P/1 – Pra começar Guilherme, fala pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Guilherme Baladi. Eu nasci dia 15 de abril de 1992 aqui em São Paulo, resido no Ipiranga. Desde que eu me dou por gente eu resido lá, morei um tempo no Paraíso, mas grande pa...Continuar leitura
P/1 – Pra começar Guilherme, fala pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Guilherme Baladi. Eu nasci dia 15 de abril de 1992 aqui em São Paulo, resido no Ipiranga. Desde que eu me dou por gente eu resido lá, morei um tempo no Paraíso, mas grande parte da minha vida foi lá, mesmo.
P/1 –Guilherme, e seus pais, qual o nome deles?
R – Meu pai, o nome dele é Fabio Baladi, a minha mãe, nome de casada é Marina Gazzano Baladi, de solteira era Marina Suban Gazzano.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho um irmão, Rafael Baladi, ele tem 19 anos, cinco anos mais novo do que eu, ele tá prestando vestibular, ele quer fazer Engenharia Naval, tá malhando muito pra entrar na Poli. Sonho, né?
P/1 – E seus pais, me fala um pouquinho deles, como é que eles se conheceram? Eles são casados, hoje, ainda?
R – São casados. Os meus pais, olha, tem uma história, gozado, é um negócio que eu nunca sentei e falei: “Pai, como você conheceu a mamãe?”, mas por cima assim, tem uma história de que meu pai bateu no carro da minha mãe, aí ela saiu e tal: “Pô, mas e aí? Não sei o que, não sei o que lá…”, e o meu pai: “Espera aí, calma, eu pago. Eu arrumo isso”, eles começaram a sair, se conhecer melhor e enfim, estão juntos até hoje com uma família aí.
P/1 – E o seu pai trabalha com quê? Seu pai e sua mãe?
R – A minha mãe é dentista, hoje ela tá muito mais voltada para área de estudos e pesquisas, ela tem Doutorado, Pós-doutorado, tanta coisa que ela faz que eu nem sei falar ao certo, mas ela estuda muito, muito na USP, ela tem as coisas dela, desenvolve vários estudos com ratos, questão de ossos, densidade óssea, se eu não me engano, era a última coisa que ela estava mexendo. Meu pai é engenheiro formado, engenheiro elétrico, mas ele não exerce, eles têm uma empresa na qual eles trabalham juntos com os meus tios. É um negócio de família. É isso.
P/1 – Como é que é a sua relação com eles? Fala um pouquinho deles, personalidade deles.
R – Olha, a minha relação com eles (risos), é uma relação assim. O meu pai, vamos começar pelo meu pai, o meu pai é um cara que lembra muito o meu avô, ele é um cara muito tranquilo, mas ele prefere sempre a discrição assim, quando tem qualquer coisa para falar entre nós, ele nunca gosta de falar na frente dos outros, ele é muito discreto, tá, então ele sempre busca falar em off, em casa, mas ele é um cara muito tranquilo, muito receptivo, tímido pra caramba, muito tímido, mas é de uma bondade assim, extrema. Não conseguiria aqui descrever como ele é bondoso. Uma figura! Teve algumas vezes até que ele, quando eu era um pouco menor, ele ficava meio P da vida comigo, eu olhava pra ele e começava a rir, porque não dava, entendeu? A minha mãe, eu acho que eu já puxei a minha mãe. Minha mãe é de uma bondade também enorme, desde que ela goste de você, ela tem que gostar de você, entendeu? Se o santo dela não bater, não há Cristo, Papa que faça isso acontecer e eu sinto que eu puxo um pouco esse lado, entendeu? Vou te dar um exemplo, a minha namorada, minha mãe ama essa menina, ama. Dá até raiva. Nós vamos para os Estados Unidos, o tempo inteiro: “Por que você não leva isso pra Julia?” “Porque eu vou levar pra mim, chega de levar pra Julia”, entendeu? Assim, mas também quando ela não gosta, ela nunca destrata, é uma pessoa muito, tem uma classe muito interessante, uma postura bem legal, mas ela já também não agrada. E eu puxo um pouco esse lado, tanto da finalidade, essa questão da finalidade quanto também do temperamento. Minha mãe já é um pouco mais momentânea, digamos assim, ela não é muito paciente como o meu pai é. E o meu irmão, pega a pessoa mais tímida que você conhece e multiplica por dez, mas assim também um cara que nunca fala “Não”, é muito discreto, muito tímido, coitado,
eu namoro há cinco anos e até hoje, ele vai cumprimentar minha namorada: “Oi Ju… oi”, sabe, mas também é um doce. Digamos que o lobo da família assim, o mais rebelde seja eu, vai, que todos ali são santos, mas eu puxei um pouco mais a minha mãe nesse quesito de explosão e atitude, momento, essas coisas.
P/1 – E sua infância, Guilherme, o quê que você traz de lembranças da infância na família com os amigos na sua casa?
R – Então, minha infância. Eu sempre fui um cara que gosta de falar muito, muito. Eu gosto de falar, eu gosto de me comunicar, gosto de conhecer pessoas, saber a história das pessoas, então, eu nunca tive problemas de amizade na minha infância. Até hoje também não tenho. Claro que a gente cresce, a gente vai sendo mais seleto, a gente vai acordando, vai vendo que nem todos aqueles que te dão sorrisos são seus amigos, realmente, tanto que tem até aquele negócio, amigos você conta na palma da mão, né? Mas a minha infância, olha, sem dúvida nenhuma o que eu mais guardo na minha infância, na verdade, são os meus avós, eu era muito apegado com eles, muito. Eu amava os meus avós, assim, putz, era demais, era demais, mesmo. Tanto a minha avó por parte de mãe, porque o meu avô por parte de mãe faleceu antes de eu nascer, então eu não o conheci, minha avó por parte de mãe, nossa, ela morava perto de casa, então era assim, eu ia direto para a casa dela, direto! Já os meus avós por parte de pai, eles moravam perto da Paulista, digamos assim, eu convivia muito com eles, mas não tanto como a minha avó, mas também amava, o Gido Feres, o nome dele era Feres, a gente chamava de Gido, nossa, era um negócio de outro mundo. Ele era uma criança de 80 anos que todos os primos da família se inspiram nele. Todos, sem exceção. E antes de ter essa rixa que teve na família, todo domingo nós nos reuníamos, nós íamos almoçar e era uma delicia. Os primos se davam muito bem, muito bem, então a gente brincava, ria, zoava. Nas férias, as férias era no Guarujá, todos os primos, todas as famílias iam para o Guarujá, o meu vô tinha um apartamento, tem dois, na verdade, na praia, onde a família inteira se reunia lá e ficava julho inteiro, então era muito legal. Era a melhor parte, não tem nem o que falar. As viagens de Natal, Ano Novo, todo ano a gente ia a família inteira para um hotel, foi a melhor parte da minha infância, sem dúvida. Aí, meu avô acabou falecendo, minha vó sofreu de Alzheimer, enfim, uma briga interna na família acabou meio que distanciando um pouco, não, bastante a família, dividiu em dois e isso nunca mais aconteceu. É uma pena. É uma pena.
P/1 – Mas esses encontros na casa do seu avô, ou no Guarujá tem alguma passagem que seja especialmente marcante que você lembra com mais, assim, detalhes e que você acha que represente esse período da sua vida?
R – Passagem? Ano Novo. O Ano Novo, todo Ano Novo. Eu, quando pequeno, sempre falava pra minha mãe: “Mãe, quanto tempo falta para as férias?”, o Ano Novo era sensacional. Era aquela coisa, não tinha nada, mas tinha tudo, porque era a família inteira na sacada de frente para o mar vendo os fogos e assim, você sabia que não ia acabar, não era que nem os almoços de domingo: acabou, às quatro horas, vai todo mundo pra casa, não. Ia continuar. Então essa imagem de ver a família inteira de branco cantando “Adeus ano velho, feliz ano novo”, meu avô, meus pais, meus primos e os meus tios é uma imagem muito forte pra mim, eu nunca vou esquecer isso. Sem dúvida, quando você pergunta uma coisa marcante na sua infância, é isso. Eu contava o ano inteiro para chegar no final do ano e comemorar o Ano Novo. E família. Minha família, acho que todo mundo acha que família de cada um é a melhor coisa do mundo, mas a minha é sensacional. Meus tios são demais. Quando eu fiquei diabético, inclusive, uma tia minha me mandou uma cesta, quase antes de eu saber que eu era diabético, me mandou uma cesta de doces diet. Uma outra tia minha comprou uma máquina de sorvete sem açúcar, eu só ponho a fruta e sai o frozen. Então assim, minha família é demais. E essa imagem, ao mesmo tempo que é uma coisa muito alegre, bate um sentimento de perda, de tristeza, porque isso hoje não acontece, mas é sensacional. Era sensacional.
P/1 – E você no seu núcleo familiar mesmo, na sua casa, com seu irmão, seus pais, como é que era? O quê que você costumava fazer no dia a dia, mesmo assim? Não só nas ocasiões especiais, nas férias…
R – Quando criança?
P/1 – Quando criança.
R – Olha, com os meus pais, eu sempre fui muito assim, no começo, eu era muito preguiçoso, eu era muito ócio, então eu voltava da escola, ficava em casa, ligava a TV e tomava refrigerante. Era isso. Como eu disse, a minha vó por parte de mãe, às vezes, ela estava em casa, então nossa senhora! Quando ela estava em casa era festa, porque aí, eu pegava brinquedo, eu brincava com ela, fazia ela ajoelhar na sala, coitada e ela tinha problema de joelho. Tinha até um cofrinho, pequenininho e eu falava pra ela,
eu gosto muito de carro, né, eu falava: “Vovó, me dá uma moedinha que quando eu crescer, eu vou ter uma Ferrari”, e toda vez ela colocava uma moedinha, colocava uma moedinha, aí eu falava: “Vovó, vamos contar quanto tem de dinheiro e ver se já dá pra comprar a Ferrari”, aí minha vó olhava: “Tá, vamos contar”, inclusive, esse cofre foi roubado um dia e eu fiquei super chateado, muito triste, muito triste, enfim, minha vó foi lá e falou: “Calma, a gente começa de novo”, mas eu era assim. Na escola, eu ia, tinha os meus amigos, eu voltava pra casa e eu ficava nessa, TV, refrigerante, eu não costumava sair muito durante a semana, claro, que nem, isso estou falando na minha infância, uns nove, oito anos. Quando tinha festinha de aniversário em buffets, putz, a gente ia, essa época eu estudava no Dante, então muitas vezes era super legal, a gente ficava louco da vida quando tinha festa no Boliche 300, que era lá no Shopping Eldorado ou então na esquina do Dante Alighieri tinha um buffet que nossa senhora e era legal porque, não só pela festa em si, mas porque a gente ia de ônibus. Os pais fretavam um ônibus do colégio mesmo e levavam. Então, a gente ia brincando, saía meia hora antes da aula acabar, mas assim, tirando essas festas, eu nunca fui muito de sair, nunca, nunca fui muito de sair, sempre fui mais caseiro e acho que isso reflete até hoje em mim porque eu sou uma pessoa bem caseira, eu sou uma pessoa que entre ir para uma agitação com a minha namorada, até vamos, mas não é aquele negócio de ficar à noite inteira. Isso vem muito da minha infância.
P/1 – E a escola? Quais são as suas primeiras lembranças da escola?
R – Na escola, eu tenho uma lembrança da escola que é impressionante! Minha mãe sempre me ensinou tudo direitinho e eu levava a lancheira e a minha primeira lembrança da escola é que tinha uma garota chamada Alessandra e eu com a minha lancheira lá no recreio, sempre colocava um lencinho bonitinho, eu arrumava aquilo bonitinho. Ela ia lá e desmanchava, eu ficava P da vida, eu chorava, eu ia a professora vinha: “O que aconteceu?” “Ela desmanchou… “, não sei o que, eu sempre fui muito assim, o copinho tinha que estar virado, piriri, póróró, tal. Eu lembro dela, eu lembro da Aline que era uma japonesa, nunca mais a vi, também faz tanto tempo, ela saiu acho que antes da primeira série, mas ela era uma amigona minha, assim, uma japonesa. Ela, inclusive, me ajudava a fazer a letra , aquelas folhas com linhas e tudo mais e na escola, eu adorava o parquinho do colégio, adorava o parquinho, sempre brincava também com professores. Eu sempre me dei muito bem com os professores, eu gosto de falar com eles, eu gostava, chamava de tio, tia, tenho amigos até hoje, assim, da infância mesmo, mas que eles seguiram o caminho deles, eu segui o meu, mas enfim, ainda tenho o mínimo de contato com eles, mas o que eu lembro da minha infância mesmo, era isso. Eu não gostava de ficar parado, eu gostava de, talvez por ficar parado em casa, eu gostava na escola ou de brincar, ou então adorava quando a professora, por exemplo, chegava na sala e falava assim: “Hoje a gente vai para a biblioteca”, aí fazia aquela fila indiana e ia todo mundo para a biblioteca. Então assim, eu adorava. Eu era hiperativo, ia no parquinho, brincava. Antes do Dante Alighieri, isso aí foi jardim, nossa, faz muito tempo. Eu estudava no rainha dos Apóstolos lá no Ipiranga e nossa senhora, tinha um balanço, meu Deus do céu, eu brincava tanto, tinha um amigo, acho que foi o meu primeiro amigo de que eu me lembro, Rafael leite era o nome dele. E a gente se balançava tanto nesse negócio que a professora, a gente chegava na sala, colocava dois colchonetes no chão, a gente dormia, era um negócio de louco. Também teve uma cena que isso aí me marcou. Tinha karatê nessa escola e uma vez, ela levou a gente pra ver, e a gente sentadinho, perninha de índio e dois estudantes maiores, não sei, primeiro colegial, não me lembro, estavam lutando e eu sempre fui meio medroso com isso, sempre fui mais da paz, assim. Um dos estudantes tomou uma bica na boca e caiu na minha frente. Eu olhei aquilo, eu fiquei traumatizado, aquilo me traumatizou. Meu pai até hoje fala: “Você e seu irmão são dois bundas moles, vocês não querem fazer luta, não querem fazer nada…”, tal, tal, falei: ‘Não pai, que fazer luta o quê? Você é louco. O cara caiu na minha frente com a boca toda inchada. Não vou”, e isso me marcou e eu mal sabia andar na época, era um fedelho e putz, o cara caindo, parece que eu vejo em câmera lenta, buff na minha frente. Foi um negócio de louco também, é outra memória que eu tenho, mas essa do Rafael leite no balanço, era um negócio assim, que eu amava. Era a minha coisa predileta, balançar com o Rafael Leite.
P/1 – E professores que te marcaram nessa fase, mesmo um pouco depois, no Dante, ali, que você tinha como modelo que permaneceu mesmo?
R – Professores? Olha, eu nem lembro bem nome dos meus professores no Rainha. Mas eu lembro que tinha uma professora no Dante, minha primeira professora era a tia Mari que nossa, ela era super gente fina, até hoje, às vezes, a gente cruza com ela, minha mãe já cruzou umas duas ou três vezes com ela. Ela me reconheceu, eu não reconheci. Falou: “Você é o Guilherme? Eu sou a tia Mari, você lembra?”, falei: “Nossa, tia Mari”, acho que foi no Guarujá que nós nos cruzamos. Agora, que me marcaram mesmo, olha, são vários, que nem, na primeira série, Professora Vanda, meu Deus do céu, era uma senhora, assim, super portada, muito rígida e puta merda, comigo ela tinha aquela postura rígida com os outros e comigo, ela vinha falar do cachorro dela: “Você já viu o meu cachorro? Eu tenho um rottweiler…”, na época, eu tinha um boxer e eu falei pra minha mãe esse negócio do cachorro, ela falou: “pergunta pra ela onde que ela adestrou o cachorro dela”, e curioso, né, eu descobri que essa minha professora, descobri acho que há uns dois, três anos, ela mora do lado da minha casa. Do lado. Eu estava passando ali no Ipiranga, aí eu vi uma senhora andando com um poodle, aí eu falei: “Conheço essa pessoa não me é estranha”, quando eu passo andando, vai, 500 metros da minha casa, eu olho e falo: “Mãe, você lembra dela? Professora Vanda do Dante…”, ela falou: “Nossa, eu já cruzei com ela na rua umas três, quatro vezes”, essa é uma professora que me marcou. Tem uma outra professora da quarta série, terceira série, a Malu que era muito gente fina. Tem uma professora da quarta série, professora Marcia Nozet, olha como as coisas são, né, eu estou fazendo Medicina no internato e agora nesse semestre, eu passei na Casa Maternal, o Leonor Mendes Barros que é um hospital basicamente para gestantes, mulheres, enfim e lá, a minha residente, a residente que me supervisionava é filha dessa minha professora da quarta série e ela estudou no Dante também. E quando eu olhei para ela, eu olhei, eu falei: “Escuta, você é filha da professora Marcia?”, ela olhou e falou: “Sou. Por quê?” “Você conhece um Baladi?”, aí ela olhou: “Espera aí, você é o Baladi?”, falei: “Sou. Guilherme, sua mãe foi minha professora” “Nossa, você é primo do Feres, da Ju?” “Sou” “Nossa!”, no meio do parto assim, sabe? Aí, nós saímos do parto, ela mandou uma mensagem para essa professora e na hora, era meia-noite, ela respondeu e falou: “O Baladi? Pô, claro que eu lembro. Manda um abração pra ele”, tanto que ela lembrava que ela falou assim: “Pergunta como que tá o diabetes dele”, aí eu falei: “Nossa, não é que ela lembra, mesmo!”. Espero que seja bom ela lembrar, né? Mas eu era um bom aluno, até então. E essa professora me marcou bastante, tem um professor na quinta série, o Costabili que já havia sido professor do meu pai também me marcou bastante. São esses assim. Tinha até uma professora de Matemática, professora Elza, coitada, ela pegou as duas fases da minha vida, fase que eu estudava muito, a ponto da minha mãe ir para a reunião, a minha mãe e a mãe do meu melhor amigo, do Dudu Acari, iam as duas para a reunião e elas entravam na sala juntas e a professora falava com uma e depois com a outra. Aí a mãe do Dudu, nossa senhora, minha mãe me contando isso: “Eduardo é muito distraído, precisa estudar mais…”, chegava pra minha mãe: “O que você tá fazendo aqui, Marina? O Guilherme é um dos melhores da sala”, tanto que no Dante, esse ano eu fui convidado para participar da Olimpíada Brasileira de Matemática, tudo bem que eu não peguei o resultado até então, porque eu me ferrei nessa prova, foi difícil pra caramba. Mas também é uma professora que eu tenho muito carinho. Ela também pegou uma fase depois minha que, adolescência, né, arborescência. Aí já…
P/1 – Agora vem cá, você foi diagnosticado com diabetes, você falou que tinha nove?
R – Nove anos.
P/1 – Então foi mais ou menos, até um pouco antes disso tudo que você estava falando…
R – Isso.
P/1 – Me conta, como é que foi essa experiência? Em que contexto aconteceu?
R – Então, eu brinco com a minha mãe que isso aí foi inveja dela, por quê? É uma brincadeira com ela. Nós costumávamos muito, todo ano, para falar a verdade, a ir para Poços de Caldas e nós ficávamos no Hotel Palace que é no centro da cidade e lá, Poços de Caldas, doce de leite, aquele negócio de cidade de interior que puta, é um negócio de louco e eu era enorme, eu pesava 65 quilos com nove anos. Sou grande hoje também, mas eu era um negócio de louco, eu levantava a minha mãe no colo com nove anos. O que aconteceu? No hotel, eu comecei com os sintomas, eu perdi peso, eu ia muito ao banheiro, mas muito e a quantidade de liquido que eu tomava, água é um negócio impressionante, era impressionante. Assim, eu já comia bem, tomava bastante e tal, mas foi um negócio assim, desproporcional, tanto que quando nós voltamos, minha mãe no hotel já ficou meio assim: “Tá estranho isso, tá comendo pra caramba e tá emagrecendo”, aí voltamos para São Paulo, eu lembro, eu tomava litros e litros de água em minutos, três litros de água em quê? Cinco minutos, seis minutos, era impressionante. Eu ia ao banheiro, o meu xixi acordava todo mundo, era um xixi forte, você conseguia escutar, entendeu? E aí, minha mãe falou: “Olha…”, ligou para o meu médico que ele é mais que médico, ele é um amigo pra mim, quase da família, Doutor Paulo, ele falou: “Faz um exame de sangue nele”, não deu outra, minha mãe me pegou no Dante, aí ela estava bem abatida, tal, chorando e a minha glicemia, só me lembro disso, deu 250 e pouco. Bom, diabético. Na hora, ele falou: “Olha, você vai marcar hoje uma consulta com o Doutor Chacra, não, perdão, Doutor Chacra foi depois, “com o Doutor Vae e vai levar ele lá porque ele tá diabético”. Isso é um choque muito grande para todo mundo e eu não tinha noção do que era diabetes. Eu fui no médico, a minha ficha foi cair mesmo, minha mãe super abatida, e não sei o que… A minha ficha foi cair quando eu fui numa loja pra diabéticos pra comprar a caneta. caneta para o diabético é a seringuinha. E aí, eu falei: “Opa, espera aí, eu vou me furar?” “Vai” “Mas é uma vez só, né, mamãe?” “Não, todos os dias” “Até quando?” “O resto da vida”, aí minha ficha caiu. Aí eu chorava muito, muito, assim, infinito. E na época, não tinha bomba de insulina ainda, só nos hospitais, então tem o lado bom não ter tido a bomba na época, mas tudo bem, vamos por partes. Então assim, foi um negócio chocante quando eu descobri isso, porque pra mim, o diabetes não foi o pior, o pior é eu ter que me furar direto, entendeu, era me furar e o consolo era que o meu pai falava assim: “Não, Gui, olha, a agulha é mais fina que um fio de cabelo, olha…”, e o meu pai, a primeira vez que eu tomei, eu estava com muito medo e quando eu tomei, ele falou: “Já foi”, eu juro por Deus, eu não senti nada, que de fato, a agulha é mínima, você não sente nada, mesmo, mas foi um negócio chocante, assim, mas tudo bem. Agora, quando eu falo da bomba. Não sei se você sabe da bomba, né, por quê que a bomba é boa? Ela é boa porque ela te dá uma oferta de insulina que pode ser comparada a uma pessoa normal, é um pâncreas só que programado. Inclusive, a diferença da bomba para o pâncreas artificial é a autonomia que vai se dar com o pâncreas artificial. O pâncreas artificial vai ver o que você precisa e vai entregar a insulina. A bomba não, a bomba você meio tem que fazer cálculos e programá-la antes, entendeu? Então assim, por quê que a bomba é boa? Porque ela te dá uma liberdade maravilhosa, maravilhosa, só que isso também não é muito bom, a pior coisa que tem para um diabético, entre aspas, é essa liberdade, porque ele perde os limites, entendeu? Eu posso isso, eu posso aquilo e não é assim, poder, até pode, mas do jeito que eu considero, não é, não tá certo, você tem que ter limite e a seringa te dava esse limite, a seringa te dava isso, porque para você aplicar com a seringa, você tem que fazer destro, a bomba já tá inserida, “Ah, que fazer destro, não, tomo tanto de insulina”, e aí, você vai no chutômetro e isso é errado, você não pode fazer isso. Então, sem dúvida nenhuma, quando eu usava a seringa, eu era outra pessoa, eu era extremamente regrado, eu contava, eu pesava os meus alimentos, meu pai comprou duas balanças em casa. Meu pai até fala: “Quando o Guilherme ficou diabético, todo mundo ficou diabético”, porque a alimentação mudou drasticamente e eu anotava o destro, eu tinha um caderninho cheio porque eu apresentava para o médico e aí enfim, aí lançou a bomba, minha mãe que foi atrás: “É muito boa, é muito boa”, e de fato, é. E aí, nós mudamos de médico para o Doutor Antônio Chacra, que é um dos maiores nomes em diabetes no Brasil, tá junto com a Doutora Denise, que é a minha atual médica e ele que instalou a bomba. E teve até um negócio que foi uma coisa que me marcou que ele chegou numa consulta para o meu pai e falou: “Fabio, é você o doente? Não é você, é o seu filho. Deixa ele falar. A consulta é com ele, não é com você”. Então, nesse dia, meu pai: “Tá bom, me calo”, meu pai se calou, o que por um lado foi bom porque me deu uma autonomia, porque quem era o meu porta-voz era o meu pai, mas por outro lado, cai naquele negócio, tá comigo, beleza. Só que veja bem, adolescente. Você não vai ficar focado nisso, você quer seguir sua vida, seguir seus amigos, você quer seguir a vida e a bomba de insulina? Pô, legal, então você não é normal? Você é normal com ou sem bomba, isso é importante de ressaltar, só que a bomba vai te dar uma liberdade que você tem que ter uma certa maturidade, entendeu? E eu não tive essa maturidade eu não tenho essa maturidade e até hoje, eu estou tentando ter essa maturidade e é essa falta de maturidade que leva às complicações do diabetes. Tem até uma moça, não me lembro o nome agora, que escreveu um livro e ela fala: “O diabetes é uma doença silenciosa, você só se dá conta que ela existe quando você perde um rim, quando você perde um braço ou quando você perde a visão”, entendeu? Então, é um negócio assim, é engraçado e ao mesmo tempo trágico, porque eu, eu fazia acompanhamento com o endócrino, ainda faço hoje, nutricionista, já passei por psicóloga e faço Medicina. Então, tudo, assim, 80% das coisas que qualquer médico vai me falar sobre o diabetes, eu sei. A única coisa que ele vai me falar de diferente são as inovações, é o que tá chegando que quem trabalha na área vai saber mais do que eu. Agora, alimentação, contagem de carboidrato, quantas gramas de carboidrato tem, esquema de insulina, complicações, o que eu tenho que fazer, o que eu não tenho que fazer, isso eu sei. Não cabe a um médico agora, cabe a mim e é aí que tá, você precisa saber dosar essa liberdade, você precisa saber dosar o quanto de liberdade é bom e o quanto não é e no meu caso, eu não sei fazer isso e eu preciso fazer isso, eu tenho consciência disso, ainda mais na Medicina, estudando Medicina. No país hoje, uma das principais doenças é hipertensão e diabetes, tanto que você tem programas públicos, hiperdia. É como se fosse um alerta constante: “Animal, olha você aí, cara. Para”, mas você tá bem, não tá acontecendo nada, quem garante que?
P/1 – Guilherme, voltando um pouquinho ainda na primeira fase, digamos assim, ainda na sua infância, logo depois desse baque que você falou, do dia que você percebeu da aplicação continua de insulina e etc., como que foi a mudança na sua vida?
R – Foi drástica, assim, uma cena semelhante a batida do Ayrton Senna. Você tá 230 quilômetros por hora e você bate num muro. Foi um negócio drástico. Porque é o que eu falei, eu era obeso. Eu chegava em casa, eu tomava refrigerante até dizer chega, eu não tinha limites e de repente, de uma noite, você tem que parar tudo. É um negócio drástico, é um choque, que para uma pessoa que não tem maturidade, que nem, nove anos, sofre com isso. Sofre muito. E eu vou te falar, não só pelo doce, porque eu sempre fui mais voltado para o salgado, mas é pela alimentação no geral. E que nem, aí as festinhas, tinha festa de aniversário, não posso comer doce, não posso ficar comendo salgadinho. O Guilherme tem que ter aquela hora para comer, passou aquela hora, passou. Acabou. Agora assim, claro, não comia um salgadinho nesse meio? Claro que comia. Claro. O certo é isso, tem que fazer o mais próximo daquilo, e os meus pais, minha mãe e o meu pai, eles são grandes heróis, porque eles faziam isso por mim. Eles ficavam no meu pé. Eles eram sensacionais. É aquele negócio, né, quando os nossos pais falam que eles nos põem à frente deles, assim, realmente é verdade, porque o meu pai esqueceu a vida dele, a minha mãe esqueceu a vida dela. Você. “A gente vai cuidar de você”. E é um baque muito grande. Uma cena que eu tenho que isso é muito triste foi a minha vó por parte de mãe, ela era diabética e eu fui na casa dela e
nós sentamos e minha vó por parte de mãe, ela sempre foi muito humilde, a família da minha mãe sempre foi muito humilde, muito humilde e acho que isso era o mais gostoso dela, era a parte mais gostosa dela, mas tudo bem, nós fomos na casa dela, minha mãe sentou, ela sentou, minha mãe falou assim: “Mãe, eu preciso te falar uma coisa…”, eu estava na sala, aí ela: “O que aconteceu Marina?”, ela chamava a minha mãe de Marinhinha: “O que aconteceu Marininha?”, minha mãe falou na lata: “O Guilherme tá diabético”, meu, a minha vó desmoronou na hora, ninguém nunca chorou tanto quanto minha vó, na hora. Ela me abraçava, me beijava como se eu fosse morrer. E eu tentava consolá-la: “Não vovó, calma, olha, a agulha parece um fio de cabelo, nem dói”, e ela chorava. Eu nunca vi minha vó chorar assim. Nunca. Todo mundo na sala ficou emocionado, todo mundo chorou. Eu falei: “Não vovó, tá tudo bem, fica calma”, foi um negócio assim, isso me marcou bastante. Por outro lado, que nem, é o que eu te falei, a mudança é drástica, então tudo na casa foi adaptado. E Quando eu digo casa não é a minha casa, é a da família, minha madrinha, como eu te falei, ela mandou uma cesta, estava tomando banho, estava nu saindo do banheiro, minha mãe chega no meu quarto com uma cesta gigantesca, a cesta era maior que eu. Tinha tudo.
PAUSA
P/1 – Aí, chegou a cesta.
R – A cesta. A cesta era um negócio de louco. Era de você a ela, era gigantesca. Tinha tudo que você possa imaginar. Tinham coisas importadas. Falei: “Nossa”, e quando eu ganhei essa cesta, foi aí que eu na minha incrível infância, na minha incrível ingenuidade, falei assim: “Puxa, dá para ser normal. tem coisa diet e são coisas boas”, entendeu? Isso me marcou bastante, a cesta e a minha vó chorando. Eu não trago nem tanto a questão da alimentação no começo, mas a minha vó e essa cesta foram pontos, sabe? E quando eu falei da adaptação, que nem, teve a cesta, a minha tia adaptou a cozinha inteira dela, era um negócio impressionante, minha tia ligava para minha mãe: “Marina, tem uma doceira aqui nos Jardins Day by Diet, é só coisa diet”, tudo da doceira era diet, tudo. Viajava, estudos, todos os estudos da família mandavam pra mim, até hoje, se eu te mostrar o meu celular, uma tia minha mandou: ”Gui, olha, tratamento com negócio natural aí, tal”, então assim, a minha família é um ponto crucial. Se você me perguntar o quê que tá por trás do Guilherme com relação ao combate da diabetes? A minha família. Em especial, meus pais, certo, meu irmão, mas toda a família por trás, que antes do meu vô falecer era muito unida e isso me ajudou muito, muito. Minha tia me pegava na escola uma vez por mês, uma vez por semana, perdão, e eu ia pra casa dela almoçar, ela montava o meu prato: “Gui, tá aqui, o arroz é integral, o strogonoff é com creme de leite light…”, era um negócio impressionante. Impressionante. E tem várias coisas, também, a gente costumava ir para Poços, daí, em Poços, como nós íamos todo ano, nós mudamos de hotel e a gente acabou indo para um hotel logo que o hotel inaugurou, enfim, aquela mesa gigantesca de doce, e o chef ficou muito amigo da minha mãe, da minha família, do meu pai, aliás, todo mundo do hotel. Meu, até hoje, se você for lá, vai ter dois tipos de pudim e gelatina diet, o cara falou: “Olha, pra você”. Então assim, conta muito o que as pessoas fazem. Conta muito, muito.
P/1 – Você passou por alguma experiência que seja o contrário dessa experiência de cuidado, de acolhimento, de ajuda que de repente, alguma coisa de um preconceito ou um desconforto de te ver, por exemplo, aplicando uma insulina nos primeiros momentos, ou um certo, aquela coisa de vamos considerar aquela sua fase de criança, adolescente, ou que você tenha se sentido desconfortável na escola…
R – Não. Pra falar a verdade, não, até porque eu comecei a usar bomba cedo, na adolescência, eu já usava bombinha. Eu não digo preconceito, eu digo curiosidade. Meus amigos tinham muita curiosidade, principalmente, na infância: “O quê que é isso?” “É que eu tenho que tomar injeçãozinha…”, tal e tal. Nunca ninguém, nunca parei pra pensar nisso, mas eu nunca vi ninguém me desprezar por conta do diabetes, muito pelo contrario, talvez seja sorte minha, muito pelo contrário, era mais essa questão de curiosidade e com o passar dos anos, quando eu comecei a usar a bomba, mesma coisa. E curiosidade não só por parte dos meus amigos, por parte dos professores também. A Marcia como eu te falei, que é a mãe dessa residente, de hora em hora: “Você tá bem? Você tá precisando de alguma coisa? Tá se sentindo bem?”, então assim, preconceito não, curiosidade sim e por exemplo, tinham lugares, por exemplo, eu ia no acampamento NR acampamentos, eu tomava insulina na frente de todo mundo, tinha
enfermaria, a minha mãe falava com o médico, daí dava tudo certo, inclusive nesse acampamento, eles fazem um acampamento só para a criança diabética. Tem uma semana que é a colmeia que só vão diabéticos, o dono de lá é médico e por exemplo, no acampamento, eu ia na enfermaria direto e aplicava, chegava cinco minutos depois, acabou, vida normal. E esse termo “vida normal” foi o que assim, sempre todos falavam pra mim, inclusive meus amigos, só curiosidade, muita curiosidade, porque não sei, na escola que eu me lembre, era só eu, não tinham outros, era eu: “O que é isso?” “Isso…” “Legal, tá bom”, e aí engraçado porque quando vinha um outro amiguinho perguntar o que era isso, aquele que já fez a pergunta respondia: “É que o Gui tem isso, então ele precisa tomar a injeçãozinha”, só e assim, eu acho que eles nunca levaram muito a sério porque eles nunca mudaram comigo, sempre me ofereceram coisas: “Gui, quer uma bala? Quer não sei o que?”, tal, minha infância, eu não posso falar que eu sofri preconceito com isso.
P/1 – E quando você se transformou em adolescente com tudo que isso implica, mudanças de hábitos, de pensamentos, de humor. Houve alguma alteração na forma como você lidava ou como você convivia com o diabetes?
R – Então, não, por quê? Mudança de hábito. Eu mudei o meu hábito? Não como eu deveria, entendeu? Humor? Imagina! Eu nunca vou deixar isso afetar o meu humor, nunca. Muito pelo contrário, em plena adolescência, as coisas continuaram da mesma forma, aí entrou a bomba de insulina e a bomba de insulina, o que antes pra mim já foi, digamos assim, aceitável na minha infância, com a bomba virou normal: “O que é isso no seu bolso?” “Bombinha” “Ah tá, pô, bombinha, mas por quê?” “Eu sou diabético…”, mas no bolso, parece um celular, ninguém fala: “Nossa, ele tem bomba de insulina”, ninguém. Acho que o meu humor até irrita as pessoas, às vezes, porque Bandeirantes, comentei com ela, eu fiz Bandeirantes, puta merda, eu sempre fui da última sala do Bandeirantes, beleza, dia de prova, puta, entrega de prova, todo mundo pra baixo e eu lá: “Não vai adiantar ficar pra baixo, se fudeu, fudeu… vai fazer o que? Já era! Não vai adiantar”, então eu sempre tive um humor
bem digamos, calibrado, assim. Meus amigos, se você pegar foto do whatsapp do grupo dos amigos estou eu assim, porque fomos andar de bicicleta no Ibirapuera, malhar um pouco, e a gente foi pra onde depois? Pro Burguer comer lanche, sabe? Então assim, meu humor nunca foi afetado por isso. Nunca foi afetado. Acho que se foi uma vez, foi com a minha vó quando ela chorou, só. E quando eu descobri que eu ia me furar. De resto, nunca! Nunca! Tive dois episódios trágicos, realmente, no qual eu cheguei a ser internado, quase entrei em coma, claro, fiquei com medo, fiquei preocupado, mas assim, sai do hospital, voltei bem. Um deles foi em Bariloche, isso aí foi um negócio de louco e o outro foi na Pousada do Rio Quente, mas isso daí não sei se interessa ou não.
P/1 – Eu ia te perguntar agora sobre monitoramento de glicose e possíveis crises de hipoglicemia.
R – Tive uma essa noite. Monitoramento de glicose, o quê que é o certo e o que eu deveria fazer e o que eu não faço? Não faço, tá? O que eu deveria fazer? O ideal é sempre pré e pós prandial e uma na ceia, antes de dormir. Esse seria o ideal e se você for assim, super homem, fazer um na madrugada, não adianta, quanto mais ponta de dedo, melhor. Fato isso. Eu não faço isso. Não faço. Por isso que eu tenho a bombinha com o sensor e que eu quero voltar a usar o sensor, por isso que o LIBRE é um aparelho que pena que nem todos têm acesso a ele, porque é um aparelho que é assim, você tem noção de como é chato isso? É um pé no saco e aí, você atrela essa encheção de saco de ter que ficar furando o dedo ali, não que seus amigos se importam, ninguém se importa, ninguém dá a mínima, é você, parar o que tá fazendo para ver. É chato isso. Aí isso com o fato de que pô, estou tendo que furar, mas eu estou bem agora. Se você me ver andando na rua, você não vai falar: “Ele é diabético e tá descompensado”, então o diabetes ilude muito e isso cai naquela liberdade, se você é iludido, você acaba se dando uma liberdade que você não pode ter, entendeu? Agora, ponta de dedo, você tem que fazer diariamente, direto, todo dia, antes e depois para corrigir o seu diabetes. É isso que você tem que fazer e é isso que todo diabético espera do pâncreas artificial, que ele via sensor, reconheça e mande para a bomba automaticamente, sem eu ter que ficar: “Espera aí gente, deixa eu colocar tantos carboidratos…”, é isso que a gente quer, é essa autonomia e precisão e o LIBRE, ele veio pelo o que eu ouvi falar, tá, a precisão do aparelho é muito boa, é muito boa, que nem, com a bomba, isso é o que eu ouvi, eu não estou fazendo propaganda de nada, até porque eu nem usei o aparelho ainda, mas com a bomba de insulina é legal, é muito legal, quando ela chegou com esse sensor, puta, foi o lançamento, só que mesmo com ela, que nem, o sensor precisa de calibrações, então pelo menos duas vezes ao dia, ou uma vez ao dia, você faz uma ponta de dedo para meio que dar um norte para o sensor, vai, tá dando 150, no medidor que tá no capilar que é sangue do capilar tá 110, então a partir disso, o medidor tenta se aproximar da realidade, certo? É fantástico, veja bem, é top de linha, é uma Ferrari, entendeu? Mas não adianta eu dar uma Ferrari para um cara que não sabe dirigir, não adianta. Então, é muito legal isso, mas tem que fazer, legal para deixar em casa e falar que tem não adianta. E é isso que aconteceu comigo. No hospital, todos os médicos: “Você usa bomba de insulina?” “Uso” “Pô, fala aí da bomba de insulina”, ia lá você e dava uma aula, falava tudo que ela faz, tudo que ela não faz, quais são os tipos, as funções, de acordo com o alimento, tal, tal, tal “Pô legal, show de bola”, mas dentro de você, você fala assim: “Puta merda, tenho tudo isso e não uso”, inclusive, nas férias agora, o que acontece? Eu estou correndo atrás do sensor da bomba, porque eu quero voltar a colocar porque isso se aproxima um pouco daquela autonomia que eu te falei que a gente quer ter, sabe? Não quero ficar me furando assim, toda hora, veja bem, de seis destros, sete, vai, considerando o da noite, eu vou para um, putz, já é o céu, entendeu? É maravilhoso isso. É ótimo.
P/1 – Conta pra gente desses dois episódios mais graves aí que você teve viajando.
R – Figura, né, isso daí é a famosa idiotice, eu fui um gênio da lâmpada, né? Foi com a bomba isso, os dois foram com a bomba. Um foi na Pousada do Rio Quente que eu acho que foi a melhor e pior viagem da minha vida, porque deu tudo errado, deu tudo errado. O que acontece? O cateter no qual a bomba se conecta, ele inflamou, formou abcesso e o abcesso obstruiu a cama do cateter, então eu estou aqui achando que a insulina tá chegando, só que ela não tá chegando, ela tá represada. A vida segue. Por exemplo, minha glicerina pode estar a 250, eu, eu sou assim, se a minha glicerina estiver 300, eu não vou sentir, pra mim é normal, ela precisa estar muito alta para eu falar: “Puta, espera aí que tem alguma coisa errada”, então o que aconteceu? Obstruiu, formou esse abcesso e eu mantive vida normal, comecei a comer, tomei café, almoço, jantei, nossa, tinha um buffet de massa ali que você montava. No meio da noite, isso foi impressionante, começou me dar câimbra e eu tentei deitar, foi a primeira vez que eu tive essa crise. E não tinha posição e comecei com aquele sintoma de tomar muita água e à noite inteira no banheiro. Quatro da manhã, eu fiquei gritando, acordei o meu pai tomou um susto, berrando, literalmente: “Olha, parecia que tinham amarrado uma corda no braço, uma no outro e duas na perna, queriam me rasgar no meio”, é uma coisa que eu não desejo para ninguém, ninguém. Eu gritava: “Pai, corta meu braço pelo amor de Deus que eu não estou aguentando de dor”, e o hotel na Pousada do Rio Quente, ele era uma espiral, tinha uma rampa em espiral, me botaram na cadeira de rodas, meu pai fala até hoje, se perguntar para ele, ele via o meu coração que pulsava na camisa, eu estava totalmente desidratado e no que eu estava descendo a espiral, comecei a berrar, foi um negócio impressionante, me pegou de surpresa! Beleza, me botaram numa ambulância, fui para Caldas Novas, é Caldas Novas? Cidadezinha lá perto. Fui para Caldas Novas, liguei para o Chacra que era o meu então médico, meu pai ligou e puta, um drama, meu, desesperado! No hospital, deram uma estabilizada lá, mas era um hospital muito precário, não tinha grandes coisas, assim. Ele falou assim: “Olha Fabio, leva o Guilherme, tem um colega meu em Brasília, Nelson Rassi, leva ele lá, eu vou ligar para ele agora, ele vai estar esperando vocês, pode levar ele lá”, mas não deu meia-hora, veio uma ambulância, fui transferido de ambulância, mas num cacete, puta, só via as coisas passando, zoom, zoom. Fui pra Brasília, fiquei internado lá com esse Nelson Rassi, o cara me estabilizou, legal, passou o susto. Nossa, foi um negócio tenso, porque foi a primeira vez, ninguém sabia o que era, ninguém esperava isso, o primeiro grande descontrole do diabetes, mesmo. E bom, meu pai conseguiu segurar a reserva do hotel, quando nós voltamos para a Pousada do Rio Quente, deu uma chuva, primeira noite, deu uma chuva, alagou o laguinho que tem lá e inundou o parque inteiro, encheu de lodo, enfim, e eu ainda idiota, falei: “Não posso ir para o parque aquático, não posso fazer nada, vou jogar golfe”, legal, tinha lá o buraco que era um vulcãozinho, o quê que o palhaço foi fazer? Foi subir no vulcão, não deu outra, escorreguei, cai em cima da bomba, a bomba de insulina quebrou, aí eu falei: “Puta que pariu, essa viagem tá zicada, não é possível”, aí liga para Medtronic: “Meu filho assim, assim, assado…”, aí eles: “Olha, compra seringa…”, porque se dá um piripaque na bomba, tem que ter tudo isso, seringa, insulina para substituir a bomba e eu não sabia de nada disso, foi a primeira vez que aconteceu, tanto que agora, viagem, bomba tá ok? Ok, mas você pode estar com bomba longe, eu vou conseguir ficar bem, porque eu tenho um apoio, tenho seringa, insulina, tudo para substituir ela. Até insulina de longa duração, eu tenho. E a segunda vez foi em Bariloche, puta, viagem da vida…
P/1 – Só um segundo, quantos anos você tinha lá em Caldas Novas?
R – Em Caldas Novas, olha, eu tinha uns 12 anos, mais ou menos. Mais ou menos isso, uns 12, 13 anos. E Bariloche, puta meu, eu amo esse lugar, estava sonhando com essa viagem porque é neve, pô, neve e eu amo frio, tal. Aeroporto de Guarulhos, aí começa. Sempre que a diabetes está muito alta, eu sinto falta de ar, desconforto no peito, sabe, um cansaço, então você fica meio estranho, você sabe, o diabético sabe. E puta, meu pai, na época, meu pai ainda ele era super em cima, menos porque levou aquela patada do médico, mas ainda era em cima: “Faz a glicemia Guilherme”, a gente estava, juro por Deus, a gente estava embarcando, estava na fila, 262, tá bom, tá alta, mas vai dar certo. Eu vou tomar insulina, pelo mesmo motivo, abcesso. Tomei insulina. No avião, puta, eu adoro comer, vieram servir café da manhã lá, salsichinha, eu: “Pai, tira isso daqui, pelo amor de Deus” “Guilherme, faz outra glicemia”, 270 e foi tomando insulina, não conseguindo controlar. Meu, nós chegamos em Bariloche, primeira vez que nós fomos num puta hotel, naquele Panamericano, um dos melhores hotéis da cidade o quarto era um tesão, você via o morro, você via o monte Cerro Catedral, sei lá, lindo, lago, era um negócio, era uma pintura, era maravilhoso. Todo mundo, feliz: “Vamos sair, não sei o que”, onde estava o Guilherme? Guilherme fez assim, olha, buff na cama, deitei com tudo, ploft. Aí minha mãe ela tem feelings que são impressionantes, sensacional. “Vamos levar ele para o hospital, ele não tá bem” “Não mãe, para, eu só quero deitar, eu estou com sono” ‘Você vai para o hospital”, não deu outra, cinco minutos depois começou a dor no braço, aí eu já comecei a rezar, falava: “Olha, Jesus, Maomé, Deus, Platão, Zeus…”, para todo mundo, cara, falei: “Pelo amor de Deus, agora não”, todo mundo animado e começou. Olha, eu nunca vi um hospital tão precário como lá, nunca vi, eu nem fazia Medicina ainda, eu não sabia nada. Hospital embaixo do hotel, dez minutos, como eu sai, igual o episódio do hotel da Pousada, gritando pra caramba: “Pelo amor de Deus, socorro e o meu braço…”, eu não conseguia me mexer, não tenho posição, quando isso acontece não se tem posição. E meu, é um negócio de louco, me sei lá o que era o cara, enfermeiro, médico, meu o cara foi tentar pegar o meu acesso, ele me furou seis vezes e não pegava e eu com câimbra, olha, eu uni as ultimas forcas, levantei e falei: “Filho, sai daqui pelo amor de…”e gritava: “Pelo amor de Deus, alguém me poie soro, me hidrata que eu estou desidratado, sou diabético”, eu falava: “Sou diabético, preciso de hidratação, estou descompensado…”, foi um negócio terrível, terrível, eu quase entrei em coma. Esse episódio, eu acho que foi até mais grave do que o da Pousada, porque ele foi agudo, ele durou menos, mas a intensidade foi maior. E eu, nossa senhora, depois eu até fiquei sem graça, porque eu xinguei o argentino em espanhol, português e acho que até em alemão, porque foi um negócio de louco, entendeu, e nada e não quer e não vai e tal e eu pensava não é possível e eu lembro, isso foi marcante porque eu fiquei internado na UTI e do meu lado, do meu lado, não, perdão, na frente tinha um leito com uma janela de vidro que era de isolamento, uma menina estava esquiando, deu de cara no poste, teve não sei quantos traumas, fraturas e tal, foi um negócio de louco. Liguei pro Chacra de novo, tentamos lá, a comunicação muito difícil, era muito precário. Mas enfim, consegui sair, deu tudo certo e assim, hoje, se ficou vermelho ou qualquer coisa o cateter, eu tiro essa merda na hora, eu não espero chegar em casa, eu tiro na hora. Porque as duas vezes que eu fiquei internado foi por causa disso e é um negócio que olha, não desejo para ninguém, é horrível, é uma agonia porque você não tem o que fazer, não tem o que fazer. Fiquei internado uma vez no Sírio, mas foi um negócio mínimo, meia-hora, o cara me tirou lá, tranquilo. Agora, Pousada do Rio Quente e Bariloche foi um negócio de louco. Bariloche foi legal que depois, continuou a viagem, tranquilo, normal, segui a vida, mas foi um negócio desesperador, falei: “Meu, eu vou me furar aqui, pegar uma seringa e me dar soro, porque ninguém tá fazendo isso, não consegue pegar minha veia, e pô, em São Paulo todo mundo fala que a minha veia é fácil de pegar, ano sei o que…”.
P/1 – Você ainda mora com os seus pais?
R – Moro.
P/1 – Como é que seus pais superprotetores como você falou, mas depois daquele episódio com o médico, seu pai já te deu mais liberdade para conduzir o tratamento, a convivência mesmo com o seu diabetes, mas como que eles são depois desses episódios que você acabou de relatar pra gente, como que é a relação deles hoje com você no que diz respeito, por exemplo, você diz que não faz o monitoramento, que deveria fazer ou pelo menos não faz do jeito que você acha que deveria fazer, como que eles ficam ali ao lado, como é que eles convivem com isso?
R – Hoje, o que aconteceu? Hoje, eles não ficam. Hoje quem olha o meu diabetes sou eu 100%, o máximo que eles fazem é: “Você tá bem?” “Estou bem”, só. E isso não por eles, porque eu sei que isso mata o meu pai e minha mãe também, ainda mais minha mãe que é da área da saúde, isso mata eles, porque a vontade deles é estar lá acompanhando, só que depois de tantas coisas e de um relacionamento, assim, que olha, foi a pior coisa da minha vida e foi mesmo, tá, foi mesmo, depois de psicólogo, tal, tá bom, então, o Guilherme vai ter a vida dele. Então hoje, eu posso te falar, é o mínimo, mas é o mínimo não por eles, porque o meu pai ainda falou: “E aí, como que tá? Você tá se cuidando? Pô, você tá gordo, precisa ir para a academia, precisa correr atrás, pelo amor de Deus”, mas assim, eu sinto isso e é uma angustia muito grande e às vezes, eu sinto saudades, mas veja bem, porra, sou Guilherme Baladi, 24 anos, namoro há cinco anos, estou no último ano de Medicina. Eu tenho que criar vergonha na cara, né? Eu tenho que criar essa vergonha na cara.
P/1 – Como é que foi a decisão, a história por trás de você fazer Medicina?
R – A história por trás de eu fazer Medicina? Começar assim, conhece aquele filme Top Gun do Tom Cruise, tal? Esse era o meu sonho. Eu amo avião. Eu amo pilotar, tinha até aquele flight simulator, lá, que é tempo real de voo, ficava nove horas na frente do computador indo do Brasil a Paris. Amo. Só que por ser diabético, eu não posso ser piloto do Exército, da Marinha como retrata no filme, isso me invalida. E minha mãe, como eu disse, ela sempre teve a Medicina como um grande sonho e no começo, quando eu era pirralho, pequenininho, Medicina, é, tá, legal, é legal. Eu não me dou muito bem com humanas, exatas eu acho legal, mas ela não gosta de mim, a biológica eu gosto dela e ela também me ama, então tá bom e aí, eu comecei assim, a fazer coisas bestas, ver filmes voltados para Medicina, aquele “Quase Deuses”, “Patch Adams”, tem um até com o Cuba Gooding Jr, “Mãos Talentosas”, sei lá, enfim, e essa vontade da minha mãe me impulsionou e conforme eu ia convivendo, é o que eu te falei agora há pouco, eu falei, eu gosto muito de conversar e eu gosto muito assim, de ser, não amigo, mas ser o melhor amigo, aquele cara que meu, você tá na merda, você vai ligar pra quem? Pra mim, entendeu? Eu gosto disso e eu vi na Medicina um pouco disso, um pouco não, muito disso, entendeu? Ajudar alguém, a medicina não é você chegar e dar remédio e o cacete a quatro, a medicina muitas vezes, é você sentar com o cara e conversar e é isso que muitas pessoas esquecem, mas muitas pessoas esquecem. Por isso que uma das coisas que, por que muitas pessoas reclamam de médicos? É por causa disso, nego chega e não olha na sua cara e que nem, só de você olhar: “Tudo bom? Eu sou o Guilherme, vou fazer o atendimento do senhor…”, o fato de você perder cinco minutos acolhendo a pessoa, isso vale muito. Então aí o que acontece? Voltando, minha mãe me incentivou muito e começou a crescer um negócio que é mais do que vontade, era desejo, eu desejava aquilo, eu queria muito, muito ser médico. Muito. As pessoas olhavam e falavam: “Mas puta que pariu, hein, você não é de estudar tanto, cara, Medicina é complicado, você vai estudar bastante” “Tudo bem, deixa eu ver como é”, e é o que eu falei, o começo da Medicina pra mim não foi legal, eu quase desisti, tiveram umas coisas aí que puta, me desencorajaram demais, mas quando a coisa destrinchou, nossa, com relação a
minha profissão, a minha futura profissão que se Deus quiser, daqui um ano eu estou formado, eu sou o cara mais feliz do mundo.
P/1 – E estudar Medicina te fez mudar o jeito de encarar, de pensar sobre o seu diabetes?
R – Medo. Claro. Medo. Mas aí que tá, eu tenho medo do meu diabetes, todo dia que eu acordo, eu falo isso pra minha médica, todo dia que eu acordo e eu vou ao banheiro fazer xixi, eu falou: “Estou perdendo o meu rim, cara”, o maior medo que eu tenho é dialise, morro de medo de dialise. Mas e daí? Aí que tá, agora que ferra a parte filha da puta, e daí? Eu não estou bem? Estou bem. Mas medo. Quando eu tenho que atuar como médico no internato que eu aconselho as pessoas a fazerem tudo aquilo que eu não faço, eu me sinto um hipócrita. Medo. Muito medo. Conhecimento no geral te dá medo, você teme aquilo que você não conhece, o que você conhece e não faz, é pior ainda. Se você falar assim: “Você preferia…?” “Pô, você quer saber o que eu preferia? Preferia não ser médico, para ser um panaca total, mas não saber o que tá acontecendo comigo”, porque eu sei, eu sei o que tá acontecendo, eu sei o que eu tenho que fazer e eu não faço, é uma bosta. Isso é o ponto chave, é humano né? Não é perfeito, erra.
P/1 – E a sua namorada nessa história? Antes de coce contar dela, eu queria que você contasse um pouquinho assim, se ela te cobra, mas antes disso, já que vamos falar do seu namoro, conta um pouquinho como é que ela entrou na sua vida, como é que começou esse namoro.
R – A Ju, bom, ela vai adorar isso. Enfim, a Ju, ela é uma pessoa, como eu disse, antes dela eu tive um relacionamento muito conturbado, mas muito conturbado e para não falar que eu não falei desse relacionamento, digamos que eu tive esse relacionamento para conseguir uma certa liberdade por parte da minha mãe, que a minha mãe sempre teve muito ciúmes de mim, muito ciúmes de mim. Foi a pior fase da minha vida, eu posso falar, com certeza. Com certeza, foi um negócio muito, muito tenso, assim, muito trágico, foi horrível. Mas tudo bem, deu tudo certo. A Julia, eu sai do Bandeirantes na metade do ano, do terceiro colegial, mudei para um colégio onde meu tio leciona, por quê que eu sai do Bandeirantes? Sei lá, a diretora, aquela bendita não ia com a minha cara e eu estava com média global quatro e meio, precisava de meio ponto. E essa cidadã chamou a minha mãe e falou assim: “O Guilherme vai bombar, Marina”, em ano de vestibular. Bom, minha mãe falou: “Não vou deixar correr esse risco, você vai sair”, e esse ano foi aquele ano que deu aquela H1N1 que todo mundo perdeu aula e não sei o que e no final do ano, meus amigos tiram um puta sarro, porque o bandeirantes tinha aquelas puta provas, 25 paginas, Geografia, tal, tal. Teve uma prova, dez testes de cada matéria, acabou, resumindo, todo mundo passou, nego com média dois e meio passou e eu, fui para um outro colégio que eu não conhecia, não sabia, sim, claro, o Bandeirantes te dá uma base muito boa, é um colégio que puxa muito, sabia que o colégio seria mais fraco, mas eu não sabia como que a banda tocava lá, pô, e a média lá era seis, ou seja, não era meio ponto que eu tinha que recuperar, tinha um e meio pra recuperar. Bom, tudo bem, foi tranquilo. Tirei com o pé nas costas o colégio, foi super tranquilo. Era o COMPA, Companhia de Maria e a Julia, é cliché isso, mas eu falo porque é verdade, é impressionante. Eu lembro como se fosse hoje, o Bandeirantes, a gente não tem uniforme, você vai de chinelo, tranquilo, suave. No COMPA você tinha uniforme, só que primeiro dia de aula, tal, diretora liberou, fui eu e duas amigas minhas, nós fomos juntos para o COMPA, tive essa sorte de não ir sozinho e não sei como é eu vou bem vestido, né, um jeans, uma polo e um pulôver, né? Na época, ainda usava pulôver da Abercrombie e tal, bonitinho, não deu outra, a sala inteira: “Quem é o palhaço? O quê que esse cara tá fazendo aí?”, e a Julia, ela ficava sentada na primeira fileira, na segunda carteira, encostada na parede, eu olhei para essa menina, juro por Deus, eu falei: “Essa menina vai ser minha, eu vou namorar com ela”, eu me encantei e ela me odiava e você deve ter reparado, eu falo bastante e ela era quietinha pra cacete. Eu falava: “Ela não sabe, mas ela vai ser minha, ainda”. E bom, tinha um joguinho no celular, eu comecei a jogar e ela veio, aí eu falei: “Quer jogar?” “Quero”, até hoje, o recorde é meu, a última vez que ela ia bater o meu recorde, eu fui lá, dei um peteleco, ela ficou puta da vida, falou: “Você não sabe perder” “Tenta de novo”, enfim, e ela chegou pra mim, a gente foi se aproximando como amigo, ela namorava, eu entrei nesse turbilhão de relacionamento, enfim, e ela chegou pra mim e falou assim: “Escuta, o que você vai prestar? Medicina? Ah legal, eu vou fazer Fisioterapia. Onde você vai prestar?” “USP, UNIFESP, estou vendo ainda” “Por que você não presta São Camilo, você mora no Ipiranga, São Camilo é do lado da sua casa”, eu falei: “Mas lá tem Medicina” “Tem, você não sabia?”. Eu falei: “Não”, e não sabia mesmo. Ela falou: “Eu vou prestar Fisioterapia lá”, meu, na hora: “Você vai prestar São Camilo?” ”Vou”. “Mãe, faz minha inscrição na São Camilo”, não deu outra, prestei, entrei, pô meu, passei lá pela Julia, nem tinha ouvido falar da Medicina na São Camilo e enfim, e lá não foi legal, foi lá que o primeiro ano aconteceram coisas que não foram legais, mesmo, não sei depois se quiserem, eu conto, mas assim, não foi legal e ia me aproximando cada vez mais dela. E como eu falei, o meu último relacionamento foi uma bosta, então eu não tinha celular, eu tinha um celular escondido ali pra emergência e eu fiquei quatro dias sem ver esse celular, no quinto dia, falei: “Preciso ver esse celular, preciso ver o meu celular”, quando eu vejo o meu celular, tá lá, 18, não sei quantas ligações de Julia, ah! “O quê que aconteceu? Você tá bem?” “Terminei”, ela só falou isso: “Terminei”, eu falei: “Quê?” “Terminei”, e era um namoro que jamais achei que ela fosse casar, até hoje, acho que ela e o ex eram iguais, puta merda, a Ju nunca vai ficar solteira. Quando ela ficou solteira, eu estava de pijama, eu coloquei uma calca e uma blusa, não tinha nada embaixo da blusa, era uma blusa, fui pra faculdade, peguei um ônibus, minha cara estava amassada, ela estava no intervalo dela. Aí eu falei: “Estou chegando”, aí eu fui lá no prédio, lá, vi a amiga dela e falei: “Mari, cadê a Julia?” ”Tá no banheiro”, quando ela sai do banheiro, eu olho pra ela, não sabia se eu ria, estourava de alegria, se eu ficava triste, eu gostava muito dela, então eu não queria vê-la mal. Quando ela me viu, abracei ela e a primeira coisa que o pato aqui falou foi:" “Quer que eu fale com ele? Não, vocês têm que reatar, pelo amor de Deus, o que aconteceu?”, era o anjinho bom e o anjinho ruim, o ruim estava me degolando: “Você é louco?”, aí ela insistiu: “Não, não quero. Acabou, acabou” “Tá bom. O que você precisar, você fala, né?”, deu uma semana, cheguei: ”Oi Julia, tudo bom?” “Tudo bem” “Então, estou solteiro” “Você tá solteiro?”, falei: “É, não deu mais, sabe como é, né? Solteiro”, ah, peguei ela, vamos no cinema, Cidade Jardim, para fazer uma média, né, aí, eu estava nervoso pra burro, nossa senhora, como eu estava nervoso. A gente foi ver um filme “Meia-noite em Paris”, que estava assim “Se beber não case”, ela queria ver esse “Se beber não case”, eu falei não, clima romântico e tal. Eu falo bastante com quem eu conheço, mas eu sou meio tímido, falei: “Não, quero criar um clima, tal”, fui ver “Meia-noite em Paris”, nem vi a sinopse do filme. Acabou que eu e ela, a gente achou o filme uma bosta, puta merda, ficamos conversando de viagem o filme inteiro, aí ela saiu do shopping, teve uma hora, isso eu lembro como se fosse hoje, na frente da Carolina Herrera, no térreo, ela me deu a mão, meu outro braço tremia, eu fiquei nervoso, você não tem ideia e ela falou: “Olha, eu tenho que ir no teatro com o meu avô hoje, a gente pode indo e tal?”, eu falei: “Claro” e eu tinha um Astra, bom, Cidade Jardim, Land Rover, puta merda, eu tinha um Astra, e eu estava tão nervoso, pra sair da vaga, eu dei ré, ploft, bati na Land Rover, uma Land Rover linda, fosca e ela olhando assim pra mim: “Você tá bem?” “Estou ótimo”, coloquei primeira, fui pra frente de novo, ré, ploft, a sorte é que eu tinha engate, bati de novo, meu, bati três vezes na Land Rover, ela falou: “Você quer que eu dirija?”, falei: “Não, não, vamos embora”, antes que viesse alguém porque nossa senhora, não fez um estrago, mas deu uma raladinha lá, peguei ela e fui embora, espero que ninguém aqui seja dono da Land Rover ha cinco anos atrás. Mas enfim, fui embora com ela, tal, e ela me zoa porque, a gente começou a sair e tal e eu levei três meses para dar um beijo nela. Eu dei um beijo nela assistindo filme no Kinoplex Itaim, “Amor a toda Prova” e eu nervoso, passei o filme inteiro, aquele climão, aquele silencio, no final do filme, eu falei: “Meu Deus, Guilherme, faz alguma coisa”, aí eu olhei pra ela, ela olhou, foi nos créditos ainda, aí eu dei um beijo nela, meu, a menina se assustou porque eu sai do cinema, levei ela para o estacionamento, falei: “você não tem noção”, aí eu falei: “Você é louca, sou apaixonado por você desde o colégio” e a menina assim, foi um beijo só, cheguei em casa, falei: “Pai, fiquei com a Ju e que não sei o que, não sei o que lá…”, foi uma festa, levei três meses pra fazer isso e três semanas pra pedir ela em namoro. Aí, né, levei no Terraço Itália, me deu uma puta hipoglicemia, fiquei nervoso, eu falei: “Olha, eu quero sair e jantar com você, você sabe sobre o que se trata?”, e ela: “Não” “Então tá bom”, no Astra, eu tinha um jaleco, eu falei: “Fecha o olho”, pegava o jaleco, me enxugava, nervoso pra cacete, subi no elevador, tremendo e ela olhando pra mim de mão dada, minha mão tremendo e ela: “Tá tudo bem?” “Tá. E você tá bem?” “estou”, falei: “Tá nervosa?” “Não”, e a minha mão ali, eu falei: “Meu Deus do céu”, subi no Terraço Itália com o dinheiro contadinho, né, caro pra caramba. “Você quer um vinho?”, aí ela falou: “Não, um suco” ”Moço, um suco pra ela e uma coca cola normal pra mim rápido pelo amor de Deus que eu estou quase desmaiando”, aí comecei a pedir ela em namoro, pedi, levei aliança e tal e ela fez aquela paradinha, falei: “Pronto, fudeu, devia ter seguido o conselho dos meus amigos”, que eles falaram: “Meu, pede ela no carro, cara, se ela falar não, você vai para o Mcdonalds, se ela falar sim, você vai para o Terraço Itália”. Enfim, ela falou sim, aí eu falei: “Olha, amanhã , nós íamos no show da Katy Perry aqui no Brasil, no dia seguinte, nós íamos, aí eu falei: “Amanhã , eu quero conversar com o seu pai, pedir sua mão para ele”, foi um negócio todo, sabe? Ela até: “Meu pai?” “É, eu pai”, e puta, no Terraço Itália chegou um buquê de rosas lindo e a Julia é aquela menina assim, você pode dar um carro, se não tiver a rosa, você tá ferrado. Teve uma vez que eu dei uma puta joia pra ela, ela falou assim: “Mas você não me deu uma rosa?”, aí, vontade de pegar a joia e jogar no lixo, sabe? Enfim, aí ela viu um buquê assim, lá em cima, falou: “Cadê o meu?”, com aquela cara, fiquei louco da vida, no dia seguinte, antes de ir para o show, passei no cemitério da Villa Mariana, falei: “Quero o maior buquê de rosas que essa loja já fez na vida”, aí a portuguêsa olhou pra mim e falou: “Tu queres uma coroa?”, eu falei:” ”Não, não é coroa, pelo amor de Deus, não é enterro, é para minha namorada”, meu, ela fez um buquê, tinham 36 rosas colombianas, era um negócio de louco. Não dava para segurar, era enorme. Cheguei na casa dela, dei o buquê para ela, aí o pai dela estava no sofá, vendo o jogo do São Paulo, todo tranquilão e eu nervoso, quer saber? não vou falar porra nenhuma, hoje em dia não faz mais isso, tal. Aí, ela lá: “Já falou?”, e tremia, até agora quando estou falando, eu fico meio, ai: “Já falou?” “Não” “Vai lá que a gente tem que ir para o show”, não sei o que, aí fui lá eu: “Tio Zé…”, tio, chamo ele até hoje de tio “…eu sou o Guilherme, sou amigo da sua filha, né, e a gente se conheceu e ela é uma pessoa muito importante pra mim e eu pedi a mão dela em namoro ontem e tal…”, e ele era muito tranquilo, eu não conhecia muito a família dela, ele era muito tranquilo, eu sei que a Julia tem uma intimidade muito grande com o avô e o avô era um médico assim, famosíssimo, de renome muito grande. Aí pronto, pedi a mão para o pai, quem me chega na sala? O vô dela, eu falei: “Puta, fudeu”, e ela rindo, sentada no sofá rindo, aí ela falou: “Vô, o Gui quer falar uma coisa pra você”, aí eu cheguei e falei: “Oi Doutor Leopoldo, tudo bom? Sou o Guilherme…”, mesma coisa que eu falei para o pai dela “…eu sou o Guilherme, sou amigo da Julia, eu pedi a mão dela em namoro…” e ele assim, é uma figura, ele é super gente fina, amo eles. Ele olhou e falou: “Que time que você torce?”, eu olhei e falei: “Olha, puta merda, fudeu, sou Corintiano” “Ih, não. Aqui é só palmeirense” “Veja bem, eu falei que eu era, né, não sou mais, estou mudando, estou meio decepcionado…”, beleza, levantei pra ir para o show, quem me chega na sala? A mãe dela, puta merda, pedi três vezes ela em um dia, foi um negócio de louco. E meu, enfim, aí a gente começou a namorar, só que é impressionante, a Julia, quando você falou como que ela é com relação a diabetes, ela é sensacional. Ela é mais uma pessoa, porque ela é magrinha, joga tênis no clube, tem uma vida super ativa e ela me incentiva muito, muito a ter uma alimentação melhor, sabe, a gente gosta muito de sair para comer, então, ela me incentiva a regrar a minha alimentação, a diminuir as quantidades, comer mais vezes ao dia, ela é muito importante, ela realmente com relação ao diabetes, eu não podia ter alguém melhor, entendeu, é da área da saúde, me ajuda muito, muito. Ela, os pais dela, todos sempre foram muito solícitos perante a isso. E ela é uma figura, porque toda vez que alguém fala: “Como que a gente se conheceu?”, eu conto essa história, ela não aguenta mais ouvir essa história do Terraço Itália, mas eu conto e ainda falo: “Estou pagando o Terraço Itália até hoje, foi caro pra caramba”, eu moleque, ali. Quando eu cheguei: “Pai, ela aceitou”, e eu gritava, cheguei uma hora da manhã em casa: “Mãe, estou namorando a Ju”, era um sonho que eu tinha namorar ela e é um sonho que eu tenho até hoje, porque até hoje eu não acredito que eu namoro ela, eu falo isso pra ela: “Eu não acredito”, foi um negócio assim, muito bom, muito bom. Nós vamos fazer cinco anos agora, dia 24 de setembro, é muito bom. E agora tá começando, aí começa, vamos em loja de cozinha e você fica bravo porque você tá começando a gostar disso, entendeu, você tá começando a querer ver panela, coisa pra apartamento, aí começa: “Nosso apartamento…”, puta, fudeu, porque agora você tá vendo de morar junto, entendeu e vai, aí você fala: “Quero me formar logo pra trabalhar e morar junto”, você quer dar continuidade na vida. Com relação a Julia, não poderia ser melhor, aliás, poderia, eu poderia não ter perdido um ano e meio na São Camilo pra já estar formado, e já estar talvez, um passo a frente, eu digo, noivado, porque é muito legal. Eu comecei a namorar cedo, 18 anos, meus amigos não namoram, nenhum namora, mentira, um namora. Então assim, eu comecei muito cedo e eles falam: “Mas já? Vamos aproveitar um pouco, né? Ainda mais você que é tão festeiro”, falo: “Não…”, mas ela é também e a Julia, puta, é legal ver ela, porque ela era aquela menina encolhidinha, hoje, ela fala pra caramba. Meu amigo chegou nela na balada no Guarujá, foda, né, ele chegou e falou assim: “Julia, você sabe que o Baladão, ele é o cara mais louco do grupo, né? Ele é o amigo mais louco que eu tenho”, aí minha namorada olhou, eu falei: “Nossa, fudeu, vai dar merda isso aí, o que eu vou falar?”, aí ela olhou: “Eu sei, por isso que eu amo ele”, falei: “Nossa”, quase que eu ajoelhei e falei: “Vamos casar, porque depois dessa declaração aí, inocente, meu…”, a gente se dá muito bem. Ela é demais e ela se dá bem com a minha família, eu me dou bem com a família dela, inclusive, sábado agora é aniversário do vô dela. Eu vou fazer uma paella. Hoje eu brinco com ele, eu falo: “Deixa que o corintiano mata no peito e faz gol, pode vim”. Mas é muito legal, é uma parte muito feliz da minha vida.
P/1 – E qual que foi esse problema que você teve na faculdade?
R – Na faculdade. Bom, a São Camilo, quando eu entrei, ela era uma faculdade, ela é muito boa, muito tradicional em alguns cursos, principalmente na saúde, Fisioterapia é um deles, Fisio, Enfermagem, Nutrição é muito bom, mas a Medicina era um curso novo, então como toda coisa nova, ainda tinha muita coisa em teste, muitas metodologias, enfim, e era uma faculdade que o nível das provas cobradas era um nível muito alto, não era compatível com o que era lecionado. Então assim, muita gente rodava, numa sala de 50, no mínimo, metade rodava e não pela primeira vez. E o que aconteceu? Não tem como falar da São Camilo sem falar desse outro relacionamento que eu tive. Digamos que esse outro relacionamento que eu tive, a menina não era de São Paulo, ela era de Indaiatuba, enfim, minha mãe, não quero nem que ela ouça isso, porque realmente é um negócio que traumatizou muito a família, muito. Mas enfim, digamos que eu não ia pra aula, tinha uma aula que eu não ia, eu ia pra lá, pra visitar a cidadã. O que aconteceu? Teve uma prova, me ligaram, eu estava com o meu pai no carro, sempre me dei bem com todo mundo, as pessoas iam na minha casa, dormiam na minha casa. Um colega meu, esse colega me ligou e falou, eu estava dirigindo, estava no viva voz: “É o seguinte, a gente conseguiu a prova, a prova final. Você quer?”, e o meu pai, porque o meu pai sempre foi muito correto, meu pai olhou pra mim, eu falei: “Olha eu…” “Mas como você sabe que sou eu?” “Tá na bina” “Não fica falando o meu nome, tal”, eu sabia quem era, falei: “Então vamos fazer assim, não, eu não quero”, ele estava cobrando cinco mil a copia da prova. Eles estavam na casa dele se reunindo pra resolver a prova. Cinco mil. Não vou falar pra você, não vou ser hipócrita de falar que nunca colei, claro que colo, agora nesse sentido de pegar uma prova, não. Isso daí já é além, isso daí é um absurdo. Acho que colar todo mundo cola, uma questão ou outra, mas espera aí, né? Porra, você tá se formando médico, é um negócio, você tem que ter uma certa maturidade, até conversei com ela, isso que é ruim da Medicina, se você entra muito cedo, tem um pessoal que não tem uma maturidade pra fazer curso nenhum, muito menos Medicina. Tirando isso, o meu pai olhou pra mim no carro na hora, eu falei: “Legal, parabéns, pode usar mas eu estou fora e aliás, posso te pedir só um favor? Só me faz um favor, pelo amor de Deus, não fala que você falou comigo, eu não estou sabendo de nada. Por favor” “Não, pode ficar tranquilo, é só entre os meninos…” “Tudo bem, mas fulano, por favor” “Tá bom”, beleza. Chegamos no dia a da prova, eu precisava tirar sete, a maioria das pessoas precisavam de sete, sete e meio. Algum animal deixou o gabarito na sala e foi um negócio muito burro, porque o que acontece? Todos aqueles que tinham a prova acertaram exatamente a quantidade de questões que precisavam e exatamente as mesmas questões. Então isso, atrelado ao gabarito que estava no chão, alguém colocou no bolso, caiu, não sei, meu, pegaram e isso vazou. Descobriram porque eram os caras que precisavam de nota, estava prova igual, idêntica, erraram as mesmas e tinha o gabarito e onde que eu me safei? Eu me safei pelo seguinte, eles alegaram que eu tinha a prova, eu fui o único que não passei, eu precisava de sete, tirei seis, você entendeu? Foi um negócio ridículo! Foi ridículo isso. E aí, o que aconteceu? Isso daí foi antes de julho, tá? Começo de julho, a São Camilo abriu uma comissão de inquérito, tinha advogados da faculdade, porque é crime isso, advogados, reitores, pessoal do alto escalão da faculdade numa sala, meu pai me acompanhou até lá e todos os alunos foram chamados para depor, todos! Todos sem exceção. Meu pai foi comigo e é o que eu te falei, meu pai sempre foi muito certo, ele sempre foi uma pessoa muito correta, muito correta e lá, a advogada chegou, a primeira coisa que falaram, a advogada deles falou: “Guilherme, tudo bom? Nós sabemos que você não tem nada a ver com isso, nós sabemos disso. Você não tinha a prova, você não tinha nada. Já depuseram aqui, falaram que realmente você não tinha e junto com a sua nota também, ok. Mas nós sabemos também que você é o único aluno que sabe além é claro daqueles que participaram, você é o único que sabe exatamente quem usou a prova”, meu pai do meu lado, quieto. “E como eu posso ver aqui, consta que você não passou, né? Tem um ponto pra você passar”, depois de muita conversa, tal: “A gente poderia te ajudar a passar se você nos ajudasse” “Não”, nessa hora, o meu pai que foi sempre muito discreto, foi uma das vezes que eu fiquei com muito medo do meu pai, meu pai não pediu licença pra falar, ele simplesmente falou, ele olhou e falou assim: “Você tá querendo comprar o meu filho com um ponto? Você acha que o meu filho é o que? Que caráter eu dei para o meu filho? O quê que você acha que ele é?” Aí ela: “não, não é isso…” “Não é isso? Não é isso o cacete”, aí ele até falou: “Você já viu aquele filme “Perfume de Mulher?””, eu não sei se vocês conhecem “Perfume de Mulher”, com o Al Pacino, que ele é cego, um general, enfim, no final do filme é uma situação de merda também porque o moleque, ele tá sendo pressionado pelo diretor da faculdade a entregar os amigos que fizeram uma zoeira com o diretor e esse general vai defender o moleque, fala; ‘Pô, os vagabundo lá, não sei o que, que vocês têm uma ideia de quem fez, você não vai fazer nada, agora o cara que não fez nada, brilhante, não sei o que, tem um puta futuro pela frente, você vai querer que o cara seja dedo duro, você acha que ele é o quê? Que merda que vocês estão criando nessa faculdade? Que caráter é esse?”, e o meu pai falou isso, meu pai falou: “Você já viu esse filme?”, infelizmente, ela falou: “Já” “pois é, então fica pra você exatamente o que o general falou naquele filme”, ele levantou e falou: “Guilherme, fora. Vamos embora. Acabou”. Isso foi na primeira semana. Não entreguei ninguém, ninguém. Fui para Bariloche, segunda vez, foi tudo certo, graças a Deus, só que enquanto eu estava lá em Bariloche, aqui a merda estava correndo e na época, eu não levei computador, não tinha nem iPad, nada. E os caras aqui: “Foi fulano, foi ciclano”, aí o fulano se defendia, apontava o dedo para outro, chegou no meu nome: “Então foi o Guilherme”, e eu não estava aqui. Sempre fui muito alheio a esse negócio de internet, então não estava nem aí, até que quando eu cheguei, um dos caras que estudavam comigo falou: ”Você é covarde?”, falei: “O quê? Por que você tá falando isso?”, “O pau tá comendo lá, tá todo mundo te acusando, você não vai se defender?”
“Me acusando de quê?”, aí eu vi. Eu nunca acreditei muito nessa história de bullying, tá, nunca acreditei, eu acho que sempre uma zoeira ou outra, ok, mas nessa fase, você via todos aqueles filhos da puta, você se fudeu defendendo os caras, não entregando ninguém e os caras te olhando, te ameaçando, fazendo a tua caveira para Deus e o mundo e você ali, puta que pariu, eu podia ter fudido um por um e aí, teve um dia que esse meu ex-relacionamento, ninguém sabia, os meus amigos sabiam, em casa ninguém sabia. Um deles liga pra minha casa se passando por uma secretaria da São Camilo, no dia que eu não estava na faculdade: “Marina, é o seguinte, seu filho não está presente e aqui é o secretario, a gente tá querendo te falar que ele vai bombar por falta”, “Como assim, ele não tá presente?” “Ele não está…” “Como não? Ele falou pra mim que estava aí agora”, minha mãe pegou, moro do lado da São Camilo, muito próximo, foi até a faculdade, foi na sala, cadê o Guilherme? Estava lá, meu celular toca, é ela: “Oi mãe, fala” “Onde você tá?” “Estou aqui na faculdade” “Não, você não tá na faculdade” “Como não, mãe?” “Eu estou na faculdade”, nossa! Fiquei agora como eu estou, sem palavras, não me lembro o que eu falei, eu acho que eu desliguei, eu só virei e falei: “Me põe num ônibus pra São Paulo agora. Agora”, voltei, liguei para a minha melhor amiga, a minha melhor amiga me deu uma puta força, essa menina é uma irmã pra mim, mesmo, conheci ela com dois anos de idade, ela me encontrou, falou: “Calma, pelo amor de Deus”, e eles fizeram isso para me atingir, para me ferrar mesmo. Voltei, quando eu saio do metrô, eu vejo o meu pai, meu pai só olha pra mim e fala: “Meu, calma. Força”, meu pai é um grande herói, acho que acima do meu avô, meu pai. Esse cara, eu não tolero nada contra ele, nada, nada. Algumas pessoas falam que eu faço piada com ele, mas tamanho respeito que eu tenho por ele é um negócio que nem eu acredito, às vezes, para falar a verdade. Ele: “Calma, fica calmo”, sai, estava parado o carro da família com o motorista da família e minha mãe dentro do carro. Minha mãe só virou para o motorista e falou: “João, você sabe ir para Indaiatuba?”, oito da noite: “Sei” “Pode ir”, voltamos para Indaiatuba e o caminho, eu vou simplificar o caminho falando que eu quase tentei abrir a porta do carro no meio da estrada. Foi um negócio muito pesado. Foi horrível. E aí, começou o inferno que foi o namoro e era diariamente. Uma coisa louca, eu versus minha mãe e minha mãe versus eu. Lá em Indaiatuba, puta, minha mãe foi atrás da menina, sorte que não achou, porque era inadmissível, entendeu? Muitas vezes, meu primo namorava uma amiga dela, então meu primo algumas vezes, ia comigo e para algumas pessoas era normal, Indaiatuba, uma hora, pertinho, né? Mas para a minha mãe era inadmissível isso. Era algo do outro mundo, era como se o filho dela estivesse lidando com crack. Em casa, minha mãe junto com o meu pai sempre teve uma autoridade muito grande, minha mãe, principalmente, com o meu pai a gente consegue conversar e tal, minha mãe sempre teve essa autoridade muito grande. Então isso “Espera aí, você é maluco?”, e foi a primeira vez que alguém, realmente, falou: “Espera ai”, que alguém se colocou na frente dela. A minha mãe, eu não culpo ela, porque talvez ela tenha sido criada assim e a minha mãe sempre foi uma pessoa muito carinhosa comigo e esse carinho deu um ciúmes muito grande. Ela tem um ciúmes, tinha pelo menos, e aí, com esse namoro foi meio que assim: “Para” e aí, a família inteira foi no psicólogo e o psicólogo falou: “Marina, para. Tá errado”.
P/1 – Deixa eu fazer uma pergunta. Ela ficou nervosa tanto assim por que você estava mentindo?
R – Também. Mentindo, foi uma somatória, eu estava mentindo, matando aula, namorando, você entendeu? E eu não vou mentir, no lugar dela, ela tem razão, eu não tinha que estar matando aula, eu não tinha que estar mentindo. Por quê que eu fiz isso então se eu sabia que era errado? Por medo, não sabia como chegar para ela e falar: “Mãe, estou namorando alguém de Indaiatuba”. Minha mãe sempre foi muito tradicional, entendeu, você tem que primeiro você, faculdade, se dedicar a você, depois a um relacionamento e eu não sabia como fazer isso e eu sabia que fosse quem
fosse, seria conturbado. Chegou um ponto do meu namoro em que eu falei assim, eu não sou trouxa, eu sabia que eu nunca ia casar com aquela menina, até porque não era que nem o que eu falo da Julia, não era. A minha psicóloga falou isso pra mim, minha psicóloga falou: “Guilherme, veja bem, você usa esse namoro como pretexto, porque a partir do momento que sua mãe sair de cima de você, eu duvido que vai durar”, dito e feito. No final, com muito trabalho, mas muito trabalho, eu falo muito trabalho, porque o que eu falei aqui não é 1% do que aconteceu, porque aconteceram coisas assim que olha, foi muito complicado, muito triste pra mim, como um filho. E eu amo minha mãe, amo. A família soube desse acontecimento e até assim, falam: “Não, não sei, tal”, acham que a relação com a minha mãe é abalada, não é, não é. Ela é minha mãe. Dane-se o que ela fez ou o que ela vai fazer, ela é minha mãe. Mas foi um negócio muito conturbado, isso não foi metade. E depois de muito trabalho, ela começou a falar: ‘Tá bom”, tanto que ela usava essa palavra: “Você quer namorar? Da porta de fora da casa pra rua, que essa menina não entre aqui”. E essa menina também, puta merda, viu, foi querer peitar a minha mãe, afrontar a minha mãe. Ela mandou uma carta sem eu saber por escrito, minha mãe ficou louca, nossa, eu estava dormindo, meu Deus do céu: “Ou você ganha uma nora ou você vaio perder o teu filho”, eu liguei pra ela e falei: “Você é louca? Pelo amor de Deus! Sabe, eu entendo que eu não acho certo o que tá acontecendo, piriri, póróró, mas ela é minha mãe, cara. Você não pode ter uma afronta assim, ainda mais sem falar comigo. Você não pode fazer isso”, nesse dia foi um negócio assim de louco. E ela, no final, ela se desequilibrou, eu perdi a minha vó, minha última vó e ela envolveu a minha vó, numa das discussões, ela falou: “Sua vó nunca teve orgulho de você, ela deve estar muito decepcionada” “Filha, vai tomar no cú, juro por Deus, não me procura mais porque agora quem não quer, sou eu”, eu fiquei louco! Eu falei, eu sempre amei muito os meus avós, eu sou o único primo que não tenho avó. Eu fui a última pessoa a ver minha avó viva, quando eu perdi a minha avó por parte de mãe, a vovó Soreia, aquilo acabou comigo, me desestabilizou, você entendeu? Acabou. Aquilo pra mim, eu falei: “Puta merda, é uma parte de mim que eu não vou mais ter”, e ela envolve isso, e aí, você tá saturado, sua mãe tá cooperando, sua mãe tá dando uma brecha, não sei o que e agora, ela vai falar? Vai ela encher o saco? Não. E que aconteceu? Isso, na época, para você ter uma ideia, eu tinha que estar em casa cravado meia-noite e meia, 18 anos, 17 pra 18 anos, em casa meia-noite e meia. Experimenta chegar um minuto atrasado. Sabe o que acontece? Também não sei, porque eu nunca me atrevi a fazer isso. Mas por quê que eu falo que foi bom esse relacionamento? Foi muito conturbado, mas foi bom porque com a Julia não acontece mais isso e por isso que a minha mãe ama a Julia, minha mãe ama a Julia como uma filha que ela nunca teve, porque a Julia tirou de casa esse câncer. Minha mãe chamava esse namoro de câncer, entendeu? Por isso que a minha mãe vê a Julia como uma filha, é uma filha. E no namoro da Julia, eu tenho todas as liberdades que eu não tinha com o outro namoro. Claro, liberdades assim, minha mãe sabe onde eu estou sempre. Eu mando mensagem pra ela, eu aviso onde eu vou, o que eu faço e tal. Não fico sem dar satisfação, mas eu posso voltar para casa sete da manhã, eu viajo, tenho a minha vida. E foi exatamente o que o psicólogo falou: “Veja bem, você tem que deixar ele ir, Marina”. E eu com a minha mãe hoje, a gente é carne e unha, o pessoal acha que a gente se detesta ou que por tudo que aconteceu, acabou, nada! Tonto quem pensa isso, porque hoje, tudo que aconteceu, pelo menos por mim e eu acredito que por ela também, foi muito difícil para os dois, principalmente, meu pai e o meu irmão também porque conviviam, né? E o meu pai, coitado, ficava lá: “O que eu faço?”, mas hoje, como eu estava falando, eu acredito que a gente ficou muito unido. E eu me identifico muito com ela, o meu irmão puxou mais o meu pai, é mais calmo, tranquilo. Eu puxei minha mãe. Digamos que eu puxei a minha mãe só que por ter passado por algumas coisas, que nem, questão de horário, questão do medo que eu tinha dela, eu sei o quão ruim é isso e eu não faria isso com o meu filho. Não faria isso, porque eu sei o quanto eu sofri com isso. Por outro lado, se o meu filho pisar na bola comigo, eu tenho o temperamento um pouco mais puxado para a minha mãe, entendeu? Mas ela é o que eu te falei, é a minha mãe. Pior coisa que tem no mundo é discutir com o meu pai e com a minha mãe, não existe coisa pior. A segunda pior coisa são as câimbras do diabetes e a terceira é esperar a Julia falar que aceita namorar comigo.
P/1 – Guilherme, voltando a falar então do diabetes, você tem 24, 15 anos convivendo com o diabetes, imagino que você possa ter lembranças e enfim, sobre isso. Cocê olhando para trás esses 15 anos, o quê que você acha que foi a sua maior conquista?
R – Do diabetes?
P/1 – Na convivência com o diabetes, sua maior vitória.
R – Olha, vitória pessoal, é como eu disse, eu não sou controlado, tá, eu não posso falar: “Eu tenho um diabetes controlado legal”, acho que a melhor vitória seja o aprendizado. Como eu disse, eu vou ser médico, eu acho que mais do que ninguém, eu posso chegar para alguém e falar: “Não faz isso, sabe por quê? Porque eu sei o que você quer fazer, eu faço errado e eu sei que não vale a pena”, essa é a melhor coisa que o diabetes me deu e eu espero que daqui a um tempo muito curto eu possa falar que é uma qualidade de vida excelente, melhor do que o de uma pessoa normal, porque um diabético, minha nutricionista falou isso: “Se um diabético se cuidar, ele vai ser mais saudável que outra pessoa normal, ele vai ser um atleta”, porque diabetes se trata de uma forma sendo saudável, sendo regrado, tendo hora. Isso eu não tenho, mas eu tenho o aprendizado, eu sei o que é e isso, no meu dia a dia, veja bem, você nota isso, você tá com um colega atendendo muitas vezes, a gente atende em dupla e ele tá fazendo anamnese, piriri, póróró e o paciente você vê; “Você é diabético?” “Sou” “É controlado?” “Sou” “Ok”, você chega em off pra ele: “Vem cá, olha, eu também sou, bicho”, e quando você fala que é diabético, isso cria uma abertura para a outra pessoa diabética muito grande e quando você fala: “não mente, porque cara, eu já fui por esse caminho aí, não é legal, não vale a pena”, isso te dá um poder perante aquela pessoa muito grande. Você consegue fazer com que a pessoa fale tudo, tudo, o que ela não faz, o que ela faz e você consegue – entre aspas – prender a atenção daquela pessoa e mostrar: “Olha, eu sei isso, eu estou fazendo a coisa e não estou fazendo certo e não é legal. Por favor, não faça isso. Faca o que eu digo e não faça o que eu faço”, eu acho que essa é a maior conquista que o diabetes me deu até hoje atrelado com a Medicina, com certeza.
P/1 – O que você entende como qualidade de vida?
R – Qualidade de vida, pra mim, é ter uma relação excelente com a minha família e poder ter uma família minha, poder ter uma família minha evitando o máximo de imprevistos, essas consequências do diabetes, as complicações do diabetes. É o que eu estou falando, eu vou me formar, pô, cada vez mais eu penso em casar, ter uma casa, ter filhos, eu já sei o nome, a gente já decidiu o nome, é Lucas e Sofy, um casal. Então isso, hoje, meu grande sonho, além da Medicina é constituir uma vida e transformar, tendo um futuro com os meus pais e com a minha namorada atual o que eu tinha com o meu avô, uma família inteira, Natal, Ano Novo, reunida. Isso pra mim é qualidade de vida. O dia que eu conseguir sentar, fazer que nem o meu avô, o meu avô sentava com um copo de whisky e amendoim e via a família dele. O dia que eu conseguir fazer isso, eu vou falar: “Eu tenho a melhor qualidade de vida do mundo”. Não sejamos hipócritas, dinheiro, ok, dinheiro ajuda muito, mas já pensou em ter dinheiro e ser sozinho? Que bosta. Eu não quero isso e eu morro de medo dessas complicações. Só que o medo ele é enorme, mas é um vicio, você fica viciado naquele hábito de vida não regrado, ainda mais que você não tem nenhuma complicação, então, não vai acontecer nada, mas vai acontecer, é uma questão de tempo. Então, você tem que usar esse medo pra: “Acorda, chega, seja regrado”. Eu vou ter qualidade de vida se eu for regrado? Vou, eu tenho qualidade de vida, minha vida é muito boa, sou muito feliz, muito feliz, até demais, mesmo, mas eu quero chegar nessa fase da vida, eu quero ser vô. Meu avô é uma das minhas maiores inspirações, quero ver os meus filhos com filhos, nossa! Isso pra mim é a melhor parte. Eu acho que a gente faz tudo na vida, pelo menos, eu, pra chegar lá, pra ver e viver e ter dinheiro para gastar com eles, é isso que eu quero. Meu avô, é um negócio de louco, a gente nunca passou vontade e ele sempre foi muito humilde, era impressionante, a gente foi descobrir que ele era dono de uma indústria acho que quando eu tinha 15 anos. Ele sempre foi muito humilde. Quando eu era criança, eu lembro que eu ia na fábrica e eu me perdi do meu pai um dia lá na fábrica, e eu acabei na sala do meu avô e na sala dele tinha um cofre do tamanho dessa luz, mais ou menos, enorme, e eu entrei na sala pequenininho, né, dois senhores sérios de terno e gravata olharam, meu avô parou a reunião, parou: “Ah não sei o que…”, todo feliz, era a maior felicidade dele, me pegou no colo, me botou no colo, girou a cadeira, começou a mexer no cofre e os dois ali olhando, o cofre, o quê que tinha no cofre do meu avô? Duas caixas de bombom Nestlé, não era Kopenhagen, no era nada dessas, Nestle, pegou a caixa, abriu: “Pode continuar”, meu pai chegou lá na reunião: “O quê que você tá fazendo aqui?” “deixa ele aqui”, isso pra mim, você já imaginou você poder fazer isso com o seu neto? Sensacional. Que atitude! Fiquei lá na reunião. E falando: “Vô, você quer algum?”, e ele parava, olhava: “Pega esse daí pra mim”, meu avô era uma pessoa extraordinária, ele era. Teve um dia que alagou a frente da fábrica, meu, ele desceu com doce árabe para todos os funcionários que estavam ilhados, sentou e ficou conversando, comendo docinho. Ele era um cara fora do normal. Tinha, nunca passou vontade, mas não demonstrava e o meu pai sempre me ensinou isso, que não é porque você tem que você tem que demonstrar. Você não tem que demonstrar o que você tem, você tem que ser o que você é, entendeu? Dinheiro vem e vai e eu acho que isso meu pai e o meu avô me passaram muito. Acho que é a grande gratificação deles. Você quer o meu pai feliz, o meu avô feliz? Leva eles para comer, ver a família cheia, a mesa cheia. Tem uma tia, inclusive, a tia que brigou e tal, nós fomos em um restaurante que não era um restaurante muito fino, tal, enfim, pediu um prato todo, e na mesa do lado, veio um prato frito misto, era uma pilha de peixe frito, camarão frito e a nossa mesa já comendo, meu vô olhou assim, olhou de volta, aí o meu pai: “Não pai, a gente não pediu esse prato”, todo mundo acabou de comer, juro pra você, deu meia-hora, mas vieram dois, boom! E ele lá, rindo e rindo, se divertia. Esse era o meu avô. Essa é a lembrança que eu tenho dele. Não passava vontade. Ele me levava: “Escolhe o que você quer”, nossa senhora! Ele era demais. A gente passava, às vezes, à tarde na casa dele, minha vó cozinhando, árabe, né, cozinhava que era uma beleza, chegava com lanche do Mcdonalds para todo mundo, ela: “Feres, mas eu estou cozinhando”, ele olhava e falava: “Mcdonalds, é gostoso…”, era uma criança, ele era demais. Ele era demais, o Gido era muito legal. Tem até um busto dele na fábrica, o pessoal foi lá inaugurar, os adultos chorando e os primos também, mas no fundo, todo mundo queria rir, porque ele era uma figura, era uma criança, meu vô era uma criança. Era impressionante e ele era que nem minha mãe, se ele gostava, ele gostava, se ele não gostava, minha mãe tem o olho dele. Muito legal. Então, qualidade de vida pra mim é isso, não tem coisa melhor, pegar a tua família, viajar, tua família.
P/1 – O quê que você achou de contar a tua história aqui pra gente?
R – Achei bem legal. Achei muito legal, para falar a verdade, memória, né, você acaba recordando de muitas coisas que às vezes, no dia a dia, você perde, você não tem tempo para parar, meu avô como que era, é muito legal. Recordar é viver, né?
P/1 – A gente agradece pela generosidade em contar a história pra gente.
R – Imagina, foi um prazer.
P/1 – Foi muito legal.
R – Muito obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher