P/1 – Beleza seu Zico, boa tarde.
R – Boa trade.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista. E pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Gilson do Rêgo, bairro ...Continuar leitura
P/1 – Beleza seu Zico, boa tarde.
R – Boa trade.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista. E pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Gilson do Rêgo, bairro São Pedro, nove de fevereiro de 56.
P/1 – E como é que você ficou com esse apelido?
R – Zico porque era muito piruleta quando era moleque (risso).
P/1 – E fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Severiano de Alcindo do Rêgo e Regina Cesar do Rêgo.
P/1 – E conta pra gente, da onde que eles eram? Onde que eles moravam?
R – Meu pai era do Veloso, bairro do Veloso, e minha mãe é nascida aqui, no São Pedro.
P/1 – E o que você sabe da origem da família deles, dos seus avós?
R – Meus avós eram descendente de espanhol.
P/1 – Todos os dois?
R – Todos dois.
P/1 – E como que eles vieram parar aqui na Ilhabela?
R – Eu acho que por intermédio dos navios. Os imigrantes, já.
P/1 – E o que os seus pais faziam?
R – Meu pai trabalhava na roça, minha mãe também trabalhava na roça. Depois, meu pai, pescador, depois meu pai passou a ser funcionário público do DR [Departamento de Estradas e Rodagens].
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Gerássimo do Rêgo, mora em Guarujá (SP), Maria do Rosário do Rêgo, mora no bairro do Veloso.
P/1 – São vocês três?
R – São três.
P/1 – E você tá em que lugar dessa escadinha?
R – Eu sou o terceiro.
P/1 – Conta pra gente como é que era a sua casa de infância.
R – Minha casa de infância era de pau a pique, tinha daquelas telhas grandes que a minha vó falava que os escravos faziam na coxa, o molde das telhas de barro era… Tinha um molde que fazia nas coxas, assim, punha o molde e fazia nas coxas. E casinha de barro, humilde e telhado. Telhado era a telha dos escravos que eles faziam as telhas.
P/1 – E como é que era lá dentro da casa, assim?
R – Tinha dois quartos, sala, cozinha, banheiro, chão batido, a sala era mais sofisticada que era assoalho. Tinha uma casa de farinha, também, farinha de mandioca, tinha forno à roda, coxo, e os tipiti, né, enfim, a prensa para prensar a farinha de mandioca, fazer a farinha de mandioca. Tinha a roca, tinha milho, a gente ralava, fazia o cuscuz, fazia polenta, plantava feijão também, tinha feijão. Meu pai tinha uma criação de porcos, também, chegou a ter 35 porcos assim. Galinha, tinha galinha também no sitio, era farta a infância.
P/1 – E onde ficava esse sitio?
R – Aqui, no São Pedro, ao lado aqui da igreja de São Pedro.
P/1 – E quando você era pequeno, você tinha que ajudar a sua família, assim, fazendo essas…?
R – Ajudava. Ajudava ralando a mandioca, embrulhava o milho pras galinhas, pra criação que tinha, ralava o milho, limpava as mandioca pra ralar, minha vó ralava na roda pra fazer a farinha de mandioca.
P/1 – E o senhor gostava de brincar? Brincava do que quando era menino?
R – Brincava nos montes de feijão, fazia virar piroleta (risos), tinha aquele monte de feijão, feijão e brincava… Fazia as gaiola de chão, as gaiola pra pegar as juritis, entendeu, que era uma ave que você comia, né? E fazia umas gaiolas de chão, umas gaiola pra pegar os pássaros, também, para prender os pássaros.
P/1 – E na praia? O senhor ia muito para praia, para o mar?
R – Na praia eu ia com o meu pai. Às vezes, no Curral. A gente não curtia praia, a gente ia pra passar a rede pra pegar savelha ou sardinha, pegar peixe no Curral.
P/1 – E com os seus irmãos, assim, o quê que vocês faziam juntos?
R – Os meus irmãos já eram maiores, meu irmão ajudava a minha mãe na roça, né, minha irmã ajudava mais em casa, nas tarefas de casa.
P/1 – E conta como é que era a escola?
R – Escola, “nós tinha” escola de primeira a quarta série, era aqui embaixo, Escola Mista de Cambaquara.
P/1 – E o quê que você lembra de quando começou a ir para a escola?
R – As primeiras letras é a, e, i, o, u. E a tabuada, que eu sou muito bom de Matemática por causa da tabuada. Primeira coisa que na escola, a gente aprendia a fazer era o a, e, i, o, u e a tabuada, entendeu?
P/1 – E quando a escola acabou, até a quarta série, que era aqui mais perto, você continuou estudando?
R – Aí não tinha, porque era só no Gabriel. No Gabriel, lá na vila, né? lá no centro. Era a escola, então você não tinha como estudar. Eu fui com 12 anos pra Santos (SP), estudei um pouco, fiz o Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] e comecei a trabalhar de mecânico diesel lá em Santos. Depois, voltei pra cá, para o comércio, de novo.
P/1 – E antes de você contar como é que foi ir para outra cidade, assim, eu queria que você falasse como é que era o acesso aqui pra São Pedro, né, como que chegava aqui?
R – Pra ir para São Sebastião (SP), nós acordava as cinco horas, quatro horas da manhã e ia até a balsa, a pé na estrada barro pra ir para São Sebastiao no posto de saúde, minha mãe me levava no posto de saúde, entendeu, para ir no médico pediatra. E voltava à tarde, a pé. Duas, três horinhas a pé. Quando acontecia de passar algum jipe, nós pegava, se não, ia e voltava a pé.
P/1 – E o quê que te levou para Santos, para estudar?
R – Levou porque a minha irmã pensava em dar um estudo melhor pra mim, né? Fui com a minha irmã. Minha irmã casou e foi morar em Santos e me levou. Aí, eu fiz o Senai.
P/1 – Como foi pra você sair da Ilha?
R – Ilusão de sair da ilha, a gente sai para uma cidade grande, né? Mas chega lá, não é nada do que a gente pensa. Aí, eu voltei pra cá
P/1 – Conta quais foram suas primeiras impressões de Santos, de uma outra cidade?
R – É muito difícil morar na cidade grande, né? Se você não tiver uma estrutura, você sofre muito. Eu sofri muito morando em Santos, sabe? Sem estrutura, casa alugada, sabe, o meu cunhado trabalhava em barco de pesca, também, as pescas eram muito difícil. Eu sofria muito. Aqui na Ilhabela, não, aqui eu tive uma infância boa, voltei para cá. Tive uma infância boa, sabe? Uma estrutura boa, mas em Santos, na cidade grande é difícil. Muito difícil.
P/1 – Aí você estudou?
R – Estudei no Senai, fiz mecânico diesel, trabalhava... O ramo lá, o forte era mecânico diesel do barco de pesca, né, mas consegui sair de lá e voltar pra cá.
P/1 – Terminou o curso?
R – Fiz o curso, terminei. Voltei pra cá e fiquei aqui. Aí, fiquei mais três anos aqui [no Mercado São Pedro]. Aí com 18, quando o meu padrinho, né, pai de criação aposentou e eu assumi com 18 anos.
P/1 – Conta pra gente, então, essa história do seu pai de criação. Por quê que você considera ele assim, né, qual que é a sua relação com ele?
R – Porque o
fundador [do mercado] foi o irmão da minha vó, né? Aí, ele faleceu, ficou para o meu pai de criação, seu Santinho. O seu Santinho era enfermeiro aqui, era barbeiro, entendeu? Ele fazia os remédios, pessoa tinha muito problema desses borrachudos, fazia umas feridas do borrachudo, ele fazia umas pomada e curava os borrachudos, dava injeção no pessoal, entendeu? E depois, eu assumi o comércio, que fiz muito socorro, salvei vidas, salvei muitas vidas, como também faleceram algumas no meu carro.
P/1 – A gente já vai falar disso também, eu queria que você contasse mais então dessa história da origem aqui da região, do bairro que você falou agora, então, que era da sua avó, né?
R – Do irmão da minha avó.
P/1 – Do irmão da sua avó. E aí, depois passou toda essa região para o seu Santinho, é isso?
R – Isso. Passou para o seu Santinho. Ele ficou 35 anos. Trinta e cinco, 40, né, 40 anos ele ficou. Eu tô há 41.
P/1 – E aí, era o bar… a lanchonete, a mercearia?
R – O bar, a lanchonete e a mercearia. Aí, os produtos vinham de barco, de Santos, querosene, sabão e sal. Sal pra quê? Sal pra salgar o peixe e fazer o tempero. Sabão usar pra lavar a roupa, né, e o querosene para iluminação, para as lamparinas. Era os três básicos que vendia no armazém. E fumo de rolo. Tinha que ter o fumo de rolo pro pessoal fumar. Vinha tudo de barco, do porto, a gente carregava tudo até aqui.
P/1 – E carregava como?
R – Nas costas (risos). Nós subíamos já quase morrendo, sem nada, né? Imagine com uma lata de querosene de 20 quilos? Um saco de sal de 30 quilos? Tudo aqui.
P/1 – E qual que era o nome do armazém antes?
R – Armazém São Pedro. Eu tenho umas fotos mais antigas, ainda, mas tá na casa da minha mãe.
P/1 – E aí, você falou que voltou, então, depois de Santos pra cá, para a ilha…
R – É, fiquei cinco anos, seis anos em Santos. Eu voltei porque os filhos deles foram para São Sebastiao estudar, né, e eu voltei para ajudar eles no armazém. Comecei com nove. Aos 12, fui para Santos, aí com 17, voltei.
P/1 – E você lembra de você pequenininho no armazém, o quê que…?
R – Lembro!
P/1 – Qual que é a lembrança assim, que te traz?
R – A lembrança é o seguinte, pra mim pesar o sal, o açúcar, era uma folha de papel, assim, não tinha os saquinhos de papel. A gente tinha duas bandejas, duas balanças, a gente punha o peso aqui e tinha que ficar de ponta de pé pra poder colocar o produto em cima da bandeja pra embrulhar. Só que o meu padrinho, ele embrulhava com a direita e eu aprendi a embrulhar com a esquerda, mais difícil. Eu lembro muito isso. Tinha muito peixe também, tinha cerco aqui embaixo, tinha uma balança, ele era sócio de um outro senhor, outro caiçara, tinha muito peixe, muito! Anchova, tudo peixe de qualidade, anchova, cação, cavala, sabe, só peixe nobre.
P/1 – E tudo seco?
R – Não, era peixe fresco. Aí, tinha que ter o sal… a gente comprava saco de sal de 30 quilos pra salgar, para fazer aquele tipo da tainha seca. Porque o pessoal não tinha geladeira, né? Comia peixe fresco e deixava pra amanhã , aí amanhã
já tinha que salgar pra poder manter o peixe, armazenar, porque quando viesse a chuva mais brava, tinha produto, tinha alimento, para se manter.
P/1 – E aí, quando você voltou já aos 16, 17 anos, como é que você foi ajudar, então o seu Santinho aqui com o armazém?
R – Já tava mais evoluído, a estrada já parava aqui. Mas era estrada de barro, ainda. Antes, era lá embaixo, no píer do Cabaraú…
P/1 – Que acabava a estrada?
R – É, e a gente trazia… já vinham os produtos, alimentos no caminhão, né? Os atacados que entregava, mas tinha que carregar, tinha que pagar o pessoal para trazer até aqui, saco de milho, saco de feijão, querosene, pinga, antes tinha os alambiques de pinga aqui na ilha, a gente pegava do alambique e já vendia pinga para o pessoal, mas depois, acabou os alambiques, aí vinha de fora, de São José [dos Campos] (SP). Atacado São José, distribuidora.
P/1 – E quando foi pra você quando você assumiu o mercado, o armazém?
R – Foi difícil. Eu fiquei com medo, porque um menino de 18 anos, hoje, você assumir a responsabilidade, ter que pagar aluguel e assumir toda a responsabilidade, mas graças a Deus, ele me deu o dom de conseguir chegar onde eu tô.
P/1 – E ninguém dos filhos, nenhum dos filhos do seu Santinho quis o armazém?
R – Não, ninguém quis, achava que isso aí não dava certo. Mas eu consegui fazer a coisa dar certo.
P/1 – O que te fez querer esse desafio em aceitar a…?
R – Porque eu tinha a profissão de mecânico diesel, mas eu não gostava de fazer, eu gostava de comércio. Você vê que em Santos, eu saí de um mecânico diesel e fui trabalhar numa mercearia. Eu tinha o dom, já. Eu gostava de fazer o que eu gosto.
P/1 – O quê que tem nesse universo do comércio que te prende, né, que te cativa?
R – As amizades... Tem uns transtornos, às vezes, mas “transvoa” bastante amizade, bastante conhecimento, sabe? E graças a Deus, tudo que eu consegui do comércio, tudo que eu tenho é do comércio, né? Tenho as minhas casas, os meus carros, meus filhos tudo formado, tive quatro filhos, criei tudo, não tive tanta dificuldade para criar os meus filhos, formei todos, todos formados, os quatro. Então, você cria amor na coisa, né?
P/1 – E descreve pra gente, assim, como era o armazém quando você assumiu e quais foram as mudanças que você foi fazendo?
R – Quando eu peguei o armazém, tinha seis caixas de cerveja vazias. Tinha uma barrica de sal (risos), barrica daquelas de colocar o sal. Que mais? Tinha uma geladeira a querosene, não era nem luz elétrica, era à querosene. Que mais que eu tinha? O estoque era mínimo. O tempo que eu trabalhei de funcionário, cobria o estoque, entendeu? Fizemos um acordo, eu e o meu padrinho, que o tempo… era a lei trabalhista cobria o estoque. Aí, eu pagava aluguel, paguei dez anos de aluguel. Eu tenho uma chave grande, uma chave antiga do prédio, depois vou te mostrar pra você tirar foto, entendeu?
P/1 – E como é que você decidiu, quando foi que você decidiu mudar de nome?
R – O nome do armazém?
P/1 – É.
R – Porque aí, o pessoal começou a falar: “Zico, Zico, Zico” pra lá… e não tinha mais Armazém São Pedro, nem mais Armazém Seu Santinho, né? Ele foi embora, aí ficou Zico. Aí, pus Mercado Zico, entendeu? Aí, a estrutura é outra, né? Tem 25 freezers, câmara frigorifica, tem todos os cortadores de friso, antes não tinha nada. Aí, a estrutura é outra hoje.
P/1 – E quem faz os pães?
R – Tem a padaria, eu que foço, eu e um funcionário. De manhã e à tarde.
P/1 – Eu queria que você contasse, então, como é que foi o processo para chegar a todas essas mudanças, né, de estar agora com as câmaras, com os cortadores de frios, com a padaria…
R – É que você vai com o decorrer do tempo, com a evolução da Ilhabela, você tem que acompanhar, né, a evolução, você tem que ir aperfeiçoando, para não ficar pra trás dos outros comércios, né? Então você vai evoluindo, vai acompanhando a evolução do tempo, né?
P/1 – Daí, dos sacos de sal assim, foi indo para os produtos encaixotados?
R – Vai indo, empacotados, hoje já é produto tudo embalado, né? Hoje, você vende duas caixas, três caixas de ovos, antigamente não vendia ovos, tinha ovos de quintal daí. Frangos não vendiam, tinham os frangos de quintal daqui, né? Hoje, já tem frango congelado da Sadia.
P/1 – E como é que é ver o mercado cheio assim, com as pessoas e movimentado, né, sempre com alguém?
R – A gente fica feliz, né? Movimentado, né, arrumadinho, organizado… Eu
acordo as seis e meia e às vezes, saio na temporada a meia-noite de lá debaixo, fecha nove horas, ainda fico organizando: esse produto não vende aqui, então não tá funcionando aqui, tem que mudar para o outro lado. Esse produto tá vencido, tem que tirar da prateleira, não tá vendendo bem esse produto. Por quê que não tá vendendo? Tem que mudar para o outro lado, para o cliente ter mais à vista, né? Aí quando você faz assim, que outro dia tá funcionando, você: “Ah, funcionou, tá vendo?”.
P/1 – E como você vai descobrindo essas estratégias, né, de mudança de exposição dos produtos?
R – Porque todo dia eu fico olhando as prateleiras, eu fico girando em torno do mercado. Quando não tá funcionando alguma coisa, é porque alguma coisa tá errado, será que é o preço? Será que é o local que tá o produto?
P/1 – E qual foi, assim… conta da lanchonete, né, que teve uma fase que teve lanchonete, então, como é que foi o processo de… a ideia de abrir a lanchonete?
R – Lanchonete, não tinha lanchonete no sul. Aí eu fiz o mercadinho, do armazém, né, aí eu fiz o mercadinho, para ter um acesso melhor para o público, porque com o mercadinho, pessoal gira mais os produtos, com o mercadinho, pessoal entra, vê, é tipo mercado, né, você vai comprar um produto, você vê outro produto, compra dois, três itens, né? E no balcão, você só pega aquele produto… tipo assim: “Eu quero um quilo de sal”, você atende o cliente, o cliente sai e não vê outros produtos. No mercado, não, você vai entrar no mercado, você vê, os olhos… compra com os olhos, entendeu?
P/1 – Então, antigamente, tinha um balcão?
R – Tinha um balcão, existia um balcão. Aí, eu fiz a lanchonete porque nós não tínhamos bar no bairro, né? E a lanchonete foi boa, a gente fazia carnaval, tem umas fotos, tem vídeo do carnaval aí. Fazia carnaval aqui, não tinha briga, não existia tanta droga, pessoal bebia, ia para a vila, curtia o carnaval e todo mundo se divertia, entendeu?
P/1 – Como é que era essa lanchonete?
R – Bem, uma lanchonete boa. A lanchonete era boazinha. Com o decorrer do tempo, começou a surgir muitas drogas e tal, aí tive que acabar com a lanchonete, fazer supermercado.
P/1 – E aí, então, você acabou aumentando o mercado?
R – É, aí acabei aumentando o mercado.
P/1 – O que mais vende no mercado?
R – Produto que nós vende? Em geral vende bem, em temporada ou fora de temporada?
PAUSA
R – Temporada, é gelo e carvão. Gelo, carvão e Off, repelente (risos). Repelente, são os três itens que vendem mais, gelo, carvão e repelente.
P/1 – E fora de temporada?
R – Fora de temporada, sempre vende os produtos. Cigarro também vende bastante. As bebidas também na temporada, as bebidas vende muito também, né? Cerveja vende muito.
P/1 – Então, seguindo aqui, você contou do movimento um pouco, dos produtos que vendiam. Conta pra gente das mudanças, né, qual foi a mudança mais bacana que o senhor fez e o senhor se lembra assim, com bastante orgulho, lá dentro?
R – No comércio?
P/1 – É.
R – Foi um sucesso a padaria. A padaria fez sucesso. A parte do açougue também, entendeu?
P/1 – Como foi aprender a fazer o pãozinho?
R – Fui em São Paulo, fiz um curso, entendeu, e hoje é fácil de fazer pãozinho. Aí, passei para o meu filho, passei para o funcionário, que pode acontecer da gente estar doente, eles continuam…
P/1 – E a gente tava conversando e você contou, eu falei que a gente já voltava nesse assunto, dos carros, né? Então, conta como é que você comprou o seu primeiro carro…
R – Primeiro carro… Primeiro, eu tinha uma moto, aí eu vi que a moto… Eu tinha que ter um carro pra eu buscar os produtos na balsa, porque quando chovia, os caminhões não chegavam aqui, não entregavam os produtos. Aí, consegui comprar um carro e fazer ambulância também, o pessoal chegava à noite, dava um problema com o pessoal, ficava doente, a gente tinha que levar lá na vila, na Santa Casa e maternidade não tinha aqui na Ilha, né? Cheguei a socorrer uma senhora para dar luz e ganhou nenê dentro da balsa, em São Sebastião. E outros casos que a gente puxava, pessoal doente que morria dentro do carro, tive que vender o carro… A minha ex-esposa ficava com medo porque morreu aquela pessoa. Teve até um caso que eu comprei um carro zero, um golzinho zero e tinha uma senhora aqui que não falava comigo, eu dava bom dia pra ela, ela não dava bom dia, boa tarde, não sei porque, o que ela tinha e aconteceu de eu comprar um Gol zero, era 1990 mais ou menos. E deu problema nela, derrame, o filho dela, o neto e outro filho, tudo que tinham carro não estavam no momento, e eu dei o meu carro e ela faleceu dentro do meu carro, você viu como que é a coisa?
P/1 – Vai ver por isso que ela não te cumprimentava.
R – Mas o carro zero serviu para tentar salvar a vida dela, né? Então, era assim. Eu tive uma Saveiro também, que eu socorri um rapaz aqui… O menino foi pegar marisco e a mãe dele veio visitar o neto que tinha nascido, era recém-nascido, né, e ele falou: “Mãe, vou tirar um marisco pra gente fazer com arroz”, e foi e afogou. Aí, socorri ele, cheguei na Santa Casa, faleceu. Esse falecimento, na época, nós fomos buscar o caixão em São Sebastião, trouxemos o caixão, eu e esse Mario Sergio, aí, e aí o patrão dele tentou pagar, é até um filme de comédia esse aí, e quando chegou na hora, o patrão queria pagar o caixão, a gente viu que era muito humilde, né, o caixão, que a gente ajudava a pagar o caixão e o patrão não quis. Eu disse; “Vai dar problema a hora que a gente chegar com esse caixão na casa do pessoal”, né, aí buscamos o defunto, o rapaz na vila, trouxemos na Saveiro. Chegou em casa, aqui em casa, na casa da irmã dele, pessoal ficou revoltado, né, porque também não é assim. Aí, a gente teve que contar a história, né? Aí, empresta saveiro amanhã de novo, empresta pra buscar outro caixão, tira o defunto do caixão. Aí, o cunhado dele pegou o caixão, pôs nas costas e levou até a Ponta da Sela e colocou na porta do patrão do rapaz, do menino, do Juninho. Aí, empresta a Saveiro, vai buscar outro caixão par colocar o menino no caixão pra fazer o enterro, entendeu? Então, tem umas histórias assim… Depois, tive que vender a Saveiro, tive que vender o carro, porque minha ex-esposa não queria o carro de jeito nenhum, tinha medo. Era assim.
P/1 – E o que levava o senhor a ajudar a comunidade, quer dizer, emprestando o carro, levando para os lugares?
R – Porque o bairro necessitava, né, não
tinha ambulância, né? Só eu que tinha de carro na época, no bairro. Então, você socorria, né? A gente faz aqui nesse mundo, a gente tem o retorno, né? Sempre minha ex-esposa perguntava: “Você cobrou a viagem?” “Não, não cobrei, quero de Deus me dê saúde para comprar cada vez um carro mais novo para mim”, eu sempre consegui. Sempre, cada ano, eu trocava de carro. Você faz ao ser humano bem, recebe bem, né? Então, é assim.
P/1 – E quais foram as mudanças aqui no bairro, né, o que mudou, foi mudando ao longo do tempo? Você contou do sitio dos seus pais, como é que ele era…
R – Vem a evolução do tempo, os condomínios, vai girando mais dinheiro, a pessoa já fica melhor financeiramente, né? Antes, era bem humilde a coisa. Bem precária a coisa. Hoje não, hoje pessoal todo do bairro tem carro, sabe? Tem suas casas, tem umas casinhas boas, sabe? Então, a Ilhabela mudou, né? Hoje, a gente sai em qualquer cidade, vai fazer um cadastro, fala que é de Ilhabela, o pessoal acha que a gente é rico. “Você mora em Ilhabela?”.
P/1 – E fala pra gente dos casamentos, né, então como conheceu a primeira esposa…
R – A primeira esposa, conheci nos bailinhos, vinha para cidade, naquela época não tinha ônibus, então, tinha os bailinhos no final de semana, montava os bailinhos, reunia, fazia os bailinhos, aniversario de alguma menina, levava uns toca-discos à pilha, que não tinha… A gente fazia uma vaquinha, comprava as pilhas, 12 pilhas e dançava, ficava dançando até… Dançando e namorando, né, até surgir o casamento.
P/1 – Qual que é o nome dela? Da primeira?
R – Magali.
P/1 – Você teve filhos com ela?
R – Tive uma, 33 anos. Aquela que tava no caixa, lá, a Lilian. Fiquei um ano só casado, né, o ciúmes era muito, tinha muita namorada, por isso (risos), tinha contato com as meninas, né? Porque eu trabalhava no comércio, então tinha amizade com as meninas, então a ciumeira era muito, ela era muito nova, né? Tinha 17 anos ela, eu tinha 21, muito cedo, né, que casou. Era inexperiente da vida.
P/1 – E depois?
R – Depois, eu fiquei quatro anos solteiro. Aí, tive outro relacionamento de 25 anos. O que eu tenho três filhos. Agora, já faz três, quatro anos que eu sou separado. Mas aí, eu não casei. Só ficamos juntos.
P/1 – E como que você conheceu ela?
R – Também no mesmo sistema, no bailinho, também.
P/1 – E são os bailinhos aqui do bairro?
R – É, dos bairros pra trás, tipo Taubaté, Borrifos, aqui de São Pedro. A gente não ia para a cidade, que não tinha carro na época, né, e a estrada era ruim, era uma viagem daqui na cidade. Hoje, você vai… Minha filha mesmo, estudou em São José, né? Ia todo dia e voltava, todo dia, a minha filha que trabalha no jurídico, na prefeitura, ela estuda lá na Unifesp [Universidade Federal de São Paulo], São José. Saia de manhã cedo, ia para São José e voltava meia-noite. Antigamente, naquela época, não tinha condições, a estrada era precária.
P/1 – E fala desses três filhos, então, mais novos.
R – Tem uma do primeiro casamento, que é a Lilian, né? Tenho mais três com o segundo casamento, que é a Cintia, formada em secretariado, tenho o Gilson, também, que é formado em Administração, trabalha no Santander e a Larissa que trabalha comigo, que é pedagoga.
P/1 – E como é ter na mercearia seus filhos trabalhando com você?
R – É bom, tem momentos que é bom, mas não é como funcionário, né? Funcionário, você exige horário, os filhos, não. Os filhos, de um lado, é bom… [Mas] não é tão responsável como funcionário, né? Mas funciona bem, porque seus filhos são de confiança, né? Já os funcionários…
P/1 – E é um jeito de dar continuidade, né, pro ponto…
R – Dar continuidade, esse ano eu vou aposentar, aí a firma vai ficar no nome da Larissa, porque a Lilian já tá noiva, vai casar, tem a outra casada, outro menino também provável que vai casar, só a Larissa que vai ficar, então, a firma vi ficar no nome da Larissa, abrir no nome da Larissa.
P/1 – Eu queria agora que você contasse pra gente o que é ser caiçara.
R – Ser caiçara é bom. O lado bom, eu me orgulho de ser caiçara. O caiçara não tem problema, chegou lá, pegou um peixe, pegou uma garoupa de cinco quilos, você fez 100 contos, no dia, pronto. Quem fizer 100 contos no dia, ganha três mil no mês, é ou não é? Não é um bom salário, mas já é razoável, né? Tem muitas pessoas que são formados e não ganham três mil por mês. E o caiçara é assim, ele vai, joga um tremar e fatura 200 reais no dia, pronto, o resto do dia fica à toa, dormindo, bebendo, entendeu? Agora, o nordestino naquela seca, ele vem, batalha, trabalhador pra conseguir, né? E pro caiçara é fácil, aqui você tem banana, você não compra, jaca, manga, as frutas você não compra. Peixe à vontade, pronto. Fácil de viver. Tem a sua casinha, seu terreninho, não paga aluguel, não paga água, só paga luz (risos). Então, é muito fácil. A vida é fácil. Quem mora na cidade, como eu já morei, então eu sei como que é difícil. Aqui na Ilhabela é fácil.
P/1 – E conta das palavras, né, que tem algumas palavras que só o caiçara usa. Quais são, o que elas significam?
R – Jundu. Jundu
é quando o mar bravo tá no mato, no meio do mato, o mar deu jundu. Pindaíba, que pindaíba significa que a pessoa tá quebrada, sem dinheiro, né, tá duro, né? Pindaíba é a vara de pescar do caiçara. Jazigo, jazigo é um túmulo, cemitério, né? Jazigo é quando o caiçara tá com a canoinha para ir para o tremar, para a rede, que tem que esperar as ondas baixarem, baixar a onda para poder soltar a canoa no meio do mar. Tem mais… palavreado. O caiçara não chama chuva, deu uma chuva forte, chama chuvão: “Vem chuvão?”, tem caiçara aqui que eu morro de dar risada com ele. Eu dou risada com os palavreado que ele fala. Deu um chuvão! Que mais? Deu um vento forte, deu uma ventania (risos), então é assim, esses palavreados do caiçara.
P/1 – E conta pra gente qual que é a sua relação com a cidade de Ilhabela.
R – Como assim? Bem. Eu tenho um bom conhecimento, um bom relacionamento com o prefeito, com os vereadores.
P/1 – E assim, você se imagina em uma outra cidade ou indo para outro lugar?
R – Se eu sair da minha cidade para ir para outro lugar?
P/1 – É, se você sairia daqui, trocaria?
R – Não, não trocaria, não. Ia começar tudo de novo, né? E aqui, você é bem popular, qualquer lugar que eu vou, pessoal me conhece, você tem um procedimento bom, né, tudo que a gente planta nesse mundo, a gente colhe. Em qualquer lugar, qualquer cidade. Mas eu ficaria na Ilhabela até hoje, não sairia de Ilhabela, não.
P/1 – E como que você considera assim, a importância da sua mercearia assim, para o bairro?
R – É boa. Estruturada, eu pretendo fazer maior, né, aumentar. Pretendo, mas surte bem, dá para manter o pessoal.
P/1 – E por quê que ela é importante?
R – Porque tem vários produtos, né? Vários produtos, variado, né? Pessoal, turista, pessoal gosta, é pequena, não é grande, não é um comércio grande, mas tem variedade, né?
P/1 – E como é que você se sente de saber que os seus filhos vão ficar aqui na cidade também e estão construindo a vida aqui, também?
R – Ah, me sinto feliz. Eu nasci aqui, me criei aqui, então os meus filhos… eu já tenho um neto de quatro anos que é nato daqui da Ilha, não é misturado, o meu genro é caiçara também, que tem, a mistura, né? Às vezes, o caiçara casa com uma baiana, baiano casa com mineiro, né? E a minha filha também, a outra noiva também tá casando com caiçara também, são o significado que vai nascer todos os netos nato, né? Não vai ficar misto, né?
P/1 – Fala pra mim dessas ultimas reformas no bairro, né, o quê que mudou recentemente aqui?
R – Mudou bem. A quadra. Hoje nós temos uma creche ao lado, tem a escola. O prefeito também arrumou a pracinha, fez o píer ali, o píer também aumentou bem o comércio pra mim e o porto também, aquela mudança do porto também, reformou o porto, muito bom. Então, tenho que agradecer o prefeito, né, pessoal critica, né, mas um dos melhores prefeitos foi o Colucci.
P/1 – E como é que você se sentiu com o nome da praça sendo Santinho, que é o nome do seu pai de criação?
R – Bem, né, porque ele era evangélico, ele evangelizava… Eu fui batizado nessa igreja, crismado. E a missa, ele que rezava. Nós tínhamos sagrado: domingo, fechava as nove horas, ia pra missa, ele fazia a reza, “nós fechava” o comércio. Tinha outro concorrente aqui, vários concorrentes que teve aqui, não aguentou até hoje. Fechava o comércio, ia pra igreja, pessoal criticava… Muitos amigos meus me chamavam de coroinha. Eu sou coroinha, vários coroinhas não chegaram ao ponto que eu cheguei, financeiramente. E nós fechava, depois voltava e o movimento dobrava. Às vezes, eu já fiz esses dias, semana passada eu fiz assim, fechei também, nós fomos na missa, quando voltamos, o movimento dobrou (risos), acho que Deus abençoa a gente, sabe? Então é assim, parece que tá perdendo dinheiro, não. Perdendo cliente, não, parece que Deus repõe, né? A gente fazia assim, todo domingo… Domingo sagrado… Semana santa, sexta-feira da paixão, o armazém fechado, a gente avisava a população do bairro, pessoal do bairro: “Amanhã, o armazém está fechado. Nós vamos ficar o dia todo na igreja”, o pessoal comprava o necessário para se manter, a gente fechava. Quando chegava outro dia, dobrava o movimento. Parece que coisa por Deus, né, ele abençoa.
P/1 – E como que você se sente com isso de continuar na família com caiçara, sendo nato, né? Como você se sente em ser uma família assim, tão sei lá, tradicional do bairro?
R – Não tem preconceito dos outros estados, né? Mas a gente fica mais feliz tendo netinho caiçara. Minhas filhas casando com os próprios caiçaras, entendeu? Não tenho preconceito do pessoal de fora, a gente tem muita amizade com o pessoal de fora, né? Pernambucano, baiano, cearense, outros estados, né? Todos os estados do nordeste, mas fica mais feliz quando minhas filhas e meus filhos casam com os caiçaras, né?
P/1 – E conta pra gente como foi a inauguração da rua, aqui do asfalto. Porque você contou, né, durante a sua trajetória, no fim, a gente não falou disso, né? Quando ela chegou até aqui, mas ainda de estrada de chão, né, de terra…
R – [Era] Estrada de terra, depois veio o asfalto, né, em 1996. Ficou um ano, né, da balsa aqui, ficou um ano, entendeu? Eu não acreditava mesmo que o asfalto ia chegar aqui, mas chegou. A verba do [governo de] Mário Covas era para ir até Borrifos, mas o gato comeu, né, (risos) a verba, fez até São Pedro. Depois, ele deu continuidade.
P/1 – E a inauguração?
R – A inauguração foi bonita. Mário Covas esteve aqui, desceu no campo da Ponta da Sela, campinho de helicóptero, veio até aqui, depois saiu por aqui. Aí, atravessou a balsa e pegou o helicóptero lá na Marinha.
P/1 – Mas o evento foi todo aqui, não foi?
R – O evento foi aqui.
P/1 – E qual que é a responsabilidade, mesmo a emoção de um evento oficial assim, com tanta gente, aqui no seu…
R – Ah, tem que organizar, né? Pessoal é muito preocupado com os banheiros, tudo, mas graças a Deus, a gente organizou, fez bonitinho, pessoal veio, fez todo o evento aí na frente, organizou direitinho para receber o governador.
P/1 – E como foi de emoção, né, ver que o seu lugar foi o lugar desse…
R – Privilegiado.
P/1 – É.
R – Foi bom, ótimo. Fiquei feliz, isso é raramente, né?
P/1 – E o que mudou com a chegada do asfalto?
R – Ah, o progresso, né? Mudou o progresso, vem as coisas boas e vem as coisas ruins, porque felizmente, quando eu nasci aqui, quando nós tínhamos uma porta que fechava com um pedacinho de uma tramela, hoje, você tem que ter cerca elétrica, câmera. Eu fui assaltado três vezes, entendeu? O progresso traz as coisas boas, mas traz, também, as coisas ruins, né? Antigamente, quando eu era moleque, tranquilo. Não tinha nada de maldade. Não tinha assalto, não tinha estupro, enfim, vários crimes e hoje tem, né? Pessoal rouba carro, rouba moto, antigamente, não tinha nada dessa maldade, você podia deixar qualquer coisa na rua que o pessoal guardava, amanhecia. Então, é assim, evolução do tempo, né?
P/1 – E tem alguma história assim, diferente, ou peculiar assim, que tenha acontecido dentro do mercado? Alguém que quis um produto diferente ou não sei, uma história engraçada assim?
R – Tem. O pessoal… A gente lida … Até eu falei pra minha filha que esse ano a gente tem que fazer um curso de inglês, porque a
gente lida com pessoal europeu, né, os argentinos e também lida com pessoal nordestino. Então, quando vem o pessoal e pede alguma coisa pra gente, a gente fica enrolado, porque o pão francês, a gente pede pão francês aqui, né, alguém pede média. Média em São Paulo é café com leite, aqui na Ilha, média é pãozinho e no Paraná é cassetinho: “Me dá dez cassetinhos, cinco cassetinhos”. Outro dia, gozado, tem um pessoal do nordeste, pediu para minha ex-esposa: “Eu quero quatro elementos”, o quê que é quatro elementos? É ervilha, é carne seca, farinha? Não. Quatro elementos. Quatro elementos para o rádio O quê que significa? Quatro pilhas para o rádio (risos), entendeu? Então, um dia um nordestino pediu também para mim: “Eu quero uma lata de gás”, o quê que é lata de gás? Eu tenho bojão de gás. Lata de gás é aquelas latas de óleo, querosene. No nordeste, é gás. “menino, me dá um quilo de pó secante” O quê que é pó secante? É um pacote de farinha de mandioca (risos). O argentino outro dia, ele pediu só para mim, ele pediu um “pablo”, queria pavo. Queijo, presunto, aí bateu as asas, eu disse: “Peito de peru”, peito de peru é pavo pro argentino. Então, a gente tem que desenrolar, sabe, umas coisas assim que sempre sobra pra mim, as meninas mesmo, minha filha disse: “Pai, eu não sei o que esse pessoal tá pedindo”.
P/1 – E o que precisa para ser comerciante?
R – A gente precisa ser simpático, né? Ser simpático, tratar bem o cliente, né? O cliente não pode sair descontente. Às vezes, falta um produto, hoje, mas eu já relaciono no meu caderno, amanhã já providencio para pôr na prateleira ou até à tarde, chegando o produto, já providencio, pego o telefone do cliente, ligo e o cliente vem buscar, entendeu? Você tem que atender bem o cliente, não pode tratar mal o cliente, o cliente sai descontente, entendeu? É o que eu ensino para os meus funcionários e minhas filha, né? Tem que tratar bem. Você trata bem, eu tenho vários clientes de Atibaia (SP), pescador de Atibaia, de Mogi (SP), de São José, de São Paulo, que vários mercados grandes eles passam na frente do Shibata, passam que mais? Pão de Açúcar. E eles vêm comprar aqui por amizade, entendeu? Eles ligam pra mim, eu dou o telefone: “Posso ir pescar?” “Vem que o mar tá bom ou não vem que o mar tá ruim, o tempo tá bom”, então pessoal vem, compra o material de pesca, compra cerveja, compra carvão, enfim, pelo atendimento, pela atenção que a gente dá para os clientes.
P/1 – Eu queria agora que você contasse pra gente como que é o seu cotidiano, né, no mercado. O quê que tem que fazer antes de abrir as portas e até o final do dia, quando é hora de fechar, assim.
R – Primeiramente, levantar de manhã, rezar e pedir pra Deus iluminar a gente, que não vou pra guerra, vou para o meu serviço ganhar o pão de cada dia. Quando eu levanto de manhã, abro a porta, faço a mesma coisa e quando fecho, agradeço a Deus, que Deus me iluminou, que não veio um bandido com um revólver para pôr na cabeça da gente, não aconteceu comigo, né, então você agradece o dia que foi bom, que às vezes, vem pessoal drogado, outro dia, veio um moleque drogado, chutou a minha filha, a mim, a gente ficou calmo, tem que ser calmo. Já tive problemas com pessoal de fora, de arrancar a peixeira pra matar a mim, eu fui calmo, né, se eu fosse uma família violenta, tivesse revolver, eu teria matado o cara, mas eu me acalmei, fiquei calmo, alguém conseguiu tirar, eliminar ele, pronto. Você estraga a vida, né?
P/1 – Mas fora isso, os agradecimentos, tudo, que são importantes, mas de atividades, né, porque daí você faz o pão antes de abrir u vai conferir as prateleiras e estantes ou então…
R – Também… também de noite, eu faço isso também…
P/1 – Então conta como é que é, assim, o que acontece.
R – De manhã
cedo, eu já levanto cedo, já agradeço a Deus por ter um dia lindo, já amanhecer a vida. Levanto, faço pão, faço café, porque volto e abro o mercado, entendeu? Então, o pessoal chegou as oito horas, já tem o pãozinho pronto. “Tem pão pronto?” “Tá pronto o pão já”. Pessoal já fica feliz. Quando o pão sai bonito, a gente já amanhece o dia bonito, quando o pão sai feio, parece que o dia já começa feio. Já tem que rezar… você quer ver você abrir de manhã e entrar uma pessoa ruim e querer falar umas graças pra você, te ofender, eu não mereço isso a essa hora, você tem que ser muito calmo no comércio, porque se você for violento, se eu fosse violento, já tinha uns quatro homicídios, cinco. Daí, graças a Deus, eu com essa idade nunca bati em ninguém, nunca briguei com você, tive um boletim de ocorrência na delegacia, sabe, por eu ter calma. Já teve umas pessoas que vieram com faca, puxaram a faca pra furar a mim e eu tive calma. Se você for violento no comércio, você briga todo dia, todo dia você briga, então você tem que ter calma, você tem que entender que a gente é humilde, a pessoa é ignorante e você, não. Entendeu? Então é assim.
P/1 – Então se o pãozinho sai bonito, é sinal de que o dia vai ser bom?
R – O dia vai ser bom. Já começou o dia bom. Quando o pãozinho sai feio, parece que o dia já começa torto (risos).
P/1 – E aí no final do dia, quando você fecha, assim, o expediente, como que você se sente de ter atendido tantas pessoas, de ter vendido todos os legumes que você comprou, escolheu?
R – Se sente bem, se sente feliz, né? Porque você já fez o seu dinheirinho pra cobrir seus compromissos, né? Ah, deixa eu falar pra você, segunda-feira, segunda, terça, quarta, quinta e sexta e sábado, a gente peca, eu peco. Domingo à tarde, eu vou na missa, aí fico em paz com Deus, tiro todos os meus pecados. Segunda começo tudo de novo (risos). Eu falo pro pessoal que segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado a gente comete pecado, né? E no domingo, a gente vai na missa, vai rezar.
P/1 – E vai na missa aqui do lado?
R – Vai aqui ou no Portinho, na casa da minha filha, na Barca do Portinho, Feiticeira.
P/1 – E como é que é a missa aqui em cima?
R – Aqui é bom, também. Quando tem aqui, quarta-feira, às vezes, tem aqui, eu não posso ir, tô meio tumultuado aqui, não posso. Aí, domingo à tarde, eu vou lá, ali no Portinho, eu vou na matriz, entendeu? E é assim.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você hoje, seu Zico?
R – A saúde, ter Deus, saúde e o mercado, a família, os filhos, os netos, né? Neto, só tenho um neto, né? Então, minha família. O mais importante é isso. O mais importante, já tive dois casamentos, duas aventuras e os desfiz por causa do comércio. Acabou por causa do comércio, porque elas achavam que a vida é presa. A vida é presa e tem que passear, tem que andar e o comércio… Então, eu não vou desfazer do meu comércio por causa de uma aventura. Eu falava: “Quando você me conheceu, eu já tinha o comércio e a vida minha é essa”, hoje eu tenho mais calma, hoje eu posso deixar os meus filhos e passeio, final de semana curto, vou passear, saio, viajo. Antigamente não, você trabalhava direto. Eu trabalho direto. Só dia de Natal, agora, que a gente fecha. Segunda-feira agora, nós vamos fechar, já avisei pro pessoal, tem a placa, sabe, já avisei o pessoal, nós vamos para Aparecida (SP), eu, minhas duas filhas, meu neto e meu genro. A gente vai fechar tipo assim, de manhã, lá pelas três, quatro horas, a gente abre. Vamos rezar, agradecer a Deus, né, que Deus die uma saúde boa pra gente, ilumine a gente.
P/1 – E agora então, com um pouco essa liberdade um pouco maior, o que você gosta de fazer nas horas de lazer ou quando tem um tempo livre?
R – Às vezes, gosto de pescar, sair para pescar de lancha com o meu sobrinho. Às vezes, tem uma festa, assim, tipo Pouso Alto, eu vou, tem uma festinha assim, eu vou, sabe? Um final de semana diferente, né? Curto, sempre tem uns amigos que convidam a gente, a gente vai.
P/1 – Você gosta de pescar?
R – Gosto.
P/1 – Conta pra gente alguma história de pesca ou de pescador.
R – Vou contar uma história de pesca. Eu com o meu sobrinho, nós fomos pescar num sábado, lá no Nova Iorqui, no Frades. E parece que aquilo tava me enchendo o saco e eu tava com vontade de pescar, aquela vontade de pescar. Liguei pra ele, ele disse: “Tio, tô na marina”, ele trabalhava na lancha, um menino lourinho, e nós pegava garoupa grande, nós dois, né? Era sortudo, todo mundo dizia: “Caramba, vocês compraram essa garoupa” “Não, nós pegamos”. Eu liguei pra ele: “Vamos pescar?”, era um sábado: “Vamos pescar?”, ele veio. Já era umas quatro horas, nós fomos pescar. Pegamos a chatinha, a lanchinha a remo, saímos pra pescar. Anoiteceu lá, tentamos chegar no porto, não conseguimos, o mar ficou bravo e agora? Nós vamos morrer. Aí eu falei pra ele: “Calma, nós não vamos morrer não, é só ter calma”. Aí, seguramos um cabo que tem de rede do caiçara, amarramos a chatinha e ficamos lá. Um frio, mês de junho, um frio! Aí, eu tava de calça de moletom, ele também tava. Aí, coloquei uma sacola na cabeça dele por causa do frio e eu tava de boné, os pés já começou congelar, aí colocamos na bolsa térmica, tiramos as coisas, jogamos fora, colocamos os pés lá dentro. Não tinha água para beber. Eu disse; ‘Calma, vamos comer essa batata?”, ele disse: “Não tio, não vamos comer essa batata, batata chips, porque é salgada, vai dar sede em nós, perigoso dar um problema em nós”, ficamos. Tentamos entrar no porto duas vezes, quase que o mar mata nós, enrola o barco, a chatinha. Eu tinha caminhonete, eu coloquei atrás da casa do caseiro, aí a minha sobrinha, minha ex-mulher e minha irmã na hora: “Perdeu o irmão e o filho”, minha irmã, ficaram tudo no desespero. Foram duas vezes na Sepituba, lá no final, não achavam a caminhonete, foram lá, desceram onde nós estávamos, eu tinha escondido a caminhonete atrás da casa do caseiro, do caiçara lá. Não achavam. Aí, procuraram, procuraram, aí pegaram um caiçara, aí chamou, foi lá, viu nós… A lanterna… nós via passar o ônibus, passava barco lá fora, a gente fazia sinal com a lanterna, e os barcos, ninguém socorria nós, nós: “Vamos amanhecer o dia aqui, fazer o quê?”, até amanhecer o dia, já era umas duas três horas da manhã. Aí, chegou o caiçara, saiu de canoa, o mar amansou, nós falamos: ‘Nós não conseguimos chegar, se nós chegássemos, nós morríamos. A onda virava o barco”. Aí, conseguimos chegar no porto lá dos Frade, chegamos aqui quase morto. As mulheres queriam bater em nós, queriam matar nós (risos).
P/1 – E chegaram sem peixe?
R – Sem peixe. Ficamos lá quase seis horas no meio do mar.
P/1 – E conta uma que veio um peixão, assim.
R – Ah veio. Uma vez, nós fomos cedo pescar, eu com esse meu sobrinho, essas garoupas assim: “Tio, hoje eu vou pegar uma garoupa”, que nós gostávamos de pegar garoupa pra ir para a casa da minha irmã pra fazer peixada, pra reunir a família. Até hoje a gente faz isso. Na casa do meu sobrinho, na casa da minha irmã, na casa dele, na casa da minha filha. Reúne a família no sábado: “Vamos fazer uma peixada ai”, grão de banana verde, farinha de mandioca, caiçara, que é a comida típica nossa. E ele disse: “Tio…”, pegou um anzol grande, colocou bastante isca e jogou, daqui a pouco ele: “Grudou”, pegou uma de sete quilos e meio. Aí, eu disse: “Também vou pegar uma”, aí peguei uma de cinco e uma de três, pronto, fomos embora, chega de pescar (risos). Pecaria é muito legal.
P/1 – E o quê que usa de isca? Qual que é o truque pra pegar?
R – Bonito. Tem um peixe chamado Bonito, eu tenho um quadrinho ali, é a melhor isca, só que tem que deixar ela ficar… Coloca sal nele que ele fica com um cheiro forte que atrai a garoupa. É Lula e Bonito, mas Bonito salgado, que a gente chama, atrai a garoupa.
P/1 – E qual que é a sensação do final de uma pesca assim?
R – É lindo. Quando a gente vê, a gente bate fotos, tira umas fotos, tira sarro dos outros que os outros não pegaram. A condição é tirar sarro de um pescador tirar do outro, que pegou o maior, né?
P/1 – A gente viu também umas fotos aqui que você contou também com camisa do time de futebol daqui ou campeonato. Conta essa história, como é que funciona…
R – Nós tínhamos time de futebol também, é muito engraçado, nós íamos jogar no estádio nós ganhamos um diploma, um certificado com a torcida pior disciplinada (risos), hoje é o diretor de esportes, o Cornélio, a pior torcida que tinha era a do nosso time, que nós ganhamos. E tinha um zagueiro nosso que já estávamos ganhando de três ou quatro a zero e aí, veio a bola pingando assim, aí: “Chuta Daniel”, a bola bateu na bunda dele, entrou pra dentro e fez o gol (risos), não tinha filmagem naquela época, se tivesse… A gente conta isso até hoje, é um barato.
P/1 – E como é que era? Era o time daqui? Como é que era a camisa?
R – Era o time daqui. Era verde. Pior torcida que tinha, indisciplinada (risos).
P/1 – E como que era a camisa?
R – Verde.
P/1 – Tinha algum símbolo?
R – Tinha um símbolo, o símbolo do Santos, assim, São Pedro Futebol Clube. Tem o time até hoje registrado na comissão de esporte, mas a gente curtiu muito, era muito bagunceiro. Daqui a pouco, “nós saia” de lá, ia pra discoteca, fazia mais bagunça. Eu não sou de beber muito, eu bebo uma cervejinha, a única bebida que eu bebo, se a gente perdia, vamos beber de tristeza, se empatasse, bebia porque empatava, se ganhasse, bebia de alegria, pelas três coisas, bebia (risos). Era um barato esse time de futebol. Uma vez, nós fomos em Caraguá [Caraguatatuba] (SP), nós perdemos de 12 a zero (risos), eu mesmo apitei o gol, ainda roubei dois gols, senão seria 14 (risos). Mas era uma curtição. Eu perdi dois carros para o time de futebol, mas é divertimento.
P/1 – Mas como?
R – Perde, arrebenta nas estradas ruins, nos barros, nas buraqueiras, levando jogador de futebol sem ganhar nada. Ninguém paga nada, nem a lavagem de roupa, pessoal não pagava a mensalidade. E a gente fazia porque gostava, né?
P/1 – E aí, vocês jogavam aqui, treinavam aqui?
R – Não, treinava na Praia Grande, naquela quadra, lá, que a estrada ali era barro, depois jogava no estádio, jogava no Portinho, no Portinho, lá na Feiticeira tem um campo. Hoje melhorou bem, tem iluminação, tudo, hoje já tem quadra ali. Ia todo mundo, domingo à tarde era isso, sábado à tarde ia treinar e domingo ia jogar bola. Levava fogos. Eu tive uma infância… O meu filho também, tinha escolinha de futebol, nós curtíamos muito também, viajava muito a escolinha de futebol daqui, ia pro interior com essa escolinha, a molecada hoje, os moleque tudo, tem 20, 26, 27 anos. E os meninos tudo considera a mim, porque eu levava fogos, quando Ilhabela entrava em campo, eu soltava fogos, a molecada virava um auê: “Vamos ganhar, vamos ganhar esse jogo!”, e ganhava. Era muito gostoso. Por isso que o pessoal considera a mim, gosta de mim. Quando eu vou na cidade, a gente fica curtindo, fica conversando de futebol, que o futebol… O meu filho teve problema, o meu filho trabalhou no Bradesco quatro anos, ele teve que sair porque tinha uns meninos que era tudo molequinho de dez, 12 anos, alguns teve estudo, né, outros saíram para outro lado e conheceram ele, começaram a fazer ameaça. Aí, ele trabalhava no cofre do Bradesco, teve que sair. Teve que entrar no Santander, ganha menos, mas trabalha de caixa, entendeu? Teve vários moleques que começaram a fazer ameaça pra ele, que ia pegar ele, ia sequestrar e tal. É complicado. Cidade pequena é bom, mas tem esse lado, né? Que a gente é muito popular, né?
P/1 – E como é que você se sente quando você anda na rua e é cumprimentado pelas pessoas? Você sente esse reconhecimento, tanto de ter ajudado lá antigamente com a história dos carros, mas também por ter aqui o comércio?
R – Cumprimento o pessoal… Hoje, eu não conheço muito o pessoal, pessoal que conhece a mim (risos). Na cidade, às vezes, eu conheço alguém: “Oi Zico, tudo bem?” “Tudo bem”. Eu estava em Caraguá e quando eu vou pra Caraguá, eu coloco, às vezes, boné, e entrei no Shibata à tarde, aí tinha um rapaz, o rapaz veio me pedir dez reais. Eu disse: “Não tenho dinheiro, eu compro aqui no boleto, no cartão”, e fiz assim, né? Daqui apouco, ele olhou pra mim e disse: “Você tem dinheiro, sim, você é lá do mercado do Zico de Ilhabela”, lá em Caraguatatuba. Eu disse: “Vou dar dez reais pra esse rapaz comprar o remedinho dele…”, sabe qual o remédio dele? (risos) Senão, ele vai me riscar o carro, então furar um pneu e vai ser mais caro: “Eu acho que eu tenho dez reais aqui, vou te dar dez reais”, entendeu? Então é assim, você tem que ter o jogo de cintura com as pessoas boas, com as boas, tudo bem, mas com as pessoas más também, em qualquer lugar, a pessoa pede pra eu pagar uma cerveja, pagar um cigarro, eu pago: “Dá pra pagar um lanche pra mim?” “Pode comer, não tem problema”. Agora, faz uns dois meses. Eu fui na vila, eu tava no restaurante, daqui a pouco, entrou uma moça e até me chocou, fiquei até emocionado, a menina: “Você não é o Zico?”, eu disse: “Sou”, me abraçou, me beijou e chorou “Por que menina que você tá chorando?” “Puxa, eu morei no São Pedro, você me deu muitos pães pra mim, muito doce, porque eu morei com o meu padrasto lá e só comia peixe, peixe. Era doida pra comer um doce daquele e você me dava”, dava pra criança porque a criança não tinha dinheiro. “Quantos pães de forma e pãezinhos você me deu”, eu disse: “Deus me dá em dobro”, a menina começou a chorar e eu também. Fiquei emocionado e a moça falou: “Já casei, já sou vó, mas quando eu era criança, eu morei no São Pedro”, umas coisas assim que eu quando morei em Santos, eu tive dificuldades também, eu fui trabalhar sem café. Isso me serviu de dignidade pra mim, eu fui na padaria de um português, de um espanhol e pedi um café com leite, um pão com manteiga, não tinha café na casa da minha irmã, mas eu fui trabalhar. Aí, o português falou pra mim assim, o espanhol: “Você me paga”… “No momento que pagarem pra mim, no meu pagamento, eu venho aqui e pago”, aí tomei o café, continuei trabalhar, depois de uma semana, eu recebi, eu fui lá e paguei. Isso serve muito de experiência pra gente, graças a Deus. Você vê, hoje, o que eu dou de pão para o pessoal, açúcar à vontade, leite, café, você vê como que é a vida da gente, né? E você vê, o meu filho mesmo, ia para o judô, ia pra escolinha de futebol, disse; ‘Pai, eu fui na padaria e eu peguei um lanche lá…”, no Anchieta, onde é hoje o Bela, lá, na rotatória, disse: “Leva o dinheiro e, amanhã, você paga, hein. Paga porque outro dia que você precisar, você tem”, ele levava e pagava, entendeu? Então, quando você tá sem dinheiro, não é porque eu sou comerciante, eu tenho experiência daqui, pessoal vem e paga, você confia naquela pessoa. Agora, quando a pessoa não paga, não tem, é ou não é?
P/1 – E seu Zico, conta pra gente porque que no final das contas, com toda essa experiência de comerciante aqui na Ilha, você resolveu ficar, né, e resolveu segurar o mercado e manter todo esse trabalho?
R – Primeiro porque a gente tem amor, né, pela coisa. Quando você começa do nada e vai conseguindo, você vai conquistando, você vai adquirindo as coisas, né? Então, como que diz? Quando se consegue adquirir as coisas, vai incentivando a gente a trabalhar, né? A funcionar o comércio, agora quando o comércio cai que nem essa época de frio, de baixa temporada, dá uns balanços, você tem que ter pé firme pra segurar, porque sabe que na temporada, deslancha, né? Temporada, de setembro em diante, vai embora, entendeu?
P/1 – E como é que é pra você morar aqui? Aqui no São Pedro, na Ilhabela?
R – Bem. Eu moro bem, eu gosto. Não tenho vizinhos perto, entendeu? Tem a creche do lado, a casa de veraneio do lado, eu só tenho um vizinho aqui que é a casa do meu irmão, que também não enche o saco, entendeu? Eu me sinto bem. A gente conhece o pessoal do lugar, tudo. E de boa. Quando vem alguém encher o saco, sempre tem o pessoal do lugar: “Deixa comigo que eu boto esse cara pra correr”, não precisa nem a gente por a mão (risos), não precisa nem chamar a polícia. Pessoal diz assim: “Quer que eu bote pra correr?” “Bota pra correr”, pronto.
P/1 – E quais foram pra você, assim, na sua opinião, as maiores mudanças pelas quais a Ilha passou? A Ilhabela, né, desse progresso que você falou. Você até falou algumas coisas, né, ao longo da entrevista, mas…
R – As mudanças, veio os condomínios, né, veio os bons clientes, como também veio os maus, né? Você tem problemas com uns… Veio os clientes bons dos condomínios, né, com o progresso, mas também veio os maus, né?
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Meu sonho é continuar aqui, aposentar e continuar aqui. Trabalhar daqui pra frente, já tô com 60 com mais dez, são 70, aí trabalhar menos, mas continuar, é ou não é? Sempre administrar. Meus filhos têm estudo fundamental, né, eu não tenho, mas eu tenho a teoria. Outro dia, minha filha deu uma perdida ali no comércio, ela disse: “Caramba pai, me perdi aqui nessa compra”, eu disse: ‘Eu falei pra você, não falei? Mas você perdeu. Se perdeu na compra, você tem que ter uma base dentro da compra”, você não pode tipo assim, vou comprar esse final de semana 100 caixas de cerveja, não vou comprar 200 porque o prazo é curto, então vou comprar 100 porque vai girar essas 100 durante essa semana, entendeu? Vou comprar meia-dúzia disso aqui porque isso aqui roda pouco, gira pouco. Esse aqui eu já posso comprar três dúzias, entendeu? Fala um item, pra mim que item que não tem no mercado, por exemplo. Se eu tenho ou se eu não tenho, um item, um produto.
P/1 – Ih, nem sei.
R – Qualquer produto. Pergunta se eu tenho ou não.
P/1 – Rafa, ajuda aí, fala um produto.
R – Um produto, vamos ver se eu tenho ou não. Eu sei de cor se eu tenho ou…
P/1 – Todos?
R – Sei.
P/1 – É que eu tô pensando nos muito fáceis, tipo sabonete…
R – Sabonete tem.
P/1 – Macarrão.
R – Macarrão tem. Agulha de costurar…
P/1 – Ah se você falou, tem.
R – Tem.
P/1 – Pente de osso.
R – Tem.
P/1 – É nada?
R – Tem.
P/1 – Desse de por no bolso?
R – Tem. Tem aqueles pentinhos. Tem. Que mais? Camisinha de lampião. Tem. (risos) Sabe essas camisinhas de pesca, para lampião a gás? Tem. Fala outro item. Pensa aí um item, vamos ver.
P/1 – A gente até já deu uma volta e viu algumas coisas, né?
R – Outra coisa, outro dia, pessoal daqui do bairro não sabe o que é alcaparra, sabe o que é alcaparra?
P/1 – Alcaparra?
R – É. Pra temperar o peixe. Então, eu tenho. Pessoal outro dia, eu fiz a pergunta para o pessoal ali, os caiçara: “O quê que é alcaparra?” “Eu não sei o que é isso”. Mas o pessoal turista gosta de alcaparra pra temperar o peixe. E fica bom. Pode pergunta um item que eu sei de cor se tem ou não tem.
P/1 – E o quê que é uma coisa que não tem? Porque eu só consigo pensar as coisas fáceis.
R – Se não tem, eu já escrevo no caderno. Se eu não conseguir no fornecedor, eu vou em São José e trago, vou nos atacados, nos maiores atacadistas e trago. Três itens, quatro itens, meia-dúzia eu tenho. Tem produto que tipo assim, alcaparra, azeite de dendê, você tem que ter uma meia-dúzia, entendeu? Outro dia uma moça lá de baixo, ligou pra mim: “Zico, [vou] fazer um peixe…”, na semana santa, “Queria azeite de dendê, será que você tem?” “Tenho, pode vim” “Aí que beleza”, era oito horas da noite, vai na cidade? E tem. Então por isso que você ganha o cliente. Por esse tipo de coisa.
P/1 – Então tá certo. Eu então, em nome do Museu da Pessoa e também da prefeitura de Ilhabela, agradeço sua entrevista, seu Zico, muito obrigado.
R – Obrigada vocês.Recolher