Museu da Pessoa

Aprendendo a crescer

autoria: Museu da Pessoa personagem: Dorival Storari

Projeto Conte a Sua História


Entrevistado por Gomér Gonzaga e Viviane Longo
Depoimento de Dorival Storari
São Paulo 21/06/2017
Realização Museu da Pessoa Depoimento PCSH_HV592
Transcrito por Gomér Gonzaga e Viviane Longo

P/1 – Vamos começar do começo, se puder por favor se apresentar para gente, dizer seu nome completo e sua idade?

R – É meu nome é Dorival Storari, tenho 28 anos, completos hoje. É sou natural da cidade de Carlópolis, Paraná.

P/1 – Você tem um, eu sei que você tem um apelido, não tem?

R – Tenho.

P/1 - É o jeito que você gosta de ser chamado? Como que é?

R – Não, é hoje as pessoas me chamam de Dori. E eu gosto da maneira que as pessoas me chamam. É Dori mesmo.

P/1 – Dori

R – É como o pessoal costuma me chamar.

P/1 – A gente mesmo pode te chamar assim?

R – Pode

P/1 – Então tá. É bom, qual a data do seu nascimento?

R – 21 de Junho de 1989

P/1 – Certo, e você sabe o nome dos seus pais?

R – Sei. É o nome da minha mãe é Sueli Storari e o nome do meu pai era Dorival Alvares Nogueira.
P/1 – Você... desculpa. Você conheceu os dois?
R – Não, não, eu conheci só minha mãe. E o meu pai faleceu eu tinha um ano de idade. Ai tinha a minha irmã, que é um ano mais nova, então ela tinha acabado de nascer, eu tinha um ano quando meu pai faleceu. E aí, eu fui ter uma foto dele agora, mês passado que minha irmã me mandou. Uma irmã por parte de pai me mandou a foto dele e eu falei: quem é? Ela falou assim: é o pai, tal.

E aí, eu tenho guardado agora comigo.
P/1 – Que legal, e você quando viu a foto o que você sentiu?
R – Eu tinha uma recordação de uma quando eu tinha um 5 ou 6 anos, de ter visto uma, por que meu pai era boiadeiro, né. De eu ter visto uma num cavalo e eu com ele, né, só que bem pequenininho. E ai eu tinha só uma recordação assim, não lembrava, detalhadamente. E dai quando ela me mandou essa foto que eu vi, para mim não tem explicação, não tem. Pô era, esse cara era meu pai. Tipo, eu fiquei muito feliz na hora e falei: Valeu Dri por ter me mandado esta foto, tal. E ela: você não tinha nenhuma Do? Não, não tinha. E ela: se eu soubesse tinha te mandado faz tempo, tal, não sei o que. Então para mim foi uma grande realização, assim, né. Hoje ter uma foto dele comigo é muito gratificante, muito bom.
P/1 – É legal, foi uma surpresa, você não estava esperando.
R- Uma surpresa. Sim, a gente nem para pra pensar nisso, né. Pô não tenho uma foto do meu pai. Normal eu cresci a vida toda sem ter uma foto dele. Tinha esta mera lembrança que eu tinha visto uma foto em algum lugar. Não lembro se era na minha avó, na casa de alguma tia. Que eu tinha visto uma foto minha com ele. Mas ai quando ela me mandou, inclusive essa dai é uma foto de RG né. É uma foto tirada do RG dele, então ele está meio serião assim, e ai quando eu mostro para o pessoal agora o pessoal fala: nossa Dori sua cara meu. Caramba. (risos).
P/2 – Era isso que eu ia te perguntar se você se viu parecido com ele.
R – Sim, sim ele tem um rostão cumprido, assim, tal. E ai parece muito fisicamente.
P/1 – Legal, você pode contar o nome dos seus irmãos?
R – Posso (risos).
P/2 – Você tem quantos irmãos?
R- Então, é um pouquinho bagunçado. É por que é assim tem meus irmãos por parte de pai, antes dele conhecer a minha mãe. E ai tem meus irmãos por parte de mãe antes dela conhecer meu pai. E tem meus irmãos depois que ela conheceu meu padrasto que foi quando meu pai faleceu. Então são três grupos né de irmãos.
P/1 – Uhum.
R – Então tem os por parte do meu pai, que é a Dirce, a Adriana, o IO a gente chama ele de IO, por que ele chama Dorival também, se tem um outro irmão que chama Dorival né.
P/2 – Que engraçado.
R- Dorival, ai tem o Adriano, e a Noemi que é por parte do meu pai. E ai tem a por parte da minha mãe, que ai é a Gisele e o Silvio, antes do casamento da minha mãe com meu pai. E ai da minha mãe e meu pai tem eu e a Adriana, outra Adriana também.
P/2 – Nossa.
R – É, e ai depois que meu pai faleceu, que ela conheceu meu padrasto, ela teve mais três que é a Rafaela, a Regiane e o Junior.
P/1 – A irmã que te mandou foto é a?
R – Adriana, que é por parte mãe e pai.
P/2 – E vocês se encontram?
R – Então atualmente eles moram em Santa Cruz do Rio Pardo. Aqui em São Paulo só tem eu e a Regiane, né. Só eu e a Regiane que mora aqui em São Paulo, então ela frequenta a minha casa, eu frequento a dela. E, na verdade ela mais frequenta a minha casa, por que ela mora sozinha né. Então quando ela está de folga do serviço dela ela vem pra minha casa e tal. Mas os meus irmãos moram todos em Santa Cruz. O último foi agora mês passado embora para lá. E eu estou de férias do serviço e pretendo ir pra lá, se tudo der certo eu volto só dia 15 a trabalhar, então eu espero até o dia 15 ir pra lá e ai reunir todo mundo lá. Família é bem grande. E ai os por parte do meu pai eu nunca conheci pessoalmente. A gente conversa por, hoje em dia né, pelas redes sociais você encontra qualquer pessoa em qualquer lugar. E ai eu converso com eles pelo Facebook, por vídeo chamada, né a gente tem um contato assim. Mas pessoalmente eu ir lá em Carlópolis onde eles moram, outra irmã mora em Curitiba, aonde eles moram exatamente eu nunca fui. Já me chamaram várias vezes, mas a gente trabalha muito aqui em São Paulo. Lá no interior o pessoal tem tempo de para um pouquinho. A gente aqui em São Paulo não tem muito tempo para isso. E ai eles nunca fui para conhecer pessoalmente. Mas a parte da minha mãe, meus irmãos por parte de mãe é, a gente sempre está próximo, meu irmão morava aqui, foi embora mês passado. Então a gente sempre estava um na casa do outro, fazendo churrasco no final de semana, minhas filhas na casa dele, os filhos dele na minha casa. E ai como ele foi embora agora, ai acabou que eu fiquei sozinho aqui. Só a Regiane para vir agora em casa. É que por ele ser mais velho tinha essa coisa de meu vamos fazer churrasco, vamos fazer isso, aquilo. Ai a Regiane ela é menininha, ai ela é a mais nova, das meninas ela é a mais nova. Então ela vai em casa, ela quer ir arrumar o cabelo, quer não sei o que, então não é aquela bagunça que eu gostava de fazer com meu irmão.
P/1 – E como que foi o primeiro momento que você foi para o abrigo? Se de repente você conseguir falar das primeiras recordações.
R- Certo.
P/1 Como você chegou? Onde que foi este primeiro abrigo?
R- Meu primeiro abrigo foi em Santa Cruz do Rio Pardo, este serviço existe lá ainda, bom eu não sei, depois de grande eu não fui lá mais. Mas é a cidade onde minha mãe, meus familiares moram hoje. E foi muito pequeno que eu fui para lá. Assim a recordação que eu tenho é que a minha mãe ela não comenta dessa, ela não gosta de comentar dessa história, ela não gosta. Mas a recordação que eu tenho é que foi eu e meu irmão o Silvio e a Adriana. Fomos para lá, eu devia ter cerca de um a dois anos, a minha irmã também, por que ela é um ano mais nova do que eu. E meu irmão uns cinco anos mais velho do que eu, então fomos para lá. E aí, a minha mãe a gente não sabia onde estava, não tinha nem como saber também, de tão pequeno e eu acredito que foi assim do um ao cinco anos eu fiquei naquele serviço, no abrigo. E aí eu lembro que eu tenho algumas memórias assim, bem distantes de que, desse lugar, onde a gente morou né, não era ruim eu gostava de morar lá. Eu lembro que tinha uma educadora, uma funcionária, que aos finais de semana ela me levava para passar os finais de semana na casa dela. Mesmo eu pequeno eu me recordo muito disso e em Santa Cruz tem uma ponte e eu lembro que a gente tinha que passar por cima desta ponte pra ir na casa dela aos finais de semana e como eu era pequenininho eu ficava com medo de passar e ai ela passava comigo. Eu me lembro também de um casal de alemães. Meu irmão por ser mais velho, ele que conta né, consegue explicar melhor pra gente como que era, como que, pra mim e pra minha irmã, como que aconteceu. E ele fala que esse casal de alemães, eles queriam adotar eu e meus irmãos, e eu lembro que eles iam passar os finais de semana, eles iam no abrigo, e aí, depois que eu cresci eu fui jogar basquete, mas eu me lembro que ele jogava basquete, e aí, eu era pequenininho e ele pegava eu assim e colocava até a cesta para acertar, para arremessar e talvez por isso eu tenha gostado e fui jogar basquete também.
E depois de um tempo minha mãe apareceu novamente com este meu padrasto. E aí, chegando lá ela, foi ela queria tirar só a minha irmã do serviço, ia deixar eu e meu irmão e trazer só minha irmã para São Paulo, só que não podia ela tirar minha irmã e deixar eu e meu irmão. Se ela tirasse um ela deveria tirar o grupo de irmãos, né. E aí, ela precisou tirar eu e meu irmão também. Foi quando com cinco anos eu me recordo que eu e meu irmão fomos morar com a minha avó, a minha mãe veio para São Paulo com a minha irmã, e eu e meu irmão ela tirou mas ela não trouxe para São Paulo com ela, deixou a gente em Ribeirão Claro com a minha avó, aonde a gente ficou, eu fiquei até os sete anos e meu irmão acho que ele ficou um pouquinho mais, né a gente ficou até os sete anos de idade lá com a minha avó, posso ir dando continuidade?
P/2 – Claro a gente vai perguntando se precisar.
R – Até os sete anos de idade com a minha avó. E ai a minha avó, ela morava sozinha né. Ela era alcóolatra, tal, e o tratamento que a gente tinha na casa da minha avó, não foi dos melhores, por que assim eu me recordo de a gente ter que dormir no chão, num pedaço de tapete, a gente ia comer a gente não podia sentar na mesa, tinha que sentar no chão para comer, dar banho ela dava banho no tanque. E a gente sempre foi muito arteiro, eu e meu irmão, e eu a partir de seguir ele por ser mais velho. E ai a minha avó falava para a gente ir comprar alguma coisa, ela dava dinheiro para comprar alface, só que como a gente ficava tão preso, tão né, ali, que quando a gente saia a gente não queria voltar mais, saia de manhã para comprar pão e não voltava mais. E ai cidadezinha pequena, ficava na praça lá em Ribeirão Claro, ficava rodando, brincando com a molecada e não sei o que, e até que escurecia ai a polícia encontrava a gente na praça e – “vou levar vocês para Dona Luzia”, não não leva minha avó vai me bater não sei o que tal, daí ele levava a gente para a minha avó, ai ficava uns dias de molho em casa até ela liberar para sair de novo e comprar alguma coisa. E ai eu lembro que meu irmão falava, ele contando que minha avó falava para a gente sair para pedir as coisas e ai realmente a gente não queria voltar. O momento que a gente tinha para sair era o momento que a gente queria dar o perdido nela. Não queria voltar mesmo. E ai eu fiquei até uns sete anos de idade. E ia depois de ter morado com a minha avó eu fui morando com, fui morar com a minha tia, eu lembro da tia Cida, e ai ela já tinha três filhos né, foi um lugar onde eu gostei muito de ter ido morar, minha tia Cida pegou justamente, ela é irmã da minha avó, na verdade ela é tia da minha mãe, e ai eu lembro que foi um lugar que eu gostei muito de ter morado porque ela pegou eu da minha avó por causa disto, minha avó maltratava eu e meu irmão e ela foi lá e pegou a gente né para criar. Meu irmão não foi morar com ela. E ai eu fui morar com ela. Só que eu já tinha este hábito, ela tratava muito bem os filhos dela me tratavam muito bem, era um lugar onde eu gostava muito de estar, só que como eu já tinha este hábito de sair e não voltar eu saia para a escola, eu ia para a escola direitinho só que eu saia da escola meio dia e eu passava na praça e ficava na praça batendo card com os meninos, ficava brincando de esconde-esconde, pega-pega, então assim quando eu não voltava para casa minha tia já falava: “Kiko, Pixico vai lá buscar o Dorival”, e eles já sabiam que eu estava na praça e eles iam lá e realmente eu estava brincando com a molecada. – “ow a mãe está te procurando”. E eles me levavam para casa e eu ia numa boa. Só que eu já tinha pegado este hábito de sair e não voltar. E eu me lembro, uma recordação que eu tinha quando eu não ia para a escola, eles eram boia fria. Eles pegam o caminhão cedo para ir para o cafezal para trabalhar. E eu sai da casa da minha avó com sete então eu tinha um sete, oito anos. Eu queria acordar cedo para ir com eles. E ai eu queria subir no caminhão com eles, de madrugada e ia para o meio do cafezal. E ai lá tinha outras molecadas e a gente ficava brincando. Mas ai eu queria levar meia também para debuiar café junto com eles. Fazia um pouquinho e daqui a pouco dava um perdido no meio do cafezal, correndo, brincando. E ai a gente voltava no final da tarde, gostava de sentar com eles, eles eram muito bagunceiro, muito brincalhão, então eu gostava de sentar com eles na hora do almoço, pegar aquela marmita e comia e brincava com eles e ria. Quando a gente chegava em casa eles iam passar, é uma recordação que eu tenho até hoje, quando eu fui para o Paraná, eu fui na casa desta minha tia. E ai os filhos dela não moram mais com ela. Um deles está no exército né e ai ela ligou para ele e falou –“Kiko aqui tem uma pessoa que quer falar com você”. E ai quando eu falei com ele no telefone eu não falei nada. Só que eu falei assim: -“ow deixa eu perguntar: não tem mais o pé de mamão aqui não”, ai ele falou: -“que pé de mamão”, e eu: -“não é que eu queria passar leite de mamão aqui na minha mão para tirar os calos”, “Dorival é você mano” e ai por causa disso ele lembrou. Por que eles chegavam do cafezal, e ai realmente você fica debuiando café e da calo nas mãos, e ai eles passavam leite de mamão na mão e eu pequeno eu queria ir lá e passar também. E eu falava: -“passa aqui também se não vai ficar na minha”. E ai quando eu fui lá que eu liguei pra ele e só comentei isso e ele falou Dorival é você, o que você está fazendo ai moleque. Então na hora ele lembrou né. Então são recordações muito boas também desse tempo que eu fiquei com ela. Por um acaso, eu não sei o porque, não fiquei morando com ela. Fui morar com uma prima da minha mãe, que chamava Kelly, ela morava no fundo da sogra dela, ela tinha dois filhos. Eu me recordo que o marido dela sai para trabalhar de manhã, e ela deixava os filhos dela com a sogra dela, né. E ai me deixava lá embaixo sozinho, eu com oito ano de idade. Ela deixava os filhos dela lá em cima e eu ficava lá embaixo. O marido dela saia para trabalhar e ela também. Só que assim ela me deixava lá embaixo e não deixava comida pronta, ela não deixava nada, literalmente assim pronto para um moleque de sete, oito anos fazer alguma coisa. É um período assim que eu não gosto de recordar, mas faz parte da minha história e já contei outras vezes e assim, eu lembro que a sogra dela tinha um cachorrão e que as coisas ficavam guardadas num quartinho, e ai ficava um saco de ração bem grande neste quartinho e tinha umas revistas de vídeo game, e eu fazia o que, eu me escondia neste quartinho, ficava o dia inteiro lá e ficava vendo as revistas de vídeo game, nossa que legal e não sei o que e a hora que me dava fome eu ia comendo as rações do cachorro até a hora que ela chegava do serviço e eu não brincava com os filhos dela, porque eles ficavam dentro da casa da sogra dela. Ela tinha este tratamento quando o marido dela não estava. Justamente por que ele saia primeiro e quando ele estava ele me levava para passear junto com os filhos dele, eu lembro que ele tinha um bugue, final de semana ele fazia o bugue funcionar para a gente andar na rua. E eu ia junto, só que quando ele saia, que ela ia deixar os filhos dela lá em cima ela deixava os filhos dela e me deixava lá embaixo. Então é um, não tenho raiva dela, talvez seja o jeito que ela aprendeu a cuidar, não sei enfim, mas é um momento pra mim bem difícil. Outro dia estava com as minhas filhas em casa e eu tenho duas cachorras. E uma delas é bem grande e ai eu fui colocar comida para as minhas cachorras e ai minha filha falou assim: -“pai dá um pouquinho de ração?” E eu falei: -“Oxi para que você quer ração?” Ela falou: -“eu acho que é gostoso”. Só que para ela foi inocente. Ah eu quero experimentar uma ração de cachorro. E naquele momento me veio a lembrança da diferença eu comia por que estava com fome e queria comer, era o que eu tinha no momento então eu comia. E para minha filha não, foi algo assim, a mais velha tem quatro anos, ah eu quero comer, eu gosto.
P/1 – Curiosidade...
R – Como assim você gosta? Filha: -“Ah deve ser gostoso”. –“Não filha é de cachorro este daqui”, dai expliquei para ela. “-Você quer salgadinho a gente pega lá”. “Ah ta bom”, então assim, quando ela falou eu quero comer ração foi um baque, tipo assim você não precisa disso né. Mas não era questão de precisar ou não, é que ela por ser criança, ela queria experimentar. Então foi agora a poucos dias atrás que me veio isso. E não veio uma sensação....
P/2 – Você morou quanto tempo com esta prima?
R – Foi pouco tempo, por que assim, é com sete mais ou menos, seis e pouquinho eu sai da casa da minha avó. E ai fui morar com a Tia Cida, só que eu me lembro que com oito anos eu já morava com a Tia Maria, então eu já tinha passado pela Tia Cida, pela Kelly e tinha ido para a outra tia. Desculpa Kelly é uma Tia minha. É Sandra, o nome, desculpa eu errei.
P/1 – Não, tudo bem.
R – É que eu estava falando com a Tia Kelly a poucos minutos no Whats. É Sandra o nome dela, que eu morava. E depois eu fui morar com a Tia Maria e ai essa Tia Maria, foi muito bom também, eu lembro que ela tinha uma casinha muito humilde de alvenaria tal, mas era tudo bem rustico, nos tijolos tal. Eu lembro que chovia e a gente tinha que subir eu e o filho dela, tinha que subir para puxar a água que se não pingava dentro e ai tinha o marido dela que era o Tio Valentim. E ela criava uma moça que era a Gisele, que ela dizia que era filha da minha mãe, tá ela dizia que era filha da minha mãe, e a minha mãe por um longo tempo falou que não era, que era mentira e não sei o que. Enfim até depois que a gente cresce e vai descobrindo, não tem como esconder a verdade mais de adulto né. De criança a gente consegue tapear, disfarçar.

E realmente ela é minha irmã, minha do Silvio né. E morei neste período dos oito aos nove anos com a Tia Maria. Eu lembro que ela era, era uma casinha muito humilde assim sabe, eles eram pessoas bem humildes. Só que foi um lugar também onde, por eu ter saído logo em seguida da casa da Sandra e ter ido para a casa dela foi lá onde eu estava, estava ruim, mas onde estou agora eu estou muito bem né. E realmente lá, eu podia brincar, eu jogava bola, eu podia correr na rua né. Era em Jacareí interior de São Paulo, então eu lembro que ela era muito religiosa, católica. Eu lembro que toda seis horas da tarde ela colocava o radinho dela e ia fazendo janta e ela começava a rezar o terço, e eu lembro que ela levava a gente para a missa aos Domingos. A gente não entendia muito o que estava acontecendo, mas a gente ia por ser criança, e ai de sexta-feira a noite parava uma perua que vinha trazer pão, sopa, e ai ela falava para gente ir lá buscar né. Quando você é criança você não entende muito o porque, você não entende muito das condições financeiras. Isso para você pouco importa quando você é criança, acredito. E a gente ia na maior tranquilidade, a gente pegava a sacolinha ali, um pegava o panelão para pegar a sopa, e o outro pegava a jarra para pegar toddy, e a gente ia lá. Na sexta-feira era nossa janta, a sopa e dai no outro dia de manhã a gente tinha o Toddy e o pão para comer. E o pão ficava a semana inteira, por que eles davam um saco, uma sacola bem cheia. Era uma perua que parava próximo a quadra, a gente morava perto da quadra e a gente ia toda sexta-feira a noite lá buscar. Então assim era uma condição muito humilde, mas era uma, eu quando criança eu pouco me importava com isso. O que eu queria saber era que eu ia para a escola. Eu chegava e ficava jogando bola com meu primo, se minha tia tinha alguma coisa na geladeira e eu quisesse comer, ela falava: pode pegar filho. Eu sempre tive até hoje, as vezes em casa: Mo vou pegar tal coisa aqui na geladeira. Ela olha assim, por que eu criei este habito de ter que pedir as coisas para poder pegar. E ai ela falava: não precisa pedir não filho, é só ir lá e pegar. Eu cresci com isso e até hoje as vezes acabo passando batido, Mô vou pegar tal coisa na geladeira. Oxi pega você está na sua casa. Vai você entendeu. E ai, então assim foi muito bom este período dos oito ao nove anos. Com nove anos eu me recordo que foi um choque para mim. Por que assim, eu estava jogando bola, eu lembro até hoje, eu estava só de bermuda, jogando bola era uma garagem de terra batida, jogando bola com meu primo na garagem, encostou um carro, e ai perguntou pela tia Maria. Eu subi correndo e falei: -“tia Maria tem um pessoal lá embaixo chamando a senhora”. Ai quando minha tia olhou pela janela, eu lembro até hoje, ela olhou pela janela e falou assim: -“É a sua mãe, ela veio te buscar”. Eu chorava muito, eu sai correndo, me escondi embaixo da cama, me escondi no quarto e comecei a chorar e falar assim: eu não quero ir, eu não conhecia ela, não sabia quem era. Para mim era como assim minha mãe veio me buscar. Agora que eu estou legal aqui, agora que eu bem ela quer vir me tirar daqui. Não quero. E enfim, criança não escolhe né, então, simplesmente minha tia foi, arrumou as minhas coisas, e eu vim embora para São Paulo. Lembro que para mim foi muito difícil sair de lá, por que era um lugar onde eu já tinha me adaptado. Eu gostava muito de estar lá.
E ai chegando aqui em São Paulo, eh eu me deparei com mais, não tinha o Juninho ainda então me deparei com mais duas irmãs que eu não conhecia, que era a Rafaela e a Regiane, a Adriana, o meu irmão mais velho já morava com a minha mãe, então assim eu fui o último a vir morar com a minha mãe. Meu irmão mais velho já morava com a minha mãe.
P/2 – Aquele que morava no abrigo com você?
R – Isso, ele foi por uma outra trajetória, então eu não sei dizer por onde ele passou exatamente, mas eu lembro que ele já morava com a minha mãe. Minha mãe já tinha ido buscar ele. E ai tinha mais minhas duas irmãs a Rafaela e a Regiane, mas como assim, que eu me lembro não tinha estas duas aqui. O que estas duas estão fazendo aqui. Filhas do meu padrasto.
O meu padrasto, ele nunca aceitou muito bem eu e meu irmão. Por que quando ele conheceu a minha mãe, ela dizia para ele que só tinha a minha irmã. Ela não dizia de mim e do meu irmão. E ai foi uma surpresa para ele quando ele chegou lá no abrigo para tirar a minha irmã, e encontrou mais dois maiores do que ela. Maiores do que a Adriana que era quem minha mãe dizia que tinha apenas, mas como assim você não falou que só tinha ela? Vem mais dois agregados agora? Mais ou menos isso então ele nunca aceitou muito bem, eu e meu irmão. Ele era caminhoneiro, ele sempre foi muito rígido, referente a criação. Hoje graças a Deus eu tenho um bom vinculo. Não tenho aquele vinculo familiar tipo ai meu pai, mas por ele já estar com 70 e poucos anos, estes dias meu irmão me ligou e ele estava em vídeo chamada junto e ele falou: você não vai vir para cá não bunda mole? E eu falei: eu vou e tal. E ele falou vem para cá, pega o telefone do pai. Mas eu não chamo ele de pai, mas ele se refere assim. Pega o telefone do pai qualquer coisa você me liga, vem para cá qualquer coisa eu ajudo a pagar a passagem depois. Talvez hoje pela idade que ele tenha, ele queira suprir aquilo que ele não fez quando a gente era menor que veio morar com ele. Mas foi um tempo, não vou dizer que foi ruim, mas não foi a maneira que uma criança deveria ser tratada. Porque assim, por ele ter essa divergência entre eu e meu irmão, meu irmão já era muito para frente, por ser mais velho, ele saiu de casa com quatorze anos, quando a gente morava com a minha mãe. Foi morar sozinho e ai foi se virando, foi trabalhar nas peruas clandestinas, tal. E eu não, eu era menor, tinha nove anos quando vim morar em São Paulo. Então eu precisei continuar morando na casa da minha mãe ná, não tinha o que fazer. Fiquei com ela. Só que tinha aquela indiferença, ele comprava as coisas para as filhas dele, para a Rafaela, Regiane e Adriana só que para mim não. Ai minha mãe que tinha que dar um jeitinho ia lá comprava diferente ou não comprava né, quando podia. E a gente sentia, mas para mim, não é que não tinha importância. Talvez eu achasse que deveria estar naquele lugar, eu não sou filho dele então é assim que eu devo ser tratado. Talvez eu tinha essa visão, inconscientemente.
Enfim, dai fui crescendo, estudando nunca deixei de ir para a escola tal. Só que eu comecei a aprontar né. Aquela velha mania voltou de ir para a escola e não voltar para casa. Sai de manhã para ir para a escola, voltava dez horas da noite, já com uns doze, treze anos.
P/2 – E o que você fazia neste período? Quando você era criança você falou que jogava bola.
R – Eu ficava na casa de amigos. Tipo saia da escola e eles falavam: vamos lá para minha casa tal. Ai ia pra lá, já deixava a mochila lá. Ficava o dia inteiro, ia para casa de um, depois ia na casa do outro, ou então ia lá para o centro esportivo e foi quando eu indo para o centro esportivo eu comecei a me interessar por jogar basquete. Ai me chamaram para jogar na escola. Comecei a jogar no time da escola, comecei a disputar campeonato pelo DEF, e ai foi assim um período com treze anos que eu disputava campeonato no DEF eu comecei a focar em jogar basquete. Eu saía da escola e o treino era sempre depois pós aula. Era da 13:00 as 14:00, eu saia meio dia da escola, e até as 14:00 eu ficava no treino de basquete, só que acabava o basquete e eu não queria voltar para casa. Eu acho assim, todo mundo sai, eu tenho essa sensação e eu posso dizer o que é. Eu saio e tem hora que eu não vejo a hora de voltar para minha casa. Só que eu, eu não tinha essa sensação de eu não vejo a hora de vir para minha casa. Eu não queria estar na minha casa. Eu tinha justamente esta sensação: Não quero voltar para minha casa. Eu quero estender o máximo possível o tempo na rua para não ter que voltar para minha casa. Então para voltar só para dormir mesmo que realmente não era tão agradável. Então assim, eu ficava até as duas no treino e ai eu descobri que tinha treino no centro esportivo de terça e quinta, que hoje é o clube da cidade, e ai comecei a treinar também no clube da cidade. Eu treinava do 12:00 as 14:00 na escola. Aí sai correndo por que 14:30 tinha treino no centro esportivo. E ai eu treinava das 14:30 as 16:00 no centro esportivo. E dai eu chegava cansado. Ai voltava para casa, as vezes passava em algum lugar no meio do caminho. Até os quatorze anos continuei jogando. Participei com alguns amigos meus que foram peneira para jogar no Palmeiras. Fiz algumas para jogar, porém eu não tive muito, como que eu digo, muito apoio da minha família. Tipo: vai mesmo se é isso que você quer. A minha mãe sempre cobrou muito por meu padrasto não me dar as coisas, ela sempre cobrou muito por eu ter que conseguir as minhas coisas. E ai eu parei de jogar para conseguir o meu dinheiro. Por que já que ela me cobrava tanto eu queria o meu dinheiro. Já que ela fala que eu tenho que ter as coisas pelo meu esforço então eu vou. E eu comecei a cuidar de carro na Av. Mutinga atrás do Bradesco. Então eu saia da escola e já não ia mais para o treino, eu sai do treino de basquete e ia lá perto do Bradesco para cuidar de carro para conseguir meu dinheiro, por que eu queria as coisas, só que ela não tinha como me dar e meu padrasto também não me dava. Então já que eu tinha que conseguir, eu ia conseguir de algum jeito. E comecei a cuidar de carro, as vezes falava para o vizinho da frente: -“está cheio de grama a sua calçada, você não quer carpir?” -“Ah! Capina então Dori”. Capinava, fazia o cimento e na primeira chuva que vinha levava tudo. Mas era legal por que eles incentivavam. Dori cresceu a grama de novo você não quer carpir? Eles me davam 10, 15 reais. Na época eu capinava passava cimento vinha a chuva e levava. Todo mês eu estava fazendo alguma coisa.
Final de semana, eu me lembro, no Sábado eu acordava muito cedo, por que tinha uma feira próximo da minha casa, e eu acordava muito cedo para perguntar se alguém precisava de ajuda para trabalhar na barraca. Então todo Sábado eu estava lá. Um Sábado eu trabalhava numa barraca, no outro eu trabalhava em outra. Neste período dos treze aos quatorze anos. E ai eu lembro que eu tive meu primeiro emprego numa mulher que ela era dona de uma máquina, uma loja de fliperama de uma lanchonete. E ela me via todo Sábado trabalhando na barraca e ela falou assim: -“você trabalha aqui, não trabalha? “E eu: ah as vezes eu trabalho aqui, as vezes estou na outra. E ela: -“Você não quer trabalhar aqui na coisa de fliperama?” E eu falei: -“é sério?” E ela: “vem amanhã ai que a gente conversa”. E eu: tá bom.
Dai eu fui lá. Ai comecei a trabalhar lá, saía da escola ia para lá trabalhava lá. Não deu muito certo por que era uma loja de fliperama. Você colocar um moleque de quatorze anos para trabalhar numa loja de fliperama. Ai vinha meus amigos lá eu dava uma ficha para um, uma ficha para outro. Dai enfim, foi meu primeiro emprego.
P/2 – Você ficou quanto tempo lá?
R- Ah coisa de meses, uns três meses e tal. E ai voltei a cuidar de carro lá em cima. Nesse período eu comecei a me envolver com outra molecada. Meu irmão as vezes aparecia em casa. Ele já conhecia o Subtenente da polícia militar que era o Presidente da Instituição do abrigo, então ele já tinha conhecido o Subtenente. E ai ele começou a ajudar o meu irmão, pelo meu irmão ter saído com quatorze anos, agora meu irmão já estava com dezessete, dezoito anos. E esse subtenente estava ajudando meu irmão. E ai eu comecei a fugir de casa, com quatorze anos, eu realmente comecei a dar muito trabalho. Por que não era o ambiente que eu queria ficar. Na rua para mim era muito melhor, eu preferia estar na rua, comecei a fugir e conhecer uma outra galera. Conheci uma galera que fumava maconha. Que já era mais malandro, arrumava dinheiro de outro jeito. Era mais dinheiro que eles arrumavam do que eu arrumava cuidando de carro. Eu estava ficando para trás né. Eu olhava por este lado e pensava estes caras estão só andando com tênis da hora e eu aqui mano. Eu fugia de casa e comecei a me tocar para a favela com esta rapaziada. E ai tinha uns barracos da favela, que eu ficava entocado, ficava dias lá entocado até minha mãe me achar. A minha mãe ia com os filhos do meu padrasto e me buscava, levava para casa de novo, daí eu fugia de novo.
P/1 – Sua mãe ficava brava com você?
R – Ficava muito.
P/1 – Vocês discutiam muito ou não?
R – Eu nunca fui de discutir com a minha mãe. Eu sempre tive um respeito muito grande por ela. Tanto por ela e acho que por todas as pessoas que cuidaram de mim eu sempre tive um respeito muito grande. Eu sempre fui uma pessoa muito respeitadora ou respeitosa. A minha mãe falava era lei, eu não discutia. Só que não significava que iria fazer aquilo que ela falou tá! Eu preferia não discutir para não apanhar na hora. Por que minha mãe sempre foi muito estourada. Se ela falasse e eu discutisse, eu tenho recordações da minha mãe jogar panela de água quente na minha irmã, minha irmã fechar a porta para não acertar, ela sempre foi muito da pá virada. E ai eu lembro que uma vez eu nesta fase que eu estava, eu estava de volta em casa e ai eu falei para minha mãe vai ter uma festa em tal lugar, assim, assim assado eu posso ir? Pode só que onze horas você tem que estar aqui de volta. Eu falei tá bom onze horas estarei de volta. E ai eu cheguei justamente onze horas, ela me deu a chave do portão. Minha mãe nunca teve isso de dar a chave na mão de filho, mas ela me deu a chave do portão. Eu entrei e quando eu entrei meu padrasto, ele também sempre teve problema com álcool. E quando eu entrei eu lembro que meu padrasto estava cortando, como ele era caminhoneiro e trabalhava com carne ele trazia a peça de carne e ai ele ficava fazendo os bifes na peça. Eu entrei, fui para o banheiro tomar banho, cheguei onze horas, minha mãe já estava dormindo por que ela acordava cedo para ir trabalhar. Quando eu fui tomar banho, que eu tirei a camiseta estava só com a calça, meu padrasto deu uma pesada na porta do banheiro e ele estava com um fio de cobre dobrado. Ele tinha um fio de cobre guardado, dobrado quatro vezes e ele onde você estava? E eu disse minha mãe sabe onde eu estava. E ele não quero saber se sua mãe sabe, quem manda aqui sou eu. E eu falei dá licença para eu tomar banho. Ai ele pegou o fio para me bater e eu peguei e virei. Acertou as minhas costas. Na hora que acertou sangrou na hora. E eu lembro que empurrei ele e sai correndo. E quando eu fui sair pelo portão ele já tinha trancado o portão. Eu me lembro que era lança e a mureta. Eu escalei e passei pelo vão da lança e da mureta. E desci correndo e eu me lembro que tinha uma irmã de um amigo meu, o Flavio, que ela estava lá embaixo e quando ela me viu e eu passei correndo com as costas sangrando eu estava indo direto para a favela, falei vou acabar com a raça dele, está pensando o que? Ai estava indo direto para a favela falar com os caras. E ela veio correndo atrás de mim. Me segurou e falou o que que foi Dori e tal. E eu falei: -“me solta, me solta, vou pegar este cara e tal”. Ela falou: -“não, calma vamos conversar.” A gente sentou conversou, conversou, conversou, e ai ela me convenceu que a melhor forma era chamar a polícia, ela chamou a polícia, eu me lembro que passamos a madrugada na delegacia. Retornamos só de manhã. E só deu um boletim de ocorrência para ele. Depois disso foi meio que a gota para ele. Por que ele falou assim: como

que eu posso criar um cara aqui dentro que quer chamar a polícia para mim, e a minha mãe acabou ficando do lado dele. De que eu estava errado. Foi quando meu irmão conversou com o tenente, que era dono do abrigo né, Falou assim: “ó meu irmão esta assim, assim, assim na casa da minha mãe, será é que ele pode vir pra cá?”; “e ele falou: vamos lá, a gente vai no conselho tutelar e a gente resolve esta situação.” Ai ele foi no conselho tutelar e pediu o meu abrigamento por que não dava para eu ficar na casa da minha mãe e do meu padrasto. E ai foi quando eu retornei para o abrigo com quatorze anos.
P/2 – Nessa época você chegou a usar droga? Por que você comentou que andava com um pessoal que usava.
R- Então nessa época não. E assim quando eu fui para o abrigo com quatorze anos...lá no abrigo eu conheci muitos outros meninos. Conheci muita gente boa, mas também conheci uma molecada que era muito da pá virada.
P/2 – Nesse, quando você chegou com quatorze anos?
R – Com quatorze anos. Então mesmo eu sendo assim do jeito que eu era. Eu era o mais bonzinho do abrigo, né, eu era mais bonzinho do abrigo. E ai já tinha uma molecada que já tinha morado na rua mesmo, já, desde os sete anos morando na rua e em abrigo. E fugia e ia pra rua. E ai eu conheci Tíner, cola, né, com essa molecada. Ah não meu vamos dar uma fugida do abrigo. Daí comecei baforando cola. Ai conheci maconha, né eu digo assim que eu conheci a droga quando eu fui para o abrigo. Tá eu fui lá para ser a garantia dos meus direitos, mas foi ao contrário, né. Foi garantido, mas a molecadinha que tava lá, ai foi quando eu conheci né realmente a maconha, o principio foi isso mesmo, maconha, tíner e cola, era o que a gente usava, dentro do abrigo. A gente saia do abrigo e fumava maconha, a gente ia para o lago a gente levava garrafinha de tíner para ir baforando na linha do trem. Ia para tal lugar levava cola para baforar, cola de sapateiro. E ai foi onde eu conheci estes primeiros contatos com a droga né. Só que mesmo usando, quando você começa é tudo tranquilo. Não é que você começa e já desiste de estudar, desiste de tudo, não. Você concilia tudo, vai. E ai eu tinha voltado a estudar, estava estudando. Foi quando eu comecei, ao invés de jogar basquete, jogar vôlei na escola. Já tinha uns meninos que jogavam vôlei na escola. E ai o professor de Educação Física ele trazia, queria trazer muito os meninos do abrigo para tentar trabalhar está molecadinha, sabe. Então ele me convidou também para jogar. Eu falei não sei nunca joguei e ele a gente aprende. Ai comecei a jogar. E ai comecei a fazer curso. Tanto é que a droga nesta fase era mais de zoeira mesmo. Coisa de molecada a noite ia lá e escondia uma garrafa de tíner durante o dia para a noite quando estivesse no quarto ficar zoando, né para isso. E ai foi quando eu fiquei dos quatorze aos dezesseis neste abrigo, foi onde eu conheci o primeiro contato com a droga foi lá; Só que lá eu criei muitos vínculos como o (?), a Najara, o Vitor, tem um outro amigo nosso o Anderson Paraíba, ele está na rua até hoje. A gente tenta de todas as formas tirar ele dá droga, tirar ele dá rua. A gente sabe onde ele fica que é lá em Perus, a gente passa lá, eu passo lá de carro e falo ai Paraíba. Eu vou justamente no mercado onde ele cuida de carros justamente para ver ele e tentar tirá-lo de lá. Por que tem mercado mais próximo da minha casa, mas eu quero ir lá justamente para vê-lo. Para falar ae Paraíba e ai mano. E ai já decidiu sair da rua, vamos. Por que eu só posso ajudar a partir do momento que ele quiser. Só que ele precisa saber que eu estou disposto a ajuda-lo. Então por isso eu estou sempre indo lá. E ai então eu criei os vínculos né; Só que com dezesseis anos eu voltei a morar com a minha mãe. Eu estava trabalhando no Mac Donalds Foi como eu falei eu conheci a droga, maconha, cola e o tíner, mas isso não mudou em nada a minha vida né a princípio, por que ai eu estava estudando a noite, comecei a trabalhar no Mac Donalds e fazer curso no Senac, né no jovem aprendiz. E ai estava nesta rotina, dai minha mãe falou: Acho que agora. Dai tentaram meu desabrigamento. E ai eu voltei com dezesseis anos para a casa da minha mãe. Ai o primeiro mês foi tranquilo, eu estava trabalhando tal, segundo mês tranquilo, terceiro mês já fiquei meio assim, tranquilo porque eu falo assim, eu recebia ai minha mãe queria que eu desse o salário para ela. Eu dava mas eu falava assim: Caramba viu. Doido para comprar alguma coisinha mas está bom, dei a primeiro mês, dai o segundo mês, ai quando estava três meses de serviço eu sai para ir pra escola

a noite sexta-feira à noite quando eu passei no banco já fui na intenção já, vou para a escola mais cedo que ai vou passar no banco ver se caiu o pagamento e quando eu passei no banco tinha caído o pagamento. Ai cheguei na porta da escola e falei: e ai vamos para o role hoje? Ah vamos, ai juntou eu, mais um amigo lá e uma menina.
Ai juntos nós três e vamos para o role. Sexta-feira à noite, enfim resumindo a gente ficou eu saí na sexta-feira para sair para ir à escola e eu retornei na minha casa só no Domingo a tarde. Tá eu fiquei no role de sexta para sábado, sábado para domingo e domingo à tarde eu retornei em casa. Só que domingo à tarde eu retornei com os dois por que eu só ia trocar de roupa e ia sair de novo. Quando eu entrei em casa. Minha mãe já estava, né. Por aqui já, por que já devia ter me procurado. Ela não falou nada. Eu lembro até hoje que ela falou assim: Pode pegar a mochilinha que você está pega suas roupas e volta para onde você estava. Não mãe é que eu sai assim, assim, assado, vamos conversar. Não, não quero saber, pega as suas coisas e pode ir embora. Eu não mais... pega suas coisas e pode ir embora. Eu falei a senhora tem certeza e ela falou tenho. Aí eu peguei e virei o material assim, era meio topetudo as vezes, não discutia com ela, mas joguei o material, coloquei umas peças de roupa e falei então tá bom já que a senhora tem certeza eu estou indo. Coloquei a mochila nas costas e fui embora, foi a última vez que eu morei com a minha mãe. Daí sai sem eira nem beira, saí com os dois lá ainda. Vamos para o peão, tal. Fui para o peão; E ai assim, por que eu já estava com dezesseis anos nesta época, por que eu já tinha morado no abrigo, eu já tinha fugido do abrigo outras vezes, eu já tinha ficado uma ou duas noites na rua, eu voltava para o abrigo,

eu já tinha conhecido um pouco mais como era ficar na rua como era, então para mim né, já tinha conhecido, conhecimento um pouco maior, né com dezesseis anos. Já tinha um conhecimento maior com dezesseis anos, então pra mim pouco fazia a importância, ah! Tá bom eu fico na rua. Já sei para onde ir, já sei o que fazer. Eu sei que seu eu ficar embaixo do viaduto o pessoal vai trazer coberta para mim, vai trazer comida, tem onde eu ir comer, tem onde eu tomar banho, por que na rua tem tudo isso. E ai fui. Ai fiquei um ano. Acabou que eu acabei perdendo o emprego, por que eu não ia trabalhar mais, né. E eu fiquei um ano nesse, fui morar com um amigo meu que estava junto no role. O Madruga, dai fui morar com ele. Ele morava com a mãe dele, a mãe dele aceitou eu ir lá. Ai fiquei um ano lá. Com dezessete, é por que é assim, quando você é amigo e vai tudo para o mesmo role, beleza. Só que assim agora eu morava dentro da casa dele né, como que eu ia ficar indo só para o role, só para o role e não ia trabalhar e não ia fazer as coisas, ai já começa a incomodar. E ai a gente teve uma discussão e eu sai da casa dele. Eu estava com dezessete. E pensei assim po faz um ano vou voltar para a casa da minha mãe. Vou bater lá, já faz um ano e ela já deve ter esquecido já.
Dai fui com a cara de pau, bati no portão, quando eu bati no portão lembro até hoje a minha irmã que é a Adriana que eu falei que a gente é muito próximo. Ela veio até o portão e falou assim: -“e ai Do o que que foi?” E eu falei assim: -“chama a mãe lá”. Ai ela foi lá dentro e falou com a minha mãe. Mãe o Do esta lá chamando a senhora. Ai a minha irmã voltou e falou assim Do a mãe falou que não vai sair aqui fora não e que não quer nem falar com você. Não Dri, mas fala para ela que eu quero falar com ela. E ela falou não adianta, você sabe como que é a mãe. Minha irmã veio eu lembro até hoje ela tinha R$5,00. Ela pegou me deu R$5,00 e falou assim o Do, você está com dezessete ainda, procura um abrigo de novo sabe, é volta para o abrigo, procura o conselho tutelar, você conhece a mãe, a mãe não vai deixar você entrar, ai eu lembro até hoje dai eu falei beleza Dri. Dai sai fui no conselho tutelar e eles me levaram para o Creca Lapa, era época dos Crecas ainda, com dezessete anos, Creca era só uma casa de passagem né, você ficava no minimo três meses e era encaminhado para um abrigo fixo. Só que um adolescente com dezessete anos que serviço um abrigo fixo vai fazer com ele. Por que ele já está com o pé fora do serviço, então assim eu vou colocar ele lá para quando der dezoito anos eu colocar ele para fora de novo, não tem o que fazer. E ai nenhum abrigo me aceitava. E ai eu fiquei um ano dentro deste Creca Lapa que era casa de passagem, então eu via todo mundo, entrando, saindo, entrando, saindo. Entrando indo para abrigo fixo, entrando indo para abrigo fixo. E ai ficou eu, o Vitor, o Marcelo, eu lembro que a gente ficou até os dezoito anos. E ai quando eu completei dezoito anos. Eu tinha me encaminhado de novo, tinha parado de beber, que eu gostava muito era beber, né, quando eu saia, quando eu fiquei de sexta a domingo eu fiquei bebendo, não fiquei usando drogas, não fiquei nada, eu fiquei bebendo, fiquei bebendo. Então assim, quando eu fiquei, ai eu parei voltei a estudar, fui fazer o Campwest de novo. Tava encaminhando ai comecei a trabalhar no poupa tempo da Sé. Completei dezoito anos ai tava em fase de exército né, dai me alistei, falei que eu queria servir, eu ia fazer o que, eu ia servir o exército coloquei como voluntário, por que eu ia servir, eu ia morar dentro do quartel. A gerente do abrigo falou que final de semana quando eu saísse do quartel eu podia ficar no abrigo né, então tava tudo começando a ficar encaminhado. Se não desse certo o quartel eu já estava trabalhando no poupa tempo da Sé, né. Então eles decidiram que eles iriam alugar uma casa e como tinha eu e mais dois que iam sair do serviço, eu já tinha completado dezoito e ainda estava no serviço, tá por que pediram para estender a minha medida. E ai eles iam alugar uma casa e mobiliar ajudar a gente a pagar os primeiros meses de aluguel até a gente começar a caminhar sozinho. Só que eu com dezoito anos, eu já tinha passado tanta coisa, já estava todo topetudo, mais topetudo ainda do que achava que era, achava que podia enfrentar todo mundo e agora com dezoito anos então piorou né. Ai eu me lembro que teve um educador que estava de plantão eu comecei a discutir com ele e tal e não sei o que, e ele começou a jogar na minha cara que eu não tinha mais direito ao serviço não sei o que, tal, tal, tal, e eu como sempre com meu orgulho arrumei minhas coisas e falei assim eu realmente não preciso do seu serviço não, abre o portão que eu estou indo embora. - Não a Regina falou que não é para abrir o portão para você, você vai jogar tudo fora. – Você não está jogando na minha cara que eu não preciso do serviço, que eu já tenho dezoito anos, você não tem a obrigação de ficar me aguentando, então você não tem a obrigação de ficar me aguentando abre o portão que eu vou embora. Não, não vou abrir. Tá você não quer abrir não abre, dai joguei a mochila pelo portão. Escalei, pulei e fui embora, só que assim, eu já tinha dezoito anos, não tinha mais como eu correr para o serviço de, para o conselho tutelar e pedir para mim voltar. Não tinha mais. Novamente o orgulho de achar que eu podia fazer o que eu quisesse, fui bater na casa do Bruno. Tá que morou comigo no outro abrigo. E ai ele me acolheu na casa dele, porém ele estava casado com a Thais, que era umas das meninas que eu falei que a irmã dela está na foto. Ele estava casado com a Thais. E ai ficou meio chato eu lá morando na casa dele e ele casado com ela tal, né. E ai acabou que eu fui para Perus, quando eu fui para Perus eu fui morar com o Vitor. E ai logo depois o Bruno veio e veio o Paraíba também. E ali eu falo que em Perus, foi onde eu comecei de vez a desandar né, por que estava tudo muito bem encaminhado para mim. Mas lá em Perus eu conheci a Cocaína. Já fumava um baseadinho e tal, mas ai uma noite a gente tomando cerveja chegou um carinha lá e falou Canela, meu apelido era Canela na rua tá, vamos cheirar um pó aqui, o mano nunca fiz isso não, to legal, não só um tequinho aqui. Ai colocou um negocinho pequenininho ai falei ah meu não deu nada mano isso aqui, não mas é só para você ficar acordado mesmo, de boa. Ah! Tá bom então.
Ai no outro dia também né. Então quero ficar acordado, já que não dá nada mesmo, assim, cheirei o negócio e não dá nada, isso aqui vai viciar. E ai comecei. E ai já não, a gente saia para procurar emprego, Eu, o Bruno, o Paraíba, daí tinha umas meninas que a gente se organizava para sair de manhã para procurar emprego, só que a gente saia de manhã para procurar emprego, só que para a gente acordar tinha que cheirar cocaína para procurar emprego, ai a gente cheirava e ia procurar emprego, só que quem procurava né? Ia para a rua para gandaiar, não entregava currículo em lugar nenhum, enfim a gente tinha que pagar aluguel, tinha que pagar, água, tinha que pagar luz, acabou que cada um foi para um canto, eu comecei a me envolver com as coisas erradas lá na região de Perus. Comecei, nunca me envolvi com o tráfico, sempre achei que não era a minha praia. Tinha o contato do pessoal, os caras me consideravam, tal, mas não era a minha praia. E ai eu comecei a me envolver com assalto, né, eu achava que era mais rápido, do que po tenho que trabalhar a semana inteira no tráfico o cara pode me pegar aqui depois vou né, então mais fácil assaltar que é uma vez só e o dinheiro é imediato. Ai eu saia de Perus, ai juntei uma, construí uma ganguezinha ali. Eu, Paraíba, Alemão, Naiumi e tal, organizei eles e vamos para o centro roubar? Vamos. Ai ia para o centro, roubava e voltava para Perus e ai vendia o que a gente tinha roubado, tal, não sei o que. Dinheiro imediato. Ai passava a noite na zoeira, dois, três dias acabava o dinheiro e ia de novo. E ai ia lá pagava o aluguel só, gandaia zoeira, ai comecei a me afundar mais, comecei a me afundar mais e mais e ai conheci o Crack né. E ai comecei a fumar o mesclado só, não não fumo pedra pura, fumo o mesclado que é maconha misturada com pedra. Só que ai eu já não queria mais, quando eu assaltava ou fazia alguma coisa assim, eu não queria mais pegar o dinheiro e pagar o aluguel primeiro. Ai eu queria primeiro comprar o crack para fumar o mesclado. Dai eu já não queria mais pagar o aluguel. Dai eu tive que entregar a casa, eu lembro até hoje que a situação que eu entreguei a casa para a mulher eu entreguei fugido. Por que eu simplesmente coloquei a chave na porta e sumi. Por que a casa não tinha condições de morar alguém dentro daquela casa. Né, por que era aquele monte de louça na pia, aquele mundaréu de roupa suja no canto, por que não ficava mais dentro do guarda roupa. Não tinha mais água, não tinha mais luz por que já tinham cortado tudo. Então você imagina como que estava a casa. Eu simplesmente não tive coragem de entregar a casa, eu simplesmente coloquei a chave na porta do lado de fora e sumi, fui embora. Até hoje eu não sei qual foi a reação que a mulher teve quando ela entrou dentro da casa dela. Acho que ela falou nunca mais alugo casa para a molecada. E ai fui morar na rua em Perus, só que assim, o conceito que eu tinha já em Perus, ah! O Canela. Onde eu chegava, po tinha o grupo dos roqueiros, eu encostava eu bebia com o pessoal roqueiro, dai tinha um pessoal que curtia black eu encostava-la eu curtia com o pessoal que curtia black, ai tinha o pessoal que ficava no bar do beiramar, eu curtia com o pessoal, então eu encostava em todo lugar eu conhecia todo mundo. Não só eu, era eu, o Paraiba e o Bruno. Eu já não tinha mais este conceito, por que? Por que eu estava usando crack, eu queria ficar intocado, eu queria ficar embaixo do viaduto lá. E ai eu fui morar embaixo do viaduto. Tanto é que quando eu passava pela praça em Perus eu passava escondido, rápido por que eu não queria que ninguém me visse naquela situação. E quando as pessoas lá do local, ficaram sabendo que eu estava morando embaixo da ponte, do viaduto, dai eu comecei a cuidar de carro onde é que o Paraíba cuida até hoje. Que é onde eu vou para encontrar ele. Que o pessoal começou a saber que eu estava lá, eu comecei a ficar com vergonha, dai foi quando eu sai de lá e fui para o centro de São Paulo. Dai fui para o centro de São Paulo, já tinha conhecimento um pouco do centro, Vale do Anhangabau, Nove de Julho, que quando eu era moleque e fugia do abrigo era a região que a gente ficava, como eu já conheci um pouco eu falei vou para o centro. É mais fácil lá, ninguém me conhece e eu consigo me virar melhor. Fui para o centro de São Paulo. Chegando lá eu fui para a região do Belém. Fui lá para a região da Zona Leste, para o Bras, ai conheci uma casa que chama restaura-me da Aliança de Misericórdia. Onde a gente ia lá tomava banho, comia. E depois voltava para a rua de novo. Eles tinham casa de recuperação também, eu tentei caminhar com eles, eles me chamaram, falaram meu sai da rua e tal, eu tentei, tentei por umas quatro vezes estar lá na Aliança de Misericórdia. Eu fui uma vez fiquei um mês, voltei para a rua, fui fiquei três semanas e voltei para a rua, ai foi diminuindo o tempo. Eu fui fiquei duas semanas e voltei para a rua. Ai fui fiquei uma semana e voltei para a rua. Eu achava assim ah! Não tem jeito mais, eu tenho que ficar na rua. E ai eu fui parar numa maloca.
P/2 – O que te fazia voltar para a rua?
R -

Ai já era o uso de drogas né. Por que ai eu já estava no uso do crack, né então era justamente o uso das drogas e eles tinham o trabalho com o processo de restauração né. Casa de recuperação, então eu ficava este período e ia embora. E ai conheci uma maloca lá em, maloca é onde se reúne os irmãos de rua, assim embaixo do viaduto, e assim quando você vê uns três dormindo junto, chama maloca. E ai eu via, conheci uma maloca, me chamaram ah vamos lá para o Belenzinho e tal. Por que lá no Belenzinho, porque assim a gente dormia embaixo do viaduto ai de manhã quando a gente acordava ia para o São Martinho que era do outro lado d viaduto, São Martinho era uma casa de acolhida onde você ia tomar banho, comer ai você podia passar o dia lá ai final da tarde eles fechavam e você ia embora, você podia lavar a sua roupa, comer, tomar banho enfim é a situação de rua acaba acomodando muita gente não sai da rua porque é uma situação favorável pra quem está na rua porque assim dormir é o de menos, porque você quer ficar na rua para usar droga. Então assim você tem onde você comer, você tem onde você tomar banho, você tem onde lavar roupa. Então para que eu vou pagar aluguel, água, luz. É mais cômodo viver custeado pela prefeitura né. Muita gente não sai da rua por conta disso também. Ai junta com o uso de droga, com a adicção e acaba sendo favorável. Então eu posso continuar usando droga, mas eu não deixo de comer, de tomar banho, não deixo de ter o lugar que me dê assistência. E fiquei nessa maloca né. Ai eu conheci um rapaz lá o Rubens, que passou um final de ano no natal e eu fui para Perus só para fazer um role e quando eu voltei, ele não estava mais na rua. E eu lembro que a gente fazia tudo junto, eu e ele, eu e esse Rubens. E ele não estava mais.

E ai eu fiquei sabendo, ah o Rubens passou um pessoal da igreja ai e levou o Rubens para a casa de recuperação e eu falei: mano o Rubens foi para a casa de recuperação mano, caramba maior vacilão, não sei o que, me deixou sozinho aqui. Por que tudo que eu fazia era eu e ele na rua. Ai depois de uns três meses, eu já estava bem debilitado na rua sabe, eu me recordo de que quando ele veio, ele veio numa pastoral com os missionários, e ai ele falou assim para os missionários, que eu me lembro quando ele, me contando depois, ele falou assim: tem um amigo meu que mora em tal viaduto, vamos passar lá que eu quero tirar ele da rua, que ai no caso era eu. Ai eu me lembro que os missionários passaram e ai me chamaram para ir embora, não irmão vamos sair da rua e eu: eu não quero. E eu lembro que estava deitado embaixo do viaduto e eu estava muito bêbado, muito, muito, e eu não, não quero, não quero, sai daqui me deixa. E eles falaram ah ta bom irmão a gente está indo para tal lugar, a gente está indo para a Igreja se você quiser ir depois a gente vai estar lá, se por acaso você quiser ir a gente estará em tal lugar. Dai eu falei ta ta ta vai lá. E ai eles foram. Realmente eles foram. E eu fiquei lá. Só que aquele período que eles foram embora e eu fiquei lá deitado onde eu estava muita coisa começou a passar assim pela minha cabeça. Por que eu já estava numa situação assim eu já não aguentava mais sair para roubar por que assim quando eu fui para esta casa de recuperação eu pesava 45 kilos, para você ver hoje eu peso noventa. Então, um cara com 45 kgs vai roubar quem né, vai roubar o que? Só se for celular no meio da rua né. E olhe lá, capaz de tomar um tapa e sair voando. Então assim, eu tava no que eu pessoal na rua chama de corote né. Eu estava só tomando pinga. Dá-lhe pinga, dá-lhe pinga, dá-lhe pinga. Aquele sol quente rachando na cabeça, se toma pinga pra dentro, toma pinga e daqui a pouco puff capota onde você está mesmo. Eu já estava nessa situação. E ai começou a passar um flash pela minha cabeça, e eu falei assim: eu não quero acabar aqui, onde eu estou. Não é isso que eu quero para mim. Não foram exatamente com essas palavras mais, mais ou menos isso que passou assim pela minha cabeça. Será que é aqui que eu vou acabar, será que é aqui o meu fim mesmo. Por que realmente eu já tinha essa esperança, essa expectativa de que ali seria o resto da minha vida, ficar ali daquele jeito até que uma hora que alguém viesse, puxasse uma faca, como já aconteceu várias vezes na rua. De eu ter que dormir com faca embaixo do colchão. Por que eu estava tretado com outro cara que já tinha me ameaçado também com faca. E já tinha tretado um com o outro com faca e eu vou dormir com a faca aqui por que se ele vier ou é eu ou é ele. Então assim eu já estava com esse pensamento vai ser aqui o meu fim, como vai ser eu não sei mas vai ser aqui. E aí, quando esses missionários passaram e eu vi o Rubens junto... alguma coisa me despertou. Eu lembro que eu levantei, quando eu fui na igreja que eles falaram que eles estariam, eles não estavam mais. E aí, eu lembro que o padre dessa paróquia que eu fui falou assim: “Ah, eles vão estar lá na São José do Brás, tem que descer ali, tem que andar a Celso Garcia todinha até...”, e eu falei “Não” a ponto de você desistir, os caras falaram que iam estar aqui, e estão em outro lugar, mano. Mas do jeito que eu estava, lembro até hoje: estava com a minha mochila, coloquei a mochila nas costas os cobertores e desci atrás deles. E aí, no meio do caminho, eu lembro que eu tinha o cachimbo na bolsa, tinha o isqueiro, garrafa de Corote e, no meio da avenida, catei e joguei tudo no meio da avenida, joguei assim, os carros passando, eu joguei no meio da avenida e falei assim: “Não quero mais essa vida pra mim”. E fui andando até os missionários, só que assim... quando eu cheguei lá, eu já estava são, eu estava muito ruim – eu lembro – caído no chão, mas quando eu cheguei lá eu estava são já. E aí, os missionários falaram assim: “Pô, irmão! Você veio mesmo, e não sei o quê...” “Falei que eu vinha, meu, ô, vocês não encham o saco, vocês querem que venha na hora que vocês querem” “Não, fica com nós aí, quer tomar um banho e tal?” Aí, lembro que eles me acolheram muito bem lá na igreja, eles ficavam num salão, quando eles faziam pastoral de rua eles ficavam num salão pra depois encaminhar os irmãos pro sítio, né? E aí, a gente ficou ali o final de semana no salão. A gente tomou banho e tal, a gente comia lá com eles. E aí, eu lembro que, no domingo, teve um evento que eles faziam no final, eles faziam um evento, e aí veio um irmão dar uma pregação e contar o testemunho, o Paulinho, nome dele. Foi uma pessoa muito importante também na minha caminhada de restauração que... quando ele contou a história dele, era também uma história muito impactante, né, porque ele estava... quando ele conheceu, decidiu mudar de vida, conheceu Deus, ele estava justamente nessa situação. Ele não tinha forças pra levantar, porque ele já estava dominado pelo álcool, pelo... né? Ele não conseguia assaltar mais, não conseguia fazer mais nada ele só bebia e ficava ali largado mesmo onde ele estava. E aí, eu olhando esse rapaz eu falei assim: “Se esse cara...”, ouvindo a história dele eu falei assim: “Meu, se isso for verdade o que esse cara tá falando, se ele mudou de vida, eu posso mudar. Se ele mudou de vida eu também posso”. O cara era pior que eu. Eu fui justamente... A Missão Belém, ela tem várias casas, várias. E eu fui justamente pra casa daquele rapaz, do Paulinho. Foram divididos os irmãos, uns foram pra Jarinu, outros pra Rio Grande da Serra, e eu fui justamente pra São Mateus, pra casa dele, e ele era coordenador dessa casa de recuperação onde eu fiquei os meus seis meses. Eu, quando estava com quatro meses, eu me lembro que ele já me colocou como orientador, como monitor lá da casa, porque assim, a Missão Belém trabalha da seguinte forma: ela pega os próprios irmãos que estão em restauração e vai colocando como monitor, pra ajudar aqueles outros que estão vindo, né? E aí, aquele monitor que já tem mais tempo, que já caminhou, terminou a caminhada dele, vai, de nove meses, aí vai e tem uma outra casa, vai precisar de um coordenador que pegue esse cara que é monitor, que é vice-coordenador, ou que é monitor de uma outra casa, e aí vai, como a gente sempre disse é “náufrago salvando náufrago, né?” E esse Paulinho, ele me deu muita força, porque várias vezes eu quis desistir, né? Como eu desisti outras vezes na Aliança de Misericórdia, que eu fiquei um mês, três semanas, duas semanas. Por várias vezes, várias, várias, várias eu quis desistir. É muito difícil o processo do vício da droga, pra você sair, é uma coisa assim, que só quem passa pra saber o que é realmente. É um sentimento que não dá pra explicar, e é uma coisa que eu vou ter que viver pro resto da minha vida, tá? “Ah, eu sou ex-adicto, eu sou ex-usuário de droga”. Não, seu sou ex-usuário de droga, mas adicto eu vou ser pro resto da minha vida. Talvez num momento de fraqueza, não vou falar assim... “Ah, Dori, então você nunca mais voltar a sentir vontade de usar droga?” Não, mentira, eu sinto todos os dias vontade de usar drogas, só que todos os dias eu preciso lutar contra essa vontade e pensar o que eu vou fazer da minha vida: eu quero voltar pra onde eu estava ou quero... né? Então, assim, quando a gente deixa de usar droga, é isso, é uma luta constante pro resto da vida. Por isso que a gente vê tantas pessoas, tantos anos limpo, e depois volta porque é pro resto da vida que vai ter que conviver com isso. Por várias vezes eu quis desistir, e esse Paulinho não permitiu que desistisse, ele sempre esteve muito próximo de mim. Tanto é que, quando eu... na comunidade, eu me batizei, eu crismei, eu fiz a primeira eucaristia, dentro da comunidade, né, e quando eu fui me batizar, ele foi meu padrinho, ele e a esposa dele, a Luciana. E uma coisa que ele sempre falou, ele falou assim “Ó, talvez esse seja sua última chance de mudar de vida.”, ele sempre deixou muito claro isso: “Talvez essa seja a última chance, talvez se você sair daqui hoje e voltar a usar droga, você não tem a oportunidade de voltar pra cá, mudar de vida, tá? Porque talvez, você pode morrer ali. Essa é sua última chance, tenha isso na sua mente, essa é sua última chance”. Então, até hoje eu trago isso comigo, foi minha última chance, se eu voltar pra vida que eu tinha antes pode ser que eu não volte mais a sair dela. E uma coisa que ficou muito marcado em mim é que depois de tantos anos... E aí eu fui conhecer o William, eu fui trabalhar com as crianças. Aí, só voltando pra comunidade um pouco, eu [fiz] meu processo de restauração, fui monitor dele, fui vice-coordenador dele, depois eu decidi ir pra casa das crianças. Só que antes de eu ir pra casa das crianças, o padre precisou de uma ajuda na casa de Bragança Paulista, que era uma casa de vôzinhos debilitados, né, então, eram senhores que moravam na rua, que eram cadeirantes, eles não tinham movimento, alguns faziam tratamento por causa da AIDS. Então a gente foi pra lá, fui eu mais três pra lá. E eu: “Meu, eu quero ir pra casa das crianças, o cara me manda pra casa dos vôzinhos, mano... pô, tenho que limpar a bunda dos vôzinhos, não tenho paciência, mano”. Aí eu pensava assim: “Pô, não tive nem meu pai pra fazer isso, vou ter que fazer com os outros agora, né?”. Mas, enfim, é colocar... Aí o coordenador, quando eu cheguei, ele me colocou com um rapaz lá, um senhor, Seu Graciano, lembro até hoje. Seu Graciano, ele tinha tido um derrame, e aí, ele perdeu os movimentos, ele tinha movimento, mas bem debilitado, aí tinha que dar banho nele, tinha que trocar. E eu dormia no mesmo quarto que ele, então assim, era a cama dele debaixo e a minha de cima, era nós dois no quarto e eu tinha que cuidar dele, né, e aí, eu fiquei três meses lá, nessa casa. E aí, eu peguei um carinho muito grande pelo Seu Graciano. Ele era um velho muito ranzinza, muito, muito, muito, muito. Aí, você acordava de manhã e você falava assim: “Bom dia, Seu Graciano!” “Eu quero meu café”. Era a primeira coisa que ele falava, você tinha que trazer o café dele. Eu ia lá, trazia o café dele, antes de dar banho nele. Aí, esperava ele tomar café pra depois ir dar banho e tal. E aí, com o tempo, nesses três meses, quando eu estava pra sair, eu lembro que eu acordava e já brincava com ele: “E aê, mijão, vamo tomar banho, mijão?!”, aí ele: “Heh”, ele dava risada, sabe, ele falava: “Vamo” “Então vamo, então”. Só que eu lembro, quando eu cheguei, que ele era muito ranzinza, né, e eu já brincava com ele, sentava com ele e ficava conversando horas e horas. E aí, eu com três meses lá, chegou um telefonema, era uma irmã da comunidade, a Irmã Cacilda, falou assim: “Dorival, arruma suas coisas que o pessoal de São Paulo tá indo aí com a perua, quando eles voltarem, você volta pra cá, você vem pra Igrejinha (que é onde o padre e a Cacilda ficavam), você vem pra Igrejinha que o padre quer conversar com você”. Falei “Putz, mano... o que aconteceu agora, né?” Aí arrumei minhas coisas, quando o pessoal voltou com a perua, eu voltei pra São Paulo, chegando lá, eu passei o final de semana trabalhando com os dois, o padre e a Cacilda, e eles não me falaram o que era. Quando foi no domingo, ela falou assim: “Pode pegar suas coisas, porque a Jaqueline da casa das crianças está vindo e você vai embora com ela.” Eu falei: “Eu vou pra casa das crianças?” Ela falou assim: “Você vai pra casa das crianças”. E a minha vontade, sempre que eu estava na comunidade, sempre foi trabalhar na casa das crianças. Por que? Pelo fato de eu ter morado no abrigo, eu queria fazer alguma coisa por aquelas crianças, porque eu sei que não é fácil, por melhor que seja o abrigo. Não é fácil, tá, você viver num abrigo, né, e... eu queria. A minha vontade era trabalhar com as crianças. E aí, eu tive essa oportunidade na Missão, só que lá a gente era missionário, a gente não recebia nada em troca, e aí eu fiquei mais ou menos três anos e meio, três anos, trabalhando com as crianças lá.
P/2 – Você tinha quantos anos, mais ou menos, nessa época?
R – Eu já estava com 19... 21... quando eu fui pra casa das crianças, eu estava com 21, 19, 21 anos, 20 anos eu estava, porque aí com 23 mais ou menos eu saí da comunidade, tá, então, eu estava com 20 anos, no meu primeiro contato que eu tive com a casa das crianças. E aí, fui pra casa... no Valo Velho, que é lá na Zona Sul, no Capão Redondo, e aí, foi quando eu tive meu primeiro contato, comecei a trabalhar com as crianças, e aí eu fui como monitor, né. E aí, depois de lá, fiquei um ano lá. Aí, de lá, fui transferido pra uma casa, outra casa das crianças, e aí era com os menorzinhos. Nessa do Valo Velho, era só adolescente. Aí essa outra era meninas e crianças pequenas, que era da Nazaré, em São Mateus. Aí fui pra lá, e lá continuei mais um ano, aí depois fui de volta pra Itapecerica da Serra, porque aí me colocaram como coordenador da casa, na época eu era monitor, aí me colocaram como coordenador da casa. E, assim, como coordenador, é diferente de um serviço de acolhimento que segue as normas da prefeitura, do CREAS porque você precisa ter uma equipe técnica dentro do serviço, que aí você tem o gerente, assistente social e psicólogo. Lá na comunidade não. A gente que tinha assistente social, psicóloga que respondia pro Fórum, mediante as crianças, mas na casa não tinha. Na casa era só o coordenador da casa e os monitores, e os meninos, tá, então assim, o coordenador, ele preenchia todos os relatórios e encaminhava pra equipe técnica, que ficava no Belenzinho. Então, assim, o coordenador é responsável pela casa, a verba que vinha, ele tinha que administrar, era o que eu fazia quando eu estava... era coordenador. E, assim, eu estava com 21 anos, né, e eu lembro que vinham alguns voluntários e falavam assim: “Mas quem é responsável aqui pela casa?”, aí eu falava assim: “Eu” “Não, mas... Dori, quantos anos você tem?” Eu falava: “21” “Mas você é muito novo pra coordenar uma casa desse tamanho, com esses meninos, com criança”. Eu falava: “Não sou eu que faço, é Deus que capacita, então a gente vai fazendo”. Aí eles ficavam impressionados, e eu tinha monitor que tinha 43 anos, 30 e pouco, o William mesmo, que é meu amigo, ele é mais velho que eu. Então, meus monitores eram todos mais velhos que eu, e eu era coordenador, né. E aí eu comecei a caminhar, eu decidi... aí quando eu era coordenador lá, eu decidi sair da comunidade, né, por que? Porque eu conheci uma voluntária, ela trabalhava numa ONG, e ela falava assim: “Você já pensou fazer o que você faz aqui e ser pago por isso?” Eu falei assim: “Ó, acredito que não” E ela: “Por que não?” “Eu aprendi que quando entra dinheiro, quando você faz por dinheiro, você não faz por amor, então, eu prefiro fazer por amor do que fazer por dinheiro”. Ela falou assim: “Mas um dia você vai sair da comunidade, não vai?” Eu falei: “Não sei” “Mas se um dia você sair, você vai ter que trabalhar” aí eu: “Sim, vou ter que trabalhar” aí ela falou: “Então, você pode trabalhar com isso” Eu falei assim: “Sério?”, ela falou assim: “Sério”. Aí, quando eu estava caminhando pra sair, ela pediu um currículo meu, ela falou assim: “Dori, você tá saindo, não tá?”, e eu falei: “Tô, tô saindo, tô procurando emprego pra poder me estabilizar e sair”. Aí ela pediu, ela conseguiu, na ONG que ela trabalhava, ela conseguiu um emprego num abrigo pra mim, trabalhar na ONG que ela trabalhava, e aí foi quando eu saí da comunidade, conheci a mãe das minhas filhas, não é a Patrícia – minha atual esposa – conheci a mãe das minhas filhas, quando eu saí da comunidade. Casei, tive minhas três filhas, depois de três anos, não deu certo, nós nos separamos. Aí, foi quando eu conheci a Patrícia. E aí, desde então, desde que eu saí da comunidade, eu trabalho com criança e adolescente, né, não penso em trabalhar hoje em outra área. O que eu faço, até hoje, saio de uma... se eu sair de uma, vou pra outra, se eu sair de outra eu vou pra outra.
P/2 – E hoje, qual é o seu trabalho?
R – Hoje eu trabalho num abrigo, eu sou orientador sócio-educativo, sou educador, né, no abrigo. É porque é assim: dentro do abrigo, pra você ser técnico, ou gerente no serviço, você precisa ter Ensino Superior, aí você precisa ter Serviço Social ou Psicologia, pra ser técnico, e aí, pra gerência, só precisa ter o Ensino Superior independente do... mas é bom que seja na área de Humanas mesmo, né? Então, eu trabalho nessa área. Tô fazendo o ENEM, tô tentando o PROUNI, tô tentando tudo quanto é coisa pra conseguir entrar na faculdade, mas tá difícil, mas a gente chega lá.
P/2 – Você fez até o Ensino Médio, né?
R – Fiz o Ensino Médio completo. A minha vontade é fazer Psicanálise, mas já procurei em algumas instituições, só que é bem salgadinho, né? Então eu preferi adiar um pouco esse plano, aí pretendo fazer Serviço Social, quando eu estiver atuando como assistente social, aí eu faço psicanálise. Então é só dar uma esticada, pra gente chegar lá. E aí, hoje eu trabalho com crianças e adolescentes, trabalho justamente no serviço de acolhimento. Só que eu trago muito da minha história como experiência pros meninos, porque assim, quando você trabalha no serviço de acolhimento, você se depara com várias realidades. Cada um é uma história, tá, e, muito deles, falo dos adolescentes, né, porque é, como a gente falou, as crianças são muito... quando vêm os voluntários no abrigo, falam: “Ah, que bonitinho, quero fazer com as crianças, fazer com os pequenos”, e os adolescentes acabam ficando um pouco mais de lado, por eles serem mais rebeldes, por eles não quererem participar das atividades. É normal da adolescência, né, a gente... eu não faz muito tempo que eu saí dela, então... (risos). Então, assim, eu uso muito da minha experiência de vida com os meninos, porque... mas eu espero o momento certo de... ah, ele tá surtando, ele quer quebrar a casa, quer... então eu vou lá conter ele, eu vou segurar ele, vou esperar ele se acalmar pra gente conversar. E ai, muitas das falas que eu ouço dos meninos que não conhecem a minha história e tal, é falar assim: “Ah, mas você não sabe o que eu tô passando, você não sabe o que é ficar aqui dentro trancado”. É muito comum você ouvir isso dentro de um serviço de acolhimento, de um adolescente. Na verdade, é uma maneira... um mecanismo de defesa dele, tá, porque, justamente, ele falar pra você assim: “Você não sabe o que eu tô passando”. Você sabe o que ele tá passando? Não. Realmente, a gente não sabe o que ele tá passando, né? Então, é um mecanismo de defesa pra ele justificar aquilo que ele está fazendo. E aí, quando eles usam isso, e aí por eles não conhecerem a minha história, é onde eu uso. Falo assim: “Então... pelo contrário, você pode falar isso pra qualquer um, qualquer um que trabalha aqui dentro você pode falar ‘Você não sabe o que eu tô passando’, pra mim não.” “É, mas, por que, tio, você acha que é fácil ficar aqui dentro?” “Não é fácil, sabe por que? Quando eu tinha a sua idade e também morava num serviço de acolhimento, pra mim também não era fácil. Eu também queria quebrar, eu também queria fazer... Eu falava a mesma coisa que você tá falando pra mim, que eu não sabia que os outros... o que eu estava sentindo. É o que você tá falando pra mim hoje. Eu já falei também isso antes. Só que eu sei o que você tá passando, porque eu passei”. E aí, é onde eu uso, né, disso a meu favor, de “Pô, deixa eu te ajudar, eu tô aqui, eu sei como que é, eu sei que não é fácil, eu sei que, pô, você queria estar na sua casa, você queria estar com a sua família. Só que, independente da sua história, eu tô aqui pra te ajudar. Posso te ajudar? Eu sei o que você tá passando e como é, só que eu só vou te ajudar se você deixar”. Então, hoje eu uso isso muito a meu favor, né? Eu conversava esses dias com um amigo meu, que eu estava contando pra ele do projeto, e ele falou assim: “Dori, existem dois tipos de pessoa, né, aquelas que preferem esconder a sua história e aquelas pessoas que preferem usar a sua história a seu favor, e você, eu vejo uma pessoa que prefere usar a sua história a seu favor.” Eu falei assim: “Justamente isso, a minha história é quem eu sou, se eu não puder usar ela pra ajudar outras pessoas e fazer disso uma motivação pra mim, não tem sentido a minha história então, e é justamente isso”. Hoje, com alguns desses que eu falei no decorrer da entrevista, eu tenho um projeto que eu construí já há muito tempo na minha cabeça ele já...
P/2 – Desde quando ele existe na sua cabeça?
R – olha, acho que desde que eu comecei a trabalhar com criança e adolescente. Mas começou a se concretizar, a formar algo... assim, eu queria trabalhar com criança, com adolescente. Eu queria. Eu tinha isso na minha cabeça. Só que não queria só trabalhar no serviço de acolhimento, no abrigo, tipo dia sim, dia não, 12 horas e depois eu volto pra minha casa. Não era isso, não é isso o que eu quero, tá, trabalho porque eu gosto e é a maneira que eu posso fazer hoje e ser remunerado por isso porque eu também preciso de um salário, né? Mas, o meu projeto de... tipo assim, ó é isso o que eu vou fazer no projeto, foi no meio do ano passado pra cá. E aí, em Dezembro eu comecei a colocar ele pra funcionar. De que maneira? Apresentando pras pessoas, falando: “Ó, tô com esse projeto, assim, assim e assado”. Como exemplo, pro Milton, do NECA: “Meu, tô com um projeto assim, assim e assado, Milton, será que dá pra gente... você me ajudar, eu não sei o que fazer, eu não sei como começar...” E aí, o Milton foi uma das pessoas que apostaram, né, nesse projeto. O projeto é o seguinte: o intuito é pegar eu, a minha história, a do Bruno a da Najara, a do William que passou pela rua pelo uso de droga, mas não passou pelo serviço de acolhimento, é pegar as nossas histórias e de outras pessoas que eu quero muito que através do projeto, comece a funcionar, outras pessoas que moraram no serviço de acolhimento

se interessem em fazer parte, porque existem muitas pessoas que moraram no serviço de acolhimento e a gente não sabe, tá. Às vezes eu já estive em lugares que eu estava conversando com a pessoa e a pessoa: “Ah, então, eu morei em serviço de acolhimento”, aí a pessoa: “Pô, eu também morei” “Por que você não falou?” Tipo, as pessoas parecem que têm medo de falarem, né? E através desse projeto, eu quero trazer essas pessoas que também moraram, que também tiveram isso e possam fazer parte e agregar justamente com esses meninos. Então, assim, o intuito é usar da nossa história pra esses meninos, né, de motivação pra eles, de tipo assim “Eu passei por isso, mas eu passei porque não tinha ninguém pra me apoiar, tá, eu passei por isso porque eu não tive ninguém pra que tivesse no lugar onde eu estou hoje, conversando com você pra me alertar, ou pra me dar um apoio emocional, um apoio, sabe... uma estrutura. E nós estamos aqui pra te ajudar. Você quer?” Então, nosso projeto é isso, é ir no serviço de acolhimento e acolher justamente esses meninos de 15, 16, 17 anos que estão pra sair do serviço de acolhimento, que é onde a cabeça deles começa a entrar em parafuso: “Não sei o que vou fazer, não sei pra onde eu vou, minha família não pode me acolher. O que vai ser de mim?” E aí, mostrar de forma dinâmica, a gente quer trabalhar tudo isso de uma forma dinâmica, com palestra, eu toco, o William toca, com música, sabe? E criar esse vínculo com eles e mostrar pra eles, falar, justamente: “Ó, tô saindo do abrigo.” “Tá, o que a gente pode fazer?” “tá trabalhando?” “Tio, tô trabalhando, mas...” “Então tá, a gente vai com você, a gente vai com você, a gente vai na imobiliária, a gente vai procurar uma casa, a gente vai fazer isso. Tem mais alguém que tá saindo?” “Tem, tem mais alguém.” “Então, vamos fazer o seguinte: aluga uma casa você e ele junto” Entendeu? Então, é dar a mão pra eles e ajudar eles a fazer tudo isso, né, então esse é o nosso intuito, o intuito do projeto. Então, é justamente pensando neles. Por que? Pensando na dificuldade que eu tive, pensando na dificuldade que o Bruno teve, que a Najara teve, que nós tivemos de chegar aonde nós estamos hoje, né? A gente tem uma vida confortável, eu sou rico? Não, não sou. Mas eu tenho o meu emprego, tenho minha família, sabe, eu tenho o meu carro, posso chegar mais longe? Posso. Batalho todos os dias pra isso. Mas daonde eu estava, daonde eu saí, e onde eu estou hoje, pra mim é uma grande superação. Então, eu penso assim, nesse período de tempo... aí você me fala assim: “Dori, mas você é tão velho assim pra ter vivido tudo isso?” Não, não sou, eu tenho 28 anos, né, eu tenho 28 anos e eu já passei por tudo isso, então, eu penso assim, vamos pôr, dos 18 aos 28, dez anos de que eu saí do serviço de acolhimento, dez anos, olha tudo o que eu fiz, então vou colocar dos 28, que é quando começou o meu projeto, esse ano, dos 28 até os 38, onde eu quero estar, né, são mais dez anos pra frente. Então, se dos 18 aos 28 anos eu passei por tudo isso, então dos 28 aos 38 eu tenho muito mais pra passar e eu vou estar muito mais além do que eu já...
P/2 – Como que se chama o projeto? Tem nome?
R – Tem. O nome é “Aprendendo a Crescer”, porque, de certa forma é isso, eles vão aprender a crescer, eles vão... como é ser adulto? Eles sabem como é ser criança e adolescente, que eles podem fazer tudo o que eles quiserem, na hora que eles quiserem, porque o ECA defende eles, né, e depois que eles completam 18 anos? Ele precisa aprender a crescer, só que a gente quer mostrar de forma lúdica, e que não é um bicho-de-sete-cabeças crescer, não é “nossa, que horrível que é crescer”. Não, é legal crescer, tem minhas responsabilidades pra fazer, sair a hora que eu quero, ir pro cinema a hora que eu quero, comer o que eu quero, é legal fazer isso, né, não é o monstro que todo mundo constrói.
P/1 – Eu achei uma coisa... uma coisa muito legal que você falou, tem um colega seu que te falou que existem dois tipos de pessoas, uma com a história que ela prefere não falar, e outra que usa a própria história como forma de... a pessoa, ela tem essa consciência da própria história e ela... a pergunta, agora, é assim: como você se deu conta que: “Poxa, a minha história...” Porque, conforme a gente vai vivendo, a gente não se dá muita conta do que tá acontecendo, né... e, você falou, você é jovem. Em algum momento você parou, você fez essa... você conta muito bem a sua história, eu tô achando, então, é minha opinião né. Então, falei: “Nossa, parece que ele já pensou nisso cem mil vezes, que ele já tem tudo pronto na cabeça”. Como é um pouco isso?
R – É, porque assim, quando você fala assim que “ah, você já contou isso mil, um monte de vezes”, realmente já. Porque quando eu era missionário, eu dava pregações em retiro, pra outros jovens que estavam saindo da rua, que estavam, né, e justamente na pregação, eu contava meu testemunho. Eu precisava contar minha história pra eles pra que eles falassem assim: “Pô, caramba, véio, se esse cara mudou de vida, eu também posso”. Então, talvez por conta disso, porque tantas vezes eu ter que contar minha história, falei assim: “Meu, ó, eu mudei de vida”. Só que, é logico que quando você vai dar pregação pros irmãos que estão na rua, usando drogras, você foca em alguns pontos mais específicos, como no caso, o tempo que eu fiquei na rua, aí você se aprofunda um pouco mais, né, em detalhadas situações, porque é justamente a situação

que ele está vivendo, e aí você aprofunda um pouco mais. Aí, quando você vai contar, entendidamente, vai dando só uma pincelada em tudo. É mais ou menos isso, entendeu? Eu já tenho um pouco o hábito por conta disso. O projeto “Aprendendo a Crescer” é um pouco disso, é contar nossa história. Por que? É justamente por conta disso, porque eu já tenho... eu sou uma pessoa que gosta de usar da minha historia pra motivar outras pessoas. Eu gosto quando as pessoa solham pra mim e falam assim: “Dori, mas você não tem cara de quem morou na rua, você tem a maior cara de playboy, velho.” Eu falo assim: “Tá, eu tenho cara de playboy, mas eue morei na rua, eu já fiz isso, isso e aquilo”. Então, assim, se você olhar pra mim, você não vai saber, a não ser que eu conte pra você, não é verdade? Então, é um pouco isso, entendeu?
P/2 – E hoje, qual é seu grande sonho, Dori?
R – meu grande sonho, a partir desse projeto, é ter minha própria ONG. É ter minha própria ONG. Eu acho assim, precisava começar de algum lugar, precisava começar de algum ponto específico. Começou quando veio do meu coração, né, na minha mente, de construir isso, mas precisava começar de algum ponto concreto. E aí, eu acredito que, começando por esse projeto, é um grande passo pra mim poder ter minha própria ONG, trabalhar justamente com crianças e adolescentes. Bom, é o meu sonho hoje.
P/1 – Eu tenho mais uma pergunta, que é muito parecida com o que ela falou, mas, o que é que você considera mais importante hoje? Porque, como você falou, ah, quando a gente é criança a gente não se importa muito com grana, a gente só quer brincar, não sei o quê. Nas fases da vida a gente tem...
R – Algumas prioridades.
P/1 – A gente dá mais valor a certas coisas, hoje o que você identifica como coisas que você fala: “Putz, isso é realmente muito importante”?
R –Uma das coisas mais importantes pra mim hoje são minhas três filhas, tá, e...
P/2 – Elas moram com você?
R – Não, elas moram com a mãe e passam os finais de semana comigo. São minhas três filhas. Eu espero assim,, por eu não ter... eu não tive exatamente... eu não sei o que é ser pai, tá, eu tô aprendendo agora, com elas, porque assim, se eu tivesse tido o meu pai, eu saberia “ah, meu pai me criou assim, e eu sou hoje o homem que eu sou porque meu pai me criou assim”. Então, eu saberia criar minhas filhas assim, porque meu pai me criou assim, né, eu não sei, eu estou aprendendo com elas.

E, foi o que eu falei “AH, pra chegar onde eu cheguei”, hoje eu sou trabalhador normal, tenho minha casa, meu carro simples, minhas filhas não vivem de luxo, tá, é o que eu posso dar. Só que, assim, eu sinto nelas, todos os finais de semana que eu pego elas, a alegria delas de estarem na minha casa, sabe? A tristeza delas de quando eu vou deixar elas. A mais velha já fala assim: “Mãe, posso morar com o meu pai?”, que é a mais apegada, a de 4 anos, ela pede pra mãe dela: “Posso morar com o papai?” “não, filha, agora você não pode, mas quando você estiver maior e você quiser, você pode”. E aí ela vem o caminho inteiro falando isso, que ela vai morar comigo, vai morar comigo. Não é que assim, final de semana elas estão comigo, elas vão no shopping, não... não fazem. Às vezes no final de semana a gente tá em casa, e a gente fica em casa, simplesmente a gente vai brincar com as cachorras, almoça, bagunça, grita, mas... é estar presente na vida delas. Então pra mim assim, o mais importante é cuidas das minhas filhas e cuidar também dos meus outros filhos que não são meus, fisiologicamente, mas foram confiados, né, a mim, que eu acredito que todos aqui... quando a gente trabalha com vidas é porque foram confiadas a nós. Então, hoje, o mais importante pra mim é poder direcionar esses meninos também, que eu trato eles... uma menina de 4 anos que tem no meu serviço, não trato ela diferente da minha filha que eu trato em casa, tá, o mesmo tratamento que eu tenho com ela eu tenho com a minha filha. Se eu tiver que corrigir ela, eu corrijo, da mesma maneira que eu corrijo minha filha em casa, da mesma maneira que eu dou carinho pra ela, eu dou carinho pra minha filha em casa. E muito igual o tratamento que eu tenho tanto quanto eles como com as minhas filhas em casa. Então, acho que o mais importante pra mim hoje é as minha filhas e os meus outros filhos que eu carrego todos. Até os que eu já cuidei, eu tenho contato ainda no Facebook , eu tenho contato por WhatsApp, alguns vêm na minha casa, já são de maiores, e vêm na minha casa, Natal, Ano Novo, passam comigo. Meninos que eu cuidei, então, assim, eu carrego eles de verdade, não só como um trabalho, mas como um pai substituto, né, sei lá (risos).
P/1 – Eu lembrei da foto que você mostrou agora há pouco pra gente, da escada rolante, que tem a sua mãe e seu irmão mais novo, é isso? E a sua atual esposa, ou namorada?
R – Esposa.
P/1 - E hoje, você conta do projeto, você conta dessa... você contou um pouco da sua mãe até um certo ponto, depois ela sumiu da história, você não falou mais nada. E você voltou a falar com ela, como foi isso, esse processo?
R – é, na verdade, quando eu voltei a falar com a minha mãe, foi depois... quando eu conheci a Patricia. (risos). Faz uns três anos, quando eu voltei a falar com a minha mãe, porque assim, pela minha maneira de ter sido criado, de ter amadurecido, crescido, foi muito distante deles. Então, eu aprendi a substituir, vamos dizer, a falta dos meus irmãos, da minha mãe, por outras pessoas que eram as pessoas que eu tenho carinho hoje, que é o Bruno, a Najara, o Vitor, vamos dizer que eles substituíram a minha família por um tempo. Hoje eu tenho a minha família e tenho eles. Hoje eu tenho uma grande família, muito grande. E assim, eu voltei a falar com ela, de verdade, eu não me recordo exatamente. Nunca parei pra pensar quando eu voltei a falar com a minha mãe, você me perguntando assim. Mas eu lembro que foi depois que eu conheci a Patricia. Eu voltei a morar em Pirituba, nunca tive um relacionamento bom com meu irmão também, e depois comecei a ter um relacionamento bom com meu irmão que eu falei que foi embora pro Paraná e agora me sinto sozinho no final de semana, não tem ele pra bagunçar mais, e aí parece que foi tudo acontecendo naturalmente, na verdade, né? Meu irmão se aproximando de mim, a minha mãe, aí a gente se falava pelas redes sociais, pelo Facebook, internet, aí depois, ligação. Aí fui viajar pra casa dela no final... peguei as férias do serviço, aí fui pra casa dela, aí ela me acolheu super bem e tal, e aí, foi tudo acontecendo naturalmente, na verdade. Nunca parei pra pensar onde foi o ponto exatamente assim que eu retornei a falar com ela, mas nunca tive assim “ah, não quero falar com a minha mãe”, não foi isso. É que a minha trajetória foi tão preenchida, tão... esse espaço que tinha da, talvez da falta da minha mãe, dos meus irmãos foi tão preenchido que pra mim não foi algo que eu parasse pra pensar assim “pô, não falo com a minha mãe, pô, não falo com o meu irmão”, né, então, quando eu voltei a falar foi automaticamente. Automaticamente foi preenchido, automaticamente eles voltaram pra minha vida, entendeu? Foi meio que tudo acontecendo. Eu acredito muito nisso, que tudo acontece no seu próprio tempo e acontece naturalmente. Muitas coisas acontecem sem a gente saber por que e como.
P/2 – E qual o seu maior aprendizado, olhando pra sua historia, seus 28 anos, hoje, você fazendo aniversário, ne Dori... qual foi o seu maior aprendizado?
R – hoje eu posso olhar pra trás e dizer que o meu maior aprendizado foi (pausa) Uma vez eu estava conversando com a Pati, e aí eu falei assim, se eu tivesse sido adotado, eu acredito que o maior bem que uma pessoa pode ter, é conhecer a si próprio, né, porque as vezes as pessoas se enganam de falar “ah, eu sou uma pessoa boazinha, ah eu sou uma pessoa maravilhosa”. Só que a gente não é cem por cento bonzinho, a gente tem que reconhecer também que a gente é, muitas vezes soberbo, orgulhoso. Acho que o maior bem de uma pessoa é conhecer a si próprio e saber que o seu lado ruim também existe. E eu falando pra ela que, talvez se eu tivesse sido adotado por aquele casal que eu falei que era, lá no abrigo, no meu primeiro abrigo, se eu tivesse sido adotado por eles, e tivesse ido pra Alemanha, talvez eu seria uma pessoa orgulhosa, soberba, porque eu me conheço, e eu tenho isso dentro de mim, tá, eu sei que se eu não tivesse passado, não tivesse vivido o que eu vivi eu não seria a pessoa que eu sou hoje, tá, se eu tivesse tido tudo, eu seria uma pessoa muito arrogante, soberba e prepotente. Eu seria sim, porque eu me conheço e eu sei como eu sou. Eu só sou quem eu sou hoje, e reconheço, porque eu vivi o que eu vivi. Então, assim, o grande aprendizado que eu tenho, foi conhecer a pessoa que realmente eu sou, tá, e poder olhar pra trás e não desmerecer o que eu vivi, ou desmerecer quem esteja onde eu vivi, onde eu passei, mas aprender a estender a mão pra aquelas pessoas que estão lá e poder ajudar. Coisa que eu talvez não faria se eu tivesse tido tudo, tá, então acho que meu maior aprendizado foi aprender a humildade, sabe, reconhecer da onde a gente veio.
P/2 – Você conheceu a Patrícia onde?
R – eu conheci ela num serviço de acolhimento onde eu trabalhava. Ela era cabeleireira, ela trabalhava num projeto do governo, e aí, quando ela saiu de lá, ela foi trabalhar como educadora. Aí foi quando eu conheci ela, tinha acabado de me separar, aí, conheci, pegamos amizade, tal, não sei o quê.. aí, quando você se separa, você já não tem muitos amigos mesmo, porque você já tinha casado, aí os amigos acabam se afastando um pouco. “Ah, vamos sair?” “Vamos, vamos sair um pouco.” “Ah, então tá vamos sair”. Aí, começamos a sair com o pessoal do serviço, tal, não sei o que, aí depois, foi ver... a escova já estava em casa. (risos)
P/1 – E trabalhando juntos, né, no mesmo projeto...
R – Trabalhando juntos. Depois eu saí da ONG, ela continuou.
P/2 – Ela ainda está na ONG?
R – Não, hoje ela está só como cabeleireira. E eu, eu não saio né, não tem jeito. (risos)
P/2 – Até ter a sua né?
R – Até.
P/2 – E você sente saudades de alguma coisa, que você vivenciou, das coisas que você passou.
R – olha, saudades, eu vou ser bem sincero, eu sinto saudades de quando eu vivi na comunidade. Porque quando eu vivia na comunidade, eu não me preocupava em pagar água, em pagar luz (risos), em pagar nada. Era tudo de providência que a gente vivia, a gente não tinha convênio com governo, prefeitura, era tudo providência, era tudo doação, mas não faltava nada. Então eu não precisava me preocupar todo mês, que tinha que pagar água, que eu tinha que pagar luz. Então, acho que é isso, eu tenho a minha casa, tenho que pagar água, pagar luz, tenho que pagar internet, tenho que pagar o carro. Hoje a gente tem que fazer as nossas responsabilidades. Então, às vezes, eu paro e penso: “Nossa, como eu vivia bem, né?!” Vivia bem assim, não precisava me preocupar com nada, né, mas hoje, graças a Deus, essa é uma saudade que bate de relance assim. Hoje, graças a Deus eu sou muito feliz na vida que eu tenho.
P/1 – E com relação um pouco, essa questão do... essa questão mais de religiosidade assim, você disse pra gente que você é católico, né?
R – Católico.
P/1 – E você costuma frequentar a igreja, participa de alguma outra coisa promovida pela igreja? Como que é?
R – então, é...eu já tive o ministério de música que tocava na igreja, e aí a gente tocava em casamento, retiro.
P/1 – como você aprendeu a tocar? Desculpa cortar assim...
R – Na comunidade.
P/2 – você toca que instrumento?
R – eu toco violão, contra-baixo e guitarra.
P/1 – não só um, como três! (risos)
R – então, aprendi violão na comunidade, porque sempre tive vontade de aprender, e aí, lá tinha violão à disposição, todo mundo toca na comunidade de vida. Se você for numa comunidade de vida, todo mundo toca, tá, e aí fui aprendendo, aprendendo. E aí, quanto eu saí de lá, eu formei um ministério de música, lá onde eu morava, no Capão Redondo, e aí, comecei a tocar na igreja, e aí, com esse ministério a gente tocava em retiro, em casamento, tal, quando eu saí de lá, quando eu voltei pra Zona Norte, eu me afastei um pouco da igreja. Hoje eu frequento um grupo de oração próximo da minha casa, e assim, ao contrário de onde eu morava, tinha muita gente que tocava, e a gente tinha, na banda que eu tinha, baterista, guitarrista, violão, contra-baixo, tipo, cinco meninas que cantavam e muitas outras que ficavam esperando lá pra cantar né. Hoje, onde eu moro, não tem ninguém pra tocar. Então, hoje, quando tem grupo de oração, quando eu to de folga, que é à noite, quando eu tô de folga, aí eu pego o violão e vou lá tocar com o pessoal, né, porque não tem ninguém pra tocar, então eu pego o meu violão e vou lá pra ajudar o pessoal no grupo de oração, então, é o vínculo que eu tenho hoje. Não é nada de compromisso, porque toda a quinta-feira eu tô lá. Como eu trabalho dia sim, dia não, eu não consigo estar toda quinta, mas o meu vínculo na igreja hoje é esse, ajudar lá o pessoal que precisa.
P/2 – e o que você gosta de fazer hoje?
R – hoje? Ó, eu sou uma pessoa muito caseira, tá... que nem: eu tô de férias desde o dia 13, eu acho que eu saí umas três vezes. Quando eu tô de férias eu quero ficar em casa, não quero ficar me preocupando...
P/2 – E você faz o que, geralmente, quando você fica em casa?
R – eu gosto de ficar com as minhas cachorras. Tipo assim, eu vou lá, levanto, vou lá, limpo o quintal, abro a porta pra deixar elas entrarem. A Pati fica doida né, porque ela não gosta dos cachorros dentro de casa. Aí eu quero deixar elas entrarem, tal. Então, eu gosto de ficar com elas, ouvir música, tocar violão, entendeu? Eu moro perto do Pico do Jaraguá, então a gente vai lá às vezes, não sou o cara mais atlético do mundo...
P/1 – Pô, você tem uma trajetória esportista aí que você contou pra gente
R – (risos) Mas hoje não sou... jogo bola com a molecada no abrigo. Mas, o que eu mais gosto de fazer é estar entre os amigos, de preferência na minha casa. Tipo assim, se eu puder reunir todo mundo na minha casa, pra mim [e muito melhor do que ir na casa dos outros. Então eu gosto...
(PAUSA)
P/1 – Você quer terminar de falar ou não?
R – Então, o que eu gosto é estar reunido com meus amigos, com as pessoas que eu gosto, sabe, em casa. Como eu falei, sou uma pessoa muito caseira, então assim, a minha casa é, literalmente, uma porta aberta assim, porque eu recebo muito meus amigos em casa, muito, muito. Eu tenho amigos que vêm da Cidade Tiradentes na minha casa, tipo, chega lá duas horas da tarde pra ir embora às dez da noite, sabe, mas vem na minha casa. Sou uma pessoa muito receptiva, gosto muito de ter as pessoas na minha casa. É a coisa que eu mais gosto.
P/1 – Eu queria... posso perguntar? Hoje em dia, vamos supor, você está andando na rua, em São Paulo, assim como em outras cidades, mas acho que São Paulo, principalmente, é muito fácil você virar uma esquina e encontrar pessoa morador de rua e tudo o mais. Hoje, quando você caminha nas ruas, qual é um pouco a sensação, o sentimento, o que que te remete? Sei lá, você tem uma outra visão?
R – Sim, na verdade, a gente... a visão é a seguinte: hoje quando eu caminho na rua, depende do lugar, sabe? Porque é assim, eu não posso também tá andando, vamos dizer, na Avenida São João, próximo da Rua Guaianazes, tem os irmão lá, né, da Cracolândia e tal, eu não tenho como eu para e falar assim: “Ô, irmão, vamo sair da rua” e tal, do jeito que eu estou, arrumado, com o celular no bolso. Ficar falando pro cara “Sai da rua” “Dá seu celular aí, cê tá me tirando?” Sabe? A gente tem que ter a visão dessa realidade, tá, a gente não pode falar assim “Ah, eu sou bom, irmão, não me rouba, calma, quero te ajudar”. Não, não é isso, ele não quer saber, ele quer usar a droga dele, seu celular. Só que, assim, eu me preocupo muito, não com... não que eu não me preocupe com os irmãos que são mais velhos na rua, só que, assim, quando eu vejo um rapaz, tá, que ele é maior, que... É que quando você mora na rua, você pega uma malícia que, justamente, não é sua, não é sua. Você olha pra cara da pessoa e você fala assim: “Esse cara é malandro, viu...” Às vezes, a gente se depara com o cara e ele fala assim: “Ô, irmão, dá uma moeda aí pra mim e tal, não sei o quê.” Aí eu falo: “Ah, irmão, não tenho, mano. Agora eu não tenho, mas se tiver, tá na mão” “Não, irmão, valeu, brigado!” Como, às vezes, tipo assim, eu vejo o cara pedindo no carro da frente e eu nem espero ele chegar no meu carro, abriu o farol, eu pego assim e falo: “Ó, irmão, toma aí” Aí você fala assim: “Pô, mas por que tem uns que você dá e tem uns que você não dá?”, tá, é porque, a gente, quando a gente mora na rua, a gente conhece, a gente sabe exatamente o porquê ele quer. Quando a gente mora na rua, a gente cria, é como eu tô falando, a gente cria uma malícia de ver as pessoas, de ver a maneira de ele abordar, de ele... que ele tá agindo, que não é nossa. Eu lembro uma vez que eu fui fazer uma entrevista, e aí, na entrevista a psicóloga falou assim pra mim: “Cê é adicto, não é?”, eu falei: “Sim” Ela falou: “Ah, tá, só pra saber” Eu falei assim: “Por que?” Ela falou assim: “Porque uma pessoa adicta, ela muda a maneira dela de se expressar.” Eu falei: “Caramba!”. E aí, com o tempo, você vai aprendendo, né, a ver essas diferenças. Então, hoje, quando eu vejo um irmão na rua, muitas vezes, depende do lugar que ele estiver eu sei que ele já teve ajuda pra sair dali se ele quisesse, eu sei que tem lugar pra ele, que ele vai tomar banho. Eu trabalho perto da Acheropita, e lá eles têm um serviço assistencialista que os meninos, eles vão lá tomar banho e tomar café da manhã, tá, e quem quiser sair, tem umas casas de recuperação, quem quiser sair da rua. Então, assim, aí eu vi já aquele monte, monte de marmanjo mesmo sentado na calçada e tomando café. Aí fala assim: “Pô, coitado deles, né, Dori?” Eu falo: “Não, coitados não. Eles tão na rua porque eles querem”, tá, porque é assim, é mais... como eu falei aquela hora, é mais fácil eu estar na rua do que eu querer mudar de vida, tá, porque eu tenho onde tomar café, eu tenho onde almoçar, eu tenho onde tomar o chá da tarde, que era o chá do padre, eu tenho onde tomar o lanche da tarde, depois à noite alguém vai me levar alimento embaixo do viaduto, eu como mais, às vezes, do que uma pessoa que mora em casa. Então assim, eu me preocupo hoje muito com as crianças e adolescentes, com a... então, “Ah, Dori, então você não se preocupa com a população adulta?” Não, eu me preocupo, só que eu preciso cuidar dos pequenos hoje pra que amanhã eles não estejam na rua. Não adianta eu querer dar um serviço assistencialista pra esse que já tá na rua, que é adulto, e não cuidar da criança e do adolescente, porque se eu não cuidar deles hoje, amanhã vai ser eles que vão estar aqui e eu vou ter que prestar esse mesmo serviço assistencialista pra ele adulto, né? Então, assim, não é que eu não... eu passe por eles e não observo, se eu puder ajudar, e eu sempre estive à disposição. Eu falo assim: “Ô, irmão”, sempre que eu tenho oportunidade, eu tô sentado lá... Uma vez a gente estava na República com o meu gerente. O meu gerente também era meio doido, e aí a gente estava na República sentado, conversando e aí veio um irmão e falou assim: “Ô, irmão, tô precisando de uma moeda, e não sei o quê”, falei assim: “Ô, irmão, moeda eu não tenho não, mas cê quer sair da rua?” “Não, não sei o quê”, falei assim: “Se quiser tenho onde pra te levar agora, cê quer? Moeda pra te dar pra você comer eu não tenho, mas assim que cê chegar nessa casa você vai comer, cê quer?” “Não, não sei o quê” “Ah, então tá bom, irmão, vai com Deus”. Então, assim, eu ofereço ajuda, só que essa aqui que eu posso dar, você quer? “Não, não quero”, então assim, então tá bom irmão, então não posso te ajudar. Entendeu? Então, muitas vezes a gente tem que acabar sendo um pouco... como que eu falo assim?... Um pouco mais firme com eles, entendeu? Um pouco mais firme. A gente faz um trabalho também no Prates, que é um serviço de acolhimento pra adulto, onde, uma vez a gente cortando cabelo, aí veio um rapaz lá... Aí o Prates, ele é 24 horas, funciona 24 horas, e aí, um monte de rapaziada lá, tal, tudo forte, meu, bonitão. Acordaram, tomaram café da manhã, a gente chegou cedo pra cortar o cabelo deles. Aí ficaram lá. Sentaram lá, aí começaram a jogar dominó, dominó, dominó e depois do almoço, sentaram lá cortaram cabelo e depois dominó, dominó, dominó, dominó, dominó, dominó. Fui fumar um cigarro, aí: “Ô, irmão, tem como você me arrumar um cigarro pra mim, não?” Falei assim: “Ah, tem sim, irmão, toma aqui”, aí dei um cigarro pra ele, falou: “Ô, irmão, tá embaçado, hein, mano...” Aí falei: “O que que foi, irmão?” Aí ele foi contar a história dele, né: “Pô, tá difícil isso, e não sei o quê, tal, tal, tal, tal.” Eu falei: “Ô, irmão, posso te falar uma coisa?” Aí ele falou assim: “Fala aí”, falei assim: “Ó, eu não tenho dó de você, cê me desculpa eu ser sincero, mas eu não tenho dó de você, sabe por que? Porque eu cheguei de manhã aqui, você estava tomando café, agora são 4 horas da tarde. Você ficou sentado jogando dominó o dia inteiro, cortou o cabelo, almoçou e voltou a jogar dominó. Se você tivesse mesmo afim de mudar de vida, irmão, cê tava... cê tinha ido cortar cabelo, cê tinha ido entregar currículo, fazer qualquer coisa, pedir ajuda pra assistente social. Então, não chora as pitanga pra mim não, irmão, porque o que você passou eu passei. E eu só mudei de vida porque eu quis. Então cê pode contar história triste pra qualquer um, pra mim não.” “Ô, irmão, não precisa ser assim, não” Falei: “Não, irmão, é verdade.” Então, assim, eu entendo, porque é diferente quando a pessoa não conhece o que é estar lá, e aí falar assim: “Pô, coitado deles, eles tão na rua”. Só que pra mudar de vida e sair da rua eles têm meios pra isso, tá, existem serviços que prestam isso, então não sai quem não quer. É lógico que a gente sabe que é difícil o uso da droga, tal. Mas eu falo, um rapaz desse, que ficou de manhã até as 4 da tarde num serviço de acolhimento pra adulto, ele tem vício de droga? Ele pode ter o uso dele, mas que ele é viciado de ficar na rua 24 horas usando droga, ele não tem. É diferente dos irmão da Cracolândia que, meu, ali é... os caras precisam realmente de um estímulo muito, muito, muito, muito forte pra sair dali, entendeu: Então, assim, é essa a visão que eu tenho da realidade, de que, assim “irmão, você tá aqui porque você quer, se você quiser mudar de vida, cê tem como, não chora as pitanga pra mim porque eu passei a mesma coisa, eu não fiquei chorando pitanga pra ninguém, eu fui atrás e mudei de vida. Eu aproveitei as oportunidades que eu tive, que me ofereceram ajuda, e mudei, cê tá tendo oportunidade, cê tá ficando aqui dentro aqui, então...” Então, é um pouco essa visão que eu tenho. Não é que, “Dori, então cê é um pouco mais duro” “Não, não é que eu sou duro, é que eu conheço a realidade” Então, é por isso que eu prefiro trabalhar com criança e com adolescente, tá, porque se eu trabalhasse com adulto, eu seria uma pessoa muito ríspida assim, muito rígida, sabe? Cê começa a contar história triste pra mim, eu ia falar: “Irmão, não chora as pitanga pra mim não, porque eu passei, mano, eu não fiquei chorando pra ninguém, eu fui lá e mudei de vida, então, se você quer véio, tô aqui pra te ajudar. Não quer? Não vem chorar pra mim”. Então, se eu trabalhasse com adulto, acho que eu seria muito rígido, então, prefiro trabalhar com criança e com adolescente, por mais que o adolescente te dá trabalho, seu que é justamente porque ele não tem mentalidade, ele não tem... ele não tá preparado mentalmente pra isso, ele não tem cabeça pra enfrentar tudo isso que ele tá passando. Ao contrário de um adulto, né, que muitas vezes também não tem, mas... eu prefiro trabalhar com criança e adolescente (risos), prefiro olhar os pequenos.
P/1 – Sim, sim.
P/2 -

Dori, que sentimento vem pra você quando você consegue fazer uma mudança num adolescente? Numa criança acho que é, tem ainda uma...
R – Sim, a criança, ela é mais fácil de trabalhar, porque ela não tá com o caráter formado ainda...
P/2 – [completar] toda uma história...
R – Assim, existem dois lados, tá? Existe o lado de satisfação, de serviço... de serviço feito não, é... uma satisfação sua própria, de “pô, que legal, ele deu certo!”. Eu tenho um exemplo, o Daniel, seria muito interessante se ele pudesse vir aqui também contar a história dele. Ele morou no serviço de acolhimento, hoje ele tá indo pra segunda faculdade. Já deixou eu e o William pra trás anos-luz, porque eu tô lutando pra conseguir uma faculdade ainda e o cara já tá na segunda faculdade, né, casado, tem a filha dele. O moleque tá com 21 anos, tá, então assim, é um menino que eu cuidei no serviço de acolhimento, e era usuário de droga, morou na rua, e eu, praticamente era o coordenador da casa quando ele morava lá, tá? Ele foi acolhido por um casal acolhedor. Então, assim é um exemplo de falar assim: “Pô, o Dan é um dos caras que...”, tipo assim, quando o projeto estiver em funcionamento dentro do serviço de acolhimento, é um cara que eu vou falar assim: “Dan, você pode vir contar sua história, tal dia pra molecada aqui?” “Não, eu posso, Dori”, é “tio Dori”, na verdade, que eles chamam até hoje: “Posso, tio, eu vou aí” “Então tá bom”. Então, é um menino que a gente tem, meu, prazer de ter próximo, sabe. A Carol, o Marcos, que passaram final de ano comigo, em casa, sabe, são meninos que, assim, tão batalhando, tão trabalhando. A Amanda tá trabalhando, casou com o Lúcio, casou assim, foi morar junto e, tá batalhando, tá correndo atrás, da ajudando a irmã que ainda mora no serviço de acolhimento, sabe, então, é uma satisfação muito, muito, muito, muito grande, muito grande. Só que também tem o outro lado, daquele que a gente fez de tudo, até mais do que a gente fez pelo outro e optou em ir pra rua, se envolver no tráfico. Tem outro exemplo, de um outro menino, que ele tá... eu movi mundos e fundos por esse menino, porque o irmão dele foi adotado por uma outra mulher, quando completou 18 anos, o irmão dele completou 18 anos e era pra ele sair, ele não tinha pra onde ir, a mulher foi lá e adotou ele, com 18 anos. Falei: “Meu, você nasceu virado pra lua, olha, muito bem, parabéns!” Só que, assim, ele não quis saber do irmão dele que ainda estava no serviço de acolhimento. Então eu acompanhei sempre esse menino, né, o Luis... esse menino. E aí: “Meu, não é assim. O tio tá aqui, ó vamo lá”. Eu não trabalhava no serviço de acolhimento que ele morava mais, mas o pessoal me ligava, falava: “Dori, pelo amor de Deus, vem aqui conversar com ele, porque tá difícil, ele roubou um celular aqui e tal”. Ia lá, conversava. Aí, quando completou 18 anos, foi pra uma república, aí na república o pessoal: “Dá trabalho”, aí fui lá, várias vezes na república, o pessoal querendo mandar ele embora. “Não, meu, dá uma oportunidade pra ele, ele vai...” “Lu, acorda cedo, pelo amor de Deus, vai no CAT, vai em qualquer lugar, meu, procurar emprego, não dá pra mim pegar na sua mão e te levar, eu também tenho que trabalhar de manhã cedo, eu saio 6h da manhã pra ir trabalhar”, aí eu passava à noite, eu saía do serviço, passava lá e falava com ele: “Não, tio, eu vou, eu vou essa semana e não sei o quê” “Então tá bom”, até que ele foi expulso também da república: “Lu, o tio não pode pegar você e colocar dentro de casa, sabe por que? Se eu fizer isso você não vai aprender, você desculpa, eu gostaria muito de te colocar dentro da minha casa, mas se eu fizer isso você não vai aprender, tá, porque aí em casa você vai ter tudo, sabe, por mais que eu te cobre, você vai enrolar por aqui, enrolar por ali e eu não vou ter coragem de jogar você na rua depois, tá, então assim, eu vou lá conversar com a sua vó e sua vó vai te acolher” “Não, eu não quero morar com a minha vó”, falei: “Lu, ou é sua vó ou é pro albergue, que que você quer?” “Ah, então ta bom” foi pra casa da vó dele e tal, ficou um tempo, começou a se envolver, começou a se envolver com roubo de moto, furtar, enfim, tá agora... surgiu uma história, chegou ni mim, do pessoal do outro serviço que eu trabalhava: “Dori, sabe onde tá? Ah, tá traficando aqui na São Judas”. Então, assim, fiz mais por ele do que qualquer outro menino, sabe? E aí, a gente para e pensa assim: “Caramba, que que eu podia ter feito de diferente?” Mas, muitas vezes, foi o que o Milton me falou, Milton falou assim: “Dori, muitas vezes a gente não tem mais o que fazer, você fez tudo o que você pôde, agora só cabe a ele de escolher o que ele quer seguir, você fez tudo o que pôde, você fez até o que não pôde, segurar ele... meu, cê não trabalha no albergue, cê não trabalha na república, e cê ia lá, conversava com a equipe técnica pra equipe técnica, e eles: ‘quem é você pra palpitar alguma coisa dentro da república?’, se eles quisessem tinham mandado ele embora, você foi lá, meteu sua cara a tapa, segura ele, pelo amor de Deus e aí, não tem mais o que você fazer. Não se sinta... como se diz?... ah, esqueci a palavra agora, mas não se sinta mal porque você não conseguiu que o Luis desse certo, tá? Uma hora ele vai dar, uma hora vai cair a ficha dele e falar assim: “Pô, tô fazendo errado, sabe, não sei quanto tempo vai demorar, mas, uma hora vai cair, tudo o que você fez, tudo o que as pessoas fizeram por ele vai chegar nele e vai cair. Do mesmo jeito que você teve seu tempo, ele tem o dele, então, fica em paz. E vamo pra frente que tem outras pessoas” Aí, foi o que o Milton falou: “Vamo pra frente com o projeto que tem outras pessoas esperando pra gente fazer.” Falei: “É verdade. Não dá pra gente parar numa pessoa que não deu certo e desistir”. Então a gente tem que buscar outras pessoas, né, que também precisam. É um pouco isso, né, então, tem os dois lados, de satisfação, de orgulho de ver eles, como eu falei, o mesmo cuidado que eu tenho com minhas filha, com, sabe, eu tenho com eles, entendeu? Entao, é... onde eu vejo esses que deram certo hoje, é onde eu quero ver minhas filhas amanhã, sabe, que nem o Daniel, na segunda faculdade, é onde eu quero ver a minha filha amanhã, sabe, fazendo a segunda faculdade, batalhando. Então, é um pouco disso, satisfação, orgulho mesmo e de, querendo ou não vem um sentimento de incapacidade, né, quando não dá certo, que eu sou... Putz, eu fiz o que fiz e não consegui, né, então... é um pouco isso.
P/2 – Como foi contar sua história, no dia do seu aniversário? Um presente pra gente (risos).
R – Calhou né, de cair no meu aniversário, porque quando eu falei com o... com o Lucas não, falei com o Milton primeiro que me passou o telefone da... esqueci o nome dela. Aí falou assim: “Ah, Dori, tem dia 21, 22 e 23”, aí eu falei: “Ah, beleza, pra mim qualquer um dos dias tá bom”, mas aí nem lembrei que dia

21 era meu aniversário, né? Aí quando o Lucas falou assim: “Pode ser no dia 21”, eu falei: “Pode, beleza, tranquilo dia 21”, aí depois que eu marquei eu falei: “Dia 21 é meu aniversário, né?” E, poder contar a minha história de... pra mim é muito... foi como eu falei, eu uso a minha história como motivação pra outras pessoas, né? Já é algo que eu tenho o hábito de fazer, tanto no meu serviço, quanto nesse projeto agora que a gente tá trabalhando, ou antigamente como testemunho de algo que eu gosto de fazer, eu gosto de contar, eu fico assim: “Eu mudei de vida, eu gosto de ajudar outras pessoas, eu saí de onde eu saí então, você pode sair, tá, relaxa porque onde você tá ainda não é o fim do poço, então dá tempo de voltar”, entendeu? Então, assim, pra mim foi muito... eu que gostaria de agradecer vocês de ter dado essa oportunidade, de pode contar a minha história e fazer parte desse projeto que eu tava até comentando muito, muito, muito legal, interessante mesmo né, esse projeto. Pra mim é muito gratificante, hoje, no dia do meu aniversário, com tudo o que vem acontecendo na minha vida, com o projeto, com tudo isso, poder chegar aqui e contar um pouquinho, né daquilo que eu vivi pra chegar onde eu estou hoje, pra ser quem eu sou hoje, a pessoa que eu sou.
P/1 – Obrigada pelo seu depoimento, agora você faz parte do acervo do museu também, isso é muito importante pra quem vier consultar, pra outras pessoas que possam... que seja por curiosidade, enfim, não importa, sua história agora vai ficar aberta, né, foi um prazer mesmo, obrigada.
R – Que é isso, eu que agradeço.

FINAL DA ENTREVISTA