Museu da Pessoa

Espetáculo de luzes

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ney Bonfante Piedade

Histórias que Iluminam
Depoimento de Ney Bonfante Piedade
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 25/04/2016
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV07_Ney Bonfante Piedade
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições

R – Nome?

P/1 – É, nome e local e data de nascimento.

R – Meu nome é Ney Bonfante Piedade, eu nasci em Leme, no Estado de São Paulo, no dia 17 de novembro de 1962.

P/1 – E o seu pai?

R – Meu pai Paris Piedade, ele nasceu acho que em Barretos, não tenho certeza, no dia 8 de julho de 1920, é falecido já há muitos anos e minha mãe, Mirian Fregan Bonfante, nasceu em Leme, 2 de dezembro de 1923, também já falecida.

P/1 – O seu pai, você sabe, qual que é a origem da família dele, os seus avós, o que eles faziam?

R – Olha, a origem que eu saiba, é portuguesa, e eles são de uma outra cidade do interior, eles vieram de Itapeva, uma cidade, enfim, próxima de Itapetininga, enfim, e não sei dizer, é curioso, eu sei muito mais da história da minha mãe do que da história da família do meu pai, dos Piedades, né? Eu sei que são de Itapeva, pelo menos, esse núcleo, é isso.

P/1 – Eles trabalhavam, assim, você não sabe, mais ou menos o que aconteceu?

R – Não sei, não sei. Eu tinha muito mais contato com a família da minha mãe, desde muito menino.

P/1 –Entendi. E o seu pai cresceu em qual que é a cidade?

R – Eu acho que ele nasceu em Barretos, porque pelo menos, é a memória que eu tenho, às vezes, a memória prega peças em nós, mas a memória que eu tenho é essa. Agora, eles viveram depois de casados com a minha mãe, antes de eu nascer, que eu sou o caçula dos irmãos, eles viveram em Curitiba, viveram em Leme e depois, nós viemos para São Paulo, mas aí, eu já tinha nascido e vivemos aqui todo o resto da… enfim…

P/1 – E o seu pai, ele desde pequeno, cresceu em Barretos ou ele cresceu… aí você…

R – Eu não sei, tenho pouquíssima informação sobre… curioso…

P/1 – Então, mas ele era advogado, você falou pra mim, né?

R – Ele era advogado.

P/1 – Entendi. E você sabe como é que eles se conheceram, seu pai e a sua mãe?

R – Nossa! Que curioso. Eu não faço ideia, não sei.

P/1 – Eles não falavam muito isso, essas coisas para você?

R – Não. Na verdade, eu convivi muito pouco com o meu pai. Quando eu tinha dez anos, nove anos, eles se separaram, na época, era o desquite, não era nem divórcio, nem existia isso, então, depois disso, eu tive pouco contato com ele.

P/1 – Entendi.

R – Então, não sei dizer mesmo, assim, não…

P/1 – Não tem problema. Agora, já que você falou da sua mãe, como que é a família dela, os seus avós?

R – Os Bonfante são… minha mãe era neta de italianos, que o meu bisavô, ele veio para o Brasil, foi fim do século XIX, não sei com precisão, mas ele era ferreiro, de ferrar as patas de cavalo, das como é que chama? Ferraduras de cavalo, em um pequeno lugar no interior de São Paulo. Essa é a história que eu conheço, não sei nem se é correto, mas enfim, que foi se formando um vilarejo, tal, de onde surgiu essa cidade de Leme, que tinha um posto de ferreiro, não sei se tinha uma igreja, aquela coisa que vai formando no interior, era o caminho dos tropeiros, porque é onde hoje tem a estrada Anhanguera, que vai para Minas. Então, provavelmente, era o caminho de tropeiros, tal. Nesse local ele se instalou, era ferreiro e aí, se instalou lá, a família nessa cidade de Leme, embora eu não tenha mais muito contato, mas foi onde nasceram os meus avós, o avô Guilherme e a avó Clara, os pais da minha mãe e ela tinha mais um irmão, o Milton, o tio Milton. Eu saí de Leme, nossa família se mudou de Leme para São Paulo, eu era muito pequeno, eu tinha cinco anos, quatro anos, então, eu não tenho muita memória desse momento da minha primeira infância. Eu tenho mais memória depois que eu frequentava muito com a minha mãe, nós íamos bastante lá, porque a mãe dela ainda era viva, o pai já era falecido, meu avô Guilherme, pai da minha mãe, eu me lembro dele, mas sempre muito pequeno, são memórias, assim, bem flashes assim, de memórias. A minha avó, não, minha avó não tenho certeza, mas eu devia ter uns 14 anos, 15 anos, quando ela veio a falecer, então, eu tive mais contato. É isso. E aí, eles tinham não sei direito, o meu bisavô, depois os filhos, sobrinhos, a família foi crescendo, eles tinham uns negócios da família na região, uma cerâmica, uma fábrica de pequenos negócios, assim, que era costume até hoje das famílias, ir deixando, deixa para um filho uma coisa, para o outro filho, outra, uma mecânica, um fábrica de tecido, um comércio, enfim, eles eram uma família de classe média lá da região, classe média, enfim, e é isso.

P/1 – De Leme, né?

R – De Leme.

P/1 – Então o seu pai, sua mãe se conheceram, tal e eles se mudaram bastante, foi isso?

R – É, antes de eu nascer, eu sei que eles moraram em Curitiba no início, não sei se foi logo que eles casaram, enfim, mas moraram em Curitiba, foi bem no início do casamento deles, não sei dizer, talvez o irmão mais velho, o Acácio já tivesse nascido, devia ser um bebê e depois, eles voltaram para Leme, onde eu nasci. Nós éramos seis irmãos. Então é isso. E depois, viemos para São Paulo, onde eles viveram juntos, até se separarem.

P/1 – Então, como é que é você nessa escadinha dos seus irmãos?

R – Ah, eu sou o caçula de seis homens.

P/1 – Seis homens?

R – Seis homens, é.

P/1 – Quem são seus irmãos?

R – Os nomes? Acácio, o mais velho, que já é falecido. Paris Piedade Junior, Marcos, Milton, Guilherme e eu. Seis homens. Eu quando nasci, o meu irmão mais velho, o Acácio, que era vivo, ele tinha acho que 18 anos. E aí, assim, o primeiro, o segundo, o terceiro irmãos tinham uma diferença pequenininha, de dois anos, um ano e pouco cada um. Depois, tinha um pequeno espaço, veio o Milton e o Guilherme que são muito próximos e depois de oito anos, eu nasci. Então, eu diria que pelo menos tinha duas gerações lá entre os irmãos, uma geração entre os irmãos, quer dizer. Os mais velhos e eu acho que de uma outra geração, mas era muito gostoso, a memória que eu tenho… devia ser um horror, mas era muito gostoso, é uma coisa muito boa para a minha memória da família dos irmãos em casa, aquela multidão, da farra que era de manhã, você escovar dentes, tomar banho, se arrumar para sair, para mim, era uma memória que eu tenho é muito boa. Pelo menos, como sensação, né? É isso.

P/1 – E as suas primeiras lembranças são em Leme, então, que você tem?

R – É como eu falei. Dessa época em que nós vivíamos lá, eu tenho pouca lembrança, muito pouca e às vezes, eu provavelmente, eu confundo fatos que me contaram com fatos que eu vivi. Mas eu me lembro de coisas assim, que nós morávamos numa casa que era imensa, pelo menos, talvez por eu ser pequenininho, a casa eu achava que era imensa, tinha um quintal que era coisa de interior, que tinha um monte de árvores e bichos e coisas para se fazer, para se explorar…

P/1 – Árvores?

R – Árvores frutíferas, sei lá, goiabeira, limoeiro, laranjeira, abacateiro, enfim, árvores, árvores mesmo assim. Então, era uma coisa… mas eu vivi muito pouco lá. Aí, depois, quando eu passei a frequentar Leme, já um pouco maior, aí eu tenho outras lembranças, outras memórias, mas da casa da minha avó, dos meus primos, dos amigos…

P/1 – E você sabe por que os seus pais se mudaram de Leme para São Paulo? O que aconteceu?

R – Olha, eu não sei assim, com exatidão, mas pelo menos, o que eu acho que houve, o meu pai era advogado e eu acho que ele tinha não sei se era um sonho ou… que Leme é uma cidade muito pequena, uma cidade que hoje, no século XXI, deve ter 40 mil habitantes, 50 mil habitantes. Então, na época, devia ter metade disso, estou falando de 50 anos atrás, 40 e poucos anos atrás. Então, imagino que ele veio buscar um mercado como advogado, era a maior cidade do Brasil, enfim, buscar um mercado de trabalho, buscar a riqueza, alguma coisa assim, do gênero. Como eu não conheci muito, não tenho toda essa… não sei dizer exatamente os objetivos dele, eu sei que pelo conhecimento que eu tinha do casal e da minha mãe, provavelmente, ela veio porque ele quis vir, porque a mulher segue o marido, leva os filhos, aquela coisa toda da família aí, porque é o pai que determina isso, né? Mas não sei dizer, mas provavelmente é isso, as coisas de mercado de trabalho.

P/1 – E quando vocês vieram para cá, para São Paulo, vocês foram morar onde?

R – Nós moramos, primeiro, ali na Santa Cecilia, perto da… rua Veridiana, numa travessinha da rua Jaguaribe. Moramos ali pouco tempo, pelo menos, a memória que eu tenho foi o primeiro local, assim. E depois, em seguida, nós mudamos para a Avenida Angélica, lá em cima, quase esquina com a Praça Buenos Aires, aí lá vivemos acho que uns seis anos, cinco anos, aí eu já era maiorzinho e depois, mudamos aqui para o Paraíso, na rua Abílio Soares, onde eles se separaram, tal.

P/1 – Então, você ficou bem pouco tempo mesmo na Santa Cecilia, você acha? Não tem muitas memórias de lá, assim?

R – Não, não tenho quase nada. Eu me lembro só porque depois, por coincidência, nós estudávamos, eu e os meus dois irmãos próximos num colégio que era pertinho ali, na rua Jaguaribe, o Colégio Claretiano, então eu sei porque ou alguém me falou, alguém me mostrou e enfim, eu me lembro, mas de casa assim, que eu me lembro mesmo, a primeira foi essa na Avenida Angélica.

P/1 – E quando você veio para cá, você já entrou na escola? Já tinha entrado na escola antes?

R – Não, eu entrei nesse colégio, o Colégio Claretiano, na época, não existia, pelo menos, não era costume da nossa família, não tinha essa, hoje em dia, a criança, às vezes, com meses já vai para uma creche, mas tem Jardim I, Jardim II, Pré-Jardim, Pós-Jardim e na época, não, tinha pré-primário e depois, começava o primário, depois o ginásio e assim por diante, né? Então, entrei nesse colégio no pré-primário, fui alfabetizado, embora, eu tenha uma lembrança que em casa, minha mãe já me ensinando a ler, porque uma memória que eu tenho boa é que nós tínhamos muitos livros em casa, muitos, muitos, muitos. Então, eu sempre gostei muito de ler e eu acho que eu devo isso a eles, nesse sentido, de oferecer essa possibilidade, né?

P/1 – De estar cercado de livros?

R – De estar cercado de autores… na época, se usava muito coleções, então, você tinha a coleção do Monteiro Lobato, do Eça de Queiroz, do Machado de Assis e assim por diante, livros de Direito, no caso, por ele ser advogado, mas muita literatura, muita, muita coisa e para uma criança que está aprendendo a ler, pelo menos, eu gosto de ler até hoje, adoro. Então, é um universo maravilhoso, é o que hoje, a geração da minha netinha tenha com a internet, e nós temos isso com os livros, que para mim foi muito bom.

P/1 – E você se lembra da sua mãe te alfabetizando, então? Como é que era isso?

R – Eu tenho a sensação, porque quando eu fui para o colégio, eu lembro que eu achava… mas eu achava muito fácil aquilo que eu estava aprendendo, muito fácil, então eu tenho a sensação que eu já… se não lesse, eu já tinha algum contato, talvez por essa coisa de ter esse monte de livros em casa, mas não era nada especial, era só uma coisa de talvez, diferente, para algumas famílias, enfim. E eu tenho quase certeza que os primeiros contatos que eu tive com as palavras, com as letras foi através da minha mãe em casa.

P/1 – E como é que era em casa, você falou que tinham todos os seus irmãos e tal, mas a sua mãe ficava em casa com vocês?

R – Ela não trabalhava, era do lar, era uma esposa… acho que era o formato da época, daquela década de 1960, início de 70. Meus irmãos, todos, eles já trabalhavam, ou estudavam e trabalhavam, ou estavam começando… como eu falei, meu pai era advogado e os meus dois irmãos mais velhos também seguiram a carreira, também se tornaram advogados e eu acho que o mais velho já era formado ou estava se formando, pelo menos. Como eu falei, quando eu nasci, ele tinha 17, 18 nos, ou seja, quando eu tinha sete, oito anos, ele já provavelmente, já estava formado na universidade, na faculdade, o segundo estava se formando, ou era recém-formado e depois, vinha o Marcos que demorou um tempo para ele encontrar a carreira, profissão dele, enfim, na época, não faço ideia do que ele fazia, mas lembro que ele estava tentando alguma faculdade ou algum trabalho. Ele, uma época, foi desenhista, fazia charges, fazia ilustrações. E os outros irmãos estavam, o Milton e o Guilherme que são os dois mais próximos, estavam no colegial, no ensino médio, né? Então, eles não trabalhavam, mas a minha mãe ficava em casa e ela só passou a trabalhar bem depois, depois da separação, até então, ela nunca tinha trabalhado fora assim, enfim, se bem que cuidar de seis filhos não deve ser fácil.

P/1 – É! E como é que era assim, em casa, você… me diz assim, você acordava, já estava todo mundo acordado, ou a sua mãe acordava você?

R – Olha, quando eu era muito pequeno, a sensação que eu tenho, é que eu… que assim, nós dividíamos os quartos, imagina, para você ter seis irmãos…

P/1 – Lá na Angélica?

R – Na Angélica, embora o apartamento fosse bem grande, a memória que eu tenho é que ele era bem grande, tudo para mim era muito grande na época, né? E embora o apartamento fosse bem confortável, tal, mas nós dividíamos o quarto, então, era mais de um irmão… então, eu não tenho certeza, mas eu acho que o que precisava acordar mais cedo, acordava o resto, porque querendo ou não, né? Então, eu lembro que eu acordava cedo, mas não me lembro da minha mãe chamando, isso só depois. Nessa época, não, acho que quando mais jovem, é mais fácil de acordar, é divertido acordar, eu não sei. E eu estudava à tarde, no caso, dessa primeira… no primário assim, eu estudava à tarde, então, passava a manhã em casa e até o horário das pessoas saírem para trabalhar, saírem para a escola, cada um para a sua atividade, tinha muito movimento, que era muita gente e os apartamentos com configurações antigas, então, hoje em dia, qualquer apartamento tem suítes, tem vários toaletes, tem vários banheiros, lavabos, na época, não, os apartamentos antigos tinham um banheiro imenso, né, então você imagina, juntar cinco irmãos, fora eu que era o meu pai, as pessoas se barbeando, tomando banho, escovando dente, aquilo era uma feira, né? Era uma feira, aquele momento era muita…

P/1 – Tinha que ter uma organização mínima, eu imagino, né?

R – Eu imagino que sim, eu não sei porque como eu era muito pequeno, eu ia onde me mandavam: “Agora, você vai tomar café”, eu ia tomar café (risos), “Agora você vai fazer a lição”, eu ia fazer a lição, não tinha muita opção, não tinha muita escolha., mas eu me lembro dessa coisa do movimento, tal, isso era efervescente e a memória que eu tenho de ser uma coisa gostosa, boa, tal. Achava muito divertido.

P/1 – E o clima com os seus irmãos era bom, porque apesar de você ser menor, eles te tratavam bem?

R – Provavelmente, eu era muito chato porque uma criança no meio de adolescentes e adultos, né, porque na verdade, era isso, eu era uma criança de primeira infância com irmãos adolescentes que também não deve ser fácil, e com irmãos adultos, né? Então, provavelmente, eu era muito chato, eu devia dar muito trabalho, mas pelo o que eu me lembre, eu me dava bem com todos, tinha talvez mais proximidade com um ou com outro, mas enfim, eu me dava bem com todos. Eu me lembro de… agora, tinha muita discussão, muita briga, o que é natural, duas pessoas já acontece isso, imagina seis, mais o pai, mais a mãe, mais algum agregado, mas a sensação que eu tenho é que era muito divertido, durou pouco, porque o mais velho casou, saiu de casa,

segundo também casou, o Marcos que é o terceiro, eu não me ;lembro… eu tenho uma memória dele… quando nós mudamos para o Paraíso, que foi em 71, 72, aí eu estava fazendo dez anos, morava só meu pai, minha mãe, eu e eu acho que os outros dois irmãos, o Guilherme e o Milton, pelo menos, ou eles também já estavam saindo de casa, mas a sensação que eu tenho é que rapidamente assim, eles foram saindo, saindo, por causa da idade, foram casando, foram buscando a sua independência, enfim. E aí, essa sensação, essa coisa da casa cheia, tal, é muito menor, pode até ser que a memória pregue uma peça, mas a sensação que eu tenho é essa, que no Paraíso, a casa já foi esvaziando, esvaziando…

P/1 – Agora na Angélica, como é que foi crescer ali nesse bairro? O que você fazia? Você andava muito por lá? Você gostava de sair?

R – Então, foram quatro ou cinco anos, como eu falei, sei lá, dos seis, sete até… eu não me lembro assim, talvez tenha sido menos tempo, mas eu estudava no Claretiano, que era descendo a Angélica, numa travessa, na Jaguaribe e a memória que eu tenho é que tinha uma senhora que trabalhava conosco, que ela me acompanhava, eu ia e voltava com ela, passava um período grande, à tarde, à noite não saía de casa, enfim, nós morávamos do lado da Praça Buenos Aires, que era um lugar muito gostoso, embora não seja imenso, mas é um quarteirão arborizado, hoje vale ouro, né, na época, era uma coisa banal até para a cidade, mas era muito bonito, muito gostoso, não existia acho que o trânsito era outro, a violência nas ruas eram outras, tudo era mais devagar. Por mais que fosse agitada dos adultos, com certeza, mas o ritmo da vida do ser humano de uma cidade como São Paulo, em fim dos anos de 1960, era um outro ritmo do que é hoje, mesmo para as crianças pequenas, é outra coisa, essa coisa ferrenha, informações, tudo… então, me lembro da banca de jornal que eu gostava de comprar os meus gibis, quando eu ganhava a minha mesadinha, lá, o meu dinheirinho toda semana, tal, me lembro da praça, me lembro de jogar bola no prédio, não tinha muita criança, então, era chutar a bola na parede, às vezes, sabe aquela coisa? Mas onde eu tive mais vivências assim, foi depois no Paraíso, porque eu já tinha dez, nove, dez anos até o momento que eu saí da casa da minha mãe, né?

P/1 – Entendi. Agora, em outros aspectos de casa, assim, vocês assistiam muita TV em casa, tinha TV? Você se lembra disso, assim?

R – Nesse primeiro momento, eu me lembro assim, que a TV não era assim, tão significativa numa casa como talvez seja hoje. Eu me lembro muito de música, de rádio, de música, me lembro de… não sei nem se tinha novela, já devia ter, já existia novela, com certeza, mas não sei se tinha esse hábito das pessoas se reunirem. Eu dormia muito cedo, então provavelmente, eu não me lembro, mas acho que oito horas, oito e meia da noite, eu já estava me recolhendo, então, eu via muito pouca TV que eu me lembre, eu via muito pouca.

P/1 – Mas vocês ouviam muito rádio em casa nessa…?

R – Acho que tinha muita música, muito rádio, isso eu me lembro. A memória que eu tenho é mais essa do que de televisão, mesmo, nessa primeira infância.

P/1 – E vocês acham que vocês ouviam o quê? Você acha que você se lembra ou é muito difícil?

R – Eu me lembro assim, por conta da minha mãe, posso estar misturando as épocas, mas por exemplo, ela gostava muito de baladas românticas, tem músicas como Stardust Melody, ela gostava muito de Ray Conniff, Baccarat, dessas grandes orquestras, ela gostava dessas cantoras de jazz, coisas mais românticas, Roberto Carlos, enfim. E rádio não me lembro, mas eu me lembro de ter o som me acompanhando, mas televisão, nem sei se tinha programação como tem hoje em dia o dia todo, sei que à noite, não tinha, mas eu não sei nem se tinha ou não. Primeiro advento que eu lembro assim, significativo para mim que eu vi na televisão, que com certeza era preto e branco, embora não… eu acho que foi o mundial de 70.

P/1 – Ah é?

R – É. Me lembro de ver na televisão, nem tinha tanto interesse assim por futebol, porque eu tinha oito anos de idade, acho que eu queria mais era brincar do que qualquer coisa, mas eu me lembro alguma coisa, eu me lembro talvez por ter ganho, então ficou na memória, porque se fosse falar de alguma coisa especial, eu não vou saber dizer, só lembro dessa coisa, talvez porque a família se reunisse, acho que foi a primeira Copa que foi transmitida ao vivo, se eu não me engano, então, eu me lembro dessa coisa, da importância da TV em casa, mas fora isso, não me lembro muito.

P/1 – E era assim, o seu pai saía, ia trabalhar, e a sua mãe ficava em casa, cozinhava, tal?

R – Nós tínhamos, na época, uma senhora que trabalhava conosco, era uma menina, na verdade, depois se transformou numa senhora, Matilde, que ajudava em todos os trabalhos em casa, mas eu acho que ela trabalhava bastante, porque não é possível, e eu me lembro também de uma outra senhora… então, tinha a Matilde que trabalhou em casa com a minha mãe, acho que… nossa, por muitos anos, depois de adulto, eu ainda encontrava a Matilde e tinha uma senhora chamada Alaíde, mas acho que ela cuidava mais de roupa, porque na época, ainda se usava muita roupa branca, camisa com punho, com abotoadura, então, não sei se ela engomava ou não, na época, mas enfim, dava muito mais trabalho roupa do que hoje, então essa senhora ia, não tenho certeza, a sensação que eu tenho é que ela ia uma ou duas vezes por semana, de vê-la eventualmente assim, eu não sei dizer a frequência, mas no mais, era a minha mãe e a Matilde em casa para cozinhar, para fazer tudo para a família toda.

P/1 – Entendi. E como é que era a escola, o Claretiano? Você se lembra, mais ou menos como é que foi esse primeiro momento assim?

R – Olha, eu sempre gostei muito da escola, do ambiente, desde moleque assim, e a sensação que eu tenho, depois, eu gostava muito porque o aprendizado é maravilhoso, mesmo que você seja crítico, mesmo que você discorde, mesmo que você enfim, mas a memória que eu tenho do Claretiano era um colégio de padres franciscanos, se eu não me engano, e eu me lembro que nós tínhamos aula de religião, por exemplo, eu era muito pequeno, então, para mim tudo era uma farra, era uma festa. Mas não sei, o colégio era muito grande, tinham muitos alunos, então talvez por eu ser um pouco mais tímido, um pouco mais reservado, eu não sentisse tão... os meus irmãos já eram mais populares na escola, mas eles estudavam em outro horário. No início, eles estudavam de manhã e eu, à tarde, que eu me lembre, depois, eles começaram a trabalhar e aí, estudavam à noite e eu, à tarde, mas enfim, eu estudei só o primário, só o pré-primário e os primeiros quatro anos. Mas eu gostava sim, era… o fato de ir para a escola era gostoso, independente da aula, e no primário, você tinha um professor que te acompanhava o ano inteiro, não sei nem se hoje em dia ainda é assim, mas na época era assim, você tinha um professor que dava todas as matérias, enfim…

P/1 – Você lembra de algum professor, lá?

R – Eu me lembro de um professor especial, que eu não sei dizer se era o segundo ou o terceiro ano, era o professor Jair, eu me lembro que uma coisa que eu achava muito divertido é que ele fazia uma coisa assim, que o melhor aluno do mês ganhava um prêmio, que era o fato dele ir jantar na sua casa. Eu achava tão divertido, engraçado, o prêmio é ele vir jantar na minha casa? Quer dizer, se ele falasse: “Vou recebê-los

na minha casa”, então achava muito curioso. Depois que eu cresci, eu ficava pensando, acho que ele era um 171, né, porque (risos) uma vez por mês ele ia jantar na casa de um aluno e os pais recebiam e era uma honra, olha que absurdo! (risos) Eu me lembro desse professor por conta disso, não sei se era segundo ano, sei lá…

P/1 – E ele chegou

ir na sua casa, algum dia?

R – Chegou a ir, mas eu acho que a questão ali não era que eu fui o melhor aluno ou não, eu acho que talvez, ele fizesse um rodizio, eu não sei, objetivamente, não sei, mas eu me lembro que ele foi em casa, mas eu não sei se ele foi mais de uma vez, provavelmente, ele foi uma vez na casa… não sei se todos alunos, não sei se ele fez isso com todos para que todos se achassem especiais, não sei. Mas isso nunca saiu da minha memória, sabe? Esse golpe dele (risos).

P/1 – Então, depois vocês se mudaram para o Paraíso, então, né?

R – Para o Paraiso. No Paraiso, quando mudamos, foi em 72, aí em 74 que os meus pais se separaram. Então, na verdade, aí eu vivi lá… minha mãe viveu, ficou bastante tempo depois, mas eu sai de lá em 80, por aí, então foram anos muito gostosos, porque foi minha, acho que adolescência, dos dez até os 18 anos, mais ou menos, uma coisa assim, 17 anos, 18 anos e foi muito… aí, eu tenho muita memória legal, gostosa, embora eu tenha trauma da separação dos pais, embora eu tenho trauma de ver a minha mãe sofrendo por conta disso, enfim, coisas familiares, problemas, tal, dos irmãos irem saindo de casa, mas aí começaram a chegar os sobrinhos, eu sempre gostei muito de criança. Então, começaram a nascer os meus sobrinhos, a família foi surgindo uma nova geração, eu fui crescendo, fui fazendo amigos que aí, pelo fato de viver um tempo sem mudar, sem nada, então você vaio solidificando amizades, amigos assim, que eu mantive durante muitos e muitos anos e eu diria que embora não tenha muito contato, até hoje assim, tenho alguns amigos de lá, onde eu fiz… daí eu já estava no ginásio, já não era mais o primário. Estudava do lado de casa, então, era daqui na esquina, era uma coisa deliciosa, de você sair de casa e em cinco minutos, nem isso, três minutos, eu estava entrando na minha escola, no meu colégio. Aí foi isso, nós fomos morar no Paraíso.

P/1 – E como é que era o Paraíso nessa época?

R – O bairro era muito gostoso, era… para você ter ideia, no edifício que nós morávamos, a Abílio Soares é uma rua que é uma descida, assim, ela vem… nos morávamos quase no nível aqui da Paulista, que é o ponto mais alto assim, da cidade, do piso, do solo. Então, nós tínhamos uma visão do parque do Ibirapuera, da Assembleia Legislativa lá no fim, no Morumbi, você via o contorno do Palácio dos Bandeirantes, você tinha o horizonte, era uma coisa… não tinha outro edifício no nosso quarteirão e como a rua era uma descida, os outros prédios ficavam abaixo. Era muito legal, muito gostoso. Muitas casas, muitas, muitas casas, muitos amigos que moravam em casas. Você andava na rua tranquilamente, da nossa casa até o Parque do Ibirapuera tem o que? Mil metros? Não, menos acho, por aí, era uma descidona, então, nós vivíamos dentro do Parque do Ibirapuera brincando, jogando bola, correndo, tirando o horário de estudo, etc. O Ibirapuera, o DEF ali que era… não sei se ainda existe isso, mas do governo do estado, então, eles tinham atividades esportivas, tudo quanto era tipo de esporte, atletismo, basquete, natação, acho que futebol que não, futebol era em outro lugar, mas enfim, alguns esportes olímpicos, vôlei, tudo gratuito, então você podia fazer esporte, fazia esporte o dia inteiro, era muito legal, muito gostoso.

P/1 –Mas vocês moravam em apartamento, mesmo, né?

R – Apartamento.

P/1 – Eram muitos andares para cima ou era…?

R – No décimo andar.

P/1 – Uma visão grande, né, uma visão alta.

R – É. Tem bastante horizonte. Mas quando eu sai de lá, já vinha surgindo esse monte de edifícios, do lado do nosso prédio, tinha uma casa imensa, que era a sede… não tenho certeza se era uma chácara, um sitio, ou o nome que tem, enfim, mas essa casa era a sede dessa chácara, desse sítio e era uma casa já abandonada quando nós morávamos lá, até dois irmãos meus fizeram um filme – na época, era Super 8, que não existia vídeo, não existia digital, não existia nada disso, então, ainda era película, aquela Super 8 – fizeram um filme Super 8 na casa, uma mistura de comédia com filme de terror, eu não sei, era muito divertido. E é isso, era muito gostoso o bairro, não tinha violência, sei lá, era…

P/1 – Era tranquilo?

R – É.

P/1 – E vocês brincavam de que nessa época, assim, quais eram as brincadeiras da época?

R – Olha, eu sempre gostei muito de esporte, então tudo voltado à atividade física, nós tínhamos um espaço nesse prédio em que nós morávamos, um playground, mas os brinquedinhos mesmo, os brinquedos, aquela coisa básica, trepa-trepa, gira-gira, e acho que escorregador, é o trio, assim, mas eu sei que a gente jogava bola, a gente brincava de polícia e ladrão, brincava de esconde-esconde, essas atividades que envolvessem essa coisa de correr, também brincávamos bastante… na época, começou a surgir os jogos de tabuleiro, eu acho que o War, talvez tenha chegado um pouquinho depois, mas jogos desse tipo, War, Detetive, que é da minha época, não sei nem se você conhece, mas enfim, brincávamos…

P/1 – De jogar bola, também?

R – De jogar bola, é…

P/1 – Mas você não torcia para um time ou você torce?

R – Eu sou corintiano. Que eu me lembre, tirando uma época em que o meu pai era são-paulino e nós éramos sócios do São Paulo, então nós frequentávamos lá o clube e eu me lembro de ter ganho dele um uniforme de goleiro do São Paulo, eu era bem ruim jogando bola, então eu jogava no gol, no início, foi porque era o que sobrava, era uma forma de eu participar e depois, eu comecei a gostar e era um goleiro normal, assim, comum, pelo menos, as pessoas me escolhiam para jogar no gol. Era diferente, escolher porque tinha que escolher o cara. Eu sobrava sempre assim, era divertido.

P/1 – Mas você acompanhava o Corinthians, assim, acompanha?

R – Nessa época, era raríssimo você ter um jogo televisionado, muito raro e quando você via na televisão, era um videotape e os jogos acabavam… a memória que eu tenho é que os jogos começavam às oito, nove horas da noite, hoje em dia, é mais tarde, tal. Então, no horário que os jogos acabavam, no início, eu já estava dormindo, então, eu vivia de ter notícias, de saber, os meus irmãos eram torcedores, então, tirando o irmão mais velho, o Acácio, que era são-paulino como o meu pai, o Marcos, eu não sei nem se ele torcia, mas o Paris, o Milton, o Guilherme e eu, nós quatro éramos corintianos. Eu acho que eu fui no embalo deles, na verdade. A memória que eu tenho é disso, é de que um dia eu falei que era corintiano e era corintiano. E o Corinthians não ganhava nada na época. Eu vi o meu time ganhar um título de campeonato paulista, eu tinha acho que 16 anos de idade, nunca tinha visto ganhar nada. Perdia para o time do Pelé, perdia para o time do Ademir da Guia, perdia para todo mundo, mas talvez por isso é que eu gostasse, porque tinha uma torcida já imensa na época, tal. Então, era raro ver um jogo. Eu me lembro muito de ouvir no rádio, eu ouvi muito Osmar Santos, esses locutores mais antigos, Gilmar Silvério, os locutores que alguns já faleceram, Walter Abrahão, pessoal bem da antiga mesmo. E eu me lembro muito de ouvir no rádio o jogo de futebol e assim, tudo que você ouve no rádio, tem uma emoção muito grande, né, o único perigo é depois se você assiste, fala; “Nossa, era isso que estava acontecendo?”, parece que é outra coisa que está acontecendo. Eu sempre gostei muito de futebol, mas nunca fui fanático.

P/1 – Nunca foi de ter um jogo que marcou ou algum jogador…?

R – Ah não, tem grandes ídolos, principalmente, tem um em especial que é o Sócrates, não só pelo o que ele foi como atleta, como jogador, mas como cidadão, ele criou um movimento que na época, ainda era o fim da ditadura militar no Brasil, então, ele criou um movimento chamado Democracia Corintiana dentro do clube, isso foi muito importante para mim, e ele com as opiniões dele em relação à política, em relação ao esporte, como cidadão, mesmo, uma figura muito importante, o Sócrates é uma figura que me marcou muito. Tem outros assim, do futebol, só, né, como o último por exemplo, foi o Ronaldo, que passou pelo Corinthians, tal, mas aí os outros ídolos, o Ronaldo, o Marcelinho Carioca, como atletas. Agora, o Sócrates pra mim, eu acho que talvez tenha sido o maior nesse sentido, que era o mais completo. Além de ser um grande atleta, além de ter dado títulos para o Corinthians, como cidadão, como ser humano, pra mim, foi assim, o maior de todos.

P/1 – Qual escola você frequentou no Paraíso?

R – No Paraíso, eu fiz o ginásio numa escola chamada Escola Nossa Senhora da Consolação, que novamente, era uma escola de freiras, religiosa, freiras… agora, eu não vou lembrar qual ordem que elas… e que era muito… eu gostava muito da escola, porque era uma escola pequenininha, era uma escola que tinha… hoje em dia, tem colégios que tem sei lá, primeiro ano A, B, C, D, E… sei lá, 40 alunos em cada classe ou sei lá quantos e na época, eram acho que 30 alunos eram muito, talvez, por classe, assim e lá, eu fiz a quinta, a sexta, a sétima e a oitava série. Era do lado de casa, como eu falei, era muito gostoso, fiz grandes amigos, ainda mais por causa da idade também, por ter pego a pré-adolescência, adolescência, assim, e aí, era muito gostoso. A escola pequenininha, me lembro de um professor de Educação Física, que ele tinha vindo… na época era chique, vindo dos Estados Unidos, olha, que chique, então ele trouxe alguns artefatos que ele ajudava na aula de Educação Física, nos ensinava a jogar baseball, tinha um taco, uma luva e uma bola, provavelmente, mas era equipamento, era uma coisa… e enfim, era uma escola que não tinha nem quadra, de tão pequena que era. A quadra era muito reduzida, assim, não tinha uma quadra de futebol de salão, de basquete, não tinha, era muito pequenininha, era uma casa que tinha os… enfim, mas era muito íntima, muito gostosa, as pessoas se conheciam todas, as crianças, os pais, era muito legal nesse sentido, né?

P/1 – E você já tinha alguma matéria que você começou a gostar mais nesse período, assim, ou não?

R – Olha, eu sempre gostei muito de exatas, eu tive sempre muita facilidade para Matemática, para Física, como eu gosto de ler também, História também eu gostava muito, mas assim, principalmente Matemática, Física, eu acho que… Desenho Geométrico, mexer com formas, embora eu não tenha muita aptidão artística para desenho, mas desenho com instrumentos, com réguas, com esquadros, nada muito sofisticado, nem calculadora não existia na época, mas com certeza, não se usava. Sou da época da tabuada, para se fazer contas e tal. Mas eu sempre gostei… gostava mais dessas matérias e uma que eu tinha uma dificuldade imensa, que eu acho que eu tenho até hoje é com Português, mas não com Literatura, com gramática. Eu me lembro de… isso já no ensino médio, mas tinham as chamadas orais de gramática, então, tinha lá análise sintática, análise morfológica, quando as pessoas me perguntavam o que era um objeto direto, eu ficava em pânico, não fazia ideia, enfim, mas é isso.

P/1 – E você falou das leituras que a sua mãe te ajudava, tal, mas quais foram os primeiros livros que você se lembra de ter lido até o fim, que você gostou, que foi…

R – Bom, de cara, Monteiro Lobato. Eu li toda a coleção das Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato, então, os personagens do Monteiro Lobato, Narizinho, Emília, Pedrinho, Visconde de Sabugosa, Rabicó, todos esses personagens ainda ficam na memória, assim, eu gostava… li Machado de Assis, então tem livros como “Memórias Póstumas", assim, que fica a lembrança, eu li Érico Verissimo, como eu falei, nós tínhamos coleções em casa, então, tinha um autor americano chamado Karl May, que ele escrevia sobre a época do faroeste, eram romances assim, então, tinham uns personagens, tinha um índio, que eu era apaixonado por aquele personagem chamado Winnetou, ainda mais porque ele era o índio, então, era o mais fraco, era o perseguido, aquela coisa, então, talvez por ser corintiano, tá vendo, vai criando sempre essa simpatia pelo mais fraco, pelo oprimido, tal. Que mais? Uma coisa que eu comecei a ler em casa e que eu gostava de ler, assim, era enciclopédia, que antigamente se usava ter enciclopédia em casa, nós tínhamos a Delta Larousse e me lembro de ficar, fucei alguma palavra, não sabia o significado, então, diferente de um dicionário, na enciclopédia, você tinha os fatos, né? Dicionário eu também gostava de fuçar, de ler, acho que são esses…

P/1 – Isso tudo com dez anos ainda, 12?

R – A partir daí, foi até o momento que eles se separaram, porque aí, os livros eram meu pai, pelo menos, a memória que eu tenho era essa, mas mesmo depois, o hábito da leitura, a minha mãe sempre teve, ela sempre incentivou, pelo menos, imagino que para todos os filho, e aí depois de uma época, você já tem esse hábito, e aí, você vai sozinho. Até hoje, eu tenho colegas que eu troco livros, livros que eu já li, eu empresto para as pessoas, eles me emprestam, a gente faz uma coisa informal, um clube do livro, mas bem informal, assim. Uma coisa difícil… acho que você não perde nunca mais, não sei, pode ser que um dia eu venha a perder, mas o hábito de ler um jornal todo o dia, de folhar, por mais que tenha no tablet, na TV, no rádio, enfim.

P/1 – Então, seus pais se separaram, você tinha quantos anos?

R – Eu tinha 11 anos, dez anos…

P/1 – Onze anos?

R – É, é. Acho que foi 74, não sei a época, exatamente, mas eu faço anivers´zrio no fim do ano, então, eu conto que eu tinha 11 para 12 anos.

P/1 – E se você quiser falar pra mim como é que foi, vocês estavam em casa, viu que estava meio ruim o clima? Como é que foi?

R –

Na verdade, eu acho que eu devia ser muito alienado ou muito protegido, ou talvez, ambas as duas coisas, porque eu me lembro de um dia me ser explicada essa situação de que eles tinham se separado. Não sei nem, se eu tinha consciência do que isso significava, né? Nunca tive uma relação de intimidade muito grande com o meu pai, a educação em casa era muito formal, era a coisa da benção, a coisa da família se reunir em volta da mesa, esperar eles sentarem, para todo mundo sentar, esperar se servir, para se servir, não falar determinadas palavras ou assuntos na mesa, a memória, pelo menos, que eu tenho é essa. Então, aí um dia eu soube que eles tinham se separado e eu soube de uma sensação que não era boa que depois eu vim entender, mas que ele me procurava, talvez, por eu ser o menor, o caçula, lá, o pequeno, todos já eram adolescentes, adultos, mas então, eu não podia falar com ele, depois eu entendi, tal, enfim, mas tinha uma certa revolta minha em relação a isso, porque depois que eu tomei consciência do que significava a separação e vi que era… não sei se eu tinha esse conceito, mas que era para sempre, vamos dizer assim, então… mas depois, mesmo depois de separados, eu ainda tive uma pequena convivência, mesmo, não durou muito e aí, a gente se afastou mesmo e… ele se afastou da família toda, na verdade, né?

P/1 – Aí, vocês continuaram morando no Paraíso, no mesmo apartamento?

R – Continuamos morando até o momento em que eu saí da casa dos meus pais, da minha mãe, no caso, ela continuou morando lá e depois, ela ainda continuou.

P/1 – Ele que saiu de casa, então?

R – Ele que saiu. E para ela foi muito difícil, eu fui ter essa consciência muito depois, mas foi muito difícil, porque como eu falei lá atrás, ela foi criada e educada para ser… embora ela tenha feito Unicamp na época da juventude, ela chegou a fazer universidade…

P/1 – Ela fez o quê?

R – Ela fez Filosofia e Pedagogia, ou fez junto, ou fez, enfim… mas ela era graduada na Unicamp, não era assim, uma mulher ignorante, sem conhecimentos, sem cultura, não. Ela gostava de Literatura, gostava de música, foi educada, mas para ser dona de casa, ser mãe, nunca… não tinha essa figura da mulher, da mãe, ainda mais com seis filhos, trabalhar fora de casa, ter uma carreira profissional, né? A formação dela foi mais para se tornar uma pessoa mais educada, mais inteligente, mais culta, não sei, aí eu não saberia dizer a motivação, mas enfim… e aí, depois que eles se separaram, que ela passou a…

P/1 – A se libertar mais, assim?

R – Não sei se libertar, não sei nem se ela queria, mas com certeza, fez muito bem a ela, porque ela foi obrigada a entrar no mercado de trabalho com mais de 50 anos de idade, quer dizer, há 40 anos atrás, você imagina uma mulher que nunca trabalhou, nunca teve qualquer emprego, qualquer experiência, bater na porta de uma empresa e pedir emprego do quê? Fazer o quê, né?

P/1 – Você acha que ficou também um pouco dessa questão de ser divorciada na época, foi mal vista ou não?

R – Talvez com certeza, ignorância sempre houve e sempre vai haver, e preconceito. Então, com certeza, devia haver, mas não sei se na relação profissional, porque por exemplo, quando ela foi para o mercado de trabalho, ela trabalhou em duas empresas, uma foi a Apae – Associação de pais e Amigos de Excepcionais, que ela trabalhava como monitora, não sei o termo é esse, monitora ou professora, enfim, com as crianças e adultos excepcionais, não sei nem como se diz hoje, mas era o termo que se usava na época, especiais, acho que é o termo mais adequado e eram especiais mesmo, eu tenho memórias de alunos dela da época, que era pertinho de casa, ali no Paraíso, que eu me relacionava assim, que eram pessoas maravilhosas…

P/1 – Ah é? Como é que foi isso aí?

R – Ela tinha uma menina, Maria Celina e tinha um rapaz, o rapaz não sei se era Zezinho, Joaquim, eu não me lembro, eu estou vendo o rosto dele na minha frente, que eles eram assim, muito apegados a ela. A Maria Celina, por exemplo, até… ela já era adulta, eu era… devia ter 12, 13 anos, quando eles se separaram, um pouquinho mais 14, talvez, ela já era uma adulta, era uma mulher de sei lá, 30 e poucos anos e até o dia em que ela, pelo menos, que ela ficou incapacitada totalmente, porque ela já faleceu, todo ano, ela lembrava do aniversário da minha mãe, no Natal, no meu aniversário, ela ligava para a casa da minha mãe para falar, conversas e contar, falar como ela estava, como… o que ela vinha fazendo e não sei o que… e o rapaz, ela tinha não sei exatamente qual que era a diferença que ele tinha, digamos assim, mas ele tinha uma vida mais produtiva, ele trabalhava com… acho que era um nível de autismo, então ele tinha uma organização muito grande, tinha uma capacidade, uma memória genial e aí, ele trabalhava na área de arquivos, de almoxarifado e tal e era muito feliz, ele vinha contar as coisas que ele tinha realizado no dia, o que ele tinha arquivado, o que ele tinha guardado e sei lá, por ser criança, por ser mais jovem, eu não via eles como pessoas diferentes ou superiores ou inferiores, aliás, eu via eles como diferentes, mas só, diferente não quer dizer nada, né? Eram diferentes, assim…

P/1 – Foi um contato legal, assim?

R – Ah, eu acho que para ela devia ser muito difícil, para ela devia ser muito cansativo e tal, mas eu imagino que isso ajudou ela a superar uma série de problemas, como eu falei, separação, todos os medos que acho que vieram disso, de você se separar, de você perder o seu provedor, porque na verdade, o homem era isso, ela provinham pagava a conta e o desquite em si, não foi nada amigável e meus irmãos já eram advogados, então, os meus irmãos eram os advogados da minha mãe, então era uma coisa meio… uma mistura de Nelson Rodrigues com Shakespeare, com tragédia grega, sei lá… (risos)

P/1 – Entendi. Envolveu a família inteira esse negócio, né?

R – É assim, eu acho que eu, na verdade, por ser pequeno, assim, muitas coisas eu vim a saber depois…

P/1 – Ficou mais separado do processo, assim?

R – Eu acho que como eu falei, por ser alienado completamente, mesmo por não perceber, não sei se eu não queria enxergar ou não enxergava mesmo e por ser protegido, por ser pequeno, por ser menor, tal. Mas depois, as pessoas vão te contando, vão falando, ela mesma, isso me aproximou muito da minha mãe, nessa época, porque nós vivíamos os dois e aí, tinha um irmão morando conosco e depois que eu entendi aquilo, ele estava morando conosco para ajudar também, porque despesa, tinha aquela coisa toda, né?

P/1 – Sei. E você falou que a diferença entre você e os seus dois irmãos que continuaram com vocês, era de quantos anos, mesmo?

R – Então, eu tenho 53, o Milton fez… eu acho que minha pro Guilherme que é o irmão mais próximo são sete anos e o Milton pra ele mais um ano e pouco, então assim, quando eu tinha dez, 11 anos, o Guilherme já tinha 18 e o Milton, talvez, 20, uma coisa assim, porque o Milton é de 55, eu sou de 62, é e pro Guilherme talvez fosse uns seis, sete anos, por aí.

P/1 – E como é que era isso? Porque você falou que tinha essa questão da ditadura e eles... nesse período, você acompanhava eles nas coisas que eles faziam?

R – Eu ia muito pouco, porque eu nem participava de nenhuma atividade, mas eu gostava porque tinha um grupo de teatro, não é que eles viviam numa comunidade, mas eles tinham uma casa imensa, como se fosse uma vilinha, quase, em Mauá onde eles moravam, se não moravam todos, estavam todos próximos ali, era um ponto onde se reuniam, era um centro cultural chamado Centro Cultural Caetés, então tinham diversas atividades, atividades políticas, inclusive, tinham jornalistas no meio, professores de arte, enfim, e eles tinham uma atividade cultural que eu gostava que era o teatro, que eles faziam e que eu tentava participar da forma que eu podia, quando eu podia, então, ia fim de semana, às vezes, passava um dia, às vezes, passava fim de semana e na época, se usava… era muito precário, imagino que devia ser uma pobreza, não tinha noção, mas era tudo muito simples, então, o que se chama spot lata para iluminar, ou seja, lata de tinta vazia com soquetinho e uma lâmpada rosqueada no fundo, no máximo, pintadinho de prateado por dentro ou papel alumínio, o som era um aparelho de três em um da sua casa que você pega emprestado, era uma coisa assim. E foi ali que eu conheci, embora não absorvia quase nada, mas que eu conheci alguns pensadores como Marx, como Engels, alguns autores assim, como Oswaldo Dragún, um autor argentino muito importante na época. Enfim, comecei a ter mais contato com o teatro, comecei a ter mais contato com arte, na escola, lá atrás, na escola que nós tínhamos estudado, no Colégio Claretiano, chegamos a… eles davam aula e eu participei de um grupinho de teatro, depois no prédio em que nós morávamos, no Paraíso também, fizemos durante um tempo, por influência deles, atividades ligadas ao teatro, montamos um espetáculo, um filme, mas tudo atividades amadoras e tal, mas que vai despertando interesse, né? Eu lembro que para mim era uma aventura, porque eu saía aqui do Paraíso, pegava o metrô, depois descia na estação da Luz, pegava o trem, depois, pegava um ônibus, ou ia andando, sei lá, enfim e era muito gostoso assim. Eu conheci Gonzaguinha, que era um autor que eu me lembro que na escola, quando eu contava que eu ouvia Gonzaguinha e gostava, eles confundiam com o pai, né, e achavam: “Você gosta de forró?”, eu falava: “Não tenho nada conta forró, mas não é forró, não é sanfona”, que era um compositor, assim, um artista também muito…

P/1 – Engajado, né?

R – É, engajado! E é isso. Eu, na verdade, a ditadura, o regime militar pra mim, eu percebi a diferença, é óbvio que quando eu fui crescendo, eu percebia bem mais, mas tinha… na escola, você percebia a diferença, né, na escola, você não tinha tanta liberdade, talvez na escola, tinham assuntos que eram tabus, que você não se discutia, mas que talvez, eu não percebesse o porquê e aos poucos, eu fui… essa convivência com eles me ajudou a me tornar um pouco mais crítico em relação a isso e as veze, até inconveniente, dependendo da situação, porque eu queria saber, eu queria perguntar, eu sempre fui meio curioso, muito chato nesse sentido, então… e na escola, eu tinha, às vezes, assim, não bate boca, eu sempre respeitei, pelo menos até um certo ponto, porque adolescente não respeita muito nenhuma figura, né, que seja autoridade, mas de discutir intelectualmente no meu nível, pelo menos na época, de discutir ideias, de querer entender e não aceitar um sim porque é assim, porque é assado e ponto final, né?

P/1 – Mas por exemplo, por que você falou que tinham assuntos que eram tabus, olhando agora para trás, o que não podia ser falado ou…?

R – Não sei se não podia ser falado, mas por exemplo, uma coisa que eu não entendia que eu não perguntava era porque as pessoas… eu era criança, mas era adolescente, mas porque nós não podíamos votar para escolher o governador, o presidente, alguns cargos e outros sim, porque os militares, porque que era um presidente militar e não civil, porque que os militares tinham tomado o poder, enfim, coisas assim, que eu acho uma grande besteira tudo isso, mas era a realidade, na época. Isso, um adolescente perguntando numa aula para um professor de Matemática, às vezes, que não tem nada a ver com isso, ou de Português, ou de História… mas a realidade era muito dura nas ruas, a realidade nas fábricas, a realidade nas universidades que eu estava muito distante disso, era muito dura, muito difícil, então, eu não tinha noção do que estava acontecendo, das torturas, das prisões, dos desaparecimentos, assassinatos, enfim, dos sequestros, de tudo isso, não tinha noção. Como eu falei lá atrás, da década de 70, que eu lembrava da gente ver a Copa do Mundo, enquanto isso, tinham grupos de esquerda no Brasil sequestrando embaixador americano, né? Então… não fazia nem ideia do que era isso que estava acontecendo, não fazia ideia de quem era Sérgio Paranhos Fleury, o que era repressão, o que era Oban, DOPS, DOI-CODI, nada disso. Depois, você vem a saber, se você se interessa, pelo menos a saber, né, a história…

P/1 – Mas isso foi chegando de pouco a pouco com o contato dos seus irmãos, é isso?

R – Com certeza, eles me abriram essa janela assim, vamos dizer, e foi muito importante nesse sentido, de esclarecimento, de conhecimento. E aí, a partir daí, passa a ser natural você se relacionar com pessoas que tenham pensamentos, não precisa ser exatamente igual ao seu, mas que pelo menos respeitam a sua opinião, o mais importante que eu acho é isso, pode ser diametralmente oposto, mas que consiga ouvir o que você tem a dizer, que não queira te catequizar, que não queira… que não tenha preconceito ao que você pense, da minha parte também, óbvio, é a mesma coisa, um em relação ao outro, então isso vai tornando as suas amizades mais seletivas para o bem ou para o mal…

P/1 – Isso na adolescência, já?

R – Já na adolescência. Então, você vai se aproximando mais de pessoas com pensamento concordante com o seu ou pelo menos… e aí, veio em seguida, quando veio a abertura política, quando veio o fim do regime militar, que foi a primeira… a última eleição indireta, na verdade, a primeira eleição direta para presidente foi em 89, quer dizer, aí eu já tinha 20

e poucos anos de idade, quase… então, eu fico imaginando para as pessoas… meus irmãos mais velhos, esse período de 64 até 89 foram 25 anos, poxa, é uma vida, muitas pessoas viveram, morreram ou cresceram ou envelheceram e sem votar para um presidente, sem votar, sem poder escolher, sem ter muita liberdade até para se reunir, tantas manifestações que você vê aqui nas ruas eram impensáveis na época, impensável, a greve, falar em direito de greve. Eu acho que grandes conquistas dos trabalhadores em geral, você é um trabalhador, eu sou um trabalhado, mas enfim, as conquistas sociais, muita coisa mudou no país nesse período e no período da ditadura, devia ter coisas maravilhosas acontecendo, não sei, mas a liberdade é um bem muito precioso e isso faltava, eu acho, independente de qualquer coisa. E aí, você… eu acho que as coisas foram mudando nas escolas, foram mudando, a relação de trabalho, enfim.

P/1 – E essa época em que você começou a se interessar mais por arte, por teatro, imagino que também foi a época que você começou na adolescência, tal, essa questão que é natural, quase, de começar a ir atrás de namorar ou… isso também aconteceu aí no meio?

R – Olha… acho que sim. Eu (risos) acho que eu era muito bobão nesse sentido, eu me lembro que… minha mãe conta um a história, eu não me lembro disso, mãe também tem umas coisas, né? Mas ela conta uma história que uma vez, nessa escola que eu estudava, no ginásio, era madre superiora, o nome é esse, que era a diretora do colégio, a chamou lá porque estava preocupada comigo. Aí, ela falou: “Pô, mas ele está mal na escola? Achava que ele era um bom aluno” “Não, estou preocupada porque ele tem muito – não sei nem se existia esse termo – assédio, as meninas ficam assediando ele”, e eu não fazia ideia disso, eu nunca fui muito ligado, eu gostava mais de jogar bola, de ler gibi, de ler um livro, enfim, das coisas de moleque assim, mesmo, bem molecão, era muito moleque. Essa descoberta da sexualidade, essa descoberta das meninas, do namoro, eu acho que para mim, talvez, tenha se dado até um pouco mais tarde, não sei qual era a média, o normal ou o comum, mas eu acho que eu me lembro de uma menina que eu namorei, se pode se dizer isso, que morava no meu prédio, ela estava na universidade, já…

P/1 – Nossa!

R – É, eu acho que ela abusou de mim (risos). Eu tinha acho que 14 anos, ela tinha 18, não me lembro, mas deve ter durado um verão, né, aquela coisa assim, ela devia estar de férias, ela morava no interior, a família morava aqui, mas ela veio… não me lembro, uma dessas Unesp da vida aí que ela fazia, enfim, e foi uma das primeiras namoradas que eu tive, assim, eu ficava… nossa, eu acho que eu queria casar, morar com ela sei lá onde… mas também, acho que meia-hora depois, provavelmente, ela me dispensou, no tenho certeza, mas diria que 99% de certeza que ela me deu o fora, digamos assim, meia-hora depois, eu já estava jogando bola, porque… mas aí, foram surgindo as namoradas na escola, no colégio, aí você vai descobrindo isso, acho que foi mais ou menos junto.

P/1 – E como é que se fazia? Você mandava bilhete, falava com a menina, a menina ia falar com você?

R – Olha, tinham coisas muito engraçadas, eu tinha uma namorada na época do colegial, que nós estudávamos na mesma escola, embora em classes separadas, porque eu fazia curso de Desenho Arquitetônico, ela fazia Publicidade, então nós tínhamos algumas aulas juntos, tinham algumas matérias que ela não tinha, outras que eu não tinha, enfim, então nós tínhamos sei lá, duas aulas por dia juntos. Então, nós estudávamos de manhã na mesma escola, depois, à tarde, se não tivesse algum problema, alguma coisa, nós passávamos à tarde basicamente juntos, assim, no digo toda tarde, mas quando passávamos, era à tarde toda ou ela na minha casa ou eu na casa dela e eu me lembro que depois, quando eu ia para casa à noite, eu chegava em casa, a primeira coisa que eu fazia era pegar o telefone, que era o telefone fixo, era discar mesmo e ficar 40 minutos falando com ela no telefone. Eu vendo isso em perspectiva, eu fico pensando que assunto que eu tinha para depois de passar o dia todo com essa pessoa, eu ainda ficar falando? Imagino que devia ser muito importante (risos). Mas as pessoas se encontravam mais, não existia rede social, internet, não existia o conceito disso, não existia o celular, você tinha um telefone fixo na sua casa que tirando essas coisas do adolescente ficar namorando, e que também quando conseguia, quando a mãe não fazia desligar, porque era caro, porque alguém queria ligar e dava ocupado, enfim, então, era se encontrar na escola… acho que eu nunca fui muito assim… eu tive acho que duas, três, quatro namoradas, não sei, significativas, vamos dizer assim, aqueles namorinhos, aquela coisinha de bailinho. Tinha bastante festinha nas casas das pessoas, os bailinhos que faziam na casa das famílias, então, todo fim de semana, tinha uma festinha que você ia e nós tínhamos, já adolescente, uma turminha de sei lá, 15, 20 pessoas, eu não sei, que não era o tempo todo, todos, mas digamos assim, se juntassem todos, davam 15, 20 pessoas no máximo, que viviam juntos, então, tinham as meninas, tinham os meninos, então, as meninas namoravam com os meninos e os meninos com as meninas, assim, eu digo, dentro da turma. Então, o problema é que não podia namorar com alguém de fora. O menino acho que podia, mas assim, a menina… se vinha um rapaz de fora: “Que esse cara tá… com as nossas meninas?”, enfim, era uma coisa territorial, tal, mas nada violento, nada assim, era só uma coisa de talvez, sentir o ego machucado, orgulho, coisas assim, nesse sentido.

P/1 – E o que tocava nesses bailinhos, você se lembra?

R – As músicas?

P/1 – É.

R – Ah, tinha Elton John, que a gente gostava de Elton John, aliás, quem gostava de dançar sempre eram mais as meninas, os meninos gostavam de ficar… sei lá o que a gente fazia, só besteira, provavelmente. Mas Elton John, tocava… estava entrando na era disco, Donna Summer, tinha um conjunto, como é que eles chamavam? Brad, acho que era Brad, tinha poxa vida, é um grupo de funk, não vou lembrar…

P/1 – Não tem problema. Mas era mais ou menos isso, assim?

R – Eram músicas… foi um pouco antes da época disco, logo em seguida, veio a época disco, Bee Gees, veio aquela coisa do Grease, Embalos de Sábado à noite, tal, foi um pouquinho antes que começaram essas coisas dos bailinhos, é que eu me lembro sempre da música lenta, que era o momento que eu ia dançar, porque aí, vinha a menina e arrastava você, né? Você: “Não, não”, até que você tinha que dançar, então, a memória que eu tenho mais era… não tinha, por exemplo, eu lembro que o máximo que se fazia, às vezes, se era numa garagem de uma casa assim, tiravam os carros, punham um lenço numa lâmpada para ficar mais escurinho, acho que a gente tomava Coca-Cola, ou Ki-suco, era uma coisa assim, e quando tinha cuba libre era uma farra, né, mas era tudo menor de idade…

P/1 – E tinham algumas festas que você frequentava, e que você se lembra, tipo, carnaval, que era nessa época? Réveillon?

R – Ah, quando menor assim, eu me lembro em Leme, que nós íamos nessas datas, assim, a memória que eu tenho quando era menor, até os 14, 15 anos que eu acompanhava bastante a minha mãe, então tinham as festas no Clube de Campo lá em Leme, que era uma coisa… era da sociedade, sei lá, e tinha o carnaval de salão, aquelas coisas, as marchinhas de carnaval, tal e o réveillon, eu me lembro mais de coisas de família, daquela coisa de à meia-noite, brindar e tal…

P/1 – Natal também, né?

R – Natal também, em família. É isso, nunca fui muito fã assim, eu cheguei depois de adulto a ir para conhecer o sambódromo uma vez, tal, mas nunca fui assim, muito fã dessas grandes, gigantescas aglomerações, assim.

P/1 – Agora, tem alguma peça, algum evento artístico que te marcou já nessa época de adolescência, 18 anos assim, que você viu com os seus irmãos?

R – Não foi com eles, na verdade, uma coisa que eu me lembro que me marcou foi o primeiro espetáculo de teatro que eu assisti, que eu me lembre, foi um espetáculo chamado “Gospel”, que tinha um ator jovem na época, que era o Antônio Fagundes e eu lembro que foi a

minha mãe que me levou para assistir e o “Gospel” é quase um “Jesus Cristo Super Star”, só que um outro enfoque, né, e também era um musical e foi ali na Bela Vista, tem uma avenida, a Ruy Barbosa, hoje é um viaduto, tem a ligação do SOS, ali tinha um terreno baldio e tinha um circo onde corria esse espetáculo e isso me marcou muito por conta disso, por ser a memória do primeiro espetáculo que eu assisti no teatro e que eu achava maravilhoso aquilo, as pessoas bonitas e depois, eu fui entender interpretação o que significava, personagem o que significava, não era uma pessoa ali, né, era… não fazia ideia de quem eram as pessoas, nem nada, então tinha luz, tudo devia ser muito precário, mas para a época, era muito lindo, assim, para mim foi uma coisa… era fantástico. E depois, um outro espetáculo, mas já um pouco depois, eu já estava começando a trabalhar nessa área em que eu trabalho, que é um espetáculo chamado “Rasga Coração”, do Oduvaldo Vianna Filho, que também era uma… a concepção, a estética, a interpretação, o Raul Cortez fazia o espetáculo, enfim, outros atores, João José Pompeu e era uma história que para mim já era importante, porque falava da ditadura militar, foi um texto que acho que foi permitido montar só naquela época, isso lá no final dos anos 70, início dos anos 80, assim, então isso já bem depois.

P/1 – E como é que foi assistir essas peças? Você se lembra da história, mais ou menos, como é que foi? Você estava na iluminação desse teatro, não?

R – Não, não, não. Eu já trabalhava… estava começando a trabalhar nessa área, na área técnica, tal, mas eu fui assistir porque era no teatro Sérgio Cardoso, era um teatro novo na época, um teatro que um desses meus irmãos trabalhava como técnico de som e aí, eu fui assistir e era um espetáculo… assim, hoje, me lembrando das coisas, eu percebo o como era rudimentar tudo, a questão técnica, mas quantos profissionais, quantas pessoas que trabalhavam na área de cenotecnia, que constroem cenários e fazem eles funcionarem e movimentarem a maquinaria, a sonoplastia, iluminação, o quanto se fazia com tão pouco, né, com tão pouca tecnologia, né? Diferente de hoje que tem muita tecnologia e tal. Eu não me lembro assim, com detalhes da história, eu me lembro de cenas marcantes, tem uma cena de tortura no espetáculo, tem uma cena de um rapaz que é perseguido pelo aparato militar na época e tem coisas assim, mas o que eu me lembro muito, a imagem que eu tenho é da concepção do espetáculo, que eram vários planos. E aí, tinha uma linguagem do presente e do passado que se usava, que depois eu vim conhecer, vim entender o que significava aquilo, então, tinham códigos que o encenador, o diretor e o iluminador utilizavam para contar a história, que eu achei assim, muito… eu acho que foram mesmo muito brilhantes, as saídas que foram encontradas com o que se tinha de equipamento e o que se tinha de… nem pensava nisso, eu acho, mas com a estética, tudo, muito interessante.

P/1 – Na época, você estava nesse movimento com os seus irmãos, só que tinha alguma profissão que você já pensava assim: “Vou ser isso”, ou a sua mãe queria que você fosse, alguma coisa assim?

R – Então, quando eu terminei o ginásio, nós tínhamos um problema que era uma dificuldade financeira para as escolas, para pagar as escolas, tal, não sei o que. Nessa época, ainda tinha um contato, tinha um pouco de contato com o meu pai, e aí, ele achava que eu tinha que fazer Contabilidade, o curso técnico numa escola, num colégio, FECAP – Fundação Escola Colégio Armando Alvares Penteado, era ligado a FAAP, mas era um colégio ali na Avenida Liberdade e ele insistiu para que eu fizesse esse curso e eu me matriculei, entrei nesse curso, mas foi um fracasso total, porque eu acho que eu fiquei um semestre matriculado lá, devo ter isso quatro vezes na aula. Me lembro de um dia que eu cheguei na classe, que o professor fazendo a chamada, não sei nem que matéria era e quando eu respondi, ele parou a chamada, pediu para se identificar, eu me identifiquei: “Muito prazer”, isso já devia ser em maio, o ano letivo tinha começado em fevereiro, março (risos). Eu não suportava a ideia de fazer Contabilidade, na verdade. Se perguntar porque que eu aceitei, e não sei, eu sei que enfim… aí, eu saí e então, eu perdi esse um ano, porque aí já era meio de ano, né? E aí, nós conseguimos… eu falo “Nós”, porque minha mãe e eu num colégio próximo de casa, aqui no Paraíso, ainda, um colégio chamado Benjamim Constant, antiga escola alemã da Vila Mariana, uma pequena bolsa, ou seja, parcial, que depois… isso foi no primeiro ano do ensino colegial, do médio, depois foi aumentando no segundo ano, no terceiro, porque eu tinha que manter um certo nível de notas e não sei o que, comportamento, sei lá, de Desenho Arquitetônico, que das opções que eu tinha na época, a que mais me interessava era a Arquitetura…

P/1 – Não queria Direito também, né?

R – Não, eu acho que eu estava mais para errado, mesmo, né? (risos) Embora eu ache que o Direito, no seu conceito, na teoria é maravilhoso, porque você discute leis, você discute direitos das pessoas, você discute organização de uma sociedade, na verdade, eu acho que é maravilhoso, mas a profissão do advogado em si nunca me… a questão prática, o que é ser advogado, eu acho que talvez, se fosse para dar aula de Direito, talvez deva ser um tema maravilhoso, eu imagino, porque são grandes pensadores, grandes teóricos e o Direito Romano, o Direito Latino, Direito… enfim, deve ser maravilhoso, mas não, nunca…

P/1 – Nunca te apeteceu, né?

R – Nunca! Nem passou perto, assim. Eu diria mais, eu diria que eu tive aquele sonho básico de qualquer menino brasileiro que gostava de jogar futebol, quero um dia ser jogador de futebol, passou na primeira vez que eu caí na real, que eu vi que eu era o pior dos meus amigos, quanto mais para ser um profissional, né? (risos) Então enfim, esse sonho durou acho que 15 minutos, depois, teve uma época que eu achava que eu queria estudar na escola naval, porque eu queria ser… eu achava o máximo não ser militar, mas eu pensava em engenharia, pensava em construir um navio, coisas grandiosas, teve isso e aí, em seguida, Arquitetura era uma profissão, era um trabalho que me interessava, que eu tinha gosto, que eu fazia com o maior prazer. Na época, não se usava… não existia ainda os softwares, os programas, então era tudo desenhado à mão com instrumentos, com réguas, tal, mas à mão, cálculo à mão, você fazia o desenho no tamanho A1, A2, qualquer que fosse, enfim, depois você tinha que por um vegetal em cima e fazer à nanquim a planta, era uma coisa que para você fazer uma planta, você levava, acho que, dias, hoje em dia você faz isso em horas, né, com cálculos, tudo auxiliado com num computador, né, os programas CAD. Então, até que eu descobri esse trabalho na minha área e aos poucos, eu fui abandonando a ideia, até o ponto que eu mal… que eu não terminei o ensino médio naquele momento, eu vim terminar bem depois, só para formalizar e poder dizer: “Eu tenho ensino médio completo”, porque eu abandonei o colégio no terceiro ano, faltando meses pra terminar, é uma coisa que ninguém entendia e acho que nem eu faria isso, hoje em dia, mas na época, eu era tão apaixonado pelo meu trabalho, pelo o que eu fazia, que eu achava que era uma perda de tempo eu continuar na escola.

P/1 – E você entrou nesse meio da iluminação e tal por causa dos seus irmãos, mesmo, foi acompanhando eles, como é que foi?

R – Não. Assim, teve um hiato aí nessa história, porque eles me levaram a conhecer, digamos, esse trabalho, essa área, essa arte, o teatro, tal. Depois, a gente se distanciou um pouco, adolescente, tem outros interesses, aí começa a namorar, começa enfim… eu comecei a trabalhar, eu estudava um período à noite, depois, eu voltei a estudar de manhã e aí, eu trabalhava, aqueles empregos assim: “Seu irmão é advogado, então eu sou…”, eu cuidava do escritório do meu irmão, não acontecia nada, eu dormia ou ficava estudando, porque eu me lembro de atender duas ligações por dia, talvez, ir ao banco uma vez por semana para pagar as contas, aquelas coisas assim, eu acho que era mais ele me ajudando para poder ajudar a minha mãe com despesas, coisas assim, tal. E aí, foi o seguinte, um desses irmãos, o Guilherme, ele foi trabalhar nesse teatro Sérgio Cardoso quando inaugurou, acho que foi em 79, 1978, 79. E não sei se logo que inaugurou, mas enfim, ele foi trabalhar como operador de áudio lá. E eu queria sair da casa da minha mãe, dos meus pais, da minha mãe, né, meu pai já não… e eu precisava de um emprego, precisava me sustentar. Então, ele me indicou uma pessoa que tinha uma empresa de som, de iluminação chamado Gian Carlo Bortolotti, um senhor italiano que vivia no Brasil, vive no Brasil, acho que desde a adolescência, então, é naturalizado, mas é brasileiro, o Gian Carlo e eu conheci essa figura que para mim foi muito importante no meu trabalho, na minha carreira, na minha carreira e na de um monte de gente da minha geração, mas

muitos, muitos grandes profissionais, péssimos profissionais, pessoas que passaram por esse ramo, que são dessa minha geração ou anteriores conhecem o Gian Carlo nessa área, né? E aí, eu bati na porta dele um dia e fui me oferecer para trabalhar com tudo o que eu podia oferecer, ou seja, não tinha experiência nenhuma, não sabia fazer nada, não sabia diferenciar um cabo de um parafuso, eu estudava de manhã, não podia trabalhar o período integral,

enfim, e não sei porque, ele me aceitou e eu comecei a trabalhar nessa área lá. Lá, trabalhava com áudio, com som e ele fornecia som, luz, técnicos, operadores para… na época, eu diria que para 80, 90% dos teatros em São Paulo, os grandes espetáculos, ele iluminava, ele fazia… ele alugava equipamento, o Teatro Municipal, foi quando eu comecei a entrar nos teatros e conhecer e participar de montagens, de ver espetáculos, enfim… foi isso. Na verdade, fui morar com esse irmão, com o Guilherme, ele já era casado e aí, nós morávamos num apartamento pequenininho, de um quarto assim e eu dormia na sala e ele e a mulher, na época, a esposa dormiam no quarto.

P/1 – Onde que era esse…?

R – Na Bela Vista, na Rua São Domingos, num predinho, que até engraçado, que hoje um dos funcionários da nossa empresa mora no mesmo prédio, pura coincidência, em outro apartamento, não no mesmo apartamento, nada, mas é muito curioso isso. Na rua São Domingos e eram dois quarteirões do meu trabalho, assim, era uma coisa… não tinha tanto… não sei se é porque eu era muito mais jovem, mas a sensação que eu tenho é que o automóvel, na época, não era tão importante na nossa vida, assim, era tudo mais limpo, sei lá, tinham locais que as pessoas se encontravam para conversar, para tomar uma cerveja ou Coca-Cola, ou bater papo, ou enfim, para jantar… e eu estudava ainda de manhã, estava no terceiro ano do colégio, desse curso de Desenho Arquitetônico, e minha vida caminhava assim, para uma situação que eu imaginava, quer dizer, não sei nem se eu tinha…


P/1 – Você estava falando de como você estava chegando no seu emprego atual.

R – Nessa área, né? Então, aí eu comecei a trabalhar nessa área, eu me lembro que essa pessoa, Gian Carlo, que é muito querido, sempre foi muito importante, assim, ele quando nós conversávamos, ele achava que eu não ia durar muito tempo, que eu não ia durar, mas ele achava que eu ia querer fazer outra coisa da minha vida, que era um trabalho chato, trabalhar com… ele já tinha perdido muito daquela paixão, romantismo ou idealismo que se tem quando se é mais jovem de uma profissão nova, de trabalhar… não que seja importante, mas que é gostoso trabalhar com arte, com teatro, com shows, com música, por conta de mexer com a sensibilidade, por conta de sei lá… eu para mim, pelo menos, eu achava mais agradável do que me vendo, por exemplo, atrás de um guichê de uma… do sistema bancário, por exemplo, podia ser qualquer função, podia ser até gerente de banco ou caixa, enfim, aquela rotina, aquela coisa que eu acho que é maravilhoso, porque ainda bem que tem as pessoas que fazem isso, mas não era o que eu queria para mim, só isso. Então, ele achava isso, ele achava que não, que eu ia largar, que eu não tinha que largar a escola, que eu tinha que fazer a minha faculdade, virar lá o arquiteto que eu achava que eu queria ser, enfim, assim por diante. E eu diria que depois de alguns anos, ele admitiu que ele estava enganado, que ele achou que era só uma coisa passageira, só para eu encontrar um sustento, um emprego, um trabalho e depois, eu logo passaria para outra coisa na minha vida.

P/1 – Mas você estava trabalhando com som?

R – Não, não, com iluminação há pelo menos… eu e o meu irmão Milton, que era o meu irmão não o mais próximo, o Milton, que no fim, o meu irmão mais próximo se tornou o Milton no decorrer de anos, porque ele é meu sócio ou eu sou sócio dele, enfim, nós somos sócios dessa empresa chamada Bonfante, que nós criamos juntos em 1984, ou seja, 32 anos atrás e desde então, é uma empresa voltada só para iluminação, nós passamos a trabalhar só com iluminação. Depois de um tempo que eu trabalhava nessa empresa do Gian Carlo, foi uma coisa curiosa, porque lá atrás, num primeiro momento, meus irmãos mais velhos me levaram a conhecer, a entrar nesse… e depois que eu trabalhava nessa empresa, eu tinha um grande amigo que trabalhava lá na área administrativa, financeira, Macarrão, João Macarrão, aí ele se tornou meu amigo, ele conheceu alguns irmãos meus e aí, um desses irmãos, o Milton veio trabalhar nessa empresa junto com o Macarrão nessa área administrativa, financeira, no escritório, tal. A partir daí, nós passamos a ter mais contato, mais contato, até que começamos esse negócio juntos e estamos até hoje juntos, assim, vivendo diariamente, encontrando diariamente, enfim, no fim, foi o irmão que se tornou muito mais próximo, que a gente tem mais intimidade.

P/1 – Mas Ney, conta pra mim, qual que foi o primeiro espetáculo que falaram assim: “Ney, vai lá e faz a iluminação”?

R – Então, o “Vai lá e faz a iluminação”, quer dizer ou seja, fazer o projeto e tal, isso demorou muito, porque não é assim… mas eu me lembro que o primeiro espetáculo que eu tinha um diretor, que tinha um iluminador, mas que já existia um projeto, mas que eu tinha que executar e que eu fiz isso sozinho, pra mim é muito significativo, porque envolvem duas pessoas muito importantes, uma que faleceu anteontem, Umberto Magnani, o ator e outra que é a minha mulher, minha esposa, a Denise Del Vecchio, que eu embora já tivesse conhecido a Denise, porque ela já era uma atriz conhecida na época e quando eu era moleque, essa coisa dos grupos de teatro, ela tinha um trabalho com o marido dela, na época, o Celso Frateschi já importante também nessa área de teatro mais engajado, de grupos de esquerda, com uma mensagem política com enfim, e ela já era uma atriz conhecida, ele já era um ator conhecido, pelo menos nesse universo, digamos, mas eu trabalhei com ele profissionalmente, primeira vez, quando eu tive o primeiro contato assim, com ela, então pra mim isso é muito importante, sem contar que era um espetáculo lindo, enfim, e outros atores, Elias Andreato, um outro ator que até pouco tempo, eu estava trabalhando com ele de novo em outro espetáculo, enfim, são pessoas muito importantes assim, mas o Umberto Magnani e a Denise, Denise, obviamente, por ser a mulher da minha vida por mais de 30 anos e o Umberto por ser quem ele era, né, que era uma pessoa maravilhosa. Coisas que eu não faria isso nunca hoje em dia, mas que na época se permitia, nós éramos muito amigos, todos, assim, nos tornamos, né, então tinha uma cena que ele fazia… o personagem dele era um pai de uma família, ele era casado com a Denise e ele chegava bêbado e começava a beber dentro de casa uma garrafa de pinga e aí, eu e a pessoa que cuidava do cenário, do som, o Carreira que era um técnico, nós sacaneávamos ele, ele gostava da pinga mesmo, ele queria que tivesse pinga na garrafa e nós tirávamos e púnhamos água e ele ficava possesso, assim, era uma coisa… enfim, aí a vida… isso foi muito importante, esse espetáculo “Lua de Cetim”, que era um espetáculo de uma outra pessoa muito importante na minha vida, como autor, o Alcides Nogueira, que é um dramaturgo maravilhoso, mas que foi trabalhar com a TV Globo e escreve novelas, hoje em dia, enfim, acho que faz muitos anos que ele não escreve uma nova peça, mas eu o conheci como dramaturgo, uma pessoa maravilhosa, assim, que também fiquei muito amigo e somos escorpiões os dois, enfim, então a gente tem… não se vê quanto gostaríamos, mas é sempre muito gostosa a lembrança, ele sempre se lembra de mim, eu me lembro dele em momentos especiais, a gente se corresponde, tal. Então, foi um espetáculo muito importante, “Lua de Cetim”. E foi uma história curiosa, porque um dia, eu trabalhando lá no Gian Carlo, ele pediu eu e outro funcionário: “Vocês peguem o equipamento de som, levem lá no teatro Paulo Eiró, um teatro lá em Santo Amaro, entreguem lá para um rapaz chamado Márcio Aurélio”, que é outra pessoa importante também, é o diretor desse espetáculo. Aí, jogamos no carro lá, era sei lá, uma Belina, o equipamento e fomos para lá. Quando nós chegamos lá, essa pessoa, o diretor, o Márcio Aurélio olhou pra mim e falou assim: “Amanha, você vai estar aqui…”, falou lá o horário, tal hora, “…que nós vamos montar a iluminação e fazer o espetáculo.”, eu falei: “Olha, você me desculpa, mas eu trabalho lá para o Gian Carlo.” “Não, não, ele falou pra te falar isso, é para você vir”, falei: “Tá bom”, voltei para a empresa e falei: “Gian Carlo, aconteceu isso, isso, isso…”, ele falou: “Ah não, eu falei para ele que iam dois rapazes, era para ele escolher um e o que ele escolhesse ia fazer lá o espetáculo, ele precisa de ajuda”, e aí foi assim que eu fui trabalhar com o Márcio Aurélio, com a Denise, com o Umberto, com o Elias e fazer a iluminação de um espetáculo, até então, eu ajudava os meninos que tinham mais experiência, os técnicos, lá, os profissionais da empresa, porque eu mexia mais com som, fazia som e ajudava na iluminação. Eu era o ajudante do ajudante, esse espetáculo, não, de repente, eu sabia porque eles mandavam eu fazer, subia na escada, fazia as coisas que tinham que fazer, ligava, montava, tal. Aí foi assim, foi o primeiro espetáculo que eu fiz, que eu me lembre profissionalmente, assim, né? Foi o “Lua de Cetim”.

P/1 – E como é que funciona… eu sei que provavelmente, diferencia de peça por peça, mas basicamente, como que funciona a iluminação de uma peça de teatro?

R – Como funciona, você diz, tecnicamente?

P/1 – É. Como funciona, como é que você faz, como é que você pensa, assim, o projeto e tal?

R – Então, na verdade… tem uma lacuna grande ainda no Brasil, que assim, a formação nessa área específica. Você tem a formação acadêmica técnica, profissionalizante, universitária, enfim, para diretores, para atores, para até cenógrafo, embora indo através da Arquitetura, mas assim, o cenógrafo mesmo, não sei se você tem um curso, talvez tenha, mas eu desconheço assim, a cadeira da Cenografia em si, embora tenha a Arquitetura que é próxima, mas não é a mesma coisa. Na área técnica, também de novo, voltada para o cenário, que é a Cenotecnia, ou seja, são os técnicos que vão construir o cenário que o cenógrafo projeta também é uma profissão muito importante e difere muito de um marceneiro, um carpinteiro, que teatro não é real, não é verdade, é como uma costureira e uma figurinista. A costureira faz a roupa para você usar, para eu vestir, para eu andar, a figurinista faz uma roupa que você vai usar num espetáculo, então, não tem às vezes, o botão, é o velcro, às vezes, não importa aqui deixar um rasgo para ficar mais fácil de usar, não sei, o tecido é diferente, a costura… e a iluminação, o que existiam eram eletricistas, né? Até se for pensar o teatro como sendo uma arte milenar, a iluminação, eu acho que foi a

última dos recursos a serem empregados, porque eu acho que o primeiro, obviamente, foi a acústica, o áudio, o som com as ferramentas que tinham na época, porque na Grécia, você tinha as grandes arenas e você não tinha sistema de som, mas tinha projeção acústica, tinha o espelho d’água no palco para elevar a voz. Então, eu acho que isso era uma forma de você sonorizar o espetáculo, você tinha os músicos ao vivo. Depois, a cenografia, imagino que veio ao mesmo tempo, a maquiagem, o figurino. A iluminação, o teatro passou para dentro de um prédio fechado, século 15, século 16, talvez nas igrejas, um pouco antes, mas a luz elétrica é do início do século 20, então, é muito recente a iluminação. E no Brasil, isso começou a surgir, se dar um pouco mais de importância foi na década de 1940, um pouco antes, já tinham alguns estudiosos que pensavam em iluminação, que não fosse só clarear, mas foi Ziembinski que trouxe… ele fez uma montagem famosíssima do “Vestido de Noiva”, em 1940, 41, não sei, em que ele usa planos, que eu falei lá do “Rasga Coração”, mas Ziembinski usava planos e ele usava a iluminação que não era uma coisa que acendia e clareava o palco todinho, então, ele isolava, ele criava uma cena aqui fechada, uma cena com um tom de luz diferente para mostrar que aquilo se passava no passado e não no presente e começou… mas ainda era muito incipiente. A profissão do iluminador foi regulamentada no Brasil em outubro de 1978, quer dizer, é nada, são 30 e poucos anos. Eu comecei a trabalhar nessa área, um ano ou dois depois, quer dizer, profissão… eu tinha que explicar para as pessoas o que era isso, falavam: “O que você faz?” “Eu trabalho com iluminação” “Ah, iluminação?”, as pessoas achavam… só faltavam me chamar para ir na casa trocar resistência do chuveiro, então, era muito difícil e o conhecimento para isso é muito difícil. A minha geração e a minha experiência pessoal, óbvio, eu dei muita sorte de eu pegar diretores e grandes encenadores, que como não existia o iluminador, esses diretores, os encenadores concebiam o espetáculo, muitas vezes, o cenário, a interpretação e direção dos atores, a iluminação, a trilha sonora, eles concebiam o espetáculo como um todo e tinham um grande conhecimento de arte, de história da arte, dos métodos de interpretação Stanislavski, dos grandes cenógrafos, Gordon Craig, Svoboda, dos iluminadores, que na verdade, os cenógrafos foram os primeiros iluminadores, porque eles criavam ambientação, o cenário e já criavam o efeito de luz que eles queriam para aquele cenário, porque senão, você pode estragar um projeto. E eu fui sendo alimentado por esses profissionais que eu trabalhei muitos anos seguindo a eles, grandes diretores assim, como Flávio Rangel, o Márcio Aurélio, que era um diretor que viveu um tempo na Alemanha e trouxe uma influência muito importante, Jorge Takla, que é um encenador que até hoje, eu compartilho, assim, da vivência com ele, há mais de 30 anos que nós trabalhamos juntos, assim e que também teve uma formação em Paris e nos Estados Unidos, no La MaMa Theater, lá, com Ellen Stewart, então, trouxe muito conhecimento, ainda mais nessa época, fins dos anos 70, dos anos 80, não existia internet, não existia… para você ir para o exterior era uma coisa… ou você ia porque você estava doente e ia se tratar ou você era muito rico… enfim, era muito difícil, não tinha intercâmbio, os espetáculos internacionais raramente vinham para o Brasil como hoje você tem, acho que mensalmente, semanalmente, você tem atrações, né? Então, trabalhar com esses encenadores foi muito importante, o meu afã de ler e eu tenho uma facilidade por conta do domínio do inglês, então, algumas pessoas como Márcio Aurélio, Jorge Takla, Bibi Ferreira, com quem eu trabalhei, tem uma experiência, uma vivência em teatro impressionante e essas pessoas me ajudaram muito, Iacov Hillel, enfim, eu vou esquecer um monte de nomes, mas enfim, são diversos, mas Flávio Rangel, Márcio Aurélio, Jorge Takla, Cacá Rosset com a sua linguagem do teatro… tinha um nome, na época do teatro apatafísico, era uma brincadeira que ele fazia com o teatro físico, teatro… enfim. Até o momento que eu assumi que eu iria fazer projetos de iluminação, me considerar um iluminador, se passaram vários anos, assim, quase oito, dez anos desde que eu comecei a trabalhar na área e mesmo assim, eu fiz muita coisa errada, cometi muita besteira, como faço até hoje, mas buscando sempre o embasamento desses grandes encenadores, de grandes profissionais do ramo, porque tem conceitos, tem coisas nas profissões de cada um que você não inventa isso, você se apropria daquele conceito para aplicar no seu trabalho. Então, eu aprendi bastante com o método dos atores e dos diretores, que no Brasil se usava, eu acho que ainda se usa no teatro, que a primeira coisa que você faz é discutir o texto, entender o texto, entender, decupar o texto, separar em cenas, separar em tensões, cada personagem, da onde ele vem, para onde ele vai e a iluminação, que você perguntou como é que é fazer projeto… tudo isso para falar sobre isso, eu acho que vem caminhando junto. Então, tem uma parte desse conhecimento que é o conhecimento técnico de você saber os instrumentos que você tem, como eles funcionam, qual é a forma mais apropriada de se usar, quais as ferramentas que você tem a sua disposição, as cores, os significados, as intensidades, como elas trabalham em relação ao tecido, à reflexão, à refração, tem conceitos de Física, de ótica que são importantes. Então, hoje talvez, você já tenha alguns cursos voltados para a questão artística, com certeza, que formam diretores e tal, que às vezes, eles enveredam pelo caminho da iluminação, tem jovens diretores e grandes iluminadores, como uma pessoa que eu admiro muito, que eu gosto muito, Caetano Vilela, faz muita ópera e tem uma visão assim, que eu compactuo, acho muito inteligente, muito interessante, embasado, ele tem muito conhecimento de artes, são pessoas… então, tiveram essa oportunidade de talvez, estudar mais, são mais jovens e os mais jovens vão ter, isso é natural, né, é uma profissão muito nova, né? É uma profissão… não sou da primeira geração, não, ao contrário, já tinham grandes profissionais que deviam sofrer muito mais antes, né? Então, o projeto de iluminação, ele, na verdade, tem que trabalhar paralelo com o conceito, primeira coisa é o diretor conceber uma ideia, um conceito, ele vai passar isso para o cenógrafo, para o figurinista, a iluminação, a última coisa a ser realizada, mas não significa que seja a última a ser pensada, ela é realizada porque você não consegue, por mais que você tenha os programas, os softwares para realizar, você vai executá-la só no palco, depois de montada a cenografia, depois do figurino pronto, depois da montagem do espetáculo e o espetáculo estar de pé, né, a coreografia, se for dança, se for uma cena lírica, se for ópera, se for um espetáculo de teatro as cenas, então, você acompanha esse processo, antigamente, tinham processos mais longos, mas hoje em dia, são coisas de 60 dias, você monta um espetáculo, ensaia e estreia, em 60 dias. Então, eu acho que é… eu vejo assim, a iluminação, a não ser que tenha algum recurso, alguma intenção puramente estética, que pode ser também, não nego, mas o importante é ela ajudar a contar a história, então, se é uma história de amor, você cria um clima, uma ambientação, você tem as funções básicas da iluminação, revelar, esculpir, climatizar, selecionar, quer dizer, a cor que você coloca para climatizar uma cena, o que você ilumina para selecionar o olho do público, né, porque você pode fazer um close, você pode abrir uma cena, o quanto é a intensidade disso, ou seja, se você deixa muito iluminado, ou se você deixa uma penumbra, tem a questão da concentração, de você ajudar o público a se concentrar numa cena, tem uma série de coisas que você usa e recursos que você usa e que você vai adquirindo com o tempo e que eu espero que se não existe agora, que em muito em breve, exista isso de uma forma organizada, sistematizada para se transmitir o conhecimento, porque não existe no Brasil, né, você tem cursos aí, universidades e cursos, High Schools aí pelo mundo que vão formar profissionais assim, muito mais capacitados do que eu, pelo menos, com certeza.

P/1 – Mas me conta algum exemplo de alguma passagem que você teve esse contato com o diretor, algum cenógrafo, algum texto e você falou: “Não, agora eu aprendi que eu tenho que fazer assim e não assim ou vou ter que pensar de novo o jeito como eu trabalho”?

R – Eu acho que é assim, é uma colcha de retalhos, por não ter essa questão organizada, sistematizada, mas por exemplo, uma coisa básica, Flávio Rangel, que foi um dos primeiros diretores de… na época, eu achava ele um gênio, assim, e tenho certeza que ele era, mas enfim, ele tinha uma forma pelas ferramentas que nós tínhamos na época, nós tínhamos uma folha de papel, lápis colorido e nós tínhamos que fazer um mapa, uma planta de iluminação para transmitir aquilo para alguém executar uma montagem. Então, ele usava lápis colorido para determinar que cor que ia usar, que filtro… gelatina, como se fala por aí, que ia se usar no aparelho, então, ele usava lápis colorido. Ele criou um código, que ele não inventou, mas ele, enfim, ele usava que determinava… ele punha um numerozinho dentro daquele símbolo que ele desenhava que determinava em que canal da mesa para agrupar aqueles aparelhos, porque você imagina, você tem dez aparelhos que é uma luz branca no palco e você agrupa para ficar fácil de você acender e apagar. Então ele criou esse código, aí ele criou um roteiro, não é que ele inventou, mas ele disseminou isso e fazia organizado, para o operador, ele tinha que ter a deixa, ou seja, o que determinava o movimento de luz, o que entrava, o que saía, enfim, coisas assim, o método dele. Isso para a época dele era o máximo, era assim, você tinha uma folha de papel com esse desenhinho, então, a bolinha era um tipo de aparelho, um triângulo, um quadradinho, enfim, tinha uma legenda e para a época era o máximo isso de recurso técnico. Aí, tinham métodos mais sofisticados e que você vai aprendendo com o tempo, então, tinha um professor americano chamado Stanley McCandless que desenvolveu uma teoria de iluminação dos três pontos, que se chamava, ou seja, você não iluminava nunca um objeto, um ponto só num ângulo, então, você tinha dois pontos frontais, sempre dando 45 graus entre eles e um ponto de trás para você isolar a pessoa, separar a pessoa do fundo, que era o contraluz e os dois pontos frontais, uma luz para preencher e uma luz para esculpir a pessoa.

Aí foi somando, opa, então tinha a informação do Flávio Rangel, e do Stanley McCandless. Aí depois, surgiu um método que era um outro professor americano, que organizava as informações numa coisa que hoje se chama memorial descritivo, ou seja, foi sofisticando o equipamento, o equipamento de iluminação era totalmente analógico, ou seja, você tinha um aparelho, você tinha um fio que ligava numa tomada, que energizava e você controlava num console, manualmente, levantando e apagando. depois, veio esse método d você organizar com mais sofisticação, então, você determinava no seu desenhinho, que você já usava um gabarito, que já tinham as formas dos aparelhos, então, você determinava o canal que esse aparelho ia, você determinava

posição, a vara, onde era, a distância dessa vara, a altura, você determinava os filtros e os filtros, no início, eram vermelho, azul, rosa, amarelo, branco, verde e eram nacionais, eram acetatos, era uma folha grossa, assim, era bem grossa e com o tempo, ficava bolinha, ali da onde saía luz, aquilo ia queimando até que ficava branco, porque era pintado. Em seguida, começaram a chegar os filtros importados aqui no Brasil de marcas como Rosco, que existem até hoje e existem dezenas de outras, meia dúzia, pelo menos, que são policarbonato, polímeros assim, muito mais fininhos assim, as pessoas falam que é celofane, não é celofane. E a cor é estrudada, ou seja, ela é prensada no meio, então não sai a cor, pode furar por que muito calor… vai queimar, vai furar e ele é auto extinguível, não pega fogo, isso já foi… no Brasil, assim, foi inventado, criado há muitos anos, mas começou a chegar com mais frequência no final da década de 1980. Paralelo a isso, surgiu um canadense, que ele era um técnico iluminador chamado John e ele criou um método de organizar o pensamento da iluminação num programa que lá já existia a informática e aqui para nós, chegou assim, no meio da década de 90, que disseminou, mas lá no final dos anos 80, ele criou uma forma de pensar e organizar a iluminação chamado Light Right, que é uma forma de você pensar corretamente, de organizar os relatórios, porque você organiza o seu projeto. Então, você tem a relação por tipo de aparelho, por cor, por canal, por posição, uma série de informações, eu não sei se é o caso, mas enfim, propósitos, para quê serve aquele aparelho, então, você vai adquirindo esse conhecimento, você vai lendo, você vai se informando, você vai fazendo workshops, aí começaram a surgir os equipamentos que era analógico e começaram a surgir os consoles digitais, né, que no início, eram processadores, ou seja, você organizava os efeitos que você queria e você conseguia dispará-los e não tinha muito recurso, mas você conseguia. Então era mais fácil de você operar uma luz de um espetáculo porque você mexia só em dois fenders lá, dois potenciômetros, sendo que estava tudo pré-gravado, ou seja, alguém teve o trabalho de organizar e gravar e para o operador era mais simples. Existe uma figura no teatro que é o stage manager, o diretor de palco que uma das funções dele, dependendo do tipo de espetáculo que ele dá as deixas para os operadores, então, ele dá as deixas, se for o caso, para maquinaria, para as pessoas que mudam os cenários, ele dá a deixa para o ator entrar em cena, dependendo da ópera, do grande número de pessoas, ele dá a deixa para o operador de iluminação disparar um efeito de luz, ele dá a deixa para o operador de sonoplastia, se tiver, para disparar um efeito de áudio, enfim, ele centraliza a operação do espetáculo. No Brasil, não é muito usado, nunca foi, não é tradição, mas começaram a surgir por conta da vinda dos musicais para cá, tanto é que hoje se formam profissionais nessa área, assim. Principalmente nessa área de musicais, de óperas, de grandes espetáculos que têm… que às vezes, são movimentos até uma cena que muda o cenário e que muda uma luz e que muda, enfim, se movimenta toneladas, às vezes, sobre a cabeça do público ou dos atores, né, então…

P/1 – E ninguém percebe, né?

R – Ninguém percebe e não percebe o risco que se teria se aquilo não fosse bem feito, com segurança, não é que ninguém está passando… mas assim, é uma coisa que tem que ser muito bem feita, muito bem organizada, então, graças a Deus que o público, as pessoas não vêm nos ensaios antes da estreia porque é quando as coisas dão erradas, é o que talvez seja o mais… não é bom, mas faz parte do processo e se aprende muito, né? Mas a iluminação é… não sei se eu me perdi aí no caminho…

P/1 – Não, não. Eu estou achando interessante. Mas eu queria que você falasse um pouco, eu estou pensando assim, você falando dessa parte, mas qual foi uma vez assim, algumas vezes que você trabalhou com algum diretor numa cena, assim, e você falou: “Pô, agora eu me superei dessa vez, eu consegui passar…”, sei que você sempre quer fazer assim, e dar algo melhor, mas teve alguma vez que você: “Agora nessa…”?

R – Então, tem coisas assim, marcantes, é que às vezes se misturam na minha memória a importância física do projeto, do espetáculo e a iluminação em si, que nem era tão significativa, mesmo porque eu acho que para o espetáculo como um todo, é importante que se houver um destaque, penso eu, que seja do ator, da interpretação, do personagem, do texto, da obra e não de um recurso que se usa como iluminação, cenário, figurino, porque eu penso que se você vai ver um espetáculo, se vai ver um filme, se vai ver uma peça, uma ópera, o que quer que seja, você sai de lá comentando os recursos técnicos, a cenografia maravilhosa, a luz linda: “Olha que figurino!”, talvez, o conteúdo da obra em si não fosse tão interessante, ou por algum erro, aquilo tenha se destacado mais, porque eu acho que deveria ser no conjunto, né, a obra em si é mais importante. Então, talvez, eu me confunda, mas por exemplo, um desses diretores que eu citei, o Márcio Aurélio, eu fiz uma montagem num espetáculo chamado “Vestido de Noiva” do Nelson Rodrigues, 1987 e eu era completamente imaturo, completamente despreparado para fazer aquele espetáculo, a importância que tinha aquele espetáculo, a importância das pessoas envolvidas, a importância do Márcio Aurélio e ele foi uma pessoa assim, muito generosa, eu era irresponsável em assumir que talvez eu fosse, na verdade, fui convidado por ele, tal. E eu tenho certeza que se eu fizesse esse espetáculo trabalhando com essas pessoas hoje, o resultado seria muito melhor, não porque eu virei um profissional, mas porque a experiência, a maturidade, a relação interpessoal, que é difícil, também, tem a questão de você estar se auto afirmando, talvez eu tivesse 25 anos de idade. Eu vi uma vez um ator, acho que Laurence Olivier, se eu não me engano, se eu não tiver cometendo… enfim, confundindo, mas que ele falava que ele só veio a poder interpretar um determinado personagem, acho que Hamlet ou… quando ele já era um homem muito maduro, enquanto que o personagem era um jovem, o Hamlet era um jovem na obra, mas ele como ator, ele só foi entender o significado, as nuances e ter a capacidade de interpretar aquilo de uma forma que ele achava condizente com a obra de Shakespeare, com o personagem, quando ele tinha 50, 60 anos de idade. Então, não estou me comparando e nem… mas assim, eu acho que isso é importante, essa consciência, então, em perspectiva, eu vejo “Vestido de Noiva” como um fato muito marcante. Não acho que ficou ruim, não acho que era feio, ao contrário, acho que tudo que se conquistou ali da estética, da beleza, foi devido ao Márcio Aurélio, não ao meu trabalho, porque ele sempre foi uma pessoa genial e é muito generoso. Então, tem o meu nome lá, se algum dia alguém for ver em algum lugar, vai ver que a iluminação é Ney Bonfante, mas isso pra mim foi muito importante. Depois, teve um outro diretor num outro momento já bem depois, que eu trabalhei um período com um diretor importante, o João Falcão, que eu fiz uma série de espetáculos, alguns operando a iluminação do projeto de outras pessoas e outros, eu fazendo o projeto com ele e que foi muito importante, porque ele te dá uma liberdade que é quase absurda, né? E nós fizemos uma montagem de um espetáculo chamado “Quem tem medo de Virginia Wolf”, com a direção dele, com o Nanini, a Marieta Severo, o Fabio Assunção e a Silvinha Buarque, eram os quatro atores e era uma concepção dele super arrojada, moderna de um texto clássico do Edward Albee, que normalmente, se monta com cenário de gabinete, é uma casa, dos professores lá de uma universidade, muito copo de uísque na mão, sofá, porta que abre e fecha, tal e ele criou assim, uma concepção que algumas pessoas acharam geniais, outras acharam absurda, porque desvirtuou um clássico do teatro, enfim, eu só participei, eu adorei (risos). E que esteticamente, era muito bonito e o resultado da iluminação, eu acho que foi impressionante, assim, mas tudo era muito bonito, não foi a iluminação… não se destacou, eu acho. Mas e o João como encenador, ele te dava uma liberdade e te instigava que aliás, eu fiz esse trabalho com ele e depois eu fiz outro chamado “Cambaio” também, que era a mesma coisa. O que eu nunca entendi não foi porque um dia a gente deixou de trabalhar juntos, porque isso ocorre profissionalmente na vida das pessoas, mas foi porque ele me escolheu naquele momento, que ele era um cara tão genial, tão genial e isso pra mim, eu acho que foi um salto assim, um crescimento muito grande. Fiz um outro espetáculo que foi importante porque lançou uma série de atores assim, que depois ficaram famosos, mas porque são pessoas maravilhosas, independente, que foi um espetáculo que juntou Lazaro Ramos, Vladmir Brichta, Wagner Moura, Gustavo Falcão, chamado “A Máquina”, que nós fizemos também juntos, esse espetáculo ganhou prêmios e tal, não sei o que e que era maravilhoso, assim, era lindo e o texto do João Falcão e tal. Então, essa fase com o João Falcão foi muito significativa, esses espetáculos de você fazer e ter a liberdade, eu falo isso, parece que eu tinha todos os recursos do mundo, não. Estou falando de prazer de trabalhar com as pessoas que você gosta, de liberdade criativa, de ser empurrado, desafiado: “Não é isso, a gente tem que achar outra solução”, e tal, não significa que tivesse um orçamento de milhões, nada disso, significa só que o resultado só tende a ser bom, porque são pessoas capazes no seu oficio e com prazer e com diligencia e com esforço, quer dizer, transpirando bastante, uma hora dá certo, né? Ah e outros diretores também, o Jorge Takla, que é um parceiraço assim, uma pessoa que me aguenta por mais de 30 anos trabalhando juntos, assim, eu devo ter participado entre produções dele operando, montando, fazendo assistência e fazendo os projetos de iluminação, sei lá, mais de 60, 70 espetáculos em mais de 30 anos de parceria, assim, e tem espetáculos que fizemos juntos assim, que nossa, como… tem um dos musicais que eu mais gosto, que é o “West Side Story”, que é um Romeu e Julieta ambientado em Nova York, bom, e que para mim foi uma coisa fazer esse espetáculo, uma importância e era um trabalho, um momento assim, muito importante, muito gostoso da vida. A primeira montagem de “Chicago” aqui no Brasil, um musical que veio da Broadway também, poder participar disso, não como iluminador, porque tem o projeto que você… mas trabalhar com os americanos próximos, assim,

e se aprofundar mais nessa metodologia deles, que para mim, isso sempre foi muito importante. Eu não chego a ter TOC, mas eu se vacilar, fico olhando essa caneta, será que ela está retinha, o papel, e não vou lá arrumar, mas se eu dominar esse ambiente, eu vou deixar tudo arrumadinho, porque isso me incomoda e no pensamento isso é assim, e na hora de apresentar o trabalho e por eu não ser uma pessoa muito inteligente, muito assim, eu tenho que me esforçar e uma forma de eu me esforçar que me ajuda é me manter organizado. Se eu me mantiver organizado, se eu mantiver os meus papeis na ordem, se eu mantiver eles bem… as coisas organizadas no lugar certo, se eu mantiver os meus arquivos no meu computador, na ferramenta que eu estiver usando, pode ser uma folha de papel com lápis, para mim isso não importa, mas o pensamento, acho que isso é o mais difícil. Então, essa metodologia que eu fui aprendendo e não desenvolvi nada, não criei nada, mas fui sugando desses profissionais e são métodos quase que universais, ainda mais quando você começa a trabalhar com profissionais de outros países, então, isso eles aprendem na universidade, não tenho que inventar nada, eu tenho só que usar o método deles, e saber utilizar e se eu tiver a ferramenta que eles têm, eu vou usar a ferramenta que eu tenho, o que importa é o pensamento organizado, isso são coisas importantes, assim.

P/1 – Tem uma coisa que eu achei bem interessante que você falou assim, que a iluminação tem que ajudar o espetáculo, né?

R – A contar a história.

P/1 – A contar a história, é. Então, porque a energia elétrica vem mais ou menos para… é outro uso, né, é outra…

R – Então, a energia elétrica e a dificuldade que se tem mais para que se tenha ela de uma forma econômica e racional, porque você… a dificuldade e o preço, o fato de ser caro, eu imagino, né, porque a gente está falando de iluminação de um espetáculo, às vezes, você imagina na sua casa você consumir 400 mil watts de iluminação? Então, no espetáculo, às vezes, você usa até mais. Então, você imagina assim, poxa vida, qual é o tamanho daquele fiozinho que vai na tomada para alimentar isso? Esse fiozinho na rua, imagine o caminho que faz até chega lá no gerador de energia, ou no gerador, porque às vezes, pode ser um gerador, dependendo de onde você está fazendo o evento, o espetáculo, à diesel, né, ou na hidrelétrica, sei lá, Itaipu, não sei da onde vem a nossa energia, não faço ideia. Eu me lembro que na época do apagão, a gente descobriu que tinham alguns problemas de transmissão. Mas então, a energia elétrica, a dificuldade que se tem de se obter, ela obriga grandes avanços na tecnologia da iluminação cênica. Por exemplo, na Broadway, em Nova York, há 15 anos atrás, não sei, mais, acho que uns 20 anos atrás, surgiu uma empresa que desenvolveu um sistema ótico de um tipo de aparelho chamado elipsoidal e outros tipos, mas com lâmpada de 575 watts tinha a mesma eficiência, senão mais do que os antigos de mil watts, ou seja, o consumo da energia caiu quase pela metade. Então, as empresas concessionarias que nos Estados Unidos são privatizadas, não sei se é por região, não entendo disso, mas essas empresas que forneciam a energia elétrica para os teatros da Broadway, da região, o que eles fizeram? Eles fizeram um acordo com os teatros, eles forneceram esse equipamento mais moderno, que consumia muito menos energia, deram para os teatros, porque saía muito mais barato para eles fazer isso do que ter que fazer uma obra para aumentar a capacidade de transmissão de energia para chegar nessas salas para que: porque vinha aumentando o consumo, vinha aumentando a necessidade de mais equipamento tudo motor, né, então o cenário se movia com motor, a luz, o áudio, tudo, projeção, vai aumentando o consumo de energia. Outro avanço foi o LED que aos poucos, está se disseminando cada vez mais. Outro avanço foram os aparelhos robóticos, que têm movimentos, ou seja, um aparelho, às vezes, faz a função de vários, porque você programa ele, ele tem movimento, ele troca a cor, ele troca a imagem, você mexe na angulação. Então, essa questão da energia elétrica, além de ser muito importante, ela obriga a indústria do entretenimento, ela obriga as indústrias de iluminação, fabricantes de equipamentos desenvolverem, buscarem soluções mais econômicas, mais rentáveis, por exemplo, hoje, você tem aparelhos de LED de sei lá, 1/10 da potência de um aparelho convencional de lâmpada incandescente e não vou dizer que é exatamente igual, porque tem diferenças de temperatura, de cor, de textura, de projeção, tal, mas que a tendência é substituir, a tendência é isso ir sendo desenvolvido até o ponto de… porque há um avanço, a evolução é essa, você, por exemplo, os equipamentos vão ficando mais compactos, menores, mais leves. Então, a tendência… e a energia, nesse ponto, ela nos obriga a… o fato dela ser tão importante e se tornar… não que ela se torne mais cara, não é uma crítica, a questão é que como você usa muito mais, fica muito mais caro e como você precisa da energia, você tem que achar uma forma de usar aquela energia que você tem e alcançar o resultado que você busca, então…

P/1 – Tem essa relação, né?

R – Tem essa relação. Eu me lembro quando eu comecei a trabalhar nessa área, um dos locais que eu, até hoje, sou fascinado quando eu entro, é o Teatro Municipal de São Paulo e a mesa de luz, o controle de iluminação que tinha lá, antigamente, era uma mesa que ficava dentro do palco, na coxia, no alto assim, era um lugar horrível, você via o espetáculo, quase que de costas e era uma mesa italiana que devia ter sei lá, uns oito metros de comprimento por uns três de altura, eram três, quatro… eu me lembro, nunca vou me esquecer de ver as pessoas lá, o Ivo, Bento, aqueles profissionais que estavam acostumados com aquilo, você via dentro do palco, assim, um espetáculo sendo iluminado, uma ópera Tosca, La Bohème, um show do Charles Aznavour, sei lá, quem tivesse no palco ali, um ballet do Maurice Béjart, aquela coisa linda e quando você ia lá dentro, você via como que eles faziam para aquilo acontecer, era uma loucura, cara! E hoje em dia, você tem um operador que aperta um botão, porque está tudo pré-programado, então, é natural a evolução, né? Acho que é isso.

P/1 – E vamos passando para as perguntas finais, já, que está acabando o tempo, queria que você falasse um pouco das amizades que você fez nesse meio, ao longo desses anos. Você fez muitos amigos, você aprendeu bastante coisa, mas quem que você carrega, hoje, mais assim, que você…?

R – Bom, eu tenho a minha mulher que eu carrego… acho que ela que me carrega mais, nós vamos fazer 30 anos de casados, a Denise, ela é atriz, eu a conheci, já falei lá atrás, a conheci no meio. Depois, a gente se reencontrou num outro trabalho juntos e aí, enfim, começamos a namorar, casamos, tal. Tem a Denise, tem o Jorge Takla, que eu também já citei, que é um diretor há muitos anos e é um amigo pessoal assim, o meu irmão Milton, que foi uma pessoa que se tornou um dos meus melhores amigos, se não for meu melhor amigo, por conta do meu trabalho, porque nós nos juntamos e começamos a trabalhar juntos, o Gian Carlo é outra figura muito importante que me ajudou muito, então, provavelmente… ainda bem que isso é uma coisa… não é para passar em lugar nenhum, porque fatalmente, eu vou esquecer pessoas muito importantes, mas minha mãe tem uma figura importantíssima nisso, porque quando eu morava com ela, que eu saí da casa da minha mãe, foi pela questão da revolta do adolescente, tal, quando nós nos afastamos, nós, de fato, começamos a nos aproximar, porque o fato de eu adquirir a minha independência, que na época para mim era muito importante, econômica, financeira, e profissional e um projeto como esse da empresa Bonfante dar certo com o irmão, com uma pessoa querida, também e ela nos ajudou muito e aí, nós nos aproximamos muito, criamos um núcleo, digamos, na família, os três e isso nos aproximou muito. Então, foi uma amiga que eu tive durante muitos anos até esse ano, quando eu a perdi, mas foi uma outra pessoa muito importante. Esse trabalho nosso tem uma coisa que ao mesmo tempo que ele é muito generoso e muito gostoso, ele é cruel, às vezes, pelo fato de separar você, porque você trabalha um período, como eu falei, esses diretores todos que eu citei, outros que eu não citei, mas João Falcão, Márcio Rangel, Flávio Rangel, já é falecido, Bibi Ferreira, atores como Marco Nanini, que são… uma pessoa assim, que não tem o que falar dele, outras pessoas mais… comecei a fazer os musicais, eu sempre gostei muito de musical e desde muito cedo, essa parceria com o Jorge Takla tem a ver muito com isso, porque ele também é um fã de musical, embora ele dirija teatro. Marília Pêra com quem eu trabalhei, atores assim, Antônio Fagundes, sei lá, eu vou ficar falando… são 30 e não sei quantos anos, né? Mas amigos, amigos mesmo, não são tantos assim, Tânia Nardini, que é uma diretora, coreógrafa que é uma parceira até hoje também de sei lá, 20 anos. Eu diria que nesse ponto, é muito generoso, assim. E essa geração nova de atores, bailarinos, produtores, pessoas que… Regina Galdino, outra diretora muito importante, assim, quando eu falo de importância, é óbvio que é para mim e em alguns momentos, deve ser para as outras pessoas, mas são pessoas capazes, inteligentes, que eu acho que vão deixando a sua marca assim, na profissão. Acho que é isso.

P/1 – E quais são os seus sonhos para o futuro hoje, Ney?

R – Bom, eu sou avô. Eu tenho uma filha natural, a Carolina e a Denise tem um filho, o André e nós somos casados há 30 anos. O André tem pai, a Carolina tem mãe, mas para mim, eu e a Denise, nós temos dois filhos, porque são muitos anos juntos. O André tem duas filhinhas, a Angelina e a Mel, que são assim, é uma coisa… não sei nem dizer, é muito amor, ainda mais depois de… a Carol tem 30… vai fazer… ela não gosta que fale, mas ela vai fazer 31 ou já 32, ela vai fazer agora em maio e ela está grávida também, então, vai ser o terceiro neto ou netinha, não sei ainda o que vai ser, mas enfim, então isso para mim é um combustível, porque profissionalmente, tirando a questão óbvio, da sobrevivência, do trabalho, da empresa, eu diria que os meus sonhos assim, profissionais são todos realizados, a maioria das vezes, são realizados, se não é exatamente o que eu queria, é algo que vem se sobrepujar ou que vem substituir, então nesse ponto, profissionalmente, eu sou muito realizado. A família, eu sou muito feliz no ponto de ter uma parceira, uma companheira, 30 anos juntos e nós termos formado essa família com a Carol, com o André e agora, com as meninas e vem juntando o meu genro e a Miranda, a nora, que é a mulher do André e a família vai passando já para a próxima geração. Então, sonho, sonho mesmo que eu tenho… e eu e a Denise nós temos… eu vou fugir do quadro, um pouquinho, é de algum momento nós podermos assim, talvez, nos dedicar mais a nós mesmos, assim, porque

nossa carreira, nossa profissão toma muito tempo, muita energia, é muito prazer, mas é muito cansativo, é muito desgastante e eu vendo as minhas netinhas, eu vejo isso, eu vejo que o quanto… eu não acho que os nossos filhos, nem o André, nem a Carol, não acho que eles foram criados distantes ou abandonados, nada disso, acho que nós demos muito amor para eles e eles têm muito amor por nós e enfim, mas eu vendo as meninas. O meu sonho é eu poder participar disso também, de vê-las crescendo, de estar vivo no momento de vê-las casando, por exemplo, os meus sogros moram conosco aqui e eles são bisavós, né? Poxa, eu fico pensando assim… para mim… sonhos, realizações, para mim são coisas que parecem pequenas, mas que são mais importantes pra mim, é a família, ver as meninas crescendo, vendo a minha filha casando, sendo feliz ou batendo a cabeça, não importa, mas construindo a vida dela, a história dela, né? Até um dia, quem sabe, ela tá sentada nessa cadeira dando esse depoimento e depois, a filha dela ou o filho, acho que o meu sonho acho que é esse, poder manter o conforto que eu adquiri, que enfim, poder proporcionar isso para as pessoas próximas, manter a minha capacidade produtiva, intelectual por muitos anos para poder trabalhar, não penso em aposentadoria, porque eu não saberia fazer outra coisa da minha vida se eu não trabalhasse, não fizesse o que eu gosto, o que eu faço. Talvez, um pouquinho mais de tempo para fugir, de vez em quando, com a minha mulher, arrastar uma netinha, sei lá, um fim de semana em algum lugar, ou levar ela para conhecer uma cidade diferente, um país diferente, uma cultura diferente. Coisas, né, nada muito mágico, especial, não. Eu acho que eu realizei muitos sonhos meus assim, com a minha vida e sou muito feliz. Muito realizado, mesmo.

P/1 – Como é que foi contar um pouco da sua história pra gente, hoje?

R – Muito difícil, eu não gosto de me sentir no foco, por mais que eu seja iluminador, brinco sempre quando eu estou lá no palco, organizando, a gente chama de afinar a iluminação, né, ou seja: “Mais para lá, mais para cá, assim, assado, abri aqui, fecha ali”, tal, sempre que eu estou fazendo isso, cada vez, você fica menos na luz, mas quando eu estou lá eu fico pensando e eu falo, às vezes, eu brinco: “Puxa, como é que o ator, como é que a pessoa gosta disso? O ator entra na luz e quer mais luz”, às vezes, tem ator que reclama: “Estou no escuro”, falo: “Não, gente, é na sombra que é bom”. Talvez até por conta dessa profissão que eu escolhi, que é estar ali próximo desse glamour, dessa coisa do artista, da fama, mas por acidente, por ser uma ferramenta, um trabalho que eu gosto de fazer e que está ali dentro, mas não para participar disso, não para ser foco. Então, eu acho muito bom no sentido de que talvez, se um dia, uma pessoa ouvir a minha história, vai ser importante, assim como eu vou ouvir e vou ver histórias de outras pessoas, né, porque acho que é assim que se faz a história, talvez, né? Isso é muito importante.

P/1 –Tá certo. Obrigada, viu, Ney.

R – Opa, eu que agradeço.

P/1 – Foi ótimo. Obrigado pelo seu tempo.

R – Imagina.


FINAL DA ENTREVISTA