outros apartamentos, por ela eu tinha comprado o sobrado, eu desfiz do negócio e quase deu uma separação, porque ela estava macha com isso. Ela não queria a casa do meu irmão, não por causa da casa, por causa da rua, né? Tinha muito crime na rua, os caras entravam lá, matavam os caras e jogavam lá na rua, se chegava de manhã, tinha 1 ou 2 mortos de manhã lá, porque lá a rua era do tráfico, como é até hoje, mas mudou muito, né? Antigamente era diferente porque a polícia não entrava na rua e sempre tinha esses problemas de assassinato na rua lá. Era uma rua sem saída e assassinavam muita gente lá.
P2: O senhor já tinha os seus filhos nessa época?
R: Sim, já estava com meus filhos.
P1: Os dois?
R: O Claudio e o Fabio.
P2: Eles tinham quantos anos nessa época?
R: Então, o Fabio, o Claudio, tinha de 7 a 8 anos e o Fabio tinha uns 6, porque é uma diferença de 1 ano de um para o outro né? Eu fiz uma família muito rápido, assim de um para o outro, sempre tive essa visão de fazer uma família logo, se vamos ter filho vamos ter logo porque depois ficar velho para criar criança, filho pequeno não dá certo, então vamos fazer uma família logo, para a gente ter mais tempo de cuidar deles. E eu já tinha os dois meninos. E minha mulher não queria por causa disso, por que a rua era muito violenta.
P1: E como o senhor conseguiu convencer ela?
R: É, foi uma luta, só sei que foi quase uma separação, mas a minha mulher é uma pessoa muito humilde, e ela é uma pessoa muito boa. Eu não tenho palavras para ela porque ela é uma pessoa tão boa que acho que veio para ficar comigo mesmo. A gente teve uma luta boa.
P2: Há quanto tempo vocês estão juntos?
R: 40 anos.
P1: E que ano vocês mudaram para essa casa o senhor lembra?
R: Então, isso foi em 78, anos 80, um negócio assim.
P1: E me diz uma cosia: como é que foi criar os seus filhos nessa região tão perigosa, tão violenta, como é que o senhor fez?
R: Então, a gente se pega muito com Deus, né? Eu fui criado pelos meus avós muito assim, rígidos, né? Me dava liberdade mas tinha limite. Então eu com meus filhos, com 8 anos 7 anos, o que eu fazia? Saia para trabalhar no clube a minha mulher foi sempre uma pessoa muito preocupada sobre essa posição aí de educação,
P1: Ela ficou sempre em casa cuidando dos meninos?
R: Ela não trabalhava, então ela cuidou muito bem dos filhos, ela não deixava os filhos sair, meus filhos nunca soltaram pipa quando pequenos porque ela não deixava, porque era muito perigoso. E aí para melhorar a situação dos meus filhos para não ter esse perigo deles saírem na rua, eu arrumei para eles um trabalho no clube, para pegar bolinha de tênis. Porque naquela época podia, hoje menor não pode mais. E naquela época podia, então eu arrumei para o Claudio, ele saia do colégio e ela levava ele para o clube e ele voltava comigo as 10h da noite porque ficava pegando bolinha. Aí o Claudio que foi essa vida, tá? E ele começava a ver que no clube era uma outra diferença, que a sociedade é outra, e ele se empolgou demais, começou a jogar tênis muito bem porque ele de tanto ver os outros jogando ele como pegador, ele começou a ganhar raquete, tênis, o pessoal gostava muito dele e não só dele como da rapaziada que trabalhava com ele na época. E ele começou, por exemplo, o sócio ia jogar tênis e não tinha o parceiro, aí chamava ele: “Oh, vamos bater um tênis comigo? ” E ele ia. A hora que ele não estava pegando bolinha, tinha os horários que ele ficava de boa, então ele ia com esse sócio, que sempre presenteava ele com alguma coisa: um dinheirinho, uma bola, uma bola de tênis, uma raquete que o cara não queria mais, e ele praticou muito. Resumindo ele chegou a disputar os campeonatos. Ele como pegador. E ganhar campeonato, e começou a crescer. Acho bonito, bacana a pessoa jogando tênis, vamos ver se ele vai gostar disso aí. Então ele ficou até os 13 anos, nesses 13 anos, eu levei o Fabio para ficar com o irmão também que atingiu uma certa idade, aí eu levei o Fabio. E o Fabio pegou na mesma pegada que o Claudio só que o Fabio nunca foi de jogar tênis, ele ia porque gostava do irmão ganhava um dinheiro e ficou com o irmão dele até os 13 anos, porque lá tinha uma idade para ficar, depois de uma idade não podia mais ficar.
Aí ele saiu e foi para o Banespa. O Fabio sempre foi assim, muito agitado paras coisas de vencer na vida. E ele com idade de 13 anos foi trabalhar no Banespa num esporte, de boliche, ele que levantava aquelas garrafinhas, o pessoal jogava, a garrafinha caia e ele colocava a garrafinha em pé. Mais ou menos assim, e ficou um tempão no Banespa. E a gente continuou a nossa vida aí veio a Valeria, filha. Aí depois veio a Monica e são quatro filhos.
P2: E quando que o senhor introduziu a música na vida dos seus filhos?
R: Então, porque como eu sempre gostei de tocar um pouquinho de violão, sempre gostei de violão, e aí o Claudio começava a olhar eu tocar violão, mas o Claudio era muito tímido, e eu oferecia o violão para ele e ele falava: “Não, não quero tocar violão não! ” Às vezes nem respondia. E eu tocava um pouco de violão e ele começou a olhar muito, sabe? Olhava, mas não falava nada. E um dia eu chegando em casa, eu tinha comprado um bandolim, que parece um cavaquinho, mas é uma formação diferente, e eu peguei esse bandolim e chegando em casa vi ele tocando as primeiras notas do Brasileirinho. Falei Nossa, eu estava chegando em casa. E ele me viu e correu e escondeu porque achou que eu ia achar ruim porque ele estava pegando o instrumento. E eu falei para minha mulher: Escuta, quem está tocando quem está pegando meu bandolim aí, quem está tocando? Ela falou: “ É o Claudio, faz tempo que ele está com o violão na mão, o cavaquinho, o bandolim, desculpa. ” Aí eu fiquei quieto, esperei ele pegar uma hora que eu tivesse...e aí sempre eu via ele pegar o bandolim, e aí eu vi que ele estava fazendo coisas que eu levei muito tempo para aprender e ele com uma facilidade muito grande. Ai naquela época do pagode, a doença do pagode lá, ele quis formar um grupo entre os amigos, porque o Claudio foi sempre preocupado em ajudar os amigos, no clube ele trazia bolinha de tênis, raquete, queria dar aula na rua, ganhava rede do clube e esticava a rede na rua, no meio da lama, do barro e ele ensinava os amigos a jogar tênis. E aí quando ele começou a pegar facilidade com instrumento, ele quis fazer um grupo de pagode. Ele tinha uns 9 anos, chegando nos 10. E formou o grupo dele lá, formou os amiguinhos, mas estavam tocando com lata, com lata de goiabada que eles mesmos faziam, e resumindo, ele foi indo, foi indo, e chegou uma hora que eu olhei e falei essa turma está boa, viu? Acho que vou dar uma força para essa molecada aí. Aí, comecei a entrar no meio deles e ensinar, coordenar eles como é que estava o negócio. Mas estava faltando instrumento, não tinha instrumento cero, né? Aí eu fui na Santa Efigênia, comprei os instrumentos, aí ele tinha um tio que gostava muito deles na época, e comprou os instrumentos também para eles, e eles fizeram aquele grupinho de pagode deles. Até aí, esse meu segundo filho que é o Fabio, não gostava disso, não queria saber desse negócio de música, era com comportamento diferente. Mas o Claudio convenceu ele a ser o baixista da banda. Mas ele não tocava nada, o Claudio com aquela boa vontade fez o irmão tocar em 1 semana, acredita?
P1: Eles aprenderam sozinhos a tocar?
R: Sozinhos. Nunca teve aula de ninguém. E o Claudio, porque ele tinha que fazer aquele grupo funcionar, pegou os instrumentos que nós compramos e tal, aí eu entrei como empresários deles, aquela coisa assim de pai, aquele pai que tem que mandar, que andava com eles, como naquela época era muito perigosa, era muito crime na década de 80 e 90 e eles tinham que tocar dentro das favelas, porque eles tinham que aparecer. Aí começou a tocar nos aniversários dos amigos, aí foi indo, foi indo aí surgiu, que eles cresceram dentro da favela como grupo Poesia do Samba, com muito conhecimento, eu já via pelos ensaios deles na garagem de casa, já vinha muita gente na frente da garagem para ver eles ensaiando. Eu falava Nossa! E o Claudio muito empolgado, tocando muito bem e tal, e depois dessa formação, começaram a convidar ele para entrar nos Festivais de música livre, samba e tal. E eu comecei a levar eles para esses festivais, e eles se deram bem, porque o primeiro festival ele ganhou, o segundo eles ganharam também, ganharam o terceiro, entendeu, aí começou já a sair no vinil com as faixas. Teve um festival que eles não participaram porque eles estavam com muitos shows, não deu para participar, eles ganharam uma faixa sem participar. A primeira faixa foi deles no vinil. E daí nós tocamos a vida, correndo atrás do sonho deles. E aí viajamos para o Nordeste. Para viajar para o nordeste eu tive que vender meu carro, para fazer o primeiro CD deles, porque naquela época o CD não era qualquer um que podia fazer não. Chamava CD solo.
P1: Essa foi a viagem que o senhor fez naquele ônibus?
R: Sim.
P1: Agora antes dessa viagem, conta para a gente como é que foi aquela sua primeira volta para o Nordeste, lembra que o senhor falou, depois de 7 anos, como é que foi voltar, rever a família, o lugar onde o senhor nasceu?
R: Aquela viagem de volta para mim foi um nascimento, como se eu tivesse nascido de novo. Não que meu Nordeste fosse ruim para mim, não foi, era muito bacana, e tornou a ser uma coisa boa porque eu voltei para o lugar das minhas origens, onde fui criado, onde eu corria, meus amigos, onde eu jogava bola, e eu já voltei adulto, já bem, não bem financeiramente, porque, voltei bem, com um emprego em SP, trabalhava dentro do Itaú, um clube e cheguei na minha terra lá e foi uma alegria muito grande, porque revi meus amigos, meus parentes. Não tinha mais parente muito próximo como pai, mãe avô porque isso tudo já tinha falecido, só tinha meu pai aqui. Lá mesmo não tinha mais ninguém, tinha só meus primos e meus tios. Mas foi uma felicidade, quando voltei sozinho. Você viu que tem umas fotos bonitas, então para mim ali eu fiquei 20 dias e parecia que eu estava flutuando de tanta alegria. Porque a agente sai de nossa terra, assim, e volta um pouquinho melhor, porque quando você volta pior é ruim, você chega lá e a madeira come, porque pô, saiu daqui e voltou pior? Eu não, graças a Deus eu voltei bem, porque voltei com muita saúde e empregado, e com outra cabeça, diferente. Foi daí que eu comecei, quando eu voltei que eu comecei a trazer meus parentes, meus primos que tinham uma situação difícil lá eu comecei a trazer eles para cá. Mandava um dinheiro e eles vinham morar comigo aqui. Foi uma viagem muito boa, essa foi uma viagem que eu não esqueço nunca, foi a primeira volta de quando eu saí e voltei, foi muito bom.
E a vida aqui continuou quando eu voltei empregado, nunca tive desempregado, nunca tive crise de desemprego e comecei a mexer, depois que voltei foi quando veio o movimento do samba, mais para a frente. Os meninos foram crescendo, crescendo, e eu resolvi que recebi um convite de um cidadão para fazer um tour no Nordeste, 40 shows, aquilo ali para mim, nossa! Eu tinha 12 ou 14 anos que eu não voltei na minha terra mais, estava muito longe do tempo, e aí eu resolvi voltar lá, não só por causa dos 40 shows, mas por causa daquela empolgação de ir para o nordeste com a minha família toda, filho, mulher, banda dos meus filhos que já estavam fazendo um pequeno, sendo reconhecidos aqui, não sucesso, mas reconhecido pelo público que assistia eles e via eles tocando. Quando o cara falou: “ Vem aqui que chegando aqui você assina o contrato de 40 shows. ”
Eu não pensei 2 vezes, era um outro carro, que esse carro, que eu vendi o primeiro carro para fazer o CD deles e esse segundo carro eu vendi para pagar o ônibus para ir para lá para o Nordeste. Eu falei, vou vender o carro, eu tenho dinheiro e vou para o Nordeste, para o Norte. Então eu tinha 4 mil reais na época, e ficava a viagem 8 mil. Eu dei 4 para o dono da empresa dos ônibus, que era um cara muito bom, gente boa, muito humilde também, e ele falou: “ Você me dá q 4 mil e pode levar o ônibus eu vou mandar 3 pessoas com você, 2 mecânicos e 1 motorista. Só que esses 4 mil você abastece o ônibus e sustenta os meus motoristas e manda alguma coisa para cá que vai ficar, você vê lá, faz o show e manda o dinheiro. ” Aí eu fui, fechei os olhos e fui, numa viagem com 22 pessoas na minha responsabilidade, no caminho tive muito problema porque na metade do caminho eu mandei tirar todas as cadeiras da metade do ônibus para trás e joguei colchão porque eram 3 dias de viagem, 22 pessoas que tinham que dormir, sentado na cadeira seria ruim, então eu coloquei tudo...aí comprei saco de laranja e joguei dentro do ônibus, um monte de laranja, banana, para ir comendo no caminho, imagina? Aquela turma toda, e quando o guarda parava a gente, a gente estava no ônibus e ele falava: “ opa peraí, está tudo errado aqui! Vocês não podem viajar com esse pessoal dormindo, isso aqui não tem segurança nenhuma, vocês não podiam ter tirado essas cadeiras, isso não existe, não pode! ” E aí? A gente saia para a conversa, tem que conversar com os caras, porque polícia não dá muita colher de chá, entendeu? Aí já queria propina, né? Para seguir viagem, senão eles prendiam o ônibus ali mesmo. Aí quem saiu na conversa fui eu e o motorista e o cara que foi com a gente responsável, o cara que foi lá no Nordeste e estava levando para fazer o show, não o empresário, de lá, mas o cara daqui que tinha conhecimento com ele, porque eu não conhecia o cara, esse rapaz que estava comigo, que estava com a gente que conhecia o cidadão lá, o empresário lá de Aracajú. E conseguimos chegar no Nordeste, com toda a dificuldade, com todas as broncas dos guardas na estrada. Aí foi uma beleza, chegamos lá uma casa na beira da praia, muito bonita, foi alugada para a gente ficar, chegamos lá já tinha repórteres locais, televisão, todo mundo lá, já esperando a gente chegar, banda de SP, Poesia do Samba. Antes eu mandei o CD, esse CD que vocês viram aí, pra tocar em Aracaju, tocava nas rádios em Aracaju. Então quando nós chegamos lá, já estava todo mundo esperando. Foi muito bom. Só que na hora de acertar o contrato, o cidadão não tinha dinheiro pra pagar a primeira parcela. Como é que eu ia sustentar aquele pessoal todo, 22 pessoas? Todo mundo empolgado, eles precisavam passear, ir pra beira da praia, ir ao shopping. Nós ficamos do lado do shopping. A rapaziada não queria saber se tinha dinheiro ou não. Eu nem comentava com eles. No começo o rapaz lá me deu 800 reais. Era pra dar 2 mil reais e ele me deu 800. Eu já tinha pagado a casa de aluguel lá, beleza. Aí a gente foi fazendo os shows, mas nesses shows eu nunca recebi 2 mil reais. Era 1200, era 600, era o que ele podia dar do bolso, o que sobrava da bilheteria ele passava pra mim. Mas era muito pouco pra sustentar aquele monte de gente. E o cidadão que era o dono do ônibus ligava pra mim. Olha, precisa mandar o dinheiro, o senhor ainda tá devendo 4 mil reais. Mas se eu mandasse o dinheiro, como é que eu ia sustentar as pessoas lá? Pra vir todo mundo de volta, eu não tinha dinheiro pra voltar, assim, era muito difícil, entendeu? Porque tinha que sustentar o ônibus com combustível pra cá, e é muito dinheiro.
P2: Como acabou essa história no final? Como é que o senhor conseguiu...
R: Então, eu fiz todos os shows que tinha pra fazer. De 40 shows fizemos 12 porque 6 era pela prefeitura. A prefeitura levava 15 dias para pagar. Fazia o show e não recebia, você tinha que esperar uma data, fazia o show e a prefeitura não pagava quando você terminava o show. Daí um mês na luta, vivendo com aquilo que o cara me pagava. Aí eu falei, vamos embora, porque não dava pra ficar lá. Acabou o dinheiro, entendeu? Aí eu fui pra minha cidade, onde eu nasci, eu queria fazer o show de graça porque o pessoal tava louco pra ver a banda tocar. Eu fui falar com o prefeito da cidade, já tinha um prefeito nessa época. Aí ele falou olha, eu não tenho recurso pra pagar cachê pra vocês não. Eu falei “Eu não vou cobrar cachê, vou tocar aí pro pessoal, minha família, meus amigos, meus filhos vão tocar. Você só me monta o palco e o som. Ele falou “Não tem como, eu não tenho verba pra isso”. Eu falei ”Mas você quer que eu banque tudo, que eu monte palco, alugue som?. Não tem como fazer isso aí. Eu já vou fazer show de graça e você como prefeito quer que eu pague tudo, não dá, não tem como”. Resumindo, eu não fiz o show porque eu não tinha dinheiro pra bancar. Minha vontade era bancar o show, se eu pudesse eu teria bancado o show. A cidade onde eu nasci, meus amigos, ali era uma coisa muito boa, o pessoal todo alegre, familiares, tudo. Aí não deu pra fazer o show. Aí no final desses 12 shows, porque não dava pra ficar mais, eu resolvi vir embora. Aí eu tive que usar o cartão de crédito e o cheque especial que era o que eu tinha de limite aqui. E tinha que sustentar as pessoas de volta, o pessoal na estrada come.
P1: Então o senhor voltou endividado dessa viagem?
R: Eu já estava com dívida desde lá. Lá eu já estava com dívida, mas eu não tinha usado nem o cartão de credito e nem o cheque especial porque eu tinha o limite. Mas pra voltar eu tive que fazer isso, sem nada no bolso. O rapaz que me contratou não tinha como me pagar, ele não tinha recursos. Foi uma aventura. Mas eu tava feliz. Eu tava preocupado com a grana, mas eu tava feliz porque eu fiz uma coisa que eu queria.
P2: E quando chegou aqui em São Paulo, eles continuaram fazendo shows? Como foi depois dessa aventura?
R: Aqui em São Paulo muda tudo, nè? A minha terra é onde eu nasci, mas a terra onde eu vivo é São Paulo. São Paulo é uma coisa de louco, você fazendo as coisas certas, você tem tudo. Assim que eu cheguei, preocupado com as dívidas – eu tava devendo 8 mil no banco – era a dívida que eu tive de lá pra cá. Os 4 mil do rapaz mais o que eu devia no banco dava 8 mil reais. E o cara queria protestar os cheques que eu deixei aqui com ele, entendeu? Então foi complicado. Eu trabalhei no Clube Paulistano aqui dos Jardins e onde eu trabalhava eu colocava os filhos pra tocar.
P1: Como salva-vidas o senhor estava?
R: Como salva-vidas. E aí eu tinha saído do clube e quando eu voltei de viagem era a época da festa junina e o gerente do clube Paulistano me ligou. E ai Gerson, tudo bem? Tudo bem, o que tá pegando? Eu achei que ele ia me chamar pra voltar a trabalhar com eles. Mas não. Ele falou olha, é o seguinte, eu tenho aqui uma festa junina pra mais de 5 mil pessoas. Seus filhos ainda estão tocando? Eu já tinha feito show lá no Paulistano com eles e eles agradaram, assim, parecia o Só pra Contrariar na época, agradou demais. Eu falei rapaz, toca sim. Acabamos de vir do Nordeste, faz uma semana que eu cheguei do Nordeste. Fizemos show lá, o Nordeste todo. “Melhor ainda, puxa vida, então você não quer fazer um show com a gente aqui?” E eu falei, “Ah, se que quero? Claro que eu quero. Pra quando?” Ele falou “olha, daqui a dois dias. No fim de semana você pode vir pra gente assinar o contrato.” Aí eu fui lá. Assinei um contrato de 4 mil reais para um show de 1 hora e 20 minutos no placo. E eles tinham contratado uma banda pra tocar antes da gente. Antes ou depois, a primeira que chegasse primeiro. Aí meus filhos começaram a tocar porque s caras não chegaram, era um grupo aqui de São Paulo de samba, eles não chegavam. Eu fiz uma compra de instrumentos de primeiro mundo pra ir pro Nordeste. Fui na Santa Ifigênia e comprei coisas assim que... Comprei um teclado pra minha filha que naquela época era top de linha, só quem tinha esse teclado eram as banda famosas e eu comprei lá. Dei cheques pré-datados e comprei esse teclado dela. Foi na época que o Brasil foi campeão da Copa do Mundo, tava naquele ar de futebol, nós pintamos umas bandeiras do Brasil nos instrumentos, foi bacana. Os moleques subiram no palco e arrebentaram porque tinha muita gente. No Paulistano era gente de outro nível social, gente bonita, e os meninos fizeram uma festa bacana. E aí a outra banda chegou pela metade. Chegou dois, depois chegou mais um e não tinha como meus filhos saírem do placo pra eles subirem porque eles não tinham nem instrumento pra tocar.
No Paulistano. O Paulistano é um negócio de louco. E eu sei que o gerente me chamou do lado e falou “Gerson, é o seguinte: Você me desculpe, mas você vai ter que segurar a bronca aí até o fim da festa” e eu falei “rapaz, a gente já tá no palco há uma hora e meia, não tem mais repertório. Eles ensaiam isso, não pode tocar de qualquer jeito. Meu filho já tá de dedo inchado, ele veio do Nordeste, ele tocou muito lá, tá até com calo nos dedos. Então, uma hora e meia já é muito pra eles no placo”. Não, não, pelo amor de deus, não faz isso comigo não. Eu não vou por a banda não, eu vou dispensar a banda. Os seus filhos tão arrebentando no palco e eu não posso tirar eles. Os outros caras tão só com três componentes aí, vão fazer o que no placo? No meio dessa multidão de gente aí? Eu vou perder o meu emprego, porque fui eu que contratei vocês. Eu não quero que vocês saiam do placo.” Tudo bem. Eu chamei meu filho no palco, no camarim, e falei “Claudio, e agora mano? O cara quer mais tempo no palco”. Ele falou “ô pai, pelo amor de deus, eu não aguento mais”. Então, mas o que eu posso fazer? Não tem outro jeito”. Aí ele falou “Pai, pode assinar o contrato com ele por mais uma hora e meia aí, eu vou segurar a bronca”. Aí ele começou a tocar o cavaquinho nas costas, virou o bicho no placo. Tocou mais que o tempo normal. Então eu ganhei mais 3 mil reais.
P1: Isso foi mais ou menos em que época, o senhor lembra?
R: 1989, 1992, eu tinha saído do Paulistano, então foi quase aquilo aí. Quando eu saí do
Paulistano eu fui pro Norte com eles fazer essa turnê aí.
P1: Nessa época o senhor não estava trabalhando, estava se dedicando só à banda?
E: Aos meninos.
P1: O senhor era empresário da banda?
R: 2, 3 anos que eu estava me dedicando só a eles. E saí do clube, do Paulistano, pra ficar só com eles.
P1: E quando o senhor votou a trabalhar como salva-vidas?
R: Eu voltei a trabalhar de salva-vidas depois que eu cheguei do Nordeste. Tinha um amigo meu... Eu não trabalhei porque como eu estava com eles, não me interessava ir atrás de emprego. Eu ganhava um pouquinho, um showzinho aqui, outro ali, a gente ia se mantendo. Vinham uns cachezinhos nè? E a minha vontade era levantar eles cada vez mais. Eu estava em todos os shows deles. Aí veio um amigo e fez a minha cabeça pra eu trabalhar no Clube do Castelo. Também na Represa de Guarapiranga, na nossa região. Eu não queria ir porque eu estava com os meninos, mas eu terminei indo porque os cachês não davam pra manter muito e eu queria ganhar um dinheiro a mais pra manter eles melhor nas posições das rádios, correr atrás, porque elas sempre cobravam alguma coisa pra tocar os discos e eu fui. Esse trabalho meu foi lá no Castelo.
P1: O senhor tem alguma historia interessante desse trabalho como salva-vidas, alguma coisa que o senhor lembra, algum incidente, alguma coisa curiosa pra contar?
R: Muitos, muitos. Eu continuo inteiro. Ainda estou na profissão, eu estou aposentado mas eu ainda trabalho. Eu trabalhei no Clube Indiano 20 anos, saí, fiquei 3 anos no Paulistano, saí de lá pra turnê no Nordeste, voltei, fui pro Clube do Castelo, depois trabalhei 3 anos no Clube da Eletropaulo e aí voltei pro Indiano de novo. Vou fazer 17 anos no Indiano agora. Com 20 anos que eu trabalhei no Indiano são 37 anos lá. Voltei pra me aposentar no Indiano. Já me aposentei, mas continuo lá. O Indiano pra mim é uma coisa muito importante. Como salva-vidas, eu falo sempre uma palavra lá quando acontece alguma coisa. Você salvou e eu: não salvei, eu tirei da água. Quem salva é Deus. Porque eu tirei muitas pessoas, muito afogamento. Inclusive, tem um cidadão que até hoje está lá, e não foi um afogamento. Ele teve uma parada cardíaca , enfartou, era uma quarta-feira, não tinha médico no clube porque o médico só vai de fim de semana, e sorte dele que eu estava lá e fiz a coisa certa.
P1: O senhor sabe fazer primeiros socorros?
R: Eu sei tudo, eu sei tudo. Porque no curso eles ensinam tudo e eu sempre usei. Eu sempre usei no afogamento, pra livrar a pessoa do afogamento. Fazer a pessoa respirar, voltar a respiração do pulmão, essas coisas e tal. Esses conhecimentos eu tenho todos, eu uso sempre quando eu pego uma vítima. Mas esse rapaz foi diferente, ele teve uma taquicardia. Eu nunca tive ninguém... Isso é coisa pra médico. Mas na hora, Deus falou vai lá que você consegue e eu fiquei 40 minutos, quase uma hora na respiração boca a boca, fazendo massagem cardíaca nesse cidadão, porque o socorro demorou muito pra chegar e eu consegui salvar esse cidadão. Fiquei muito tempo fazendo a respiração nele e eu tive que mandar arrancar os bancos da perua do clube porque não chegava o socorro e eu pus ele dentro da perua. Na saída do clube, tinha um carro de polícia e eu pedi pro motorista falar com o carro de policia pra eles irem na frente abrindo caminho e eu fazendo respiração boca a boca nele dentro da perua até chegar no hospital. Cheguei com ele vivo já lá. Quando chegou no hospital, ele enfartou de novo. Aí já estava nas mãos dos médicos. Agora é problema de vocês. Salva a vida do rapaz, que eu já tô há 40 minutos fazendo respiração boca a boca, não aguento mais, minha boca estava toda cortada, porque no balanço da perua, às vezes eu pegava os dentes dele, porque tem que segurar a boca aberta, era uma situação muito difícil. Ele ficou 40...25 dias em coma sem reconhecer ninguém, aí teve que usar um marca-passo. Hoje ele está bem pra caramba, inclusive ele vai todo fim de semana lá jogar biribol e ele me abraça e me beija quando ele chega. Mesmo que ele não jogue biribol, ele vai lá na piscina me abraçar. Ele me deu 7 dias...ele queria fazer alguma coisa por mim e, não em função de dinheiro, mas ele queria fazer alguma coisa de agradecimento. Ele me deu 7 dias em Salvador, num hotel, tudo pago, passagem de avião, tudo pago. Fiquei 7 dias, ele pagou pra eu ficar lá. Sozinho né? Não digo nem a viagem, mas eu me senti muito bem porque eu salvei a vida dele, nè? Inclusive o médico falou “olha, a sorte desse cidadão aqui foi o salva-vidas que socorreu ele, porque ele podia ter feito alguma coisa errada e ele podia ter morrido na mesa. Porque foi feio o negócio dele. E eu consegui, graças a deus. Essa minha profissão pra mim é uma coisa muito importante. Com essa profissão, eu consegui manter a minha família, manter eles até hoje, teve dificuldade. Não vivo em dificuldade não, mas eu entendo a dificuldade, você tem que lutar na vida, ninguém vai ter dar nada de mão beijada, você tem que lutar, você luta e você está feliz. Tudo que vem de graça, muito fácil, não é legal. Você não dá valor. E eu sempre dei valor a esse tipo de coisa. E salvamento, na minha época, nesses 20 e poucos anos de salva-vidas – porque eu não comecei como salva-vidas, comecei como operador de piscina – técnico de água e tal. Como salva-vidas, eu me orgulho muito porque eu já salvei muitas vidas, criança. Peguei uma criança que estava no fundo da piscina, já morta, de 8 anos. A piscina tinha 4 metros de fundura, eu consegui resgatar ela , respiração boca a boca, massagem cardíaca, hoje eu não sei onde ela está, mas tá viva, tá viva. Tá bem. Não sei como está ainda dele, mas ele saiu do clube respirado, no colo da mãe, foi até o hospital fazer uma drenagem pra ver se tinha alguma coisa no pulmão e eu recebi uma carta de agradecimento do presidente do clube na época. Faz muitos anos isso aí. A vida desse garoto, até hoje eu lembro dele quando o tirei da água. A mãe em prantos, o pai se ajoelhava, pedindo pelo amor de deus pra eu não deixar o filho morrer. E eu consegui. Esses foram casos mais graves.
Mas afogamentos eu já tive um monte. Quase toda semana eu tinha um se afogando. A piscina tem 4 metros de fundura. Nem todo mundo tem sustentação. Às vezes a pessoa sabe nadar, nada , nada e agarra na borda. Se para no meio da piscina, ele afunda. Não tem sustentação. Então o que acontece? Eu tenho que estar ali. Eu salvei um cidadão também que é da África , ele estava com uns amigos e ele pulou nessa piscina . Ele tinha 1:92m, ele achou que a piscina dava pé, mas ela tem 4 metros. E ele pulou e não subiu. Aí eu peguei a minha boia, que eu trabalho com uma boia, pra me ajudar, porque a boia, dependendo do caso, não ajuda muito não. E eu esperei ele subir mas ele não subiu. Eu vi quando ele pulou. Todas as pessoas que chegam eu já conheço. Por exemplo, como eu estou ali há muitos anos, eu fico de olho nas pessoas que chegam, eu já conheço as pessoas que sabem nadar, as pessoas que têm dificuldade, e sócio pega amizade, pergunta, e tal. Mas ele não. Ele chegou direto e pulou na água. Eu fiquei olhando, esperado ele voltar, mas ele não voltou. Aí eu peguei o salsichão, pulei na água, mas o salsichão não vai lá embaixo . Eu esperei ele subir e ele não subiu. Ele ficou se debatendo lá embaixo, no fundo da piscina, ai eu falei puxa vida. Eu soltei... porque eu uso uma corda, eu deixei a corda no ombro e desci. Ele estava lá embaixo, ele não subia, ele ia morrer lá embaixo, ele não sabia subir.
Você perde a noção do que está... Aí eu puxei ele pra fora. Ele não chegou a desmaiar, mas tomou muita água, eu fiz os primeiros socorros nele. Esse cidadão não fala a minha língua, mas ele me agradeceu tanto, tanto, ele me abraçava tanto que eu falei “poxa vida” isso é minha obrigação. Se ele falasse português, teria dado pra entender, mas ele não falava, naquela aflição que ele estava também ele voltou, nossa, ele estava se agarrando com deus. Então tem muito caso assim de primeiros-socorros na piscina.
P1: E além de salva-vidas, o que mais o senhor faz hoje em dia?
R:
Eu sou salva-vidas como profissão e técnicos de água, técnico de tratamento de água, e manjo bastante da área de construção. Inclusive eu consegui, com o meu esforço, fazer sete casas, que eu construí. Eu nunca paguei pedreiro. Isso é o que eu peguei do meu pai na época, como eu falei pra vocês, meu pai me deixou essa sabedoria dessas coisas. E eu construí sete casas que hoje é onde fica o nosso estúdio de gravação, todos os projetos sociais dos meus filhos, é tudo lá. Moramos todos juntos. A minha filha, eu tenho uma filha formada, é dentista, que era tecladista na época da banda. Eu nunca falei pros meus filhos “você tem que ser isso”, nunca falei isso pra eles, dei liberdade pra eles fazerem o que eles querem. Sendo coisa certa, honesta, sendo pessoa do bem, nunca falei você tem que fazer isso porque dá dinheiro. Nunca pensei nisso. Sempre falei “você faça o que você gosta”. Não faça o que o outro gosta porque não é vantagem pra você. Mesmo ganhando dinheiro, nunca faça o que você não quer. Entendeu? E aí, tem a minha família. Junto com a minha mulher, que é a sustentação da família, minha mulher é fora de série, se for pra falar da minha mulher ia ter que ter mais umas horas de entrevista. Minha mulher é tudo, e hoje moramos todos juntos. Tem os dois que são músicos. Fiquei muito feliz quando eles viajaram pra fora do país. Imagina? Tem bandas famosas aqui que não andaram 10% do que eles andaram fora do país.
P2: O senhor foi junto com eles?
R: Não, ainda não fui porque não tive tempo de ir. Nunca dá certo porque eles vão em agosto e eu estou de férias em junho. Minhas férias são sempre em junho e julho, nunca em agosto,
porque em agosto a piscina já reabre e eu tenho que estar lá. Mas a vontade deles é eu andar com eles como eu fui pro Nordeste. Porque hoje eles não precisam mais de mim. Já podem andar com as pernas deles. Eles já têm tudo, todos os conhecimentos, da mídia. Eles vivem no meio, então não precisam mais de mim. Eles têm produtor, têm as pessoas que vêm tudo isso pra eles. Eles têm uma área social que tem mais de 30 pessoas que trabalham com eles.
P1: Fala pra gente um pouco desse projeto social dos seus filhos. O senhor também está envolvido nele?
R:Envolvido, não. Mas como é dentro da minha casa, eu estou envolvido, querendo ou não. Mas é projeto social. Tem o seguinte: o VegeArte, que é de comidas vegetarianas. Ontem mesmo eles foram dar almoço pra 400 pessoas. Tem a mulher do Claudio, mas não aquela que está na foto, a segunda mulher dele, que também toca na banda, canta na banda. Ela trouxe de Portugal um projeto de comida vegetariana e ela resolveu fazer isso aqui e está dando certo. Ela atende a muitas empresas que ligam e ela dá almoço e café, palestras. Meu filho vai dar palestras pra 50 pessoas e essas pessoas já contratam o Vegearte pra dar o café, o almoço, né? E eles estão aí. Temos também o projeto de energia renovável, que é do meu filho mais novo, que nas viagens aprendeu isso e ele está sendo muito procurado pela mídia. Hoje a televisão vive dentro da minha casa por causa dos projetos sociais deles. Tem energia renovável, gás, água de chuva, aquecimento solar. Ele está desenvolvendo tudo isso sem recursos, não tem alguém bancando ele pra fazer isso. Então todos os recursos são deles mesmos. E temos também um projeto chamado Samba na 2, que o Claudio desenvolveu. Todo segundo domingo do mês ele faz um samba e convida esses sambistas da antiga, samba dos anos 90, 80, nè? Então, na rua, na porta da minha casa, eles têm toda uma estrutura de palco que pode colocar qualquer banda de mídia pra tocar e cantar. Eles conseguiram desenvolver esse trabalho e dá 600, 700 pessoas na rua. Aí eles montam as barracas que ele dá pro pessoal da comunidade vender o que eles podem vender. Comidas, né? E aí, é uma coisa de louco, Samba na 2.
P1: Esses projetos que o senhor está falando me fizeram lembrar de uma coisa. Voltando lá pra sua infância, que eu sei que o senhor vendia marmita quando era pequeno pros trabalhadores.
R: Era assim. Eu tinha 12, 13 anos de idade, e eu já levava almoço pros operários, entendeu? Eu passava na casa das famílias, eu usava um cesto – não sei se vocês sabem o que é um cesto – e eu passava na casa das pessoas. A pessoa já deixavam a marmita em cima da janela e eu passava e colocava dentro do cesto. Eu ia pegando e colocava duas marmitas na cabeça. Eu andava mais ou menos uns 2 km pra chegar nessa fábrica, ia da minha cidade até essa fábrica com a marmita na cabeça. Eles me pagavam por semana. Eu pegava um pouquinho de dinheiro de cada um, eles me pagavam pra eu levar o almoço deles. Na hora do almoço eu ia com as marmitas todas ali no cesto. No sábado eu entregava a marmita de volta, entregava pras pessoas. Eu fiquei mais ou menos uns 3 anos fazendo isso. Dos 13 até os 16 anos eu fazia isso. Era um sustento, pra ajudar os meus avós, porque os meus avós não tinham dinheiro. Tinha muita comida porque os meus avós viviam na roça e eles plantavam as coisas, mas era muita coisa, abóbora, melancia, milho, mandioca, o que você pensar de alimento, a casa do meu avô era lotada. Feijão, arroz, minha avó plantava arroz, entendeu? Recolhia aqueles sacos de arroz, ficavam cheios de arroz. Então, comida nós tínhamos bastante, dinheiro, não. Se a gente quisesse comer um pedaço de carne era difícil porque não tinha dinheiro pra comprar. Mas comida assim, que não dependia de mistura, nós tínhamos bastante. Comida nós tínhamos muita. Muita fruta no quintal, o quintal do meu avô era muito grande, e tinha todas as frutas que você pensar. Se você quisesse uma goiaba, tinha no quintal. Manga tinha no quintal, então eu escolhia o que eu queria. Então essa fase de comida no Nordeste eu não tive problema porque os meus avós eram muito trabalhadores. Meu avô saia às 5 horas da manhã e voltava às 6, 7 horas da noite da roça. Ele fazia farinha, esses fornos de farinha. Farinha beiju,
bolo. Essa época no Nordeste é uma loucura, você chega lá e não quer sair, de tanta coisa boa que tem. É um pessoal sem recurso, mas eles têm na terra, tem como plantar na terra. Hoje caiu um pouquinho porque a cidade cresceu e muita terra que o pessoal fazia as roças cresceu e virou casas. A lagoa que se pescava, eu pegava muito peixe, era peixe demais, o Rio São Francisco enchia, esses peixes vinham pra essa lagoa, quando o rio começava a baixar o nível, eles fechavam e aqueles peixes do São Francisco ficavam todos nessa lagoa e então saiam caminhões de peixe, cheios. Tinha os donos. Não era chegar lá e pegar não, tinham os donos, mas nós tínhamos acesso à pesca, então nós comíamos muito peixe. Carne era um pouco difícil porque tinha que comprar, mas peixe nós pescávamos muito. Só não comia peixe quem não quisesse ou não gostasse ou não quisesse trabalhar, porque o rio estava ali, na natureza.
P2: Seu Gerson, olhando a sua história, o senhor já contou varias etapas da história da sua vida. O que o senhor acha que foi o mais importante que o senhor já fez na sua vida, o que foi mais marcante de toda essa...?
R:
O mais marcante hoje é hoje, nè? Porque é o presente, né? Porque o passado a gente relembra,
os momentos bons, os momentos ruins. Mas eu acho que o maior momento da minha vida é estar aqui, dando entrevista pra vocês, falando da minha vida, porque não é fácil chegar em frente a uma televisão e falar da sua vida. Porque tem muita gente nessa história que eu estou contando aqui. Não sou só eu, é muita gente, mas que não tem oportunidade. E eu corri muito atrás disso também na época. Eu corri atrás da televisão com o CD dos meus filhos,
eu ia nas rádios pra mandar tocar mas como
não tinha dinheiro pra pagar, não toca, e hoje o momento é hoje. Porque eu estou vivendo não um momento de sucesso, que eu não penso no sucesso, mas a história, né? Então eu vejo os meus filhos viajando pra Europa, eu hoje tenho as minhas casas, aposentado, tudo trabalhando, dando entrevista pra vocês aqui, que era uma coisa muito impossível e hoje está sendo fácil pela história que nós termos, não só eu como a família inteira, meus filhos, que eu lutei pra colocar onde eles estão hoje e eles estão também lutando por eles. Quem poderia estar sentado aqui eram eles. Já veio um e vai vir o outro, e eles vêm caminhando como caminharam também pra cá. Então hoje eu sou feliz, não que eu fosse infeliz no passado. Não, o momento é hoje, porque estou mais tranquilo, não faço correria, só me preocupo no dia a dia com a situação, porque a gente sai de casa e as preocupações são outras, mas eu estou bem. Hoje eu estou bem porque eu fiz muita coisa e hoje me encontro aqui com vocês, né?
Podia ter dado muita coisa errada, porque a gente umas épocas atrás se arriscava muito, né? São Paulo é muito bom, mas a gente tem esse risco de sair e não voltar, entendeu? E hoje eu estou sossegado, estou bem, muito bem. E quero ficar cada vez melhor.
P2: O senhor tem algum sonho ainda?
R: Não, sonho não. Eu não uma pessoa de sonhar. Eu sou muito do dia a dia. Como eu cheguei em São Paulo na época e o que eu sou hoje, eu acho que eu já tenho tudo. O que eu imaginei e não imaginei. Jamais iria pensar que estaria aqui um dia dando entrevista pra vocês. Então,
eu não tenho mais sonhos. Meu sonho é manter o que acontece, pois tudo o que vier agora nem é tanto pra mim é mais pros meus filhos e pros meus netos, é a continuação da vida da família. Eu espero que os meus filhos batalhem pros filhos deles como eu batalhei pra eles e dêem essa segurança pra eles como eu dei pra eles. Pé no chão, ensinar os filhos a respeitar, a conviver bem com as pessoas, e esse já não é um sonho meu, é deles.
P2: Então o senhor está dizendo que na verdade o seu sonho já se realizou.
R: Graças a deus. Não é bom a gente falar em morte, mas se amanhã ou depois eu for embora, eu vou feliz, porque eu tenho o que eu pensava antes. Deixei minha família bem, casa pra morar, não só uma mas mais de uma, quando eu cheguei aqui eu não tinha nem um chinelo de dedo. Se eu fechar o olho, eu falo: olha, a minha família na rua não fica, ninguém pode tirar eles de lá porque aquilo é meu, eu comprei, tenho a documentação, está no nome deles, é deles. Então eu vou morrer feliz. Dívida eu não tenho problema, graças a deus, porque eu faço as coisas que são boas pra mim. Eu sempre corro atrás do que eu preciso e não daquilo que eu quero ter sem precisar. Ah, vou ter isso aqui porque eu tenho que ter, porque eu quero. Não, eu tenho aquilo que eu preciso. A minha casa, a minha família, hoje eu dirijo um carro, que é meu, né? Eu estou bem. Eu acho que nas minhas condições, de onde eu vim, eu não poderia estar melhor, porque não adianta eu falar “eu quero hoje”... Não, eu não quero mais nada. Eu quero só que a minha família corra tudo bem pra eles, que nunca aconteça nada de ruim, que só aconteça coisas boas, porque eles estão ajudando muita gente e eu quero que eles ajudem cada vez mais as pessoas. Os meus filhos ajudam demais as pessoas, dão emprego, colaboram com muita gente. Então essa função agora de sonho é esse. Eles estão criando família e eu não crio mais família. Não quero dizer que eu vou parar. Não, eu quero curtir com eles a minha felicidade, que eu busquei e dei pra eles e eles estão usando isso como um veículo de contato, de comunicação e tudo que eles aprenderam comigo eles estão aí dando pra outras pessoas, tirado as pessoas de lugares ruins, dando oportunidade pras pessoas que eles gostam, que eles querem, então toda a felicidade desse mundo é a minha família, e os meus amigos vêm depois. É que eu sou assim , eu sou muito família. Eu acho que o amigo ajuda , mas a família em primeiro lugar. O amigo ajuda até quanto ele pode, e quando ele não pode ele larga, “ah, eu fiz o que eu pude”, e família não, ela vai até o fim. Família vai até o fim, então é isso que eu falo. Primeiro, a minha família, depois eu faço o que eu posso pra algumas pessoas que merecem, né? Está todo mundo bem lá em casa, e eu fico feliz com isso. Teve uma reunião essa semana lá, com 40 mulheres. É de um projeto social que chama, como é que chama aquele projeto social? Eu não vou lembrar o nome, deu um branco. É um projeto muito famoso em São Paulo e tinha 40 pessoas desse projeto na minha casa. Eles estavam conversando e a banda parou um pouco de tocar. E por que parou um pouco? Ou a banda ou os projetos sociais, porque não dá pra levar tudo junto. Se eles pararem com a banda, o projeto social vai pra frente. Mas se eles pararem com o projeto social a banda também... Porque um traz o outro. Aí eles estavam na reunião deles lá e eu cheguei e falei olha gente, é o seguinte, os projetos sociais são muito bons, ajudam muita gente, é ótimo. Mas se um dia o meu filho falar “eu acabei com a banda, a banda não vai tocar mais”, eu não vou chegar pra ele e falar pra parar os projetos sociais. Mas eu vou ficar muito triste. Porque foi com a banda que a gente tem tudo isso que está aqui, foi a banda que puxou. Ele vem
dar entrevista e ele termina tocando. A banda em primeiro lugar. Você não pode largar a banda por causa de projetos sociais. Então vamos ver se a gente consegue ter tudo junto.
As pessoas bateram palmas, falaram “você está certo”, é o seu sonho e tal. É um sonho que não vai terminar nunca. A banda pra mim é uma coisa muito boa.A música é muito boa.
Por isso que eu aceitei na minha casa, porque eu adoro música. Então é mais ou menos por aí.
P2: Ainda mais fazer uma banda com a família, ainda mais que o senhor é tão família, então juntou as duas paixões: a música e a família.
R: Música na minha casa é 24 horas. Você vai agora lá tem alguém ensaiando, gravando CD, tirando fotografia, ou alguém que está aprendendo música,
ou o Fabio esta dando aula de energia renovável, ou falando sobre o gás. Pode ir lá que a minha casa é 24 horas cheia de gente. Todos correndo atrás do conhecimento deles.
A minha casa eu não consigo ficar sozinho, não consigo. E agora surgiu uma oportunidade pro meu filho de comprar um terreno muito grande, e ele conseguiu uma verba lá na Europa, e esse dinheiro ele não usou pra ele, uso próprio dele não. Ele comprou um terreno pra fazer um instituto. Ele disse: “Pai, aqui está pequeno para o que nos queremos fazer e eu olho e vejo
que o senhor fica um pouco incomodado porque aqui tem gente demais. Então eu acho que vou fazer outra coisa. Vou comprar
um terreno e fazer um instituto pra crescer e tirar esse movimento daqui pra você ficar um pouco à vontade com a mãe, vocês já estão ficando mais velhos e precisam
de um pouco de descanso e tal, então ele comprou esse terreno. É no Nakamura, tem 600m2, ele já conseguiu investidores. Esse prédio que ele quer fazer é sustentável, né? Tudo é sustentável. Vai ficar em 3 milhões e jamais ele vai ter 3 milhões pra fazer isso, nunca. Ele já conseguiu investidores. Arquiteto, engenheiro, ele estão encaminhando já. Daqui a um mês já começa a obra, uma obra de 3 andares, subsolo, teatro, música, Vegearte, energia renovável, coleta de chuva, gás, vai ter tudo isso aí. Ele já está com todo esse pessoal já na estrada.
P1: Olha só, o senhor está deixando um tremendo legado, uma tremenda herança, olha só que história incrível. E tudo que ainda vai acontecer.
R: Com fé em deus ainda vai acontecer.
P1: E tudo começou co o senhor. Realmente é incrível.
R: Por isso que eu digo, hoje eu me sinto feliz, realizado, porque eu estou deixando muita coisa. E agora já não é nem pra eles , é pra outras pessoas. Porque esse instituto vai ajudar muita gente no bairro. É no bairro que eles nasceram. Porque o Claudio fala assim: “eu não quero mudar de bairro, eu quero melhorar esse bairro. Eu não quero sair daqui, eu quero melhorar isso aqui.”.
P1: E o senhor também não quis sair, né?
R: Não, de jeito nenhum. Eu Estou lá há 40 anos e eu vejo muita coisa boa, muita coisa ruim. Mas coisa ruim não me interessa. Eu sou aquele tipo de pessoa assim: você me fala 10 palavras e eu vou olhar o que você falou pra mim de bom. Aquilo que você falou
de errado, de ruim, você pode estar falando, mas eu não sou obrigado a pegar o que você esta falando. Eu pego aquilo que é bom e vou usar isso pra mim e pras pessoas que eu acho que têm que levar essas palavras boas. Então lá em casa a gente funciona desse jeito. Nós somos 4 filhos, todo mundo se dá bem. Como eu falei, eu tenho uma dentista, uma psicóloga e dois músicos. Hoje é músico e muito mais do que músico.
P2: O senhor já tem netos?
R: Tenho 7 netos. Maravilha, um melhor do que o outro. Não que ele seja melhor. É que quando é pequenininho e uma graça, aí cresce e fica diferente. O pequenininho está ali, é uma beleza. Nós temos agora o Gabriel, que é filho da minha filha dentista, e o Gabriel não deu alegria só pra mim, deu pra todos do projeto que vão lá. Porque todo mundo que vai lá quer conhecer o Gabriel, aqui do Brasil, de fora do Brasil, porque é divulgado o Gabriel.
P2: O que tem o Gabriel?
R: Ele é muito bom, é um menino que nasceu um pouco diferente dos que já estão lá. Os outros já estão grandes. Como ele é pequeno, tudo o que ele faz pra nós é demais. Ele é muito inteligente. Ele tem um ano de vida, mas já faz tanta coisa que não dá pra acreditar que com um ano de vida faça aquilo. Eu acho que ele sabe mais do que eu mexer no computador, porque ele chega, pega um celular, liga e procura o que ele quer. Ele mexe em coisas que eu não sei mexer. Ele vai com o dedinho lá e puff, ele vê aquela imagem que ele gosta e se não gosta, passa pra frente e vai atrás de outra. Ele tem um ano de idade. Hoje se você me dá um celular, eu sei bem atender e ligar, mas se você me pedir outra coisa, eu não não tive tempo pra reciclagem. Então eu falo, ele é fora de série.
Ele pega os pauzinhos da bateria e já tem noção de tocar bateria pequenininho. Ele nasceu lá dentro, então ele tem uma facilidade muito grande. É o que eu falo, veio de deus mesmo, ele é muito bacana. Eu amo ele de paixão. E parece o meu primeiro filho Claudio quando ele nasceu. Então o meu neto é a coisa mais linda do mundo. Eu vou com ele pro sítio, nós temos um sítio. Inclusive esse sítio foi um cidadão que conheceu o Claudio em Portugal. Ele é da Suíça, mas conheceu o Claudio em Portugal. Ele se apaixonou pelo Claudio mais do que eu que sou pai. Eu não sei o que ele viu no Claudio, tanta coisa boa que se apaixonou e resolveu ser o patrocinador do Claudio, individual. Ele deu um sítio pro Claudio de 350 mil reais, ele comprou e deu pro Claudio. É um sitio na beira da represa. É uma coisa que eu jamais... Ele deu pro Claudio. Esse dinheiro que o Claudio comprou o terreno, que custou 370 mil reais, ele deu pro Claudio. Mandou o dinheiro e o Claudio comprou o terreno. O Claudio tem um carro que custa 40 mil, ele comprou o terreno. Mandou dinheiro pro carro do Fabio. Mas é o seguinte: ele mandou dinheiro, mas tem o troco disso aí. Uma mão lava a outra. O Claudio vai pra lá com a banda e ele banca tudo. Mas o Claudio não cobra cachê , não cobra nada. Toca 2 meses pra ele e não cobra o cachê. Ele nunca pediu o cachê da banda, não. Ele fala Claudio, preciso que você fique aqui 2 meses comigo e ele vai e leva a banda toda. Toca em 5, 6 países, faz show e não cobra dele, porque uma mão lava a outra. Então tudo o que o Claudio precisa ele banca, porque ele é um cidadão muito rico, nem sabe quanto dinheiro tem. Ele se apegou ao Claudio desse jeito e ele banca o Claudio. Tudo o que o Claudio tem hoje é bancado por esse cidadão e tudo o que ele quer do Claudio ele vai lá e faz as vontades dele.
P1: Ou seja, o talento e o valor do Claudio estão sendo reconhecidos.
R: Ele também é músico, quando o Cláudio faz show coloca ele no palco, ele não fala português, mas ele toca guitarra. Pra ele aquilo ali é a melhor coisa do mundo. Ele nunca viu uma favela de São Paulo, do Brasil. Hoje ele quando ele vem pra cá, ele vai nas favelas com o Claudio pra tocar. Um alemão, uma vida diferente. E ele consegue, fica feliz da vida. Esse sítio que ele deu pro Claudio é que ele tinha alugado pra ficar 20 dias aqui porque como alemão, ele tem uma vida bem diferente. Na favela ele se sente bem quando está no meio da muvuca, mas quando chega a hora de descansar, esses alemães não querem barulho, e lá em casa é barulho 24 horas por dia. Então o Claudio alugou esse sitio pra ele ficar depois do show e ele comprou esse sitio pro Claudio.
P1: Eu acho que a gente vai ter que marcar outra entrevista, porque o senhor tem tanta história pra contar! Hoje não é suficiente, acho que nós já temos que encerrar.
R: E estou aqui falando, mas quando chegar a hora pode falar chega. Eu tenho um história muito grande.
P1: O senhor tem tanta história boa pra contar!
R: Mas o que eu contei aqui foram coisas muito boas, das minhas lembranças, do que eu passei, o que eu sou hoje. E não sou rico, não quero ser rico, eu quero ter paz, muita amizade. Dinheiro é uma consequência, a gente usa o que tem. Pra ser feliz não precisa ter dinheiro, mas não pode viver sem ele. E estou muito feliz de falar com vocês. Eu já dei muitas entrevistas, mas nunca uma assim especial como a que eu estou dando hoje. Sempre falando em nome das pessoas, alguém me entrevistando, 5 min, 10min, e aqui eu estou me sentindo à vontade, de falar de tudo. Eu não contei historia triste, eu não gosto. Eu contei aqui coisas que eu fiz na vida.
P1: E pra gente foi um privilégio conhecer a sua historia e o trabalho incrível que o senhor e a sua família estãoi fazendo e vão continuar fazendo.
P: É muito bacana que como o senhor já conhece a proposta do Museu da Pessoa, agora a sua história é um patrimônio.
R: É um museu da história mesmo.
Museu não é só aquele que você vai lá e vê o objeto feito pelo fulano. Nós temos um museu da historia.
P: E agora o senhor faz parte dessa historia.
P: E as pessoas vão conhecer a sua historia.
R: O rapaz que me atendeu quando eu vim com o Claudio falou “ o senhor deveria contar a sua história”, eu falei não, rapaz, mas a minha história? E ele disse, você tem que contar. Se o Claudio hoje conta a história dele, o Fabio faz palestras no mundo inteiro, é porque foi o senhor que deu essa abertura pra eles fazerem isso. Então a história deles vem depois da sua.
P: Imagina os seus netos um dia vão poder ver esse vídeo, ouvir o senhor contando, assistir o senhor contando a sua história. Que lindo né?
R: Esse dia que eu dei uma entrevista pra esse pessoal de Londres, eles já colocaram na internet pra gente ver aqui, né? E os meus netos, como você falou, meus netos viram e falaram: Vô, o senhor está dando entrevista!” É filho, isso aqui é a historia do vô e tal. Porque o mundo deles hoje é outro, a facilidade deles é outra, a tecnologia, a vida que eles têm é outra. Mas não é melhor do que a minha . Quando eu era criança, eu vivia melhor do que esse pessoal aqui. Porque é diferente. Hoje eu criei meus netos, meus filhos com aquele cuidado violento, porque não foi fácil não. Porque aqui é diferente, é cidade grande. Porque aqui na idade deles no Nordeste eu vivia no Rio São Francisco, jogando bola onde eu queria, eu vivia pescando, eu tinha uma vida bacana. Muito boa, saudável. Eu nunca comi nada gelado, congelado, como eles comem aqui hoje. Eu sempre fui criado com coisas diferentes, eu queria uma fruta estava ali no pé, eu queria leite, ele era tirado da vaca e eu tomava o leite, entendeu? Nós tomamos um leite aqui que é água. Eles tiram tanta coisa dele pra fazer outras coisas que eu nem sei o que vem pra gente aqui. Então a minha vida quando eu era criança era diferente. Eu não tinha dinheiro, mas eu tinha a liberdade de vida e era muito boa. Tanto é que quando eu cheguei em São Paulo, eu queria ir embora, eu vi uma diferença muito grande.
P: : É por isso que tem que contar essa história, né?
R:
Tem que contar lógico. Eu não cheguei a contar história assim comprida, como eu falei pra vocês aqui, porque eram umas entrevistas muito rápidas, né? E os caras falavam, a gente precisa conversar mais com você. Mas não tem só eu aqui, tem um monte de gente, não dá pra contar a minha historia. Eu tenho que sentar e abrir um livro. Mas eu estou feliz aqui, eu achei muito bacana, foi muito bom. Eu agradeço a vocês por me dar essa abertura pra eu falar da minha vida. Está tudo aqui dentro, eu não esqueço nada. Eu ainda falei pro Claudio ontem que se eu sentar na cadeira pra falar eu vou precisar de uma semana, porque são 40 anos de trabalho.
P: Então vamos marcar mais entrevistas!
R: Se vocês precisarem eu estou aqui, porque eu tenho muita coisa. As melhores coisas eu estou contando agora porque ela me perguntou dos meus sonhos e o meu sonho é esse que eu estou vivendo agora. Vendo minha família bem, a casa que eu queria eu consegui, o carro que eu queria dirigir é meu. Tenho o meu telefone. As coisas que eu pensava. Coisas pequenas que qualquer pessoa pode ter, é só lutar um pouquinho porque não custa tão caro. É só você trabalhar. Era uma coisa que era impossível pra mim e de repente, eu estou aqui, contando sobre a minha vida.
P: Muito obrigada!
R: Eu que agradeço. De coração.
P: Nós vamos ficar de olho na banda, nos projetos sociais.
R: Eu gostaria que vocês fossem um dia conhecer o projeto da gente, comer uma comida Vegearte, comida orgânica. Conhecer os projetos do meu filho de gás, energia solar, energia renovável, da água da chuva. Eu não falei pra vocês que os meus banheiros são todos com água da chuva? Meus filhos fizeram um negócio muito bacana e hoje a Sabesp deve ter raiva de mim, porque eu pago uma conta muito pequena. O Fabio, que vai vir aqui, vocês vão gostar muito de entrevistar ele, chamam
ele de professor Pardal. Deixa
eu abrir aqui, eu com a camisa dele (abre a jaqueta e mostra a camisa). Ele já esta aí nas revistinhas.
P: Uau, olha só!
R: Ele é músico de formação, sem faculdade, faculdade da vida e da sabedoria. Aqui tem uma revistinha com ele.
P: Esse é o Claudio?
R: O Fábio, o inventor, o Professor Pardal. O Claudio é músico, de profissão, nunca fez faculdade, mas toca 42 instrumentos. Hoje ele é um produtor musical, por isso que na Europa ele se deu muito bem, porque tocar um instrumento não é fácil. Eu toco um violãozinho e não é fácil, imagina 42 instrumentos, e ele toca um melhor do que o outro. Ele não arranha, toca mesmo.
P: Nasceu pra isso. Ainda bem eu o senhor conseguiu enxergar o talento dos seus filhos e incentivou eles a seguirem os seus dons.
R: Esse aqui que é o Fabio, o Professor Pardal, vocês não iam acreditar. Vocês precisam ir na minha casa, eu falando aqui sou suspeito. Vocês precisam ver o que tem na minha casa, o orgulho que eu tenho dos meus filhos dentro da minha casa. O Que eu tenho lá de luz solar. À noite nós não pagamos luz pra Eletropaulo, é tudo luz solar. Colhido pelo sol de manhã e armazenado numas baterias. Nós não precisamos ligar a luz do corredor na tomada da Eletropaulo. Nós ligamos na tomada da luz de deus, que é o sol. Clareia a minha casa.
P: Isso ele também aprendeu sozinho?
R: Tudo ele, ele nunca fez faculdade alguma.
P: São autodidatas.
R: Eu como pai, fico pensando: O que eu fiz pra Deus pra ter uma família dessas? É muito bom. Lá em casa nós temos 4 carros e ninguém pede o carro do outro. O que está na garagem sai. Ninguém pergunta: posso sair com o seu carro? Não existe isso. Cada um tem seu carro, mas é de todo mundo.
P: É uma comunidade.
R:É uma comunidade. Não tem esse negócio de esse carro é seu... Não existe isso não. As chaves já ficam todas lá no contato, é só pegar. Ninguém fala, ah o pai saiu com o meu carro. Não fala isso, porque sempre tem outro carro lá e ele pega o do irmão. É uma mão lava a outra. E tem esse rapaz que esta aqui comigo, ele é ótimo. Ele está com a gente há muito tempo também.
P: É seu filho de criação?
R: É que ele vive muito lá em casa. Inclusive esse carro que ele está hoje era meu. O CLaudio passou pra ele e me deu um carro melhor. Pras minhas costas, pra dirigir melhor. Pra eu ter uma vida melhor, mais confortável. É tudo o Claudio, ele faz muito coisa. Se eu preciso de dentista não pago mais. Minha filha é uma dentista maravilhosa, ela tem um consultório na Faria Lima, faz 10 anos que está lá. E se eu tiver algum problema nervoso, tenho uma filha que é psicóloga e ela chama, pai vamos conversar.
P: Então está tudo coberto!
R: Vamos conversar, muito bom, muito bom. Fico feliz, obrigado pela atenção.
P: Nós vamos visitar eles. A gente vai aparecer lá.
R: Pode ir, é muito tranquilo. Nós moramos numa comunidade, mas tem muito respeito.
Pode ir tranquila lá, vai ser como se estivesse na sua casa. É muito bom.