IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Inês Corrêa de Souza. Eu nasci no Rio de Janeiro, em nove de agosto de 1950.
FAMÍLIA
PaiMeu pai, o nome dele é Raimundo Geraldo da Mota de Azevedo Corrêa Sobrinho. Esse nome é imenso, né? Ele era sobrinho do poeta das pombas, do parnasiano Raimund...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Inês Corrêa de Souza. Eu nasci no Rio de Janeiro, em nove de agosto de 1950.
FAMÍLIA
PaiMeu pai, o nome dele é Raimundo Geraldo da Mota de Azevedo Corrêa Sobrinho. Esse nome é imenso, né? Ele era sobrinho do poeta das pombas, do parnasiano Raimundo Corrêa. Então acabou com esse nome enorme.
Às vezes, cria um pouco de dificuldade um nome tão grande. Ele nasceu em Minas Gerais, e, se não me engano, na cidade de Baiepêndi.MãeMinha mãe, o nome é Selma e Maia de Azevedo Corrêa. Ela nasceu no estado do Rio, na cidade de São Fidélis. Avós maternosDos meus avós maternos eu lembro muito bem das duas figuras. A gente passava as férias, praticamente de verão e de julho, na cidade do interior. E era uma alegria muito grande. Porque tinha mais liberdade, corria na rua, subia em mangueira. E a minha avó era uma cozinheira maravilhosa. Fazia coisas fantásticas. Cozinhava e costurava muito bem. Era
uma festa toda vez que a gente saía do Rio de Janeiro. Eram viagens longas, levava seis horas do Rio de Janeiro a São Fidélis, que é uma cidadezinha pequena, próxima de Campos. Era muito gostoso passar tanto uma parte do verão quanto do inverno lá.
O meu avô era um homem que embora não tenha tido grau de instrução muito grande, era quase um intelectual. Ele teve uma posição de destaque do ponto de vista político na cidade. Foi presidente da Caixa Econômica. Ele fez algumas coisas ao longo do tempo. E morreram ambos. Meu avô faleceu, eu tinha 15 anos de idade e a minha avó, eu já estava trabalhando. Eu tinha 20 e poucos anos quando minha avó faleceu. Mas é uma lembrança muito, muito boa dos dois. Era uma casa muito grande, bonita. Uma chácara. A família dela tinha muitos recursos, então ela herdou um sítio muito bonito. O padrão de vida da família da minha avó era diferente do avô. O avô não,
candiava boi. Era uma de uma família
muito simples, do interior do estado do Rio. Avós paternosO avô paterno, eu não conheci. Conheci a minha avó paterna. Era uma pessoa muito difícil. Muito de mal com a vida, muito. Não tinha, assim, uma relação muito afetiva com os netos. O meu avô paterno era juiz de direito. Morreu muito, muito jovem, do coração. Então ela ficou uma pessoa muito amarga. Então não tem assim, grandes, grandes, não tenho boas memórias do lado paterno. Agora, o
meu pai era uma pessoa extraordinária, como afeto, como pessoa. Então, talvez, contrabalançasse um pouco essa questão da mãe ser uma mulher muito fechada. Não vivia para a vida, né? Talvez, sei lá, as dificuldades financeiras com a morte dele, muito prematura, tenham levado um pouco a isso.
Atividade do paiMeu pai era advogado. Ele tinha o próprio escritório, a própria banca. E trabalhava no Instituto de Resseguros do Brasil, que aliás foi o meu primeiro estágio. O primeiro trabalho meu foi lá no IRB. Ele trabalhou anos no IRB. Ele trabalhou na área de direito de seguro. E toda a renovação da legislação no Brasil na década de 70 foi feita por ele. Ele chegou a ser chefe do jurídico lá no IRB. Morreu muito cedo, com 57 anos. Também morreu do coração. Quer dizer, era a saga familiar morrer do coração. Eles eram quatro irmãos, três homens e uma mulher. Entre dois irmãos, ele e o irmão mais velho dele, foram um espaço de 15 dias entre a morte de um e outro. Então ele era uma pessoa muito emotiva, muito, muito ligada nas pessoas. Foi uma perda muito grande a morte dele. PoesiaEle escrevia também, chegou a publicar um livro, um livro de poesias. Oração aos Aflitos era o nome do livro dele. Tem muita coisa escrita por ele que a gente guardou. Quando a gente fazia aniversário, ele sempre escrevia uma poesia. E eu era a filha, única mulher. Então era muito chegado, tinha muito chamego comigo, muito identificado comigo. Eu me recordo muito bem desse lado dele, como uma pessoa privilegiada intelectualmente, brilhante mesmo, eu diria. E com um sentido humano de relação com as pessoas fora de série. Leitura Meu pai estimulava na gente o gosto pela leitura. A casa, no segundo andar, tinha um corredor assim: parede de alto a baixo cheia de livros. A gente não sabia, quando teve que mudar de casa, o que fazer com tanto livro. Então foi uma casa sempre que o lado intelectual foi muito privilegiado, sem deixar o lado afetivo. O meu pai e minha mãe viveram sempre muito bem. Ele era um homem extremamente carinhoso. Levava as duas coisas muito bem. O lado tanto intelectual, cultural, quanto o lado afetivo. Era uma pessoa muito.... por isso que talvez a perda tenha sido tão grande, quando ele morreu. MãeMinha mãe era mais parecida com a minha avó paterna. Era uma pessoa muito na dela, mas não tão efusiva do ponto de vista de relacionamento. E muito paparicada pelo meu pai. Então a morte dele deixou minha mãe muito fora do espaço. Quer dizer, foi uma perda grande para ela. Foi muito difícil, e ela sempre teve muita cobrança em relação aos filhos. Aliás, esse é o padrão do lado feminino, das mulheres que não trabalham. De ter
esse lado da cobrança muito grande. Ela era uma pessoa não tão efusiva do ponto de vista afetivo quanto ele. Era uma mulher extremamente inteligente. Uma cabeça privilegiada, muito independente, embora ela tivesse parado de trabalhar quando se casou. Mas muito independente nas coisas dela, de levar a vida dela, fazia o que queria. Mas com mais dificuldade no lado pessoal, emocional, do que ele. Ele era uma pessoa mais bem resolvida do ponto de vista da cabeça e do coração.
CASA
A gente morava na infância em uma casa na Tijuca. Era uma casa muito grande. Nós éramos quatro filhos. E a gente morou lá até a morte dele em 1971, mais ou menos. E era então uma infância de brincar na rua. Não tinha um nível de dificuldade e de risco que a gente tem hoje. A casa era muito boa. Na adolescência, era ponto de encontro dos amigos todos. Toda semana tinha festa, tinha dança. Foram uma infância e uma juventude muito cheias de vida, com muita coisa proporcionada pelo fato da gente morar em casa e por eles gostarem de ter a casa cheia, receber gente. Então foi sempre assim o tempo todo.TijucaA Tijuca era um bairro supertranqüilo. Não é o bairro que é hoje. Foi uma opção de vida dos meus pais morar na Tijuca, eles queriam morar em casa. Então, eu acho que as condições financeiras não permitiam que morassem em outro local, então a opção foi morar na Tijuca, que era um bairro muito tranqüilo, nós andávamos de bicicleta na rua. Os primos todos moravam na zona sul. Era um passeio vir à zona sul, visitar os tios e os primos. Mas era uma vida bastante tranqüila.
EDUCAÇÃO
Eu sempre estudei em escola pública. Fui para a escola cedo. Fiz jardim de infância, aquela coisa toda. Eu não tenho muita lembrança do jardim de infância. A única coisa que eu me lembro do jardim de infância é que eu tive rubéola e eu desenhava as flores no braço em volta dos pontinhos, a única coisa que eu consigo me lembrar. Me lembro vagamente no curso primário, que eu queria cantar. Eu era, sempre fui superdesafinada, queria cantar no coral, nunca consegui. Porque eu era um desastre para cantar, não tinha afinação nenhuma. Isso eu me lembro bem, da época de escola primária. E era uma escola particular, mas do jardim que foi a escola pública, ela chamava...Era na Tijuca mesmo. E eu me lembro, tinha ótimas professoras,
que eu me lembro até hoje delas, dessa mesma época. Eu me lembro muito delas como pessoas de personalidades muito fortes. Me lembro das figuras muito bem até hoje. Mas não do ponto vista de ter nenhuma pessoa fora de série. No curso de admissão, sim. Eu me lembro, eu fui estudar no curso de admissão, eram duas professoras. Uma delas era mãe daquele rapaz que foi assassinado no calabouço, na ocasião daquela confusão toda. E ela era uma mulher extraordinária, dona Lúcia. Eu nunca me esqueci da figura dela. Eu me lembro o dia em que o filho morreu, aquela mulher firme, com muita fibra. Isso eu me lembro muito bem. Mas não da escola primária. Da escola primária acho que não foi uma passagem muito marcante do ponto de vista das pessoas. Isso foi na época do calabouço ou foi depois? Sabe que eu não me lembro se foi na época do calabouço. Eu estava no curso de admissão. Deve ter sido o calabouço. Ele foi umas das pessoas que foi morta. Não foi o Edson Luís não. Foi em uma dessas confusões naquela altura. E a coragem dela foi uma coisa assim impressionante. Disso eu me lembro bem até hoje, quando houve isso tudo.GinásioDepois eu
fui estudar no Paula de Fontaine, fui fazer o ginásio lá. E aí eu tive uma professora que me marcou muito. Era uma professora de francês que eu adorava, eu idolatrava. Eu estudava francês naquela ocasião, eu já estudava francês na Aliança Francesa, e ela foi minha professora. Era uma moça muito nova, muito jovem, mas muito inteligente, muito. E como eu gostava muito do idioma, aquilo foi uma coisa que ficou. A gente ficou muito próxima. Tanto que a primeira vez que eu
fui à Europa, nós viajamos juntas. Nós ficamos muito chegadas. Tive um professor de matemática, também espetacular. Depois eu vim a descobrir, anos e anos mais tarde, que era pai de uma amiga minha. Um dia eu descobri, o pai dela era o professor de matemática que eu idolatrei. Então foi um negócio assim legal. Foi bom. Era uma escola com muita disciplina. A escola era só feminina, do curso ginasial, era escola pública, mas só feminina. Mas muito, muito, ainda muito rígida. Um pouco diferente dos padrões de hoje como escola pública. Mas muito boa, foi uma época muito agradável. Tenho uma recordação
que eu odiava fazer educação física porque eu era míope. Eu nunca enxergava onde é que estava a bola. Então eu tinha horror, eu fugia como o diabo da cruz de ter que fazer, de jogar vôlei, essas coisas todas. Mas foi legal, foi uma época superboa, muito agradável.Escola normalDepois eu fui fazer escola normal. Fui fazer Instituto de Educação. Mas contra a minha vontade. Eu não queria fazer escola normal. Eu queria estudar, eu queria fazer administração. Já estava com alguma coisa, mais ou menos, na minha cabeça. E meu pai tinha muita preocupação de morrer cedo. E de fato aconteceu, que ele morreu muito cedo. Então ele mais ou menos que me obrigou a fazer escola normal. E eu me lembro que eu ameaçava, dizendo que não ia, que
no dia da prova eu não ia aparecer lá. E ele me fez ir até o fim. Me forçou a fazer escola normal. Eu fui, fiz pelo Instituto de Educação. Eu detestava ser professora. Eu achava um horror aquilo. Achava um nível absolutamente horroroso no Instituto de Educação. E foi pesado, foram três anos que eu fiz contra a absoluta vontade. E eu diria que eu fui uma adolescente meio chata. Porque eu fui estudar francês na Aliança muito cedo, eu tinha meus 12 anos, 11, 12, 13 anos. Eu lia os filósofos franceses todos. Então quando eu entrei no Instituto de Educação com 15 anos, com gente de todos os níveis sociais, eu achava aquilo uma chatice. Eu já tinha,
lá com meus 15 anos, 16 anos, as minhas crises existenciais, que é inteiramente fora, meio fora de época, né? Mas já tinha as crises existenciais. E no Instituto de Educação eu tive uma professora, que era professora de filosofia da educação, uma mulher brilhantemente inteligente. Negra. Lélia Gonzáles. E eu ajudava a Lélia a fazer tradução de livros de filosofia, com 16 anos. Quer dizer, um negócio completamente fora do razoável, né? E eu diria que foi uma crise, digamos assim, de identidade filosófica prematura. Com 16, 17 anos, 15, 16 anos ter crise existencial, né? E eu me formei com 18 anos. Tomei posse, porque era obrigado tomar posse. Fui trabalhar em Acarí.MagistérioFui lecionar em Acarí. Eu queria tomar posse e pedir a exoneração no mesmo dia. Mas não me deixaram, tinha que trabalhar um mês pelo menos para pedir exoneração. Eu e fui trabalhar em Acarí. Aquilo lá era uma aventura. Eu já fazia universidade, estava na Fundação Getúlio Vargas. Eu ia para a universidade, saía na hora do almoço, pegava um ônibus. Chegava na Avenida Brasil e tinha que pegar a Kombi para chegar no colégio. E volta e meia eu perdia a Kombi porque não dava tempo para chegar lá. E eu me lembro até hoje: era uma sala de aula que tinha crianças de CP nível seis. Eram duas professoras, que dividiam o quadro. E era um desespero. Eu consegui ficar um mês indo aquela escola para dar aula. Para mim era um martírio. Então eu me lembrava de uns alunos, tinha um aluno pequenininho, que sentava assim, só aparecia o olhinho dele, na mesa. Foi muito difícil. Eu não gostava. Tinha horror àquele negócio. E me irritava profundamente ser professora. E eu trabalhei um mês, larguei. Estágio em
administraçãoJá fazia Fundação Getúlio Vargas, curso de administração. Continuei só estudando. Passei dois anos estudando. E depois, quando eu já estava no terceiro ano da faculdade, fui fazer estágio. Meu primeiro estágio foi no IRB. E pouco tempo depois eu já estava trabalhando, foi quando meu pai faleceu. E eu acabei saindo, largando. Era uma coisa complicada eu trabalhar no mesmo, fazer estágio no mesmo lugar onde ele estava. E aí no último ano eu fui trabalhar na Sulamérica, na companhia de seguros. Eu fui fazer estágio lá. Fiz um ano de estágio na Sulamérica, em 72. Trabalhava na área de pessoal, no departamento pessoal lá. Já me incomodava muito a maneira como as coisas eram feitas. Porque eu acho que eu, quer dizer, é uma característica minha até hoje, mas eu acho que já se manifestava naquela época a minha capacidade de estar vendo as coisas acontecerem no futuro. Então,
tudo que é coisa de rotina, muito igual, me incomoda profundamente. Eu acho que foi o primeiro momento que eu percebi isso. Como as coisas de fato me incomodavam. Então, a falta de visão estratégica das pessoas, a falta de não fazer as coisas, de ficar naquele negócio do dia-a-dia. Aquilo me incomodava profundamente. E eu trabalhei um ano lá. Quando eu estava perto de me formar na Fundação, a GE fez um recrutamento para ser trainee, para fazer esse curso. Um curso na área financeira que eles davam no mundo inteiro. E eu fui, a minha turma tinha talvez mais de 60% de mulheres. E eu fiz a prova. Eu queria fazer mestrado em planejamento. Acabei fazendo a prova para trabalhar na GE, fui chamada.
PRIMEIRO TRABALHO
MachismoO mestrado foi cancelado e eu acabei indo trabalhar na GE, fui contratada, fui trabalhar na fábrica em Maria da Graça. Era a primeira mulher a entrar na GE Brasil. A GE não tinha mulher na área financeira. Eu trabalhei nessa função e foi uma experiência muito interessante. Porque eu jamais imaginava o nível de preconceito que eu ia encontrar na minha vida profissional. Trabalhar em uma fábrica, Maria da Graça, em que todos os meus colegas eram homens, todos os gerentes eram homens. Eu era a única mulher. Só tinha a secretária e eu. Então era, foi difícil. Foi um início de carreira profissional difícil. Mas foi bom, eu acho que valeu.Opção por administraçãoEu fui fazer administração porque eu não sabia o que é que eu ia fazer. E hoje, não. Hoje, todo mundo não sabe o que vai fazer, faz alguma coisa, depois muda de universidade. Mas naquela ocasião a gente não tinha, há 20, 30 anos atrás, ninguém tinha essa escolha de fazer uma universidade, depois mudar. Eu acho que isso não era, não era muito a tônica, né? E a minha madrinha era uma mulher de muito sucesso. Ela trabalhava, ela tinha feito curso de administração. Talvez um pouco por influência dela. Ela trabalhava, ela trabalhou no IRB, depois ela trabalhou na Embratur. Ela era diretora. O nome dela é
Enilza Roquete. Ela é prima de um ex-presidente da Vale, Fernando Roquete Reis. Ela é prima dele. Talvez por influência dela, eu acabei fazendo um curso de administração. Também eu não sabia o que fazer. Então vou fazer um curso de administração. Eu não era uma pessoa dotada, com muitos dons
para a área artística, eu não queria ser professora. Então nada que ligasse a magistério fazia sentido. E eu não era uma pessoa que tivesse uma formação de base de matemática boa. Eu tinha o curso normal. Então não podia fazer economia, engenharia estava fora, arquitetura, isso não podia nem passar na minha cabeça. Eu não tinha preparo para fazer isso. E aí fui fazer administração. Talvez tivesse de ter tido feito curso de direito. Mas acabei fazendo administração. A família, todos eles assinaram embaixo. Você pode fazer o que você quiser, contanto que você tenha uma profissão. Eu já tinha uma profissão, então eu estava mais ou menos coberta do ponto de vista familiar. Curso de administração Então foi legal, foi, eu gostei da faculdade. Eu fui para a universidade em 1969, no auge do movimento estudantil, da repressão, isso tudo. Mas foi uma experiência legal. Eu tive ótimos professores, que eu me recordo até hoje. Eu acho que, eu não entendia, quer dizer, hoje eu dou valor ao fato de ter feito uma universidade que me desse uma formação acadêmica bastante abrangente, bastante generalista e não específica. Porque eu acho que quanto mais generalista a sua carreira na área de gestão, com
capacidade de dominar várias disciplinas, você tem benefício. Então eu acho que foi muito positivo, embora na época eu achasse um absurdo. No dia que eu entrei na faculdade, a turma que se formava estava enterrando o generalismo. Fizeram um enterro no pátio da universidade para enterrar o generalismo. Foi quando começou a tendência mundial de todo mundo ser muito especializado. Então você é especialista em finanças, o mesmo em várias profissões. Então foi essa a razão da escolha, eu acho que foi por acaso, mas eu acho que eu acertei na escolha. Movimento estudantil O ambiente na faculdade era muito bom. A Fundação, que era a EBAPE, a Escola de Administração Pública,
era uma faculdade muito conservadora. Até pelo fato de ser uma fundação e não ser uma escola pública. Como uma elitista como a PUC. Ela era muito conservadora e muito disciplinada. Então não era uma escola que tivesse uma agitação do ponto de vista estudantil muito grande. Minha agitação estudantil era na Aliança Francesa. Eu estudava no centro e aquilo era um buchicho. As meninas chegavam lá, levantavam as saias: olha como eu apanhei da polícia ontem! Meu pai me fazia jurar que eu não ia sair em passeata. Então foi um negócio muito legal. E ele morreu em 71. Eu tinha um irmão mais velho, ele já estudava na Federal. E a minha casa era lugar de movimento de encontro político. Então muitos tinham que fazer reunião até as tantas da madrugada. E eles não eram os esquerdistas, eles tinham um grupo chamado Movimento Estudantil Independente. Eles se reuniam na minha casa. Tinham discussões, pichavam muros, faziam tudo. E sempre achavam que é era o outro lado que fazia. O pessoal perseguido pela polícia, pela repressão na ocasião, que fazia isso. Foram anos muito ricos do ponto de vista de vivência, de experiência, de contato com as pessoas. Muita gente dormia lá em casa, gente fugida. Eram amigos, estavam todos juntos,
não necessariamente faziam parte do mesmo movimento político. Mas muitos deles, muitas e muitas vezes passaram a noite na minha casa. Foi uma época muito legal. Meu pai fazia eu jurar que eu não ia sair nas passeatas quando eu vinha
pra Aliança Francesa. Mas foi legal. E vários deles, o Daniel Aarão Reis estudou comigo. Tinha uma outra menina, que era noiva do Wladimir Palmeira. Essa turma toda estudava comigo na Aliança. Então lá, eu diria assim, era o foco assim, de provocação intelectual. Não na universidade. A universidade era muito careta nesse aspecto, muito careta.
ENTRADA NA CVRD
Meu primeiro emprego foi na GE. Eu quando me formei fui trabalhar na GE. Passei três anos, fiz o curso na GE. Quando eu terminei o curso, eu me formei, eu vim para a Vale logo em seguida. Meu ex-chefe veio trabalhar aqui.
Na ocasião, o Fernando Roquette Reis era o presidente e o Hans Werner, que era o controller da GE, veio para cá como diretor. Ele era cunhado do Faria Lima. Ele aí trouxe o meu chefe, o Américo Puppi. O Américo foi superintendente de administração aqui. Quando ele foi ser superintendente, ele me chamou para trabalhar com ele. Eu vim ser assessora dele em 76, se não me engano, foi que eu vim para e Vale.
IMAGEM CVRD
A Vale não estava nos meus planos. Mas a Vale era o máximo, sempre foi considerada. Era uma dessas empresas que tinha muito apelo como uma empresa, eu diria, progressista. Ela era muito bem reconhecida. E a década de 70 foi o auge das empresas estatais no Brasil. Em 70, 80 todo mundo se formava e trabalhava no Banco do Brasil, Petrobrás, Vale do Rio Doce, Furnas e Embratel. Era basicamente onde você tinha colocação de emprego, fora algumas multinacionais. Então a Vale sempre foi muito bem considerada, teve muito boa reputação no meio universitário. Mais talvez do que algumas das outras empresas estatais. E, quer dizer, minha vinda pra Vale foi até um pouco por acaso. Porque na ocasião que eu trabalhei na GE, isso de 73 a dezembro de 75, todo mundo que fazia o curso, no dia que acabava o curso o head hunter ligava com uma colocação. Então ninguém procurava emprego, todas as pessoas saiam de lá praticamente colocadas. Quer dizer, você já tinha se formado, tinha três anos de trabalho e estudo, então você tinha colocação em qualquer lugar. Eu me lembro que eu não ganhava mais que eu ganhava na GE. Quando eu vim para cá não tinha nenhuma vantagem do ponto de vista financeiro. Tinha um pouco do lado do que era a Vale do Rio Doce, que era a reputação da Vale. E eu mudei um pouco de área. Eu trabalhava na área de finanças e vim trabalhar na área administrativa e recursos humanos aqui, quando eu vim em 76. Machismo
Na GE havia muita resistência, diferente do que é a Vale, do que foi a Vale.
Porque na GE você podia ter resistência de um par seu, mas a organização privilegiava o teu desempenho, o teu conhecimento. Não queriam nem saber se eu era mulher ou não era mulher. Desempenhou, fez o que você tinha que fazer, fez o curso, teve nota alta, você recebe X. Não havia
um certo individualismo, subjetivismo nas decisões. E na Vale não era bem assim.
A Vale não era um sistema de meritocracia por excelência, como uma empresa estatal. Então aqui era uma empresa comandada por engenheiros. Era uma empresa local, não tinha a visibilidade e a projeção internacional que tinha uma GE. Então você estava trabalhando com parâmetros culturais e de gestão diferentes. Mas na Vale era muito machista.
Ainda é um pouco hoje. Mas era muito, muito machista também. E eu vim para a Vale, eu era assistente do superintendente. Quer dizer, como todas essas pessoas tinham vindo de fora,
em princípio não tinha muito problema. Mas mesmo assim a gente sentiu um grau de resistência. Eu me lembro que tinha gente aqui na Vale, quando eu vim para cá -
eu tinha uma formação muito boa na área financeira - que tinha medo de falar comigo porque eu perguntava coisas sobre orçamento e as pessoas não sabiam responder. Quer dizer, tinham um certo receio de chegar próximo. Mas acho que isso faz parte, né?
RECURSOS HUMANOS
Nessa
ocasião foi quando a Vale estava, no início da década de 80, na fase de muita diversificação. Houve uma série de novas iniciativas, em nível de negócios. E ela precisava identificar mão-de-obra, ter orçamento de pessoal, que nada disso existia. Então foi a primeira vez que foi feito orçamento de pessoal. Por essa razão eu fui trabalhar na assessoria do superintendente. Ele queria exatamente uma pessoa que tivesse um back ground de financeiro e de controle que ajudasse a fazer essa implementação na Vale. Então eu vim basicamente para ajudar a fazer um pouco de, digamos assim, de uma certa mudança, uma revolução e uma renovação da área administrativa e financeira. E foi muito interessante porque eu fiz uma porção de coisas. Como eu tinha uma boa formação do ponto de vista de finanças, eu acabei fazendo uma série de outras coisas que não necessariamente seria só da parte orçamentária. Eu fiz orçamentos, a parte de treinamentos, desenvolvimento de pessoal. Tive uma visão bastante abrangente. E foi quando toda a parte regulamentar, regulatória da Vale começou a ser mudada, foi exatamente nessa ocasião. Foi muito, muito rico de experiência, foi muito bom. Eu nunca me vi trabalhando em área de recursos humanos e eu pude fazer um pouquinho de tudo. Cargos, salários, treinamento, quer dizer que consegui fazer muitas coisas e diversificadas na área de administrativa aqui, que congregava recursos humanos e a parte de serviços gerais também. Mas foi bom, foi uma experiência boa.
Eu trabalhei nessa área de 1976 a
78, 79, mais ou menos dois ou três anos.
RELAÇÕES DE TRABALHO
Tentando transferência para Nova York Aí o o Fernando Roquette saiu da Vale, e daí acho que foi o Joel Rennó que veio ser presidente na ocasião. O Hans Werner saiu. O Américo saiu. Saíram todos. E eles foram trabalhar no Banco da Bahia, o Hans Werner e o Américo Puppi.
E aí me chamaram para ir, o Américo me chamou para ir para o Banco da Bahia. Aí eu pensei duas vezes: sair de uma Vale para o Banco da Bahia, um banco familiar, depois a família briga, eles não se entendem. E aí eu não quis, eu não quis sair da Vale. Continuei na assessoria, foram uns dois anos de não ter um trabalho para fazer. Daí veio um superintendente novo. Não tinha grande coisa, na assessoria tinha uns três assessores pelo menos.
Aquele trabalho intenso, que foi exatamente o
momento da mudança, começou a ficar um trabalho muito estagnado. Então foi muito difícil. Naquela altura, o meu marido estava querendo ir para os Estados Unidos fazer um curso de especialização. Então eu também não queria sair da Vale, porque eu digo: eu estando na Vale, eu tenho pelo menos uma possibilidade de estar indo para o exterior. Aí quando a gente mais ou menos decidiu que a gente estaria indo para o exterior, eu pedi para mudar de área. Aí foi o parto da montanha. Consegui sair da área administrativa, fui transferida para a área financeira. E mais ou menos com o objetivo de estar indo para o exterior e trabalhar no escritório da Vale lá fora. Isso foi mais ou menos 81. Eu fui transferida da área, eu trabalhava com Roberto Faria, que foi um cara, uma flor de pessoa, que era superintendente de administração. Concordou com a minha transferência. Eu disse: meu marido está indo para fora, tal. Eu gostaria de pelo menos fazer um treinamento e vamos ver o que acontece, né? E aí foi, e aí
volta o machismo na Vale do Rio Doce.
Eu fui para área financeira e consegui fazer, eu lembro, eu tenho até a carta do Costa e Silva sobre esse assunto. Fui para a área financeira e fiz um treinamento, quer dizer, eu própria me impus seis meses de treinamento. Porque como eu queria fazer a área internacional, eu tinha que ir para Nova York, eu tinha que conhecer todas as fases. Então eu passei seis meses trabalhando na área financeira. Passei por contabilidade, passei por finanças, comercial. Tudo que era necessário para fazer o fluxo. É para fazer exportação, recebimento no exterior. Então mais ou menos eu consegui fazer todo o trajeto dentro da Vale. Me auto-impondo o rodízio entre as diversas funções, né, com a expectativa de que eu poderia no futuro, trabalhar na Vale no exterior. Ir morar no estados Unidos. Eu me lembro que o doutor Costa e Silva sempre deu o maior apoio para isso. Ele aí fez uma recomendação, eu não me lembro se foi para o doutor Ditzel que era o diretor comercial dele, e o Samir Enaick que era o diretor de finanças. Aí eu fui um dia conversar com o doutor Samir, ele perguntando assim: e você vai fazer o quê lá, menina? Aquilo me deixava alucinada, falar assim!
Aí disse: você não vai, você vai morar longe, como é que você vai ficar commute? Eu nem sabia o que era o commute. Every day you can
new commute. Eu nem sabia o que queria dizer isso. Como é que você vai, onde é que seu marido vai trabalhar? Como é que você vai pegar um trem todo dia para trabalhar em Nova York? E não sei quê. Criou um monte de dificuldade. E aí, de qualquer maneira, eu fui. Pedi licença sem vencimentos por um ano, dois anos e fui embora para o exterior. Com a vaga ilusão de que algum dia eu ia conseguir trabalhar em um escritório da Vale lá fora.
TRANSIÇÕES
Ida aos Estados UnidosE cheguei em Nova York. Meu marido foi trabalhar em uma cidadezinha que eu digo que era no meio do nada. Tinha um hospital de referência para a costa oeste americana. Ele foi para fazer pesquisa de doença cardíaca, trabalhou em um laboratório financiado pela Johnson & Johnson. Com um pesquisador que tinha vindo de Harvard, que era casado com uma brasileira. E ele foi trabalhar testando droga para o coração em animais, em cachorro. E quando eu cheguei, quando peguei o trem, eu peguei o ônibus em Nova York. Eu na doce ilusão de que eu vou morar em um lugar, de que eu vou pegar um trem. Super naquela coisa de filme americano, que é o máximo, né? Que eu vou estar a 40 minutos de Manhattan. Que eu vou levar um vidão. Olha, quando eu entrei no ônibus que eu fui de Nova York para o lugar onde eu ia morar. Passa pela base aérea militar, passar pelo aeroporto de Newark, entrava cada galalau de dois metros de altura, que era o pessoal que trabalhava na base aérea. Tinha o Fort Maguire, que é base aérea americana e tinha o Fort Dix. Quando eu me vi chegar naquele lugar, andar naquele ônibus, eu digo: gente, o que eu vim fazer aqui? Foi uma depressão. Foi, quando conheci esse hospital, um lugar bárbaro. Eu tinha que morar no campus do hospital. Pensei: americano não mora nesses lugares, é só para estrangeiro no campus do hospital. Aí, tudo bem, voltei para Nova York. O que eu chorava: meu Deus do céu, o que eu vim fazer, onde é que eu vou me meter? A cidade que eu fui morar tinha três mil habitantes. Não tinha cinema. Para ir a Nova York eu tinha que pegar o carro, dirigir três a quatro quilômetros, chegar nessa base aérea, tinha um ônibus, de quanto não sei em quanto tempo. Levava uma hora e meia para chegar em Nova York. Não tinha trem, não tinha nada perto. Aí que você cai na realidade, né? Aí foi: o quê que eu vim fazer aqui?
Mas tudo bem, já que eu estou aqui, vamos embora. E a gente não entende 70%, 80% do inglês que falam perto da gente. A gente não entende nada porque você estuda o inglês aqui, chega lá pega um crioulo daquele falando um slang daquele carregado, você não entende nada. Então é supercomplicado. Aí mudei, tive que voltar. Chego lá e encontro o apartamento tinha sido habitado por indiano antes, que matava barata na parede, era um horror. Eu quando entrei naquele apartamento que eu vi onde que ia morar foi outra crise de depressão. Eu ligava a televisão para ouvir vozes ao meu redor, era um, horrível. Aí, você se adapta às condições de vida que você tem que levar.
Eu consegui melhorar, mudei para um apartamento mais transadinho. Mulher sempre tem jeito. Vai para aquelas feiras de bagulho, que tem muito nos Estados Unidos, compra um negócio legal
e vai ajeitando a cara da casa. Eu morei três anos nos Estados Unidos. Foi de 82 a 85. Um mês depois que eu tinha chegado lá, fui à Nova York conversar com
Luís Felipe,
que era chefe do escritório lá. Disse: bom, estou eu aqui. Eu gostaria de conversar sobre a possibilidade de vir trabalhar no escritório de Nova York..
No way. Não tem possibilidade. Não sei o que vai acontecer aqui. Eu acho que vou voltar para o Brasil e vai ser muito difícil...
Não deu em nada. Aí eu digo: bom, eu tenho que cuidar da vida, né? Eu tinha uma vizinha portuguesa, que foi embora seis meses depois. E ela me ajudou muito quando eu fui para lá. Ia para o college junto com ela, consegui fazer curso de inglês. Fui fazer, sei lá, uns dois ou três cursos de redação em inglês. E você vai se adaptando. Não tem jeito, tem que ficar lá mesmo. O meu marido foi trabalhar em pesquisa. Ele foi fazer uma pesquisa na ocasião era relativamente inédita, que era provocar infarto em cachorro e tratar o cachorro com uma droga que eles achavam que prevenia. Era uma droga chamada Berberini. E eles nunca tinham trabalhado com cachorro vivo. Eles normalmente provocavam o infarto, o cachorro morria e eles faziam a pesquisa, depois retirava o coração e viam como é que tinha sido em função das drogas. E nesse caso não. Eles tinham que manter o cachorro vivo. Então a vida dele era um inferno. Porque ele provocava o infarto no cachorro, tinha que tratar o cachorro, passava horas em uma sala trancada, monitorando o cachorro 24 horas por dia. Foi um negócio assim superdifícil a vida da gente lá. Mas eu fui estudar. Fui para o college, aprimorei o inglês. Enfim, você começa a conhecer gente: eu tenho que ficar aqui, eu tenho que encher a minha vida com alguma coisa.
Seis meses depois, minha mãe passou seis meses lá morando com a gente. Fazia companhia,
americano não tem o tipo de vida que a gente tem.
Quer dizer, não tem o lado social. As pessoas são muito individualistas. E tudo o que é o social acontece fora da sua casa. Eu fui sempre criada com tudo em casa, então era um negócio complicado. Tinha um brasileiro que morava no mesmo campus que a gente, nós ficamos superamigos dele. Tinha esse casal de portugueses, tinha poloneses, tinha
paquistanês, gente do mundo inteiro. Só não tem europeu.
Europeu não vai morar nesses lugares no Estados Unidos.
Minha mãe passou seis meses lá com a gente e voltou. Sempre, sempre tive visita. No início, cada visita que vai enche a casa, a gente fica feliz da vida. Cada vez que ia ao aeroporto levar, umas lágrimas corriam. Porque digo: lá estou eu sozinha aqui de novo. No dia em que a portuguesa foi embora, seis meses depois, eu: o quê que vai ser da minha vida aqui nesse lugar. Mas acho que foi muito legal. InglêsEu fazia inglês com estrangeiros, depois de seis meses me chamaram no college: não, você tem que fazer inglês com americano. Ai eu fui estudar com americano. O curso de composition em
inglês, só tinha americano na minha turma. Eu era considerada quase que um gênio. Gênio coisa nenhuma. Eu era mais velha que a maior parte das pessoas da
turma e eu por ter origem latina, falar português, falar bem francês,
usava palavras de origem latina quando escrevia em inglês. Para eles, é uma linguagem altamente sofisticada. Chamavam de big words.
Mas foi muito legal, foi muito bom. Eu achava que eu não conseguiria acompanhar o nível da turma porque eu tinha dificuldade de ler o inglês mais arcaico. Mas foi superlegal. Aprendi inglês bem, redijo. Talvez se eu não tivesse ido para lá, aprendido inglês da forma que eu aprendi, não tivesse tido as oportunidades profissionais que eu tive. E aprender conviver com pessoas do mundo inteiro, com diferenças culturais muito grandes. FotografiaAí lá pelas tantas, depois que testei todos os cursos de inglês possíveis,
eu disse: agora eu tenho que fazer outra coisa para preencher a minha vida. Aí fui estudar fotografia. Estudei música. Fiz dois cursos de fotografia. Ganhei uns prêmios aqui na Vale pelas fotos. E era um negócio assim superlegal. Eu saía de manhã, pegava o carro, ia para Nova York, passava o dia inteiro fotografando. Fazia preto-e-branco. E na escola, para eles isso era o máximo. Eles não tinham coragem, eles não vão a Nova York. Nova York para eles é o bicho, eles têm medo. Eu tinha colegas que nunca tinha ido ao teatro, morando a uma hora, a 50 minutos de Filadélfia, morando a uma hora e meia de Nova York pessoas que nunca tinham ido ao teatro. Nunca, nunca, quer dizer, não conheciam Nova York. Quando eu chegava lá, que ia para a rua, fotografava o Soho. Fotografava o Central Park. Fotografava principalmente pessoas, gente na rua. Foi superlegal. Eu adorava fazer aquilo. Eu não tinha interesse anterior por fotografia. A portuguesa fazia fotografia, todo mundo fazia fotografia. Eu digo: eu vou tentar esse negócio. E eu adorei. Eu fiz coisas fantásticas. As minhas fotos estão na minha sala em casa, feitas há mais de 15 anos. A mesma revelação, a mesma coisa, montadas do jeito que eu montei nos Estados Unidos. Aquilo é um pedaço da minha vida. Assim, foi muito legal, foi muito boa a experiência. Foi muito difícil, chorei para caramba. Morar naquele local, longe de tudo. Mas eu acho que você cresce como pessoa, você aprende muito. E isso de você conviver com gente de cultura diferente é muito legal. E eu tinha uma vizinha paquistanesa, que era umas das mulheres mais bonitas que eu já vi na minha vida. Ela tinha os filhos que estudavam na mesma escola em que eu fazia o curso. Um dia eu perguntei se eu podia fotografá-la. Eu tinha que fazer fotografia de modelo, com pessoas na rua. E o marido
proibiu e trancou ela dentro de casa. Não deixou ela sair depois que eu pedi para ela posar para mim. Então era muito engraçado, ele saía, deixava ela trancada dentro de casa. Então ela ligava: Inês, você não quer vir aqui para a gente conversar e tal? A gente ficava vigiando pra ver se ele não voltava. Mas foi muito legal isso, de você viver, conviver com gente
com cultura e back ground muito diferente do seu. Eu fiquei três anos lá. Tive muita oportunidade de ouvir música, de ver muito balé. Eu conheço Nova York como a palma da minha mão. Filadélfia como a palma da minha mão. Dirigi 63, 160 mil milhas no carro em três anos. Mas eu diria que o primeiro ano foi muito difícil, o segundo foi bom, no terceiro você já vira igual americano. Você já não quer mais visita no terceiro ano. Mas foi muito legal e seis meses antes de eu voltar para o Brasil eu voltei ao escritório de
Nova York. Eu disse: Bom eu vou voltar, vocês não querem que passe seis meses, que eu trabalhe de graça para vocês aqui. Porque eu estou voltando, de repente isso ajuda lá. E aí nessa altura quem tinha ido para lá é o Vítor Mota. O Vítor disse: Não, eu quero uma pessoa que fique definitivamente. Eu acho que não vai dar tempo. Você está indo embora daqui a seis meses, e tal. Retorno ao Brasil Aí eu vim ao Brasil de férias e fui conversar com meu futuro chefe. Euclides Pinheiro, Euclides, não sei o nome dele. Fui conversar com ele, e aí a primeira pergunta que ele faz para mim assim: você sabe bater à máquina? Ai, aquele negócio bate assim. Eu digo: pôxa! Você passa três anos morando no exterior. Fala inglês fluente, estuda. Eu digo: olha, até sei, mas eu acho que eu custo muito caro para a empresa para vocês me usarem como secretária. E aí depois vim a saber a polêmica que foi o meu retorno para o Brasil. Quem que ia me receber? Onde é que eu ia trabalhar e tal? Talvez um pouco pela minha personalidade um pouco questionadora talvez, eu diria demais para os padrões da época.
NEGÓCIOS NO EXTERIOR
E aí eu voltei para o Brasil em 85. E fui trabalhar na área internacional. Aí o Roberto tinha criado uma área nova, fazia toda a parte do exterior. E o Roberto me recebeu, fui trabalhar com ele, com o Roberto e com o Hélio. E quando estavam exatamente reestruturando os negócios no exterior. Isso foi em 85. Aí foi uma coisa extremamente prazerosa. Os próximos, sei lá, 12 anos, que vai de 85 até 97, até a privatização. Que foram extremamente prazerosos acho que do ponto de vista do que se realizou. Do ponto de vista das oportunidades. Quer dizer, elas aparecem, né?
TRAJETÓRIA CVRD
A gente tem que perceber que aquela é uma oportunidade, usar isso da melhor maneira possível. Eu acho que eu consegui fazer, perceber que tinha uma oportunidade ali e capturar isso. Em 85 eu voltei e aí fui para a área internacional. Então foi praticamente, quando a minha carreira na Vale deslanchou. Foi quando eu acho que eu tive as oportunidades de fazer as coisas novas e ter acesso até pelo fato de falar inglês. Eu acho que era quase que um elemento raro dentro da Companhia por isso, com exceção das pessoas que trabalhavam na área comercial. E a área financeira era comandada por pessoal de contabilidade, de formação de controle. Então foi a época de maior crescimento e de oportunidade profissional para mim. Mas sempre brigando para ter as coisas feitas. Sempre as coisas foram muito batalhadas. Eu acho dado às características da empresa, ser comandada por engenheiro praticamente a vida toda. Talvez a única ocasião que a Vale não foi comandada por engenheiro foi na época do Wilson Brumer. E de lá para cá, mas até então a Vale sempre foi pilotada por engenheiro e homem manda e quem tem poder manda, obedece quem tem juízo. Mulher não pode ser mais de que secretária ou assistente social. Se for mais do que isso não funciona. Mas foram anos assim muito bons.
OPERAÇÕES FINANACEIRAS
E em 85, quando eu vim para cá, foi logo depois que inauguraram Carajás. E a Vale tinha feito muita dívida em função do financiamento do Projeto Carajás. Tinha dívida em franco suíço, em euro, marco alemão. E ela tinha uma exposição danada a essas moedas e exportava tudo em dólar. E nessa ocasião se começou estudar o que a Vale tinha que fazer para se proteger disso tudo. E eu fui trabalhar nessa área. E em 86, 87 eu trabalhava como o Hélio exatamente olhando essas estruturações. O Roberto pouco tempo depois saiu e eu fiquei trabalhando com o Hélio, Hélio Rocha. E foi quando a gente começou a olhar essa parte toda de hedge de moedas.
Era uma coisa muito nova no mundo e no Brasil era a primeira vez. Em 81 foi feita a primeira operação de hedge no mundo, feito pelo Banco Mundial. E em 87 a Vale fez a primeira operação usando o hedge de moedas aqui com o Citibank. E eu me lembro muito bem do dia de assinar o contrato. Estavam o doutor Schettino que era o presidente da Vale, o Hélio Rocha, Marcos, era o diretor financeiro administrativo e um representante do Citibank. Quando eu entro na sala e sento, vira-se o doutor Schettino e: menina você faz o quê aqui? Você é secretária ou você é sei lá o quê? Aí eu disse: eu não sou nem uma... Eu ficava enfurecida quando faziam essas coisas.
Mas ele era machista mesmo, ele achava isto. Ele assim: menina, você faz o quê aqui? Você é secretária? Eu disse: não, nem uma coisa nem outra. Aí o Marcos responde assim: não, a
Inês sempre foi muita coisa aqui dentro. Era o diretor da área e o pobre coitado do cara do Citibank, era o Bruno Sharfstein . Eu acabei encontrando com ele recentemente, foi um prazer enorme, depois de quase mais de 20 anos. Ele não sabia onde enfiar a cara porque foi assinar um contrato, o Schettino faz um negócio desse. Aquilo ficou atravessado durante anos.
Porque era uma coisa, poxa, nem cabia perguntar, ele tinha que ficar quieto. E foram feitas as primeiras operações de hedge da Vale, assinar o contrato. E foi um negócio superinovador. Era um trabalho enorme. E, quer dizer, a gente sentia assim: poxa, o cara nem reconhece um negócio desse. Era uma pedreira conseguir fazer essas coisas assim. E eu era uma simples técnica de administração aqui. Eu tinha lá um cargo qualquer. Mas talvez até pelo fato de eu falar inglês, eu ser uma pessoa considerada muito polêmica aqui dentro eu fui trabalhar nessa área que tinha sempre coisa nova. Aí eu comecei a aprender tudo de área internacional. Eu não tinha onde estudar. Mandava e recebia as coisas do banco,
o cara do banco trazia, falava como Citibank, ligava para cá, ligava para lá. E como eu comecei a estudar a parte de derivativos, que era muito nova. Tanto no mundo quanto Brasil não tinha nada. E comecei a me especializar um pouco nessa área internacional e aprender essas coisas todas. Gerente Nisso o Vítor era o chefe do escritório lá de Nova York. E acabaram me dando, sei lá, 88, 89, o primeiro cargo de gerente que eu tive aqui. O Wilson Brumer já era diretor financeiro, acho que o diretor financeiro era o Wilson, não me lembro. Aí me deram o primeiro cargo de gerente e eu fui ser gerente. Como foi difícil ser gerente. Você nunca tinha mandado em ninguém. Eu sempre fiz tudo sozinha. Nunca tinha tido subordinado. Então você tem que aprender a mandar sem você ter preparo para ser gerente. E para mim foi superdifícil isso. A primeira área tinha um cara que era meu subordinado, ele simplesmente não deixava chegar um papel na minha mesa. Então eu não sabia nada, aquele negócio, você gerenciar no escuro. E precisando mudar as coisas, sabendo que tinha que mudar a maneira de fazer. Eu me lembro que um dia eu estou lá sentada na minha sala e entra um japonês, representante de uma dessas trades, para falar comigo. Quando eu vejo,
eu estou na sala com o cara ali na minha frente. Então era uma série de dificuldades, que eram muito novas para mim. E foi mais ou menos em 88, por aí acho. Foi o primeiro cargo de gerente que eu tive. Foi difícil porque a gente ser gerente sem a ter o devido preparo. A questão não é muito técnica, é muito mais pessoal, de você conseguir lidar com as pessoas. Saber como lidar, como dizer, como falar, como delegar, como mandar. Foi uma experiência gerencial difícil. Foi a primeira experiência como gerente. Depois você aprende. Depois que você manda o primeiro embora, mando o segundo, o terceiro, o quinto já é fácil. Mas até você chegar lá, você conseguir dar feed back para as pessoas, você conseguir fazer um certo coach, você tem que aprender isso. E a empresa nunca preparou para isso. Então, foi muito difícil.
RELAÇÃO DE TRABALHO
Discriminação Mas foram anos muito ricos. Foi muito difícil no sentido de que você como mulher tem que mostrar que você tem valor, que você é capaz, que você pode fazer. E especialmente em uma estrutura que nunca teve uma mulher superintendente.
Acho que a Shirley foi a primeira. Cada passo que você andava aqui dentro era na marra, né? Digo: olha, eu sou boa, eu sei fazer e vou fazer. Mas é muito desgastante, faz você endurecer muito como pessoa. Mas foi mais ou menos assim. GerenteDesafios Era necessário
inovar. Ser gerente, para fazer o mesmismo que todo mundo faz não tem muita razão de ser. Tem que fazer, você tem que buscar soluções novas, buscar idéias novas. Tem que manter as pessoas motivadas. Foi mais ou menos na época que a Vale começou a fazer redução de pessoal. Você tem que dar a mensagem de que mudou, mandou embora, fez, por que fez, por que tem que ser assim. E ao mesmo tempo manter as pessoas motivadas para os novos desafios.
E 87 foi o primeiro ano que a Vale, acho que talvez o único, que a Vale teve prejuízo na história. Por causa das variações das moedas. E depois disso foi montada toda uma engenharia financeira enorme para poder recuperar isso tudo. Então você trazer um conceito de negócio novo, um conceito de trabalhar finanças de maneira nova quando as pessoas estão pensando ainda com a cabeça de 20 anos atrás. É difícil você equilibrar isso do ponto de vista de como é que você prepara as pessoas, seus subordinados para serem capazes de galgar um patamar. E como é que você concilia isso com que está em cima. Como é que as pessoas em cima entendem o trabalho que você está fazendo. Porque há uma diferença do ponto de vista de conhecimento grande. Você que está em um nível gerencial técnico tem que preparar a turma de baixo para te dar suporte no que precisa ser feito. E as pessoas de cima têm que estar preparadas para entender o que você está propondo. Então havia um gap de linguagem e de entendimento grande dentro da Companhia nessa ocasião. Mas esse é o desafio, de mostrar. olha,
isso pode ser feito , como pode ser feito?
RELAÇÕES DE TRABALHO
HierarquiaAí em 1990 mais ou menos o Vítor veio a ser diretor financeiro. Eu era terceiro ou quarto escalão aqui. Só que ele tinha linha direta comigo, então foram anos assim maravilhosos do ponto de vista profissional e difíceis do ponto de vista pessoal. Porque aí você tem que administrar quarto escalão e ser chamada pelo diretor: olha, pega o avião daqui a duas horas, vai para Nova York para negociar um contrato. Como é que eu comunico ao meu chefe que eu estou indo para Nova York se o diretor não falou com ele. Tem essas coisas e, graças a Deus, eu fui sempre superdisciplinada, eu sempre saí superbem nisso. Eu conseguia navegar sem brigar com o chefe imediato. Porque é difícil administrar isso. Então foi muito legal.
OPERAÇÕES FINANCEIRAS
E daí as pessoas me perguntam: por que você não saiu da Vale antes? Eu não saí da Vale antes porque todo dia tinha uma coisa nova, uma renovação, uma coisa nova. E era muito, muito desafiador. Eu dizia que o céu era o limite aqui, no sentido daquilo que a gente imaginasse, concebesse do ponto de vista de coisa nova. Tudo que foi operação financeira nova no Brasil passou pela Vale do Rio Doce. Ou foi feito primeiro pela Vale ou foi estudado pela Vale. Então tinha dificuldade porque a turma do deixa como está sempre puxa para trás.
E você tem que conseguir pelos seus caminhos mostrar que tem que mudar.
TRAJETÓRIA CVRD
Essa coisa da inovação, da mudança, do olhar para frente.
Que eu acho que sempre foi uma característica minha, sempre me faz muito inquieta com relação ao futuro. Eu sempre estou olhando, eu sei o quê que eu quero, como é que eu vou chegar lá. Eu consigo antever a solução. Quando eu soluciono na minha cabeça o problema, eu já vou procurar outro desafio. As coisas para mim sempre foram muito assim. Nesses anos eu tive muita coisa. Uma hora era um contrato aqui, vai para Nova York, vai para o Japão, vai para Nova York. Então foram anos riquíssimos.
RELAÇÃO COM OS JAPONESES
A primeira viagem que eu fiz para o Japão foi em 91. Dois dias antes de embarcar, uns representantes do banco me chamam para almoçar com eles. Eu fui lá almoçar com os dois japoneses. Fui almoçar com os dois japoneses, saio do almoço, os dois japoneses andando e eu andava, corria. O cara apertava o passo e eu: puxa, que cara sem educação, meus de Deus do céu. Por que esses caras ficam andando assim? Não estou entendendo. Aí: senhora não quer uma carona, te deixo na Vale e tal. Chego aqui, o Otto Marques era meu chefe na ocasião. Eu entro na sala e digo: Pô Otto, fui almoçar com os caras do IBJ, nunca vi sujeitos tão sem educação na minha vida. Ele disse: mas por quê? Porque, puxa vida, a gente vai almoçar com eles, sai do restaurante aqueles dois homens andando ali na minha frente e eu apertava o passo. Quá quá quá, você não sabia que a mulher anda atrás de homem no Japão? E eu não tinha a menor idéia disso.
JAPÃO
E dois dias depois eu embarco para Tóquio. Aí é a grande surpresa, né? Que você chega lá, eles sabem o seu nome, o que você gosta de comer, o que você gosta de beber, tudo a seu respeito. Eles têm o perfil completo. Eu passei um ano, um mês em Tóquio. E essas coisas todas culturais aparecem. Essas diferenças culturais. Então eu passei um mês em Tóquio a primeira vez que eu fui. Eu amei. Achei lindo. Fiquei deslumbrada com aquilo. Foi uma coisa assim superinteressante a cultura toda. Eu escrevia a cada dois dias para o Brasil, para o meu marido. Eu contava com detalhes o que era o meu dia no Japão. Porque tudo foi uma descoberta. O Japão era uma bela ilha da fantasia. Ainda não estava propriamente no período de recessão. Foi em 91. E tudo muito cuidado. Eu ficava impressionada, parecia uma provinciana, uma pessoa que nunca tinha saído do Brasil. Eu parava naquelas lojas de departamento absolutamente deslumbrada com a quantidade, aquelas grifes todas, as bijuterias, os lenços. Eu ficava seduzida por aquilo. Lá só dava pra fazer window shopping porque é tudo muito caro. Mas eu
ficava seduzida com o Japão. O Japão nessa
primeira experiência foi uma coisa assim fantástica. E o que me impressionou muito foi um lado cultural muito, muito forte. O japonês gosta muito de música. As salas de concerto são maravilhosas. Então o que eu pude eu fiz no Japão em um mês, eu aproveitei cada minuto. Eu era acho que a última a chegar de volta ao hotel. Mas foi uma experiência muito legal. Tinha gente da América Latina. Tinha gente dos países asiáticos também. Então foi uma experiência de vida muito interessante. Das diferenças de cultura. De fazer um curso e tinha um pouco de turismo também para conhecer um pouco não só do interior, da indústria do Japão. Então foi muito interessante aprender o Japão. Aí você começa a entender as diferenças de padrão cultural. Por que os japoneses se comportam de determinada maneira. Como é que é o papel da mulher na sociedade. Como é que as coisas são, as negociações, os costumes. É um mundo que não tem nada haver com o mundo ocidental. E eu me perguntava uma coisa que me chamou atenção: como Tóquio, uma cidade cheia de gente, funcionava tão bem? É tudo tão organizado? Tem fila para entrar e sair do metrô. É uma coisa impressionante como a cidade é organizada. Eu ficava muito seduzida com tudo isso que eu vi no Japão. É um país muito bonito. Eu acho que com muita diversidade. E uma cultura, quer dizer, eles têm uma capacidade de realização e de ser focado nas coisas diferente da nossa. Então foi a minha primeira viagem, minha primeira experiência no Japão em 91. Área InternacionalRestruturação Esses anos seguintes foram anos muito ricos. Eu fui trabalhar em alguns projetos. Eu estava cansada, um pouco cansada dessa função de
gerente, de ter um bando de subordinados. E depois ao longo do tempo fui assumindo posições mais relevantes do ponto de vista de estrutura. Eu tinha uma área muito grande. Então você fazer as pessoas mudarem, quer dizer, as pessoas não mudam, né? Mas você implementar mudanças é uma coisa muito difícil. É um processo que cansa. Eu peguei uma área muito grande, toda área internacional ficou comigo. Então eu tinha câmbio, tinha a parte toda de empréstimo, a parte de exportação, importação, administração das leituras de preço no exterior. Era uma área enorme. Eu tive que reestruturar a área toda. Mudar gente, sabe? Abria gaveta, tinha fatura com 360 dias vencidas. Foi uma coisa um pouco penosa. Mas que o
tinha que ser feito, foi feito. Depois de um certo tempo
eu comecei a me sentir um pouco cansada. Me sentia um pouco empurrando todo mundo para andar e as pessoas não querendo andar. Então fui estudar. Fazer um monte de curso de manager para entender como é que você motiva as pessoas. Como é que faz as pessoas comprarem o teu projeto. E eu passei mais ou menos uns dois anos nessa função. E é muito desgastante do ponto de vista pessoal. Acho que as coisas foram feitas. Então chegou uma hora eu falei: eu não quero mais fazer isso. Não agüento mais mandar em gente. Não quero mais subordinados. Quero trabalhar com coisas esporádicas Mas eu digo, o processo de mudança tinha sido feito. A área estava toda organizada.
RELAÇÃO COM OS JAPONESES
Quando saí dessa área internacional,
fui trabalhar como se fosse quase que uma assessoria, não tinha subordinados, em projetos especiais. E o quê que eu fiz de interessante nessa ocasião? Eu tive a oportunidade de ir
várias vezes ao Japão. Eu fui fazer toda a renegociação do projeto de duplicação da Cenibra. Aí também tem episódios interessantíssimos. A primeira vez que eu fui ao Japão, o Vítor era o diretor. E eu ia praticamente conduzir a negociação. Era eu e um advogado, que era o Luís Severo. Eu disse: Vítor, eu não vou para Nova York sozinha para negociar com japoneses, mas nem morta. Não tem hipótese de ir para o Japão sozinha porque esses caras são machistas. Ninguém vai me respeitar lá. eu como chefe de delegação, mas não tem hipótese, Tinha que negociar com Eximbank e os sócios da Cenibra, que eram, sei lá, 30 e tantos japoneses. Do lado de lá nunca tinha mulher, nunca tinha. Eu disse:
eu não vou sozinha, mas não tem hipótese, você vai comigo para o Japão. Você abre a reunião e pode ir embora no dia seguinte. Porque sozinha eu não vou. Éramos eu e Severo negociando. Aí o Vítor chega, nós tínhamos ido dois dias antes para negociar primeiro com o Eximbank. Na negociação do Eximbank íamos nós dois. Eu e o Luís Severo pela Vale e a pessoa responsável pela Procuradoria Geral da Fazenda e a pessoa que era da área de assuntos internacionais do Ministério de Planejamento. Então éramos quatro pessoas. Começamos as negociações com Eximbank. Primeiro que japonês entende tudo que você fala mas ele não negocia, tem que ser com tradutor. Então ele fala, a gente fala em inglês, o tradutor traduz para o japonês e ele responde em japonês, traduz para o inglês. Isso é para ganhar tempo na negociação. Eu sei que a gente acabou tendo sucesso. Consegui negociar em inglês. Bom, e tinha uma advogada da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Num belo dia lá, fulana me sai para almoçar e vai para o aeroporto de Narita para buscar o marido. E todo mundo esperando para reiniciar as negociações e nada dela chegar. Nada dela chegar,
nada dela chegar. Aí liga para embaixada, não sei o quê quando a gente descobre que ela tinha ido ao aeroporto buscar o marido que chegava. Ah, quando ela entrou na sala, eu não agüentei, eu soltei verbo com ela, disse: olha, a gente está em um país como estrangeira, não respeitam mulher. Os japoneses incomodados com aquilo: o que tinha acontecido com ela? Eu digo: é um absurdo, você não tem respeito por você mesma. Porque num país estrangeiro, você sai, vai buscar o seu marido no aeroporto. Você está de brincadeira. Mas eu não agüentei, quando ela entrou na sala, pá! E aí a gente acabou a negociação e depois a gente pegou a rodada com os sócios da Cenibra. E o Vítor estava lá. Vítor você vai abrir a reunião porque senão não vai dar certo, vai ser muito complicado. No primeiro dia o presidente da empresa, da JDT, que era o sócio na Cenibra, ele entrou e sequer me cumprimentou. Ele me ignorou completamente, nem me cumprimentou. Que era uma mesa assim em formato de O e eu era a única mulher. Mulher lá não vira as costas para sair da sala. Anda de costas. Então a única mulher que tinha lá era uma secretária. Eu era a única mulher na mesa com uns 30 homens. E ele começa, passa a palavra falando que ele estava abrindo a negociação, que eu ia ficar lá, que eu era a responsável, que o advogado estava me assessorando. O cara nem olhou para a minha cara. Primeira negociação. Então fizemos a negociação toda, correu tudo bem. No trato no dia-a-dia eles são super gentis. Enquanto você é o convidado, você é o hóspede. Eles te tratam com muita cordialidade. E eu sempre fui tida como muito durona em negociação. Então: Inês san é muito não sei o quê.
E eles reclamavam. Quando eu batia lá, eles vinham aqui por cima reclamar que a coisa estava sendo muito dura. Então foram várias rodadas de negociação no Japão e eu acho que acabou tudo bem. Eu fui três vezes ao Japão por conta dessa negociação. A primeira vez ele não me cumprimentou, o presidente. Na segunda ele fez um aceno. E quando a gente foi assinar o contrato ele me deu a palavra. Então foi um negócio muito legal. Como você consegue, quer dizer, você conquista o seu lugar. Pelo que você é, pelo como você se comporta, pelo teu equilíbrio na maneira de lidar com as pessoas. Então isso foi uma experiência muito legal, que eu acho que eu tive dentro da Vale, que foi o reconhecimento. Eles mandaram até cartãozinho de natal, era super legal. Isso foi uma coisa muito boa.
BAHIASUL
E eu acho que tive oportunidades muito interessantes. Não só essa da Cenibra. Depois teve negociações todas com a BahiaSul. Toda a reestruturação da BahiaSul, que
foi uma negociação com a IFC, foi também muito gratificante, foi muito legal. É, quer dizer, eu por força de necessidade acabei tendo uma formação sabendo negociar, fazer a parte jurídica muito bem, embora sempre tivesse um advogado. De vez em quando a gente batia de frente. O Vitor dizia assim: qualquer dia você assina o Legal Opinion,
você parece um rábula porque você conhece essas coisas todas. A
Vale me deu muita oportunidade de aprender. Uma oportunidade de me expor e de crescer como pessoa profissionalmente. E depois foi a BahiaSul, uma experiência muito legal. Consegui trabalhar com eles. Fazer toda a reestruturação. E foram várias negociações com a IFC.
Um relacionamento ótimo, outra experiência muito boa. Banco Mundial Outra que foi interessante foi uma experiência como Banco Mundial. O Maurício Reis era da parte de meio ambiente. Iam fazer um financiamento para o Brasil. Então quando eu fui ler o contrato, quando eu vi as cláusulas do contrato, eu fiquei horrorizada: a Vale não assina isso nem morta.
Em Brasília, em uma reunião na Procuradoria, Secretaria de Assuntos Internacionais: não tem hipótese da Vale assinar o contrato. A Vale não vai pegar 50 milhões de dólares para ter essas porcarias dessas cláusulas no contrato.
Aí foi um Deus nos acuda. Liga para o Anastácio, que é o diretor financeiro, que eu tinha ido para Brasília, que eu tinha não sei que lá. E acabou que a gente conseguiu. Foram dois anos de negociação, o Banco Mundial abriu mão das cláusulas para a Vale. Eu dizia assim: mas o Brasil tem que se beneficiar da posição da Vale para poder brigar por uma coisa dessas.
Brigar por condições melhores. Os advogados: Inês, você não vai conseguir isso.
Tem que conseguir. Vamos escrever a carta, vamos argumentar que não tem sentido eles estarem impondo à Vale, as mesmas condições que impõem para estados e municípios no Brasil. Ah, mas o Brasil é signatário do acordo. Não importa. Ah, só houve um caso de exceção, que foi a Rússia. Mas vai conseguir. E a gente conseguiu fazer uma exceção para a Vale. E as cláusulas do contrato do Banco Mundial eram muito melhores do que o padrão que se usava para o Brasil todo. Foi uma luta, foi muita disputa, muita briga, mas no sentido de conseguir melhores condições. O reconhecimento que a Vale não era uma empresa como qualquer outra. Eu acho que a gente conseguiu fazer isso, nessa ocasião.
OURO
Então foram coisas assim superinteressantes. Era muita rodada de negociação, tudo isso. E tudo passava por uma relação de confiança na negociação, de honestidade, de clareza de como conduzir as coisas. E aí mais ou menos em 94 a Vale estava revendo o planejamento estratégico e uma das áreas que se identificou que havia potencial de negócio era a área de desenvolvimento da área de ouro. Fazenda Igarapé Bahia estava produzindo bastante ouro. Tinha um custo muito barato. Havia uma percepção de que havia uma oportunidade da Vale ter uma área de ouro. O ouro estava no auge. Havia alguns exemplos de empresas de sucesso. E a gente foi então fazer um projeto que era melhorar a comercialização do ouro e usar instrumentos dentro daquilo que eu tinha começado ainda em 87, que é usar os derivativos para fazer operações no mercado financeiro. Aí eu fui montando, montei para operar isso aqui na Vale. Fui fazendo do zero. A gente teve que aprender como é que produzia ouro, visitar mina, mulher também não entra em mina subterrânea, foi outra coisa que a gente aprende. Porque diz que dá azar visitar mina. Eu visitei as minas da Vale. Mas eles não gostam. A gente visitou as minas, montou todo o processo de comercialização do ouro para a Vale. Tinha uma equipe trabalhando comigo, gente superjovem selecionada a dedo porque tinha acabado de entrar na Companhia. Então se montou uma mesa de derivativos para fazer vendas a futuro de ouro, para fazer toda a comercialização. Porque o ouro era vendido só no mercado interno. A Vale começou a exportar ouro para o mercado internacional. E aí passa por todas as etapas. Aprender como fabrica. A gente passou um dia na Casa da Moeda. Três mulheres foram para a Casa da Moeda. Aí aquele show, né? Você tem que botar aquela roupa toda. Numa sala onde eles faziam, eram duas pessoas da Vale. Porque a fundição era feita lá. Transformaram o ouro, o ouro vinha com forma de bullion das minas e virava o ouro em barra para ser vendido, para ser comercializado. Então fomos eu, Fernanda e uma outra pessoa. Éramos três mulheres, três ou quatro mulheres dentro de uma sala em que eles faziam todo o processo de depuração do ouro, para sair a barra, com ouro puro, com ouro de ponto quatro noves. De nove, nove, nove, nove de teor de ouro por cada quilo. Bom, imagine as condições. O dia inteiro preso lá no fim do mundo, na Casa da Moeda. Bom, nunca acontece, mas na hora o cadinho, que é aquele negócio onde eles botam o ouro, estourou, explodiu o cadinho. Até isso acontecia. Lógico só tem mulher aqui dentro.
Então tudo acaba mais ou menos numa boa brincadeira. Mas era um processo,
a gente precisa entender o que a gente está fazendo. O que a gente vai vender, para a gente fazer bem. E aí foi um negócio superinteressante. Trabalhavam comigo, a Fernanda e a Maria Inês, Andréa e o Edu. O Edu saiu logo. Ficamos nos três. Depois a Andréa saiu, ficou a Fernanda e a Maria Inês. A Fernanda trabalha hoje comigo de novo. E aí a gente aprendeu o processo todo. E teve que complementar tudo. Da contabilidade à fatura de exportação. Negociar contratos com 15 bancos a nível internacional, trabalhando com a Vale. A gente ia para Nova York. Banco que nunca tinham ouvido falar na Vale. Apresenta o que é a Vale. Foi um processo assim. Para a gente foi um espetáculo porque a gente aprendeu. O que a gente vendeu essa empresa no exterior, para banco que nunca tinha operado no Brasil, que não conhecia nada, sabia tudo da Vale. E o difícil era vender internamente o projeto. Eu me lembro no dia da apresentação de diretoria o doutor Schettino dizer assim: minha filha a Vale já ganha muito dinheiro. Para que você inventa essas coisas complicadas? Não precisa fazer esse negócio todo não. Isso é muito complicado. E a gente acabou convencendo e fazendo essa operação toda.
PESSOAS
Francisco José SchettinoMas vamos voltar para o doutor Schettino, que eu acho que é um negócio legal. A história lá do passado,
do machismo dele. Antes do Wilson sair, o Schettino trabalhava no Conselho da Nova Era, se não me engano, uma das empresas subsidiárias da Vale. Ele era o representante dos japoneses. E havia uma negociação com a Vale. Eu estava participando da negociação. E eu apertando os japoneses. Japonês sempre quer tudo e não dá nada. Ele tira o que pode e a gente já tinha umas coisas de passado. Eu já sabia um bocado do que tinha acontecido. E aí eu endureci na negociação. Acabou a discussão, ele sai da sala, vai lá na sala do Vítor e diz assim: a Inês está extrapolando, ela está brigando, tratando os sócios de maneira inadequada. Eu digo: dane-se, se quer que eu faça, me manda fazer. Agora, é minha obrigação estar defendendo os interesses da Vale, não do japonês, né? Mas o Vítor não xerifava nunca. Ele só: pô, o Schettino está reclamando que você está apertando muito. Então: paciência, diga a ele para deixar isso para lá. Dois ou três meses depois, o Wilson sai da Vale. No dia da festa de despedida do Wilson, o Schettino estava lá. Aí tinha uma mesa, um bando de mulher sentada, só tinha mulher sentada. Ao chega o doutor Schettino: ah, deixa eu sentar aqui. Eu digo: você não, aqui nesta mesa só tem mulher, você é machista demais para sentar nesta mesa. Eu não deixei ele sentar. Dois dias depois ele é indicado presidente da Vale. Aí, quando eu digo: gente eu estou roubada, eu estou na rua amanhã.
Aí eu vou na posse dele, cumprimento. Ele me chamando de dama de ferro, brincava comigo: essa aí é igual a Zélia Cardoso,
não sei o quê. Eu digo: eu não tenho nada haver com a Zélia, doutor Schettino . Mas a gente faz a política da boa vizinhança. Ele toma posse, no dia seguinte da posse dele, eu estou sentada na minha sala de costas para a porta, com as pernas em cima das cadeiras, falando no telefone, assim: Quá, quá, quá, eu vou ser mandada embora, depois do que eu falei para o Schettino há três dias atrás, você imagina. Batem na minha porta, quando eu olho, que era? O próprio. Caramba, é agora. Aí eu desligo o telefone, senta na minha frente em direção a mim, ele andava com uma agenda sempre na mão. Disse: eu vim aqui conversar com você porque a gente precisa resolver aquele problema com a Nova Era. Que era a tal da empresa. Então a gente precisa conciliar, porque os sócios estão reclamando.
Eu falei: está bem doutor Schettino, tudo bem. O que o senhor quiser a gente faz. Agora eu acho que se eu estou aqui, a minha obrigação é defender os interesses da Vale. Mas ele disse para mim: então vamos lá conversar. Eu saio do segundo andar com o doutor Schettino, entro no elevador até o décimo nono andar. A Vale inteira sabia que ele tinha ido na minha sala e que eu estava subindo para a diretoria com ele para resolver o problema. Aí ficamos amigos. Nunca mais brigou comigo, brincava. Mas como é difícil o processo das pessoas entenderem que você não faz isso porque você quer brigar. É porque você está operando, trabalhando em função da empresa.
OPERAÇÕES FINANCEIRAS
Fizemos essa coisa toda do ouro, foi um negócio superlegal. Eu acho que a gente aprendeu muito, todo mundo que trabalhava. Foi uma coisa muito inovadora. A Vale talvez fizesse operações no mercado internacional comparável com as principais empresas americanas. Às vezes até mais sofisticadas. Foi um trabalho enorme junto ao Banco Central para que a gente tivesse liberdade para operar, não precisar pedir autorização. E a gente conseguiu fazer um projeto de supersucesso, superinovador. Deu uma projeção à Vale muito grande na ocasião.
PRIVATIZAÇÃO-CVRD
Aí começou o processo de privatização, mais ou menos em 96, por aí. O ouro já andava, a Vale ganhou um bocado de dinheiro com isso. Eu acho em que uns quatro anos, que foi de 94 a 97, três anos, que foi praticamente dois anos de operação, a Vale deve ter ganho provavelmente uns cem milhões de dólares com esse projeto. Adicional ao que simplesmente ficasse vendendo ouro no mercado. E aí em 96 começou a privatização. A gente começou a estudar toda a privatização. Foi muito contato com os bancos internacionais que vinham fazer apresentação. Eu fazia parte do grupo. Eu trabalhava nisso,
praticamente eu tocava a área de empregados junto com a Vivian,
a Vivian e a Gloria. Tinha um grupinho que fazia isso tudo.
Então foi uma coisa assim muito legal.
PRIVATIZAÇÃO-MODELOS
E a gente com os nossos sonhos. A gente achava que essa empresa podia ser uma corporation. A gente não queria que a Vale fosse comprada e controlada por ninguém. Infelizmente ou felizmente, eu não saberia dizer hoje, o sonho não foi realizado. E a Vale acabou sendo vendida como bloco de controle. Mas foi uma experiência muito interessante porque o que a gente teve de preocupação de vender, que essa empresa talvez fosse a única empresa no Brasil que tivesse as condições de ser vendida dentro dos padrões de uma empresa americana, que era uma empresa como uma corporation, que não tivesse controle identificado. Quer dizer, não é o grupo A, B, C ou D ou investidor A, B, C ou D que é dono da empresa. Mas uma empresa de capital pulverizado. Foi um trabalho, uma atividade intelectual espetacular. Foi uma coisa muito intensa, muito interessante. A possibilidade de conversar com pessoas do mundo inteiro, bancos, advogados. Buscar muito da experiência que o mundo tinha tido em processo de privatização e tentar vender e convencer as pessoas fazedoras de opinião no Brasil e tomadoras de decisão de que
cabia na Vale do Rio Doce um processo desse tipo. Infelizmente o projeto foi frustrado. Eu diria que a Vale foi privatizada num modelo absolutamente inapropriado. Acho que talvez até um pouco reação. Quer dizer, foram os dois modelos muito antagônicos. A empresa sendo uma empresa de mercado é a única corporation que o Brasil possa ter, de capital pulverizado, versus uma empresa com controle que toda a nossa tradição de Brasil, de 90% das empresas brasileiras são familiares. A própria lei da S.A. induz a idéia de controle. Você tem que ter 51%, você só manda se tiver controle. Então era uma coisa muito inovadora no Brasil daquela época. E acho que ainda é inovador para o Brasil hoje. Mas naquela época muito mais ainda. Então foi uma batalha um pouco sem sucesso no sentido de convencer que a Vale fosse privatizada assim.
INVESTVALE
Mas por outro lado, os empregados tiveram sucesso na montagem do clube, do Investvale. Foi um trabalho muito intenso de negociar, de manter o clube todo unido. Manter os empregados todos comprando. O único clube de privatização que sobrevive é o Investvale. E com as mesmas características. Não teve nenhum banqueiro atravessando ganhando dinheiro. Conseguiu-se manter os empregados unidos em torno daquela participação.
PRIVATIZAÇÃO-MODELOS
Então foi todo um trabalho de divulgação. Olha, o que eu li de prospectos de privatização. Privatização no mundo inteiro para saber dos modelos. Como é que foi aqui? Como é que foi ali? Quais são as alternativas? Como é que faz? Olha, foi uma loucura. A Vivian, eu e Glória, a gente trabalhava direto. Era uma montoeira de material sobre privatização. O que a gente leu sobre isso. Estudou sobre privatização para tentar influir no processo.
PRIVATIZAÇÃO-CVRD
Eu acho que foi um processo frustrado. Havia uma percepção errada do BNDES, de algumas pessoas, eu não diria de todo o mundo, de que os empregados queriam controlar a empresa, queria fazer um management buy-out. E acabaram fazendo o edital de privatização super amarrado. Acho que com uma série de restrições, que dizer, justificáveis mas à luz do que eles entendiam que era o desejo da empresa. Mas que eu acho que foram prejudiciais para a empresa no fim. E acho que o processo de privatização foi um pouco frustrante para quem preparou o processo,
no sentido expectativo. Acho que a empresa acabou nas mãos, num primeiro instante, não do grupo mais adequado do ponto de vista de controle. E o dia seguinte à privatização foi um processo muito duro, muito amargo, foi muito mais destruidor. Trouxe muita frustração para as pessoas que achavam que o processo de privatização da Vale era um processo que levava a empresa para um patamar acima, que tirava as amarras por ser uma empresa estatal. Dava a ela condições dela crescer, dela se diversificar sem aquelas amarras que o setor público impunha à empresa.
Mas no fundo ela trocou todo esse controle do aparato estatal pelos grupos de interesse que passaram a controlar a empresa. Havia um temor de que a empresa fosse privatizada e ficasse controlada por um concorrente. Então se criou uma série de amarras no edital de privatização. E por outro lado, ela acabou em mãos de pessoas que não conheciam o negócio e tinham o controle. Então era um modelo absolutamente sem pé nem cabeça. Com uma série de restrições e que eu acho que o dia seguinte foi muito, foi muito duro no sentido de que você não destrói a cultura. Eu acho que você querer destruir a cultura você descaracteriza, você perde mais valores do que você substitui. E foi o que aconteceu no dia seguinte. O processo seguinte à privatização, tomaram conta da companhia. Vocês ouviram o depoimento provavelmente do Manoel Horácio e de outros. E o quê que aconteceu. Você tira as cabeças. Então foi o que aconteceu. Foi um pouco de, eu não diria que caças às bruxas, porque eu acho essa expressão muito forte, mas foi um processo em que não havia.. Uma coisa é quando você faz uma privatização, que foi muito modelo europeu, o que eles chamam de núcleo duro, em que você junta um grupo de pessoas que tem uma certa afinidade. Que sabe qual é o papel deles dentro da empresa no dia seguinte. Se juntam para comprar e gerir uma empresa. O que não foi o caso aqui. O caso aqui foram os consórcios montados um pouco sem uma coisa muito clara e muito definida. E o dia seguinte foi muito complicado. Eu diria que foram dias de terror, para comparar com a Revolução Francesa. Cortaram cabeça de santo, decapitaram santo. E foi um pouco do clima de terror. Foi clima e houve ação efetiva. Eu não sei se alguém já falou isso aqui. Mas houve ação efetiva no sentido que havia uma certa pressão em relação às pessoas, no sentido de intimidação.
Havia uma certa postura de intimidação. Havia um certo questionamento um pouco intenso demais. Havia muito conflito entre interesse do grupo controlador que passou a sentar aqui dentro. Eu diria que eu vivi dois anos, após privatização, de 97 a 99, aqui eu aprendi tudo que não se pratica em governança corporativa dentro dessa Companhia. Tudo que não se usa, não deve se usar em governança corporativa eu aprendi dentro dessa Companhia. Conflitos de interesse mal administrados, falta de postura ética. O quê que eu diria mais? Cada uma das pessoas que hoje, eu não vou, eu não posso generalizar, dizer que todo mundo tinha essa postura. Mas você percebia muitas decisões baseadas nos interesses pessoais. Quer dizer: quanto eu estou ganhando para decidir isso, aquilo. E uma amarração na empresa enorme. Nada se decidia, tudo tem que ir ao Conselho. E aí o Conselho restringia. Porque A, B, C ou D, membro do Conselho tinha interesse nisso ou naquilo. Eu que trabalhava na área financeira, minha vida era um verdadeiro inferno. Verdadeiro inferno eu vivia. E aí eu fui a Diretora Financeira. Eu quase saí da Vale antes da privatização e fui ser diretora não-estatutária. Seria um cargo equivalente, não sei como é, diretora adjunto, superintendente, alguma coisa hoje. E eu fui responsável pela área financeira. A minha vida era um verdadeiro inferno. Absolutamente inferno. Tinha o comitê financeiro, não podia, não tinha delegação para nada. Eu que vivia no mar de rosas, que o que eu imaginava do ponto de vista de
fazer inovação, de coisas novas dentro da empresa, operações estruturada, captar dinheiro, escolhia que queria, evidentemente dentro de critérios de razoabilidade de custo, de uma certa concorrência, passei a ser xerifada. Tem que fazer seguro com A ou B. Tem que depositar tanto no banco A, tanto no banco B. Minha vida era um inferno. E foram dois anos de vida absolutamente infernal. Absolutamente infernal, de 97 a 99 era um desespero. Era um desespero. No início tinha a cada 15 dias uma reunião de Conselho. No dia de reunião de Conselho, a empresa vivia uma paranóia completa. Ninguém sabia, a gente nunca sabia o que ia acontecer depois de uma reunião de Conselho.
Quem ia levar a maior pancada, entendeu? Era um negócio
estressante. Estressante a maneira como você informava. O que você dava de informação. A falta de conhecimento deles do negócio. A falta de conhecimento deles de como funcionavam as coisas. E era uma loucura completa e total, uma loucura. Eu fiquei um ano e meio depois da privatização. Eu tinha decidido, eu tinha mais ou menos um acerto com Gabriel, que era o diretor a quem eu me reportava, de que eu ficaria dois anos. Quando chegou em agosto de 99 eu estava a ponto de explodir aqui dentro. Não agüentava mais. Era uma pressão. Tem uma coisa assim: é inteligente ter muita pressão porque você precisa trabalhar mais, porque você precisa gerar mais negócio, para ser mais efetivo. Não, eram conflitos de interesse em nível de Conselho. Conflitos de interesse em nível de controlador. Era a incapacidade de tomar decisão. Era uma confusão. E uma empresa que a gente que tinha todo um passado aqui morria de pena. Porque é uma grande empresa. Está sendo mal gerenciada, mal gerida. Quer dizer você destrói valor na hora suas decisões não são decisões para a empresa, mas cada um olhando para o seu umbigo. Era um verdadeiro desespero, completo. Aí em 99 eu resolvi sair. Apareceu um anjo da guarda, que me veio fazer uma proposta. Então eu saí, fui
para o UBS em 99. O que eu vou dizer da Vale? Acho que a Vale é uma empresa que é uma cachaça. Eu acho que todo mundo que passou por ela, trabalhou, se apaixona por essa empresa. Acho que as possibilidades são imensas, enormes. Ela dá uma capacidade de exposição. Eu acho que ela tem uma capacidade de se renovar. Tem uma capacidade de gerar resultados fantásticos. Passei anos aqui sempre tendo um desafio a mais. E na época da privatização eu comecei a sentir: eu estou perdendo as minhas habilidades. Eu me sinto intimidada. Eu tenho medo de falar. Eu tenho medo de me posicionar. Então eu digo: eu estou perdendo as minhas habilidades negociais. Eu não consigo mais pegar uma operação que eu ache fantástica, estruturar, negociar e ir para o Conselho e
dizer eu acho que tem que fazer isso por isso, isso e isso. Porque eu sempre acho, eu sempre percebi que na hora que ia ser feito isso alguém ia dizer assim: não, mas vai fazer comigo porque .. Sabe, dessas coisas um pouco maliciosas. Então a minha vida era um inferno. E o principal foco era a área financeira, naturalmente. Então foi muito difícil.
SAÍDA DA CVRD
E eu resolvi sair em 99. Eu não me arrependo. Eu
acho que eu cumpri meu papel. Meu tempo aqui dentro acho que foi maravilhoso. Eu adorei trabalhar aqui. Tenho o maior carinho pela empresa até hoje. Passei muito tempo sem conseguir me separar da Vale. Mesmo depois que eu saí. No sentido de que a Vale era eu, né? No sentido das minhas referências. Quer dizer, o que eu fiz era o que eu tinha feito na Vale. Hoje não, hoje eu consigo separar isso. Hoje eu não sou essa, o eu e nós aqui está muito claro. Foi uma experiência na minha vida ótima. Guardo
a maior recordação. Venho aqui, as pessoas me tratam com o maior carinho. Então é uma coisa assim superlegal. Mas tinha acabado o tempo aqui. Eu achava que ficar mais já era, eu não era mais útil à organização. Eu acho que a organização precisava de pessoas com características diferentes da minha. E eu estava perdendo as minhas habilidades. Que era a capacidade de inovação, de ver futuro, de criar, de trazer. Eu estava me sentindo uma burocrata. Um trabalho imbecil e tendo que administrar conflito de interesse entre os sócios.
BANCO UBS
Dificuldades iniciaisEntão eu fui para o UBS em 99. Fui para o banco para fazer a reestruturação. O banco tinha comprado um banco familiar do Brasil. Era o Banco Omega. Eu fui trabalhar lá para reestruturar. E eu não tinha noção do
que era um banco. Não tinha idéia do que era sentar do outro lado. Eu fui para lá para ser o Chief Operating Officer do banco. O COO do banco. Bom,
eu comecei
trabalhar em um lugar. ..Eu trabalhava numa vista linda, maravilhosa. Uma sala fantástica. E fui trabalhar em um cubículo. Quase não tinha janela, que era uma janela dos fundos em um lugar horroroso. Praça Pio X. Um escritório decadente. Uma coisa horrorosa, horrorosa. E o cara que me levou para lá que era o Eleazar de Carvalho Filho. Filho do maestro. Presidente do BNDES. Eleazar no dia que eu comecei chamou a gerente de RH, me apresentou. olha a Inês vai ser a COO do banco. Você apresenta as outras pessoas, os outros chefes de área aqui, que vão se reportar a ela. Aí começou. Agora diz para eles irem devagar.
Então: Ai, meu Deus! Onde é que eu fui me meter?
Já tenho outra para descascar. Mas foi exatamente assim. Entrei, começa no meu primeiro dia um desfile na minha sala: controller, o RH , o tecnologia. Não tinha departamento jurídico. Eu num banco. Após o processo de privatização em que o ex-dono foi afastado porque havia algumas operações mal contadas. Aí eu fiquei assustada com o nível que eu vi. Saí da Vale que era uma empresa que com todas as dificuldades tem um padrão técnico, profissional, superelevado. O tesoureiro e o contador eram os braços direitos do ex-dono. E que os gringos não quiseram tirar. E eu estou há 15 dias, entra uma auditoria do Banco Central. Eu não sabia, eu não tinha noção do que era auditoria do Banco Central em banco. Então era a auditoria do Banco Central em uma sala e a gente produzindo os documentos na outra. Eu não tinha noção do que era isso. Pedia: cadê o contrato, não sei o quê lá. Não tinha. Eu digo: faz o contrato.
Tem que responder ao Banco Central, produz o documento. Vai fazer o quê?
Não tinha jurídico. Um bando de pendência judicial. Olha, foi uma loucura. Eu passei seis meses para contratar um advogado. Aí eu começo a descobrir que em empresa multinacional você não manda coisa nenhuma. Você tem toda a relação funcional, então todo mundo que é subordinado a você em linha, é subordinado funcional à área, a uma determinada área lá fora. Então, o advogado se reportava a mim no Brasil, mas ele tinha um reporte funcional. Então o reporte funcional prevalece sobre o reporte de linha regional. Então jogavam bola nas minhas costas todo dia. Eu dizia A, o cara pegava o telefone ligava para o banco nos Estados Unidos, dizia: olha, ela mandou eu fazer isso, eu não vou fazer. Aí é outra fase da vida da gente. Porque você tem que aprender a lidar com isso. Foram seis meses superintensos. Eu rezava para não ter esqueleto saindo do armário todo dia. Imagina, um banco familiar, comprado. Com liability imenso, tendo que gerenciar essa coisa toda. Eu fiquei seis meses mais ou menos, nessa função como COO do banco, fazendo toda a reestruturação do negócio. Sem entender nada de banco. Tive que aprender de tudo. O que era depósito compulsório, aquelas coisas. Aí um belo dia aparece um documento, assinado por essas duas pessoas que eram o braço direito do antigo dono. E a gente desconfiando que tinha havido alguma falcatrua nisso. Eu me lembro, eu e o Eleazar trancados na sala vendo balanço de seis, oito anos. Procurando documento para identificar se tinha tido falcatrua. Olha, que desespero. E aí a gente consegue, o cara tinha assinado documento que não tinha delegação. E a gente consegue descobrir isso. E aí para mandar os caras embora? Não. E aí foi outro parto da montanha. Porque é diferente. Aqui você não serve, rua. Brasileiro não discute duas vezes. Não performou, não está dentro dos padrões, você manda embora. Em banco estrangeiro não é assim. Você tem que provar que o cara não funciona. Aí foi um verdadeiro desespero para conseguir mandar os caras embora, né? Depois de muita confrontação e provação a gente consegue negociar isso. E nesse meio tempo o Eleazar sai para ser presidente do BNDES. E eu fiquei no lugar dele. Aí eu passei a ser presidente do banco e fazer área de investment bank. Durante mais ou manos seis meses, um ano fiquei nessa posição. E tendo que acumular a antiga função. Porque eu não tinha uma pessoa para me substituir. Tinha que substituir controller, tinha que substituir o financeiro, tesoureiro e uma pessoa para o meu lugar. Eu passei mais ou menos seis meses tentando montar equipe. Depois de seis meses a equipe estava montada. Eu acabei trazendo gente que tinha trabalhado comigo na Vale. A advogada trabalhou comigo na Vale, advogada do banco. Na ocasião foi chefe da parte de operações do banco, tesouraria, foi uma ex-funcionária da Vale, tinha trabalhado comigo. Mas esse é um processo que você entrevista dez, é outro nível de dificuldade. Em uma empresa global o nível de delegação é 100% e é zero ao mesmo tempo. É 100% porque você está aqui na base, ninguém, o dia-a-dia você toca. Por outro lado, você tem que passar por um processo de conseguir Ter relação de confiança com as pessoas. Foi um ano assim supercomplicado. Foi um ano difícil. Mas eu acho que eu tenho uma capacidade de fazer 30 coisas ao mesmo tempo. Eu conseguia dar conta de tudo. Gerar negócio para o banco, contratar gente, eu consegui fazer. Fiquei mais ou menos um ano fazendo isso. Montei a equipe toda. As pessoas estão até hoje no banco. Hoje a equipe é superlegal, é superentrosada. Gente de primeira linha, primeira qualidade. Já estão há três, desde 2000, então tem três anos já no banco. E aí eu passei um ano trabalhando no investment bank. Diversidade culturalQuando chegou em 2001, final de 2000, início de 2001 eu comecei olhar: pô, 2002 tem eleições no Brasil, esse negócio vai ser complicado. Esse negócio de banco de investimento não vai dar muito dinheiro. Banco é assim, tem negócio, tem gente. Não tem negócio, todo mundo na rua no dia seguinte. Sabe, vai ser um ano difícil. Aí resolvi mudar. Que eles estavam montando no Brasil a área que eu já tinha experimentado, eu já tinha trabalhado na área de operações no banco. Já tinha no investment bank, já tinha gerado bastante negócio na área de bancos. Aí eu digo: olha, eu acho que eu vou topar montar um negócio novo no Brasil, que é a área de gestão de patrimonial de pessoa física Aí me candidatei em 2001 para essa área. Estou lá até hoje, estou há dois anos. E basicamente o banco resolveu montar uma plataforma de pessoa física no Brasil. Então eu estou há dois anos fazendo isso lá. 2001 foi um ano relativamente difícil porque era um ano de mudança. Eu trabalhava com uma equipe que só tinha suíços, todos expatriados, achando que eram os donos do mundo. Quer dizer, eu fico me perguntando: será que eu que gosto de arranjar pedreira para quebrar? Porque sair de um lugar que era mais ou menos fácil, só trabalha com brasileiro, tinha reporte lá fora, mas só tinha brasileiro. Para ir para uma área que tinha 10, 12 suíços trabalhando comigo. E uma brasileira, fora o pessoal de infraestrutura. Então às vezes eu acho que é um pouco da minha cabeça. De gostar um pouco de mudar. Aí para montar essa área foi uma experiência, digamos assim, cultural, de você lidar com culturas diferentes. A experiência que eu
tive com o Japão é uma relação diferente do que eu tenho hoje, trabalhar em um banco que é um banco suíço. E diferente, mas é uma mesma experiência de, digamos assim, de diversidade cultural muito grande. E você precisa entender o comportamento para você se ajustar e saber como agir. Como é que você atua no ambiente
que é um banco extremamente machista. É, de volta a mesma questão. Eles promovem a mulher porque eles precisam promover o tal do diversity para ficar na moda. Aí fazem promoção de diversity, discutem sexo, sexual harassment todo mundo tem. Coisa que não existe no Brasil, né? Você tem que fazer treinamento de sexo harassment, se você trabalha em um banco global. Mas com muito preconceito também com relação à figura feminina. E eu era a head de Brasil, baseado no Brasil para implementar toda a plataforma de pessoa física, de private bank. Que eles chamam wealth management hoje para pessoa, dentro dos moldes que o banco faz globalmente. E aí os desafios são imensos. Porque primeiro, 150 anos de tradição suíça. Como é que você diz para o suíço que aquilo que valeu durante 150 anos, não vale mais. Eles acham que o Brasil leva 50 anos para mudar. E eu disse: o Brasil vai mudar em dois anos. Então foi uma diferença cultural imensa, que eu encontrei coisas assim do arco da velha nos meus primeiros meses. E foi mais ou menos a mesma experiência que eu tive aqui quando eu assumi a área internacional. Que eu tinha que abrir gaveta para tirar fatura vencida, eu tive que fazer lá, com coisas de vivência diferente. Mas foi uma experiência muito rica. Acho que a gente aprende muito com as pessoas. Aprende muito com a diversidade cultural. E acho que só uma coisa de você mostrar é o exemplo. As coisas mudam, mudam porque elas têm que mudar. Você não faz a mudança porque você quer fazer a mudança. A mudança antecede a sua ação. A mudança está aí, está pressionando a gente todo dia. Se a gente não estiver capaz de antecipar os movimentos do mundo,
a empresa está morta e a gente está morto como profissional. Mudanças globaisEntão foi mais o menos isso que eu consegui ver.
Eu digo: investment bank já era. A próxima onda vai ser ganhar dinheiro em asset manager.
E eu não errei. Eu percebi isso dois, quase três anos atrás. Quando eu decidi mudar. Pô, o negócio vai ser lá, vai ser. Você teve uma onda de acumulação de riqueza no mundo. E essa riqueza vai ter que ser gerida.
Aí você olha para a sociedade brasileira. É uma sociedade primeiramente onde as empresas são empresas familiares. E essas empresas têm um processo sucessório. São empresas de 50 anos, entrando na segunda, terceira geração. Então você tem que fazer um processo sucessório. E foi isso o modelo de negócio, mais ou menos, que a gente concebeu, de montar um negócio no Brasil com essas características. De trabalho de consultoria para grupos familiares. Não tradicional, como é que se diz, private bank, de dinheiro na mala, que isso já
era, não existe mais no mundo ou existe em dimensões muito pequenas. E é verdade que de 2001 para cá o mundo mudou extremamente depois de 11 de setembro. As questões regulatórias todas, houve uma mudança muito grande. Então foi um negócio assim muito legal. Que eu tive que aprender um monte de coisa. Voltar a estudar investimento, olhar um pouco. E a minha experiência empresarial ajuda muito. O fato de eu ter trabalhado em empresa, me ajuda muito. Eu consigo,
talvez pelo meu back ground, sentar com o empresário, que é o público-alvo que a gente trabalha hoje, discutir o negócio dele. Como é que ele gerencia. Não é o dinheiro dele, do bolso dele do dinheiro familiar. É muito mais como é que ele se posiciona perante o patrimônio que ele tem, do ponto de vista do patrimônio operacional. As empresas que ele tem, quem vai tocar no dia seguinte. Como é que é o processo sucessório. Então toda essa questão do conflito de governança corporativa, você vê na governança familiar. Como é que você preserva o seu negócio conseguindo dar liquidez para todos os membros da família no processo sucessório. É um mundo de negócios muito abrangente. Também tem coisas assim interessantíssimas do ponto de vista pessoal. É uma experiência muito rica, muito difícil também. Foi outra pedreira que eu tive que quebrar. Porque os suíços são extremamente conservadores. Do ponto de vista daqui, muito orgulhosos, muito prol daquilo. que eles fizeram. E a gente naturalmente entende. Isso é preservar a maneira, a tradição suíça de fazer as coisas. Que hoje não necessariamente é mais verdadeiro. O banco está passando por um processo de mudança. O banco também é conseqüência de um processo de fusões contínuas. Durante os últimos, sei lá 30 anos o banco foi comprando vários. E acabou que fundiram os dois maiores bancos suíços e criaram o UBS. E o banco também passa por esse processo de mudança do foco de negócio. A gente que vem de empresa tem essa visão mais global. Eles são segmentados por negócio. Então, você perde
escala, perde eficiência. Conseguir conjugar tudo,
conseguir que o cara que faz investment bank, fale com que o cara que faça private bank, o cara que faz asset manager. Então tem um outro tipo de desafio. Agora eu diria que as maiores dificuldades são do lado cultural. O lado de você entender que o suíço pensa diferente de brasileiro. Europeu pensa diferente de brasileiro. E pensam diferente de americano. Essa foi a questão mais difícil, que teve que ser mais trabalhada. Eu estou lá dois anos nisso. Eu acho que o modelo fez sentido. A gente teve supersucesso no ano passado. Esse ano foi um ano, está sendo um ano superlegal. O business está implementado, já está
em fase de estar gerando negócios, inclusive locais, não só internacional. E foi uma experiência super legal. Eu já estou pensando na próxima. Novos desafiosEu estou toda aposentada, eu me aposentei na Valia, pela Vale no início do ano. E agora eu estou pensando que eu quero mais qualidade de vida. Acho que eu trabalho demais,
porque lá eu faço tudo. Eu não faço só tocar o banco. Mas eu faço muita geração de negócios. Eu acho que o ciclo já está terminando. Eu já percebo que o ciclo está terminando. Eu não quero parar de trabalhar, mas eu quero ter mais qualidade e vida. Eu já estou querendo pensar o que eu gostaria de fazer. Qual seria o meu próximo passo na vida profissional. Uma coisa que faz muito sentido, já que eu acho que eu acumulei tanta experiência em gestão de empresa, em reestruturação, agora com negócios familiares, com isso tudo, é
eu ser conselheira de empresas. Fazer uma coisa que é mais estratégica. Eu acho que sou uma pessoa muito mais estratégica que operacional. Eu não gosto, eu sei fazer, porque eu acho que você tem que saber fazer para mandar. Para você ser o coach das pessoas você precisa saber fazer. Eu acho que eu estou na fase que eu gostaria de fazer isso. Meu próximo passo talvez seja ser conselheira profissional de empresa, que eu acho que é uma coisa que te dá uma visão estratégica. Te dá um bom networking. Eu acho que você consegue estar vendo tudo de novo. É sempre bom pensar o futuro, estar sempre numa posição estratégica. Eu acho que é um valor agregado que eu poderia ter. É lógico que isso tudo é um pouco
conseqüência da minha história pessoal , profissional. As oportunidades que a Vale me proporcionou, eu acho que me permitem hoje achar que é esse o próximo caminho. E usufruir a vida. Tem que aprender a jogar golfe. Acordar dez horas da manhã. Não ter chefe para reportar nada. Isso começa incomodar a gente. Essas estruturas, esse negócio. O que é difícil é o processo, a diferença cultural. Eu gosto de comparar um pouco isso. Aqui na Vale era muito mais você fazer com que as pessoas entendessem um projeto seu. Você fez, ela comprou, passou, aprovou, você faz implementa, acabou. Você não tem que passar pelo processo de convencimento do que vai e volta, vai e volta. Lá não, lá é diferente. Lá você diz assim: olha, no Brasil faz assim. Aí faz o conference call, bota dez pessoas na linha. Ninguém entende chongas de Brasil. Aí começa a discutir. Então o tempo que você leva para convencer que o que você está fazendo no Brasil, que no Brasil funciona assim, porque assim que é o correto no Brasil, é uma loucura. É um processo complicado. Então
não é uma questão da relação de confiança, porque não tem isso. Não tem essa questão, se você está lá, você é parte da equipe, ponto, fim, acabou. Não tem essa discussão. Mas tem um problema da diferença, do entendimento dos procedimentos locais, da cultura local e como é que a coisa funciona. Isso é um gasto de energia que é uma coisa absurda. Teve semanas que eu dei sete conferências, que eu digo: ou eu faço conference call ou eu faço negócio para o banco. Isso não existe. Então eu acho que meu próximo passo é esse.
LAZER
Eu gosto de tomar vinho. Adoro beber vinho. Adoro cozinhar. Faço exercício,
caminho diariamente. Adoro receber. Tenho a casa sempre cheia. Adoro ler. Adoro teatro, cinema. Sou uma cinéfila, se puder eu vejo quatro, cinco filmes numa semana. Eu curto muito a vida, embora a minha carga de trabalho seja muito pesada. Eu trabalho às vezes 12 horas, não paro nem para almoçar. E não trabalho em casa, já há muito tempo. Tenho computador em casa, mas é coisa excepcionalíssima se eu precisar fazer alguma coisa. Mas eu curto a vida. Adoro viajar. Agora mesmo vou a trabalho passar dois dias na Suíça. De
lá tiro 15 dias de férias. E desligo mesmo. Acho que eu sei aproveitar a vida nesse sentido. Mas eu tenho obrigação, tenho a carga horária tenho conference call, que é uma chatice. Tenho que fazer relatório para o exterior. Então tem essa coisa institucional, que eu acho que não é legal.
SONHO
Eu acho que tudo aquilo que eu penso, eu acho que eu realizo. O que eu quero? Eu estou construindo a minha casa. Quero que minha casa esteja pronta. Quero curtir a minha casa. Quero poder estar com meus amigos. Eu não tenho sonhos impossíveis, de desejos materiais, não. Só acho que eu quero ser uma pessoa feliz, resolvida. De bem com a vida. Alegre. Ter saúde. E aproveitar a vida. Convites para deixar a ValePor que eu não saí a Vale antes? Porque eu acho que eu tinha tanto desafio aqui. Foi aquilo que falei: o céu era o limite Então tudo que eu imaginava, eu conseguia fazer aqui. Pô eu quero fazer não sei lá o quê. Depois montava, estudava, apresentava. De uma maneira ou de outra era um pouco assim. Talvez eu conseguisse ver um pouco mais adiante que a maioria das pessoas aqui. Então eu não sei se havia uma certa intimidação do outro lado não questionar muito. As coisas conseguiam sair. Porque houve uma época que era muito, muito proveitosa. Quando o Vítor foi diretor financeiro era muito legal. Porque a gente falava a mesma linguagem. Então: pô Vítor, vamos fazer. Pumba! Saía. Quando não era ele, tinha um processo de convencimento. Mas eu não sei se um pouco pela falta de conhecimento das pessoas. Mesmo porque eram coisas muito novas. Estavam acabando de sair e eu era a pessoa que falava com todos os bancos na Vale. Não tinha mais ninguém. Ninguém recebia banco aqui. Então eu tinha um grau de liberdade para fazer as coisas. Eu digo: pô, eu vou sair? Eu detestava trabalhar em banco. Eu achava que a pior coisa do mundo era fazer marketing de banco. Eu odiava fazer isso. Por isso eu nunca quis ir para banco. Aí eu pensava assim: vou trocar seis por meia dúzia. E o dinheiro nunca foi o drive da minha vida. Se não eu tinha saído, né? Eu me lembro quando eu fiz as primeiras operações de derivativos em 87, o Citybank quis me levar para ser
trader de moedas. Eu digo: eu? Eu não quero ficar numa mesa sendo trade. Eu não quero isso de jeito nenhum. Eu acho esse negócio muito chato. Eu até faço isso, mas eu
quero um desafio intelectual no trabalho. E aqui eu tinha o desafio intelectual. Essa é razão principal porque eu não saí. Mas depois da privatização a situação era diferente. O que eu ia fazer? Um trabalho de reestruturação. Eu ia fazer uma coisa que eu saía do específico. Eu era diretora financeira, mas eu ia ter uma posição. Que eu ia ver a organização de cima, embora menor. Mas eu ia ter recursos humanos. Eu ia ter contabilidade. Teria parte jurídica, toda parte operacional subordinada a mim. Então do ponto de vista de carreira, ela era uma ampliação da minha carreira, do ponto de vista de diversidade de assuntos, né? E era um processo de reestruturação pós, pós uma operação de fusão e aquisição. Então para mim isso era uma atividade inteiramente nova. Tudo que eu fiz lá foi inteiramente novo. Inteiramente novo para mim. Então é isso que gosto de fazer. Eu quero sempre novidade na minha vida. Quando eu não tenho novidade eu fico entediada. E foi a razão que eu nunca saí da Vale. Foi muito importante na minha vida e na minha formação profissional.
DEPOIMENTO
Eu achei superlegal. E a gente vai revendo. Falta uma porção de coisas que a gente esquece de falar. Mas eu acho que uma coisa junta na outra, as lembranças talvez mais marcantes. Eu acho muito mais do sentimento da gente do que propriamente dos fatos, como é que a gente percebeu. Eu acho que foi muito mais o que eu percebi nos diversos momentos de minha vida do que propriamente os fatos.Recolher