Programa Conte Sua Historia
Depoimento Maria da Conceição Camara Romão
Entrevistada por Felipe Rocha e Clarice Gagliardi
São Paulo, 20/04/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV558_Maria da Conceição Camara Romão
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Podemos começar, dona Conceiç...Continuar leitura
Programa Conte Sua Historia
Depoimento Maria da Conceição Camara Romão
Entrevistada por Felipe Rocha e Clarice Gagliardi
São Paulo, 20/04/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV558_Maria da Conceição Camara Romão
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Podemos começar, dona Conceição?
R – Pois não.
P/1 – Primeiramente, eu queria agradecer aqui a sua presença, muito obrigado em nome da equipe do Museu da Pessoa pela presença, pela disponibilidade em contar a sua história. A gente sempre começa com uma apresentação breve, então a gente queria pedir que você me falasse seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Maria da Conceição Câmara Romão, eu nasci no dia primeiro de maio de 1949.
P/1 – Onde que a senhora nasceu?
R – Eu nasci em Ibaté, São Paulo.
P/1 – Você tinha comentado antes que tem uma história engraçada de Ibaté, como que era?
R – Ah sim, Eu nasci entre Araraquara e Ibaté, meu pai escolheu me registrar, eu nasci na Usina Tamoio, e ele resolveu me registar em Ibaté.
P/1 – Legal, e qual que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava, porque ele é falecido, Dolcidio Câmara e minha mãe, um nome também bem facilzinho, Atailde Generoso Camara, bem diferente um do outro.
P/1 – Eu queria que você me falasse mais um pouco sobre eles, quem é o seu pai e quem é a sua mãe?
R – Meu pai é filho de português, meu avô cuidava de um pedaço dessa parte da usina, cortava cana com os filhos, né, e minha mãe também era cortadora de cana, morava na usina. E os dois cresceram, namoraram, casaram. Eu nasci lá na Usina Tamoio como a minha mãe, como o meu pai e aí, com três anos, eles vieram aqui pra capital, São Paulo.
P/1 – E voltando um pouco, você falou que o seu avô era português, tem alguma história dessa vinda para o Brasil?
R – Não.
P/1 – E você lembra um pouco de como era… você falou que você veio pra cá com três anos, você falou, né? Você tem alguma lembrança dessa usina?
R – Era muito lindo. Tinha a casa da fazenda, que era vistona, né, então aqueles jardins lindos, aquele… assim, aquele riacho bem tratado, a igreja, era muito bonita, os donos cuidavam muito bem da cidade, o posto de saúde, tinha cinema, rinha bailes, seria uma usina, mas tipo cidadezinha. As casas, minha avó morou na casa que que era de escravos, então o chão era daqueles tijolos de cerâmica, a usina, quando queimava cana, as casas ficavam tudo preta, eu lembro do meu avô brincando o carnaval, entrando, subindo nas escadas com aquele rádio, subindo as escadas cantando, eu e os meus primos andando em volta da casa com eles entrando dentro, era muito gostoso. E assim, no Natal, que a gente tava toda a família junto, minha vó teve 11 filhos, né, a mãe do meu pai e ela colocava nós todos sentados no chão, porque a mesa não dava, né, e os filhos todos na mesa, aquela mesa comprida, era muito gostoso, lembro muito, foi muito boa e eles, pra lavar roupa, minha… assim, a família, então seriam todas as casas juntas, iam lavar roupa tudo junto. Então tinha aquela bica com água e cada um tinha o seu espaço e a sua tabua, ali, elas brincavam, elas brigavam, elas se batiam. Teve uma vez que eu vi a minha tia com uma outra rolando pela lama, eu fiquei apavorada, nunca tinha visto isso, porque eu vim com seis aninhos: ‘o quê que tá acontecendo? Porque elas está embolada lá no meio dos lençóis?’, porque punha para coará. Era muito… eu guardei isso.
P/1 – Então toda família acabava morando junto, ali?
R – Morava sim, tinha várias casas, né? Eu não me lembro como… minha mãe lembra como chamava, mas eu não me lembro o nome, né? Um grupo de casas, né, então cada lugar tinha um pouquinho de casa.
P/1 – E a usina abastecia alguma coisa ali na região, como que…?
R – Como assim? Ela fazia açúcar, né?
P/1 – Era para atender a região, como que era?
R – Não, aí ela vendia, eu não sei isso daí.
P/1 – Como que é essa história de vim para a capital? Por que seus pais decidiram vir pra cá?
R – Eu tenho a impressão que o meu pai ficou bravo com alguém, não sei se foi com o meu avô e aí, ele resolveu vir embora para São Paulo.
P/1 – Tem alguma história interessante desse período ali na usina que você se lembra, alguma coisa de folclore ou alguma festa muito legal? Você falou de carnaval, algum coisa que você tinha medo, alguma coisa assim?
R – Não, minha mãe conta que onde ela morava, eu tenho medo de rato e eu não sabia porque e uma vez… ela contou, né, que o rato apareceu dentro de casa e o meu pai foi matar e eu tava no berço. Meu pai corria atrás do rato e a minha mãe em cima da cadeira. E o meu pai correndo atrás do rato e ele bateu com o pau no rato. O rato bateu no peito da minha mãe, minha mãe caiu no chão com medo. Aí, eu passei a ter medo de rato, porque se mata a minha mãe, derruba a minha mãe no chão, vai me derrubar também, então foi uma coisa engraçada, ela contando, né, porque eu falava: “Por que eu tenho medo de rato?”, eu mandei minha filha uma vez matar o rato e eu subi na cadeira também, fiquei em cima: “Mata o rato”, então é isso aí.
P/1 – Você tem alguns irmãos?
R – Tenho um irmão, nove anos e 11 meses mais novo que eu.
P/1 – Qual que é o nome dele?
R – Mauro.
P/1 – E vocês brincavam bastante juntos lá enquanto vocês eram crianças?
R – Não, porque eu sou nove anos mais velha, né, então eu carreguei ele, né, cuidei dele com muito carinho.
P/1 – Mas aí, já aqui em São Paulo?
R – Aqui em São Paulo.
P/1 – Então, você veio pra cá com?
R – Três anos.
P/1 – Você não lembra da vinda pra cá ou…?
R – Não.
P/1 – E pra onde que os seus pais vieram quando eles vieram pra cá?
R – Eles vieram morar aqui na zona leste, na Santa Isabel, vieram morar… disseram que era um barraquinho, né, minha mãe falava que caía folha das arvores dentro do barracão. Isso foi o inicio e aí, ela conseguiu emprego no Santista, aí ela começou a trabalhar, meu pai foi trabalhar na Epeda, parece, uma fábrica de colchão, aí eles alugaram casa, também na Santa Isabel e ali, nós ficamos uns cinco anos. Quatro anos, por aí.
P/1 – A Santista que a sua mãe conseguiu emprego, o quer que é? É uma fábrica?
R – É uma fábrica, era uma… Lanifício Santista. Uma fábrica.
P/1 – E você chegou a ir lá, conhecer?
R – Por fora, sim.
P/1 – Como que era essa fábrica?
R – Como que eu vou te explicar? Como todas as antigas, né, aquele tijolo transparente, aqueles arcos, e agora onde a minha mãe trabalhou, agora é o SESC do Belenzinho.
P/1 – Ah! É o atual SESC Belenzinho.
R – Isso. É ali, se você passou por ali, então, você…
P/1 – Então, essa segunda casa na Santa Isabel é onde você passou a maior parte da sua infância?
R – Não. Meu pai mudava, né? (risos) Depois nós fomos morar na Água Rasa, da Água Rasa, nós… aí sim, nós viemos para a nossa casa que é no Carrão, que aí, meus pais compraram e aí, eu já tinha o meu irmão, eu já tinha 12 anos, 11 pra 12, mais ou menos isso.
P/1 – Por quê que o seu pai mudava tanto?
R – Ah não sei. Ele era bravo, né, se ele ficava descontente, minha mãe chegava, ele já tinha mudado (risos). Ele ficava: “Briguei, fiquei bravo”. Teve uma vez que ele mudou de uma casa que era aqui pra vizinha, então, ele… aí quando mudou pra nossa casa mesmo, aí nunca mais… minha mãe continua lá, morando na mesma casa.
P/1 – Mas sempre, então, pela zona leste?
R – Sempre na zona leste. Nós gostamos aqui do pedaço da zona leste.
P/1 – E como que era essa casa do Carrão?
R – A que a minha mãe mora?
P/1 – Exato.
R – Então, quando eles começaram a construir foi com a indenização dela do Santista. E foi um cômodo e cozinha, rebocado por dentro, cimentado. Acabadinha por dentro, forradinha, agora por fora, não, porque vai devagar, né? E ali começou a vida deles, agora a casa já é maior, né, aí foram aumentando, tá num bom lugar.
P/1 – Você falou em indenização da santista. por que ela recebeu uma indenização?
R – Ela trabalhou… eu credito que nove anos, de oito a nove anos, eu era pequena, essas coisas eu não sei muito bem, mas com esse tempo, eles mandavam embora, né, e aí, eles pagaram tudo direitinho e com esse dinheiro, eles deram entrada no terreno e começaram a
construir a casa.
P/1 – Você sabe se eles escolheram ali por algum motivo?
R – Eles escolheram ali porque tinha um amigo que também tinha comprado um pouco abaixo e eles são amigos, esse senhor já faleceu, eles eram amigos desde lá da usina Tamoio, então, eram referência e eles são referência até agora com aminha mãe, que ela… minha mãe está viúva, né,. e a dona Isaura também viúva. E sempre foram referência os dois, é uma amizade muito bonita, né, porque amizade de praticamente quase 80 anos, né, muito leal, né?
P/1 – Eles ajudaram n mudança, então, participaram?
R – Eu acredito que sim, né, mas…
P/1 – Você lembra dessa mudança, da chegada assim, no Carrão?
R – Lembro, eu fiquei decepcionada (risos), porque o Carrão era mal falado…
P/1 – O quê que se falava do Carrão?
R – Que só tinha… ah, eu não quero falar (risos).
P/1 – Pode falar.
R – Só tinha maconheiro (risos), era o fim do mundo, modo de dizer, né, na minha cabeça, agora não sei na dos outros, né, mas eu nunca vi isso, nunca. Não era verdade, as pessoas falam coisas sem conhecer o outro, eu acho, porque naquela época havia mesmo uma pessoa, né, famosa lá e acho que por essa pessoa, eles colocaram toda população daquele local como isso, né? É isso aí.
P/1 – E vocês viveram nessa casa, então, sua mãe continua lá, mas você ficou por quanto tempo, lá?
R – Eu fiquei até 73, quando eu me casei.
P/1 – E como que era o Carrão nessa época? Como que era a rua? O bairro?
R – Na época em que eu me casei? Ou antes?
P/1 – Quando você mudou pra lá, depois.
R – Era tudo terra e a rua da minha é travessa, as ruas principais são descidas. Lá, o caminhão de gás se não tomasse cuidado, caía no buraco e nós morávamos perto do cemitério, assim, um quarteirão do cemitério e dava pra gente passar, era bem mais aberto, né, foi passando o tempo, evoluiu, asfaltaram, é uma rua gostosa, larga, é gostoso lá.
P/1 – Tinha energia já quando vocês foram?
R – Já, já tinha energia.
P/1 – Água também encanada, esgoto?
R – Não, esgoto não tinha, mas passado um tempo, foi colocado.
P/1 – Você lembra dessas coisas chegando, por exemplo, quando colocaram esgoto, quando asfaltaram, o quê que impactou na vida, direto, assim?
R – Vi uma melhora grande, quando chegou o esgoto, água encanada já tinha, mas quando chegou o esgoto, parou aquele cheiro, aquela… mas eram fossas, né, nós tínhamos fossa, aí aterraram as fossas, depois veio o asfalto, ficou muito bom.
P/1 – E aí, você cresceu… meio que cresceu lá?
R – Isso.
P/1 – E você estudava por ali, também?
R – Eu acredito que era dois quilômetros até eu chegar na escola, porque eu morava um pouco depois do Largo do Carrão, e eu tinha que ir até a Guilherme Giorgi, onde era a escola estadual Pedro Arbues, lá que eu ia estudar.
P/1 –
E como que você ia pra escola?
R – A pé.
P/1 – Todo dia?
R – Todo dia.
P/1 – Você ia com alguma amiga?
R – Ia com a amiga.
P/1 – E como que era? Muitas crianças do bairro estudavam nessa escola? Como que era?
R – Muitas. Porque só tinha ela lá, só aquela escola, então todas nós íamos para lá, a no ser os outros que iam em escola particular, né, mas nós íamos na estadual.
P/1 – Qual a primeira lembrança da escola que você tem?
R – Assim, eu vim da Água Rasa, que eu já estava habituada, que como eu fui mudando várias vezes, eu me perco às vezes, nas casas, né? Então, ali eu tinha encontrado, eu tinha me adaptado, eu tinha encontrado… eu tinha gostado, né, eu ia indo bem na escola e aí, quando a gente muda, aquilo leva um choque porque você não tem mais referência, você não conhece o professor, você não conhece ninguém você fica perdida. Eu me lembro que o meu pai me colocou lá e aí, foi assim, eu fui para uma ala só de menina. Agora, há muito tempo já é mista, mas naquela época tinha só menina, só menino e tinha uma sala mista, eu fui pra sala que não era mista, só de menina e aí, a professora… descobriram que eu tava na sala errada, que tinham me levado na sala errada. Aí, eu peguei e… me levaram pra sala mista, eu quis morrer, né? Eu quis morrer, aquele dia pra mim… eu perdi um pouco o interesse no estudo, porque eu fiquei decepcionada, mas a professora era muito legal, devagarzinho eu fui, mas já… foi estranho, porque é muito ruim mudar de escola, pobre das crianças, viu, que ficam mudando de escola. Elas perdem a referência, perdem os amigos, sei lá, eu não gostei, mas era o que tinha para aquele dia, então, eu era criança, eu tinha que seguir a vida. Mas teve coisas boas, a professora levava nós pra passear, teve a professora Adalgiza, tanto que eu não esqueci o nome dela, ela brigou porque queria eu: “Eu quero a minha aluna”, se eu fosse assim… “Eu quero a minha aluna”, a outra professora chamava professora Conceição, olha a confusão! “Eu quero ela também”, meu Deus e eu queria ficar com a Dona Conceição, né, mas tive que ficar com a Adalgiza (risos).
P/1 – Você falou de passeio, que tipo de passeio vocês faziam?
R – Eu conheci o zoológico com ela, Museu do Ipiranga, só esses, eu não me lembro outros, mas a referência foram esses dois.
P/1 – E era tranquilo ir para a escola?
R – Era tranquilo, numa boa. Íamos pela rua…
P/1 – Que caminho que vocês faziam?
R – Tudo pela Conselheiro Carrão, era a Conselheiro Carrão direto.
P/1 – Sem nenhum desvio?
R – Nenhum desvio. Só descia a minha rua… ia direto.
P/1 – Como que era a Conselheiro Carrão? Passava muito carro? Tinha bonde? Ônibus?
R – Bonde não, porque a Conselheiro Carrão era a única avenida que tínhamos, porque não existia outra assim, na nossa vila que desce, só tinha as paralelas, mas as conduções, os carros, todos eram pela Conselheiro Carrão, até que inauguraram a Aricanduva, antes disso, só a Conselheiro Carrão, mesmo, era referência para toda vila, até para Itaquera, Guaianazes, era tudo por lá.
P/1 – E o quê que você mais gostava de fazer nessa época de escola, assim?
R – Ir para a escola, mesmo e eu ia a igreja, só. E ficava com o meu irmão, porque ele era pequeno, né?
P/1 – Frequentava a igreja?
R – Sim.
P/1 – Qual igreja que vocês frequentavam?
R – A sagrada família, lá perto mesmo na vila, né?
P/1 – Vocês iam a missa sempre? Como é que era?
R – Sempre ia a missa, sempre.
P/1 – Mas como que era, era domingo?
R – Todo domingo.
P/1 – Como que era a rotina, vocês acordavam…
R – Não entendi.
P/1 – Como que era o dia de ir na missa, assim?
R – Naquela época, tínhamos um grupo, tinha as filhas de Maria, aí eu fui crescendo, fui ficando mocinha, né, nós fazíamos… eu levava as crianças, ia de casa em casa, pegava as crianças pra fazer catequese no domingo… isso aí, era normal.
P/1 – E onde que fica essa Igreja da Sagrada Família?
R – Fica… quer a rua? Ali mesmo na vila, dois quarteirões da minha casa, da casa da minha mãe.
P/1 – Fechando esse bloco, quais que eram as suas brincadeiras favoritas na infância?
R – Pular corda, brincar de pega-pega, mãe da rua, lenço atrás (risos), é o que eu me lembro, né, bicicleta eu tentei aprender, mas minha mãe não deixava, porque tinha medo, ela trabalhava, né? Então, ela tinha medo de eu me machucar, então não andei de bicicleta.
P/1 – E tudo isso acontecia onde? lá na rua?
R – Na rua.
P/1 – Então, vocês brincavam muito na rua?
R – É.
P/1 – Tinha uma meninada legal no bairro? Como que era? Você tinha um monte de amigos no bairro?
R – Só quando eu morava na Água Rasa, aí quando eu fui para o Carrão, já deu aquela diminuída.
P/1 – Você tinha que cuidar do seu irmão, também?
R – É.
P/1 – Era muito ruim ficar cuidando do seu irmão?
R – Não, de boa. Minha mãe falava que eu era muito boazinha, e que gostava de criança. As vizinhas pediam, né, e eu olhava. Minha mãe falava: “Você é muito boa”.
P/2 – Eu lembro que você falou, Conceição, que a sua mãe trabalhava, então por isso, ela tinha medo que você andasse de bicicleta, então depois, quando vocês construíram essa casa, e vocês foram para o Carrão, ela continuou trabalhando?
R – Continuou.
P/1 – Em outra fábrica?
R – Em outra fábrica, foi sim, foi pra outra fábrica, ela foi pra… eu não vou conseguir lembrar, Irmãos Bruderes, acho que é isso aí. Lá na Catumbi, também que seria fiação, né? E depois da Bruderes, ela foi para Santa Terezinha, que aí, já era na vila, ali, na Avenida Rio das Pedras, que agora… agora, não, já há muito tempo, né, é o Carrefour. Foi outra empresa que…
P/1 – O seu pai ficou na mesma… na empresa?
R – Meu pai era guarda noturno, né, vigia, ele era vigia de metalúrgica.
P/1 – Onde que ele trabalhava?
R – Ele trabalhava ali na Penha, perto do pontilhão da Penha, não sei se vocês já ouviram falar, era ali perto. Era numa metalúrgica.
P/1 – E você já tinha alguma ideia do que queria ser quando crescesse quando você era criança?
R – Meu pai me colocou no corte e costura, eu aprendi, fiz um tempo roupa, minha mãe queria que eu estudasse, eu fui mal criada com ela, falei alguma coisa pra ela que ela falou: “Tá vendo? Olha aí, você não quis”, não sei o que e eu tenho que engolir, né? (risos) Que mais? Aí, eu fui trabalhar… com 16 anos, eu fui trabalhar em empresa de… fazia peça pra rádio e aí, eu não queria mais estudar, eu ia trabalhar… ah, vou trabalhar e estudar? Minha mãe insistia, né, mas essa filhinha quis pular corda, né, modo de dizer (risos).
P/1 – Você quis trabalhar? Com 16 anos, você já quis…?
R – Eu precisava, né, também ajudar a dificuldade do pai, da mãe, precisava. Precisava, mesmo.
P/1 – E onde que era esse primeiro emprego seu?
R – Meu primeiro emprego foi na Douglas, Rádio não sei o que lá, mas foi na Douglas, ali no Tatuapé.
P/1 – Na época, 16 anos ainda era de menor, como é que era essa coisa de trabalhar?
R – Nós menores, eu acho que nós éramos explorados, porque pagavam meio salário e trabalhávamos igual aos que eram maiores, eu acho.
P/1 – Tinha uma carteira diferente?
R – Tinha, isso tinha. Tinha carteira, registrada, direitinho.
P/1 – Mas ela era diferente, né?
R – O valor do pagamento nosso era diferente, era metade.
P/1 – Mas o trabalho era basicamente o mesmo?
R – O mesmo. Era o mesmo.
P/1 –
Como que era um dia de trabalho?
R – Eu entreva acho que às sete, tinha uma hora de almoço, era linha, né, cada um tinha a sua tarefa e às cinco horas saía, pegava o ônibus e ia pra casa.
P/1 – Tinha que bater cartão, também?
R – Todos os dias, entrada, almoço, saída pro almoço, entrada para o almoço e às cinco horas.
P/1 – Como que foi o seu primeiro dia de trabalho? Você estranhou muito?
R – Estranhei (risos), outro mundo, né? Chegar lá, não saber fazer as coisas, né, tem que aprender, porque nós somos aprendizes, na realidade, não sabemos fazer nada, acho que também por isso, não pagavam, né: “Eu vou te ensinar e vou te pagar?”, não é verdade? Então… e assim, foi, né?
P/1 –
Você lembra do seu primeiro dia? Como que você se sentiu assim, chegando na fábrica, na empresa?
R – Não, isso aí eu não… acho que não marcou, não. Eu lembro que cortei os dedos (risos), não foi legal, né, aí me ensinaram a enrolar esparadrapo nos dedos para não cortar e aí foi.
P/1 – Tinha muito acidente de trabalho?
R – Não. Houve m, sim, mas foi na caldeira. Eu estava trabalhando, fazendo hora extra e a caldeira explodiu e aí, esse amigo que estava trabalhando que era da nossa seção, que ele levava as peças para passar verniz e colocar no forno, as peças que a gente fazia e aí, conforme explodiu, ele foi jogado, né, e ele morreu por causa que ele bateu em algum lugar, então isso marcou muito, nós passamos até medo, né, porque… o medo da caldeira, né, mas aconteceu. Então, isso marcou muito.
P/1 – Você lembra… você ajudava em casa e tal, mas quando você recebeu o seu primeiro salário, você fez alguma coisinha que você queria muito fazer com o ordenado?
R – Entreguei tudo para o meu pai. Eu entregava todo o meu salário para o meu pai, eu só ficava com a hora extra, por isso que eu fazia hora extra e aí, eu falava: “Se for ficar com o pai, eu não faço hora extra”, ele falava pra mim: “Mal criada”, falava: “Se não for para ficar pra mim, eu não faço”, e era com isso que eu comprava as coisinhas, né, não que ele não me desse, que a minha mãe não comprasse, né, mas era a regra: entregar para ele.
P/1 – E o quê que você comprava? O quê que eram essas coisinhas?
R – Eu comprava esmalte, pó, essas coisinhas de menina, né?
P/1 – Você gostava de usar?
R – Eu gostava. Gostava de pintar a minha unha, eu costurava, comprava tecido, fazia os meus vestidos.
P/1 – Você mesmo que fazia?
R – Eu mesmo que fazia.
P/1 – Teve algum que você gostou mais de fazer, assim?
R – Teve um que eu trabalhei a noite toda, eu ano tinha terminado, tinha festa na Douglas, que era de final de ano e eu queria ir de vestido novo. E eu não tinha conseguido terminar. Eu fiquei à noite inteirinha, não dormi, terminei o meu vestido, de manhã, fiquei toda bonita (risos).
P/1 – Como que era o vestido?
R – Ele tinha babado e ele era florido, assim, era branco com assim, tipo laranja, umas flores.
P/1 – E fez sucesso o vestido?
R – Pra mim, fez, agora (risos), porque a maioria lá era tudo mulher, né, tinha homem, mas em outras seções, né?
P/1 – E as colegas de trabalho, como que era conviver com…?
R – Eram bem legais, gostava delas.
P/1 – Você fez alguma amizade?
R – Fiz, sim. Fomos umas na casa das outras, lembro da Gloria, lembro de algumas outras que eu não lembro o nome, né, mas fiz bastante amizade, sim. É bom trabalhar, que a gente vai conhecendo pessoas, né?
P/1 – E quanto tempo você ficou na Douglas?
R – Acho que um ano e meio, um ano e sete meses, por aí.
P/1 – E depois?
R – Depois, eu tive uma passagem rápida pela Philco, que minha mão inchava muito, né, e depois, eu fui pra malharia, aí eu fui pra malharia. Aí foi um serviço mais leve, né, assim…
P/1 – O quê que incomodou na Philco que você saiu?
R – Não, na Philco, a gente colocava peças, antigamente, era umas pecinhas pequenininhas, então, tinha que fazer esse movimento, né, fechando… colocando os… esqueci. Eu sei que eu colocava as pecinhas lá, e ia prendendo, então cada uma tinha dois pontos e tinha que prender esses dois pontos em outros dois pontos para outra pessoa soldar. E começa com um, depois com dois, três, quatro, cinco, seis, vai aumentando as peças pra você colocar, naquela época. Aí chegou num ponto que eu não dava conta, porque aí, o braço doía. Então, não me adaptei.
P/1 – Aí, você achou melhor mudar?
R – Achei melhor mudar.
P/1 – E a malharia, como que era? Onde que era?
R – Na malharia, foi na Caribê, não sei como eu vou te explicar, colocava golas nas blusinhas de lã, um dia se você prestar atenção, tem uns furinhos, que parece que foi costurado. Eu colocava essas golinhas nas blusas, tanto aqui, como no bolso, como aqui, né? Muitas vezes, fechávamos aqui dos lados…
P/1 – E quanto tempo você ficou nessa?
R – Na Caribê eu acho que eu fiquei um ano e pouco, aí eu pedi a conta, porque eu tinha arranjado emprego em outro lugar, que ganhava mais. Aí, eu fui fazer o mesmo serviço em outra empresa. Aí, eu acho que eu fui na Trisete, se eu não me engano. Aí, trabalhei lá mais um ano e pouco, aí me falaram de outra empresa, de outra malharia, que pagava mais, aí eu fui. Aí, eu falei pra minha mãe: “Pedi a conta”, ela falou: “De novo?” (risos), falei: “Pedi a conta, já arranjei emprego, não se preocupa, já arranjei emprego”, aí lá vou eu trabalhar, chego lá, entrego minha carteira, aí me devolvem a carteira… “Me devolve a carteira, eu preciso da carteira”, eu falava pro… porque eu não tinha ainda encerrado a empresa, né, a Trisete. Aí, insisti, me devolveram a carteira, quando devolveram a carteira, que eu vi, eu já tava registrada, eu falei: “Pronto! Agora eu tô registrada em duas firmas, tanto em uma quanto em outra”, aí eu pedi pra quando foi lá no sindicato, eu pedi pra moça colocar um dia antes, então eu comecei dia 22 e sai d outra no dia 21, deu tudo certo, mas eu (risos)… agora não sei como funciona, né, porque o pessoal tá tudo desempregado, não sei. Só isso?
P/2 – E essas fábricas ficavam onde? A Trisete?
R – A Caribe na rua, ali no Brás, ali numa travessa da Bresser e a Trisete era uma travessa… eu não sei se lá já era… mas é quase chegando no Largo da Concórdia, então é Brás, né?
P/1 – Seu irmão também trabalhava nesse período?
R – Não, meu irmão começou a
trabalhar com 14 anos, mas ele começou a trabalhar na Evaristo Comolatti e lá, o meu irmão se aposentou, na Evaristo Comolatti.
P/2 – Era fábrica também?
R – Eu sei que é de autopeça, eu não sei se eles vendem, se eles fazem, eu não sei, eu sei que é de autopeça. Ele trabalhava lá no Administrativo.
P/2 – lá também nessa região?
R – Também, é ali perto do Viaduto do Gasômetro.
P/2 – E quando ele saiu da casa da sua mãe, também foi morar por ali?
R – Meu irmão foi para o santa Maria que é perto da minha casa, também, zona leste. A gente tá sempre ali. Meus filhos também estão morando na zona leste.
P/1 – E deixa eu te fazer uma pergunta, Dona Conceição, de todos esses lugares que a senhora trabalhou, qual que você gostou mais de trabalhar?
R – Acho que foi na última, né, fiquei cinco anos, me habituei.
P/1 –Qual que foi o último?
R – Foi a Cicom.
P/1 –
Quando que a senhora entrou lá?
R – Estranho… eu parei de trabalhar quando a minha filha nasceu, em 75, então, eu entrei em 70 lá. Foi isso.
P/1 – E o quê que a senhora gostava mais lá?
R – Era mais perto da minha casa, porque era no Tatuapé, perto assim, da avenida, né? Gostava do Brás, também, da Trisete, que eu gostava de ir lá fazer compra no Brás (risos), eu gostava também de comprar, tava sempre perto, ali.
P/1 – A Trisete ficava perto do Brás, ali naquela região?
R – É, ali, na Maria Marcolino, pertinho.
P/1 – E aí, você saía da fábrica e ia comprar…?
R – Uhum.
P/1 – Como que era isso?
R – Eu gostava, eu comprei todo o meu enxoval, né, pra casar, eu ia lá, comprava… guardava o meu dinheirinho, ia lá e… fiz todo o meu enxoval comprando ali.
P/1 – Falando em enxoval, aliás, já que você tocou nesse assunto, como que você conheceu o seu marido?
R – Foi num baile. Eu gostava muito de dançar, eu e as minhas colegas, nós tava sempre passeando e dançando. E na Vila Formosa, que de vez em quando, eu ia no baile, eu conheci o meu marido.
P/1 – Quais bailes que você gostava de ir mais?
R – Eu ia na Sociedade da Vila Formosa, eu ia nos bailinhos da casa das amigas, naquela época tinha, né? Eu ia no Guilherme Gioigi, esse Guilherme Giorgi (risos), que tinha o clube lá, eu gostava, era o que eu ia.
P/1 – E você gostava de dançar. O quê que vocês dançavam?
R – Tudo, samba, bolero, rock, tudo.
P/1 – Tocava de tudo e vocês…?
R – De tudo!
P/1 – Mas ano tinha nenhuma coisa assim,
que você falava: “Nossa, essa música é…
R – Ah, tinha bastante músicas, naquela época não era como agora, né, com umas músicas muito estranha que as crianças gostam, né, época delas, né? As nossas eram mis assim, tinha melodia, tinha palavras bonitas, inocentes e hoje em dia, tanto que quando a gente vai numa festa, num casamento que falam que é anos 60, que é 70, 80, todo mundo dança, né? Principalmente as velharadas (risos), voltam a ser criança.
P/1 – Tinha algum artista que você gostava mais?
R – Eu gostava do Roberto, eu gostava do Jerry Adriani, adorava o Elvis, adorava não, adorar é a Deus (risos), o Elvis, Beatles, ah, tinha um monte, Bee Gees, tinha um monte, música clássica também eu gostava, eu tinha. Eu sou eclética, eu gosto de música, quando começa a tocar música… eu não gosto.
P/1 – E como que era a preparação para esses bailinhos, assim?
R – Ah, arrumar cabelo, fazer unha, ficar toda bonita.
P/1 – Mas era com as amigas?
R – Com as amigas. Pagava também, eu que arrumava o meu cabelo, a gente se arrumava.
P/1 – E como que foi o dia que você conheceu o seu marido?
R – Ele diz, vou falar o que ele falou, eu estava… ele estava no salão com um amigo e pra entrar no salão, tinha que descer umas escadas, eu e minhas duas amigas descemos as escadas e ele falou pro colega dele… eu não se ele falou que ia dançar comigo ou se ia me levar pra casa. Aí, eu tô meio confusa, aí ele… e eu fiquei lá, de repente, um moco bateu nas minhas… assim em mim, eu olhei: “Vamos dançar?”, aí eu falei: “Vamos”, fomos dançar. Aí, ele tirou de novo, aí ele tava com intensão e eu não, né? Eu não tinha nenhuma intensão. Aí, nesse baile, nós dançamos o tempo todo. Aí, ele falou pra mim que queria me levar pra casa, aí eu falei pra ele: “Vou falar pras minhas colegas”, aí eu falei pras minhas colegas: “Aquele rapaz quer me levar pra casa, o quê que vocês acham?” “Deixa”, e o colega dele ia levar a minha amiga, uma das. Aí, o outro deu pra trás, e o meu marido foi, aí eu falei pra ele: “Só que nós vamos de ônibus”, falei pra ele, porque nós não tínhamos carro, né? Nada de carro, ninguém tem carro, todo mundo a pé. Aí, ele falou: “Tá bom”, aí ele que falou pra mim que teve que pedir dinheiro emprestado porque ele não tinha dinheiro para a condução (risos), e ele foi. Aí, quando foi perto da minha casa, eu falei pra ele: “Tchau”, aí ele marcou encontro, eu falei: “Ih, nunca me viu, esse cara não vai aparecer”… e sabe o que ele falou pra mim? “Se você não aparecer e eu te encontrar no baile, eu vou brigar com você”, eu falei: “Caramba” (risos), aí falei: “Bom, eu vou, né?”, aí eu fui. Aí, ele tava lá, aí nós conversamos, passeamos pela rua, ninguém tem dinheiro nessa época, todo mundo zerado.
P/1 – Onde é que vocês passearam?
R – Só passeamos, mas daí, fui embora. Só dando uma volta, aí a gente foi embora, ele foi embora. E assim começou. Aí, eu não queria mais nada com ele, eu queria que ele fosse embora, mas eram poucos dias, então eu falei: “Não quero saber”, aí eu falei pra ele assim: “Não vou ficar passeando com você na rua, se quiser, vai falar com o meu pai”, ele falou: “Eu vou”, falei: “Caramba, não é pra ir” (risos), na minha cabeça, né, ai lá tava ele lá para falar com o meu pai, e eu falei: “não, deixa pra outro dia”, ele falou: “Não, é agora”, falei: “Ih, ferrou”, assim começou.
P/1 – E como que era namorar naquele tempo?
R – A gente ia no baile, a gente ia numa lanchonete, ficava em casa, era assim. Ia no cinema.
P/1 – Onde que vocês iam?
R – Nos bailes, nos mesmo lugares.
P/1 – Mas por exemplo, cinema? Onde que era?
R – Nós fomos algumas vezes, não… ele me levou no Museu do Ipiranga, eu conheci com ele o MASP, que eu não conhecia, ele me levou, se eu não me engano, nós fomos no zoológico, não tenho muita certeza. Cinema no centro da cidade, que naquela época era só no centro, né? Ele me levou, aí outras coisas… nós dançamos muito, isso, a gente dançava bastante.
P/2 – E os salões de baile eram na Vila Formosa?
R – É, na Vila Formosa e no Guilherme Giorgi, só que o meu pai falava assim: “Uma vez por mês, tá?”, então era uma vez por mês que eu ia no baile (risos), só uma vez por mês, então eu escolhia o dia e ia.
P/1 – E o seu pai aceitou o namoro?
R – Numa boa. Aí perguntou pra ele: “Você trabalha?” (risos), os pais, antigamente, queriam que a pessoa trabalhasse, né? Ele falou: “Trabalho”.
P/1 – E com o quê que ele trabalhava?
R – Meu marido é tapeceiro, faz sofá, essas coisas, faz cadeira.
P/1 – Desde essa época, ele já…
R – Cinquenta anos trabalhando nisso.
P/1 – Onde que é o comércio dele?
R – Ele teve comércio, ele teve, né, a tapeçaria, mas aí, a tapeçaria… aí foi pra casa, porque o aluguel era muito alto, tudo na vida tem os seus altos e baixos, tudo na vida, aí foi pra casa, mas em casa vai perdendo o contato, porque vai… porque quando você tá com o estabelecimento aberto, é mais fácil, mas… aí, ele começou a procurar emprego e aí, foi trabalhar, ele falou: “Não quero ser patrão, quero ser empregado, patrão dá muito trabalho” (risos). Isso aí.
P/1 – Ele arranjou emprego onde?
R – Agora, ele trabalha ali na Vila Matilde, zona leste, numa tapeçaria.
P/1 – E como que é o casamento de vocês?
R – Ah, tá bom, tá muito bom.
P/1 – Desculpa, como foi o casamento, como foi o dia do casamento?
R – O dia? Ah tá! Foi muito legal. Foi na igreja, todos os convidados, foi muito emocionante.
P/1 – Onde que vocês se casaram?
R – Me casei na Igreja São João Batista da Califórnia, ali na Vila carrão, mesmo. Tudo zona leste (risos). A gente não…
P/1 – E como que foi entrar na igreja com ele?
R – Foi muito legal. Teve uma façanha, os carros… houve uma batidinha, alguma coisa com o carro, porque motorista sempre é apressado, né, não espera o outro, aí teve uma confusão, resumindo, os convidados tudo na frente, a noiva atrás (risos), foi tão engraçado, né, não achava o carro da noiva, porque eu tava atrás, o cortejo tava na frente, foi engraçado, a gente ri dessa situação. Mas foi divertido. Foi nervoso, né, parece divertido, mas é nervoso, depois que é divertido, não é? (risos) Mas é muito agito, né?
P/1 – Quando que foi o casamento?
R – Foi no dia três de fevereiro de 1973. Vai fazer 45 anos o ano que vem.
P/1 – Você tinha comentado que você parou de trabalhar em 75 porque você teve a sua filha.
R – Foi.
P/1 – Quando que vocês ficaram sabendo que você tava grávida?
R – Bom, planejamento. Eu pensava assim: vou querer ficar grávida em dezembro. Fiquei grávida em junho, julho, uma coisa assim, então adiantou o meu plano, aí foi de boa, fiquei muito… foi legal.
P/1 – Você lembra do dia do nascimento da Priscila?
R – Lembro, lembro sim. Ah, minha mãe, coitada da minha mãe! Eu morava na Vila Formosa, no quintal da minha sogra e aí, eu não tava bem, meu marido me levou no hospital e aí, o médico falou que era para voltar que não tava na hora, que não queria que eu ficasse lá sendo primeiro filho, não queria que eu ficasse assustada. Eu voltei para casa e aí, ele pegou e me levou para a casa da minha mãe. Eu não sei, eu esqueci a roupa, eu falei pra minha mãe: “Mãe, vai buscar? Está no guarda-roupa, numa sacola assim, assim”, não tinha malinha, inocente, né? Eu sei que eu coloquei em algum lugar minha camisola, alguma coisa assim. Ela foi, quando ela voltou, eu ria, mas eu ria, mas eu ria, não me conformo até hoje, eu ria, eu ria e ela falava: “Por que você tá rindo?” “Mãe, a senhora viu o que a senhora trouxe?” “Não” “Mãe, a senhora trouxe as lanças do meu portão”, eu tava construindo a minha casa e eram as lanças, do portão não, era da janela que tinha lanças, pois ela trouxe isso e a minha roupa ficou. Aí, ela brava: “Eu não vou voltar mais lá” “Tá bom, mãe, pode deixar, não precisa então”, isso ficou na história, mas eu ria tanto, eu ria tanto, foi bem divertido.
P/1 – E como que é esse processo de construção da casa de vocês? Você então casou e foi para
casa do seu sogro?
R – Isso. Fui morar no quintal.
P/1 – Onde que era?
R – Na Vila Diva.
P/2 – É Vila Formosa também?
R – Isso, naquela baixada.
P/1 – E aí, como que vocês… vocês foram lá e escolheram o terreno, como que foi…
R – Pra morar?
P/1 – Isso.
R – Houve um loteamento lá e nós éramos noivos e ele deu entrada e começou a pagar. Era 100 reais, 100 cruzeiros por mês, deu 100 cruzeiros de entrada e eram 100 cruzeiros por mês. E eu sei que o aumento era pelo salário mínimo, naquela época.
P/1 – Daí vocês foram pagando…
R – Fomos pagando até…
P/1 – E já foi construindo, também?
R – Não, dali um tempo, né? Começou a construir depois que nós casamos, aí que nós começamos a construir.
P/1 – Qual que é a rua, mesmo?
R – Rua Salvarana.
P/1 – O bairro?
R – Jardim Santa Maria.
P/1 – E como que era? Ele mesmo ia lá construir?
R – Não, nós contratamos um pedreiro pra construir e aí, ele comprava material e a gente pagava no fim do mês, quando ele recebia, eu recebia, ele ia no depósito e pagava. E o deposito ia entregando material.
P/1 – Nessa rua que vocês pegaram, vocês foram os primeiros moradores?
R – Não fomos os primeiros, mas fomos um dos primeiros, os primeiros foram morar, não tinha nem energia e quando nós fomos morar… porque acho que logo que eles compraram, eles já foram construir e nós, não. Deu aquele tempo pra… tinha a Light, naquela época acho que era a Light colocasse os postes, os fios, então só não tinha água encanada, não tinha esgoto, não tinha asfalto, não tinha nada. Só tinha quatro marcos, os dois da frente, os dois de atrás, mais nada.
P/1 – E quando a casa ficou pronta, quando você chegou e viu a casa pronta pela primeira vez, como que foi?
R – Então, a minha casa foi construída todinha, né? Ela foi… não foi em pedaço, só faltou acabamento, né? Então, meu quarto, nós colocamos taco, quartinho das crianças, né, colocamos taco, pintamos, o banheiro e a cozinha e o corredor era vermelhão, a sala não, a sala nós não terminamos porque não dava. Meu pai parece que emprestou o dinheiro das portas e janelas, porque o dinheiro já tinha acabado, né, entramos não tinha vidro, aí que foi colocado na semana. A sala, a gente colocou tampão porque a minha casa é no alto, entao bate muito vento, né, aí não sei se você viu na foto, que era um vitrô enorme, então, muito vento. E assim foi.
P/1 – E como foi a sensação de mudar para lá, assim, a casa de vocês?
R – Muito bom. Meu teto, né? Meu chão. Tinha só que agradecer, né, o trabalho meu e do meu marido, né?
P/1 – E foi a única casa de vocês?
R – Sim.
P/2 – Esse Jardim que você falou é Itaquera?
R – Subdistrito.
P/2 – Como que era o bairro?
R – Era bem tranquilo, eu falo que não tinha assim, esse medo que a gente tem agora de sair. Ali era só família e trabalhador, até na comunidade que montaram depois no Jardim Eliane, era só família, só trabalhador. Foram anos sem passar uma pessoa para pedir, assim, esmola, essas coisas, anos, anos. Não tinha. Aconteceu alguma coisa? Sim, sempre tem uma coisa ou outra, mas era mais tranquilo, né?
P/2 – Em termos de acesso ao bairro, transporte, como é que era Itaquera nessa época?
R – No nosso pedaço demorou para passar uma linha de ônibus, mas o meu marido e todos os moradores iam ou na Avenida Itaquera pegar condução ou na Avenida Rio das Pedras, então eles amassavam barro mesmo (risos). Meu pai… meu pai eu não sei se dizia, mas muita gente falava: “Imagina comprar ali? Ali nunca vai progredir”, porque era do lado do rio, meu Deus, mal sabem eles e como não souberam que não profetizaram, não. Deus falou: “Não, vai seguir, população vai aumentar”, e aí, foi indo.
P/1 – Tinha comércio? Você falou que era basicamente moradores, mas tinha comerciantes? Tinha alguma venda?
R – Tinha barzinho. Demorou um pouco, mas depois montaram mercadinho, outro mercadinho, a gente ia se virando, mas era difícil comprar pão, viu? Era difícil. O mercado era mais longe, tinha uma linha de ônibus, começou a passar perto da minha rua, aí começou, melhorou, né, quando começa uma linha… mas depois, com o metro… aí, começaram, a construir o shopping, já tá, minha filha já tá moça, né? Começaram a construir o shopping, aí começaram as vans, aí também veio o metro, né, então, aí foi mudando.
P/1 – Você lembra da construção do metro?
R – Lembro do metro Tatuapé. A minha filha inaugurou, se eu não me engano, eu não tenho certeza, o Tatuapé, ela era da fanfarra da escola, então ela ia nas estacoes com a fanfarra, se não me engano, ela inaugurou Tatuapé, Carrão, Vila Matilde. Eu sei que ela inaugurou… foi na inauguração de algumas, não sei se foram de três ou de duas, mas ela foi.
P/1 – E o quê que mudou com o metrô?
R – A facilidade de ir para o centro.
P/2 – Vocês saiam de Itaquera ou tudo que vocês precisavam, vocês faziam por ali? Quando que vocês saiam para outros lugares da cidade?
R – Eu ia mais no Brás, antes do Brás, eu também ia ali na Sé, na rua Direita, naquele pedaço, eu ia muito. Mas antes dos meus filhos, né, porque depois dos meus filhos, já fiquei mais dona de casa, né, porque eu parei, então só ia até o Brás, comprava e… aí foi melhorando, né, aí montaram o Carrefour, tudo isso, como eu já falei, né?
P/1 – Foi ficando mais fácil?
R – Bem mais fácil.
P/1 – Porque antes do Carrefour, onde você comprava comida?
R – Eu comprava no Largo do Carrão, tinha um mercado lá, o Líder, tem até hoje o Chama que é na vila, mesmo, Santa Maria, mais em cima e também montaram um mercadinho próximo da minha casa que a gente comprava algumas coisas lá também, facilitou, mas no começo foi muito difícil pra nós lá da vila, muito difícil.
P/1 – E qual dessas coisas que foram chegando que você acha que mudou mais a cara do bairro?
R – Shopping. Um shopping.
P/1 – Por quê?
R – Porque entrou os mercados, Walmart, entrou o Extra, né, as lojas e foi melhorando todo o entorno, né, podia melhorar mais, abandonaram (risos), as ruas estão horríveis, meu Deus.
P/1 – E você lembra especialmente da construção do shopping? A qual shopping você está se referindo, ao Itaquera?
R – Não, Aricanduva. O primeiro. Porque só tinha na zona sul, é isso, né? Zona sul ou… zona norte, né? E o Carrefour, né, foi melhorando, veio os bancos, porque os bancos eram só no Largo do Carrão para sentido cidade, né? Depois os bancos começaram a vir mais próximo, né, porque os bancos também eram longe
P/1 – Então, antigamente, o grande centro comercial da região acabava sendo esse Largo do Carrão?
R – Do Largo para lá, né? Não tinha… e aí, foram chegando, né?
P/1 – E o Shopping Aricanduva foi o primeiro ali, você lembra da construção do shopping?
R – Ah sim! A gente nem acreditava que ia sair: “Será? Verdade?” “Vão fazer um shopping” “Mas será que vão fazer esse shopping?”, porque ali era para construir casas e depois, apareceu o shopping, como eu acho que não vendeu, foi mais lucrativo, né, foi mesmo, foi lucrativo até para a população.
P/1 – Você lembra da primeira visita no shopping?
R – Ah, eu não me lembro muito bem, não, mas eu me lembro que o meu filho foi um dos inauguradores, foi trabalhar lá no shopping numa pastelaria com 14 aninhos. Ele tava na oitava e queria trabalhar. Meu filho é trabalhador, é um menino de ouro. Aí, ele… como a minha filha, né? Aí, ele: “Eu quero trabalhar”, e ele saiu procurando emprego. E aí, ele foi trabalhar no shopping, ele foi um dos inauguradores do shopping. Ele trabalhou lá uns… não trabalhou muito, não. Ele saiu, acho que outubro, novembro? novembro, ele ficou doente, começou a cair a produção dele na escola, porque ele entrava às duas e saía da escola ao meio-dia, não tinha tempo de estudar, porque ele chegava em casa, pegava a condução, ia pra casa, almoçava, aí ele já tinha que trabalhar, saía 11 horas do shopping e aí, ele começou a ficar… ficou ruim, começou a ter uma febre estranha e aí, o médico perguntou pra mim: “Ele fuma?”, assim mesmo, eu nunca tinha imaginado, pastelaria frita pastel, aí o médico falou que ele não podia trabalhar ali, tava prejudicando ele. Aí, ele saiu.
P/2 – E o seu filho e a sua filha pensaram em trabalhar nas mesmas atividades que você e o seu marido?
R – Meu filho não queria nem ver, falava que ia trabalhar em escritório, que ele não ia fazer aquilo que o pai fazia. Mas por isso que… ele escolheu, né, então ele foi…
P/2 – E a sua filha?
R – Minha filha nunca falou nada, assim, mas ela fez técnico, foi trabalhar em Contabilidade, aí ela fez faculdade e ela trabalha nessa área. E o meu filho também trabalha mais ou menos nessa área, né?
P/2 – Os dois fizeram faculdade?
R – Os dois.
P/2 – Do quê?
R – O meu filho fez… ele é atuário e minha filha é contadora, fez Ciências Contábeis.
P/2 – A senhora e o seu marido não fizeram, né?
R – Não. Não fizemos.
P/2 – Vocês estudaram até que…?
R – Ele fez Senai, né? E não quis mais estudar, que eu insisti, né? Eu lá atrás, no meu passado, insisti, insisti, mas ele não quis e eu… aí, depois de tempos, eu terminei e fiz até o ensino médio, só.
P/1 – O Senai, que unidade que ele fez?
R – Ele fez ali no… é no Brás, eu não vou conseguir…
P/1 – Aquele ali do lado da Industria Matarazzo, da antiga indústria?
R – Isso, é lá no Brás.
P/2 – E seus filhos estudaram onde?
R – A minha filha estudou em duas escolas estaduais, na realidade, três. Ela começou no Olga Marinovic, depois ela foi perto da minha casa, que aí inaugurou perto da minha casa e aí, ela foi pra Vila do Jardim Santa Maria, para o Dom Camilo. E o meu filho entrou no Dom Camilo que já era da Vila e depois quando o meu filho tinha passado para a quinta série, aí eu levei ele pro Salvador Roco, porque eu falei assim: “Eu não quero o meu filho no meio de todos esses meninos”, que eram tudo vizinho, todos nós tínhamos filhos tudo da mesma idade e tinha muito tititi, falei: “Quer saber de uma coisa? Eu não quero saber disso, não, eu vou tirar os dois daqui, quero uma escola melhor”, aí levei eles pro Carrão, para o Salvador Roco, que era uma escola referência naquela época, assim, que até… assim a diretora falava, né, que até escolas lá do Chile vieram ver o ensino de lá. Então, era uma escola referência.
P/2 – Uma escola estadual?
R – Estadual.
P/2 – Depois ,eles fizeram faculdade onde?
R – A minha filha fez na UNICID e o meu filho fez na PUC.
P/1 – Dona Conceição, eu queria que a senhora falasse um pouquinho como que foi parar de trabalhar, quando você virou mãe?
R – Eu não tinha com quem deixar, né, e aí, naquela época era mais difícil cuidar do… deixar com alguém, né? E aí, eu fui ficando. Quando eu pensei em voltar a trabalhar que ela já tinha um ano, um ano e dois meses, aí eu engravidei do meu menino, aí não deu mais certo (risos). Fiquei em casa, aí nem pensei mais em trabalhar, nada.
P/1 – A senhora sentia falta?
R – Ah sim, né, a gente sente falta, porque ficar em casa, parece que a gente esqueceu do mundo, acabou, modo de dizer, é só aquilo, mercado, casa, médico, mercado, casa, médico. Só isso enquanto as crianças são pequenas e duas, né?
P/1 – Do quê que você sentia mais falta do trabalho?
R – Sabe que eu não pensava, eu tava feliz com eles, não pensava, não. Só quando eles ficaram maior, que eu resolvi trabalhar de novo. Aí, eu fiz o concurso, né, fiz três concursos, passei nos três, mas tudo longe, né? No último foi… achei que era uma coisa, era outra, já que eu passei, vamos enfrentar, né? Eu achei que ia ser tipo inspetora de alunos e eu fui fazer limpeza, né? Mas não foi nessa intensão que eu fiz o concurso, né, mas foi o que ajudou bastante, porque foi uma época muito difícil.
P/1 – E quando que a senhora volta a trabalhar? Por quê que foi uma época difícil? Desculpa.
R – Falta de dinheiro, filho crescendo, material escolar, todas essas coisas, né?
P/1 – E como foi voltar pra trabalhar assim, depois de tanto tempo?
R – Foi bom, foi muito bom. Passei a colaborar na despesa da casa, foi bom. E eu assim, eu olhava… coisa de parece que… eu olhava a escola e falava: “Um dia, eu vou trabalhar aqui”, mas eu gostaria de trabalhar aqui, eu pensava e eu fui, né? Acho que Deus dá aquilo que você quer, né, então, se você pedir pouco, ele te dá um pouco, se você tá feliz, tá bom pra mim e eu fiquei feliz.
P/1 – Qual é a maior diferença da fábrica para a escola?
R – Regra, né? Não que não tenha, mas é assim, tem alguém sempre de olho em você (risos), porque aquele que tá de olho em você também tem alguém de olho nele, que é o dono, né, que é o diretor, né? não que não tenha regras, né? E assim, é aquilo, né, batido, de você trabalhar com pessoas é diferente, né, porque uma peça você faz ali, você não conversa com ela, você tá ali, fazendo sempre aquilo, sempre aquilo. Agora, um ser humano, não, né, você fala uma coisa com um, cada um é um e a fábrica é sempre aquilo. Eu gosto de trabalhar com as pessoas, gosto das crianças, gosto dos adolescentes. Eu me identifico… eu trabalhei no EMEF, me identificava com as crianças, com os adolescentes, era muito sincera com eles, também queria sinceridade, nunca aumentava, mas também não omitia certas coisas. Tinha coisa que a gente resolvia entre a gente e as crianças e tudo bem, só quando era coisa mais grave, né?
P/2 – Quando os seus filhos foram pra faculdade, você já estava trabalhando de novo, então?
R – Estava trabalhando.
P/2 – E aí, você ajudou os seus filhos a pagarem a faculdade, ou eles… porque eram duas faculdades particulares, né?
R – Então, a minha filha, no serviço dela, ela diz que agradece. O serviço dela, se eu não me engano, pagava 50%, eu no tenho muito bem certeza se era 50%, mas já ajudava. Então, ela fala: “Eu agradeço o meu patrão por ter dado o inicio”, e o meu filho, ele… a PUC é muito cara, né? Ele começou a fazer acho que com 21, mas ele guardou o dinheiro, ele foi sempre… eu ensinei eles a guardar, porque quando o meu filho começou a trabalhar, eu falava pra ele: “Seu salário é dividido por três: um pra casa, um pra você gastar e o outro pra por na poupança”, e assim foi desde os 14 anos, fazendo isso com ele. Só que ele já tinha uma poupança que quando ele nasceu, minha sogra deu 300 cruzeiros e nós colocamos na poupança e de vez em quando, a gente colocava na poupança para ele e aí, eu falei pro meu marido: “Não é justo menino ter e a menina não”, ninguém tinha dado, mas nós começamos a fazer para a menina também. Então, os dois tinham a poupança, a minha filha tem esse número até hoje, o meu filho acho que não, mas a minha filha tem o mesmo número desde quando ela tinha dois, três aninhos, por aí. E assim foi, então, eles aprenderam. Eu aprendi com o meu pai, também, que tinha que guardar pelo menos um pouquinho pra hora da dificuldade saber onde poder procurar. É isso aí e o meu irmão ajudou o meu filho, ele foi o fiador pro meu filho ir para a faculdade, depois, o meu filho… porque precisa de um fiador, né? E o meu irmão foi e aí, quando… aí, ele conseguiu a bolsa da PUC, metade, ele pagava um x e jogou para pagar depois de formado. Depois, ele conseguiu também, aí a PUC parou de… falou que ia parar de dar essa bolsa, né, e aí, ele conseguiu no MEC, pelo MEC também esse desconto, então ele pagava um pouco e o outro pouco, o outro tanto foi para depois que ele se formasse. E assim foi, ele conseguiu, se formou. Aí, foi um dos oito que se formaram, que até a professora chegou pra mim e falou: “Parabéns, você tem um filho de ouro”, ele foi um dos oito que não ficou em DP (risos), chegou no final e assim foi.
P/2 – Então, você se orgulha?
R – Tenho, dos dois. São lutadores, que todo pai, acho que ama seus filhos e querem o melhor pra eles, né?
P/1 – Eu queria que você contasse, assim, que a gente já falou um pouquinho, mas que você contasse a história do seu outro filho, Dona Conceição.
R – Que outro?
P/1 – O Flamboyant.
R – Ah! (risos) Flamboyant, é o primeiro. Meu marido trouxe… um amigo dele que deu pra ele, né, e ele trouxe pra nós uma arvorezinha numa latinha de leite, ela era desse tamaninho, bem pequenininha. Ela ficou com nós. Foi passada numa lata de óleo, porque ela quis espaço, né? Numa lata de óleo, ela ficou mais um pouco lá. Quando nós mudamos pra nossa casa, aí meu marido plantou… ele queria plantar pra fora e eu: “Não, vai quebrar, vão destruir a arvore, não pode”, ele falou: “Tá bom”, colocou pra dentro, ela cresceu, ficou da altura do portão, aí eu olhava pra ela: “Ih, agora tem que arrancar, porque se deixar muito tempo não vai sair mais”, aí lá vou eu: “Tira a árvore, põe pra fora”, aí ele colocou. Ela cresceu, ficou da altura dos fios de alta tensão, coisa mais linda,
ela é linda, teve uma vez que foi o rapaz, os rapazes da… eu não sei se foi da Eletropaulo ou se foi da Telesp que queriam passar um fio e abriram a minha árvore no meio, me deu um ataque, minha vizinha saiu gritando: “Eles estão quebrando a árvore, eles vão cortar a árvore”, eu sai também e gritava para eles: “Você não corta, não põe a mão na minha árvore, vocês não vão fazer isso” “Não dona, nós só vamos abrir, ela fecha de novo”, olha, mas deu um ataque em mim e na minha vizinha, porque nós somos de parede, mas não teve jeito, eles abriram ela assim, no meio, mas depois, ela mesmo se fechou e eu chamava ela de meu filhote, quando eu chegava em casa, eu abraçava ela. E ela ficou assim, muito linda. Era muito bonita, quando floria, mas ela não era uma árvore pra aquele local, ela quer espaço, né? Mas era maravilhosa, não tinha quem não gostasse dela. De sentar embaixo dela, da sombra dela. Aí, tive que cortar, depois de 30 anos, aquela maravilha, queriam fazer uma garagem e aí, tinha que cortar. Aí, eu não queria ver, até ela ir embora, né? Poxa, nosso primeiro fruto, né? Aí, na esquina, quando eu vim vindo do trabalho, caminhão cheio… não tinha ninguém na rua, ainda bem, porque eu ia chorar, né? Não tinha ninguém na rua, assim, os vizinhos, ninguém. E aquela árvore, um caminhão enorme com todinha ela, ela pegou todo o caminhão, aí eu olhei assim pra rua, nada, aquele branco. Fiquei tão triste, mas acabei acostumando, mas tenho foto, olho para a foto e lembro dela, não tem quem não goste, muito linda.
P/1 – Dona Conceição, já vou encaminhando agora para o final, tá? Então, vamos falar um pouco de você agora, hoje em dia, o quê que a senhora faz hoje? Do quê que você se ocupa, como você usa o seu tempo? O quê que você faz hoje em dia?
R – Eu sou agente escolar, sou funcionária pública, eu trabalho no CIEJA, essa semana, semana passada, dia 14 fiz 19 anos de prefeitura e eu gosto de trabalhar, agora eu tô no CIEJA que tem adultos e deficientes de várias… leves, mais fortes, cadeirantes. Eu gosto.
P/1 – Onde que é o CIEJA?
R – É na Avenida Itaquera, lá em Cidade Líder, Itaquera.
P/1 – E é importante ali na região? Pessoal frequenta bastante?
R – O CIEJA? Sim, procuram, né, porque só lá que tem assim, o dia todo, e são duas horas e 15 minutos de aula. As outras escolas municipais geralmente é à noite, só, né, e lá é durante o dia.
P/1 – E teve alguém nesse tempo todo que você trabalhou lá que você lembra, assim, que foi o seu xodó de sempre? Passou por lá?
R – Teve. Teve o Rafael, que já saiu da escola, tem agora, tem o… deu branco o nome dele, mas tem vários, né, tem a Ana, eu a chamo de Aninha, tem vários. Tem o Fabio que é cadeirante, o Fabio… vou contar a história do Fabio, acho que ninguém sabe… algumas pessoas sabem. Quando o Fabio chegou lá, ele é cadeirante, ele não mexe os braços, então tem que colocar alimento na boca dele, ele é um xodó pra mim, né? Eu chamo ele de… ele não sabe, mas ele é meu passarinho, né? Aí, eu fui para o interior, e a diretora, a Dona Mercê… aí falaram que ia vim esse aluno, que ele não se alimentava, aí meu fiquei com raiva, fiquei brava: que caramba, agora eu vou ter que alimentar, né? Fiquei com raiva, raiva não, mas fiquei brava. Aí, eu fui para o interior, lá no interior, eu cheguei, a tia no meu marido com o marido tava com um passarinho, esse passarinho, eles tinham salvo, era… bem-te-vi, lembrei, aí eles estavam… e o cachorro tava matando… tava brincando com ele e machucando ele, né, porque animalzinho não sabe o que faz, né? Esse bem-te-vi machucou a asinha, ele não ia voar mais, não voaria mais. Eu cheguei lá, eles estavam dando comida para o passarinho, aí eu fiquei olhando, aí eu pensei: se eles tratam do passarinho, por quê que eu tô reclamando de alimentar um ser humano? Larga mão de ser besta. E fui. Fui com o maior prazer, porque eu lembrava do passarinho e o Fabio era o meu passarinho. Então, a gente tem que ver alguma coisa pra gente acordar, falar: “Ei, não é assim”, porque a gente… a gente se… e tinha também a… esqueci, meu Deus, ela era muda, não falava. Também era um xodozinho e tinha a Raquel. A Raquel quando chegou lá, ela assim, tinha medo das coisas e eu comecei a levar a Raquel ao banheiro e a mãe dela que… a Raquel não ia ao banheiro sozinha, tinha sempre que alguém levar e ela fazia… onde ela tava, ela fazia o xixi dela. E eu comecei a levar a Raquel e brincando com a Raquel no banheiro, que ela é moçona, né, porque lá é tudo adulto, jovem, de 15 pra cima, e a Raquel brincando, a Raquel cantava comigo, borboletinha e não sei o que e eu… passou um mês, a mãe dela veio, mãe dela começou a chorar: “Minha filha vai ao banheiro sozinha, muito obrigada, minha filha vai ao banheiro sozinha”, então pra mim, era o meu xodó. E essa outra que eu não tô conseguindo lembrar o nominho dela, que também… aí chegou a AVE, que é a Márcia e começou…porque não tinha a AVE, a AVE é quem ajuda esses alunos, pra alimentar…
P/1 – O quê que é AVE? Desculpa. É uma sigla?
R – É uma sigla, eu sei que elas dão alimento e ajudam na higienização e acompanha eles pra ir embora, essas coisas e a gente ajuda, ela chegou, eu fiquei com ciúmes. Dá pra acreditar? Um modo de dizer que tá tomando os meus bebês, meus amores, tão tomando eles. Depois, foi indo… agora, não tem problema (risos). É isso aí.
P/1 – E você faz alguma coisa pra se divertir? De lazer hoje em dia?
R – Às vezes, eu viajo, né? Vou à praia, mas não danço, não… fico lá (risos), muita coisa, agora. Não dá nem tempo, né? Tô trabalhando, a gente não tem muito tempo.
P/1 – Quais são as coisas que são mais importantes pra você hoje em dia?
R – Ah, meus filhos, meus netos, minha mãe… a minha família, meu irmão. Minha família, minha cunhada… família é importante, eu acho.
P/1 – Você tem netos, já, então?
R – Tenho. Um casalzinho, uma menina e um menino.
P/1 – Da Priscila ou do…?
R – Do Denis. Do menino.
P/1 – E como que foi ser avó?
R – Nossa! Maravilhoso, ver aquele serzinho. Antes de nascer, eu falava: “Quero ver meu neto, minha neta sentada aqui junto da gente, na mesa”, que a mesa é redonda, né, então não tem cabeceira, todos estão na cabeceira, né? E pra mim foi… colocar ele ali, o primeiro, né, o menino, colocar ele ali fazendo parte da mesa, né? Muito bom.
P/1 – A gente já tá concluindo, Dona Conceição, você tem algum sonho que você acha que ainda não realizou que você gostaria de falar pra gente?
R – Eu tenho sonho de fazer uma viagem, se Deus quiser…
P/1 – Qual viagem?
R – Eu quero conhecer a Terra Santa, né, eu gostaria. Estou me prometendo já faz tempo, não sei quando que eu vou cumprir isso pra mim. Isso aí.
P/1 – Pra encerrar, como que foi essa experiência aqui de estar tendo essa conversa com a gente, de contar a sua história e relembrar tudo isso?
R – É bom, a gente nunca para pra contar história, assim, tanto tempo em pouco tempo, né? Porque desde que nasce até agora, muito tempo em pouco tempo.
P/1 – Tá certo, então, você tem alguma questão? Muito obrigado, Dona Conceição, espero que a senhora tenha gostado.
R – Espero ter…
P/1 – Foi ótimo. Imagina!
FINAL DA ENTREVISTARecolher