Museu da Pessoa

De nordestino sertanejo a engenheiro paulistano

autoria: Museu da Pessoa personagem: Felipe de Souza Ormundo

Programa Conte Sua História
Depoimento de Felipe de Souza Ormundo
Entrevistado por Felipe Rocha e Mônica de Carvalho
São Paulo, 13 de abril de 2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV556_Felipe de Souza Ormundo
Transcrito por Karina Medici Barrella


P/1 – Primeiramente, Felipe, muito obrigado por vir aqui, você deu o seu tempo pra gente, é um privilégio tê-lo em nosso estúdio.

R – Obrigado digo eu.

P/1 – A gente sempre começa perguntando seu nome, o local e a data de nascimento, por favor.

R – Felipe de Souza Ormundo, data de nascimento 26 de janeiro de 1933.

P/1 – E onde que o senhor nasceu?

R – Nasci em Cordeúba, estado da Bahia.

P/1 – Fala pra gente o nome dos seus pais.

R – Pedro de Souza Ormundo e Joana Rosa de Souza.

P/1 – Eles eram lá da Bahia?

R – Com certeza.

P/1 – Fala um pouco pra gente sobre eles. Como que eles eram, o que eles faziam?

R – Sobre o meu pai eu não tenho o que falar, só o que falaram pra mim que ele era porque quando ele faleceu eu tinha um ano de idade. Mas dizem que era um homem muito, como se diz, responsável na época, tinha fazendas, viajava a negócio. Naquele tempo era assim, a pessoa não tinha caminhão de transporte, essas coisas, caminhão, máquinas, era no lombo do animal. E tinha essa função de fazer mercadoria de uma cidade pra outra, ou mesmo de um estado pra outro, de Minas pra Bahia. Era carregado com um lote de boi, cada dez seria um lote, ele tinha três lotes, dá 30, e mais seis pra carregar a comissão, as cargas do pessoal que trabalhava, chama tropeiro, né? O que eu sei do meu pai é isso. Vamos supor, escolaridade à época era assim, o pessoal tinha, aqueles que podiam mais ponhavam um professor pra ensinar, que nas fazendas não tinha escola pública, mesmo na cidade não tinha. Quando ele morreu tinha escola, ele estava com escola, professor, pros filhos dele e a vizinhança também. Assim que morreu aquela escola findou, acabou com a escola. Então o motivo que eu não aprendi a ler lá direito por que? Quando eu precisei de escola já não tinha escola, aí tinha que ir pra outro lugar, pra outra cidade, cidade não, outro lugar, casa dos tios. Eu morei na casa de um tio, um tio que tinha escola em casa também. Foi quando eu fiz meus 17 anos e trabalhei, com seis anos de idade eu já tirava leite de cabra, leite de vaca, minha mão não aguentava, fazia assim doía os dedos. E os meus irmãos mais velhos estavam em outro lugar, viajando, tratando de outros assuntos. E minha mãe fabricava requeijão. Durante a semana toda, de segunda à sexta, ela guardava o leite e na sexta-feira ela fazia o requeijão e já levava pra cidade pra vender e comprar outras coisas. E quando eu fiz 17 anos de idade eu vim com um irmão aqui pra São Paulo, pra Penápolis.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Então, o seu pai falece com o senhor com um ano de idade então o senhor cresceu com a sua mãe, era numa fazenda, como era?

R – É, na fazenda que era dele. Com um ano de idade e com os irmãos porque eu era o caçula. O irmão mais velho tinha 17 anos.

P/1 – Quantos irmãos o senhor tinha?

R – Era seis, comigo. O primeiro é de 16, o segundo de 18, o terceiro é de 23, o quarto é de 25, o quinto é de 28 e o sexto, eu, de 33.

P/1 – E como que era sua mãe, seu Felipe?

R – Minha mãe era uma senhora muito trabalhadeira. Tanto é que ela criou os filhos que meu pai deixou, acabou de criar os filhos. E muita religiosa, católica, fazia até milagre na região. É, verdade, assim os caras falam. Pessoas que conheceram ela, às vezes fala que depois de tanto tempo, a gente está aqui na andança com esse pessoal mais novo e fala isso. Às vezes, vamos supor, está cheio de gente, porque era uma pobreza danada, a gente tinha mais um pouco e ficava naquele. Às vezes na hora da comida ficava cheio de criança dos outros lugares, tudo, e ela com aquele pouquinho de comida e todo mundo comia. Isso eles me falam agora essa história. E ela morreu assim, rapidamente, morreu com 60 anos de idade, a gente estava aqui. Foi uma coisa também que eu vim com 17 anos, fiquei seis anos sem ver minha mãe, isso é um crime, não é? Mas as condições não dava. Pagar condução, naquele tempo de trem não dava. Eu falava, a gente tinha aquele costume de chegar aqui em São Paulo, voltava lá tem que voltar com dinheiro (risos), se voltasse sem dinheiro... era desse jeito. Então fiquei amarrando, até que eu arrumei um emprego bom, me registrei, no Matarazzo, primeira férias eu fui. Eu fui e continuei lindo, mas ela morreu de repente, quer dizer, não deu nem para eu ir no velório, no enterro, que ela morreu de repente e o telegrama ficava aquela época três dias pra chegar. Um telegrama. Carta era 15 dias, um mês. Isso não faz muito tempo não, em 60, tinha essa dificuldade.

P/1 – E aí o senhor ficou sabendo ela já tinha falecido.

R – Passou o telegrama, só que o telegrama chegou três dias já depois do falecimento.

P/1 – Voltando um pouquinho o senhor falou que era uma fazenda, estava o senhor, sua mãe e os cinco irmãos. Como era ali a sua infância nessa fazenda?

R – A minha infância era tratar de animais, cabra, ovelha, roça, é assim. Os animais, porco, galinha, essas coisas.

P/1 – E todos os irmãos ajudavam nessa produção de requeijão?

R – Não, ela fazia sozinha. Ajudava assim, a gente tirava o leite e ela arrumava. E o requeijão dela era pra fazer corte, nas barracas que tinham os caras na feira o requeijão dela era pra cortar, fazer aqueles lanches, então o requeijão dela era especial. Aí tinha uns tios, tias, era uma (inaudível). Aí em 39, eu lembro, veio uma doença nos animais, aftosa, morreu gado. Porque a gente não tinha recurso, tinha remédio, era a natureza. Dizem que nós tínhamos remédio mas eu não sabia qual era.

P/1 – E foi um momento duro pra vocês, pra família, pra sustentar assim?

R – Difícil. Mas tudo trabalhava, ia pra lá, ia pra cá. Mas os que faleceram, tem um só, e eu. Aí todos eles foram trabalhadores, construíram família, uma classe média mais ou menos, meus sobrinhos, tudo.

P/1 – E enquanto vocês faziam essas atividades da fazenda, de cuidar dos animais, etc, vocês brincavam um pouco, vocês conseguiam brincar de alguma coisa?

R – De criança?

P/1 – Isso.

R – De criança eu brincava imitando animal, imitando caçar, essas coisas assim. Quando chegava oito, sete anos, eu fiquei na escola de um tio meu, afastada, eu fiquei na escola um ano. De manhã ficava na escola, essa era uma escola pública, ele era político, meu tio, e conseguiu uma escola lá de Salvador, uma professora. E eu fiquei um ano lá com eles. De manhã a gente estudava, de tarde ia trabalhar, ou na nossa casa ou na casa dos meus tios tinha que fazer alguma coisa. E assim. Aquela vida de sertão, sabe como é que é.

P/2 – Quantos hectares tinha a fazenda, o senhor lembra qual era o tamanho dela mais ou menos?

R – Olha, eu acho que uns 500 hectares. Essa fazenda agora está só com um sobrinho que foi comprando de um, comprando de outro. Eu abandonei, não fui mais pra lá. A pessoa que veio por último aqui foi a minha irmã casada, com os filhos dela, ela veio em 71, com os filhos.

P/1 – E como era a casa que o senhor cresceu lá na fazenda?

R – É pau a pique. Telhado dessas telhas de cana, né? Mas grande a casa, um, dois, três currais de animais pras cabras, essas...

P/1 – E você falou da escola. Você ficou pouco tempo, mas você tem alguma lembrança? Como era a escola, como você ia pra lá, você ia a pé?

R – Sim, boa pergunta. Um dia de sexta-feira, domingo de tarde, uma caminhada mais ou menos boa de uns seis quilômetros ou mais, então a gente ia pra casa do meu tio, domingo à tarde e só vinha na sexta-feira à tarde, depois da última aula. Fiquei um ano fazendo isso, era escola pública. Depois aquela escola acabou. Acabou por quê? Acabou que um primo meu, que era fazendeiro também, começou a namorar com a professora (risos). Aí a professora foi dar aula já numa cidade vizinha que chama Caculé, já ouviu falar nela? É Caculé, Bahia. E aí ficou sem escola, não conseguiu outro professor. Como eu tinha um outro tio que morava no município de Caculé também, ele montou uma escola na casa dele e mandou me buscar porque a filha dele dava aula. Mas não era professora, não, um sabia mais do que o outro lá, era assim. E aí foi quando voltei, fiz os meus 17 anos, que eu vim pra cá. Um dos irmãos mais velhos, o quarto, ele me trouxe, eu vim com ele, vim de menor, fui pra Penápolis com ele. Lá eu fiquei dez meses, vim pra cá, tem registro nessas carteiras aí que você vê, vim pra cá pra São Paulo, Penápolis e depois de Penápolis vim pra São Paulo pra fazer serviço do exército. Cheguei aqui fui dispensado e fiquei fazendo aquelas coisas que eu falei pra você que está na carteira marcada. Trabalhei uns dois anos, quase três anos de pedreiro, até que eu arrumei uma fábrica Matarazzo. Depois que o Getúlio Vargas morreu melhorou muito as coisas, melhorou o emprego, começou a vir indústria. Aqui tinha o quê? Aqui tinha Matarazzo, Santista, não fabricava geladeira, não fabricava fogão, não fabricava nada, vinha tudo de fora, né? Só tinha esse tipo de coisa, a Santista de óleo e as roupas. Roupas, tecelagem tinha bastante. Essa zona leste, ali na Mooca, era só tecelagem.

P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, a gente vai retomar essa parte de São Paulo. Vamos voltar um pouquinho pra fechar essa parte lá da Bahia. O senhor falou que a sua mãe era religiosa. O senhor se lembra dessas festas, que têm no interior, festas tradicionais, São João, esse tipo de coisa, tinha por lá também? Como é que era?

R – São João?

P/1 – Ou qualquer outra.

R – A festa, você falou? A festa de São João era animada! Aquela fogueira lá, você acendia aquela fogueira ali. A casa da fazenda era mais distante das outras casas que ficavam no centro. Você fazia lá, aí ia passando na casa de um, na casa de outro, dançava, fazia aquele tiroteio, nem existe mais.

P/1 – Como era a festa, tinha fogueira?

R – Era fogueira, muita leitoa assada, é (risos). Depois que terminava minha mãe pegava aquela cinza, fazia cruz nas janelas, nas portas, fazia cruz na testa da gente, aquelas cinzas, acho que é abençoada, não sei como é o negócio. Mas era bom que a gente comia pra caramba, viu? Aquela leitoa assada (risos).

P/2 – E por que era a sua mãe que fazia isso?

R – Olha, porque ela era a mais velha, né? E ali só tinha os filhos homens, tinha minha irmã também. Eu nem sei explicar isso, mas ela fazia.





P/2 – Mas tinha a ver o fato de ela ser milagreira?

R – Não, não. Ela era muito católica, rezava muito. Olha, minha mãe era assim: eu hoje vou na igreja, na cristã, vai todo mundo de terno. E a turma fica tirando uma, diz que aquela igreja é rica, é não sei o quê, não sei o quê (inaudível). Mas não é, minha mãe era assim. Quando ela tinha condições de comprar roupa nova pra nós, que nem essa época que estamos agora, no dia de hoje, então ela levava todo mundo pra cidade. A gente ficava lá uns três, quatro dias. Mas quando ela não tinha condições, porque às vezes não dava, né? Faltava eu e muita gente. Então ela ia só, mas ela ia. Eu ia, levava e ela ficava. Ela só vinha no domingo de páscoa e fazia aquela função lá na igreja.

P/1 – Então o senhor chegou a ir na igreja. Como que era a igreja que vocês iam lá?

R – Igreja católica bem sucedida. É que a gente não vai muito na católica. Ia bispo, essas coisas assim. O padre era muito religioso, muito honesto, pregava bem o padre.

P/1 – A mãe do senhor tinha fama de milagreira, né?

R – Não era isso, eu falei que eles falavam que acontecia isso, mas não tem nesse sentido. Ela não benzia, não. A turma falava, acho que de tanto que ela ia na igreja, dela ser católica, que ela rezava o terço de manhã sozinha na cama, mas à noite ela rezava o terço. Dia de sábado, acho que é ofício que eles chamam. Ela e a família dela toda é assim, irmã dela. Não, nem todas as irmãs, mas os irmãos do meu pai tinham essa religião. Era muito religiosa. Naquela época lá, falar de crente naquela época lá a gente tinha medo.

P/1 – E o senhor falou que veio pra cá com 17 anos. Como foi a viagem pra cá?

R – A viagem eu saí daquela cidade, de Condeúba pra Caculé, o pessoal foi levar a bagagem pra gente, tem uma turma que veio. Depois de Caculé tomemos um caminhão até Monte Azul. De Monte Azul pegou um trem que ia de Belo Horizonte pra Monte Azul, Minas. Esse trem, eu sei dizer que nós gastamos sete dias e seis noites, ou seis noites e sete dias pra chegar aqui no Brás. No Brás não, em Penápolis. Que aqui paramos um pouco pra fazer baldeação. Daqui nós tomemos uma ligação pra Penápolis. Tinha um pessoal que ficava: “Qual é a cidade que você vai?”. Se aquela cidade tivesse serviço ia de graça. Tanto é que na hora de embarcar lá, aí dá os nomes das pessoas, eu era de menor: “Com quem você está?”, aí meu irmão teve que assinar lá pra mim.

P/2 – Como que o senhor decidiu vir?

R – Essas andanças, agora não tem, mas naquele tempo era normal. “Pra onde vai?” “Vou pra São Paulo”. Ninguém ia pra outro lugar. Nós já estava em Minas. “Onde você vai?” “Vou pra Pernambuco”, vou pra Minas, você vai, não existia, você vai pra São Paulo. Daqui que a pessoa tinha a opção de ir para outro negócio, mas ninguém sai dali. Naquele tempo não tinha condição, o nortista e o nordestino vinham de navio de vapor. Depois conseguiu, São Paulo se levantou muito, esse trabalhador do Nordeste, Nordeste fez isso aqui, isso eu tenho testemunha, Nordeste trabalhou, mas trabalhou mesmo, eles são trabalhador eles, é. E não tinha. Tanto é que eu era mais pequeno, eu devia ter uns seis anos de idade... por isso que eu gosto dessa cidade Montes Claros, porque foi a cidade que eu conheci, pra mim Montes Claros era a cidade mais adiantada. Eu não sabia o que era Salvador. Ficava todo mundo: “Eu vou pra Montes Claros”, chegava em Montes Claros é que vinha pra cá, pro Sul. A gente não entendia bem, pensava que isso aí, mas era assim, né?

P/1 – Em Penápolis o senhor falou que ficou pouquinho.

R – Dez meses.

P/1 – O que o senhor ficou fazendo lá?

R – Olha, eu comecei carpir cana lá. Mas como meu irmão que me levou, ele era de confiança do patrão e fazia outra atividade, ele tirava leite, ele tratava dos gados de boi, então ele tirou eu pra trabalhar de ajudante dele, nem precisava, ele fez isso (risos). Coitado, tá aí, tá ruim, tá com 91 anos, mas está enfermo.

P/1 – E o que fez vocês virem pra São Paulo, saírem de lá?

R – É aquilo que eu acabei de falar. Que lá todo mundo, onde que vai? Qualquer crise vinha socorrer aqui em São Paulo, que era onde tinha serviço, tinha trabalho, né, tinha trabalho extra.

P/1 – O senhor falou que chegou na estação do Brás, né? Qual foi a primeira impressão quando o senhor desembarcou na estação do Brás?

R – Ah, escuro. De dia estava escuro, mais escuro. Nunca tinha vido uma cidade tão povoada. Cansado, naquele trem de madeira, maria fumaça. Não, de Belo Horizonte pra cá já veio um a carvão, a lenha, a carvão, mesma coisa. Cheguei e achei estranho demais. Mas ali nós ficamos esperando, pode ver que tinha um hotel, Nunes, que tinha convênio com o governo federal pra designar esse pessoal que chegava. E ficava ali e ninguém pagava nada, né? Aí eu gostava de dar um fugidinha assim, aquela rua escura, cheia de violão naquelas ruas assim (risos) na vitrine. Eu nunca tinha visto uma vitrine na minha vida (risos). Pior que eu lembro isso daí, é gostoso. Aquele manequim? Eu pensava que era natural (risos). É verdade. Eu sabia que não era, mas teve colega de pensar, não sei se é verdade dos caras, de pensar que aqueles manequins de mulheres eram (risos). Gozado.

P/1 – Depois que o senhor chegou no Brás, o que você foi fazer, como que foi os primeiros dias aqui?

R – Isso que eu estava falando nós estava passando pra ir pro interior. Quando eu voltei foi a mesma coisa. Eu voltei e meu irmão mandou uma carta pra mim dando o endereço de um primo, que tinha ido na Vila Guilhermina, zona leste, por isso que eu estou na zona leste. Aí deu uma carta, assim que eu recebi a carta eu vim pra cá procurar esse endereço. Mas eu nunca tinha visto uma cidade, nunca tinha entrado num carro. Eu não me afobei pra vir, pra mim é normal, aquele chapeuzinho lá, é normal. Aí cheguei na estação da luz, tomei um carro de praça, táxi. O cara não sabia onde era a Vila Guilhermina: “Não, é em tal lugar, assim você vai em tal lugar”. O cara me pegou lá, um frio. O cara: “Ô baiano, você vai morrer de frio”. O cara em vez de me animar, não, vou morrer de frio (risos). Aí que chegou nessa Vila Guilhermina, que hoje é quase uma cidade, era uma vila, aí tinha um barro, o carro não subia: “Ó, é por aí”, me soltou ali. Mas eu tinha o número, um endereço, está marcado nessa carteira aí, primeira carteira. Rua 31, número 75. E eu perguntei pros caras: “É lá”. Eu fui. Conclusão: cheguei lá, só estava a mulher do meu primo, os filhos dele lá. Um barraco assim. Mas tinha outro irmão dele que já trabalhava no Matarazzo, que veio por último. Eu fiquei, aí meu primo falou: “Aqui não dá pra você ficar”. Naquele mesmo dia tinha um cara trabalhando de servente, fazendo uma casinha lá, convidou para eu ajudar, eu fui lá ajudar ele. Ele me deu uns trocos, eu falei: “Tá bom”. Aí meu primo falou:

“Não dá pra você ficar aqui” papapapa. Mas esse outro irmão dele: “Não, minha tia tá vindo aí, fica comigo”. Porque quando ele veio foi meu irmão que pagou a condução dele, tudo. Depois ele falou e eu fiquei. Fiquei procurando serviço ali, como eu falei, tem registro na carteira, até que aprumou, chegou 50, 51, 52, você vê o registro na carteira, aí que eu firmei. Aí fiquei morando com eles, já fui morar em pensão também. Aí veio mais outro irmão, que era alfaiate. Naquele tempo alfaiate era a profissão mais valiosa que tinha na época, uma das mais valiosas. Aí depois disso que eu entrei no Matarazzo, quando saí do Matarazzo, como eu estava fazendo um curso de mecânica na escola técnica Getúlio Vargas, aí uma pessoa me arrumou numa mecânica, que era a Sucuri. Aí eu entrei lá ajudante de mecânico, tem que aprender a ferramentaria. Começou muito serviço e eu comecei a faltar à escola para não perder o emprego porque aí começou a fabricar carro, móvel de aço, aí começou a fabricar a Aero Willys, que o primeiro carro que eu trabalhei era Aero Willys, o Jeep. Muito serviço. Essas fábricas que estavam montando aqui davam serviço que elas faziam equipamento, né? Inclusive, nós tivemos muito equipamento pra essa SKF, que estava montando. Eu fiquei, aqui eu vou aprender alguma coisa, né? Foi quando aquela firma lá me mandou embora, gozado, eu casei em setembro e em janeiro eles me mandaram embora. Bonito, né? (risos). Aí eu entrei na Arno, pegou 500 pessoas naquela vez lá, entrei. Tinha serviço. Mas é um contrato que eles fazem, agora eu não entendo que política que é. Era João Goulart, o Jânio Quadros tinha fugido.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho, tem bastante coisa assim. Então o primeiro emprego aqui foi no Matarazzo?

R – Não, foi de servente de pedreiro.

P/1 – Servente de pedreiro.

R – César Colombo, está na carteira aí.

P/1 – E me diz, qual foi a primeira coisa que o senhor fez com o primeiro ordenado que o senhor ganhou aqui em São Paulo?

R – Comer, pagar a pensão, comprar sapato, comprava aquela alpargatas. Você não lembra de alpargatas, fede a cachorro é um sapato de pano. É gozado, sabe? É feito na Alpargatas.

P/1 – E como eram as indústrias lá do Matarazzo, como era a estrutura?

R – Eu trabalhei no moinho e pastifício, quer dizer, tinha o moinho, o maquinário que você trazia o trigo, o trigo que vinha da Argentina, da onde que vinha, aqueles vagões de trigo e jogava no moinho pra adiantar. Jogava no moinho e aí saía farelo de um lado e farinha de outro. E ali fabricava dois tipos de farinha: farinha mista e a pura, depois vinha a sêmola, que a sêmola é só pra macarrão. E ali tinha o moinho e o macarrão. Trabalhava gente, gente mesmo, trabalhava muitas mulheres, não sei dizer com precisão quantas mulheres trabalhavam, mas trabalhavam mais ou menos umas 500, 700 mulheres ali.

P/1 – Onde que é esse moinho?

R – Ali na Rua Flora, no Brás, na zona cerealista. Hoje não existe mais, hoje em dia é depósito dos chineses. É um horror de quadra, de prédio, de cima em baixo, uma área que não sei quantos mil metros quatros deve ser ali. Hoje é só depósito dos chineses pra depositar as coisas. Matarazzo tinha ali na Rua Joli, que é perto da Celso Garcia, da Rangel Pestana, tinha Matarazzo lá em cima, no Belém, tinha Matarazzo na Mooca, a Santista também, que é Moinho Santista que chama, fabricava óleo, essas coisas assim. E tecelagem tinha bastante por aí.

P/1 – E era tudo na região.

R – É, aquela região ali, região da Mooca, do Belém pra cá, do Tatuapé pra lá não tem nada.

P/1 – Então o senhor viu também bastante italiano por ali.

R – É, tudo italiano. Ali no Brás, na Rua São Caetano, é italiano, muito italiano. Era italiano que tinha.

P/2 – Nessa época o senhor morava onde?

R – Na Vila Guilhermina, Vila Esperança. Assim, eu morei um pouco no Brás porque pra trabalhar de conferente, ele viu a minha leitura, a minha teoria era boa. Quer dizer, o italiano gostou tanto, não dá pra entender. Por isso que eu falo que a minha mãe fazia milagre, só pode ser. Tem gente com muita capacidade, mais do que eu. Pois ele: “Vai trabalhar, ele vai trabalhar porque ele é honesto”, pra conferir mercadoria, né? “Vai pra escola”. Eu tive que ir pra escola. Aí mudei pro Brás, fiquei quase um ano e pouco na escola aprender.

P/1 – Qual escola que era?

R – Escola noturna. Avenida Vautier.

P/1 – E como foi voltar pra escola?

R – Me matriculei, fiz, aprender a contar, matemática, essas coisas. E ali fiquei. Olha, eu fiquei naquela firma lá uns seis anos, de conferente uns cinco anos. O dia que aposentou o italiano me mandaram embora, só traíra, inveja. Sabe por que o italiano gostava de mim? Porque ele mandava o pessoal, você conhece o centro ali? Conhece onde é a prefeitura? Ali foi onde fazia expedição de toda mercadoria do Matarazzo, de navio – avião não tinha – navio, então o transporte do Matarazzo, a nota era feita ali, tudo feito ali. Então tinha office-boy, o pessoal fazia muita hora. Então ele mandava eu levar nota fiscal e buscar, levar umas do que foi vendido, quando ele pensava que eu estava chegando lá, eu estava chegando de volta. Ele gostou, né? Isso tem que dizer. Aí pôs eu pra trabalhar de conferente. Não deu outra. Só que ele falou assim: “Não acredito nem na sua camisa, que a sua camisa rasga e você não pode andar na rua, não acredita em ninguém”. Pra tomar cuidado com os caras que roubam, os caras normalmente esconde o saco. E de fato era assim mesmo. Aí ele aposentou, na semana que ele aposentou me chamaram pra fazer a (inaudível), eu já sabia o que era. Eu não liguei muito porque eu já estava fazendo curso de mecânica, né?

P/2 – E quem era esse que o senhor está chamando de italiano?

R – Italiano é o Panteleão.

P/2 – Ele era...

R – Italiano.

P/2 – Superior.

R – É, daquela área. Ele viu esse Matarazzo nascer, esse que está aí. Ele veio com o primeiro Matarazzo, porque esse Francisco Matarazzo é filho do primeiro Matarazzo que veio. Ele falava isso pra mim. E tinha o Mauro também, que era o encarregado como ele, muito legal, um italiano muito legal. E tem mais uma coisa, italiano é meio preconceituoso, principalmente de cor. Mas tem uma família italiana pobre que eles me adotaram. Eu ficava mais na casa deles do que na pensão. Esse Angeli tinha uma filha e um filho. Eles eram

legal demais da conta, me adotaram, eu fiquei... hoje eu falo, eu sempre falei, o último irmão que eu tinha, aquele era irmão, faleceu. Você vê que coisa? Faleceu em 86, da minha idade. Mas nós tínhamos uma amizade fora de série. Mas é a vida, foi tocando.

P/2 – E quando o senhor passou do primeiro emprego que o senhor era servente de pedreiro, o senhor saiu dessa empresa e foi pra Matarazzo, ou o senhor foi mandado embora?

R – Não, saí. Eu arrumei o serviço no Matarazzo, fui lá e pedi a conta do italiano, também era italiano esse patrão. E ele falou: “O que você vai fazer?” “Arrumei numa firma assim e assim” “Dá a conta pro menino aí, dá a conta pra ele”.

P/2 – O que o senhor ouvia falar da Matarazzo?

R – A história do Matarazzo é aquela mesmo, que ele... o italiano, não esse, porque ele veio pobre pra cá, o primeiro Matarazzo, o que começou. Que o Matarazzo tinha de tudo. Tinha um Matarazzo aqui que eu não recebia o pagamento, ele vendia cereais, dava um vale e você tinha o direito de pegar 60% do seu ordenado no vale. E quem vendia as mercadorias era ele. Tinha a cooperativa, ali tinha casimira, tinha todo tipo de tecido, todo tipo de alimento, até galinha, tudo. Quer dizer, o dia do pagamento eles pegavam um vale, que o pagamento não dava pra nada, já tinha gastado. O Matarazzo consumia e ele mesmo vendia a maior parte.

P/1 – E como era a Vila Guilhermina nesse período que o senhor morou lá? Como eram as ruas, pra passear, iluminação, como era o bairro, a vida no bairro, o cotidiano lá?

R – No bairro que eu morava?

P/1 – Na Vila Guilhermina.

R – Na Vila Guilhermina não existia luz. Não existia luz nem na casa, depois que começou a vir luz na casa, era lamparina, vela, essas coisas. Esses anos 50 a maior parte era vela.

P/1 – E como era o bairro?

R – Era bairro típico rural, até as ruas de chão, aquelas cerquinhas, na Guilhermina tinha aquelas cerquinhas dos quintal, algumas casas. Não tinha. Olha, mudou demais depois de 54 pra cá, foi um avanço. De 54 pra 60 foi muita coisa, não sei por que estava parada assim e aumentou. Você lembra, o Jânio Quadros... a turma fala negócio de imposto, paga isso, paga aquilo, a gente paga um imposto danado e o Jânio Quadros queria cobrar imposto dos rádios, quem tinha rádio tinha que pagar imposto. Não foi em frente, mas ele queria fazer isso, quando ele era prefeito.

P/1 – Eu não entendi direito uma parte que o senhor falou que entrou na ETEC Getúlio Vargas, foi isso?

R – Como assim uma ETEC?

P/1 – A escola onde o senhor fez.

R – Ah, Técnica Getúlio Vargas.

P/1 – Técnico, isso. Como é?

R – Por pouco tempo também. É gozado, é escola de profissão, torneiro, marcenaria, essas coisas assim. É que o teste que a gente fez, eu e esse que eu considero meu irmão, o teste que nós fizemos nós não passamos, aí o professor de lá, que era amigo nosso: “Claro que passou! Quem tem que aprender é quem não sabe” (risos) Vai muito filho de papai lá, deixa a capa lá e não aparece”. Eu não esqueço disso aí, uma coisa importante, né? A pessoa tem uma e encaminha outra.

P/1 – E o senhor estava falando também que logo que o senhor casou te mandaram embora. Qual foi essa empresa?

R – A Sucuri, fábrica, de técnico geral. Fábrica de móveis de aço, fala móveis de aço era a especialidade, mas fazia de tudo. A Jeep Willys foi feito lá, a lataria, essas coisas. Aero Willys também foi feito lá. Mas só que eu entrei na ferramentaria de ajudante, mas você trabalhar na ferramentaria de ajudante, não tem ajudante, se você não aprender alguma coisa lá você não fica, né? É serviço de precisão, essas coisas. Isso ajudou muito. Quando eu cheguei na firma eles não davam nem teste pra fazer na SKF, porque eu saí da Sucuri e entrei na SKF, não deu teste. Olhou a carteira, falou isso, isso e isso, mostrou a máquina, o serviço, e quem fazia serviço era sueco. Não sei, o sueco chegou lá, um alemão estava fazendo o serviço comigo, o sueco chegou lá, pegou minha ficha, olhou. Foi lá, conversou com o outro, eu fiquei curioso. Não sei se foi do nome, porque Felipe era. Mostrou, não sei o que ele mostrou, eu acho que foi o nome meu. Só tinha eu de Felipe, só tinha um xará Felipe que veio da Itália, inclusive o pai dele trabalhava comigo na Matarazzo e falou: “Vai vir um Felipe aí, vai vir um Felipe aí”, porque não tinha Felipe. Tinha o nome na rua, mas o primeiro xará que eu vi foi aquele que veio da Itália. Você vê, eu já cheguei no banco com esse nome de Felipe, agora que começou entrar na (inaudível) o menino veio perguntar: “É do seu neto? Felipe é você mesmo?”. Porque eles acham que Felipe tem que ser cara novo, não pode ser um cara velho (risos). Está muito enganado porque o meu avô chamava Felipe, por isso que eu tenho o nome de Felipe, por causa do nome do meu avô, sei lá que coisa é.

P/1 – Como o senhor conheceu a sua esposa, seu Felipe?

R – A que eu casei? (risos).

P/1 – Isso.

R – A esposa é a que eu casei. Que nem eu falei, eu cheguei, eu estava andando na mesma rua, ela passava, dava uma olhadinha. Eu já estava namorando com outra, em outro lugar. Aí conversei. Sabe aqueles parques que hoje não tem mais? Parque de diversão. E ali as meninas andando, você dava aquela conversinha, de longe, né? E comecei. Aí teve uma época do carnaval na rua, que eu conheci ela não vou no carnaval, foi na rua. Então começamos. Você quer saber, eu vou falar. Aí eu passei a noite pulando com uma menina, até que a gente se gostava. Aí marquei encontro com aquela menina, foi na terça ou na quarta-feira. Eu ia pegar ela na escola de datilografia, mas já tinha encontro com aquela outra. Quando vou pra encontrar com aquela outra, encontro com essa que é a minha esposa. Eu falei: “Ih meu Deus, onde que eu vou agora?” (risos). Eu não era muito novo, não, já tinha uns 20 e poucos anos. Daí marquei encontro com ela, aquela outra vou ver, está mais perto, vou na escola. Que nada, não fui lá, o dia que eu fui lá ver ela: “Você não veio, por que você não veio?”. Aí comecei a namorar com essa aí, com essa que é a minha esposa. Comecei a namorar e vai pra lá, vai pra cá. Eu tinha minha mãe viva ainda, aí minha mãe morreu, eu falei: “Agora vou casar”. E casei. Marcamos, ficamos noivos de aliança, fiquei mais ou menos um ano, casamos e fomos viver, né? Na média do possível levar, foi quando eu consegui fazer alguma coisa também.

P/1 – Vocês casaram na igreja lá, qual era a igreja?

R – Na Rua Padre Olivetanos. O nome da igreja, não sei, eu esqueci.

P/1 – Você lembra do dia do seu casamento?

R – Lembro.

P/1 – Como foi o casamento?

R – Um documento que eu poderia trazer sumiu, agora nem prometo trazer pra você. Nós noivamos e marcamos casamento pro dia 15 de setembro de 1962, aí, a festa. Eu entrei com tudo, o homem tinha que fazer tudo. Ela deu alguma ajuda, o meu sogro não deu ajuda nenhuma, pra falar a verdade. Eu tinha muito convidado porque eu tinha muita amizade, eles também tinham muito parente, mas deu uma festinha em casa até mais ou menos, tinha chope, tinha lanche, tinha os aproveitadores que comiam demais também (risos). Eu fui reclamar. Tinha os aproveitadores, tem parente meu que come. Mas deu pra passar. Eu tenho a lista de casamento, eu sempre gosto de guardar essa lista de casamento, mas nem lembrei de procurar ela, que a gente faz na firma, aquele mês casou duas pessoas de uma seção e o dinheiro que eu arrecadei deu pra pagar a festa, a mesada.

P/2 – E o senhor trabalhava onde?

R – Na Sucuri. E não deu mais porque foi dois, né? Onde você tem amizade, aquelas coisas, se fosse um só, tanto pra mim como para o outro ia dar mais. Mas aquele pessoal da ferramentaria ganha muito bem. Aí entrou os caras da fabricação que tinha amizade. (inaudível), deu uma (inaudível) boa. E nas fotografias aí tem uns alemão que (inaudível).

P/1 – E você falou que conheceu ela na rua, mas já era então na Vila Guilhermina?

R – Não, Guilhermina fiquei pouco tempo, na Vila Esperança.

P/1 – Foi na Vila Esperança.

R – Que é distrito da Penha. Rua Cecília. Eu também morava naquela rua. Nós morávamos assim, um, dois, três, quatro numa casinha, eram quatro solteiros que moravam lá, era eu, meu sobrinho, meu irmão e um primo.

P/1 – E você casou e teve que...

R – Ah, quando eu casei já tinha desmanchado aquela moradia de homem, meu irmão casou e esse meu primo casou. Esse meu sobrinho, que já é falecido, já não estava mais com nós, já estava morando no centro da cidade, perto da praça da Sé, ele era solteiro e também não tinha mais...

P/1 – E você saiu também e vocês foram morar lá na Vila Esperança mesmo?

R – É. Fui morar na Rua Sérgio, hoje é em frente à prefeitura da Penha. E ali eu tinha contrato de um ano, foi quando eu fui mandado embora. Meu contrato tinha vencido também. Ah, e minha mulher estava grávida, ia ter criança. Mas não esquentei muito, não. Aí eu lembro que logo eu arrumei serviço em um lugar, na Toyota, que não deu certo. Aí foi quando eu fui na SKF. Essa SKF é uma empresa muito grande, ela foi inaugurada dia primeiro de junho e eu entrei lá dia 29 de junho. Eles puseram anúncio no jornal, naquele tempo era Gazeta Esportiva. O jornal colocava o dia que eles estavam precisando. E eu fui lá no dia, pra apresentar meu dia, que na hora que é a hora que tinha médico, eu fiz o teste que eles queriam porque na carteira profissional estava realmente oferecendo o que eles queriam, a profissão, eles pegavam mais pra genpraticar o sistema deles lá. Aí logo a minha filha ia nascer. Porque ela falava comigo que ia dar pra ela de presente (inaudível). Eu falei: “Olha eu, de presente esse molecão”, e ela fala que é mulher (risos). Mas ninguém sabia. Não é que no dia 28 de julho ela nasceu, que era aniversário dela?

P/1 – Como foi o dia do nascimento dela?

R – Então, ela estava sentindo mal. Mal não, estava sentindo dor do parto. E uma vizinha falou: “Felipe, vai chamar sua sogra porque a Neusa vai parir”. Eu já tinha tratado com o taxista; taxista não, carro de praça, que era um vizinho também. Com aquele mesmo carro fui e chamei minha sogra, voltei, fui na Rua 21 de Abril. Aí ela chegou lá, cheguei de noite era umas nove horas daquele dia, acordou de madrugada, era de madrugada já, nove horas (inaudível). Madrugada já ficou lá, internei. Isso pelo IAPI. Internet e fui pra casa. E fui com o cartãozinho telefonando, telefonando quando nasce a criança. Aí quando já ia deitar, tinha uma farmácia, você tinha que andar longe pra fazer um telefonema, era uma distância bem longe. Fui lá. Antes de dormir fui lá. Cheguei lá, liguei, aí já nasceu, era nove horas da noite. “Já nasceu”. Eu falei: “É homem ou mulher?” “Pai, que burro. Não pode falar, mas fala pra trazer roupa cor de rosa”. Eu nem me toquei (risos). Como é burro, né? Falei pra minha sogra, ele falou que não fala não, só indo lá pra ver, não pode falar pelo telefone. Mas tinha falado cor de rosa. Quando eu falei pro pessoal: “Não, cor de rosa aqui é mulher” (risos). Aí fui na firma, avisei que nasceu. Naquele tempo você já recebia o abono de natalidade. Aí fiquei um dia pra registrar e outro dia pra receber. Mas quando o Mário nasceu, eu tinha um mês de firma, aí pra receber já não ficou porque a firma recebia, eles tinham assistência, que eles faziam tudo pra você. Você só saía do serviço se estivesse doente ou outra coisa semelhante, mas passar pra levar família no médico não, eles levam. Eles chegavam, pegavam e levavam. Naquele tempo, hein?

P/1 – O Mário nasceu quanto tempo depois da Joana?

R – Pouco, um ano e pouco. Pra você ver, a Joana é de 28 de junho de 1963. O Mário é de 24 de dezembro de 64. Um ano e pouco.

P/1 – Quando o Mário nasceu vocês ainda estavam na Vila Esperança.

R – Não, já tinha mudado.

P/1 – Já tinha mudado? Quando que vocês mudaram?

R – Nós mudamos em julho e o Mário nasceu em dezembro.

P/1 – E como foi essa mudança, por que vocês mudaram pra lá?

R – Porque eu estava pagando aluguel e mudei pra casinha que eu fiz, entendeu? Eu pagava aluguel. Aliás, nem aluguel eu estava pagando, que eles pediram a casa, que o contrato foi pra, quando o filho da dona da casa casasse, eu tinha contrato de um ano, assim eu tinha que entregar a casa pra ela. Como eu estava construindo a casinha, minha sogra morava numa casa grande e ela me cedeu um cômodo e eu joguei tudo num cômodo. E foi quando o Mário nasceu eu estava... Não, aí eu mudei. Eu mudei em julho e o Mário nasceu em dezembro. Mas a mudança já saiu não da casa que eu alugava, já saiu da minha sogra, no cômodo que eu morava.

P/1 – Você já tinha comprado o terreno, por que você comprou lá?

R – Por mais facilidade. O dinheiro que eu tinha, da indenização que eu tinha recebido até que dava pra comprar. É, Deus que ajuda a cabeça da pessoa, até que dava pra comprar, mas numa baixada. E eu já tinha problema de enchente onde eu morava quando era solteiro, que hoje é metrô, a rua não tem mais porque o metrô passa em cima daquele terreno, derrubou as casas e o metrô passa por cima. Então, eu achei um terreno bom, até com uma casinha, mas já entrava água. Aí eu procurando, fui lá naquele terreno e, gente, você vê que a localidade tem futuro. Ainda levei meu sogro lá, que falou: “Esse aí é bom”. Comecei a fazer aos poucos também, mas eu levantei, abri poço lá, eu podia (inaudível) pá, picareta, mas não tenho (risos). Sabe aqueles... vocês não sabem, vocês não viram isso, é gostoso. Aí eu pegava a água do poço do meu primo, que era vizinho do terreno, ele já tinha mudado antes. Eu falei: “Se eu for fazer o poço eu vou gastar dinheiro, já que ele tem a água”. Mas quando eu vi que estava pronto tudo eu tive que fazer um poço pra mim, né? Aí apareceu, tinha um poceiro lá. E tinha uma pessoa, um vizinho que tinha vindo do Paraná, a minha mulher ajudava ele, dava arroz, essas coisas pra ele, ele não tinha comida,

ele não tinha dinheiro pra procurar serviço, ficava ali, pobre mas não era mau, não. Então eu empreitei o poço pro poceiro abrir e falei: “Você dispensa o seu ajudante, com o dinheiro do ajudante você paga uma pessoa assim, assim, assim”. E ele: “Como é que eu vou fazer com o meu ajudante?” “Eu estou falando. O cara está precisando de dinheiro, estou ajudando ele. Ele está parado”. Eu trabalhava nessas firmas grandes e sabia mais ou menos como faz as coisas. No dia que ele ia pagar pro outro, pagou. E sabe que esse homem foi procurar serviço na cidade e arrumou, com aquele dinheiro? É as coisas... esses são os milagres que eu falo (risos). Mas é aquela coisa, tem muito tempo, não sei mais por onde anda, mas ele agradeceu muito.

P/1 – E o senhor foi morar no Jardim Coimbra, trabalhando na SKF.

R – Na SKF.

P/2 – Mas conta um pouquinho como é que foi porque o senhor foi morar nesse loteamento mas não tinha nada, né? O senhor já fez a água, abriu o poço. E depois?

R – Então, isso é bom. Eu gostaria de ter esse documento tudinho, mas não tenho. Então, que nem eu falei. Naquele tempo, a companhia vinha, metia o trator, rasgava aquela rua e com uma marcação marcava os lotes, dez, dez, dez, e você se vira. Aí você perguntou, o que foi mesmo, que eu esqueci.

P/2 – O senhor mudou, mas não tinha nada, o senhor falou que teve que fazer o poço. Aí o senhor começou a construir a casa, como é que foi transformar...

R – Não tinha luz, mas no outro loteamento tinha. E a casa que fazia fundos com a da gente lá, o terreno que fazia fundo, tinha uma pessoa que tinha, mas não tinha condição de puxar a luz. Aí falamos com ele, nós puxava a luz pra ele, que é tipo uma caixa de madeira na frente, nós puxava a luz pra ele e ele emprestava pra nós. E assim fizemos. E assim pusemos a luz dentro da casa pra mudar. Ah, uma briga pra vir a luminária. Porque a companhia prometeu que ia por luz, mas não queria por, estava enrolando. Arrumamos um político lá pra ver se arrumava, mas tinha uma pessoa que já faleceu, fundamos uma sociedade ali e ele estava construndo também naquele bairro. E fizemos um abaixo-assinado pra levar na Companhia Brasil pra obrigar a Companhia Brasil colocar, porque está no contrato, né, tem que por. Aí ele está lá em cima, nós fomos na caixa d’água. “O dono dessa obra aí, tá aí?”, eu falei pro pedreiro. “Está lá em cima” “Chama ele”, eu com a lista, isso é bom pra divulgar, com a lista pra assinar. Eu falei pra ele assinar, então um senhor de cor. Cor não, preto, cor é preto, preto é preto, branco é branco (risos). Aí: “Não, eu não só assino como vou com vocês lá”. Marcamos o dia de ir, tudo, ele foi. Chegou lá os caras falaram tanto com o gerente da corretora lá, Companhia Brasil, ainda falou: “Quero prazo! Tá aqui, ó, quero prazo!”. O cara trabalhava com o Jânio Quadros, o cara era funcionário público da prefeitura: “Eu quero”. Aí com 15 dias estavam os postes de madeira, levantou e já fez. Ah! Olha a empreiteira que a gente pegou. Naquele tempo roubava fio, e até hoje rouba. Eles fizeram um processo depois de alumínio pra não roubar, mas não adiantou nada. Enquanto não ligasse o cara roubava de noite. Como eu trabalhava em indústria e os caras trabalhavam... nos fins de semana eu e meu primo ficava de guarda para não roubar até ligar a luz. E aqueles caras que estavam por conta ficavam durante a semana. E assim foi indo. E aí ele ligou a luz e papa, ficou só a luz. Aí aquele bairro ficou daquele jeito. E aí nós começamos a trabalhar, mandamos (inaudível) pro ônibus, que não tinha ônibus, nós tinha que andar uns dois, três quilômetros pra tomar ônibus.

P/1 – Antes como vocês faziam, antes do ônibus chegar?

R – A gente ia tomar onde tinha, lá embaixo, não tinha ônibus no bairro. Aí nós requeremos o ônibus, fizemos uma empreitada danada, foi até aquele Juvenal Juvêncio que estava na prefeitura que ajudou nós a fazer isso daí. Aí, antes do dia de subir o ônibus lá, o Maluf mandou jogar (inaudível) pra poder subir. É que nós éramos na terra e o Maluf sempre foi girado (risos). Naquele tempo os delegados votavam em não sei quem,

não sei quem, que era militar, né? Aí ele sabia que nós estava (inaudível) na terra e ele falou: “Não, enquanto eu sou prefeito eu não jogo nenhuma pá de areia aí”. O cara é ruim mesmo. Aí foi, ajeitou, o ônibus não podia subir. Inclusive foi feito uma vaquinha pra comprar fogos. Cheguei num comerciante e eu falei: “Pra comprar fogos porque vai vir ônibus”. Ele falou: “Vamos apostar uma caixa de cerveja. Se o ônibus subir eu te pago e se não subir você me paga”. Eu falei: “Então tá fechado” – naquele tempo se falava fechado e não tá bom (risos). Ah, não deu outra: quando o ônibus subiu eu estou soltando fogos, sabe aqueles fogos de pá cá pá? Bateu no meu ombro assim, pensei que o cara bateu: “Não pode soltar fogos” “Pode ir lá que a caixa de cerveja está lá” (risos). Ele ficou contente. E assim por aí, foi mais coisa, mais coisa.

P/1 – Como é que chamava a associação que o senhor falou que fundou?

R – Sajabrica, Sociedade Amigos do Jardim Coimbra. Hoje... deu briga aquilo, aí a gente foi ficando mais velho, foi trocando diretoria, o povo tá aí. Hoje é depósito de gás. Entrou um cara lá, invadiu. Uns morreram, outros... uma vez uns crentes que iam tomar conta lá, não sei como é, meu cunhado estava no meio lá e aí fiz uma preleição e fundei outra diretoria, ganhamos. Meu cunhado queria fazer bobeira comigo porque perdeu. Aí larguei mão, começou, tem um cara que se apropriou, disse que estava pagando. Disse que é dele, usucapião. Aquele bairro lá eu vi cresceu. Ali onde está o campo do Corinthians, eu ia buscar aqueles mourão de mandioca ali pra secar meu terreno, aqueles mourão. Conheci aquele matão, ali onde é Itaquera, que fala Itaquera ali.

P/2 – Você mora perto do estádio?

R – É.

P/2 – Quantos minutos?

R – Descendo. Uns dez minutos de pé. Mas aquele estádio lá tem o nome falso, não é Itaquera, precisa ter duas estaçãozinhas uma perto da outra, a estação de Artur Alvim e a estação Corinthians Itaquera porque aquele terreno lá, ali é Corinthians, só que o Corinthians não construía. Mas como tinha aquele terreno do Corinthians, o Quércia pra ganhar a eleição, o que ele fez? Em vez de levar a estação lá pro centro de Itaquera, pôs no campo. Conclusão: ele tirou o trem de Itaquera e pôs aquele metrô ali falando que é Itaquera, mas não é Itaquera, quem vai pra Itaquera desce aí e tem que tomar outra condução. Aí eles puseram isso aí, o Quércia fez e ficou. Ficaram duas estações, uma em cima da outra. A não ser que podia fazer uma outra até Itaquera, né? Dizem que Itaquera não tem espaço, a Praça da Sé tem espaço, vai dizer que não é político? (risos). Eu tenho que ouvir esses negócios, pode uma coisa dessa?

P/1 – E qual era o caminho que o senhor fazia de casa pro trabalho? Qual era o percurso, como que era?

R – Sim. Quando eu estava na SKF tinha um ônibus, que eu ia até na Penha e tomava o ônibus da firma, a SKF é em Guarulhos e fica perto de onde eu moro. Mas você tinha que voltar porque o ônibus da firma, que era até da Breda, passava lá. E como a firma foi ajustando e pegando gente, admitindo gente, aí nós pedimos pro gerente da firma e apresentemos três, quatro pessoas que moravam naquele bairro, que o ônibus podia passar ali. Aí o ônibus da firma começou a passar por ali. Veio um que vinha pra Mooca e passava por ali. Quando a gente saiu da firma nós já tinha condução suficiente. Nunca é suficiente, mas já tem noção, né? Você não viu o registro da Deca aí, não, né?

P/2 – Não, mas o senhor pode contar.

R – Então, a Deca é do Setúbal. Eu fui trabalhar nessa Deca, isso é curiosidade, essa é boa, pra fazer umas conexões hidráulicas pra águas, torneiras, tudo. E ferramentaria sempre é limitada de operar, porque a ferramenta produz as peças da produção . Então, acho que era 16 pessoas na ferramentaria. Aí eu entrei nessa Deca, trabalhei dez meses pra fazer ferramenta pra Alemanha e pros Estados Unidos fazer essas peças. Sabe essa peça de apertar e cair água, essa que tem agora? Então, aqui não tinha. Aí quando eles fizeram que montaram uma semelhante, pra nós vermos como iria funcionar, as ferramentas que nós fizemos que as peças que a ferramentaria produziu. Que essas peças iam pros Estados Unidos e para a Alemanha. Depois de tanto tempo, aqui não comercializava porque o poder econômico do país não dava pra consumir, mas não demorou dez anos e começou a entrar aqui, com dez, 15 anos. Aí eu estava até fazendo um bico, que eu cheguei no banheiro e vi isso daqui eu lembrei: “Ó, essas peças que não podia agora pode” (risos). Nesse bairro, você quer saber do bairro, né? Então nesse bairro também um rapaz abriu um comércio, eles estão bem, e a minha esposa comprou umas torneiras lá. Eu falei: “Neusa, não compra essas torneiras pra por aí, quando puder compra uma maior porque essas torneiras não aguentam água de rua”, a pressão, né? Quando ela comprava a conta estragava. Ah, um dia ela pegou e foi nessa loja, até um irmão dela, que é meu cunhado, é casado com a irmã do dono da loja, é conhecido. A Neusa não foi reclamar na loja, ela falou pro dono da loja dar o endereço da fábrica, que fabricava aquelas torneiras. “Dá a torneira que eu vou lá”, eu falei (risos). Aí ele deu mais três torneiras pra ela. “Não adianta”. Aí eu fui ao Tatuapé, comprei a torneira da Deca. Pois está lá até hoje! (risos). É. Aí falei que não, aqui não dá pra trabalhar com essas torneiras aqui. Agora está cheio. Por isso que eu falo do negócio do Lula, agora dá pra trabalhar. Como é que agora trabalha tem, e antes não trabalhava porque não saía, porque o poder aquisitivo do bairro não dava. É esses problemas, é complicado o negócio.

P/1 – E onde vocês frequentavam ali no bairro, a família? Vocês saíam de casa e iam para algum lugar no bairro? Tinha alguma...

R – Não. A gente trabalhava mais. Quem viajava muito era a minha mulher com meus filhos, as crianças, os amigos dela. Eu trabalhava muito, sábado e domingo. Agora quando eu pegava férias, assim, era praia. A gente era sócio de sindicato, era praia.

P/1 – Vocês iam pra colônia?

R – É, colônia.

P/1 – Qual o sindicato?

R – Metalúrgicos. Que hoje não vale nada. E era gostoso, você não gastava quase nada. Eu ia e levava gente comigo, era gostoso. Aí foi passando, a gente vai ficando de idade. Eu não quis comprar casa na praia, preferi comprar um terreninho e fazer mais umas casinhas, que hoje está me quebrando o galho.

P/2 – Lá no próprio Jardim Coimbra?

R – É. Eu tenho duas casinhas alugadas, a casa do meu filho eu construí e essa casa me ajuda a pagar o meu convênio. Que aluguel é assim, pra quem paga é muito, pra quem recebe... mas você tendo os inquilinos bonzinhos que pagam direitinho não tem nada, não tem nada de alugar por imobiliária, não sei o quê, não tem nada disso.

P/1 – Quando o senhor se filiou ao sindicato?

R – De quando eu entrei em metalúrgica. Eu entrei em 58. Mas eu saí já.

P/1 – Tinha muito problema trabalhista, tinha muita questão nas fábricas?

R – Sindicato é uma coisa que funciona paralela com os patrões mas não vale nada. Quando você acorda. Porque, principalmente agora que entrou política no sindicato. No antigo sindicato, até o enxoval da Joana eu ganhei do sindicato, na cooperativa do sindicato. Nós tínhamos farmácia, hospital, assim vale a pena pagar: farmácia, hospital, cooperativa, médico. Sabe esse cara que chama Paulinho da Viola, como herdeiro? Acabou com tudo isso, acabou. Isso é pro IAPI.

P/2 – INSS agora.

R – INSS, etc. É, é esse que tem tudo. E o imposto do sindicato que nós pagávamos todo ano? Pagava associação por mês e todo ano um dia de serviço. É dinheiro, né? Ele pegava e começaram a tirar. Agora está aí, ladrão.

P/1 – Mas você enfrentou algum tipo de dificuldade no trabalho, nas fábricas, como que era essa questão de direitos? Você teve que cobrar alguma coisa?

R – Nunca tive problema. As firmas que eu trabalhava agia direitinho. Nunca tive problema. Eu tive um problema quando fui indenizado, mandado embora da firma. Eu tinha, deixa eu ver, foi, a firma pagava tudo direitinho essas coisas. E eu, por curiosidade, fui no advogado porque eu tinha problema de insalubridade, mas eu não tinha direito. Mas eu fui saber se eu tinha direito. Aí, fui no advogado, não foi nem do sindicato, foi particular: “Ah, você tem direito de isso, isso e isso?”. Você vê, você não é advogada não, né? (risos). “Então faz o seguinte, não recebe nada, não, vamos por no pau”. Eu falei: “Filho, se a firma está me pagando, como é que não recebe? Quer por tudo no pau?”. Ganhava mais dinheiro. Eu queria saber se eu tinha direito àquela insalubridade, entendeu? Não, ele queria que eu não recebesse pra por no processo, tudo, pra depois ficar com metade do meu dinheiro. Advogado funciona assim. Não tem censura aqui, não?

P/1 – Não (risos). Pode falar o que o senhor quiser.

R – Às vezes eu estou falando muito, sei lá.

P/1 – Não. Tem algo que o senhor contar e que a gente não passou ainda?

R – Não, você me pergunta e eu estou respondendo, eu penso que calculei bem.

P/1 – Do Jardim Coimbra, o que o senhor acha que mudou mais, de quando o senhor foi pra lá pra hoje, ou pros tempos mais recentes?

R – Ah, mudou muito. Que nem eu falei, né? De casinha de barro, apesar que a minha casa não é sobrado, de casinha de barro, rua de barro, sem água, sem esgoto, sem nada, hoje tem tudo. Hoje tem luz, tem esgoto, tem tudo, né? Tem posto de saúde. Tem creche, essas coisas veio tudo depois. Tudo o que um bairro deve ter lá tem. Apesar que um briga, outro grita, mas tem, tudo o que um bairro de operário tem que ter lá tem. Olha, em 2002, nós tinha asfalto, nós tinha isso, tinha aquilo, tinha aquilo. Ali, naquela areazinha da gente tem uma rua que chama Max Planck, ela tinha dois açougues e um açougue não vendia, ficava sempre de braço cruzado o cara. Hoje tem cinco açougues numa distância de 300 metros de comprimento. Farmácia. Hoje tem tudo. Condução.

P/1 – O senhor tem muitas amizades lá no bairro?

R – Eu tenho. Se não for falso eu tenho (risos). Tenho que falar a verdade. Eu sou o primeiro morador ali naquela rua. Até outro andou falando: “Pô, o Felipe conhece todo mundo aqui”. O que não quiser me conhecer é porque não quer, porque chegou e eu estava aí, se não quer me conhecer (risos). Não é verdade?

P/1 – E como é que foi ver esse pessoal chegando?

R – Você não percebe. Os caras vão criando e você não percebe, quando você que não. Do lado não era loteado, loteou, foi pápápá, daqui a pouco. O tempo passa de um jeito tão rápido que você não percebe como funciona as coisas.

P/2 – E quando o senhor ficou sabendo que o estádio ia chegar ali perto, como o senhor ficou sabendo a primeira vez, ouviu falar? Os primeiros rumores.

R – A culpa é da trairagem (risos).

P/2 – Então conta a trairagem.

R – Sem tamanho. O Kassab. Como é que chama o cara lá? Andrés Sanchez.

P/2 – Isso.

R – Ricardo Teixeira e aquele ladrão lá da Fifa, como chama ele? Esqueci o nome. Aquele que coordenava a Fifa, essas coisas, que falou que meteu o pé na bunda. Ele estava roubando, né, depois descobriram. Eles passaram três dias na fazenda do Ricardo Teixeira. Isso eu estava acompanhando na Panamericana, acompanhando sempre. Quando eles chegaram, foram visitar o Morumbi: “Ah, aqui não presta, aqui não dá”, só isso. Pode uma coisa dessa? O Morumbi não tem condições? Fazer o quê, meteu as máquinas e foi fazer ali. Isso aí é uma briga... E assim que foi o negócio.

P/2 – Mas afetou o bairro ali, o senhor não sabe?

R – Não afetou nada, o que afetou foram as mentiras que falou que ali ia empregar, mas não empregou nenhum mosquito.

P/1 – Não empregou o pessoal?

R – Empregou quem? Terminou a obra, não tem ninguém do bairro que trabalhou naquela obra. Os depósitos dali, eu investiguei, não vendeu uma grama de ferro, quanto mais de cimento. Tudo meus amigos aquilo lá, ninguém vendia nada. Não empregou ninguém dali, vem tudo de fora. Os materiais veio tudo da Alemanha, que lucro que deu aquilo? Daquele jeito lá, mas...

P/1 – O senhor não gosta do estádio, mas o senhor sempre gostou de futebol.

R – Gosto. Devia não gostar porque sou evangélico, mas não larga, não adianta, não estou matando ninguém (risos).

P/1 – Antes o senhor ouvia futebol no rádio, você falou que era difícil.

R – Então, eu falei isso. Eu vou falar, se eu não falei eu vou falar. Quando eu mudei pra lá, é lá, lá mesmo, porque antigamente era pior ainda. Televisão. Eu fui o primeiro a ter televisão ali naquele bairro. Em residência, né? Tinha no comércio, no boteco lá, você ia beber cerveja e ver, tinha. E aí foi assim.

P/1 – E você via os jogos na televisão. Você chamava o pessoal pra ver também?

R – Eles iam. Teve vizinho lá rico, rico, que ia ver televisão naquela casinha pequena lá. Eu comprei uma Philco, preto e branco. Porque as firmas que eu trabalhava eram muito boas. Então, a geladeira também. Muitas coisas. Até hoje eu ainda compro essas coisas, sabe? Eu dou quando está muito velho e compro. Não tenho dinheiro, mas eu gosto de ter as coisas novas, sei lá. Compro.

P/1 – O pessoal da rua ia ver TV na casa do senhor?

R – Quem te falou? (risos). Ia. Tem gente lá que está (inaudível). O primeiro comércio de cereais que tinha lá, quando ele chegava o bar ele ia assistir o jogo, quando ele fechava o emporiozinho ia assistir o jogo em casa. Isso é agora, e naquele tempo atrás então, tinha que andar não sei quantos quilômetros pra ouvir um jogo no rádio, aquele rádio que fazia assim shiiiii. Só via luzinha dele, vinha do Rio de Janeiro (imita som de locutor).

P/1 – Teve algum jogo marcante pro senhor na vida?

R – Olha, que eu gostei que ganhasse, deixa eu ver. Eu gosto quando o São Paulo era campeão agora nesses tempos modernos, ele foi três vezes campeão brasileiro em seguida, três vezes campeão do mundo, três vezes, acho, que da Libertadores. Agora, voltando lá atrás, o que eu gostei mais, era bem garoto também, foi quando o São Paulo ganhou do Corinthians de 3 a 1, o pau quebrou aquela vez lá. Então, porque até hoje ganhar do Corinthians não é fácil, não é porque o Corinthians tem time, não sei o que acontece que não, pra eles dá tudo certo (risos). Aí eu fui ver esse jogo, foi em 57. Os amigos: “Vamos?” “Não vou não. Não vou porque o São Paulo não ganha do Corinthians”, quem ganhava era campeão, né? Aí os caras lá me jogaram dentro do ônibus e fomos lá. Eu assisti o jogo, esse jogo deu medo, até eu tinha um primo que foi com nós, até hoje ele não entra no campo com medo. Aí nós estávamos assistindo esse jogo, no primeiro tempo foi 0 a 0.

P/1 – Onde que foi o jogo?

R – No Pacaembu, não tinha outro estádio. Segundo tempo, logo de cara o São Paulo fez 1 a 0 em um gol do Amauri, um negócio assim. Daqui a pouco São Paulo 2 a 0. Daqui a pouco, esse cara que fez o gol do Corinthians é meu amigo lá no bairro, conhecido. Inclusive ele no barbeiro lá, ele mora no Brás, eu ficava segurando lugar pra ele porque ele estava namorando com a filha do dono do peru lá (risos). Naquele tempo, quando eu morava perto da escola, que eu falei pra você, e morava perto dele, ele tinha uma fábrica e eu tinha uma amizade com ele, um tal de Rafael. Estava 2 a 0 pro São Paulo. O Rafael deu uma meia bicicleta e mandou o barbeiro dele apostar que ele garantia que o Corinthians ia ganhar, que ele ia jogar. Estava 2 a 0, ele deu uma meia bicicleta e ficou 2 a 1. Aí o Amauri deu uma escapada feia, mas aquela que ninguém pega, marcou o gol e falou com o Gilmar. Ele chegou (inaudível) do Gilmar e falou: “O gol é aqui”. Ah! Mas quando eu olhei lá pra cima parecia, sabe aquelas andorinhas? O céu ficou azul de garrafa de cerveja. Corinthiano é (risos). Mas foi. O cara pegava balaustre assim e arrancava. E eu abaixava aqui, todo mundo, isso aconteceu, eu vi. Diz que morreu dois, naquele tempo não tinha imprensa, mas não sei se morreu, é assim.

P/1 – Mas era gostoso ver jogo no Pacaembu?

R – Era gostoso. A gente ia pro Pacaembu, saía do serviço meio-dia no sábado, almoçava feijoada, sentava naquele cimentado esperando o jogo, que até dormia (risos). E é assim, né? Aqueles primeiros jogos da seleção brasileira também foi bom, foi gostoso. Aí quando você não acredita eles ganharam.

P/1 – O senhor lembra dessa primeira Copa?

R – Da primeira. Eu lembro da outra que perdeu também.

P/1 – A de 50?

R – Foi pelo rádio lá, não tinha... não deu muita repercussão. A de 54 já deu, que a turma começava: “Ah, porque foi roubado, foi roubado”. Aí eu conversei com um jogador da de 54, que os irmãos dele trabalhavam no Matarazzo, né? Na hora do almoço ele foi lá, conversou não comigo, mas com todo mundo ali. A Hungria que desclassificou. “Não dá pra ganhar. Eles é bons demais”, ele falou (risos). O Julinho, já ouviu falar do Julio Botelho: “Eles é bom”. O Julinho fez aquele gol, perdeu de goleada, foi 5, 4, mas o Julinho fez dois gols: “Não dá”. A de 58, Julinho já não jogou. Aquela foi uma surpresa, foi bonito, ganhou bonito. E pra você ver, né, não era técnico. O técnico do São Paulo naquela época era o Béla Guttmann, aquele cara que veio da Hungria, negócio de exército, era tudo militar. E o time foi embora, esse técnico deles ficou aí. O São Paulo foi campeão em 57. Em 58 o Brasil foi campeão do mundo com o Feola, que era o auxiliar desse. Pra mim nem jogador, sei lá.

P/2 – O senhor já era saopaulino na Bahia?

R – Não existia. Não existia clube na Bahia, eu não sabia se tinha.

P/2 – Mas o senhor chegou aqui e escolheu ser saopaulino. Quando o senhor decidiu...

R – Boa pergunta. Vai perguntando que eu vou lembrando. Boa pergunta, porque a turma não sabe. Aí eu cheguei aqui em São Paulo e comecei. Primeiro carnaval, eu não tinha nem dinheiro pra comprar nada. Tinha aqueles gorrinhos com os times do São Paulo. Um comprava do Corinthians, outro comprava, tudo, eu peguei emprestado de um só para eu andar com aquilo lá (risos). Gostei foi daquele. Aí vou ver um jogo, tá aquele, a mesma coisa. Pronto, foi desse jeito (risos). Não é que o São Paulo jogava (inaudível) (risos). É verdade, até hoje eu lembro disso aí. Aí o cara me emprestou o gorrinho, eu não tinha dinheiro pra comprar aquele gorrinho que a gente usava. Mas eu gostei foi daquele. Acho que um cara comprou e deu pra mim, foi um negócio assim. Eu gostei. Aí fui ver um jogo um dia, não sei onde foi, na várzea mesmo, tinha um com essa camisa, eu estava torcendo. Um dia meu primo falou: “Tem ali time, tem Corinthians, tem Palmeiras, tem São Paulo. Mas o Palmeiras não gosta de preto”, naquele tempo nem jogava no Palmeiras, preto. Mas quando eu fui ver, eu fui ver Corinthians e São Paulo, não sei onde foi, não lembro, aí fiquei saopaulino. Por causa da cor, não foi porque ganhava de todo mundo. É que nem você comprar uma roupa, sabe? É desse jeito.

P/1 – E quem é o seu grande ídolo do futebol? O cara que você mais tomou gosto de ver jogando?

R – Ah, no São Paulo tem muito. É que hoje em dia eles pegam esses, endeusam muito esses jogadores e ninguém sabe quem é ele, quem não é. O futebol, ele moderna muito, ele moderna muito. O futebol de antigamente não é como o de agora não. Se você prestar atenção, será que o Pelé jogaria do jeito que jogou, agora? Eu não sei, ou jogava melhor, ou mais ruim, eu não sei, não. E tem uns jogadores agora que é bom.

P/1 – O senhor chegou a jogar bola na várzea, essas coisas?

R – É, mas muito ruim, comprava as camisas e jogava. Dava o dinheiro pra comprar camisa e daí você tem que jogar um pouquinho, mas sou ruim, perna dura.

P/1 – O pessoal da fábrica se organizava?

R – Sim, nas fábricas eles faziam os times, mas eu não pegava, não. Eles me punham pra jogar, mas eu sou muito ruim.

P/1 – E o que o senhor fazia? O senhor trabalhava lá na fábrica, tal, o que o senhor fazia nos momentos de lazer?

R – De lazer? Ia pro boteco (risos). Não, mentira. Então, não tinha muito tempo pra isso não, pra lazer assim. Quando estava construindo alguma coisa tinha sempre uma coisa a fazer, né? Tomava uma cerveja, ia pro campo de futebol, na várzea, isso mesmo, dirigia algum time de futebol na várzea.

P/2 – O senhor dirigiu um time na várzea?

R – Não dirigia, ia ver, auxiliava os caras lá, tudo. Nesse bairro mesmo que eu estou agora.

P/1 – Tinha um time lá no bairro?

R – Tinha, agora acabou, nós tinha o Coimbra, tinha o Paulistano... Paulistano era rival. Lá atrás tinha um time na Vila Guilhermina, chamava Centenário.

P/1 – E era tudo várzea.

R – Tudo várzea, campo batido.

P/2 – E agora, o que aconteceu com esses campos de várzea, eles existem ainda lá?

R – Tem

P/2 – Tem ainda?

R – Tem. Mas com o nome de não sei o que lá. Ali no Coimbra mesmo tem um, dois. Mas eu não gosto disso aí. Agora tem esse negócio de escolinha, esse troço assim. Mas faz tempo que eu não vou em campo de futebol, mesmo na várzea.

P/1 – E voltando ao trabalho, o senhor estava na SKF, depois passou pra outra lá...

R – Que nem eu falei, quando saí pro Matarazzo, do Matarazzo pra Sucuri. Sucuri pra SKF, da SKF trabalhei na Deca e da Deca trabalhei na... foi na casa que eu fiquei mais tempo, fui pra _1:34:29_, que essa foi onde eu parei de trabalhar na profissão, porque trabalhei muito tempo, parece que foi 11 anos, dez anos, me afastei, eles me afastaram, foi 81, parece, quando foi em 86 me mandaram chamar pra trabalhar, pra voltar, eu voltei. E saí naquela transição do governo Collor. Aí não voltei mais. Aí voltei a trabalhar, eu tinha um amigo meu, ele trabalhava com prótese de dentadura, essas próteses tudo, então eu vou pra dar uma mão pra ele: “Felipe, você não quer trabalhar na rua, não? Você parece que dá pra trabalhar na rua”. Trabalhar na rua assim e assim, pegar cliente. Eu comecei a fazer, comecei a visitar consultório dentário, levar os modelos, tudo. E a mulher gostou de mim, uma tal de Shirley, morreu já. Eu fiz o serviço direito, comecei a pegar, aumentar, começou a pegar muito cliente pra ele lá, conversa, papa. E dei muito serviço. Aí eu saí de lá, entrei em um amigo meu, trabalhei até 2003, trabalhei fazendo isso aí, não ganhava nada, não, mas me divertia. O que eu ganhei foi assim, porque eu conhecia muito São Paulo. Eu saía do extremo-lestre, conhece Ferraz? Eu passava por São Miguel, passava por Jabaquara, ia lá pra Osasco em um dia só. Naquele tempo condução andava muito bem, né? Nada de carro. Teve uma vez que eu estava lá em Diadema e o dono das clínicas estava lá. E ele saiu de lá pra não me pagar porque eles eram muito caloteiros (risos). Você pensa, um cara tem uma clínica, nem dentista o cara é, ele tem duas, três, quatro, cinco clínicas, não sei se agora está assim. Aí ele saiu de Diadema, quando eu procuro o cara, a secretária: “Foi embora” “E o dinheiro?” “Ele não deixou dinheiro, não”. Quer saber como é que é?

Eu peguei um ônibus, desci no Jabaquara, no Jabaquara eu peguei o metrô, na Barra Funda eu peguei um trem, desci na Lapa. Quando eu estou lá ele chega: “Você já está aí?” “Por que, você fugiu?” (risos). “Você está de carro?” “Não, fiz tudo de condução”. Ele veio com o trânsito parado, não sei, passou em outras clínicas também. “E aí, vai acertar as notas”. E, se era _1:37:34_, deixa barato, depois ele paga. Era assim. Aí foi no falecimento da minha mulher eu cortei, não fui mais.

P/2 – E nesses empregos pelo que o senhor passou, desde servente até essa última empresa que o senhor trabalhou, o senhor sempre trabalhou de ferramenteiro?

R – Não, retificador de ferramenta. Ferramenteiro é aquele que trabalha na bancada e faz projeto. O ferramenteiro ele faz nem tudo, é difícil ferramenteiro, porque eles fazem o projeto também, pega a coisa projetada, mas trabalha manual, ajusta certinho, pega uma peça, vai lá. Eu não, já pegava aquela, eu retificava as peças que eles faziam, que é ferramenta, né? Que é mais responsabilidade ainda porque eu pegava peça já da _1:38:32_ aqui, se você matar uma peça daquela, é de medir precisão, se você matasse uma peça daquela, você matava uma peça que estava muito cara, que já tinha 200, 300 horas de um ferramenteiro naquela peça. Se você matava. E eu vi, me deu o dom daquilo, pra mim era moleza e eu fazia.

P/2 – Explica um pouco isso, acho que eu não entendi. O que é matava a peça?

R – É de precisão.

P/2 – Sim.

R – Vamos supor, tem peça que tem tolerância de cinco milésimos, que vai produzir aquela peça, vai trabalhar, entende? Se você tirar 5 milésimos e se você tirar 1 milésimo, essa peça estava morta, ela não ia produzir a medida certa. Aí ela ia voltar pra outro processo, cromar ela, fazer, eles falam matar a peça.

P/1 – E como era o dia a dia nessas fábricas?

R – Legal. Bom e legal.

P/1 – Mas como acontecia? O senhor chegava na fábrica, o que o senhor ia fazer, como que era?

R – Eu já sou daquele tempo, você vê como evoluiu, naquele tempo o carro quando entrou na portaria, você entrou, o seu cartão está na chapa, seu número, você pega, põe no relógio e a alavanquinha marca. Quando vem a hora do almoço você vem e marca saída. De manhã você marca entrada, na hora do almoço marca saída. Depois do almoço você marca entrada, de tarde você marca saída. Hoje não é mais isso, hoje é com cartão magnético, essas coisas, eletrônico. Assim nós fazia. Alavanca, quando eu saí ja não era mais alavanca, era apertar botão, a coisa já estava melhorando, né? Lá em 91. Por isso que eu falo, isso avançou de uma hora pra outra, esse que é o problema. Eu estou gostando porque você está entendendo ou não entendendo, mas você vai discutir na esquina, ou na banca de jornal com um cara daquele você perde a paciência. “Não, mas antigamente era melhor, antigamente era assim”.

P/1 – Com essa mudança das máquinas o que mudou das máquinas de antigamente?

R – Não, depois que eu parei já mudou demais, mudou mais ainda.

P/1 – Depois do quê, perdão?

R – Depois que eu parei de trabalhar mudou mais ainda, agora tudo, por isso que está o desemprego. Por que? Eu não falei da Deca pra você? Eu saí da Deca foi quando... acho que foi em 70. Agora em 91 eu passei por lá tinha uma pessoa sentada na outra sala, naquele setor lá e eu perguntei: “Existe aquela seção assim de ferramentaria?”. Ele falou: “Existe, mas só eu que trabalho lá”. Tem um torno, CCL, que ele faz tudo.

P/1 – E antes eram quantas pessoas na área?

R – Eram 16 pessoas. Tem que dar o desemprego. E vai dar mais ainda. Que pra eles. Então, já brigamos com isso aí, o sindicato já brigou, mas tem que evoluir mesmo, não adianta. Dá emprego praqueles caras que vão fazer outras coisas, não sei como está girando agora esse aí mais, sei que dá desemprego, não tem jeito.

P/2 – Explica pra gente de novo, você contou lá fora, que é interessante essa história. O senhor saiu lá da SKF e foi pra outra empresa. E o senhor falou que era diferente em termos de tecnologia, da SKF da empresa pra onde o senhor foi.

R – Então, a tecnologia da SKF muito adiantada e a outra não tinha tecnologia, então eu avancei mais por causa disso. Mesmo naquelas máquinas, mas a tecnologia ela não tinha, eu apliquei o serviço da tecnologia da que eu trouxe da outra firma, né? Esse torno, essa ferramenta, aquele lá como é que é. A máquina estava lá, mas ninguém sabia mexer. Não sabia mexer e enganava, não saía.

P/1 – Mas o que era diferente do maquinário da SKF?

R – Maquinário diferente de trabalhar, saber quais as ferramentas que usa, que nem no meu caso, o meu caso é rebolo, saber qual o rebolo que funcionava naquela peça. Para cada tipo de dureza tem um tipo de rebolo, entendeu?

P/2 – O que é rebolo?

R – Abrasivo. É uma ferramenta fabricada, uma coisa muito importante. E com diamante, o diamante dá o corte nela, só diamante. E por causa disso que ficava. Inclusive tinha uns rebolos que vinham da Alemanha que aquele não funcionava, eu já sabia disso (risos). Aí mandei o chefão lá convocar o cara da fabricação de ferramenta. Ele veio lá e papapa. Pra eles pararem de comprar aquele tipo de coisa. Eles não acreditavam em mim. Então eu falei pro cara, o cara veio, pô, tá certo, os caras ficou, né?

P/1 – O equipamento costumava ser de fora, não era nacional.

R – É, esse equipamento daquela máquina é de fora, Alemanha. Eles vinham na ferramenta com... aquele tipo de máquina, né? Na Sucuri eu trabalhei com uma máquina, é uma máquina que tinha peça de um metro de comprimento, o _1:44:47_, é uma peça que pesa 25 toneladas, tem que colocar na máquina e trabalhar com ela no guincho. E é difícil fazer essas coisas, agora não sei se eles estão fazendo isso, separava na chapa, essas coisas assim, precisão. Que todas as coisas precisam da precisão, uma coisa desse caneco é efeito de precisão, senão não vira. Esse copo tem uma medida só, o cara desenha esse copo, ele vai numa forma, tem que estar tudo certinho pra sair desse jeito. Se tiver uma coisa torta não sai esse desenho, não sai isso aí. Então aquela ferramenta que vai esse copo, ela tem que estar do jeito desse copo.

P/1 – Como era no horário do almoço?

R – Isso vareia de turma, de seção. O horário normal mesmo é das sete às onze e da meio-dia às quatro, nessa lei que ainda está vigorando ainda, oito horas por dia. Mas pra não trabalhar aos sábados tem a compensação, você compensava essas horas a mais para no sábado você não ir. Não sei se agora ainda é assim, mas era desse jeito.

P/2 – E ali na região do senhor ainda tem bastante fábrica?

R – Ali não tem fábrica, Monica, ali é só operário. A fábrica, tinha bastante fábrica é no Belém. Até Tatuapé tem fábrica, quando tinha, agora saiu tudo fora. Tem, é lógico que tem, mas não igual antes, já saíram tudo fora, conforme cresce. Mesmo agora aqui, essas firmas grandonas aí, elas estão tudo no interior, pode ver que está todo mundo indo pro interior. Imposto é mais barato e é mais fácil. Aqui é até proibido também fazer, tem uma lei que não pode ter certos tipos de indústrias que poluem muito e químico. Quer dizer, o interior agora tem que ser a (inaudível). Tem assim serraria, indústria pequena, mas de indústria grande, vamos supor assim, pra ficar carro, fabricar essas coisas, nem mais São Bernardo está tendo, porque São Bernardo era um marco quando fizeram, agora estão fazendo tudo fora. Quase todas essas montadoras desses carros, é tudo feito no interior.

P/1 – E quem é o operário que mora no Jardim Coimbra? O cara é metalúrgico, o cara trabalha não sei onde.

R – É, uns trabalham na metalúrgica, outros trabalham no comércio, outros trabalham em tecelagem, outros trabalham na construção civil. Emprego ali é de lojas, digo assim, depósito de material, essas coisas, não fabrica nada não. Comércio, shopping, essas coisas assim, o resto tudo fora.

P/2 – Não tem mais gente trabalhando em fábrica ali, só quem já trabalhou.

R – Sim, mas ali não tem fábrica. Todo mundo que mora ali sempre trabalhou fora. Agora tem que trabalhar mais longe, né? Não tem fábrica grande aqui, tem no interior. Guarulhos que ficou industrializado, mas agora também...você tem esse mundão velho, São Carlos, Hortolândia, é tudo essas coisas, Minas Gerais. E o minério também é feito lá, esse minério, aço, tudo é de Minas, né?

P/1 – E teve muito colega de trabalho seu que acabou morando na mesma região?

R – Tem. Não é naquelas regiões onde nós trabalhava. No Brás é difícil ter gente, vem gente de fora, do bairro de fora, mais retirado, não tem, vamos supor assim... tem alguns antigos ali que já ficou. Mas os filhos também já foram embora. Que nem eu falei, essa _1:49:15_ estava no Jardim Cará, agora está lá em Itapevi. Tudo fora, é obrigado a sair

fora, que agora esse pessoal tomando um tipo de educação não vai querer morar dentro de uma poluição danada, né?

P/1 – Qual foi a empresa que o senhor mais gostou de trabalhar?

R – Olha, que eu me dei tanto bem, que me ajudou, foi a _1:49:47_, mas a que eu gostei mais de trabalhar, coisa muito diferente daqui, foi a SKF. O jeito deles trabalharem, o jeito deles tratarem operário. SKF trabalhava, era, como se diz, era rigorosa a rotina deles, mas além de pagarem bem, eles davam cobertura pra operário. A comida que eles davam lá. O cozinheiro dele era francês! Eles faziam cada tipo de comida! Quando o cara (risos). O moço ia levando eu pra falar com o gerente pra fazer a entrevista, ele falou assim: “Isso aqui é o céu, precisa ver que comida que a gente come aqui, é melhor que...” (risos). Eu falei: “Para de falar assim, de repente eu não passo, eu vou ficar com a saudade”.

P/2 – O senhor lembra de alguma comida? Qual a comida que o senhor lembra da SKF?

R – Olha, comida normal. A carne deles é diferente, o jeito deles trabalharem é diferente. Mas uma coisa, uma surpresa que tinha o prato do dia lá, tal dia vai ter vitela, sabe o que é vitela? A primeira vez eu falei: “O que é isso?”. Vitela é aqueles bezerrinhos que não nasceu, tira do útero da vaca. Aquilo é gostoso, parece mocotó (risos). Sabe onde eu achei um dia? Na Rua Veiga Filho. Eu vi um açougue. Quando eu trabalhava na rua, no consultório dentário eu vi aquilo ali e comprei, ali em Higienópolis, na Angélica ali. Mas se você procurar você acha, mas é pra quem vai fazer direito.

P/1 – Voltando um pouquinho, eu queria que você falasse um pouco sobre esse período de falecimento da sua esposa, como foi pra você?

R – Por que isso aí? (risos)

P/1 – Se o senhor quiser falar.

R – Até que eu falo. Não tenho nada a esconder. Ela era muito nervosa, ela estava com diabetes avançada, muito avançada, estava fora de controle, já estava cega. E ela andava numa situação que ela estava cega, ela fazia todo esse tipo de coisa. E um dia ela passou nervoso lá, que ela deitou assim. Tem um quartinho lá que tem uma janela, no mês de dezembro é muito calor, aí à noite ia pra cama. Ela ficava lá pra tomar ar, você vê, uma coisa curiosa. E naquele dia lá, ela tinha discutido comigo porque ela não queria que eu fosse no aniversário de um neto da gente, que não é neto, neto de uma menina que morou uns dez anos com a gente, ela gosta muito da criança, tudo. Eu falei: “Eu vou, eu vou”. Depois eu não fui e ela ficou nervosa. Aí ela foi deitar, eu também fui deitar. Ela não deitou, ficou lá. Eu levantei de manhã, eu fiz café, a empregada não tinha chegado. Quando a empregada chegou eu estava tomando café e ela entrou no quarto. A empregada chegou e falou assim, ela chamava de irmã Neusa, que ela é crente. Ela falou: “Está dormindo com a boca aberta” “Ah, ela dorme com a boca aberta”. Aí eu fui pra casa da minha irmã. Quando eu chego na casa da minha irmã uma vizinha chegou lá: “Corre lá que a Neusa está morta”. E aí o mundo acabou. Eu pisei dessa altura do chão. E corre pra lá, corre pra cá. Aí esse dia o Mario não trabalhava que era, olha que coisa, era feriado em Guarulhos, o Mário já veio. A Joana mora em Brasília. O Mario já veio, já, o que ele fez? Aí já veio um conhecido da gente, que era inquilino da gente. Deu tudo certo. Aí eu fui pro Pronto-Socorro, pro AMA, né? Ela mediu minha pressão, estava 20 por 10: “Vou dar um remédio aqui. Eu falei: “Tira um eletro”. Ela falou: “Não vou tirar eletro coisa nenhuma, eletro é outra coisa”. Vou dar um comprimido pronto aqui, você melhora e já pode tratar das coisas”. Aí baixou, ela me mandou embora. O irmão dela já ficou sabendo, já correu. E aí morreu. E agora? Chamar a polícia, o carro, né? Tem que fazer o pedido na delegacia. Aí tem os médicos dela que ela sempre ia naqueles médicos da Santa Marcelina. Ela era pra fazer uma operação, que ela tinha feito exame no Dante Pazzanese e deu que ela estava com as veias todas... tinha que fazer um negócio. Mas ela estava enrolando pra não ir fazer. Aí foi lá onde pega os documentos dela lá: “Ah, o médico dela não está aqui”. Eles enrolam. Pra você ver como é a coisa. “Os médicos dela não estão aqui”. E o meu cunhado: “Não, mas o marido dela está aqui” “E onde que mora?” “Nós não podemos falar onde ele mora”. Aí esse meu cunhado fala: “Olha, doutor Fulano tá aí? Porque eu falando com ele eu resolvo o problema”. Ele falou: “Também não está, hoje não é dia dele”. Aí eles falaram: “Agora tem que ir pra delegacia fazer B.O.”. Quando ele chega no estacionamento o médico está saindo (risos). Aí ele falou: “O _1:56:38_, o que você está fazendo aí?” “Ô Doutor, está acontecendo isso e isso. O senhor me leva lá?” “Vamos lá. Eu vou lá e dou o atestado de óbito”. Aí pegou o documento dela, pegou o laudo dela, tudinho e levou. Ele já sabia o problema tudo, né? Aí tem, mas não tem que ter as vizinhas lá, que não sei como chama. “Meu marido foi por que...?”, sei lá que problema. Aí ele veio e deu o atestado. Naquele mesmo dia lá à noite nós tratamos da funeraria, no outro dia foi cedo, de manhã, o enterro, veio o pessoal da igreja, fez o funeral, que eles fazem o funeral, orou lá, rezou, funeral. Eles sabem o que fazem, né? Aí demos o enterro. E é chato, mas eu fiquei sozinho em casa. Tem gente que fala: “Você vai fazer o quê ficar sozinho em casa?”, aí que ela não ia fazer nada, ia morrer (risos). Não tem jeito. Aí eu fiquei e estou até hoje.

P/2 – E a sua mulher fazia o quê, ela trabalhava também ou não?

R – Você vai saber de muita coisa, meu Deus! Minha mulher aposentou, ela trabalhava de menor, quando eu conheci ela era de menor de idade. E ela desmaiava na máquina. E com esse desmaia na máquina a firma encaminhou ela pro INSS, INSS não, o IAPI e ela ficou na Caixa. Ela ficou na Caixa, voltou, tornou a ficar na Caixa. Naquele tempo ficou na Caixa cinco anos aposenta, e ela aposentou. Ela aposentou com 25 anos de idade.

P/2 – Mas ela era operária.

R – É, trabalhava no Matarazzo. Outro Matarazzo, equipamento de, esqueci como que fala isso, fazia aqueles tubinhos de farmácia, embalagem. A firma chamava _1:59:06_ Matarazzo. E foi uma correria, Joana morava em Brasília, rapidinho veio. É, mas...

P/1 – Você falou desse momento agora, me conta qual a lembrança mais feliz que o senhor tem na sua casa lá no Jardim Coimbra.

R – Esse mundo dá muita volta. Mais feliz, mais feliz... É, o que eu posso ser mais feliz naquela casa? Mais feliz agora que estou com 84 anos e estou bem lá, vou de um lado pro outro, já é uma felicidade, mas feliz mesmo quando o dinheiro que eu ganhava cobria minhas despesas, aumentava minha casa, quando eu via comprava um produto novo, como uma geladeira ou uma televisão, uma coisa. É felicidade.

P/1 – Mas tem algum momento ali de você e sua família que ficou marcado?

R – Festinha, né? Tem as coisas também que são mais felizes e menos felizes, que deixam você perturbado, isso aqui não é assim, também passou, teve essas coisas.

P/2 – E dessa passagem do senhor da Bahia, o senhor está com 84 anos, né, pensando na sua vida na Bahia e pensando na sua vida hoje, como o senhor avalia esse período, essa passagem?

R – Eu não posso comparar 84 anos com 17, certo? Mas essa aqui é bem melhor do que quando eu tinha 17. Eu sei que está no fim, mas seria um fim feliz, né? Que aquela era uma luta, é uma luta que você tem pela frente sem saber o que está fazendo e está dando tudo certo, ou de um jeito ou de outro, trupica ali, cai ali, levanta ali, passa por ali, trupica. Agora lembrar aquela lembrança do meu berço, dos animaizinhos, das árvores, aquelas coisas. Você vê, estou com 67 anos sem ver aquilo, mas quando eu lembro daquela paisagem, daqueles negócios, dá saudade. Eu puxo no notebook, às vezes eu fuço ali, aí eu puxo uma música de 1917. Ela toca, é uma coisa muito importante, é uma coisa... as músicas dão uma recordação pra você fora de série.

P/1 – Que música é?

R – Eu não vou nem lembrar, essas músicas antigas. Jardineira, não sei o que mais, tem muita melhor do que Jardineira, que não está na cabeça. Mas quando vem é gostoso lembrar daqueles animaizinhos, lembrar dessas coisas. Lembrar dos rios, dos peixes lá (risos). Lembro uma vez, eu era pequenininho, meu irmão mais velho do que eu, quantos anos, cinco anos mais velho que eu, esse penúltimo. Aquela água, um lago d’água, chuva, peguei nadando, eu enforcando ele (risos). Mas quando eu lembro. Meu irmão mais velho pegou e me deu uma surra (risos). Mas era bom, era gostoso. Gostoso aquela época, não quero nem saber disso agora, aquele tempo lá. O tempo vai de um jeito, vai de outro. Olha, é uma coisa muito inteligente, vai, passa por tanta coisa, quando você pensou você já passou, né? Que nem, onze e pouco, tem tanto bandido hoje, né? E tem mesmo. Mas eu tinha conhecido meu que dia de pagamento, aqueles trens de madeira, maria fumaça, dia de pagamento já sabia o dia de pagamento, dia dez. Eles chegavam e estavam na estação. A hora que a porta abria eles faziam assim, se benziam e entravam. Daqui a pouco você ouvia: “Roubou minha carteira!”, era assim que eles roubavam, era assim que funcionava, os bandidos roubavam desse jeito. Não sei que eles tinham uma prática de tirar a carteira dos outros. E os caras ainda levavam dinheiro dentro da carteira. Ora, você quer saber como é o mundo antigamente? A gente chegava aqui, conhecido meu, chegava a trabalhar dois anos aqui, juntando dinheiro no interior de São Paulo. Eu tenho um conhecido, até cunhado do meu irmão, que ia trabalhar. Quando chegava ali naquela Barra do Piraí no Rio de Janeiro os caras roubavam ele, entravam no trem pra roubar. Era assim que funcionava antes.

P/2 – E o senhor ainda tem parente lá na Bahia ou não?

R – Parente bem chegado eu tenho um sobrinho, filho de meu irmão. Justamente esse que é o dono da fazenda lá hoje, ele comprou a fazenda com o mesmo dinheiro que ganhou da fazenda. Mas não é corrupto, não. Comprou a parte de um, a parte de outro, a parte de outro, um ele pagou, o outro ele não pagou, é dele lá.

P/2 – E o senhor voltou pra lá já ou não?

R – Olha, eu voltei uma vez minha mãe era viva, voltei quando ela faleceu duas vezes e voltei quando meus filhos já eram grandes, um com 17 e outro com 16, com a minha mulher. E voltei em 99. Passei lá várias vezes, mas um período muito afastado um do outro.

P/1 – E mudou muito lá?

R – Ah, mudou muito. Eu passei lá em 99, mas deve ter mudado muito, mas não era tanto assim.

P/2 – Em comparação com aqui, o que mudou mais, lá ou aqui?

R – Aqui onde?

P/2 – São Paulo, onde o senhor mora.

R – Não tem nem comparação. Lá aumentou com a coisa. Lógico, melhorou muito aquela cidade, eu não conheço Salvador. Mudou, mas que nem São Paulo, você vê uma coisa, se eu tivesse ido embora em 1952 e tivesse chegado hoje eu não ia acreditar que era São Paulo. Nunca, nunca, nunca. Nunca. Não é aquele Parque Dom Pedro, (inaudível), é diferente. Lá que não mudou nada e nos outros lugares que mudou, nos bairro? Eu nunca, aquele Parque Dom Pedro era cheio de árvores, tinha até bicho lá. Essa Avenida Paulista aí, nós vinha ver bicho preguiça aí, era mato aquele lado lá, mato. Tinha hospital dentro daquelas matas.

P/1 – E o que o senhor faz hoje, seu Felipe, pra se ocupar, pra se divertir?

R – É, devia fazer alguma coisa, mas não faço nada. Não limpo nem a casa, tenho uma empregada lá pra limpar a casa. Devia limpar, né? Então, eu tenho uma pessoa que trabalha comigo, está dois dias por semana. Ela queria trabalhar três dias e eu falei dois dias, porque três dias você não faz nada e eu tenho que pagar os direitos pra você. Ela é legalzinha. Você vai ter seus outros três dias onde quiser, aqui é dois dias. É que a casa é grande, não é uma casa assim, é tipo casa antiga, mas é grande. Já que eu não mudei, agora não vou mudar mais não de casa. Já falaram, você pega essa casa aí, faz duas e aluga uma. Isso aí.

P/1 – E quais são seus sonhos para o futuro, seu Felipe?

R – Saúde. Que amanhã eu amanheça com saúde, que depois de amanhã eu amanheça com saúde, e Deus que me ajude que eu não sofro, porque o sofrimento da velhice e da doença... esse que está com 91 anos, ele tinha uma saúde boa, agora, está com um ano pra cá que ele caiu na cama, vai pro hospital, volta do hospital, vai pro hospital. Agora já está respirando artificial e não quer morrer, não. Não quer. Ninguém quer. Mas eu acho que ele, eu estou indo muito lá, eu estou evitando de ir, porque eu ligo pra ele e ele já fala que está tudo bem, você vê que ele está estressado, né? Isso que é o futuro que eu não quero pra ninguém, mas quem manda é Deus.

P/2 – E só pra fechar: o senhor hoje tem dois filhos, né? Fala rapidinho pra gente o nome dos seus filhos, da profissão deles e o que o senhor sente de saber que tem uma família formada, neto na universidade, o que o senhor pensa disso?

R – Bom, os meus filhos, ninguém ajudou eu, mas como eu podia falar? Obrigou a ser o que é. Que essas crianças de hoje... o Mário, meu filho, a Joana sempre foi mais fácil, o Mário, quando foi pra trabalhar, pra ir pro Senai, né? Aí ele foi no Senai fazer o teste pra passar. Ele estava no ginásio tudo, disse que não passou. Eu falei: “Ué, você não passou de que jeito, filho? Que o teste que dá, o estudo você tem, pra não passar naquele teste você não passou porque você não quis”. Ele falou: “É isso mesmo” “Vai trabalhar de office-boy” (risos). Ele foi trabalhar, tinha 14 anos. No próximo teste que deu ele passou. E está lá até hoje. Já fez o curso, trabalhou tudo, fez o curso de uma engenharia de não sei o quê, se formou engenheiro mecânico. E a Joana precisa falar que ela é responsável, ela também lutou. Ela estudava. A Joana ia contar carro na rua pra pagar a faculdade, contava carro na rua. E quando ela começou a trabalhar de professora, ela deu aula lá na Cidade Tiradentes, lutou, lutou, fez universidade, fez doutorado e mestrado, doutorado na área dela, né, tudo? E o neto não é muito (inaudível), não.

P/2 – Está estudando.

R – Estuda. A menina é levada, nossa senhora! Cada uma que ela, de nervosinha. Como é que uma pessoa faz o Direito, faz a OAB, passa direto, essa menina tem inteligência, né? Em cima, na bucha? Então. O (inaudível) é muito preguiçoso (risos).

P/1 – Conta direitinho a história do papagaio que o senhor estava contando ali fora, como que era? Ele era seu bicho de estimação, do pessoal?

R – Pois é, eu não sei, mas eu gostava dele por causa disso, ele gritava gol do serginho, né?

P/1 – Só pra encerrar então, Felipe, queria saber o que você achou de contar tudo, lembrar tudo isso aqui com a gente hoje, o que você achou dessa experiência?

R – Eu achei a experiência boa, agora não sei se eu falei certo porque... o que eu falei é verdade, mas não sei se eu coloquei certas coisas... o que eu falei não foi nada inventado, foi coisa que passou, foi verídico. Até achei, se você tivesse coisa mais pra perguntar.

P/2 – Vamos ter. Porque isso continua. Aqui a gente encerra, mas o nosso papo aqui vai continuar.

R – Me larga (risos), sou preguiçoso.

P/1 – Tá bom, então, obrigado, seu Felipe.

R – Tá legal, foi um prazer.

FINAL DA ENTREVISTA


Dúvidas em trechos:

Sucuri pra SKF, da SKF trabalhei na Deca e da Deca trabalhei na... foi na casa que eu fiquei mais tempo, fui pra _1:34:29_, que essa foi onde eu parei – Página 20.

E, se era _1:37:34_, deixa barato, depois ele paga. – Página 20.

Que é mais responsabilidade ainda porque eu pegava peça já da _1:38:32_ aqui, se você matar uma peça daquela – Página 21.

Na Sucuri eu trabalhei com uma máquina, é uma máquina que tinha peça de um metro de comprimento, o _1:44:47_, é uma peça que pesa 25 toneladas – Página 22.

Que nem eu falei, essa _1:49:15_ estava no Jardim Cará, agora está lá em Itapevi. – Página 23.

Olha, que eu me dei tanto bem, que me ajudou, foi a _1:49:47_, mas a que eu gostei mais de trabalhar, coisa muito diferente daqui, foi a SKF. – Página 23.

Aí ele falou: “O _1:56:38_, o que você está fazendo aí?” “Ô Doutor, está acontecendo isso e isso. – Página 24.

A firma chamava _1:59:06_ Matarazzo. – Página 25.