P/1 – Paulo, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiro eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite pra essa entrevista e ter vindo até o Museu pra gente gravar essa conversa. E pra gente, de fato, começar eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nasc...Continuar leitura
P/1 – Paulo, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiro eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite pra essa entrevista e ter vindo até o Museu pra gente gravar essa conversa. E pra gente, de fato, começar eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Paulo Renato Canineu. Eu nasci em Sorocaba em 15 de outubro de 1949, portanto, atualmente tenho 66 anos de uma vida bem vivida.
P/1 – Fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai era Paulo Canineu, minha mãe Maria Benedicta da Silva Canineu. E uma particularidade, sempre na minha infância, pequena infância, eu não me conformava de não me chamar Paulo Canineu Filho porque eu queria o nome do meu pai (risos). E daí eu descobri mais tarde e passei a realmente apreciar muito mais o meu nome que a minha mãe colocou Renato, porque Renato é renascido. No entanto depois que meu pai se foi, faleceu alguns anos atrás, eu virei Paulo Canineu, então hoje eu sou Paulo Canineu.
P/1 – Conta pra gente um pouco da origem da sua família, o que você sabe da ascendência dos seus pais?
R – Do lado do meu pai, o meu pai tinha puramente o sangue italiano porque os pais foram imigrantes. Meu avô foi alfaiate, minha avó foi costureira e trabalharam arduamente em Sorocaba. Vieram de fora, mas ficaram em Sorocaba. Eles não vieram com aqueles imigrantes que foram pra zona rural, pro Sul e talvez a razão, até onde eu sei, é muito mais familiar do que propriamente pra tentar a vida em outro país. Da minha avó todos eles eram imigrantes que trabalhavam em costura, em confecção de roupas em casa. Do lado da minha mãe a origem é bem brasileira, do interior de São Paulo, de Minas Gerais. Meu avô era ferroviário, minha avó dona de casa, de forma que essa é a minha origem. Eu tive a oportunidade de ser a primeira pessoa da família que pode cursar um curso universitário, foi fruto de muita luta, principalmente dos meus pais. O meu pai era bancário e minha mãe professora primária. Fui educado por eles com o objetivo de realmente me aprofundar no estudo, desde a minha pequena infância eu tive um interesse particular, não sei porque, naquela época, pelos Estados Unidos. Eu lembro que aos oito, nove, anos eu entrei
em uma escola de inglês que abriu em Sorocaba, eu comecei a ter contato com a língua. E à medida que fui crescendo, começou um programa de intercâmbio que nem se falava ainda AFS Intercultura, era American Field Service bolsa de estudos. E passei a me interessar, até que em 66 [1966] eu tive oportunidade de prestar exame, ser selecionado e fazer o programa de bolsa de julho de 1967 a mais ou menos final de junho ou começo de julho de 1968.
P/1 – Antes da gente falar disso, eu queria que você falasse da sua primeira casa de infância, o que você se lembra, onde que ela ficava, se era lá em Sorocaba mesmo.
R – Eu sempre morei em Sorocaba. Eu morei na minha primeira infância desde os cinco anos em frente ao mercado municipal. Eu lembro de muito movimento, muito barulho de madrugada quando chegavam e descarregavam as cargas. Lembro da minha casa, uma casa que era bastante comprida, tinha um corredor largo que eu jogava futebol junto com meu pai, sempre foi uma paixão o futebol. E tinha no final da casa uma parreira da qual a gente usufruiu muita uva vermelha. E tínhamos dois cachorros também, sempre os cachorros estiveram na minha vida. Um cachorro do tipo vaqueiro ou basset, salsicha, não se falava, chamava Jeep, era muito dócil, muito manso, e um cachorro fox, aquele fox paulistinha, que chamava Siri, que até hoje eu tenho algumas marcas de mordidas, que a gente mexia com ele e ele mordia. Eu tenho uma irmã que veio dois anos e meio depois de mim. E nessa primeira fase da vida já aos seis pra sete anos eu entrei na escola primária e foi no Colégio Beneditino lá em Sorocaba, com freiras e ali recebi os primeiros quatro anos de formação da minha vida. Eu me lembro muito intensamente o trajeto a pé que a gente fazia pra ir e pra voltar na escola, geralmente ou com minha mãe ou com meu pai, ou com alguém que nos levava porque não eram comuns os carros e meus pais também não tinham essa possibilidade.
P/1 – Como é que foi começar a escola? O que você se lembra dos primeiros dias de aula?
R – Eu lembro uma dificuldade muito intensa no começo do meu aprendizado em função de eu ser canhoto e ser proibido naquela época escrever com a mão esquerda (risos). Logicamente hoje como profissional a gente sabe que tem uma dominância cerebral e ela foi moldando. Hoje eu mexo com as duas mãos, mas a perna é a perna esquerda. Esse processo de alfabetização foi muito árduo pra mim. Mas sempre tentei ser um bom aluno, aplicado, algumas dificuldades em função de estudar num colégio particular. E mesmo sem ser de uma família diferenciada economicamente, mas responsável no sentido de tentar dar a melhor educação pros filhos, lembro algumas dificuldades de adaptação também no colégio porque eu não era um dos prediletos da orientação. Mas isso foi com grande luta que eu fiz lá minha primeira comunhão, fiz alfabetização, estudei quatro anos no colégio e depois fui para uma escola municipal. Nessa escola municipal tirei o diploma de primário. Logicamente nesse ano que eu fui, a escola beneditina era muito forte, pra escola municipal quando eu me formei no Primário eu fui o primeiro aluno porque a formação era muito forte. Depois fiz também o Ginásio na escola estadual, tinha um vestibular, o primeiro vestibular que eu enfrentei foi pra passar do quarto ano pro primeiro ano do Ginásio. Estudei quatro anos na escola tradicional lá de Sorocaba, Instituto Júlio Prestes, e fui um aluno regular, não fui ruim, não fui bom porque especialmente dos 12 aos 14 anos a minha grande paixão foi o futebol, eu queria ser um jogador de futebol. E jogava bem. Naquele tempo os pais não apoiavam como a gente apoia os filhos. Eu jogava num time, tive a oportunidade de até crescer. Mas ou se estudava ou não estudava. Logicamente, a força era para eu estudar. Continuei na mesma escola nos anos do colégio, que foram 65, 66 e 67 [Década de 1960]. E voltei a ser um aluno bem aplicado, com algum destaque, no colegial. E no segundo colegial fiz a minha aplicação para o American Field, pro AFS, fui selecionado e em julho, começo de agosto de 67 [1967] deixei o colegial e fui pros Estados Unidos. Essa foi a trajetória, mas mesmo depois sabendo que eu não ia ser jogador de futebol, eu nunca me afastei dos campos, da prática e de fazer um grande empenho, isso eu transferi também pra minha família, pros meus filhos mais tarde.
P/1 – Antes de contar do intercâmbio eu queria que você contasse se tinha alguma tradição familiar ou algum costume familiar que vocês faziam juntos no cotidiano. Se vocês tinham algumas festas familiares ou algum costume de jantar junto ou de estar junto em algum momento.
R – Sim, éramos então em quatro, meus pais, minha irmã e eu e tínhamos durante muitos anos uma tia, irmã mais nova do meu pai, que era solteira e que lecionava fora. Ela ingressou, naquele tempo falava ingresso no Magistério, lá em Presidente Venceslau, que era depois de Prudente, levava 26 horas pra ir de trem. E ela morava com a gente, depois que ela deixou de cuidar da minha avó que faleceu. E ela fazia uma parte muito importante da família. Toda vez que ela ia embora minha irmã e eu sofríamos muito e aguardávamos intensamente as férias porque era muito distante. Ela fez parte intensa da nossa família em todos os sentidos. Mas sempre sendo quatro tivemos o hábito de fazer as coisas juntas, especialmente jantar junto, ir à igreja juntos, somos católicos apostólicos romanos e sempre frequentei a igreja. Tive também, faz parte da minha lembrança de vida na minha infância, tinha o sacerdote que foi o pároco lá em Sorocaba, frequentávamos muito a casa dele. Não tínhamos grandes... Embora exista muita influência da colônia italiana em Sorocaba, mas é diferente de outros lugares em que manteve-se tradições, nós não tivemos. Mas a gente tinha uma tradição muito importante, foram muitos anos na minha vida, todo dia 31 de dezembro, isso eu lembro da minha infância, adolescência e até juventude, que era a tradição dos meus pais reunirem alguns amigos mais próximos, alguns parentes e nós crianças e passávamos a noite conversando, brindando e numa alegria muito intensa. Isso marcou muito a vida, tanto é que a gente transferiu agora para a nossa família esse mesmo costume. Isso marcou bastante a nossa vida. E os sábados e domingos dedicados ao esporte, especialmente ao futebol, no domingo de manhã eu jogava no time de várzea, daí voltava correndo meio-dia, entre meio-dia e uma hora, tomava banho, almoçava correndo e ia pro jogo, daí profissional, São Bento de Sorocaba que é um time tradicional, daí voltava seis, sete horas da noite. Domingo, de seis da manhã às seis da tarde era futebol, isso também foram muitos anos. E com o meu pai, não de manhã, mas meu pai era um corintiano fanático e um são bentista fanático, isso foi muito tradicional na nossa vida.
P/1 – E conta pra gente, você falou de começar a aprender inglês, de ter esse interesse na cultura americana ou em aprender outra língua. Como é que isso foi surgindo pra você, como é que foi a aceitação dos seus pais? Como era esse processo de conhecimento porque hoje com os adventos tecnológicos é muito mais fácil você conhecer uma cultura diferente, distante. Como é que foi esse período pré-intercâmbio.
R – Olhe, sendo filho de imigrantes, meu pai, especialmente, não pôde levar em frente talvez o que ele tinha no projeto de vida porque ficou órfão cedo e teve que trabalhar já na adolescência. Ele sempre teve, isso eu vi a minha vida toda, a vontade de ir em frente no conhecimento e ele projetou isso pros filhos, minha irmã e eu. E por outro lado a minha mãe teve oportunidade de estudar, naquele tempo pros pais formarem um filho como professor primário era uma glória, então ela, junto com três irmãos, os quatro fizeram magistério. E ela era uma estudiosa, uma educadora e exerceu tanto o magistério fora, na escola onde ela trabalhou mais de 30 anos e em casa também. A vontade eu acho que veio do meu pai especialmente de ir em frente no conhecimento, na vida. E a aplicação, o hábito de estudar, a cobrança, a exigência, do lado de minha mãe. E realmente o estudo era muito direcionado e limitado em função de não termos nada comparável ao que é hoje. Mas estudamos numa boa escola que tinha um grau de exigência muito grande, a escola estadual lá tinha um grau de exigência grande, o grau de exigência em casa também, isso me moveu pra sempre querer alcançar mais conhecimentos.
P/1 – E Paulo, conta como é que ficou sabendo do AFS, que existia essa possibilidade de estudar fora.
R – Várias coisas aconteceram porque a gente fazia quase um ano antes e ficava na expectativa. Talvez dois, três meses depois eu sabia que havia sido selecionado, mas isso não significava que iria. Eu lembro que foi no começo do mês de julho de 1967 que a gente recebeu um telefone em casa que tinha sido selecionado pra ir pros Estados Unidos e tinha um pouco mais de um mês pra preparar a viagem. Aquela loucura, no sentido que aquele tempo precisava vir pra São Paulo pra tirar carteira de identidade, não se fazia em Sorocaba, foi atropelado no bom sentido. E uma coisa que eu não posso me esquecer, nessa época a minha tia já lecionava em Sorocaba e também morava com a gente permanentemente. Ela sofreu. Ela era uma pessoa muito amorosa, que tinha sentimentos puros e de uma afeição muito grande pelos sobrinhos dela. Pra você ter uma ideia, no dia em que eu, meu pai e um funcionário do banco... A gente veio de Cometa até São Paulo e de São Paulo acho que era a Expresso Brasil pro Rio de Janeiro, porque a gente saía do Rio de Janeiro, acho que saímos em torno de seis, seis e quinze pra pegar um táxi pra ir no ponto de ônibus, não tinha rodoviária, minha tia saiu meia hora antes e voltou pra casa só depois de meio dia, pra não ver essa saída, isso até hoje me emociona. E ela sofreu o ano todo através das cartas, mandando, pela ausência. Ela foi uma pessoa muito importante. Meus pais vibraram sempre com essa possibilidade e minha tia, não que ela não aprovasse ou não tivesse gostado, [foi] mesmo pela distância... Então isso foi uma coisa marcante, mas não influenciou em nada negativamente. Nós saímos do Rio de Janeiro, foi a primeira viagem longa que eu fiz, a gente foi dois ou três dias antes porque tinha as reuniões do American Field e eu lembro também que nós tivemos uma indicação lá no Rio de Janeiro de alguém que conhecia um motorista de táxi, eu lembro até hoje, chamado Marco, e esse indivíduo nos paparicou dois dias levando pra todos os lugares que eram interessantes sem nenhum perigo naquela época. E daí a viagem foi de lá para os Estados Unidos até Nova Iorque. Nós fizemos escala em Caracas, foi uma descida tumultuada, eu lembro até hoje, depois foi tranquilo até Nova Iorque. Lá a gente ficou no Hofstra University pra dois dias de adaptação e entrevista e dali eu fui até Chicago, que era a cidade maior perto da onde eu ia ficar, daí de ônibus junto com todos. Ali já foi a primeira oportunidade sozinho. De Chicago peguei um ônibus de linha e fui até a capital de Iowa, chamada Des Moines. E ali começou por minha conta, por Deus, por mim, pela proteção e foi uma trajetória de um ano. Eu lembro que o dia que eu cheguei eu não entendia nada, eu cheguei uma noite que eles me pegaram lá em Iowa, em Des Moines, nós fomos jantar. Eu lembro até hoje que eu comi um frango encapado, acho que à milanesa, eu nunca tinha comido. E eles falavam e eu pescando, embora tivesse estudado inglês, mas era difícil. Daí fomos pra casa, uma casa simples dentro de uma pequena fazenda escura e fiquei no quarto com meu irmão. Lembro também que fui tomar banho, lá não se tinha tanto o hábito do banho tão frequente quanto aqui porque é um lugar frio e não tinha chuveiro, era uma banheira (risos), tomei um ano de banho de banheira sem a oportunidade do chuveiro. Mas foi uma vida muito intensa, tanto de família quanto escola porque a gente tinha uma ideia diferente de Estados Unidos, agora chegando lá é a real. A ideia da gente era dos filmes e lá o real é bem diferente. Era uma família de cinco pessoas, depois eu, seis, já tinha uma casada, então éramos minha irmã americana, meu irmão americano, os pais e eu. E todos trabalhavam. Participei o ano todo, eu tenho um calo aqui que é desde 1967, 68, porque era uma fazenda pequena, mas eu e meu irmão, a nossa tarefa era pegar a ração do silo, aquela coisa comprida e todo dia alimentar, uma vez por dia, o gado. E aquilo era pesado. Logo que eu cheguei era mês de agosto, ainda verão americano, era época de coleta do milho, da soja e da alfafa. Participei disso, nunca tinha subido num trator, entrado numa fazenda, nunca entrei no meio rural, a família toda participava, todos tinham a sua função. E logo em seguida, acho que um dia ou dois depois eu já fui ter contato com a escola. Como eu tinha preenchido os papéis, as características, é muito bem feito, eu tinha habilidades com esporte, eu lembro que o dia que a gente foi, era uma tarde, o time de futebol americano já estava no preparo antes de começar a aula. Eles sabiam que eu chutava. Eu não entendia futebol americano a não ser que já tinha visto alguma coisa. E eu vi um indivíduo, ele tinha praticamente dois metros, um metro e 98, era um dos melhores jogadores de basquete e ele era o chutador oficial. Quando eu vi aquele indivíduo (risos), no Brasil não tinha gente de dois metros naquela época, com capacete, aquela roupa toda complexa e a bola parada no chão, que tinha um suporte pra ela ficar. E ele tomou uma distância de pelo menos uns cinco metros e veio correndo eu falei: “Esse chute vai atravessar o campo”. Não, foi 15 metros. E eu sempre tive habilidade esportiva, principalmente com a minha perna esquerda, chutando forte. E daí eles pediram para eu mostrar se eu sabia, como eu chutava. Primeiro eles chutavam com o bico do pé, que é uma coisa que aqui no Brasil pra jogar futebol, o bico não é uma habilidade, eu chutava de lado. E quando eu chutei a bola com menos de dois metros de distância, praticamente dando um passo, chutar e consegui colocar a bola mais de 20 jardas pra frente eles ficaram entusiasmados. E isso foi uma das coisas que mais me ajudou na adaptação à vida americana, principalmente à comunidade. A escola reúne os pais, reúne as família na primeira época que é o futebol americano que vai do final de agosto até a metade de dezembro, pega o outono e uma parte do inverno, toda sexta-feira tinha jogo numa semana em Belmond, [na outra] nas cidades vizinhas da conferência. Ali se reunia e a forma que um estudante estrangeiro... Eles sempre souberam que o Brasil jogava futebol, chutava a bola, o procedimento era atrativo pras pessoas verem. Isso daí foi muito importante pra ser conhecido na comunidade, nas famílias, na igreja e na própria escola. O futebol americano foi uma outra história de vida. Por isso que aquela fotografia é uma coleção muito significativa pra mim (risos), isso trouxe grandes lembranças. Tive uma contusão, uma pequena fratura, foi nas últimas partidas que não me impediu de jogar até o final. Eu lembro também uma coisa, eu não tinha contato nunca com o inverno e o futebol americano tem pelo menos dois times que vão se revezando e o chutador entra na hora certa. Tinha um braseiro já nos últimos tempos, já tinha a neve, e era um buraco, como se fosse uma vala pra churrasco que ficava a brasa embaixo e em cima uma grade e a gente que ia jogar e ia chutar ficava em cima se aquecendo pra depois ir chutar (risos). Quer dizer, é uma coisa que eu nunca tinha visto antes. Você vê, isso foi em 67 [1967] e até hoje é como se a gente estivesse lá, isso foi muito forte. A gente entrava na escola às oito horas manhã, saía da escola era dez pras três, mas quem jogava, seja na temporada de futebol ou depois na outra de basquete ou atletismo tinha os treinos que começavam em torno das três e iam até seis horas da tarde. Voltava quase de noite. Isso era uma novidade, fazia uma refeição na escola, que em 67 [1967] nem pensar. A gente tomava o café da manhã em casa, panquecas que até hoje é um costume na minha casa, nasceu lá (risos), almoçava na escola e depois fazia o jantar em casa. Isso foi ao longo do ano letivo que foi do final de agosto até o começo de maio de 68 [1968].
P/1 – E conta o que mais teve de marcante nesse período de intercâmbio no relacionamento com a família?
R – Olha, o relacionamento com a família foi muito intenso, embora os americanos aparentemente não têm a mesma forma de nós mostrarmos o nosso afeto, mas foi intenso isso. E várias coisas aconteceram, alguns hábitos, por exemplo, os bailinhos. Aqui já tinha os bailinhos de casa, tudo, lá os bailinhos, em geral, eram na escola. E uma coisa muito diferente é que aqui sempre o rapaz tirava a moça, lá era o contrário (risos), os moços ficavam sentados e as moças que tiravam. Embora eu nunca tivesse sido um exímio dançarino eu dancei muito esse ano nos Estados Unidos (risos). Na escola além do futebol também fiz parte do coral, coral e banda são duas coisas importantes, muitas viagens a respeito de música. Uma coisa importante, duas peças teatrais da própria escola durante o ano, era forte a minha escola em teatro. Eu lembro no verão foi Guys n’Dolls, que é uma peça musical importante, e no inverno foi o Diário de Anne Frank. Eu também participei, principalmente no musical. A escola era uma coisa diferente, a gente tinha oportunidade de ter, embora fosse uma boa escola do interior, muitas oportunidades também de falas, de pequenas palestras em clubes de serviço, por exemplo Rotary, Lions, que a gente ia falar sobre o Brasil, sobre a cidade que morava, Sorocaba. E alguns encontros, pelo menos três ou quatro encontros do AFS que agrupava mais de 30, 40 estudantes. Eu que fui um indivíduo que durante parte da minha vida que me escondia atrás da parede pra não aparecer, de repente na frente de, por exemplo, um cinema cheio de gente, num púlpito, falando alguma coisa sobre o Brasil em inglês. Por isso que transforma (emocionado), é uma coisa que faz você sair de si e descobrir novos talentos em você mesmo. Desculpe pela emoção, são coisas que influíram muito e continuam depois da gente assumir um papel de liderança durante a vida, de ser um professor universitário, de participar da comunidade. Essa oportunidade que eu tive do AFS foi muito interessante, foi muito importante e eu procurei transmitir isso desde que casei. Minha esposa não foi, mas compreendeu muito, e essa transmissão para os nossos filhos que foram sempre entusiastas e vieram a ter essa mesma oportunidade.
P/1 – Antes da gente falar disso eu queria que o senhor falasse da saudade. Como era estar lá sozinho. Tudo bem, depois de adaptado, bem recebido e acolhido, mas...
R – Naquela época não tinha internet, praticamente eu não falei nenhuma vez pelo telefone, era muito difícil, embora tivesse telefone aqui. E lá também morei no interior dos Estados Unidos, que era diferente morar em Belmond, Iowa, uma cidade de dois mil e 500 habitantes do que morar em Nova Iorque. Eram as cartas e obrigou a desenvolver essa parte do cérebro, do pensamento, da imaginação, da escrita e assim a gente administrava os sentimentos, principalmente a saudade. As cartas chegavam a cada três ou quatro semanas, daqui pra lá e de lá pra cá, a gente aguardava intensamente, quando chegava da escola à noitinha ia lá pro meu quarto que minha mãe deixava ordenado, cada um tinha o seu montinho de correspondência. Realmente era muito bom ouvir dos pais, de alguns amigos, de alguns familiares, a família era muito pequena. E assim foi ao longo do ano todo e realmente isso eu acho que só fez crescer, em nenhum momento levou ao sofrimento porque as pessoas eram boas também e sabiam que havia uma distância. Eu acho que fui o segundo ou o terceiro estudante numa cidade pequena a chegar lá de um outro país, da América do Sul eu fui o primeiro, a receptividade do povo americano ajudou muito. E realmente eu fiz muitas amizades. E até hoje quando eu volto lá, mesmo mais de 40 anos depois ainda visito algumas pessoas, ainda tenho contato com algumas bem idosas que eram amigos dos meus pais americanos ou parentes. Eu vou sempre ao jornal, chama Belmond Independent, que era o jornal na cidade que já tinha e falo alguma coisa e trocamos ideias. Tive uma correspondente que era a nossa orientadora, a conheci quando terminou o programa de intercâmbio, voltando pra Washington. Ela o ano todo manteve contato através de cartas pra sintonizar como a gente esteve. No último mês, isso realmente foi durante um tempo um grande privilégio, chamava bus trip, reunia, acho que tinha 26 na minha turma, estudantes da região e nós viajamos quase um mês, duas a três semanas juntos em algumas cidades que eles previamente escolheram. E a gente chegava na cidade, éramos distribuídos um ou dois a dois em algumas famílias, ficávamos um ou dois dias. Era tradicional ter um show produzido pelos estudantes ou música ou alguma poesia ou alguma coisa e isso também marcou muito a vida, nós passamos por pelo menos seis ou oito estados americanos e daí isso fechava em Washington. Em Washington ficávamos uns dois dias pra entrevista final, pra visitas aos monumentos, tudo, e depois viemos embora de Washington acho que à Nova Iorque, de ônibus. Washington-Nova Iorque, daí de avião direto. Um Boeing que não sei que número que era (risos).
P/1 – E como é que foi do Brasil pra arrumar a mala pra levar e depois também esse mesmo processo um ano depois?
R – Olha, uma mala muito simples, mesmo porque a gente tinha uma origem não tão diferenciada, era essencialmente aquilo que ia usar. Sem nenhuma roupa de frio porque a gente não imaginava o que era o frio, algumas coisas herdei deles, algumas coisas comprei. Era uma mala simples e realmente feita pela minha mãe e pela minha tia. E até hoje, com todos os encargos (risos) eu sou um fracasso em arrumar uma mala (risos), eu deveria ter essa experiência de dobrar, como tem gente que tem essa habilidade, eu nunca desenvolvi. Mas foi tudo muito rápido porque entre receber a notícia, a confirmação de ir levou menos de quatro semanas, então comprar coisas pra ir, roupas, nada. Tinha um terninho que foi comprado porque não tinha antes um terno e a roupa simples, tênis e sapato, acho que o sapato que eu fui, o tênis pra usar. A chuteira era de lá mesmo porque era uma chuteira especial e as coisas do dia a dia. E algumas coisas foram compradas lá e trazidas. Mas pra voltar também muito simples, não porque não tinha tantas ofertas também de coisas, logicamente lá mais, mas também fiquei numa cidade do interior de lá, não era tão diferenciado.
P/1 – E como foi a despedida dos pais americanos no momento de voltar? A chegada aqui no Brasil?
R – Isso foi uma coisa muito difícil também pelo próprio tipo de temperamento, de afetos, mas sempre ficou a promessa de voltar e isso foi conseguido. Realmente foi com lágrimas também, com emoção, da parte deles e da minha parte. Eu lembro quando eu cheguei aqui, primeiro Rio e depois Congonhas, quando eu desci do avião não ficava tão distante o lugar que esperavam, tive uma impressão muito forte da minha mãe de achar que naquele ano ela tinha envelhecido muito. Mas foi pelo seguinte, porque ela pintava o cabelo e aquele ano ela não pintou, estava muito grisalho. Naquela época eu tinha 18, ela tinha 46, 47 anos, mas já estava grisalho. E isso já foi um certo choque pra mim. Mas foi uma experiência muito boa porque depois de um ano eu saí numa casa e neste ano meus pais tinham comprado a casa que foi do meu avô, do pai da minha mãe, e eu fui morar nessa casa que eu praticamente cresci, embora eu morasse em outra casa. Daí foi uma sucessão de coisas. Eu tive que fazer o serviço militar porque eu não me apresentei lá, era muito distante o consulado, fiz obrigatoriamente o serviço militar e já fazia o cursinho antes de ir. Eu fui em agosto pros Estados Unidos, mas de março a julho eu fiz um cursinho porque eu queria fazer faculdade de Medicina. Daí eu tive que fazer o serviço militar de dezembro até o começo de dezembro do outro ano, 68 [1968] final até final de 69 [1969]. Nos últimos quatro meses continuei o cursinho e entrei de imediato no meu sonho que era fazer
Medicina em Sorocaba. Sorocaba tem uma faculdade de Medicina que é da PUC [Pontifícia Universidade Católica] aqui de São Paulo e a primeira faculdade de Medicina do interior do Brasil, uma faculdade muito tradicional. E lá eu fiz a minha carreira de estudante, depois continuei como docente, hoje eu continuo sendo docente. Eu entrei em 70, estudei até o final de 75, fui contratado já em 76, fiz minha especialização em Farmacologia aqui em São Paulo, em Cardiologia e continuei como professor até hoje. Durante 27 anos lá em Sorocaba professor de Farmacologia e nos últimos 11 a 12 anos como professor de Gerontologia às quintas-feiras aqui em São Paulo, na Monte Alegre. Essa foi minha trajetória e que continua em plena luta.
P/1 – E como é que você chegou a escolher a Medicina? Você se lembra do momento?
R – Eu lembro que eu tive algumas experiências que me fizeram pensar que eu nunca iria fazer Medicina. Eu tinha uma afinidade muito grande [com] meu avô materno e quando eu tinha seis anos de idade, eu lembro, isso ficou marcado também, ele estava doente, eu estava do lado da cama dele, eu e ele, e ele teve uma hemorragia digestiva na forma de vômito com sangue. Aquilo me marcou muito como menino, nunca achei que ia fazer Medicina. E estudei, cresci, fiz o primário e o ginásio falando ‘eu vou fazer Engenharia’. Mas era fraquíssimo em Desenho realmente, nunca tive a visão tridimensional, isso era uma dificuldade no Desenho pra mim. Mas continuei, gostava muito de Biologia na escola, de mexer em animais, tudo. E quando a gente terminava os quatro anos de Ginásio ainda não era colegial, era científico, você fazia ou curso Científico ou curso clássico pra fazer Direito, Línguas, ou curso normal. E no Científico você no primeiro ano decidia se você fosse fazer Ciências Biológicas fazia Biologia, se você fosse fazer Exatas, você fazia Desenho. Eu me matriculei em Desenho, no primeiro dia eu troquei por Biológicas. Eu pensei as férias inteiras. E daí foi realmente por isso que eu falei, eu voltei a ser um bom aluno no colegial porque talvez já direcionava para um objetivo maior que era fazer a faculdade de Medicina. Então foram três anos. E nos Estados Unidos, nesse ano que eu fiquei “sozinho”, pensei bastante, li alguma coisa e consolidou essa vontade de fazer Medicina. E daí, realmente, em fazendo Medicina aproveitei durante os anos de Medicina até hoje, quer dizer, sou professor desde 1970, o ano que eu entrei, comecei lecionando Inglês, depois Biologia, à medida que o curso foi desenvolvendo, Biologia, Química, e daí eu uni aquilo que eu fazia com o exemplo da minha mãe como educadora e nasci no dia do professor, 15 de outubro (risos). É por isso que eu falei a minha profissão é médico e professor porque sempre nesses 40 anos de formado agora em 2015 e professor desde 1970, quer dizer, mais cinco anos.
P/1 – E conta pra gente como que você conheceu a sua esposa.
R – Minha esposa é sete anos mais nova que eu. Ela era uma menina de 16 anos e eu era um meninão de 23 anos. Eu já estava no terceiro pro quarto ano da faculdade de Medicina e eu a conheci, interessante, eu tinha uma namorada em novembro de 1973 e tem um grupo de amigos que até hoje nós somos seis casais que têm uma amizade muito intensa e reunimos uma vez por mês ou a cada dois meses. Nós fomos ao aniversário de uma das componentes desse grupo e eu estava na casa dela e entrou uma mocinha, quando eu olhei pra ela, com os meus botões eu pensei: “Puxa vida, que tempo que eu estou perdendo” (risos). E realmente, logo depois, um mês, dois meses, acabou o namoro com essa outra moça e ficou. E essa moça que entrou, que é a minha esposa, era irmã do meu cunhado, ele era noivo da minha irmã e eu nunca mais a vi. Isso foi, eu lembro bem, primeiro de novembro de 72 [1972] por causa do aniversário dessa amiga que é comadre nossa. Daí em fim de julho de 73 [1973] eu estava estudando junto com um dos meus compadres também em casa para uns exames da faculdade de Medicina e chegou meu cunhado e minha irmã e a irmã dele, que era a Maria, minha esposa. Ela foi buscar um livro, alguma coisa e vi outra vez a Maria depois de sete, oito meses. Eu falei pro meu amigo Amauri, que é o que estava estudando comigo: “Amauri, com essa eu vou casar”. E daí comecei a abordar, de saber se ela tinha algum impedimento, tudo e comecei a me aproximar e realmente começamos a namorar no final de agosto de 73 [1973]. Embora a Maria nessa época tinha 16 e eu 23 a gente namorou, noivou e casou em um ano e sete meses. Por várias circunstâncias. Porque logo depois minha irmã e meu cunhado se casaram e a gente resolveu, em função de algumas pendências e problemas familiares, casar e casamos em março de 75 [1975], eu estava no sexto ano da faculdade. Trabalhei muito nessa época dos anos de estudante, estudava e dava aula, quer dizer, essa foi a minha forma de sobreviver. E realmente a nossa vida de namoro, de casamento, principalmente os primeiros anos, Maria tocava e toca violão, ela tocava em missa, em movimento, eu era líder de movimento, foi aí que a gente, embora namorando, foi se conhecendo mais. Quer dizer, os movimentos de igreja, a própria igreja e os grupos de jovens nos ajudaram. E esses foram os grandes amigos que eu falei, nós temos um grupo até hoje de amigos, nós temos 12 filhos e os 12 filhos nossos são batizados por nenhum parente, só por amigos, foi uma forma da gente preservar os amigos. E desses amigos seis que a gente ainda se reúne são padrinhos dos nossos filhos.
P/1 – Eu queria que você falasse agora como é que foi o casamento e esse primeiro tempo junto com o término da faculdade.
R – Olha, o casamento foi sempre uma grande luta com o dia a dia. Quando a gente casa e é estudante ainda, principalmente de Medicina, a gente faz alguns planos. O nosso plano quando a gente namorou, noivou e casou era terminar a faculdade e fazer a residência pra depois começar a família. Então, se apetrechar um pouco pra depois começar a família. E logicamente nem sempre os planos são as coisas que acontecem. A casou em março de 75 [1975], o nosso primeiro filho nasceu em março de 76 [1976]. Depois de três meses Maria ficou grávida. O nosso plano era ter quatro filhos quando a gente era noivo, depois foi um múltiplo de quatro, mas foi muito rápido. Quer dizer, 76 [1976] o primeiro filho em março, 77 [1977] segundo filho em abril, 78 [1978] o terceiro filho também em abril, em 79 [1979], menos de um ano a nossa quarta filha em março. Quer dizer, com quatro anos de casados a gente já tinha quatro filhos e com mamadeira praticamente. Nunca deixamos de fazer nada, com dificuldades mas ia pra lá, ia pra cantar, viajava e assim foi. Foi uma vida de muita cumplicidade, Maria na casa, eu trabalhando fora como médico, desde cedo como professor também na faculdade. E isto foi de 75 [1975] quando a gente casou até 88 [1988]. Mudamos cinco vezes nos próximos cinco, seis anos por causa do aumento (risos), minha mãe não se conformava de não comprar uma casa. A gente procurando casa maior. Depois de cinco anos a gente conseguiu financiar uma casa que era numa chácara, tivemos anos muito bons numa pequena chácara na periferia da cidade. Essa chácara virou uma clínica de idosos que a gente tem desde 88 [1988], daí a gente foi pra cidade. E a partir de 88 [1988] a Maria foi a grande coordenadora, embora ela nem tenha terminado a faculdade de Educação Física ela foi sempre a pessoa que coordenou essa clínica de idosos, pra dar o aspecto familiar. Ela passou a trabalhar fora e trabalhou até agora. Moramos durante dez anos na chácara e depois como já os seis, sete primeiros filhos já começavam de manhã uma atividade na escola, à tarde outra, e eram dez quilômetros da cidade, o carro ia e voltava, a gente resolveu vir pra cidade e transformamos a chácara numa clínica, chama Aldeia de Emaús Casa de Idosos ou Residencial de Idosos. É uma clínica para idosos, de recuperação também, de moradia, que eu levei 17 anos e meio; nos últimos dez anos minha filha que é geriatra também faz a parte médica e um dos meus filhos faz a parte de administração. E a mãe ainda dá uma supervisão de cuidados, como mãe também da própria clínica. Essa foi uma vida de muita luta. Quer dizer, devemos ter ganho bastante e gastamos bastante e mais um pouco, quer dizer, a gente tem uma vida, sempre fizemos tudo o que precisávamos, quer dizer, não foi nunca, nem pudemos armazenar propriedades e carros. Tivemos mais coisas quando eles eram adolescentes e pequenos e depois vendemos algumas das coisas que a gente teve na continuidade de todo mundo, já tem nove formados na faculdade, realmente foi uma batalha, cheque especial bem usado. Uma particularidade eu também acho interessante, os três primeiros filhos a gente falava pros nossos pais, meu sogro e minha sogra e pros meus pais, depois não mais, daí era só quando aparecia. Por quê? Porque meu sogro ficava preocupado da filha grávida outra vez e o meu pai, que era um homem que teve uma vida difícil pra ele crescer na vida, ele ficava muito preocupado como que eu ia custear tudo isso (risos). Depois era quando aparecia: “Tá grávida?” “Tá grávida”. E era festa. Mas logicamente por bem os pais sempre tiveram a preocupação dessa família, não tem na minha família mais do que dois filhos, tenho muitos poucos primos e familiares. Mas foi uma vida desafiante e “escandalosa” com tanta criança, o que vai fazer. Eu lembro que tem alguns professores que foram meus professores, depois eram colegas de faculdade: “Você não tem responsabilidade? Como que você vai custear?”, então foi a vida toda assim. Mas foi um grande desafio e alguma coisa que a gente nunca parou pra pensar: “Puxa, tem cinco, tem seis, tem dez”, foi com responsabilidade, com orientação e a gente chegou até aqui. Já estamos com quase 11 netos.
P/1 – E como é que foi ver a família crescer assim? Três, depois cinco.
R – Olha, foi muito rápido como eu falei pra você porque sendo uma família grande sem heranças você tinha que gerar os recursos pra custear tudo isso e pra dar a eles as condições necessárias. Quer dizer, houve sempre um espírito e há até hoje de partilha entre eles, realmente só não dá pra partilhar tênis (risos). Mas nós usamos coisas de um pra outro. E também os primos, esses compadres, amigos, um passava roupa. Quer dizer, foi uma vida muito natural, muito sem frescura. Mas a gente sempre colocou que: “Puxa, mas educar 12 ou criar 12 é difícil”. Como a gente sempre teve muitos amigos a gente viu gente com um filho com muito mais dificuldade do que a gente que tinha cinco, seis ou dez, entende? Não que a gente seja desligado, mas eles sempre tiveram uma liberdade maior, embora cada um é um mundo e cada um é tratado individualmente, mas a gente nunca foi muito preso. Pra alguns, por exemplo, mandar um filho para um intercâmbio é uma loucura, não estou falando nem economicamente, por causa da distância. Isso foi uma coisa natural. É dolorido? É dolorido. Principalmente as duas, três últimas, a gente está mais velho também. Quando a Júlia foi, a Lia foi, parece que desliga um pedaço, mas a gente continua dentro.
P/1 – Conta pra gente como foi isso de ver os meninos crescendo, os filhos crescendo e com toda essa lembrança do intercâmbio, de tentar proporcionar isso pra eles ou de motivá-los a ir buscar esse caminho. Como é que foi essa história?
R – Como eu falei foi natural também por ter sido intercambista e sempre ter partilhado essa ideia, todos eles tiveram vontade, foi imposto por nós. E graças a Deus todas essas convivências de família, com família hospedeira em vários países, que eles foram pros Estados Unidos, Noruega, África do Sul, Canadá. Todos eles herdaram dos outros irmãos muito boas experiências e visitas de volta pra lá e visitas de gente de lá aqui. E outra coisa importante foi também ter hospedado quatro estudantes. Nós tivemos a Liz que foi da Nova Zelândia, o Taira que foi do Japão, foi uma experiência muito frutuosa; a Francesca que foi da Itália e a Irene da Noruega. E conviveram como nós convivemos lá e eles como filhos também, a gente mantém até hoje uma relação. Foi uma coisa muito querida por todos eles e desfrutada. Logicamente teve as dificuldades econômicas, tudo, porque todas as coisas mudaram, mais nos últimos do que nos primeiros, mas realmente foi uma coisa natural pra gente.
P/1 – E como foi ver o primeiro filho indo de intercâmbio? Quando chegou o momento de fato?
R – Olha, realmente foi, mas a gente sempre quando ia ficar com alguma coisa a Maria falava: “Paulinho, você que inventou isso” (risos). Foi sempre assim, qualquer pensamento, não de não querer, de antecipar um sofrimento, nós inventamos isso, então vamos ser responsáveis por isso. Foi difícil cada um deles porque a gente tem uma origem latina, de uma afetividade maior, é duro esse desligamento. E sinceramente, eu não gosto de usar FaceTime, muito telefonema porque eu acho que quebra um pouco a própria adaptação. A gente usa, mas não tão intensamente, quando é necessário. Mas com a Júlia a gente está falando uma vez por semana (risos).
P/1 – E conta como é ficar do outro lado, como foi ficar do lado de quem fica? Como os seus pais um dia também ficaram, a sua tia.
R – Olhe, sempre teve muito movimento em casa, nunca deu tempo pra ter um ninho vazio que chama. Hoje o ninho está vazio, nós estamos só com o Pedro que é o nosso oitavo, que mora com a gente, trabalha lá em Sorocaba, casa o ano que vem. Mesmo os solteiros moram aqui em São Paulo, trabalham e estudam. Final de semana o ninho enche, mas durante a semana minha esposa Maria, Pedro e eu. E era a Júlia. Este ficar do outro lado tem as suas consequências. Lógico que isso aumenta mais a convivência do casal, de conversar mais e de crescer, é uma coisa sempre positiva. Mas a casa durante a semana fica vazia, bem vazia. E no final de semana fica cheia outra vez. E quando a gente pode vem aqui pra São Paulo, a gente aluga um apartamento onde tem cinco aqui. Tem outro casado que mora aqui em São Paulo, tem dois casados que moram em Sorocaba. Todo dia tem um ou dois netos lá, que hoje a Maria vai muito menos na clínica e hoje ela tem esse encargo durante o dia, de fazer o que os nossos pais também nos ajudaram, de olhar, então é natural.
P/1 – E teve algum momento que você sentiu alguma tensão por ser pai ou por ter um filho longe?
R – Olhe, graças a Deus, nesses tantos anos já, nós vamos fazer 41 anos de casados, não tivemos problemas com nossos filhos ou entre nós. Tivemos um caso de uma encefalite de um dos meninos aos cinco anos de idade e que realmente não deixou sequelas, mas foi um momento de muita tensão, isso há vários anos. E as coisas que foram acontecendo foram sendo administradas conforme foram aparecendo, a gente herdou uma coisa importante na nossa vida que a gente alicerçou isso na presença de Deus. A gente tem uma fé, uma prática de religião, isso ajuda também a fortalecer os sentimentos e a própria atuação e autoridade. A gente tem uma hierarquia de respeito dentro da relação dos esposos, do pai e da mãe e dos filhos, sem nenhuma imposição e eles sempre se adaptaram bem a isso, sem nada imposto a não ser o respeito, liberdade e o lema nosso que é um por todos e todos por um, parece os três mosqueteiros mas é isso.
P/1 – E conta como foi que os meninos escolheram os lugares pra ficar, os países que cada um foi para um canto.
R – O primeiro não foi intercambista, é o único que não foi porque ele jogava futebol e no fim ele está nos Estados Unidos há 18 anos. Ele estudou quatro anos, jogou na universidade, o soccer, e depois continuou na carreira. A Paola, segunda, foi para a República Tcheca, foi o primeiro ano que houve a abertura da velha Tchecoslováquia para o mundo, foi uma das experiências mais difíceis porque é bem diferente a forma que os cidadãos vivem num país da cortina de ferro; o governo é como os pais, é uma relação difícil deles compreenderem o que é democracia. O terceiro foi pra Alemanha, depois a quarta pro Canadá, daí o quinto para os Estados Unidos, o sexto para os Estados Unidos, o sétimo pra Noruega, o oitavo pros Estados Unidos, a nona foi pra África do Sul, a décima, décima primeira e décima segunda Estados Unidos. Os Estados Unidos motivado principalmente pela experiência de escola, uma parte daquilo que foi contado pelo próprio pai, pelos nossos amigos e outra que eles vão sabendo. A experiência de escola nos Estados Unidos é muito forte, eu acho que nenhum país tem essa convivência na escola tão cheia de desafios e de ofertas, teatro, música, esportes, isso é muito forte; aqueles que viveram no Canadá, na Noruega, na África do Sul não tiveram essa grande experiência escolar. E a outra coisa importante é a língua inglesa. A língua inglesa é alguma coisa que hoje eu uso, eu sempre usei, é um diferencial na minha vida ter mais conhecimento de inglês do que meus parceiros de vida. Isso até hoje é forte, embora hoje a oportunidade de você fazer um curso fora, só de estudar inglês, é muito maior do que anos atrás, mas não deixa de ser um diferencial. Eu acho que o sistema de ensino dos Estados Unidos ainda é muito diferente do que qualquer lugar.
P/1 – E qual é a relação, ou foi sendo construída a relação, com os pais que receberam seus filhos. Eles mantêm esse contato?
R – Mantêm. E a gente tem tido, não digo com todos, mas uma relação forte. Vou contar rapidamente agora da Júlia, por exemplo. Lógico, nos papéis tem as nossas características, dos pais, eu médico, então o pai americano da Júlia lá em Indiana, ele mexe com seguros e ele sabia que eu era geriatra. E depois quando a Júlia começou a se fazer entender, melhorando o inglês dela, ele descobriu que eu trabalho especialmente com doença de Alzheimer, eu faço essa parte. E daí ele me ligou perguntando se eu conhecia o doutor Fulano de Tal. Eu já tinha ouvido falar, ele é um dos grandes especialistas em Alzheimer nos Estados Unidos. Ele é um médico, um professor, tem 45 anos de idade, ele estudou na Síria e depois fez a residência, especialização e ficou nos Estados Unidos. Quer dizer, ele está há mais de 20 anos lá. E é um dos grandes especialistas de Alzheimer e é vizinho e amigo do Andy, que é o pai dela. Se colocando à disposição, já tinha falado de mim pra ele, pra que eu converse, se eu quiser fazer uma visita, um estágio. Realmente vai desenvolvendo um clima de amizade também e de relação. Esse casal que está recebendo a Júlia, ele deve ter em torno de 50 anos de idade, foi bolsista do American Field na Espanha e a esposa foi na Áustria, em dois anos diferentes. [Tem] também uma cumplicidade, por exemplo, com a família da Francesca. A Francesca é lá do interior da Itália, a gente já foi duas vezes lá e teve contato com algumas pessoas de lá, da comunidade. Eles não se conformaram do Giovanni e da Elvira terem mandado a Francesca para um país como o Brasil, onde tinha macaco, onde tinha elefante, onde tinha índio. Isso dez anos atrás, ainda os conhecimentos são muito poucos. É bom a gente conviver com outras pessoas e participar da própria vida. As duas vezes que a gente foi lá em Amatrice, fomos uma delas em Semana Santa, ajudamos na cantina. Eu não sei preparar nada, mas eu sei lavar prato, eu sei servir (risos), foi uma experiência completamente diferente, onde que eu ia trabalhar num restaurante? E realmente porque eles precisavam dessa ajuda em função de uma cidade que fica nos Apeninos, é uma cidade turística que em feriados é procurada. Participei de uma procissão de Semana Santa, da Sexta-Feira Santa, numa cidade que essa procissão ocorre há mais de mil anos, quer dizer, é uma cidade que tem quase dois mil anos. Esse intercâmbio de relações e de amizade é muito importante e você acaba fazendo com a família, seja de quem hospedou você, de quem hospedou seus filhos ou famílias que você hospedou alguém.
P/1 – E como é que foi essa experiência de receber outras pessoas em casa. Escolher quem é, separar com quem vai ficar na casa.
R – Olha, foi muito natural porque quando eu estava fazendo em 69 [1969] o serviço militar os meus pais, eu tenho uma irmã dois anos e meio mais nova e meus pais pleitearam e nós hospedamos uma americana chamada Linda Mick, ficou um ano com a gente. Realmente hospedar não foi nada fora do comum, eles partilharam o mesmo quarto, o banheiro, tudo igual aos nossos filhos, foi uma experiência tranquila. Então realmente foi uma experiência, isso você tem que ter bastante cuidado. A nossa última filha estrangeira, a Irene, uma pessoa da Noruega, você sabe a brancura que eles são, aquela loira muito bonita e aquela cor, aquele cabelo que não era pintado, loiro mesmo, quando ela ia com Maria ou com alguns dos filhos no shopping center, logicamente causava olhar de todos os lados (risos). Você tem que ter muito cuidado pra administrar bem isso e adaptar as pessoas no seu costume. Ela precisa alguma coisa, vai mudando na vestimenta, tudo pra se adaptar a esse país. Mas é como filho, você fala tranquilamente. E principalmente numa família grande os filhos ajudam muito a educação entre eles e principalmente dos mais novos. Tem muita coisa numa família grande que a gente não precisa falar que os próprios irmãos trocam relações e se falam e se orientam e facilita muito a vida da gente. Isso foi bom também na nossa vida. E pra eles realmente, pros estrangeiros que vieram, viver numa família grande não é uma experiência muito comum e pra todos eles foi prazerosa.
P/1 – E como é visitar, continuar? Você falou de continuar mantendo o relacionamento com a família que o recebeu lá nos idos dos anos 60 [Década de 1960], de você ver isso se repetindo com seus filhos.
R – Olha, é sempre bom ver onde você passou. Você voltar nos lugares que você visitou, você ver as pessoas. Vai havendo perdas, cada vez é um a menos que já se foi ou que não apareceu mais, você tem que administrar. Mas as relações são sempre fortes, embora a gente não vá sempre lá na minha família americana mas a gente, através agora de e-mail, a gente sempre está sabendo o que cada um está fazendo. Já tive oportunidade da minha sobrinha americana ter vindo pro Brasil e ter precisado ficar um pouco em casa, ficou com a gente. Hoje em dia não tem mais distância, quer dizer, mas tem que cultivar isso, porque tudo o que você não cultiva vai desaparecendo. É uma responsabilidade de manter essas relações sempre em aberto, mas sempre bom.
P/1 – E o que você poderia dizer que é uma coisa que você trouxe nessa bagagem do intercâmbio de volta pra cá, pro Brasil, e que você viu isso se transformando nos seus filhos também, um pouco do que eles trouxeram de experiência.
R – Olha, várias coisas, mas arrojo e liderança, esse é o principal de todos nós, de ser cidadãos, cidadãos do mundo e especialmente do Brasil. Porque quando você faz um intercâmbio você aperfeiçoa essa palavra cidadania, de responsabilidade sobre o que você faz, sobre aquilo que você projeta, sobre aqueles com quem você convive. A principal coisa de sair para o estrangeiro é você retornar como um cidadão brasileiro de consciência e de formação. A cidadania eu acho que é a coisa mais importante pra gente que foi estudar fora, com tanta dificuldade no Brasil, mas ainda acreditar, lutar, lutar pelos meios naturais pra tentar que essa nossa pátria seja melhor. Está difícil, mas sem perder a esperança, vivendo aqui, não em outro país.
P/1 – Pra gente ir numa parte final, conta pra gente quais são as coisas mais importantes pra você hoje.
R – Olha, sempre foi a figura de Deus e isso se transforma na figura da família. Continuar
partilhando os ideais, o dia a dia, as dificuldades com a família, com a esposa e com os filhos e hoje com os netos, ainda é muito importante. Por exemplo, as fotografias que eu trouxe, a Lia, a minha esposa e a Bebel ontem à noite se encarregaram de colocar num pen drive, de separar algumas coisas, a gente faz as coisas sempre em comum, dentro daquele lema de um por todos e todos por um de uma forma natural. Outras prioridades é realmente essa responsabilidade no exercício do que a gente faz, das nossas funções de pai, de companheiro, de esposo, de profissional tanto na área médica como alguém que atende as pessoas no processo de envelhecimento nas mais variadas doenças e como professor, hoje em dia não mais da graduação, mas da pós-graduação ajudando essas pessoas se aperfeiçoarem no conhecimento do envelhecimento. Transmitindo a experiência, mas ainda estudando muito. E sempre, acima de tudo, tentando e cultivando a humildade, que tem muita coisa pra aprender e o que a gente pode a gente partilha, essa tem sido a tônica da minha vida e daqueles com quem eu convivo, da família Brandão, que é do lado da minha esposa, Canineu, que é minha família.
P/1 – Você já comentou um pouco de qual foi o seu maior aprendizado do intercâmbio, de um dos maiores legados dessa experiência. Mas e como pai, qual foi o seu aprendizado como pai, de ver os seus filhos indo para essa experiência, cada um pro país que escolheu, com liberdade, voltando?
R – O desprendimento. O desprendimento porque, logicamente, como eu falei anteriormente pra você, a gente não trata todos como um bloco de pessoas, um bloco de filhos, cada um é um mundo completamente diferente. Respeitando a individualidade, as características de cada um, mas com desprendimento porque a gente é do mundo, não é da esposa, não é do filho e eles também não são da gente, a gente é criado à imagem e semelhança de Deus e vamos usar os nossos talentos nesse mundo. Esse é o grande aprendizado da própria vida.
P/1 – E como você poderia dizer que o AFS mudou a sua vida?
R – (risos) Mudou muito porque eu acho que abriu as portas. Foi através dessa experiência propiciada pelo AFS aos 17 anos de idade, um menino do interior, estudante, com ideias não tão amplas ir de repente para um outro país, olhar a vida de forma diferente, ter uma orientação também, que o AFS sempre fez bem. Uma família diferente da minha, uma língua diferente, os costumes diferentes, essa experiência através do esporte, ajudou a consolidar uma série de sentimentos e de proposições para a vida. Por isso eu fiz questão de vir, não importa o que esteja acontecendo hoje, ontem ou amanhã, mas dar esse testemunho de agradecimento e ao mesmo tempo de apoio, que o AFS continue sendo o que ele é, aperfeiçoe cada vez mais. E esta mensagem também que não basta a gente ir, que a gente tem que abrir a nossa família, a nossa casa pra receber. Ontem ainda a gente estava conversando a respeito da possibilidade do ano que vem ter, talvez a Júlia fique um ano em casa ainda até se encaminhar, de ter mais uma experiência com alguém de fora. Então é isso, AFS é um dos grandes bens da minha vida e que eu tenho certeza que eu pude usufruir disso e continuo usufruindo e propagando.
P/1 – E eu acho que eu acabei esquecendo de perguntar, como você ficou sabendo do AFS na sua juventude?
R – Na escola. Na escola através das experiências. Eu fui, acho, que da sexta turma de Sorocaba a ir, ou a quinta turma. Através dos que foram antes e que foram estudantes também nessa própria escola, que era um colégio estadual tradicional de Sorocaba, e essas pessoas ao virem de volta palestrarem mostrando slides, aquele tempo era slide, ou fotografias das experiências que tiveram. Foi assim que eu conheci o AFS, na escola.
P/1 – E pra mandar os seus filhos como é que foi o processo? A escolha do meio...
R – Também foi na própria escola onde estudava, mas como eu fui do comitê, tudo, sabia bem como funcionava, onde era a sede, quem era o Presidente. E os dois que não foram no AFS foi porque houve algum... Como a nossa família é uma família grande, até para quebrar um pouco que não era por favorecimento, foram dois anos que houve um zum zum zum de dar preferência pra família que já foi, pra não ter isso eles não foram. Mas é insuperável o programa do American Field, do AFS. Só não foram 11 pelo American Field, pelo AFS por causa disso, pra
evitar olhares ciumentos ou de favorecimento em relação à própria AFS. A gente mora no interior, no interior ainda tem algumas coisas que as pessoas conhecem, hoje já menos, mas pra não ter nenhum perigo de favorecimento, de se pensar que é a favor, tudo.
P/1 – E pra gente ir encerrando eu queria que você comentasse o que você acha dessa proposta do AFS contar um pouco da sua história através da trajetória de pessoas que de fato estão envolvidas com ele?
R – Eu acho que isso vai favorecer o próprio AFS, estimular outras pessoas, especialmente as pessoas receberem, porque a mesma experiência de ir é de receber, a família aprende muita coisa. E realmente, textualizar experiências reais, seja através do Museu que achei, olha, parabéns pra vocês, eu conhecia de longe, mas é realmente, essa memória de um país, uma memória que fica pro resto da existência humana. E também a possibilidade através da edição de um livro, de uma apostila, de alguma coisa que conte tudo isso, isso favorece as pessoas, favorece a relação dos países. E essa era a grande proposta dos primeiros voluntários do AFS, através de atendimento de pessoas feridas na Segunda Grande Guerra, foi um serviço de ambulância, realmente nós estamos fazendo isso daí agora não com pessoas doentes ou feridas, mas feridas de outra forma. E isso só leva paz à própria humanidade e às pessoas. Foi muito feliz essa ideia da comemoração dos 60 anos. Não precisa ser 50 ou 25 anos ou 100, pode ser todos os dias. E essa é uma lembrança para todo dia, parabéns.
P/1 – E a minha última pergunta: Quais são seus sonhos?
R – A vida continua enquanto a gente sonha. E eu sempre coloco isso, a vida vai passando. Hoje eu tenho 66 anos, mas o dia que eu parar de sonhar é porque encerrou. Ainda sonho continuar essa convivência, continuar o meu trabalho talvez de uma forma um pouco mais lúcida no sentido de hierarquizar tempo, conviver, desfrutar mais da família, viver um pouco lá fora também, com aqueles que estão fora. Eu tenho um dos nossos filhos, chamado Samuel, está casando agora em março lá nos Estados Unidos com uma moça chamada Edith que é de Tel Aviv, ela é judia. Eles já moram nos Estados Unidos, há sete anos trabalha num banco e ela trabalha também no mercado imobiliário. Mais do que nunca a gente vai ter que estar próximo porque ela está aprendendo a falar português, mas nós vamos ter que conviver com esses que vêm deles pra deixar o português mais falado também (risos), que os nossos netos, filhos dos dois, saibam também falar o português. A gente pretende continuar vivendo, sonhando e passando a experiência pra gente. Já escrevi alguma coisa, pretendo continuar semeando os meus próprios sonhos de um mundo melhor ainda pros filhos. O grande sonho é continuar vivo e partilhando dessas experiências vividas e vivendo outras experiências.
P/1 – Tá certo, Paulo, então com isso a gente em nome do Museu da Pessoa e do AFS agradece a sua entrevista, muito obrigada.
R – Tá bom, eu agradeço muito, obrigado.Recolher