Museu da Pessoa

Economia e consciência ambiental

autoria: Museu da Pessoa personagem: Jonathan de Ávila da Silva

Histórias Que Iluminam
Depoimento de Jonathan de Ávila da Silva
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 05 de novembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV01_Jonathan de Ávila da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella


P/1 – Qual o seu nome inteiro, Jonathan, local e data de nascimento?

R – Meu nome é Jonathan de Ávila da Silva. Eu moro em São Paulo. Você quer saber o quê?

P/1 – Onde você nasceu.

R – Você quer saber o local exato ou só o bairro? Assim, tudo o que você for me perguntar você quer saber local exato?

P/1 – Não, não, a cidade só.

R – A cidade.

P/1 – É, nada que vá forçar a sua memória.

R – Nada que vai forçar minha memória. Então não preciso saber o hospital.

P/1 – Ah não, não, não. Isso não (risos).

R – Então vamos lá, começar de novo. Meu nome é Jonathan, tenho 27 anos, eu nasci aqui em São Paulo.

P/1 – E qual é o nome da sua mãe?

R – O nome da minha mãe é Santina Aparecida de Ávila, também nascida em São Paulo.

P/1 – E a data?

R – Nossa, a data do nascimento da minha mãe você me pegou.

P/1 – Não tem problema.

R – Não tem problema não falar?

P/1 – Não tem problema.

R – Eu sei que é dia 30 de outubro, agora a data exata do nascimento dela eu não lembro.

P/1 – E ela nasceu em São Paulo, é isso?

R – São Paulo.

P/1 – E a família dela, você sabe de onde eles vieram?

R – Então, não tenho muita ideia de onde meus avós vieram. Acho que minha avó, se não me engano, é do Paraná e meu avô é do interior de São Paulo, acho que Atibaia. Eu não me recordo muito bem assim, eu só ouvi histórias quando era pequeno, então também nunca fiz questão de perguntar: “Ô mãe, da onde que meu avô era, minha avó”.

P/1 – E você sabe o que eles faziam, como eles vieram parar em São Paulo, como sua mãe nasceu aqui?

R – Então, o meu avô era caseiro numa chácara em Atibaia, minha avó era funcionária, acabaram se juntando os dois e vieram pra São Paulo, vieram tentar a vida aqui, que já naquela época São Paulo também era conhecida por ter oportunidade de emprego, tal, então vieram pra cá.

P/1 – E a sua mãe nasceu, como é que estava? O que seus avós faziam, você sabe?

R – Então, na época era isso aí, o meu avô era caseiro, minha avó era que nem aquelas, era doméstica, que fazia serviço geral na casa dos patrões, tal.

P/1 – E o seu pai, qual é o nome inteiro dele e onde ele nasceu?

R – O meu pai é José Marcelo da Silva. Também nasceu aqui em São Paulo, descendente de nordestino, meu pai já é outra linhagem, você vê, a gente está indo de um polo ao outro. Então meu pai já é descendente de nordestino.

P/1 – E os pais dele são de lá e eles faziam o quê?

R – Minha avó é do Ceará, de Campos Sales. Minha avó sempre foi costureira, ela nasceu com esse dom de costurar, de fazer roupa, então a vida dela foi toda essa, na máquina de costura. E quem criou o meu pai foi o marido dela atual, que não é o pai dele biológico, que também veio de lá do Ceará, tal. Quando a minha avó ficou grávida do meu pai, o pai dele abandonou ela então eles se juntaram e quem criou meu pai foi esse meu avô, que a gente também tem consideração de avô, chama ele de avô e tal. Então meu pai foi criado por esse cara.

P/1 – Quem é ele?

R – O nome dele é José Lázaro, é também um representante muito importante da minha família. Ele que criou o meu pai, criou o meu tio que está naquela foto que eu pedi pra registrar aí. Eles vieram também muito precário lá do Nordeste. A minha avó morava na Vila Prudente e ela é uma das fundadores do Heliópolis, ela chegou lá não tinha nada. Tinha, eles falam que isso era tudo campo de golfe, tinha os barraquinhos lá, alojamentos que na época a prefeitura colocava eles pra morar. Então ela praticamente fundou aquele lugar, ela e a minha avó que veio lá pro Heliópolis depois. Minha avó por parte de mãe que já chegou depois, mas os meus avós e meu pai já estavam lá. A gente já vem de uma linhagem bem misturada, você vê que meus pais são descendentes de nordestinos e tal, minha mãe Paraná, tem toda aquela mistura. Meu avô por parte de mãe era índio. Então é isso aí.

P/1 – E o que os seus avós por parte de pai faziam aqui em São Paulo? Eles trabalhavam no quê?

R – A minha avó era costureira e esse meu avô era pedreiro, trabalhava com obra, assentamento de piso, essas coisas. Construiu muita casa no Heliópolis, ajudou a família a construir. Essa é das poucas lembranças que eu tenho, acho que eram as únicas profissões que eles exerciam na época.

P/1 – Fala um pouco mais dessa fundação da sua avó no Heliópolis. O que mais que ela falava do bairro e como era lá?

R – É o que eu te falei, ela falava pra gente que quando chegou lá não tinha nada. Não estou me recordando muito agora, mas acho que eram seis ou sete alojamentos, um enfileirado no outro, sabe aquelas casinhas, tal? Tinha que dividir banheiro, dividir o tanque pra lavar roupa. Então o Heliópolis não era nada quando ela chegou lá, só era aquela imensidão de terra, de mato, de tudo, só tinha o hospital, o hospital já existia, o prédio onde é o Hospital Heliópolis já existia. Ela fala muito da dificuldade que passou quando chegou no Heliópolis, de tudo, até conquistar e chegar a ser o que é hoje e ter todo esse avanço que teve no Heliópolis. Mas mudou muito e foi tendo que batalhar dia a dia, dia a dia, moradia, tal e foi isso aí. Ela explica poucas coisas, não entra muito em detalhes daquela época porque também não sei se ela lembra muito bem.

P/1 – E você sabe por que ela foi parar exatamente ali?

R – Então, eu lembro do meu pai falar que eles vieram da Vila Prudente, o primeiro ponto físico da minha avó foi na Vila Prudente. Então o que acontece? Na época parece que a prefeitura não queria favela, tal, perto dos bairros. Aí pegaram o grupinho deles e mandaram tudo pra onde era esses alojamentos do Heliópolis, que foi bem na parte de baixo, no comecinho do hospital. Depois não parou de vir gente, veio gente de todo lugar de São Paulo pro Heliópolis porque na época estava todo mundo começando a invadir, a invadir, aquela invasão, então veio gente de todo o Brasil praticamente pra morar no Heliópolis.

P/1 – E como é que era a infraestrutura lá? Você já falou um pouco mas tinha encanamento, energia, algo lá?

R – Não, a infraestrutura na época, pelo que eu ouvi eles falarem era coisa básica, eles mesmos faziam, então, não tinha aquela rede de esgoto que nem tem hoje, não tinha aquela... tinha aqueles tanques, aqueles baldes de tomar banho, não tinha aquela coisa que a gente tem hoje em casa, né? Aquele tanquinho legal, você pode ligar o chuveiro e entrar debaixo e tal, não tinha isso, você tomava banho de caneca, tomava banho com aquelas, como é que minha avó falava? É tipo umas bacias, aquelas bacias gigantes e tal.

P/1 – E a energia também.

R – Então, a energia no Heliópolis nessa época tinha, mas não era mesmo aquela coisa, porque ela falava que ficava tudo escuro, então praticamente era bem pouco a energia, ela falou que eram poucos lugares que tinham. Nessa época não tinha essa infraestrutura, acho que até pra própria empresa, né, na época, levar energia lá pro Heliópolis, mas acho que depois que começou a vir gente de todo lugar e começou a se formar a favela, acho que deu uma melhorada. Porque eu acho que quando entra numa área, que nem essas áreas irregulares, tal, naturalmente que energia não chega lá então o que o camarada vai fazer na época lá? Ia puxar, né? Ia ter que puxar. Então ela falou que tinha muito isso, essa questão da pessoa ter que puxar, puxar do poste a energia até em casa.

P/1 – Como ela faz isso e como é isso?

R – Então, você faz aquele, como é que eu posso te explicar? Você faz aquele famoso gato, né? Que na época lá ninguém tinha condições de nada, entendeu? A empresa acho que tomava energia naquela época não levou, então camarada faz, até hoje as pessoas fazem. Ela fala que tinha essas ligações, então tem muito fio. Se você for até perceber hoje nas comunidades tem muito fio, é fio pra todo lado, aquela montanha de fio, puxa aqui, puxa aqui. O camarada faz isso, ele puxa direto do poste a energia. Então na época da minha avó, quando ela chegou aí, era a mesma coisa.

P/1 – Já era assim do mesmo jeito.

R – Já era assim do mesmo jeito.

P/1 – E fala pra mim como é que seu pai e sua mãe se conheceram?

R – Minha mãe fala que conheceu meu pai no Heliópolis, em bailes. Na época que eles eram mais jovens lá no próprio Heliópolis mesmo tinha bailes, festas, então eles se conheceram dessa forma. Minha mãe era muito jovem, acho que na época em que minha mãe conheceu o meu pai ela tinha acho que 13 pra 14 anos, alguma coisa assim, então eles eram muito jovens, meu pai também era muito jovem. Eram adolescentes, pré-adolescentes. E foi nisso aí, se conheceram num baile, começaram a namorar, acho que foi dessa forma que eles se conheceram.

P/1 – E você contou que a sua mãe teve um filho muito cedo, foi isso?

R – É, então, minha mãe teve um filho muito cedo, que é o meu irmão mais velho. Ela era praticamente uma criança, era bem nova, então aquele fato que eu te contei que ele foi criado separado de mim, tal, da minha família, sempre foi que eu fiquei com meu pai e com a minha mãe. E logo depois de dois anos ou três ela me teve. Mas só tem eu e ele, por parte de mãe só tem eu e meu irmão que mora fora.

P/1 – E quando você nasceu eles moravam no Heliópolis.

R – Moravam.

P/1 – Você cresceu lá?

R – É, eu cresci no Heliópolis. Cresci, passei boa parte da minha infância, adolescência toda no Heliópolis. O meu pai sempre foi focado lá, ele sempre foi líder comunitário, sempre teve essa coisa com ele de estar junto com o pessoal da comunidade, então ele nunca quis sair de lá. Eu sempre fiquei lá com ele, a gente sempre ficou junto lá no Heliópolis. Então desde pequeno, desde criança mesmo já fui crescendo ali. Ali foi o lugar que eu cresci mesmo, passei minha vida toda lá, não morei em nenhum outro lugar a não ser o Heliópolis até certa idade.

P/1 – E como é isso do seu pai ser líder comunitário, como é essa história aí?

R – Então, meu pai conta pra mim que ele começou a ser líder muito cedo, ele tinha essa coisa. Meu pai já era técnico dos times de futebol lá do Heliópolis com 14 anos, ele já levava a rapaziada pra jogar, já organizava, entendeu? Então ele cresceu muito com isso. E depois eu nasci, tal e ele sempre defendeu essa linha de raciocínio dele, sempre defendeu comunidade, sempre guerreou pela melhoria das coisas da comunidade, tanto infraestrutura como tudo, que o povo de lá de dentro é carente e precisa, muito mais naquela época que hoje as coisas já estão bem mais avançadas. Então foi isso aí, acho que ele despertou dessa forma, começou essa trajetória dele aí, aí começou na Associação, como eu te falei ele era coordenador pedagógico, tal, dava aula. Meu pai jovem já liderava sala com um monte de marmanjo, então ele começou dessa forma e é o que ele faz até hoje, ele toma conta da associação dele lá hoje, ele tem a própria associação, tem os projetos dele.

P/1 – Qual é essa associação? Existem outras associações agora, é isso?

R – Então, meu pai fez parte de uma associação muito tempo, uma associação chamada Unas, lá no Heliópolis. É uma associação muito forte dentro de Heliópolis, está desde o começo, não desde a fundação do Heliópolis, mas tem muitos anos mesmo, desde quando começou aquele fogo, todo mundo invadir e tal, eles estão juntos lutando por moradia, lutando pelos ideais da comunidade. Meu pai desvinculou dessa associação e montou uma própria dele hoje, que o nome da associação dele hoje é Ação Comunitária Nova Heliópolis, da qual ele toma conta, ele, a esposa dele atual. E é assim, ele desvinculou totalmente. Ele trabalha na área social, só que com a associação própria dele.

P/1 – E o que essas associações fazem geralmente? Quais são as ações delas e como é que seu pai sustentava a sua família?

R – Vou começar desde lá. Meu pai sempre foi um cara muito desse ramo de negócio, de conversar, de pessoas, de atender. Eu me recordo dele sair vendendo as coisas na casa das pessoas. Meu pai vendia roupa, meu pai sempre fez a correria dele, mas sempre teve inteirado no social, entendeu? Por mais que ele tinha a lojinha dele que nem ele teve a lojinha dele lá, ele sempre teve o social, sempre esteve nos projetos, sempre teve isso. Eu creio que a gente vivia com isso, com o que ele faturava. A minha mãe também batalhava demais. Minha mãe fazia feiras de evento, feira de roupa, então acho que nessa época aí o sustento nosso vinha disso, entendeu? Aí depois que ele começou, que as associações começaram a crescer. Ele me conta a história dele de como ele começou na associação, quanto ele recebia, que era pouco demais. Naquela época era quase nada, só que ele lutava. O que eu admiro nele? Que ele lutava, entendeu? E ele lutou pelo que ele acredita, porque mesmo ganhando pouco ele lutou, batalhou, bateu de frente, foi lá: “Não, eu vou ficar aqui, eu quero isso pra minha vida”, até chegar onde é hoje. E hoje é de onde ele tira o sustento da família dele, essa questão de projetos atende. Hoje na associação dele tem um projeto chamado Polo de Beleza, não sei se você já ouviu falar.

P/1 – Ainda não.

R – É um projeto do Governo do Estado em parceria com o Governo, é um projeto que dá cursos na área da beleza pra população, principalmente pras pessoas que atuam na comunidade. O camarada quer fazer um curso de cabeleireiro, lá tem de graça. Corte e costura. Tem depilação. Toda essa parte que a associação presta serviço pra comunidade, através do Governo do Estado, lógico. Outro ponto positivo também que tem a associação dele é o movimento dele de moradia, que é um movimento muito bom, movimento muito amplo, ele atende bastante pessoas, já mudou a vida de muita gente, muita gente que não tinha onde morar, muita gente que pagava aluguel caro, muita gente que não tinha nada, hoje tem muita coisa graças à associação dele. E a batalha dele na comunidade, a influência dele na comunidade, no trabalho junto à Prefeitura, junto a todo mundo, ele conseguiu mudar a vida de muita gente. E está lá caminhando, está batalhando, sempre defendendo o povo, né? Sempre com aquela defesa dele, aquela convicção política que ele fala, defendendo e está lá.

P/1 – E você falou desse problema de moradia. Deixa eu entender melhor o que é esse problema e se for de invasão como é...

R – Não, tem também muito problema de invasão em São Paulo, como mostra aí nos veículos de comunicação, mas o problema maior na comunidade é a questão do atendimento junto à prefeitura, entendeu? Porque toda região em São Paulo, a Prefeitura está atuando pra urbanizar a região, urbanizar a favela, deixar um lugar melhor pra se conviver, pra se morar, um lugar mais bonito. Então a área que meu pai atua é essa, junto à Prefeitura tentar fazer com que as famílias que ele defende sejam atendidas, as famílias que o movimento dele arrasta. Então funciona dessa forma. Movimento de moradia é isso. Com o que eu posso comparar? Tipo um MST, Movimento Sem Terra. É a mesma coisa, só que ali todo mundo tem onde morar, só que tem o camarada que paga o aluguel, tem o camarada que está na casa da mãe, tem o camarada que engravidou a namorada e está na casa da mãe da namorada e precisa sair. Meu pai lida com esse tipo de pessoas que ele ajuda no dia a dia dele.

P/1 – Mas antigamente esse problema existia também.

R – Existia. Antigamente esse problema é que foi aquela explosão: “Tem terreno lá no Heliópolis, vamos pra lá”, então todo mundo veio e invadiu. Mas de contrapartida tinham os caras que eram oportunistas, cara que invadia, vendia, invadia, vendia, invadia, vendia, então a favela não parou de crescer por causa disso. E todo mundo invadindo e o cara invadia, o outro vendia, aí depois ia lá e pegava mais um espaço. Eu acho que problema com essa questão da moradia em São Paulo, acho que não só no Heliópolis, mas vem de anos e anos (estala os dedos) em tudo quanto é região de São Paulo aí.

P/1 – E você cresceu em alguma rua específica, alguma casa, você ficou muito tempo nela?

R – Eu passei a minha infância numa rua chamada Almirante Nunes, que é lá dentro do Heliópolis mesmo, é uma das principais ruas, foi ali que eu passei a minha infância toda até mais ou menos uma faixa de 11, 12 anos de idade, que depois nós mudamos pra casa da minha avó, também no Heliópolis. Meu pai fez um puxadinho lá na época, tinha separado da minha mãe e construiu a casinha que a gente morava lá.

P/1 – Como era essa casa na Almirante Nunes?

R – Eu tenho bastante recordação dessa casa. Era um barracão, quando meu avô foi pra lá

ele fez um barracão. Então era um quintal enorme, bem amplo, tinha três ou quatro casas dentro do quintal. Eu lembro, eu era criança, quando chovia enchia de água, não dava enchente, naquela região onde o Heliópolis é localizado nunca encheu d’água, você pode buscar a história mesmo, ali nunca teve enchente. Só que na nossa casa tinha aquela enxurrada, entrava água e depois saía toda. É isso aí, meu avô quando foi pra lá, montou esse barracão, aí depois com o tempo foi pegando mais condições financeiras na época, acho que meu pai foi construindo, foi ajudando a construir, tanto que construiu a casa da minha avó atrás, construiu a que a gente morava na frente. Aí construiu a lojinha do lado. Mas o que eu lembro mesmo nessa época é isso aí. Era uma rua muito perigosa de se morar.

P/1 – Por quê?

R – Porque na época tinha a questão do tráfico na região, tinha muita matança naquela época. Hoje tem, mas não é que nem antes. Então você vê, pra quem mora, quem cresceu no Heliópolis, que nem eu, eu acho que é normal você conviver com gente morta, entendeu? Ás vezes ia pra escola e via o camarada deitado lá, o cara baleado, então isso já não me abalava mais porque a rua que eu morava é uma rua super conhecida no Heliópolis por causa disso, por causa da criminalidade, do que acontecia na rua na época. Hoje melhorou muito. Eu já não moro mais lá, mas eu passo pela rua pra ir pra casa dos meus avós, o pessoal da minha família que ainda resta lá no Heliópolis.

P/1 – E por que você acha que acontecia essa criminalidade lá e tem alguma história que você lembra que te marcou nesses problemas lá?

R – Assim, criminalidade anda em todo lugar.

P/1 – Mas lá no Heliópolis.

R – Lá no Heliópolis tinha aquela coisa, como eu posso te explicar? Eu acho que toda comunidade tem aquele tráfico, tem o traficante, tem o cara que... e é tudo escancarado, né? Você vê muito, você convive com isso, você vê o cara trabalhando: “Porra, aquele cara ali é do movimento”, você já sabe quem são as pessoas. E comunidade tem muito disso. Várias cenas você vê, você perde parentes às vezes para o próprio tráfico, às vezes o traficante que mata. Quando eu era mais novo que eu morava nessa rua o fato mais triste que eu me lembro de tudo foi quando mataram o amigo do meu pai, o nome dele era Nando, era um negão grandão, jogava bola e tal. Ele passou na minha casa, conversou com o meu pai, eu era pequeno, acho que tinha seis, sete anos na época. Aí conversou lá, conversou comigo, brincou comigo, conversou com o meu pai e depois seguindo na rua e teve a violência com ele, deram acho que sete ou oito tiros nele e ele acabou falecendo. E o que mais me chamou a atenção é que estava tendo uma festa numa rua do lado, a festa parou. E eu lembro daquela multidão descendo pra ver o cara, pra ver se era ele. Porque ninguém acreditou que os caras na época tinham matado um rapaz. É um dos fatos que mais marcou a minha infância. Fora alguns de ver as pessoas armadas, isso é normal, mas esse aí foi o que mais me marcou mesmo, que eu me lembro de fato, de toda aquela atmosfera daquela época foi o que mais me marcou.

P/1 – E vocês souberam por que aconteceu isso depois?

R – Na época meu pai falava que era por causa de mulher. Não sei se ele ficou com a mulher de um rapaz, não sei se é até rixa com os próprios caras do movimento lá na época, mas eu acho que foi por causa de mulher: “Ah, Fulano ficou com a minha namorada”. Acho que foi isso aí.

P/1 – E nessa casa nessa época vocês tinham acesso à energia, luz? Tinha eletrodomésticos?

R – Tinha, tinha, que eu me lembre assim tinha. Eu posso até estar falando bobagem, mas acho que já tinha conta de luz nessa época, pelo menos a casa do meu pai era organizada porque minha mãe e meu pai sempre foram organizados. Acho que meu pai principalmente, minha mãe também era sempre certinha, então não tinha coisa de: “Ah, puxa ali a luz”. Eu me lembro que nessa época a gente já tinha luz, já tinha energia no poste e já tinha conta de luz.

P/1 – Em casa.

R – Em casa, chegava em casa.

P/1 – Mas isso não era um problema no bairro, de não ter algum vizinho ou alguma coisa assim?

R – Bom, eu acho que tinha alguns vizinhos nos becos, porque a minha casa sempre foi na rua. Então tem muita viela no Heliópolis e a própria empresa na época que prestava serviço, creio que seja a própria Eletropaulo, não tinha acesso aos becos, até por medo de mandar o operador ir lá e trabalhar, tal. Mas eu lembro que na nossa casa a gente tinha energia. Na nossa casa, a casa de trás e na casa do lado, que era da minha tia. Era poste, ela tinha o postezinho lá e tinha o leitorzinho, postinho cinza e o leitor quadradinho.

P/1 – Você lembra quando chegou a energia ou sempre teve?

R – Eu não lembro como chegou a energia exatamente. Eu lembro de já ter energia e da minha mãe já pagar conta (risos). Já chegava o papelzinho lá, a conta de luz, chegava em casa.

P/1 – Agora fora todos esses problemas que você falou, da criminalidade, do medo, você brincava na rua, do que você gostava de brincar?

R – Não brincava. Minha mãe fala que eu fui uma criança muito criada dentro de casa, minha mãe não me deixava sair muito. Mas eu brincava, tinha alguns pontos que a gente ficava. Nessa época você acostumava tanto com o que estava acontecendo que não tinha aquele medo da gente ficar dentro de casa. “Ah não, não vou sair pra rua”. Não, todo mundo na rua. A gente ficava na rua, brincava, brincava com a molecada, eu tenho amigos de infância até hoje, que a gente brincava, fazia brincadeira mesmo de criança, sabe?

P/1 – Tipo o quê?

R – Tipo esconde-esconde, jogava bola na rua, então a gente sempre brincou, a criminalidade no Heliópolis nunca interferiu nisso, a não ser que os caras começassem a dar tiro, a matar todo mundo lá, aí tinha que parar e entrar pra dentro de casa mesmo, mas isso nunca interferiu. E minha mãe fala: “Você foi criado dentro de casa, você não participou muito das coisas da rua”. Eu gostava mais de ficar em casa mesmo, jogar videogame, essas coisas. Você vê, hoje eu já não gosto tanto, hoje eu já não paro, eu não jogo mais esse tipo de jogo, computador, é muito difícil. Mas quando eu era mais novo sim.

P/1 – Você jogava o quê, você lembra?

R – Deixa eu ver. O primeiro videogame que meu pai me deu, nossa, eu lembro que foi uma dificuldade pro meu pai comprar, foi um joguinho chamado Mega Drive, lembra?

P/1 – Lembro.

R – Um videogame preto que vinha com uma fita do Sonic. Foi uma dificuldade, ele foi lá, comprou e me deu de presente. Passava o dia inteiro jogando videogame, não era muito de ficar na rua, não. Mas depois teve aquela... foi fase, fiquei um tempo assim, um pouco trancado, depois comeceu a ficar só na rua, a brincar com a molecada, jogar futebol, a correr junto com a molecada.

P/1 – E você chamava seus amigos pra jogar em casa também?

R – Minha mãe nunca gostou muito disso, de que eu chamasse alguns colegas. Eu tinha meu primo, que morava no mesmo quintal que eu, então a gente jogava junto. A gente jogava junto, jogava bolinha de gude junto, tudo o que a gente fazia a gente fazia junto, mas minha mãe nunca foi fã de amizades na rua, tal: “Ah vem, traz o seu amigo aí, vamos fazer”. Porque tem mãe que tem essas coisas: “Traz o seu amigo, vamos fazer uma janta pra ele”, minha mãe nunca teve isso não, ela sempre separou as coisas (risos), sempre foi rigorosa, educação rigorosa. Sempre prezou muito a educação. Minha mãe e meu pai, por mais que eles naquela época eles eram novos, mas minha mãe sempre me incentivou, sempre me colocou em escola boa. Na época eu estudei numa escola muito boa, que era uma das melhores da região lá no Ipiranga, que foi feito da minha mãe, ela correu atrás. Eu sempre fui ali, em casa, eu nunca fui muito de rua, não.

P/1 – E qual é essa escola?

R – O nome dessa escola é Visconde de Itaúna, essa escola existe até hoje lá no bairro. Na época que eu entrei lá era considerada a escola melhor da região do Ipiranga, Vila Carioca, era muito difícil de entrar. Na época minha mãe teve que dar o endereço do patrão dela que era ali na Rua Silva Bueno também, perto da escola, e me forneceram a vaga. Eu estudei lá até a oitava série. Na época, realmente, era uma escola muito boa. Tinha uma diretora muito disciplinadora. Você vê que o professor naquela época queria ensinar de verdade, o cara queria trabalhar, queria te orientar, queria te ensinar. É, eu estudei lá até a oitava série, depois saí de lá e parti pra outra escola.

P/1 – E o que te marcou nessa escola? Algum professor, alguma coisa que te aconteceu, um amigo?

R – Ah, tem várias coisas. Eu tenho amigos que eu converso até hoje dessa época da escola. Então tem muitas coisas, muitas brigas, a gente marca muita briga na escola que eu fico assim recordando, mas o que mais me marca é que eu era muito complexado na escola porque teve uma época que, não sei se você percebeu, a minha voz é um pouco, por problema respiratório e tal. Aí eu tinha que tomar remédios que faziam mal pra mim, até hoje se eu tomar faz mal pra minha saúde, me dá um acúmulo de peso muito grande, altera totalmente o meu metabolismo, então eu fico muito gordo. Na época eu tomava esse tipo de remédio quando eu comecei a estudar e comecei aquela... Eu nunca sofri bullying, essas coisas, mas o que mais me marca, mais me vem à mente são essas situações que eu próprio causava pra mim na escola. Eu era muito gordinho, aí todo mundo falava: “Pô, você era gordinho, era folgado, tal”. Mas tem várias histórias bacanas da época de escola. Professor, tem uma professora que me marcou muito. É assim, lá não mudava de professor, eu não creio como está o ensino hoje, mas lá eu passei da primeira à quarta série com uma professora só, o nome da professora era Iara. Era uma professora muito bacana, ela me chamava de Ávila, porque ela falava assim: “É, você vai pro Exército”, porque eu era bem grande. Ela falava: “Você vai pro Exército quando você ficar mais velho e lá no Exército chama pelo sobrenome, então vou te chamar de Ávila”. Todos os meus amiguinhos lá na época me chamavam de Ávila. Era uma mulher muito bacana, incentivava a gente a fazer as coisas certas. Ela não era só uma professora, mas ela era muito humana, ela ensinava a gente a fazer as coisas certas. Acho que naquela época o que ela tentava fazer? Moldar, já que ela lidava com a gente de pequeno, a moldar o nosso caráter, uma professora muito boa. E como eu te falei, tem algumas brigas, aquela coisa de escola, a gente lembra algumas coisas boas. Tinha aquelas, que às vezes eu comento pras minhas amigas, aquelas paixonites de escola: “Pô, você gostava de Fulano”, eu falava: “Ah, eu gostava de tal pessoa e a pessoa me desprezava, tal” (risos) “Pô, mas também você era gordinho, você era não sei o quê”, a maior zoeira. Eu lembro de algumas coisas, de todas eu não lembro muito. Eu lembro, de todo mundo que eu convivi naquela época da escola da primeira à quarta série, eu lembro de todos eles. Lembro de conviver, de conversar, lembro do que nós conversamos naquela época, o que a gente fazia dos trabalhos em grupo, a minha memória pra isso já é um pouco boa, eu lembro bastante coisa.

P/1 – E no que te atrapalhou essa consciência que você tinha, na hora de fazer amigo, fazer alguma namorada, uma coisa assim?

R – É, então, me atrapalhava não de fazer amigos, eu nunca fui muito comunicativo, tal, eu fazia amizades, mas eu me fechava por conta disso, desse problema, então eu colocava blusa, andava um pouco encurvado por vergonha da situação ali, coisa que a gente cria na nossa mente, aí fica com aquele complexo, fica de canto e tal. Mas eu nunca fui um cara totalmente assim, eu era meio termo, da

mesma forma que eu era assim eu procurava interagir com todo mundo, conversar e falar, expor a minha opinião na sala. Mas isso me afetou demais durante muito tempo.

P/1 – Na escola você teve alguma paixãozinha, alguma coisa assim, que você até falou já.

R – Então (risos). Aquilo que eu converso com as minhas amigas. Eu lembro de uma moça chamada Naiane, alguma coisa assim, foi minha primeira paixonite na escola. Mas eu gostava muito, muito, muito dessa menina e ela não dava a mínima pra mim. Ela era bem bonita na época, ela era aquela garota mais bonita da sala e nem aí pra mim. Eu gostava, falava pros meus amigos que eu gostava dela, escrevia o nome dela no meu caderno. Que eu me lembro só ela, depois não teve mais pessoas pra falar: “Não, gosto dessa pessoa”. Teve no Heliópolis, nos projetos por onde eu passei no Heliópolis, mas da escola eu me lembro só dessa moça (risos).

P/1 – Então você frequentava as associações com o seu pai?

R – Frequentava. Frequentei praticamente a minha infância e adolescência toda. Frequentei muito tempo projetos, tenho muita formação de projetos, formação política feita dentro das associações do Heliópolis, então eu sempre acompanhei meu pai. Minha mãe tinha outra linha de raciocínio, ela queria outras coisas, outros horizontes pra vida dela. Na época eu quis ficar com o meu pai: “Não, vou ficar com o meu pai”, tinha muito essa coisa, então o pai me levava pra todo lugar. Eu falei: “Não, vou ficar com o meu pai aqui”. E ela foi seguir o destino dela. Então eu sempre participei, sempre me colocava nos projetos, sempre me colocava pra fazer as coisas, conhecer as pessoas. Ele tinha um grupo de adolescentes na época que chamava Agente Apos, e eu já ficava no meio lá dos caras, já colocava eu lá. Então eu me considerava um pouco avançado pra minha época porque eu sempre queria ficar no meio dasa pessoas grandes, sempre queria conversar com o pessoal mais velho.

P/1 – O que você conversava, quais eram as questões?

R – Vamos supor, o camarada estava num papo falando de mulher e eu também queria entrar no meio do papo do cara (risos), sem mais nem menos, como se eu entendesse o que o cara estava falando. Mas era bacana porque ninguém me desrespeitava, todo mundo me recebia bem, era

muito legal.

P/1 – E o que você fazia exatamente, de que atividade você participava lá?

R – Tinha as oficinas. Então elaborava a oficina, dava um tema pra elaborar. Vamos supor, vamos elaborar um projeto... deixa eu ver como eu posso te explicar exatamente aqui. Vamos fazer um projeto pra conscientizar a molecada de hoje a usar camisinha, vamos supor. Então se juntava todo mundo pra pensar e eu lá moleque no meio (risos) pra pensar junto com os grandes. Isso é extraordinário, era legal.

P/1 – Isso te formou um pouco, né?

R – Ah sim, formou um pouco. Com certeza me ajudou bastante só que de contrapartida eu não fiquei livre de errar, né? Porque naquela época o que meu pai procurava ensinar, a questão do cara ser pai muito cedo que nem ele foi, a dificuldade que passou por ter, não que tenha errado, mas por ser imaturo, tal. E na minha adolescência eu cometi o mesmo erro. Então assim, em partes a convivência com o grupo de adolescentes lá me ajudou bastante, mas não me impediu de errar. Não que o que aconteceu foi um erro, mas me impediu de vacilar (risos).

P/1 – E quem eram esses jovens que você está falando? O que eles faziam, o que eles fizeram pra estar lá?

R – Era jovem da comunidade mesmo, que meu pai na época liderava esse grupo de jovens, então eram os jovens da comunidade mesmo. Na época dois dos meus tios também faziam parte, eram de uma faixa etária de 16, 17 anos. Esse projeto foi pro Heliópolis e meu pai começou a trabalhar então ele liderava essa rapaziada aí.

P/1 – E depois da oitava série você foi estudar onde?

R – Depois da oitava série eu fui estudar em um colégio chamado Gualter da Silva, ali no Moinho Velho, na região do Sacomã. Pô, aí eu fiquei naquela, não sei se eu tinha feito uma besteira de ter largado a minha escola, de ter largado os meus amigos que eu estava há tanto tempo convivendo ou de ter ido pra aquela escola. No final das contas acabei nem conseguindo concluir lá, concluí em outra instituição mas eu não concluí o ensino médio lá,

não consegui ficar, me adaptar ao ritmo da escola porque já estava acostumado com outro ritmo. O ritmo daquela escola já era muito, você vê, naquela época, hein? O ritmo já era outro. Eu estava acostumado com o ritmo de ensino, o ritmo de professor, tal, quando eu fui pra lá eu já estranhei bastante então não consegui me adaptar. Era muito inferior ao que eu recebia, entendeu?

P/1 – E aí o que aconteceu? Você ficou muito tempo lá, você saiu?

R – Então, eu concluí o primeiro ano no ensino médio, depois tentei fazer o segundo e não fiquei, saí, fui fazer outras coisas, fui trabalhar e deixei incompleto. Depois concluí em outra instituição.

P/1 – Nessa época você já queria ser alguma coisa, já tinha algo em mente? Um ideal?

R – Minha mãe sempre me incentivava, vou falar coisa até contraditória ao lugar que a gente morava. Minha mãe sempre me incentivava a seguir carreira militar, então eu tive sempre vontade de ser não policial, eu queria ser militar, Exército, Aeronáutica. Minha mãe sempre me incentivou pra isso e eu cresci com isso na mente, tal. Não como prioridade, mas tentei batalhar por isso. Acabou não dando certo. É a única coisa que eu queria, de verdade, se fosse para eu poder escolher o que eu seria desde aquela época é o que eu seria hoje.

P/1 – E você foi trabalhar no quê quando você saiu do segundo ano?

R – Eu saí do ensino médio, fiquei um tempo naquele oba-oba fazendo um curso aqui, outro ali, nada muito curricular, sabe, que você vai agregar isso no seu currículo. Alguns sim, alguns não. O meu primeiro emprego foi numa loja lá na Rua Silva Bueno perto da...

P/1 – Da escola.

R – Isso, lá perto da escola. O meu primeiro emprego foi de estoquista. Foi por acaso, olha que coisa de louco. Eu estava desempregado na época, aí estava sentado num trailer que vendia lanche no lugar que eu morei com a minha mãe lá no Parque Bristol. Chegou um rapaz comentando sobre essa vaga de emprego, que na loja dele estava precisando, falando pro dono do estabelecimento: “Ô, sabe alguém que está precisando de trabalho, tal? Minha loja está precisando de estoquista lá, paga 600 reais”, acho que era 600 reais o salário na época, 612, alguma coisa assim. Era um salário mínimo.

“Pago 600 reais”. Eu ouvi, esperei ele terminar de falar, quando ele pegou o lanche ele foi indo pra casa e eu segui ele. Aí parei ele: “Ô meu, ouvi você falar lá sobre aquela vaga. Porra, não tem como você me indicar?”. Ele falou: “Vai amanhã lá na loja e conversa com o meu patrão lá”. Eu fui no outro dai na loja, conversei lá. Era seu Ivan o nome do senhor lá que me contratou. Conversei com ele lá e ele falou: “Não, vem fazer um teste aí”, que ele era todo. Eu falei: “Combinado”. Eu fui fazer o teste, eu lembro que quem me passou o serviço foi um rapaz chamado Rodrigo, ele era estoquista de lá, já estava há um tempo na loja. Eu lembro dele falar que o patrão perguntava pra ele: “E o menino aí, e o menino aí?” e ele falava: “Não, o menino é bacana, tal, pode contratar que ele trabalha legal”. Esse foi o meu primeiro trabalho, foi uma loja, fiquei um ano nessa loja, um ano. Que eu me lembro esse foi o meu primeiro registro na carteira, foi a carteira assinada, tal, tudo bonitinho, esse foi o meu primeiro registro. Porque trabalhar às vezes a gente fica num biquinho, tal, outro. Até antes desse trabalho mesmo eu já tinha feito alguns biquinhos, tal, mas meu primeiro trabalho foi esse.

P/1 – Você se lembra o que você fez com o seu primeiro salário?

R – O que eu fiz com meu primeiro salário. Cara, agora eu não lembro. Mas eu lembro que eu era muito apaixonado por roupa, tênis, relógio. Até hoje. Eu sempre gostei. E tinha uma loja de surf de frente com a loja, uma loja de surf muito conceituada na época, loja famosa. Eu entrei lá e tinha um relógio. Eu falei: “Porra, vou comprar esse relógio”. Se eu não estiver errado foi o que eu fiz com o meu primeiro salário. Separei parte dele porque não gastei todo no relógio, comprei o que eu queria e na época eu já tinha uma menina então o restante eu ajudei em casa, comprei as coisas pra ela, tal.

P/1 – E a sua filha, quem é a mãe dela, como você conheceu ela? Como foi essa história?

R – É uma história meio complicada. Eu morei até certo tempo com o meu pai no Heliópolis, depois eu tive que ir morar com a minha mãe lá no Parque Bristol, minha mãe tinha um apartamento no Cingapura lá no Parque Bristol, tive que mudar pra lá e morar com ela, fiquei lá um tempo. Lá eu conheci a mãe da minha filha, lá no conjunto habitacional que a gente morava. Eu era novo, tinha 16 pra 17 anos. Conheci ela lá também, meu pai já conhecia a família dela do Heliópolis, que são famílias antigas do Heliópolis, tanto a família da mãe da minha filha como a minha família, já são famílias que praticamente fundaram a comunidade. Acabei conhecendo ela lá, e aquela coisa, não que ela foi a minha primeira namorada, mas foi aquela coisa, tal, aquele namorico. Namorava dentro da minha casa, ficava dentro da minha casa, ficava na casa dela, acabou engravidando, foi coisa rápida, entendeu? Pouco tempo de relação. Minha mãe falava, me alertava: “Toma cuidado, se cuida”. E eu nem aí com nada na época, ela acabou engravidando. Minha filha vai fazer dez anos já. Acabou engravidando na época, a gente tentou um tempo ficar junto, não deu certo.

P/1 – Bola pra frente.

R – Bola pra frente.

P/1 – E qual é o nome da sua filha?

R – O nome da minha filha é Isis Pietra. Isis por causa do meu irmão, meu irmão que mora fora, ele que deu a ideia. Porque ele é um cara meio místico, ele gosta dessas coisas de estudar deuses e tal, ele falou: “Não, coloca o nome de Isis, tal, que Isis é assim, assim, assim, é um nome legal, tal e tem esse significado”. Aí eu fiquei: “Não, vou colocar”. Achei bonito, minha mãe também adorou e nós colocamos o nome dela; eu que escolhi, minha família que escolheu.

P/1 – E como é que foi ser pai, como foi o parto, você se lembra?

R – Eu me lembro de pouca coisa. Eu lembro que ela ficava falando que não queria ganhar filho no Hospital Ipiranga, queria ir para o Amparo Maternal lá na rua Loefgreen, acho que é alguma coisinha de Santa Cruz. E eu lembro de ir lá, a gente na noite do nascimento, que ela nasceu durante o dia, levamos ela à noite, estava rompida a bolsa, estava com dilatação. E de deixar lá e ir pra casa. E depois a irmã dela me ligou: “Ó, a sua filha nasceu”, eu: “Beleza”. Você não tem muita maturidade pra lidar com a situação, então essa questão você fala: “Legal, vou lá ver”, tipo é uma coisa meio que, não que seja normal mas você fica meio que sem reação, sem chão, por não ser maduro o suficiente pra lidar com aquele tipo de situação. Mas já que já estava lá, já tinha acontecido, beleza, vamos embora. Eu fui lá ver, lembro que eu cheguei no hospital no outro dia durante o dia, aí fui lá ver, fui acompanhar ela lá, a saíde, ter alta, fui registrar, fui no cartório, tal. Eu lembro dessas situações.

P/1 – E por isso também que você foi trabalhar?

R – É, também, né? Tinha que trabalhar, tinha que se virar. Porque quando você é pai novo você tem que se virar. Porque não é justo, quem vai criar? Vai jogar nas costas do pai e da mãe? Não tem como, então você tem que trabalhar, tem que se virar, né?

P/1 – Você estava morando com a sua mãe e aí a sua filha foi morar com você ou ficou lá?

R – Ela ficou com a família dela um tempo, até certo tempo, então a gente nunca morou junto oficialmente. Ela ficou lá um tempo, aí depois nós mudamos lá pro Heliópolis, ficamos um tempo juntos numa casa lá. Depois ela mudou, eu voltei pra casa da minha mãe porque não deu certo, separação, tal, foi isso aí.

P/1 – E depois do trabalho de estoquista você foi fazer o quê?

R – Então cara, essa é a parte mais complicada. Depois de ser estoquista eu fui trabalhar de motoboy, velho. Comprei uma moto na época, eu tenho um tio meu chamado Renê, ele é supervisor até hoje na firma que eu trabalhei e ele falou pra mim: “Ah mano, compra uma moto que eu te coloco aqui. O salário é bom, tal”. Eu fiquei tentado pelo salário. O risco de vida, de quebrar a perna, de perder a vida nem passava pela minha cabeça, fiquei tentado pelo salário. Beleza. Fui lá, comprei essa moto: “Vamos trabalhar”. Fiquei nessa rotina durante cinco anos, cinco anos trabalhando de motoboy. Foi a minha segunda profissão. E eu tenho registro, tudo, na carteira como motociclista. Eu trabalhei durante muito tempo como motoboy.

P/1 – Foi de que ano a que ano?

R – Não me recordo muito bem, eu trabalhei de estoquista em 2007, aí eu saí da loja. Acho que foi de 2008 a 2012, quando eu parei oficialmente de andar com moto na rua bruta, foi em 2012, foi meu último trabalho em autopeças, que eu entregava peça. Foi meu último trabalho, o meu último posto de serviço, foi numa autopeças.

P/1 – E como é que o motoboy presta serviço? Ele vai numa empresa, ele é motoboy de uma loja só?

R – Eu fiz todos os tipos que você imaginar.

P/1 – Ah, é? Quais são?

R – Todos. Entrega documento, faz coleta de documento, faz malote, faz toda essa burocracia bancária, INSS, retirada de documento, tem vários tipos. Quando eu comecei a trabalhar como motoboy eu trabalhava numa empresa chamada Atlas, a gente prestava serviço pra Atlas, empresa de elevador. Meu tio era supervisor lá então ele que liberava as entregas, o itinerário, as cobranças, tal. Nessa época eu trabalhava com isso, fazer repartição pública, Prefeitura, toda essa burocracia, entregar esse tipo de documentação. Era o que o setor nosso fazia. Quando eu comecei a trabalhar na autopeças foi mais tranquilo, aí eu já estava no céu porque todo lugar que eu ia tinha onde parar a moto, todo lugar que eu ia podia entrar na oficina do camarada. Se eu fosse retirar um peça numa loja, por exemplo, você entra no estacionamento da loja. Então tem vários tipos. Tem a parte mais burocrática pra quem está na rua e tem a parte mais tranquila. Vamos supor, você é mecânico, você pediu uma peça pra mim eu vou lá, busco, te entrego, acabou. Aperto de mão, já era. Eu fui de um polo ao outro até parar de verdade, até surgir a oportunidade de um projeto e parar.

P/1 – A gente estava falando do seu trabalho de motoboy. Eu queria saber como é que era o cotidiano. Como é o cotidiano de um motoboy? Você acordava e você ia fazer o quê, como você voltava?

R – A rotina de motoboy é muito complicada, muito difícil. Geralmente pelas empresas que eu passei você acorda sempre às sete da manhã, sete e meia, tem que estar na empresa às oito horas. Então é aquela rotina, você chega, pega os trabalhos do período da manhã, você executa, vai almoçar quando dá tempo de almoçar porque essa vida é assim, você está na rua às vezes você não come direito. Tem os seu altos e baixos como toda profissão tem, mas mais baixo. Volta pra empresa, pega os trabalhos da tarde, executa. Tem aquela empresa que você tem que ficar indo e voltando, você faz um trabalho, aí depois você vai e faz o outro, o famoso trampo, que a linguagem de motoboy é assim (risos). “Vou pegar o trampo aí”. Você faz isso então não diferencia muito. E eu também trabalhei muito em pizzaria, eu trabalho até hoje em pizzaria, tomo conta com o meu patrão da pizzaria à noite. Naquela época era uma rotina muito exaustiva pra mim, eu trabalhava de motoboy durante o dia, à noite ia pra pizzaria, tal. Era muito complicado, mas a rotina de um cara que trabalha na rua até hoje é assim, o cara sai de manhã de casa, não sabe se volta porque tudo pode acontecer. Eu já sofri alguns acidentes, tal, e nenhum eu consegui prever. Simplesmente o camarada sai da contramão e te pega. Essa rotina é bem complicada. Mas não diferencia muito das empresas. No ramo de autopeças que nem eu te falei diferencia um pouco porque você já está mais fixo dentro de loja. Teve até uma época que eu ganhei uma oportunidade de trabalhar dentro da loja, só que essa vida de rua, de você estar só na rua é viciante, entendeu? Então você não consegue se concentrar, você pega costume naquela situação. Porque quando você está na rua você está indo aqui e ali, a hora passa bem rápido, você não vê a hora passar. Você chega na empresa às oito horas, quando você olha no relógio é meio-dia. É muito rápido, então a vida passa muito rápido quando você está na rua, a hora, eu falava pra minha mãe: “Mãe, a vida passa muito rápido na rua”. Quando você está dentro da empresa não, então pra você acostumar. Você vê que eu tive oportunidade de estar dentro de empresa e não consegui ficar. Por ter esse costume de estar na rua. Até o surgimento do projeto.

P/1 – E você acha que é viciante, além dessa questão do tempo, por que mais você acha? Adrenalina, não sei.

R – Não, adrenalina não falo tanto, tem pessoas que gostam. Eu particularmente não gosto de velocidade, tenho medo, então era uma necessidade mesmo por não saber fazer outra coisa e por também não ter nenhuma qualificação, então tinha que ser aquilo mesmo, entendeu? Tem que ser isso aí ou então vai trabalhar de obra, eu não queria isso então falei: “Não, vou ser motoboy”. É mais por você não ter uma pessoa te falando. Que nem numa empresa, tem gente trabalhando em linha de produção, essas coisas, então tem aqueles que são supervisores, a questão do chefe que aparece lá de vez em quando. Então imagina só você está trabalhando aqui na maior tensão e o cara em cima de você te olhando, tal? Na rua não tem isso, na rua você está solto, é você, a moto e a rua. Então, lógico, a execução do seu trabalho, você chegar e saber se portar nos lugares, saber se apresentar, saber defender a empresa que você trabalha, tem muito isso também. Não é porque você trabalha de motoboy que você é um cara que está na rua que você vai ser um desleixado, vai chegar lá no balcão de uma empresa, vai ter as moças lá e você vai, trabalho aí e tal. Você vai aprendendo no seu dia a dia a saber lidar com essas adversidades que o trânsito de São Paulo te proporciona que é muito violento, muito violento ao extremo, entendeu? Pra você ter uma ideia, as pessoas de manhã. Sabe que o ser humano não funciona direito quando você acorda, você toma banho, você não funciona, não adianta o camarada falar: “Pô, eu estou 100%”, porque não está. Então você já sai naquela pilha, às vezes meio sonolento, então se torna muito perigoso pra quem está de carro, quem está de moto. Os caras explodem na rua do nada. É bem perigoso.

P/1 – Você falou dos acidentes, como é que foram esses acidentes que você sofreu?

R – Então, eu sofri poucos acidentes, eu sempre pilotei na direção defensiva mesmo, sempre procurei aprender a olhar, tenter prever algumas coisas que algumas pessoas fazem no trânsito, tal. E trabalhando na rua eu acho que eu sofri três acidentes, mas foram acidentes não tão graves. Algum acidente grave que eu sofri, eu sofri no fim de semana, não estava trabalhando. Eu trabalhando mesmo, pilotando a moto, nunca sofri acidente grave. Já caí, derrapei no óleo, isso aí acontece. Está na moto. Não é normal, não pode ser uma coisa normal, mas pô, está na moto, você pegou óleo ela vai embora, não tem como você segurar, ela é pesada, não é uma bicicleta. Então nesses dois acidentes que eu sofri, um que eu sofri que foi muito grave foi o último que foi um rapaz, meu, ele saiu de trás de um caminhão, ele estava de moto também. Ele saiu de trás do caminhão e bateu na minha moto. Nós nos chocamos frente a frente, eu e ele, moto com moto. Totalmente imprudente o cara. Era um rapaz que não tinha habilitação, estava entregando peça também, só que numa loja totalmente sem compromisso com ele próprio. Ele bateu em mim, a moto voou, não pegou em cima de mim e tal, não quebrei nada, não fraturei nada, só machuquei o joelho. Foi a época que eu decidi sair, esse foi o último acidente.

P/1 – E quais são os maiores problemas que você enfrentava no trânsito nas situações cotidianas?

R – Problema do trânsito, eu acho que o que a gente mais enfrenta são as pessoas mesmo, né? O cara sai de casa, o cara não sai em paz, né, meu? Eu acho que assim, fora o trânsito que é demais, é muito carro nas ruas, a gente acompanha pelos jornais, nas ruas, quando chove tudo para. Então é mais o ser humano, o cara não respeita. O próprio motoqueiro não respeita. Você está aqui na boa o cara vem e começa a te empurrar e tal, e acelerar a moto atrás de você. Isso pra mim é uma adversidade, você tem que lutar contra isso todo dia, trabalhando dessa forma. Porque é assim, o cara não quer saber, ele não está nem aí com a vida dele, então ele vai ligar pra sua? Se ele está tendo esse tipo de atitude. Hoje o que as pessoas mais sofrem no trânsito são com pessoas assim. A questão do carro, de superlotação de carro, isso você tira de letra, vai ter trânsito, o trânsito vai ser inevitável, o problema vai ser as pessoas, a pessoa que está conduzindo o veículo.

P/1 – E você chegou a ver amigos seus tendo acidente ou alguém que você conheceu já morreu?

R – Amigos meus, não. Teve amigos meus que sofreram acidentes graves na rua.

P/1 – Que trabalhavam com você também?

R – Não, trabalhavam em outras empresas, mas quase diariamente você convive com mortes em São Paulo. O cara que trabalha na rua um bom tempo que nem eu fiquei trabalhando é acostumado a conviver com morte, com morte mesmo, ver coisa feia mesmo na rua, entendeu, perna decepada, cabeça estourada. Isso é rotina, você não tem que ficar com medo disso, porque se você ficar impressionado no outro dia você não vai trabalhar. Mas é bem barra mesmo, você vê coisa feia. Eu pelo menos já vi coisa de embrulhar o estômago na rua, é pesado. Na Avenida do Estado está muito perigoso. O cara quer se enfiar no meio dos caminhões lá, o cara tira, acabou o cara, matou na hora. É muito perigoso. Mas de contrapartida tem a imprudência dos caras, né? Porque quando você vai para uma autoescola, mesmo que meia boca, o cara te explica mais ou menos. Como você tem aquela direção defensiva que eles falam, andar, olhar, não se meter no meio dos caminhões. Porque o cara do caminhão não te vê, você está ali, vai passar lá, o cara deu uma tirada você caiu pro lado e já era, o caminhão passou com a roda por cima de você, é que nem você pegar um tomate e esmagar o seu pé. Mesma coisa.

P/1 – Isso foi até 2012.

R – Isso foi até 2012.

P/1 – E o que aconteceu?

R – Em 2012 eu resolvi parar com isso. Eu comecei a fazer outras coisas, fiquei só fazendo biquinho aqui, ali, também algumas coisas de moto. Tentei entrar numa empresa de máquinas injetoras, fazia peça, farol de carro, não consegui. Eu trabalhei um tempo, mas não consegui me adaptar porque o trabalho era à noite, era das oito e meia da noite até às sete da manhã. Por ser um horário bem puxado e o ritmo do trabalho, abre, fecha, aquela coisa muito ali eu não consegui me adaptar. Aí fui procurar outras coisas até quando foi que surgiu a oportunidade na Eletropaulo.

P/1 – Como é que foi isso?

R – Quando surgiu o projeto. O projeto começou em maio de 2013, aí meu pai pegou meu currículo e falou: “Olha, os caras estão precisando”. Fiz a entrevista com o pessoal da empresa que presta serviço, que é uma empresa terceirizada, não é o vínculo, não é exatamente com a própria AES, tem a firma que me contratou, que é o prestador de serviço. Foram uns rapazes lá na associação, muito gente boa os caras, fizeram uma entrevista lá comigo, tal e acabei sendo contratado. Estou no projeto desde o começo, já vai fazer quase dois anos e meio, em maio do ano que vem eu faço três anos que estou no projeto.

P/1 – E qual é esse projeto, qual é a intenção dele?

R – O nome do projeto é “Recicle Mais, Pague Menos”, é um projeto de sustentabilidade. É um projeto que já existe em outros Estados. Ele chegou aqui em São Paulo agora, é um projeto novo ainda, jovem, não tem tanto tempo de existência aqui em São Paulo. Então é um projeto super interessante, é dentro da comunidade. A princípio atender as pessoas da comunidade, como a comunidade tem muito potencial, essa questão do lixo é muito grande, então montaram o posto dentro do Heliópolis com parceria lá com a associação do meu pai, que a parceria do meu pai com a Eletropaulo já vem de anos, meu pai tem uma parceria legal já com trabalhos atuando junto ele e a AES Eletropaulo dentro do Heliópolis. O que eu faço lá? O projeto funciona assim, você leva uma conta de luz, cadastra, junto com essa conta de luz você leva seus materiais recicláveis, que tem em casa, tudo o que é reciclável dentro da sua casa você leva. O que eu faço? Eu peso, a máquina que eu opero é uma máquina POS que nem uma máquina de cartão, ela própria calcula o peso e o valor do material. A pessoa já vai e já sai com abatimento na hora. É uma troca, entendeu? O cara leva o reciclável, a gente pesa e paga na conta de luz, não paga em dinheiro, dá o desconto na conta de luz. Um projeto muito bom, muito interessante, gosto muito de trabalhar no projeto, é um projeto muito legal mesmo. Assim, eu não tinha uma consciência ambiental legal, não dava muita importância, até entrar no projeto. Hoje eu já separo tudo, eu peguei essa consciência, tento fazer minha família também ter essa consciência ambiental de levar as coisas, de separar, porque hoje tudo se reaproveita. Então é tudo energia, é tudo coisas que produzem energia. Você reciclando você economiza na sua energia e deixa, em contrapartida a própria Eletropaulo polui menos, ela gasta menos energia. Porque todo aquele material que é reciclado nos containers são revertidos em energia, então olha que avanço aí pra comunidade. Até pra própria instituição de energia. É um avanço muito grande. Tem essa cota de devolver pro meio ambiente, ó que interessante, você da mesma forma que a empresa tem aquela cota que ela polui, ela devolve. Aquilo ali tudo é devolução, tudo é matéria prima, tudo vai virar energia de novo. Então assim, a gente trabalha, que nem meus supervisores lá eles sempre pedem para priorizar essa parte da consciência ambiental porque o valor do material, o valor de mercado, é um valor barato, muitas vezes você leva uma sacola lá, não dá aquele desconto exorbitante, que às vezes as pessoas querem ter. Quem que não quer desconto? Vou levar uma sacolinha lá e o camarada paga dez reais, já pensou? Ia ser muito legal, mas não é assim. Porque é o valor de mercado, o material tem o valor tabelado. Então a empresa que recicla lá ela tem o valor a pagar pro cliente, então é isso aí.

Só que a gente trabalha bastante essa consciência, tenta conscientiza. A iniciativa do projeto é conscientizar, não é arrecadar o resíduo e nem assim, lógico que vai ter essa parte de arrecadar, de vender, de compra, de reverter, do resíduo voltar e ter aquela matéria prima, lógico, mas o projeto é feito pra conscientizar a população, conscientizar principalmente o pessoal das comunidades mais carentes, que nem o Heliópolis, a reciclar, a ver que ali na casa dele, aquilo ali é vida, reaproveita. O projeto foi criado pra isso. Então é como eu te disse, eu já vou fazer três anos lá que eu atendo a população, a população toda me conhece, eu convivo no dia a dia. Todos os dias eu chego lá às nove da manhã, abro o meu ponto, vou almoçar e depois volto, fecho às quatro. Eu lido com pessoas de fora do Heliópolis, tem muitos clientes de fora, tem muitos clientes lá da própria comunidade. É um projeto que a população está aderindo muito bem, entendeu? Em contrapartida mudou a minha vida, mudou a minha vida pra melhor. O que a energia me proporcionou: me proporcionou uma oportunidade de emprego, me proporcionou a melhorar a minha comunidade, me proporcionou a atuar nessa questão da sustentabilidade e de conscientização da população. Então melhorou demais, o avanço foi muito grande, foi muito legal.

P/1 – E você tem alguma história marcante de algum cliente, alguém que foi lá no ponto, em relação à energia, alguma história que você se lembre?

R – Como assim? Reclamação?

P/1 – Não, boa, ruim, alguma coisa que te marcou nesses anos?

R – A gente lida com todo tipo de gente, né? Todo tipo de pessoa, uns pensam de uma forma, outros pensam de outra. Eu vou falar não de pontos isolados, vou falar da comunidade em si, porque até pra lembrar fica meio difícil. Agora o que eu mais lido hoje são mais com as reclamações da questão do preço, do valor das contas daí. Só que em algumas pessoas a entrada da Eletropaulo, a organização, ficou ótimo, o pessoal pensa assim e fala: “Porra, legal você ter o seu reloginho”, o leiturista passa lá, tal, faz a leitura do relógio, tá, bonitinho. Pra outras pessoas isso já não é conveniente, lógico, em comunidade sempre vai ter isso, sempre vai ter o camarada que concorda e o camarada que discorda de alguma coisa. De pontos assim, eu não lembro de nenhum ponto isolado em questão de reclamação. Lembro de conversar com algumas pessoas, tal e algumas delas falarem que melhorou a atuação da Eletropaulo na comunidade. Pra você ter ideia, tem um ponto fixo perto, no Heliópolis, o ponto fixo que a Eletropaulo atende. No meu ponto de vista, pra comunidade avançou demais, como eu te disse. Então a atuação da Eletropaulo dentro da comunidade é perfeita, tanto na questão de fornecimento como na questão da sustentabilidade, que é o projeto que eu represento. E está lá pra todo mundo, todo mundo que é cadastrado, todo mundo que paga a conta está lá. E assim, de pontos isolados de reclamações mesmo eu não tenho muitos, eu só tenho essa parte mesmo de agora, que teve esse reajuste fiscal todo aí. Mas eu não tenho...

P/1 – Mas digo alguma surpresa boa que você tenha tido nesses anos com relação à energia. Você, além da conscientização pela reciclagem vocês trabalham também na questão de economizar energia também? Ou usar melhor a energia?

R – Também.

P/1 – Também tem isso? Como vocês fazem isso, o que você fala pras pessoas?

R – Eu sou meio que leigo em relação ao que gasta e ao que não gasta energia dentro de casa. Eu tive uma palestra com o pessoal da segurança do trabalho da Eletropaulo, foi no Circo Escola lá na Vila Guacuri. E o que eu entendi sobre economia, energia lá e o que você pode fazer para economizar na sua casa, o que puxa energia, o que não puxa muita energia eu tento passar pros meus clientes no dia a dia. Tem muita cliente que chega lá e fala pra mim: “Jonathan, pô, a minha conta quanto que está. Cento e setenta reais, a minha conta vinha tanto”. Aí eu falo: “E o chuveiro?” “Ah, meu filho está meia hora no chuveiro” “E o secador de cabelo?” “Ah, minha filha faz chapinha, seca o cabelo”. Essas coisas são as coisas que mais puxam energia dentro de casa, são coisas que têm resistência, tem que aquecer. Que nem o ferro. Se você extrapolar toda hora, toda hora, toda hora vai vir cara sua conta. Eu tento, pelo menos eu, eu tento passar o pouco conhecimento que eu tenho, que não é muito porque eu não entendo muito de elétrica, dessa questão. Que nem eu te falei, o que não gasta e o que gasta, o que puxa bastante, o que não puxa. Mas o pouco que eu aprendi, que eu creio que seja um papel inicial pra dar uma explicação pro rapaz que vai até lá ao projeto eu tento fazer. Essa questão de economia, de tudo, vamos economizar, eu tento explicar.

P/1 – E hoje você está com a sua filha, tem contato com ela?

R – Eu tenho contato com ela. Nós moramos em casas separadas, ela mora com a mãe, eu moro sozinho. Eu moro próximo à comunidade, no Jardim Patente. Mas a gente tem contato sim. Como eu trabalho demais, eu trabalho no projeto durante o dia e trabalho na pizzaria à noite, eu trabalho direto. E o meu trabalho na pizzaria exige finais de semana, então eu trabalho de sexta, sábado, domingo, trabalho direto e às vezes não tenho muito tempo pra dar atenção, pra ficar junto e tal. Nos momentos que eu posso ficar a gente fica junto. Ela está sempre ali no meu pai, a gente está sempre ali. A gente mora na comunidade, mora um perto do outro, então não tem como estar distante, não é que nem o cara. Vamos supor, você mora em São Paulo, outra pessoa mora em outro Estado ou até em outro município, então a gente está sempre perto.

P/1 – E qual é o seu trabalho na pizzaria? Como você foi entrar lá, o que você faz?

R – Meu trabalho foi assim, assim quando surgiu o projeto, quando eu comecei a trabalhar no projeto eu queria ocupar a minha mente, o meu tempo, até por estar morando sozinho, ocupar o máximo que eu pudesse. Esse meu patrão, nós trabalhamos juntos uns anos atrás antes dessa minha segunda passagem pela pizzaria. Então o que eu sou lá? Lá eu sou entregador, eu faço essa parte da entrega. Nos fins de semana, de sexta a sábado eu tomo conta dos motoqueiros, eu que faço o itinerário deles. Como a pizzaria tem muito movimento de fim de semana, chega a vender cerca de 200, 250 pizzas, eu que lidero os motoqueiros lá, eu que despacho a pizza para chegar na casa do camarada, explico o endereço, por conhecer toda a região, porque você pega prática, né? “Onde que é tal rua?” “É assim, assim, assim”, explico. Já estou com quase o mesmo tempo do projeto, quase três anos lá, trabalhando junto com o pessoal, com esse meu patrão. Comecei lá nos finais de semana, depois comecei de quinta a domingo até que um rapaz não quis mais trabalhar e eu fiquei direto. Então trabalho em dois empregos (risos). Pra você ter uma ideia, hoje para eu estar aqui eu mandei um rapaz no meu lugar, que a essa hora era para eu estar trabalhando. Aí eu mandei um rapaz no meu lugar pra poder participar.

P/1 – E o seu irmão? Ele cresceu com você um pouco, o que ele está fazendo agora?

R – Meu irmão é, não que seja complicado, mas lembranças da infância dele eu tenho muito poucas, ele ficou lá com a tia da minha mãe que criou ele. Às vezes meu pai ia buscar ele lá, ficava com a gente, tal. Já viajamos juntos quando a gente era menor. Convivi pouco com meu irmão na adolescência também. A gente tinha uma amizade legal, conversava, tal, tinha uma cumplicidade legal, bacana. O meu irmão hoje mora na Alemanha. Ele teve uma oportunidade através de uma prima nossa que já estava morando lá e na época ele estava precisando, ele estava tendo uns problemas aqui em São Paulo, então precisava de alguma coisa. Aí ganhou essa oportunidade e foi pra lá. Acho que já faz 12 anos que ele está lá. Ele está bem, ele mora em Colônia. Eu fui pesquisar sobre a cidade onde ele mora, é uma das cidades mais antigas do mundo, Colônia. Onde é a matriz da Volks. Ele está bem. A gente tem pouco contato agora, eu com essa idade que eu já estou, a idade que ele já está, a gente tem pouquíssimo contato, cada um seguiu um caminho diferente. Ele ganhou a oportunidade dele, foi lá, está lá e eu estou aqui. Contato nosso mesmo é pouco.

P/1 – Você terminou o ensino médio também,

né?

R – Terminei.

P/1 – Como é que foi isso aí?

R – Ensino médio foi o seguinte. O ensino médio eu estava devendo e sempre nessa correria de trabalhar, trabalhar, trabalhar, eu falei: “Porra, não vou voltar a estudar, não quero fazer supletivo”. Eu lembro que minha mãe falou: “Tem umas provas aí que dá pra você fazer e eliminar o ensino médio”. Eu fiz as duas provas, passei nas duas. Na que foi de Matemática eu não passei, fiquei devendo, não passei por pouco. Dois anos atrás fiquei sabendo dessa questão do Enem, tal. A minha namorada nesse ano falou assim: “Pô, presta o Enem que você vai conseguir o diploma do segundo grau, presta pra tentar”. Eu consegui, eu fiz a prova do Enem e consegui o diploma através da prova. Mesmo depois de tanto tempo sem estudar porque fazia tempo que eu não entrava numa sala de aula. Consegui, cara, consegui a pontuação que até, pra te falar a verdade, até pra faculdade, pra bolsa de 50%, se eu tivesse prestado pra esse segmento eu tinha conseguido. Foi bem interessante, foi um ano bem legal. Eu juntei minha documentação toda, mandei, aí eles, está aprovado. Agora é só. Ano que vem, em janeiro, eu vou prestar vestibular pra começar a fazer Gestão Ambiental que é a área que eu atuo e me identifiquei muito. Gostei muito de trabalhar nesse segmento e vou me especializar nessa área, sustentabilidade, gestão ambiental.

P/1 – E além disso quais são seus sonhos pro futuro?

R – Ah, cara, não tenho um assim. Claro que tenho meus sonhos, mas o que eu planejo? Eu planejo viver bem, conquistar as minhas coisas, dar um passo de cada vez. Vou me formar, quero um bom emprego. Se for para eu constituir uma família, que seja legal, que seja aquela coisa, ainda pretendo ter mais filhos, não agora. Mas eu quero ter aquele sonho que todo mundo tem, quero morar bem, quero viver bem, quero conquistar as coisas que eu tenho vontade. Não tenho planejamento em ficar rico, sabe: “Não, tenho que ter isso, aquilo”. Não, quero o simples pra ser feliz. Não tenho aquela pretensão de querer abraçar o mundo com os meus braços. Eu quero viver bem. Se eu te falar: “Tenho o sonho de ter aquilo”. Não, não tenho isso. O meu sonho mesmo é poder caminhar certinho, direito e fazer minhas coisas para eu ter uma posição legal na vida, onde eu estiver, na empresa que eu estiver trabalhando, dentro da minha casa, entendeu? Acho que eu não tenho muito um sonho, não. Os meus objetivos são esses: estudar, me formar, ter minhas faculdades, ter meu carro legal pra andar, ter minha esposa, minha família, poder dar um ambiente legal pros meus filhos. É isso aí.

P/1 – Como é que foi contar a sua história?

R – (risos) Foi ótimo, cara, foi ótimo. Foi muito bacana. Pra mim eu nem sei como vai ficar, eu sou meio, como é que eu posso te dizer? Eu sou meio vergonhoso, não me dou muito bem com câmera, tal. Mas eu acho que eu até me saí bem, um pouco (risos). Acho que não sofri tanto. Porque eu gosto de conversar, gosto de falar, gosto de relembrar as coisas. Eu gosto muito de debate; eu gosto disso, de debate, de conversar, expor a opinião, de falar: “Assim, tal, eu penso dessa forma”. Eu gosto muito disso, então pra mim é mais do que um privilégio poder estar aqui contando a minha história, saber que vai ficar registrado aí, muito legal.

P/1 – Está certo, Jonathan, obrigado, viu?

R – De nada.

P/1 – Foi ótimo.

FINAL DA ENTREVISTA