Projeto: Vale Memória
Depoimento de Manoel Horácio Francisco da Silva
Entrevistado por Arnaldo Marques e Marina Gomes
Local: Rio de Janeiro - RJ
Data: 25 de julho de 2003
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: CVRD_HV143
Transcrito por Afonso d’ Ecclesiis
Revisado por Grazielle Pe...Continuar leitura
Projeto: Vale Memória
Depoimento de Manoel Horácio Francisco da Silva
Entrevistado por Arnaldo Marques e Marina Gomes
Local: Rio de Janeiro - RJ
Data: 25 de julho de 2003
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: CVRD_HV143
Transcrito por Afonso d’ Ecclesiis
Revisado por Grazielle Pellicel
P/1 - Arnaldo Marques
P/2 - Marina Gomes
R - Manoel Horácio Francisco da Silva
P/1 – Seu Manoel, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Gostaria de perguntar para o senhor seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Manoel Horácio Francisco da Silva, nascido no 16 de julho de 1945. Numa cidade de Portugal chamada Aveiro.
P/1 - Qual o nome do seu pai?
R – Joaquim Francisco Couto.
P/1 – Da sua mãe?
R – Maria Célia da Silva.
P/1 – Dos seus avós maternos?
R – Lembro-me só do lado da minha mãe, e me tenho uma vaga lembrança da mãe do meu pai.
P/1 – Eles eram de Portugal?
R - Todos de Portugal, da mesma região.
P/1 – Eles vieram para o Brasil ou não?
R – Não, só pelo que eu tenho conhecimento, meu avô veio no início do século retrasado trabalhar na construção de estrada de ferrovias. Trabalhou alguns anos e voltou. Mas nunca trouxe a família. Meu pai é que imigrou em 1947, trazendo toda a família.
P/1 – Qual era a atividade do seu pai?
R – Meu pai foi a vida toda jardineiro. Como ele era agricultor em Portugal, ele não tinha nenhuma especialidade, ele veio pro Brasil e continuou jardineiro. E também tinha uma certa especificidade sobre ele: não conseguia trabalhar dentro de quatro paredes. Ele era um homem bastante livre.
P/1 – Lá em Portugal, ele trabalhava no campo?
R – No campo, ele era agricultor.
P/1 – Tinha terras?
R – Tinha terras. Aqueles minifúndios como são em Portugal, aquelas pequenas aldeias, quase uma agricultura de subsistência, onde você vende os excedentes...
P/1 – Você sabe o que eles cultivavam?
R – Basicamente, acho que eles cultivavam tudo para a subsistência de deles, como, batatas, feijão, mas o principal deles era vinho, era uva.
Eles faziam vinho e vendiam o excedente, e essa característica é guardada pela família que está lá até hoje, os parentes até hoje. Eles são mais vinhateiros.
P/1 – O Senhor tinha contato com os seus avós estando no Brasil?
R – Não. Acho que eu vim com 2 anos de idade, então eu perdi esse contato, mas aos 6 anos de idade eu voltei e fiquei 6 meses em Portugal, aí, exatamente, eu tive contato com a mãe do meu pai, com o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe. Nós convivemos durante 6 meses, mais ou menos, aos 6 anos de idade. Depois, eu voltei ao Brasil com minha mãe e com meu irmão, e nós perdemos completamente o contato. Mais tarde, quando eu tinha quase 20 anos de idade, a minha avó - o meu avô já tinha morrido -, o avô materno e a minha avó vieram morar conosco aqui no Brasil, voltando a Portugal só depois de 6 meses, antes de morrer. Parece que ela voltou pra Portugal e morreu em Portugal aos 94 anos de idade.
P/1 – Como foi para uma criança, que apesar de, nascida lá, criada no Brasil, passar uma temporada em Portugal?
R – Foi interessante, porque minha mãe foi para Portugal comigo - eu sou o irmão do meio e o mais novo -, ficando meu pai meu irmão mais velho em São Paulo, que ela tinha uma doença e como São Paulo naquela época era muito úmida, hoje já é bastante diferente, São Paulo, os médicos falaram que ela se curaria se ela fosse para o clima seco. O Clima seco na memória deles seria a terra natal deles. Então nós fomos pra lá e pra mim foi uma coisa muito interessante, porque eu reencontrei um mundo que eu não conhecia, cheio de primos, nós, vivendo no Brasil era só nós mesmo. Era eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos. Nós não tínhamos família aqui dentro, aqui no Brasil, né, e lá todo mundo era família, cheio de primos e, principalmente, trabalhei e morei um tempo na zona rural, bastante atrasada em termos de mundo - Portugal era bastante atrasado naquela época. Só a partir de 1980, quando Portugal entrou na comunidade europeia, que Portugal deu um pulo de qualidade. Então foi muito interessante, pra uma criança foi muito divertido porque aonde ia meu avô naquela época, eu subia na carroça de bois. Então era tudo muito divertido. Então, pra mim e pro meu irmão era muito divertido, fora que nós tínhamos parentes em tudo quanto era lugar. Todo lugar que eu andava e, naquela época, você andava, não tinha nem luz elétrica realmente, na cidade onde moravam meus pais antes. Então foi muito interessante.
P/1 – O seu pai veio pro Brasil por quê?
R – Acho que simplesmente por falta de alternativa. No pós-guerra - ele veio um ano antes,
em 46 -, falta de alternativa porque ele era muito pobre, e buscando uma nova vida. Ele que era uma pessoa tão pacata, nunca que eu poderia imaginar, depois de conhecê-lo, que ele teve a coragem de fazer uma coisa dessas, vir sozinho com o peito e com a coragem e se estabelecendo num novo lugar.
P/1 – O senhor sabe a trajetória dele? O primeiro lugar que ele ficou?
R – Não, ele foi direto para São Paulo.
P/1 – Na cidade de São Paulo?
R - Na cidade de São Paulo. Ele começou a trabalhar lá, inclusive, numa fábrica que é hoje a Klabin, na fábrica dos Klabins, lá, atrás de papel e celulose, mas foi só isso. Como eu disse anteriormente, ele não conseguia ficar dentro de quatro paredes, aí ele voltou a atividade que ele sabia. Foi ser jardineiro porque ele foi sempre agricultor, certo?
P/1 – E ele era jardineiro de jardins mesmo? Residencial...?
R – Não. Ele, nós chamamos ele de botânico. Não é aquela pessoa que arranca mato ou... Onde ele botava a mão, floria, e ele tem... Claro, depois de algum tempo, nós morando em um lugar que tinha uma área bastante grande, aí ele fez uma chácara de flores. Aí ele plantava flores, e aí ele também vivia um pouco. Minha mãe cuidava um pouco dessa chácara quando ela não trabalhava, colhiam e vendiam flores. Só que naquela época também vender flores era um negócio, um mau negócio, porque todo mundo tinha jardins com flores plantadas, então era muito difícil ganhar dinheiro vendendo flores. Eu me lembro aos 6 anos, eu e meu irmão saindo com uma cesta cheia de buquês de flores para vender de casa em casa.
P/1 – Que flores eram?
R – Tudo quanto é tipo. Naquela época tinham Dálias, era muito... Boca de Leão, buquezinhos pequenininhos, aquela flor de ervilha que é muito bonita, Amor Perfeito. Me lembro até hoje, nós vendíamos por 50 centavos um macinho de amor perfeito. É muito bonito.
P/1 – Onde era essa chácara?
R - Na Vila Mariana, na Rua Cubatão, que hoje é meio, quase centro de São Paulo. E é interessante porque era um terreno sem dono, onde meu pai pegou a posse. Uma coisa que eu nunca me esqueço é que nós estávamos mudando, saindo dali, quando eu tinha 9 anos. Eu falava pra ele não sair porque a terra era dele, ele tinha a posse e não tinha dono definido. Eu me lembro, isso é quase uma lição até hoje. Ele falou: “Isso não é meu, então eu não vou ficar com o que não é meu”. Gozado isso, né, interessante essa ideia de valor. “Não fui eu quem comprei, não veio por herança, então não é meu”. E deixou...
P/1 – Apesar dele ter feito a benfeitoria.
R – É isso aí...
P/1 – Aí vocês foram pra onde?
R – Aí, naquela época, nós fomos morar próximo ao Brooklin, chama-se [bairro] Campo Belo. Eles tinham ganhado algum dinheirinho e minha mãe, que foi arquiteta da família, no crescimento familiar foi minha mãe, a mulher, a parte forte aí realmente era [a] mulher, e eles tinha economizado algum dinheirinho e compraram um armazém pequeno que a minha mãe tomava conta.
P/1 – Onde era no Campo Belo?
R – Na Rua Pirassununga tinha uma casa de força, uma estação de força, bem na esquina e ali tinha aqueles bondes, parecia um trem, né, que era só a linha de bonde, não era estrada. Realmente, era muito peculiar aquele lugar. Meu pai continuou sendo jardineiro, minha mãe tomava conta, ficou um pouquinho de tempo ali, mas depois viu que realmente aquilo lá era só pra ela tomar conta. Ela vendeu e voltamos a vida normal. Fomos pra outro lugar, meu pai continuou a vida de jardineiro e minha mãe começou a fazer uma porção de atividades diferentes, como, comprar frango, matar frango, vender frango. Minha mãe, eu me lembro, foi uma das primeiras mulheres que eu vi dirigir em São Paulo. Quando ela comprou aquele armazém pequeno tinha uma caminhonetezinha Ford 1939, acho. Muito gozado. E ela foi tirar carteira de motorista pra levar frango. Foi uma das primeiras mulheres que eu vi dirigir no Brasil.
P/1 – E como era sua mãe? Você falou que a sua mãe era forte...
R – Minha mãe é muito forte. Minha mãe tem uma personalidade muito interessante, ela é extremamente, ela tem uma determinação brutal. Depois que ela...
Ela criou uma certa cultura familiar. Como nós tínhamos problemas de dinheiro e ela queria formar todos os três filhos, ela criava, chamava caixa única da família. Até os 21 anos de idade todo mundo trabalhava, todos começaram a trabalhar cedo. Pegava o salário todo, entregava na mão dela e ela distribuía o exatamente o dinheiro que a gente precisava para a condução. E, dessa forma, ela fez com que os três se formassem na universidade. Depois de 21 anos, ela falava: “Não, agora vocês têm 21 anos, vocês começam a fazer todas as economias pra vida de vocês. Pra vida futura de vocês.” Então foi muito difícil a vida, realmente, até... Todos nós trabalhávamos durante o dia e estudávamos durante à noite. A partir dos 11 anos de idade, eu estudava durante à noite e trabalhava durante o dia, mas depois dos 21 anos, então, cada um começou a gerenciar seu próprio dinheiro. Todo mundo tinha suas namoradas, já pretendiam casar e tal, já começava a se ter... Mas aquela cultura foi muito interessante, aquela cultura do caixa único, de como você fazer o pouco render muito mais. Foi muito importante, inclusive, pra minha vida profissional, que eu fiz a minha vida quase toda, eu fiz reestruturação de empresa. Foi muito importante. Então vem já de berço... Mas a sua pergunta inicial, não sei se... Talvez eu tenha me perdido um pouquinho na resposta.
P/1 – Como era sua mãe em casa? O senhor respondeu...
R – É, só queria dizer depois disso que, depois que os filhos estavam formados, aí ela começou, ela foi ser corretora de imóveis. Aí ela começou a ganhar dinheiro. Interessante que ela falava assim: “Quando eu precisava de dinheiro, eu não tinha dinheiro. Agora que vocês estão formados, não preciso de dinheiro. Agora eu ganho dinheiro”.
P/1 – O seu pai apoiava esse empreendedorismo da sua mãe?
R – Sempre. Minha mãe é uma mulher meia sábia, né, porque... Meu pai nunca foi à escola. Minha mãe ensinou meu pai a ler e a escrever, então como ele era meio machão... Ela é muito sábia e muito hábil. No final das contas, parecia que era ele que fazia tudo.
P/1 – A figura do seu pai, como era?
A figura do meu pai... Eu, nós falamos assim: meu pai era uma criança crescida, certo? Aparentemente, ele era muito dócil, ele era muito amado, todo mundo gostava dele, ele era uma pessoa muito agradável, ele não era burro como se tinha na época que português era meio burro, tinham muita piada. Ele, assim, nunca tinha ido a nenhuma escola, então não tinha... Ele não era uma pessoa que lia, então ele era limitado, mas uma pessoa muito amada. Interessante, inclusive, quando ele morreu, ele morreu ao chegar em Portugal e eu fui, eu fui... Peguei um avião porque ele tinha tido um derrame, eu fui, peguei um avião pra tentar ajudar minha mãe porque ela tinha chegado em Lisboa - ela tava sozinha -, quando eu cheguei em Lisboa, ele já tinha morrido e quando eu levei o corpo exatamente para o lugarejo onde ele nasceu, onde nós fomos criados, onde nós nascemos, eu fiquei assustado com a fila de pessoas que queria dar o último adeus a ele. Ele tinha muitos amigos mesmo. Depois de tantos anos fora de Portugal, ele tinha muitos amigos. Era uma pessoa muita “gostável”, você entendeu? Mas ele era uma pessoa que a gente achava que dinheiro pra ele nunca foi preocupação nenhuma, pra ele nunca foi preocupação ganhar dinheiro. Como um bom português: tinha que ter muita comida na mesa. Conta bancária pra ele, ao contrário da maioria dos portugueses, não era problema, e nós achávamos... Pelo menos, eu achava que ele era uma pessoa muito tranquila. Ele morreu de derrame, então era uma pessoa muito tensa, [e] ele nunca se mostrou assim. Isso é interessante. Eu nunca que podia imaginar que meu pai era uma pessoa tensa. O que ela, ele passava pra gente era uma serenidade uma tranquilidade muito grande.
P/1 – E essa figura da sua mãe mais controlada, mais organizada, [e] com seu pai mais sonhador, eles se completavam bem?
R – Lógico. Não, acho que de vez em quando tinham lá suas “ruguinhas”, as “rugonas” até, mas acho que eles eram bem complementares até. Aí que tem a sabedoria da mulher, sendo ela, realmente, que no final, ele apenas virava as coisas, parecia que era ele que tava fazendo e não ela. Mas ela dirigia muito bem, então era meia maquiavélica.
P/1 – E sua infância em São Paulo, como que era? A sua infância em São Paulo? Brincadeiras? Lazer?
R – Ah! Eu não tinha... Olha, eu não tinha presentes. Aniversário você tinha, ela fazia sempre um bolinho, aqueles bolinhos pequenininhos - eu ainda gosto muito. Natal não tinha presentes, era bem realmente a vida de imigrantes, guardava tudo que podia pra fazer... Poupar um pouco. Na páscoa, geralmente, eu sempre comprava, eu comia chocolate com meus irmãos no dia seguinte porque os vizinhos davam o que sobrava. Mas era isso, a infância foi muito boa, porque nós passamos nessa chácara que tinha aves, abacateiro, tinha canteiros de flores e nós brincávamos no meio disso tudo. Era uma vila, né, você tinha... Hoje se falaria que é quase um cortiço, era uma vila onde a parte de cima tinha casas bem pequenininhas. A casa que morávamos era a cozinha e um cômodo grande onde moramos até os [meus] 11 anos de idade. A cama que eu dormia com meu irmão era um pra lá outro pra cá e cama de solteiro né e tinha o berço que tinha o menor, depois botaram uma outra cama pro menor, mas foi exatamente isso. Olha, eu não tenho nada a reclamar, acho que foi muito boa. Os meus brinquedos eram uma lata de óleo numa, num monte de areia brincando com carrinho de rolimã quando era um pouco maior, descendo ladeira abaixo. Acho que foi uma infância muito saudável e meus filhos subiram em árvores, que meus filhos também tiveram a oportunidade de morar em lugares que ficaram... Puderam se sentir um pouco livres quando estavam crescendo.
P/1 – E no seu tempo de escola? Que recordações o senhor tem?
R – Período escolar...
P/1 – De criança.
R - No tempo de escola... Realmente, é interessante contar, como naquela época se falava muito, hoje se fala menos piada de português. Quem foram os portugueses que emigraram naquele período de quarenta? Principalmente de quarenta. Eram as pessoas que não tinham oportunidade lá, que não tinham ido à escola. Daí vem [que] o português é burro, esse negócio todo. Então, eu tinha que provar que eu não era burro. Eu era sempre um dos três primeiros alunos, não porque eu era brilhante não... Eu tinha que me esforçar, tinha que provar que não era burro, até... Isso foi até mais ou menos o colegial, certo? Eu fui, sempre, até o ginásio, um dos três primeiros alunos, que era pra provar que não era burro. Depois não, aí quando você pega consciência que não precisa provar nada pra ninguém. Quer dizer, ainda era muito cedo que não precisava provar nada pra ninguém, mas já tinha provado pra mim que não era burro. Precisava provar para o resto dos colegas que eu não era burro. Então eu estudava, estudava bastante.
P/1 – O senhor estudou aonde?
R – Eu estudei sempre em colégios, em colégios estaduais que, na época, eram os melhores. Eu estudei aonde? Eu me formei no colegial no Alberto Conte de São Paulo. O Roosevelt, que eram os dois melhores colégios de São Paulo, né? E no primário, no Grupo Escolar Marechal Floriano, na Vila Mariana. Também era uma escola fabulosa, então tive ainda a chance de ser educado pelo governo com altíssimo nível de qualidade.
P/1 – Algum professor marcou mais o senhor?
R – Não, tem sempre aquela professora que você fica apaixonado. Então, acho que devia ter ficado apaixonado por uns dois, né, umas duas professoras, mas o que me chamou atenção no ginásio logo no começo foi um professor de Geografia, que foi ser professor dos meus filhos no Pueri Domus ainda, quando eles falaram o nome dele, eu falei: "Não é possível que é o mesmo ainda. Mas era porque ele começou a dar aula quando ele ainda tava na faculdade, mas ele marcou muito por Geografia ser uma matéria tão árida, ele fez com que eu gostasse de Geografia, ele tinha o dom, realmente, de... Ele dava aula de, também, além de Geografia, dava aula de História. Realmente fez com que eu gostasse muito de Geografia e História.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Celso. Não me lembro o sobrenome dele. Era Celso. Esse foi o que mais me marcou. Tem um outro também que me marcou, ainda não... Acho que foi, mais ou menos, no quinto ano do primário, né, no quinto ano do primário que foi de trabalhos manuais, então aquelas pequenas lições ou o que ele fala é o seguinte, que ficou gravado pro resto da minha vida e me ajudou muito há perseguir o meu caminho. Ele falou o seguinte: “O homem independente é aquele que tem na conta bancária pelo menos um ano de salário.” Ficou marcado esse negócio. “O homem independente é aquele que tem pelo menos na conta bancária um ano de salário.” Porque se for totalmente dependente do seu emprego pro dia seguinte, você não tem a liberdade de sair de trocar de emprego, de fazer aquilo que você gosta de fazer. Marcou.
P/1 – O senhor tocou num ponto que eu já ia mesmo colocar, que é: o seu pai imigrou sozinho sem aquela turma familiar de irmãos, primos, né? Como era essa... Mas, ao mesmo tempo, sua família era portuguesa. O senhor nasceu lá, sua mãe seu pai. Como era ser português naquela época em São Paulo? Havia preconceito? Havia outros portugueses que vocês se encontravam?
R – Havia outros portugueses que nós nos encontrávamos. Havia um preconceito grande, realmente. Essa brincadeira aí do, da gozação do brasileiro que o português é burro. Trabalhava-se pra burro, o português imigrante trabalhava uma enormidade, era extremamente... Economizava cada "cente" que ganhava, então era querendo dar o pulo, né, e como meus pais nunca foram comerciantes, não foram donos de padaria, esse negócio todo que ganhasse muito dinheiro... Mas é, acho que existia muito preconceito na época, tanto é que depois eu falei pra você que eu fui um dos primeiros alunos exatamente pra brigar contra o preconceito, falar: "Eu não sou burro não." Meu pai talvez não possa ter ido a escola, mas eu posso mostrar que eu posso ser igual a qualquer outra pessoa.
P/1 – E havia preconceito ao contrário, quer dizer, dos portugueses em relação aos brasileiros?
R – De jeito nenhum. Os portugueses achavam esse país uma coisa maravilhosa. É o tal negócio que se brinca até hoje, que se fala de vez em quando: “Qualquer metrinho de terra que você tivesse na casa de um português, tinha um pé de couve”. Ele plantava a sua hortinha, né, os brasileiros nunca plantavam nada. Então eles achavam que os brasileiros não sabiam aproveitar a riqueza que existia nesse país. Até hoje, você vê a preguiça do pessoal do campo aqui. "Vou comprar um pé de alface, vou comprar no supermercado." Porquê eles não plantam. E português com um metro quadrado, ele enche de alguma coisa que ele vá utilizar, que lhe sirva de alimentação, qualquer coisa. Então, em todas as casas que eu morei, desde pequeno, depois de sair da chácara, tinha um jardinzinho, tinha couve, tinha alface. Tinha, sempre tinha alguma coisa.
P/1 – Qual eram as relações de amizade do seu pai e da sua mãe? Eram outros portugueses do mesmo lugar...?
R – Eram outros portugueses [originados] em lugares diferentes. Eu me lembro muitas vezes cruzando a cidade de São Paulo pra Santana, da Vila Mariana pra Santana, que eles iam visitar alguns conhecidos que eram da região onde eles nasceram, né? Então era mais ou menos isso, tinha mais essa comunidade portuguesa que emigrou.
P/1 – E o senhor fez científico?
R – Não, não. Eu fiz clássico.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu queria ser psicólogo. Na minha cabeça eu seria um grande psicólogo, né? E, naquela época, tinha um grande problema, eu precisava trabalhar também e psicologia só tinha durante o dia. Eu passei no vestibular da PUC, na época, e depois deu uns curtos circuitos, não sei porque, aí eu saí, tinha mais um vestibular aberto que era de administração de empresas da PUC, eu saí correndo pra fazer, não tinha feito cursinho nem nada, mas aí passei em 12º lugar. Aí eu falei: “Ah, é isso que eu vou fazer", porque eu podia estudar de noite.
P/1 – E a sua mãe, influenciou na sua escolha da profissão ou não?
R – Não, minha mãe nunca influenciou a gente em nada. Primeiro, não existia cultura do que ser para eles. Eles achavam [que] o filho deveria se formar, ter uma educação mais formal, na realidade, pra sobreviver de uma forma melhor do que a que eles estavam sobrevivendo. Mas cada um escolheu o seu. Eu fui, acabei indo por um acaso pra administração de empresas, acho que, eu caí, por acidente no lugar certo. O meu irmão queria ser, realmente, engenheiro e foi engenheiro, e o mais novo foi engenheiro químico, um engenheiro mecânico e o outro engenheiro químico. Então, cada um de nós fez, realmente, fez aquilo que eu acho que queria fazer ou o que pensou fazer. Eu por acidente acabei fazendo a coisa que, realmente, eu gostei muito e acabei. Possivelmente, acabei dando certo.
P/1 – Que ano você entrou na PUC?
R – Entrei na PUC em 65.
P/1 - Como que era a PUC nessa época já de golpe?
R – Essa época era muito complicada pra mim, né, porque você tinha aquele movimento estudantil, 65, 68, aquele negócio todo e tinha muito essa atividade, como que chama...? Dos Centros Acadêmicos e tinha muita, tava muito politizado. Chegavam na sala de aula: “Minha gente, vamos parar a aula, tem reunião no centro acadêmico e tal.” E era a época, realmente, logo depois do golpe militar, aquele negócio todo, e tinha infiltração da polícia federal, esse negócio todo. E eu era, naquela época, eu era imigrante, eu não era brasileiro, se me pegassem, me mandavam embora, não podia estar envolvido em atividade política nenhuma, que eu era português. Mesmo vindo pra cá com 2 anos, eu era português. Então, quando começava esses movimentos, eu tinha que...
Pessoal ia pelo lado esquerdo, eu ia pro lado direito, ia embora pra casa, quer dizer, não posso aparecer nisso. E eu me lembro várias vezes, mesmo em frente à faculdade de direito, aquelas arruaças de pessoal. Quando eu via aquilo e vinha a polícia, eu... Eles iam pra lá, eu ia no sentido contrário, que eu não podia me envolver com esse negócio todo. Então foi um pouco complicado ali.
P/1 – Os seus colegas cobravam a sua participação ou não?
R – De vez em quando cobravam, mas eu falava: “Minha gente, eu adoro esse país. Minha família tá aqui, eu vou ficar por aqui”. Eu, só fui me naturalizar brasileiro aos 27 anos de idade.
P/1 – E o curso, correspondeu às suas expectativas?
R – Bastante, tanto é que eu era apaixonado por psicologia, né, e acabei indo por uma questão acidental, pra Administração de Empresas. Um ano depois, eu falei: “Puxa vida, cai por acidente numa coisa certa". E pior ainda pra mim, porque eu tinha mais problemas que os outros, que pra entrar em Administração tinha que ter feito contabilidade, Ciências Exatas, científico, esse negócio... Eu não. Então eu tive que aprender contabilidade, matemática 1 e 2, que era o mesmo nível de engenharia na faculdade, que eu tinha tido muito mais humanas. Era bom em Filosofia, em Línguas, em Literatura.
P/1 – Nesse período em que o senhor estudava na PUC, onde o senhor trabalhava?
R – Eu sempre tentei adequar o que eu estou estudando, trabalhar num senso prático do que eu vou estudar, no que eu vou fazer. Quando eu estava realmente fazendo cursinho, que eu ganhei vaga prêmio, esse negócio todo, que eu não tinha dinheiro, né, você tinha que ser os melhores mesmo, ganhar vaga premio, esse negócio... Então, quando eu ganhei uma vaga prêmio pra fazer o cursinho de Psicologia, na faculdade de Psicologia.
P/1 – Qual era o curso?
R – Chamava-se CAPI. Centro de Aperfeiçoamento e Preparação Intelectual, não sei se é isso... Qualquer coisa assim, é mais ou menos assim. Eu fui trabalhar no Centro Paulista de Psicologia. Psicologia, lá atrás, era muito experimental ainda, né, 1960 e qualquer coisinha ali, 64. É, 64. Acho que era isso. Então eu fui trabalhar, ajudar. Aí o que eu fazia realmente era aplicações de testes vocacionais, na realidade. Quando eu entrei, larguei. Falei: "Não é Psicologia não, vai ser Administração de Empresas. Primeiro mês que eu entrei, eu falei: “Preciso arrumar uma empresa” Aí eu fui ser gerente de vendas de uma malharia no Bom Retiro, chamava-se Montricot Fulfallon, faziam malhas. E aí foi o meu primeiro emprego, que eu comecei a ser executivo, já, realmente, aos 20 de idade, 20, 21 anos de idade.
P/1 – E aí, o senhor se formou?
R – Aí não, aí teve realmente uma... Tive um acidentezinho de percurso, né, porque eu acho que eu vinha de uns valores muito ingênuos, talvez, né, bastante forte, familiar também e religioso, ser protestante, valores muito... E aí eu tive que começar a fazer coisas nos negócios, que não batia muito na minha cabeça. Que 9 meses depois que eu comecei essa posição, eu tive uma úlcera perfurada. Eu quase morri. Sabe o que é úlcera?
P/1 – Problemas de caixa 2?
R – Pressão, caixa 2. Era muito simples, por exemplo, eles tinham, a gente vendia 4 dúzias de qualquer coisa, número 42. Não tinha 42, só tinha 46. “Troca a etiqueta do 46 pro 42”. Depois vinha a pressão enorme do mercado: "Mas esse manequim não pode, não pode ser". Era uma briga. Às vezes o cliente já tinha pago e ele queria devolver, e eu tava naquela frente brigando o tempo todo. E a pressão do trabalho é uma pressão muito forte, o tempo todo. Então eu acabei tendo uma úlcera perfurada.
P/1 – Com 20... E poucos?
R – Com 22. 21 anos. Aí sim. Eu acho que tem coisas que a gente pensa que são más e que acontecem para o bem. Eu me lembro que eu saí dessa empresa. Eu não tinha saído da empresa, eu fui pro hospital, fiquei quase um mês no hospital [e] ao sair do hospital, fiquei quase 2 meses mais ou menos em convalescença, que faziam aquele buracão aqui na barriga da gente. E depois de 2 meses, eu voltei pro trabalho. Quando voltei e descobri que não tinha mais trabalho... Naquela época, eu estava namorando e já começava a, já tinha intenção de casar. Eu tinha comprado um pouquinho antes, tava trabalhando, ganhando razoavelmente bem, tinha comprado um apartamentozinho bem pequenininho, uma quitinete, tipo quitinete mesmo, e eu tinha pago duas parcelas - e eram quatro parcelas enormes pro meu poder aquisitivo. Eu tinha pago duas e logo depois tive aquela úlcera perfurada, parei de trabalhar, não ganhei nada. Ao voltar realmente, eu ia perder, todas as minhas economias estavam ali, né, e eu fiquei preocupado. Precisava trabalhar, então, fui procurar um novo emprego, e como eu te falei: “As coisas ruins, às vezes, acabam sendo boas”. Eu fui parar na Ericsson. Lendo o jornal, Estadão, procuravam um assistente de vendas [e] eu me achava como gerente de vendas de uma empresa pequena. "Eu posso ser assistente de vendas de uma empresa grande", né? E eu fui pra uma entrevista com uma pessoa lá e tal, conversei com a pessoa bastante tempo. Aparentemente, ela gostou de mim, né, mas falou: “Não, você não tem o perfil dentro do que nós precisamos, mas tem um colega que está precisando de um assistente administrativo.” Eu falei: “Não, mas eu estou na carreira de vendas.” “Não, mas acho que o seu perfil é muito mais pra essa área administrativa.” Acho que esse foi meu grande achado, aí ele me apresentou pro colega dele.
P/1 – O senhor lembra quem indicou pra o administrativo?
R – O nome dele era Carvalho, nome de família, e me apresentou o Cleber de Sá Rego, que era o Administrativo, né? O que era essa função? Ele cuidava da administração das 9 filiais que existiam ao redor do Brasil, da Ericsson no Brasil. Ele me apresentou, né, eu bati um papo de uma, duas horas com o cara. Saí dali empregado, feliz da vida. Tinha ganhado o emprego e toda minha carreira de executivo realmente. Aos 26 anos, eu tava no Rio de Janeiro, já numa empresa do Grupo Ericsson como diretor financeiro. Naquela época, eu tinha um orgulho danado, não tinha ninguém da minha idade como diretor financeiro de multinacional. Eu era.
P/1 – Então o senhor entrou como assistente?
R – Assistente, como assistente, e 6 meses depois eu já era o gerente.
P/1 – Em São Paulo?
R – Em São Paulo. 6 meses depois eu já era o gerente. Depois, eu peguei a área de planejamento financeiro, aí comecei já a sair fora pra uma área específica da companhia e fazia o planejamento financeiro pra todo mundo, em 1967. Vocês não têm memória pra isso, mas nem se falava em planejamento no Brasil. Eu fui treinado pra fazer planejamento na Suécia, esse negócio todo. Eu fiquei 2 anos ali. Depois, eu fiquei, eles precisavam de um gerente financeiro realmente, eu fui... É interessante [como] que as coisas acontecem. Eles ficaram um ano procurando um gerente financeiro e não achavam, né, até que um dia tomei coragem e fui bater na porta de um diretor financeiro da companhia e perguntei pra ele: “Vocês ainda tão procurando um diretor financeiro? Um gerente financeiro?” Ele falou: “Não. Por quê?” Eu falei: “Ah que pena, eu ia pedir pra vocês que eu gostaria de ter...” Ele falou que: "Nós já tínhamos achado você, nós íamos falar com você". (risos) Aí eu peguei a área de gerência financeira da empresa, fiquei 6 meses lá. O que aconteceu foi que aquele diretor financeiro foi transferido para o Rio de Janeiro pra ficar, porque era uma empresa que tinha sido comprada há 2 anos pelo Grupo Ericsson de um grupo Brasileiro. Essa Ficap faz cabos de telecomunicações, de energia.
P/1 – Como chama?
R – Ficap, Fios e Cabos Plásticos do Brasil S.A. E esse sueco, esse diretor financeiro, foi transferido pra cá e, na época, eu me lembro que tinha muita fofoca [sobre] quem ia, quem ia levar gente pra ser o diretor financeiro dele no Rio de Janeiro. E como eu era, eu ainda, perto dos meus colegas, eu era gerente lá na Ericsson, mas eu era o mais novo de todos eles. Eu achava que tinha tanta gente que tava na minha frente que ia ganhar a posição, eu tava procurando um emprego pra sair da Ericsson e tinha achado uma empresa que era a GTE, na época, que depois virou Alcatel, essa coisa toda, e eles estavam procurando diretor financeiro. Eu tinha 26 anos na época, eu fui entrevistado pelo "controller" mundial. Ele gostou muito de mim, mas ele falou assim: “Você é muito jovem pra ser diretor financeiro". Então tinham me oferecido um estágio em Nova Iorque, pra ser treinado, pra depois ser reciclado ao redor do mundo como expatriado e era isso que eu era por aí, realmente. Ia sair da Ericsson. Saí, já tava casado, eu me casei aos 24 anos, aí eu peguei, eu tinha dito que ia aceitar o convite deles. Imagina pra eu trabalhar em uma multinacional lá fora, pra ser "trainee" lá fora depois, então eu tava todo feliz com esse negócio. [O] que aconteceu [é] que na semana seguinte esse meu chefe, que seria diretor financeiro, tava vindo pra cá, me ligou e perguntou: “Você pode dar uma chegadinha aqui no Rio de Janeiro à tarde? Eu gostaria de conversar com você". "Posso, com toda certeza". Peguei e liguei pra minha mulher: "Nós vamos mudar para o Rio de Janeiro." “E os Estados Unidos?”. “Não, nós vamos mudar para o Rio de Janeiro, que eu vou ser diretor financeiro da Ficap.” “Mas quem te falou isso aí?” Eu falei: “Espera." Peguei o avião, vim no clube americano aqui conversar com 2 suecos, com meu ex-chefe, e me convidaram para ser o diretor financeiro da FICAP aqui no Rio de Janeiro. Aí comecei, entrei na posição de alto executivo e foi embora.
P/1 – Isso nós estamos em?
R – 1972.
P/1 – O Senhor se formou em?
R – 69.
P/1 – Quatro anos de formado?
R – Quatro, já estava como diretor.
P/1 – E os desafios dessas épocas...
R – Eu acho que os desafios dessa época... É interessante, porque nós vivemos a década de 70, a década do milagre brasileiro. Qual que era a preocupação de planejamento em economia nesse país? Era você planejar a capacidade de produção. Tudo que você produzisse, você vendia, certo? Então não era preocupação com custos nenhum, era preocupação com capacidade produtiva. Como que se formava preços naquela época? Meu custo mais a minha margem igual ao meu preço de venda. Aí você vendia à vontade. Você tinha uma barreira enorme para as importações, quer dizer, não tinha competitividade [com] o produto estrangeiro. Então tudo que você conseguia produzir aqui, você conseguia colocar o preço que você imaginava e que te desse rentabilidade, certo? O grande problema da época era você criar capacidade. Então você adquire uma outra empresa, significava você crescer mais rapidamente porque tinha mercado disponível no mercado, Brasil crescendo de por cento ao ano, quer dizer, a economia com dinheiro, os poderes aquisitivos aumentando, então você tinha, realmente, um grande poder de consumo. Então o primeiro grande, meu primeiro grande, como se diz... Meu primeiro grande desafio foi realmente pegar uma empresa que tinha sido brasileira, familiar, e fazê-la ser um pouco mais eficiente. Não só crescer em capacidade produtiva, mas também de uma forma bastante eficiente. Eu era um garoto, eu lembro que o meu assistente naquela época, que era o antigo diretor financeiro, tinha 52 anos eu tinha 26 anos - ele tinha a idade do meu pai (risos). Era muito interessante que eu podia usar a minha arrogância de ter chegado aos 26 anos lá e jogar fora todo o conhecimento que eu tinha. Acho que eu tive na época o primeiro bom senso. “Não, vou aprender com esse cara tudo que eu puder, porque ele deve saber muita coisa e eu posso aprender muita coisa com ele”, e acabamos nos dando muito bem. Imagina que eu era, tinha 26 anos e toda a diretoria estavam acima de 45.
P/1 – O senhor usava algum truque do tipo, sei lá, roupas mais sóbrias para não parecer tão jovem?
R – Eu acho que não, viu? Eu acho que não. Inclusive, se eu pego as fotografias daquela época que era o cabelão, época do Iê-iê-iê, esses cabelos compridos, cobrindo tudo, igualzinho. Inclusive, acho que tinha um mau gosto danado pra vestir, não sei se era mau gosto ou o mais barato pra se vestir, mas era o mais barato pra se comprar, padrões até mais chamativos. Então eu não tinha muito essa preocupação de agradar os outros.
P/1 – Existia muita resistência por conta da sua idade?
R – Existia muita, muita, muita. Inclusive teve um caso do diretor comercial, diretor industrial da Ficap, o nome dele era (Brun?), ele era sueco também, né? Então, tinham dois problemas: eu era jovem [e] ele também, era sueco [e] eu era brasileiro. Então tinham dois problemas aí: a idade, eu ser brasileiro e ele sueco. Então, quem comandava pra valer a companhia eram os suecos e eu me lembro que eu era extremamente, eu era uma máquina, eu era um trator, eu passava por cima do que for. Se eu achava que tinha que ser feito aquilo, tanto é que o Salomão que entrou ali, entrou na minha vida em 74 exatamente porque tinha uma pessoa que tava ameaçando a vida da companhia, queria mudar tudo, e mudar da forma dele, com a força. Ele fazia dinâmica de grupo, veio pra amolecer minha cabeça. Tá aí hoje, por um acaso. E ele ficava um pouco, não sei se é bravo ou irritado comigo, né, porque eu mandava fazer mesmo, mesmo na área dele sim, pô. Tinha algum problema que eu achava que tinha na área industrial, que eu achava que precisava consertar, eu entrava com tudo e ele começava de uma forma [a] me ridicularizar um pouquinho, me chamava de jovenzinho ambicioso, né, e falava, fazia fofoca: “O Jovenzinho ambicioso vem aí, cuidado”, esse negócio todo. Isso foi me irritando, esse "jovenzinho ambicioso", até que um dia a fervura aumentou e não tinha válvula de escape, eu desci da minha, do meu primeiro andar, - primeiro não, segundo andar -, ao térreo e vim com todas as pedras na mão. (risos) Abri a porta e falei: “Jovenzinho ambicioso é?” Aí falei tudo que eu tinha que falar. (risos) Mas, olha, ainda falei assim: "Olha, você me desculpe, eu acho que eu não sou ambicioso, eu tô fazendo o que eu acho que tem que ser feito. E pra chegar onde você tá, eu não vou precisar [de] muito anos não, viu, porque você tem idade do meu pai e eu tô no mesmo nível que você aos 26 anos de idade. Bati a porta, voltei e fui pra, e subi, né, louco da vida, tava que... E poucas vezes eu explodi na minha vida, acho que eu explodi três vezes na minha vida [e] a primeira foi essa. Aí passou, eu fiquei lá pensando, aí você começa a ficar se martirizando: “Ih, agora vai ser difícil a convivência”, esse negócio todo, né? Você precisa trabalhar em time, "teamwork", aquele negócio todo. Aí passou a manhã toda e eu lá pensando, encucando com aquele negócio. Quando chega lá pelas 3 horas da tarde, alguém empurra a porta devagarinho (risos) e fala: “Ô jovem, você ainda está bravo comigo?” Me quebrou. Passou a ser um dos meus maiores amigos (risos), mas ele precisou saber exatamente que eu também tinha as minhas posições.
P/1 – Esse tratamento de choque deu certo?
R – Deu certo. Exatamente o problema da idade, da diferença de idade.
P/1 – E essa experiência interessante brasileira, até familiar em uma empresa europeia. Como era esse choque? Houve muita resistência por parte da FICAP?
R – Ah, muito grande, acho. É muito grande. Eu acho que a maior parte dos problemas, realmente, que eu tinha era exatamente por isso. A cultura toda era de brasileiro e familiar, né? E a velocidade de mudança, você precisava de uma velocidade muito grande, senão você perdia espaço - que nem eu tô te falando, se você precisa de espaço. É o que eu estou te falando, se você precisa de capacidade... Porque existe mercado, se você não muda rapidamente, a companhia... Pra você falar: “Eu vou ter capacidade e eu vou ganhar o mercado.” Você perdia mercado, os outros iam crescem na sua frente. E esse foi o grande problema. Realmente, você precisava trocar algumas pessoas, certo, ou convencer algumas pessoas de que você não tinha muito tempo pra esperar, você tinha que sair correndo porque o Brasil tava crescendo 10% ao ano.
P/1 – Quais eram as principais diferenças entre o modelo sueco e o modelo familiar brasileiro?
R – Muito simples. O modelo sueco é um modelo planejado, disciplinado e o modelo brasileiro é não planejado e indisciplinado. E é onde você tem muito mais a importância de que o cara [que] é amigo do fulano, o outro é amigo do dono, então você não mexia nesse círculo de poder que basicamente eram feitos em amizade, relações familiares um com o outro. E quando você entra numa cultura sueca, não tem esse negócio de amigo. É realmente profissional, ponto. E eu tinha sido treinado 5 anos antes, né, numa cultura sueca.
P/1 – O Senhor ficou quanto tempo na diretoria financeira da Ficap?
R – Eu fiquei nessa 9 anos. Depois, nós fizemos, em 78, nós compramos a quarta empresa. Nós éramos a segunda em tamanho no Brasil em cabos, compramos a quarta que era uma empresa, uma confusão multicultural muito maior: holandesa, americana e japonesa. E também essa foi minha grande experiência a nível de mesclar culturas.
P/1 – Qual era o nome dela?
R – Era a Elecab, ficava em Americana [cidade do interior de São Paulo]. Ela está até hoje lá na fábrica da Ficap. Mas foi uma experiência muito interessante, porque eu tinha 32 anos nessa época, 31, 32, e foi comprar uma grande organização, fundir na minha organização, que eu tinha realmente, e ganhar mercado com uma velocidade muito maior porque ela era a quarta do Brasil. E essa experiência de fazer essa fusão toda aí, foi minha, essa incorporação foi a minha grande experiência de comprar uma empresa, como comprar, como integrar.
P/1 – Experiência de fusão mesmo.
R – Depois eu fiz, até hoje, que eu me lembre, eu fiz 18 operações de compra, venda, fusão, incorporação.
P/1 – E o senhor ficou na Ficap quanto tempo?
R – Eu fiquei 9 anos, até que eu fui requisitado em 1981. No meio desse caminho, eu fui, aos 35 anos de idade, eu fui pra Harvard pra estudar. Fiquei 4 meses em Harvard e no meu caminho de volta, passando pelo escritório da Ericsson em Nova Iorque, eles me convidaram pra ficar em Nova Iorque tomando conta de toda a América Latina, né? Depois de 4 meses [com] saudade de filho, longe da família, esse negócio todo, o que eu queria realmente é vir para o Brasil, entendeu? Eu queria ficar no Brasil. E, também, eu tinha um pouco de romantismo, esse negócio de ter sempre estudado pago pelo governo tem tanta coisa pra eu fazer no Brasil, me prepararam, acho que me preparam como poucos executivos no país. Sabe, então, eu tinha que me dedicar ao Brasil, eu tinha um pouco desse romantismo, então eu acho que tem espaço pra mim no Brasil e eu falei que não. E depois disso, ficaram meio ano ainda fazendo de pressão, realmente: “Não, você tem que vir para Nova Iorque, você tem que vir para Nova Iorque.” E eu falava: “Não, não, não.” Até que houve um problema na Ericsson do Brasil, de volta, né, teve um problema lá com o diretor financeiro, [que] falou: “Então você não quer vir pra cá [Rio de Janeiro], então você tem que voltar pra Ericsson do Brasil, aí pra São Paulo.” Aí eu falei: “Meus filhos são todos cariocas, ninguém quer ir embora, ninguém quer ir pra São Paulo, né? Meus filhos nasceram todos aqui.” Aí então, depois de 9 anos trabalhando em multinacional, eu fui obrigado a voltar a São Paulo e assumir a direção financeira da Ericsson do Brasil.
P/1 - E quais era os desafios dessa época?
R – Os desafios dessa época [eram que] você tinha uma empresa que tinha toda uma, era a chamada mudança do ciclo tecnológico, realmente, numa empresa. Embora eu fosse o diretor financeiro, você tem que adaptar, ajudar a adaptar a empresa a mudança do equipamento eletromecânico para o digital, então foi a época que começou a entrar a digitalização no mundo das comunicações. E como isso começou, mais ou menos, em 76, que fizeram o primeiro equipamento analógico, que era meio híbrido mecânico-digital. Em 1978, 79, lançaram o primeiro equipamento digital. O que significa isso? Nós tínhamos um mostrengo que fazia lata de ferro, certo? De repente, nós precisávamos formar uma empresa de tecnologia que monta circuitos, esse negócio todo, né? Então você tinha, quando você fala [que] você tem um monstrengo que faz lata, [quer dizer que] trabalha com ferro, trabalha com relés. Você tem dez mil pessoas trabalhando, né, de repente, você tem uma empresa que tem, que começa a fazer isso. Embora você aumente o faturamento, ela começa a ser uma empresa muito mais de tecnologia, montagem, do que de produção realmente, de equipamento de volume. Então preparar essa virada da empresa, adequar a estrutura da empresa pra isso foi um problema muito sério. Então você tinha, que ao mesmo tempo você está fazendo aquilo tudo, você tem que realmente enxugar essa empresa, pegar o que era de melhor e adequar aos custos dela, porque nós já tínhamos largado na década de 70, que foi a década de crescimento, e já tínhamos entrado em 82 na, que o Brasil quebrou. Depois do choque do Petróleo de 79, virou completamente o humor da economia brasileira e o Brasil passou de um país crescente e ufanista [orgulho], pra um país quebrado. Então você começou a década da preocupação com custos, realmente, porque você já não tinha o mercado, a inflação começou a crescer violentamente, então você tem que ter um bom controle de custo. Então, essa cultura toda tinha que ser criada dentro dessa nova empresa e a Ericsson, naquela época, tinha de 70% a 80% do mercado brasileiro de telecomunicações.
P/1 – Como era ser diretor financeiro, exatamente nessa época em que o Banco Central, me parece, que reteve as divisas? Não se conseguia mandar dividendos pro exterior. Como que era ser diretor financeiro nessa época de moratória?
R – Era muito complicado porque primeiro, você precisava importar muito ainda, certo, componentes, essas, eu tô falando do ciclo digital, eletrônico digital na indústria. Significava que você não tinha produção aqui. Por mais que o governo quisesse fazer aquela lei de informática, recriar a roda aqui dentro, aquele negócio todo, nós precisávamos importar muitos componentes, então pro crescimento, pra realmente modernizar a planta brasileira de telecomunicações, você precisava importar muito. E pra importar tinha uma série de restrições, certo, que não tinham linhas. Brasil tava quebrado, era difícil arrumar financiamento, cada, me lembro no começo de 83, 84, cada milhão de dólares que você fosse importar, era obrigado a depositar o mesmo volume em recursos de cruzeiros, na época, no banco central. Quer dizer, você tinha que gastar duas vezes, certo, você tinha que pagar as importações. Se precisasse arrumar linhas de importação lá fora e tinha alguma contrapartida com exportações aqui do país, era muito difícil. Acho que uma, assim, a primeira metade da década de 80 foi extremamente difícil por causa do Brasil ter quebrado, muito difícil. E dividendos nem saia, né, não podia sair quase. Você não conseguia comprar divisas pra mandar os dividendos pra fora.
P/1 – O ponto de vista da formação do executivo brasileiro, essas dificuldades todas foram positivas no final...
R – Eu acho que ninguém foi tão bem treinado. Se você pegar os executivos da minha idade, hoje eu tenho 58, comparar com qualquer país do mundo, ninguém foi tão bem treinado. Eu tô falando de uma série de coisas, nós não comentamos o nível de inflação crescente, que é onde... Se você não fosse extremamente hábil e rápido, perdia dinheiro. Podia estar vendendo um produto com uma margem de 50 [e] quando entregava a margem era zero, porque a inflação comeu toda a sua margem. Como você forma preços, como controlar custos em cima de uma inflação tão grande? Principalmente a partir de 85, quando veio a famosa democratização do país onde o seu Sarney, eu acho, que deixou a inflação correr solta, até terminar um pouco antes do Collor com 80% de inflação ao mês. Então, essa experiência, pouquíssimos executivos dos países têm no mundo, certo? Você pode dizer que tem alguns países do terceiro, “terceiríssimo” mundo, realmente, que tenham experiência, mas não tem indústria como nós temos aqui. Nós temos uma indústria, uma base industrial razoável, uma economia razoável, certo? Então acho que isso fez com que os executivos brasileiros tivessem realmente uma formação excepcional pra sobreviver em qualquer ambiente no mundo.
P/1 - E se reconhece isso no exterior?
R - Eu acho que sim, tanto é que tem muita gente brasileira lá fora que, em cargos bastante elevados, e é o pessoal mais ou menos da minha idade, entre 50 e 60 anos. É essa geração que foi extremamente bem formada pela vida, pelo dia-a-dia, pelas crises.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou na Ericsson?
R – Eu sou o homem de 9 anos. Mais nove anos, né? E, nessa época, dentro da Ericsson, dos 9 anos, eu formei a Ericsson da Amazônia em 83. Em 87, eu dividi a Ericsson em duas, por causa da lei de informática, fazendo a empresa de telefonia comercial que era tido como um computador, um PABX - era um computador quase, né? Eu separei em duas essa parte da Ericsson comercial, [que] não foi muito bem no primeiro ano, aí eu fui pra lá como presidente pra consertar, aí eu consertei essa parte toda, [e] depois de estar consertada, trouxemos um outro cara de fora e botamos lá. Aí voltei outra vez para a Ericsson [como presidente], mas não larguei a direção financeira. Continuei com as duas posições, presidente de um e diretor financeiro da outra. Depois, eu fiz mais uma cisão da Ericsson. Exatamente, peguei toda essa área de ferramentaria, pré-digital, e fiz uma nova empresa com a General Motors para peças [de] automóveis. E um pouquinho antes de sair, tava comprando um outra empresa pra agregar à Ericsson. Foi uma experiência muito rica, nesse período da década de 80, sabe? Até que em 1990, a Ficap aqui no Rio de Janeiro, tava em, ela tinha passado, ela não tinha se aguentado muito, bem no período do Sarney, por causa da inflação. Ela tava quase quebrada. E, nesse período de 86, a Ficap tinha sido vendida para um grupo brasileiro que não tinha grana, não tinha dinheiro pra colocar e falar: “Eu vou salvar a companhia.” E a Ericsson, ao vender, não vendeu a totalidade das ações, ficou com 30% das ações preferenciais e me colocou no conselho da companhia, então, em 90, eu fiz um relatório para a Suécia: “A companhia está quebrada, ela vai quebrar.” O controlador, que era um brasileiro: “Não vai ter dinheiro para colocar. Ou vocês compram o que resta e tentam salvar a companhia ou possivelmente a companhia vai quebrar.” Eu falei: “Com um agravante, porque para o mercado e para a Telebrás, aqui ainda é uma empresa Ericsson [e] vocês têm 30%. Não tem o controle, mas ainda é uma empresa Ericsson.” Peguei o avião e fui para a Suécia conversar com eles, falei: “Olha...” Eles perguntaram pra mim: “Dá pra salvar a companhia?” Eu falei: “Eu acho que dá pra salvar a companhia.” “Então você me apresenta um plano em 15 dias” Eu vim pra cá, pedi licença da Ericsson pra gastar os 15 dias aqui, fiz um plano pra salvar a companhia, peguei um avião, fui de volta, mostrei pra eles. Eles me perguntaram: “Você acredita nisso mesmo?” Eu falei: “Eu acredito.” “Então você vai ser o presidente da companhia” Então eu saí de lá e fui outra vez, em 90, para o Rio de Janeiro como presidente da companhia. E 2 anos depois, a companhia estava totalmente reestruturada, sem dever um tostão a ninguém. A situação era muito ruim na companhia, aí ela foi vendida pela segunda vez. A Ericsson já tava toda arrumadinha, vendeu para um outro grupo, um grupo brasileiro, o grupo ARBI e eu ia sair da companhia, mas eu acabei negociando com a companhia e ao ficar [lá], eu falei: “Olha, só fico se você aprovar esse plano de estratégia”, que era incorporar mais três companhias. Como o mercado de cabos tinha caído muito, tinha muitos "players", tinha muitos fabricantes, a única saída de se salvar e fazer a companhia ser rentável seria realmente você fundir outras companhias, fazer fusões de outras companhias a essa companhia. E aconteceu uma experiência muito boa realmente porque uma empresa brasileira começou a engolir algumas multinacionais, como, a Siemens, de cabos, Alcan, cabos canadenses, então nós fizemos, fiz essas três fusões. A cada seis meses entrava uma companhia. Primeiro, a companhia que comprou, nós absorvemos ela, então naquelas duas companhias tinha um outra linha, a Marvin - que era aqui no Rio de Janeiro, em São João do Meriti -, eu criei uma quarta linha de produtos, que eram de produtos derivados de cobre, né, latão, todas as ligas de cobre, e três áreas de cabos, telecomunicações, energias, e os chamados fios esmaltados que fazem indução pra geração de energia. E aí, realmente, depois de ter feito isso, um ano depois eu incorporei a unidade de cabos das Siemens e mais seis meses depois, eu incorporei a unidade de cabos da Alcan. E ia incorporar a unidade de cabos da Alcoa, mas aí o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não deixou, porque nós íamos ficar com 95% do mercado de cabos do país. Então, o CADE não deixou. Esse programa todo terminou em, mais ou menos, no final de 94, e eu fiquei mais um ano pra integrar isso tudo, e no dia 30 de junho de 1995, eu saí da Ficap. O interessante é que quando eu entrei na Ficap, eu falei: "Vou ficar 5 anos aqui." Entrei no dia 1° de julho de 1990 e sai no dia 30 de junho de 1995. Nem um dia a mais, nem um dia a menos.
P/1 – E essa saída já foi [para] uma direção certa?
R – Aí depois que eu tinha feito esse programa, tinha feito exatamente para o novo dono brasileiro, que é o Daniel Berman, eu falei: “Eu fiz o que eu tinha falado pra ele”. Tinha aprovado e realizado todo o plano. Então eu comecei a procurar alternativas do que fazer e, na época, eu tinha chamado pelo Mathias Machline - antes dele morrer - pra dirigir a Sharp, e eu acho que tenho uma boca que de vez em quando eu não posso falar, e falei: “Enquanto você for vivo, você vai ser o presidente. Não adianta você me pôr lá”, “Não, mas eu vou pro conselho e tal”, "É muito forte a sua presença na companhia, viu?" Meio ano depois ele morreu de acidente de helicóptero nos Estados Unidos e, meio ano depois, os filhos me chamaram e eu fui ser o presidente da Sharp durante 22 meses. Eu tive problemas dentro da companhia, a companhia foi toda reestruturada, ela tava indo financeiramente muito mal quando eu entrei. Ao sair, ela estava financeiramente muito bem, talvez, indo pra liderança na área de eletrônico consumo, mas o nível de ciumeira, que o nome Silva estava substituindo o nome Machline - era muito grande pelos filhos. Até que um momento eu falei: “A empresa é de vocês, fiquem com a empresa” e eu saí.
P/1 – Mesmo eles tendo chamado?
R – Mesmo eles tendo chamado. E 4 anos e meio depois que eu saí, eles quebram a empresa.
P/1 – Quer dizer, a experiência da Ficap que foi vitoriosa lá atrás, e a outra empresa familiar não deu certo?
R – Deu certíssimo. Até eu sair, deu certíssimo. Tanto é que eles tinham 19 empresas, eu ainda vendi 9 empresas e foi com isso que sanei todas as finanças da companhia. Pra você ter uma ideia, quando eu entrei na Sharp, a Sharp já tinha tido 22% do "market share" [quota de mercado] dos televisores, estava com 8 e meio. Quando eu saí, estava com 14 e meio, igualzinho a Philips - que era a primeira do mercado. Então, se tem uma experiência que foi maravilhosa, foi essa. Só que não foi reconhecida porque a companhia, depois que eu saí, voltou a cair. É muito simples: voltou a ser dirigida pelos padrões familiares com 4 ou 3 irmãos, nada, [não] entendiam da coisa, mas achavam que o nome Machline teria que prevalecer na gestão da companhia. Tudo bem, a companhia é deles, [então] vocês podem jogar fora ou queimar o que eles quisessem.
P/1 – Eles tinham o controle do conselho de ações?
R – Tinham. Tô me sentindo exatamente isso. Alguém com a coisa, o cara falando. Eu falei: “O que é isso? Tal. Uma entrevista?” Aí veio a outra mulher, só as mulheres... Você viu esse filme?
P/2 – Não.
R – Tô me sentindo As Confissões... (risos)
P/1 – Quando o senhor saiu da Sharp, já tinha uma colocação?
R – Eu já tinha uma colocação. Enfim, eu tinha um “namoro” de colocação ao sair da Sharp, porque a saída da Sharp também foi acelerada, foi ficando difícil trabalhar até o momento que eu falei: “Minha gente, será que os Machline me mandam embora? Eu acho que eu vou ter que sair porque acho que não tá dando certo, a companhia vai se prejudicar com isso. Vocês podem botar quem vocês quiserem pra dirigir.” O mal é que botaram pra dirigir, realmente, um dos antigos que levou a companhia a um fim triste. Mas eu tava namorando a Pirelli, que era outra vez voltar pra área de cabos, que eu tinha tido bastante sucesso pra área de cabos também e eu estava negociando esse passe pra ir para lá. Então, eu me lembro que fui a Milão negociar o contrato e de lá, realmente, já saí com a posição na mão negociada, salário, pacote financeiro, esse negócio todo, mas eu saí de lá com uma pulguinha atrás da orelha, até mesmo porque, depois de trabalhar tantos anos em multinacional, explicando cada distorção de cada linha, reportando pra fora, eu tava um pouco cansado desse negócio todo e como eu tinha tido uma experiência muito boa na Ficap quando ela foi adquirida pelos brasileiros, que eu falei: “Olha, nós vamos fazer o planejamento, tudo linha por linha. Você tem que me cobrar a última linha, certo? Se você está satisfeito com o lucro da outra linha, é isso que você vai me cobrar. Se as linhas intermediárias variam pra mais ou pra menos, ou se uma pra mais, outra menos, mas no frigir dos ovos fica aqui, lá, é aquilo que você vai me cobrar. Não fica me cobrando linha, por favor.” Eu gostei essa experiência. Da mesma forma que eu fui trabalhar na Sharp, eu fazia o plano, o conselho aprovava o plano, eu reportava - não tem problema -, apresentava as estações e tudo, mas eu era cobrado pelo resultado. “É isso que eu quero.” Aí indo pra Itália, o nome do cara chama-se Morthe, ele tirou quase do bolso uma bibliazinha dessa grossura que tinha todos os índices, todos esses negócios, então ele abriu na Pirelli do Brasil: “Olha, você precisa cuidar essa linha tal, não sei o que lá.” Eu falei: “Deus me livre, vou ter que explicar esse negócio todo, explicar linha por linha. Não sei se eu vou aguentar”. Não tava mais com saco de aguentar esse negócio, mas eu voltei [de] contrato assinado e com aquele negocinho na cabeça, ficava batendo lá, né, até que um dia o Rogê - que é o Presidente da coisa hoje - me
ligou e falou: “Manoel Horácio, o Benjamin quer conversar com você - porque na privatização da Vale, a Vicunha e o Bradesco foram os líderes do consórcio que privatizou a Vale -, quer conversar com você.” Eu falei: “Não, não adianta, porque eu já estou com o contrato assinado e tal”, “Não, mas conversa com eles”, “Eu vou conversar e tal, mas eu já estou com o contrato assinado com a Pirelli e tal”, “Não, eu vou aparecer aí com o Benjamin na sua casa pra gente conversar sobre isso.” Eu tinha, eu estava, tinha voltado pra São Paulo, foi 2 anos que eu fiquei em São Paulo, na década de 90 - os únicos 2 anos, que foi 96 e 97 -, um pedaço disso, né? Aí eles foram lá em casa e começamos a conversar. Eu me lembro que o Benjamin pegou e falou pra mim: “O que você vai fazer na Pirelli? Tudo isso você já fez em multinacional, não tem nada novo. Agora, a Vale do Rio Doce é uma empresa nova, empresa que tem tudo a ser feito, privatizada - esse negócio todo -, você tem que ir pra lá, fazer, ajudar a fazer a nova estruturação toda da Nova Vale do Rio Doce e tal.” Eu falei pra ele: “Eu vou pensar.” Não tava muito crente, realmente, que eu iria aceitar ou discutir a coisa, então eu fui dormir. Foi a pior noite da minha vida, eu acho. “Vou pra multinacional ou vou pra uma empresa privatizada que vai dar trabalho pra burro, que eu nem sei o que é”, nunca tinha visto nada da Vale do Rio Doce. Eu só sei que durante à noite, foi crescendo essa ideia de Vale do Rio Doce e eu fui convidado pra ser o presidente da Vale, por ele, né? Passou um dia a mais, eu pensando, pensando e eu liguei pra ele: “Eu topo. O grande problema [é] que eu vou [ter que] ligar pra Itália e falar ‘tá assinado o contrato, mas rasga que...’” Aí demorei mais 3 dias pra ligar pra Itália. Liguei pra Itália pedindo desculpa, mas: “Olha, eu acho que eu tenho uma nova experiência, uma coisa nova, essa área de cabos eu já trabalhei quase 18 anos com - 18 anos não, 13, 14 anos - essa área de cabos. Eu acho que eu quero uma experiência nova na minha vida, eu sempre gosto de tudo novo.” Eu sou muito, eu gosto muito do desafio do novo, começar tudo de novo. Eu sou meio Fernando Pessoa: diz que na vida só existem 3 certezas, de tudo restaram 3 certezas. A primeira é que é preciso sempre começar, né, aí que vem, eu acho, a chave da juventude, essa habilidade de estar sempre começando coisas novas; A segunda é que é preciso sempre continuar. A terceira é mais brilhante, nós vamos ser interrompidos sempre antes de terminar, né? Então eu vou começar e a minha vida, vocês viram que é sempre isso. Eu começo, continuo, sou interrompido, eu começo e as coisas voltam. Isso me deixa muito, me atrai muito esse negócio de começar coisas novas, o que eu não entendo, o que eu não conheço.
P/1 – E os Italianos.
R – Ah?
P/1 - Aceitaram?
R - Os italianos ficaram muito bravos, tentaram me convencer ainda que o contrato era bom. Inclusive, quando eu, financeiramente, vim pra cá era menos, mesmo que eu já tinha assinado com eles, mas me encantava esse negócio de pegar o novo, uma empresa desse tamanho, realmente, me encantava muito e aí eu vim pra cá. No início, todo o trabalho de reestruturação de toda a Vale, eu entrei como superintendente da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) para a Vale do Rio Doce, que a Vale tava abaixo de mim, né? Nós trabalhamos 5 meses reestruturando esse negócio, como vai ser essa organização, esse negócio, e depois, no final, por problemas políticos entre os sócios, principalmente Previ [um dos acionistas da Vale] também, que era... Resolveram dividir a companhia em 4 presidências, né, porque eram as 4 áreas que nós tínhamos dividido: a área corporativa, que era o Gabriel Stoliar - que ainda está aqui na companhia -, era a área de minério de ferro, que era o Mozart - que já trabalhava com isso na Companhia, mesmo ainda na época de estatal, e tinha a área de papel e celulose e a área de Alumínio, né? Então, eram as 4 áreas. E o Benjamin disse: “Não, você escolhe a área que você quer, tal”, “Não”, porque, na minha cabeça, eu tinha vindo pra ser o presidente único da coisa, mas depois fizeram esta organização aonde os quatro presidentes se reportavam diretamente ao conselho de administração. Então eram quatro presidentes [e] eu acabei ficando com alumínio, papel e celulose, com essas áreas, até que depois de algum tempo, dividiram também alumínio e trouxeram o Luis Paulo Marinho, que ficou com a área de alumínio. Eu fiquei com a papel e celulose e tive que preparar, depois, essa área que era pra desinvestir, que aconteceu também, todo plano de lá foi realmente efetuado. Então, eu fiquei com essas 2 áreas no final, fiquei aqui na Vale, fiz basicamente o que eu tinha que fazer. Peguei também, depois, a Docenave, que dava prejuízo, peguei e reestruturei a Docenave, era presidente do conselho. Depois disso, também saí, trouxe um presidente de fora [e] nós começamos a Vale Energia, fui presidente da Vale Energia. Tudo que era novo e tava começando a pensar, com planejamento estratégico, na minha mente, na chamada Vale Logística - que hoje existe a Vale Logística -, porque eu era o grande defensor, realmente, que a empresa Vale do Rio Doce é uma empresa de logística, não de minério, que a infraestrutura que ela montou é muito mais cara que realmente as minas, certo? Porque pra você tirar o minério das minas, tem que ter uma infraestrutura que ninguém tem. Tanto é que as 2 ferrovias principais da Vale, que é a Carajás e a Vitória-Minas, são umas das mais eficientes do mundo por quilometro rodado, então o investimento nessa área é brutal. Eu me lembro que na época, mais ou menos 60% dos investimentos totais estavam tudo na rede logística da Vale e 40% na área fim [atividade-fim], que era minério. Na realidade, pra mim, você define qual é o foco da companhia onde você botou mais dinheiro, né, onde te dá mais trabalho. Ele tinha umas discussões muito bacanas, assim, em termos estratégico, se isso fosse definido naquela época. E, então, eu tava exatamente no meio discutindo, realmente. Possivelmente eu recebia, ia ficar com essa área de logística também na minha mão. Quando foi privatizada, tinha sido privatizada a Telemar e começaram. Primeiro, eu já tinha feito tudo que eu acho que tinha que fazer na área de papel e celulose. Na parte de reestruturação tava pronto, podiam vender que tava tudo pronto. Acho que nós já éramos, em termos de "cash" por tonelada, um dos mais eficientes do mundo. Aqui já, eu tava entrando, mas já saindo pra essa área nova de logística, tava andando com a Vale Energia - que eu era presidente também - e aí começaram um namoro. O Atilano Oms, da Inepar, era um dos sócios que compraram a concessão de privatização da Telemar, sempre me chamava, queria conversar comigo. Até que um dia ele me chamou, eu tava na Vale, ele me chamou ali no hotel, no Copacabana Palace, queria conversar comigo e ele começou a falar sobre a Telemar, o que precisava ser feito e tal, e que a posição seria minha se eu quisesse. Eu não ia falar "Ah, não!", porque, na época, falavam tão mal daquele grupo. Eu falei: “Não, eu não quero. Eu tô bem na Vale - esse negócio todo", mas foram surgindo alguns probleminhas de velocidade pra fazer na Vale do Rio Doce, que era muito complexo, era muito complicado aquela estrutura de 4 presidentes se reportando a uma estrutura. Só que era o conselho de administração, as coisas, sabe, eram amaradas. Aquele período foi muito difícil pra ser trafegado, apesar dessa empresa ser uma empresa maravilhosa - eu acho que pra mim uma melhores empresas que eu trabalhei na minha vida é a Vale do Rio Doce -, tem uma gerência extremamente competente, um produto e um pessoal extremamente bem formado. Então eu gostava muito dela e quase voltei, né? Quando veio, na época que veio o Roger, eu quase que voltei pra lá, pra Vale do Rio Doce, como presidente também. Aí foi realmente, foi crescendo a vontade do novo outra vez, que era a Telemar. Aí eu comecei a olhar a Telemar, o tamanho da Telemar, é maior que a Vale do Rio Doce, 16 empresas. E privatizar as 16 empresas, fundir tudo e fazer das 16 empresas uma empresa, aí eu fiquei, eu comecei a ficar muito atraído, realmente. E me lembro que, no final de
98, o Benjamin Steinbruch estava de férias no Caribe, então eu não sabia como dizer isso pra ele: “Eu vou sair.” Aí eu mandei um fax para ele - não era nem e-mail, ainda era fax - dizendo que eu tinha recebido uma proposta e que eu achava melhor sair, que quando chegasse de volta, a gente conversaria. Foi meio truncado esse negócio que ele não queria que eu não saísse, mas eu achava que a oportunidade profissional de pegar uma empresa daquele tamanho, voltar um pouco também a telecomunicações, né, que eu tava sempre do lado [das] telecomunicações, de equipamentos, de cabos... "Agora eu vou na área de serviços, vou ser exatamente usuário daquilo que eu vendi a vida toda pra eles." Era uma experiência interessante, né, era um senhor desafio. E todo mundo falava: “Não vai, aquilo é uma loucura." Aí eu falava: “Ah, vou!” Quando falam "Não vai, é uma loucura", aí que eu fico mais atraído ainda. Eu acabei aceitando e no dia 31 de janeiro, eu deixei, de 99, eu deixei a Vale do Rio Doce e assumi a Telemar.
P/1 – O mundo dos negócios acelerou porque o seu ciclo de 9 anos se encurtou, né?
R – Não, eu era de 9, depois passou para 5, passou para 3, né. E o 2 era pra ficar 3, eu acho que...
P/1 – Isso tem a ver com as transformações da economia?
R – Tem com a velocidade e com a idade também. Eu não tenho tanto tempo pra investir, realmente, em cada um, né? Eu acho que adquiri uma experiência enorme.
Cada vez com mais velocidade eu consigo atualizar aquilo que eu aprendi, certo?
P/1 – Tem uma questão que ficou um pouquinho pra trás que eu achei muito interessante. O senhor, sua experiência de empresa familiar, quase micro empresa familiar, uma pequena empresa familiar, depois uma multinacional sueca, depois a estatal - terminando de ser estatal. Como era essa Vale que para o senhor era uma espécie de caixa preta que o senhor não sabia o que era? O que o senhor encontrou, que Vale era essa no momento da privatização, que dificuldades o senhor teve?
R – Acho que o problema da Vale e o grande problema da Vale é que a corporação era muito forte, ela tem uma cultura e uma vaidade enorme no que ela fez, né, porque se você olhasse todas as estatais brasileiras, a Vale foi sempre a melhor disparada, certo? Então eles tinham orgulho disso, principalmente se você fosse ao Japão, fosse lá pra fora, o pessoal, que são os compradores de minério da Vale, eles acham, quer dizer, a imagem da companhia é [de] uma senhora companhia e existia internamente uma vaidade enorme. É claro que você destruir a cultura que existia aqui dentro, eu acho que não era muito positivo pra companhia, mas fazer algumas mudanças pra dar mais velocidade a transformação eram mais difíceis, certo, que era uma corporação muito fechada, uma com orgulho brutal do que eles tinham feito até aquele momento, certo? Então, você organizar de forma, estruturar de forma diferente, mexer nisso, tinha uma reação.
P/1 – Houve grandes mudanças estruturais?
R – Não.
P/1 – Houve muitos ajustes nos quadros da Vale do Rio Doce Administrativo Financeiro?
R – Nós mexemos na estrutura básica da organização, né, criando essas áreas, esse negócio todo, e a ideia básica também era definir o que é e o que não é "core business", que é qual o "business". E é claro que havia uma defesa completa, ninguém, quer dizer, eles foram criados dentro de todos esses negócios, tudo que a companhia treinava, então pra eles isso era um todo. Não existem partes que essa pode vender, então é difícil você convencer. Basicamente, um grupo de gerência mais alta que seria muito melhor focar a companhia vender o que não era "core business" da companhia, mas com o tempo, eu acho que isso foi sendo vendido pro pessoal, né, e o que realmente me surpreendeu aqui, quando você colocava uma gestão participativa onde você discutia com todo mundo e fazia quase uma filosofia de portas abertas, né, que antes você tinha autoridade, aqui você tinha muito mais hierarquia, porque era uma estatal. Então a autoridade tava muito mais longe da base. Ao vir pra cá e colocar a filosofia de portas abertas, "teamwork", realmente, discutindo com todo mundo, sentando no meio da briga com todo mundo, o pessoal rapidamente aderiu pelo menos nas minhas áreas, certo? O que me deu a possibilidade de desenvolver o trabalho com muita velocidade. Inclusive, a Cenibra que tinha um custo por tonelada maior que a BahiaSul, rapidamente, vinha em direção realmente aonde os dois quase se tornaram "benchmark" de custo por tonelada de celulose mundial, certo? Depois, quando eu entrei, peguei a do Docenave também. Acho que o pessoal, como eu já tinha feito um trabalho e eu não era, sei lá, aquele fantasma que o pessoal achava que eu era, [achavam] que eu fosse que ia cortar todo mundo, então o pessoal veio com muito mais velocidade, se juntou comigo com muito mais velocidade e foi mais fácil fazer a virada da companhia também.
P/1 – Essa era a imagem das chefias que chegavam com a privatização? Eles queriam fazer cortes?
R – O grande problema, né, [é que] tem um grande medo em qualquer empresa privatizada, é o corte, né? "Vai mudar tudo, ninguém serve." Aquele negócio: o pessoal velho tem uma cultura que não serve pra companhia, certo? Só que na minha cabeça, o que eu aprendi na minha vida [é que] você pode até tentar moldar e melhorar um pouquinho a cultura, mudar algumas coisas, mas o nível de competência e o conhecimento da companhia, você não podia jogar fora. Todas as empresas que eu reestruturei na minha vida, nunca peguei o médio e o pequeno time, joguei fora e trouxe o meu. Normalmente, eu fiz a transformação toda vez com o próprio time da companhia, porque você, ao fazer isso, joga [fora] o nível de conhecimento da companhia, do negócio da companhia fora, que [depois é] difícil de obter de volta. Então essa mescla, às vezes, você até quer oxigenar um pouquinho mais, trazendo gente de fora pra exatamente dar uma dinâmica, um pouco diferente nesse grupo, e as pessoas acabam seguindo, certo? Principalmente quando eles veem que a mudança também é boa pra todo mundo e as pessoas vão aprender. Eu me lembro que várias pessoas que trabalhavam diretamente ligadas a mim falavam: “Puxa vida, tô aprendendo uma porção de coisa com você”.
P/1 – E as 3 presidências, começando com papel e celulose. Qual o grande desafio?
R – O grande desafio de papel e celulose é o seguinte: era abrir principalmente, definir se a estratégia era estar nele ou não, certo? Se estar nele, você tinha que crescer e pra crescer tinha que ser, realmente, extremamente competitivo, então você teria que ir pra racionalização completa de custo, certo? Completa, deixar a companhia bem enxuta e ser realmente uma das grandes vencedoras, e as compras você teria que, realmente, a nível mundial, inclusive, pra comprar empresa e falar: “Nós fazíamos mais ou menos no total entre 1 milhão e 100 mil toneladas de celulose, um jogador a nível mundial." Nós falávamos em 4 milhões de toneladas, um grande, Brasil é extremamente competitivo em celulose por causa do clima, esse negócio todo. Você tem uma árvore que cresce em 5 anos, corta e faz celulose, enquanto lá fora você precisa de 10 anos, 12 anos. O Brasil é extremamente competitivo, então você precisa também, operacionalmente, ser competitivo, não apenas em termos de matéria prima. Ou a alternativa seria o seguinte: se você não foca, não vai ser um dos focos de negócio estratégico da companhia, então tem que vender e para vender também, o que você teria que fazer? Preparar a companhia, torná-la extremamente rentável pra ela ter mais preço na venda. Então o objetivo foi esse, primeiro focar o que vai ser. Vamos desinvestir? Então vamos também enxugá-la o máximo possível, torná-la extremamente eficiente pra ver se consegue um bom dinheiro no retorno. E isso foi feito.
P/1 - Quem tomou essa decisão?
R – Ah?
P/1 – Quem tomou essa decisão de desinvestir?
R – Essa decisão, acho que eu fui parte, trazendo parte das estratégias que eu defini na época, certo? Mas foi o conselho, realmente. Então, desde lá de trás, num estudo, quando eu tava fazendo a reestruturação do todo, se definiu que papel e celulose não seria o foco estratégico da companhia, seria muito mais a parte o minério.
P/1 – E na Vale Energia, qual o grande desafio?
R – Olha, na Vale Energia foi o seguinte: a Vale do Rio Doce consome hoje 4% da energia gerada no país, certo? Então se ela é a maior consumidora de energia do país, sendo uma grande geradora, nós teríamos que de alguma forma estrategicamente estar dentro do negócio de energia, certo? Nós já estávamos em duas hidroelétricas que estávamos fazendo em parceria com algumas outras empresas privadas também e com o governo, e nós estávamos pensando, principalmente, em crescer energia na parte de energia termoelétrica, principalmente pra fazer "pellets" pra exportação. Tava muito ligado, porque o custo de energia do produto Vale do Rio Doce é muito maior, entendeu? Então foi realmente falar: "Nós não vamos ser auto suficientes em energia, mas precisamos, até metade da energia, nós devemos gerar pra tentar pra frente com apagões ou sem apagões. Você tem uma certa estrutura suficiente de energia, pelo menos uma parte de energia e também em termos de custos. Se tivesse problema de falta de energia pra frente com alto custo, você tem um custo controlável de energia.
P/1 – E na Docenave?
R – A Docenave era outro ponto pra ser discutido sobre ser ou não ser estratégico à empresa. Na minha visão é estratégico, porque eu achava que na companhia a parte logística seria extremamente estratégica. Como nós éramos grandes usuários de transporte, não que nós devêssemos ter todo transporte marítimo, ser feito por nós, mas devíamos ter conhecimento pra saber se, como o custo de transporte é extremamente elevado no preço final do minério, nós tínhamos que ter algum conhecimento do negócio pra dizer o seguinte: nós temos um custo extremamente eficiente no transporte, então a ideia básica é, seria estar complementando essa parte de transporte pra própria Vale do Rio Doce, certo? E, posteriormente, que vocês estão fazendo hoje, já seria entrar no negócio como sendo uma empresa de logística em cabotagem. A Vale tá fazendo hoje com a Frota Oceânica e vai fazer, acho que também, com a Aliança, não sei. Inclusive nesse projeto da Frota Oceânica, eu trabalhei do outro lado do banco como Adviser da Vale e da Frota Oceânica, são meu planos lá de trás, porque quando eu estava saindo da Vale, nós já estávamos fazendo
acordo com a Frota Oceânica, então tem muitas coisas que concebidas, ajudadas por mim também, que foram implementadas. É muito gostoso de ver, mesmo depois que você sai, [como] as coisas andam. Tanto é, quanto a área de logística que hoje é uma área só dedicada a logística, que era a minha briga no começo.
P/1 – Essa ideia ficou?
R – Ficou, mas essa ideia já vinha um pouco lá de trás também, do Eliezer Batista. Eu vi, depois, quando eu comecei a ver, então me falaram:
"Não, mas o Eliezer Batista também tem essa ideia que o foco estratégico básico dessa companhia acaba sendo logística".
P/1 – A Telemar? Como foi chegar na Telemar, nesse gigante?
R – Eu acho que, eu ainda sou sempre bastante romântico, consigo modificar tudo, né, mas não consigo... As pessoas, os controladores, as pessoas pra baixo, as pessoas pra cima, eu acho que a gente consegue controlar, mas eu brigo até o final para fazer as coisas da forma que eu acredito que elas devem ser feitas. Eu acho que em termos de experiência, foi a mais pesada da minha vida, na realidade, porque a companhia tinha quase 40 mil funcionários, eram 16 empresas. Embora se falasse que todas as empresas do grupo Telebrás não eram empresas do grupo, eram subsidiadas do Telebrás, mas elas tinham uma influências na gestão muito mais dos governos estaduais do que realmente do governo federal, o que significa que você tinha várias Telemares dentro da Telemar, cada uma delas era uma empresa realmente e societariamente eram diferentes com estruturas societárias diferentes. Então eu descobri várias coisas que realmente eu nunca pensei que fosse assim, descobri no Brasil. O pessoal fala: “Não, o Brasil é um só porque não tem dialetos” São Vários Brasis. Na minha área. Telemar que era do Rio de janeiro até o Amazonas, eu descobri 4 Brasis. Conto até uma história interessante. Logo depois que eu entrei, nós fizemos... No programa de racionalização e transformação da companhia existiam 118 “call centers”, como nós tínhamos dividido a empresa em 5 regiões, nós definimos que teríamos 5 “call centers”, porque esse negócio de “call center” hoje não precisa estar no local. Tem muita empresa no Brasil que o “call center” [é] em Miami hoje. Com essa tecnologia de comunicação, ninguém vai saber se tão atendendo em Miami, Europa, onde tão.
P/1 – A Portugal Telecom tá fazendo um em São Paulo
R – Exatamente. Não tem esse negócio, a velocidade hoje de transporte de comunicação é um negócio louco. Então nós fizemos um “call center” em cada região depois, com pouco tempo. Depois eu reduzi a 4 regiões e o “call center” de Pernambuco eu trouxe pra Bahia. E, de repente, eu entrei num problema, que realmente, é um problema político, que eu nunca poderia ter imaginado. O que seria um problema político? Porque [o que] eu fiz era um problema administrativo, fazer uma economia, fazer uma racionalização na operação. Ao trazer de lá pra Bahia, começou a ter problemas da população começar a reclamar pra mim, pra cima do Rio de Janeiro, pra acima do Espírito Santo. O sotaque baiano é tudo igualzinho até lá em cima, é tudo baiano como aqui no Rio ou em São Paulo a gente acha, mas o pernambucano não admite ser atendido por um sotaque baiano, os sotaques são diferentes, pra eles são diferentes. Então começou um problema exatamente do pessoal perceber que era atendido de outro lado, certo? E, de repente, eu entrei dentro de uma guerra política entre um pouco do seu ACM e um pouco do seu, o Vice Presidente da República [durante o 1° ano do governo Lula], que é um magrelo alto, o Marco Marciel. De repente, entrou o ministério público e começou a aplicar uma multa diária, que eu tinha a obrigação de levar de volta o "call center", que eu tinha tirado a atividade econômica. Qual leitura dos políticos? Eu tirei a atividade econômica de Pernambuco e levei pra Bahia, significando que o senhor ACM tinha mais força que o seu Maciel e ele tirou a atividade econômica de Pernambuco. Pra mim não tinha tirado nada, só tinha racionalizado um setor, pra mim, politicamente, não significava nada e deu muito trabalho político pra desfazer a coisa. Inclusive, ao final, depois que eu consegui sair fora do problema judicial que estava nos aplicando uma multa diária, quando eu ganhei aquilo na própria justiça e tirou fora, eu consegui limpar tudo realmente que não era um problema político, que ninguém tinha tido mais força, aí eu voltei com o "call center" pra Pernambuco só pra agradar ambos os lado políticos, certo? Mas eu fiz simplesmente um ato administrativo que virou um ato político, são os Brasis diferentes, então você vê, por exemplo, eu não podia fazer uma propaganda lá em cima, no Norte, com sotaque de um carioca falando. Não caía bem. Imagina fazer aqui, o 31, com aquele sotaque carioca. Não cai bem, não gostavam. Você tinha que fazer uma peça quase local. Então eu descobri que tem quatro Brasis.
P/1 – E que 4 Brasis são esses?
R – Acho que tem culturas um pouco diferentes. Você quando vai fazer a propaganda, tem que ter o toque. Tanto é que tem uma propaganda que foi lançada em Pernambuco, honestamente, tinha que ter a legenda, eu não entendia eles brincaram e botaram a legenda pra mim pra entender o que eles estavam falando, mas era muito divertido aquilo e caiu muito bem lá no local, aquela propaganda foi ótima, foi aplaudida, ganhou prêmio. Se você botasse ela aqui no Rio de Janeiro, não entenderiam o diálogo das duas mulheres, entendeu? Então tem valores culturais um pouco diferentes.
P/1 – Mas quais são os quatro? Quais são as regiões?
R – Por exemplo, se você aqui no Rio de janeiro não tem que ter verba pra, por exemplo, festas regionais, folclóricas, mas lá é um negócio muito importante por causa dos políticos, eles ganham votos realmente trazendo gente que patrocina esse negócio, então é um negócio... Nunca que eu podia pensar que você precisa da verba tal porque vai ter o Bumba Meu Boi lá, vai ter o não sei o que lalá. Eu precisava e aquilo acabava sendo um fato político e não puramente regional, entendeu? Então tem uma série de coisinhas que, como que você se comunica com seu público alvo, forma completamente diferentes...
P/1 – Deu pra administrar essas formas diferentes?
R – Deu, no final, ao sair da Telemar - eu sai em quase agosto de 2001 -, em setembro de 2001, nós fizemos as assembleias de fusão das 17 empresas. É claro que por trás disso veio toda a fusão operacional. Embora eram 17 empresas, elas funcionavam como se fosse uma empresa só, e depois foi a fusão do societário. Deu tempo, por exemplo, ao adotar o nome Telemar, o nome da companhia seria NL Telecomunicações, Norte Leste Telecomunicações, que é o Norte e o Leste. E o nome Telemar eu achava extremamente rico, imagina, nós somos uma empresa de telecomunicações banhada pelo mar, 13 estados nossos eram banhados pelo mar, então porque nós vamos usar, inclusive, com os problemas que houveram no início da companhia que era a Telemar participações, que era um grupo. Eu falei: “Não, acho que o nome é muito rico. Nós conseguimos fazer com que isso fosse um nome muito, muito bacana, e me lembro até que o pessoal da Telemig, que era a empresa de qualidade por excelência das 16: “Mas não somos banhados pelo mar, porque nos vamos chamar Telemar?" Eu até brincava, mas vocês têm o Itamar aí. Então vai ser a Tele do Itamar." (risos) O Nome veio e eu acho que nós fizemos, acho que é o "benchmarking"
mundial de mudança de nome em 16 empresas num período de 60 dias, nós conseguimos mudar o nome das 16 empresa com uma aceitação fabulosa, fazendo peças, inclusive, de propaganda em cada região de acordo com os hábitos, com os trejeitos de cada local. Realmente, em 60 dias. Eu acho que deve ser um exemplo mundial "benchmarking" brasileiro, pelo menos me contaram isso.
P/1 – E a sua saída da Telemar, se dá como?
R – A minha saída da Telemar é um sonho e um projeto que acaba sendo um pouco diferente dos projetos dos controladores. Como os controladores têm o poder de trocar os presidente e como o presidente também, que era eu, não concordava com algumas linhas dos controladores, o presidente saiu.
P/1 – E o fato de ter sido duro, a experiência dura, passa por esses problemas [com] os controladores ou houve outros problemas?
R – Não, passou mais pelos controladores. A forma dos controladores, como eles queriam fazer a companhia, como eu queria fazer a companhia, foi duro. Não por causa deles, no começo, mas foi duro no começo porque eram 16 empresas estatais que iam ser transformadas em uma só. Eram 16 empresas que tinham processos de sistemas diferentes que teriam que ser unificados de uma forma só e isso foi muito difícil. Isso se faz realmente com uma liderança muito forte, você está presente nos 16 estados que faz com que as vezes eu visitasse 5 estados num dia, num jatinho executivo que visitava 5 estados num dia fazendo reuniões com o pessoal e vendendo as ideias, certo? Realmente, pra que eles percebessem que eu tava engajado na coisa. Eu acreditava na transformação, porque muita gente não acreditava, então, quando você tem que vender um sonho, tem que vender uma ideia e acho que no que eu sou bom. Se você, como você tinha perguntado: “Qual a sua, você se autodenomina como? Um administrador?” Eu não, eu acho que a minha melhor coisa é a liderança. Eu tenho uma liderança forte, realmente. Eu consigo vender meus sonhos. Se você quer transformar alguma coisa muito difícil em alguma coisa boa, você tem que sonhar e tem que entrar nos seus sonhos. Tem que fazer com que os outros acreditem que o sonho é bom, porque sozinho você não faz nada, não transforma nada.
P/1 – O senhor diz que o senhor não leva uma equipe com o senhor.
R - Eu convenço e eu posso complementá-la com aquilo que eu acho que está em falta, mas, normalmente, eu faço a transformação com os grupos de dentro, por exemplo, aqui na Vale do Rio Doce eu não trouxe ninguém de fora, mas ninguém. Na Telemar, eu posso dizer pra você que eu levei quatro pessoas numa direção: eu tinha um diretor, um em cima e um abaixo de mim.
P/1 – E a sua saída da Telemar, vai pra onde?
R – Pra mim a saída da Telemar foi um pouco tumultuada, porque eu achava que tinha mais um ano pra terminar o meu trabalho, então, entre 3 e meio e 4 anos pra deixar. Eu gostaria de ter continuado mesmo. Acho que tava muito difícil a convivência minha com os acionistas no final, muito difícil mesmo. Eu acho que se você olhar pra trás agora, acho que eu saí na hora certa, certo? Acho que tudo que aconteceu na minha vida desde aquela úlcera que perfurou, foi na hora certa. Então todas as coisas ruins que aconteceram na minha vida, eu acho que aconteceram na hora certa, e foi uma coisa que aconteceu da mesma forma, como em 81, que eu voltei pra Ericsson, num era um acidente, certo? Tava voltando pra uma empresa maior ainda, quer dizer, mais valorizada pra um executivo, talvez, mas meus filhos não queriam sair do Rio de Janeiro, minha mulher não queria sair. Quando eu chegava em São Paulo, ia levar as crianças pro colégio, elas começavam a chorar que queriam voltar para o Rio de Janeiro, e eu ficava pensando cá comigo e chorava junto com eles, né? "Eu também quero voltar pro Rio", então eu chorava junto com eles. Até que caiu na minha mão um negócio, não sei se vocês já viram, é aquela, é uma história de autor desconhecido que o cara conta uma história que ele sonhou, ele sonhou que, e nesse sonho tinha passado a vida toda dele e toda a vida tinha se passado numa praia que era ele andando e nessa andança do rapaz, tinha quatro pisadas com quatro pessoas andando. Esse sonho é ele dialogando com Deus e reclamando pra Deus que nos momentos mais difíceis da vida dele [não estava lá]. E ele perguntou: "Por que me abandonaste nos momentos mais difíceis da vida?", dele, né? Então passava o filme da vida dele, porque quando passava os momentos mais difíceis da vida dele, só tinham duas pegadas mais profundas, às vezes, até desapareciam, e o cara reclamando que Deus o tinha abandonado, né? Aí depois de contar toda a história e reclamar de Deus, ele fala assim: “Eu nunca te abandonei. Nos momentos mais difíceis da sua vida, aquelas duas pegadas mais profundas era eu te carregando no colo.” Isso realmente bateu forte. Eu acho que algum propósito tem, realmente, pra eu ter voltado pra cá né. O que tinha acontecido? Basicamente, meu pai nunca foi a uma escola, certo? 16, 17 anos nós começamos... Né? Eu comecei a ir pra faculdade, distanciando do meu pai, né, então aquele cuidado que ele tinha, aquele negócio todo, começou a se sentir menor do que a gente. Aí meus filhos todos indo pra faculdade, esse negócio todo, eu fiquei muito distanciado. Depois eu casei, logo depois eu vim para o Rio de Janeiro, fiquei 9 anos longe, né, de repente, eu volto pra São Paulo, o que aconteceu? Meu pai - eu voltei em 81 e meu pai morreu em 83 -, então eu redescobri meu pai. Aí tinha sido de propósito, sabe? Mesmo essa volta que foi dura no começo teve um significado, tudo na minha vida sempre teve um significado, e eu, quando meu pai morreu - só percebi isso quando meu pai morreu -, tinha um significado. Eu redescobri meu pai, passei a conviver todo fim de semana com meu pai, meu pai ia almoçar em casa, alguns hábitos, abrir uma garrafa de vinho, botar na mesa pra conversar, eu faço a mesma coisa com meus irmãos hoje, então foi uma redescoberta do meu pai. Isso foi em três anos, aí meu pai morreu.
P/1 – Seus filhos tinham contato com seus pai no Rio ou foram ter só nessa fase?
R – Não, muito pouco. Foram realmente conhecer e os avós... Eram muito distantes, porque nossa, tudo que fiz na vida eu me enterrei de cabeça. Se eu vim pro Rio de Janeiro, virei carioca. Não tem esse negócio de metade em São Paulo e metade no Rio de Janeiro, você entendeu? Vim pra cá, tive filho aqui, fiz a minha vida aqui, falei: “Aqui vou morrer” Vou ficar por aqui. Nunca mais falo isso, porque já fui, já voltei, mas naquela época eu achava que ia ficar. Então sempre teve um propósito em tudo que aconteceu na minha vida.
P/1 – A mudança mais dura foi essa época dos anos 80, de voltar para São Paulo?
R - Fui dura emocionalmente e num determinado período, certo? Acho que foi porque você teve a pressão dos filhos: vê o filho chorar porque os amigos não estavam aqui, a escola é diferente. Depois, quando eu voltei em 90, eu falei: “Vamos voltar para o Rio de Janeiro.” Aí ninguém mais queria voltar para o Rio de Janeiro, os meninos já estavam com idade, todos adolescentes, minha mulher já tinha se climatizado de volta em São Paulo e ela foi a primeira, realmente, a não querer nem mais voltar para o Rio de Janeiro. Pra dona de casa eu acho que São Paulo é bem mais fácil e ela é mais louca por serra do que por mar, né, então ela logo estava ótima, entendeu? Então, ninguém queria voltar. Eu falei o seguinte: “Tem ponte aérea.” Como eu vim pra 2 anos, pra reestruturar a companhia e voltar outra vez pra São Paulo, acabei ficando 11 [anos]. Então, o que eu fiz? Na realidade, eu fiz, fiquei na ponte aérea, eu nunca dormia duas noites mais, ficava duas noites longe de casa, eu normalmente pegava, ficava uma noite aqui, duas noites aqui, aí dormia em casa mesmo chegando às 10 horas da noite em casa, jantava com minha mulher, levantava às 6 da manhã, 5 e meia, pegava o avião e voltava. Afinal de contas, os cachorros tem que se lembrar da cara do dono, né? E no final realmente, o que eu fiz? Fiz duas casas, acabei morando em dois lugares. Formei completamente um apartamento no Rio de Janeiro, tenho até hoje na Delfim Moreira, e ela vinha cada 15 dias e passava três dias aqui comigo. E eu fiquei nessa brincadeira - fora os outros 22 meses de Sharp em São Paulo -, fiquei quase 11 anos, porque eu peguei a Ficap aqui, saí da Ficap, fui pra Sharp 22 meses e voltei pra cá, pra Vale. E depois continuei na Telemar, aqui, e eu sou visto realmente como um executivo do Rio de Janeiro, porque a maior parte da minha idade mais adulta e de mais sucesso foi no Rio de Janeiro. A semana passada, eu fui a um jantar na casa do Chiquinho Brandão, que ele trabalha com assessoria de imprensa, esse negócio todo, e faz com imprensa, convida outros empreendedores, outros executivos... Se eu for a uma festa dessas em São Paulo, metade vai me conhecer. Aqui [Rio de Janeiro] 100% me conhece, então eu me sinto muito nesse aspecto, como um profissional do Rio de Janeiro.
R – Antes, o senhor acabou de falar dessa festa, eu vou falar uma coisa que eu ia deixar mais pro fim. Agora, nosso momento revista Caras. O mundo dos presidentes, o mundo dos altos executivos, o senhor é convidado pelo Benjamin Steinbruch, quer dizer, como ocorre esses contatos sociais? Há um clube, há restaurantes ou é naturalmente em congressos ou em reuniões de acionistas que se cruzam, de cruzamento de empresa. Como que se dá isso em termos de vida social?
R – Bem, você falou de Caras, né, eu acho que eu preservei sempre a minha vida familiar, eu não fui muito de Caras ou de clubes, minha família não é de clubes. Eu acho que eu fui sempre um cara muito mais, realmente da família, certo? Eu trabalhei muito, mas na hora da família é a família. É claro que você faz todos esses eventos que tem, você vai a um seminário aqui, vai a um seminário ali, vai conhecendo as pessoas. Então, o que faz a sua carreira também é a publicidade que você tem, né, e eu tive a facilidade de me dar muito bem com a imprensa sempre, então eu sempre tive uma cobertura simpática da imprensa, isso ajuda também, certo, aos outros empresários também te conhecerem e aí você faz uma palestra aqui, uma palestra ali, as pessoas falam de você como profissional e, com isso, o seu nome fica. Se você pensar, trabalhou politicamente a sua carreira? Nunca, porque não fui realmente um cara de Caras, apesar de a minha cara aparecer muito aonde? Em jornal, em revistas de negócios, mas não em revistas sociais ou em coluna social, isso não, entendeu? Então você acaba conhecendo todo mundo, principalmente sendo presidente. Primeiro, na Ericsson do Brasil, ser executivo, era uma das maiores empresas na década de 80. Você tinha muita exposição, depois eu vim pra Ficap, fiz um trabalho que ninguém acreditava que fosse ser feito, eu fundi empresas e negócios, então você fica sendo visto obviamente como um reestruturador, aquele cara que faz [e] acontece, e a imprensa cobre isso, né, e cobriam sempre com muita simpatia, mas também sempre tratei muito bem a imprensa, sempre voltei, conversei, dei atenção, apesar de eu nunca ter tido uma assessoria de imprensa pra fazer o meu marketing, nunca, graças a Deus foi sempre gratuito.
P/1 – E a sua saída da Telemar, o senhor se encaminha pra onde?
R – Bem, eu acho que depois que eu passei, falando e passando mais ou menos 11 anos nessa loucura, também trabalhava das 8 da manhã às 11 da noite quase. Quer dizer, eu acho que eu fui um bom pai até meus filhos terem 14 anos, eu tava muito presente sempre apesar de trabalhar muito, mas depois, eles lá e eu aqui, quer dizer, eu era pai de final de semana, né, então eu achei que eu deveria, também, como marido, ser mais presente. Eu tinha botado na cabeça que eu ia fazer o chamado ano sabático. “Eu vou parar de trabalhar um ano.” Embora por mais conhecido que você seja, por mais badalado que seja, ficar fora do mercado, o pessoal esquece mesmo. Não pode brincar muito com esse negócio não, você tem que mostrar a cara. “Então eu vou fazer um ano sabático.” E falei pra todo mundo, a imprensa falou. “Eu vou ficar um ano sem fazer nada, quero descansar, me dedicar mais a família, fazer coisas que eu nunca fiz”, esse negócio todo. Primeira coisa que eu nunca tinha feito: nunca tinha ido com a minha mãe e meus três irmãos a Portugal. Aí eu falei pra minha mãe o seguinte - mas isso eu falei quando ainda tava trabalhando na Telemar -, eu falei: “Dona Célia, pega os seus três meninos” (risos) Um tem 60, outro tem 58 [e] o outro tem 55. “Pega os seus três menininhos, vamos pra Europa, vamos pra Portugal visitar todo mundo que você quiser, apresentar, a gente conversa. O que você acha?” Imagina, minha mãe com 81 anos, você fala um negócio desse, ela quase... “Ah, isso não é possível, isso não é verdade!” “Vamos sim.” Aí nó fomos os quatro, só teve dois bicões, minha filha e o marido dela quiseram ir também. Tá bom. E eu que já tinha tido uma experiência de fazer vinho e a colheita das uvas, você não viu aquele negócio muito bonito, maravilhoso. Eu tinha marcado exatamente com meus primos que tem, que fazem vinho, eu falei: “Quando é que vocês vão fazer a vindima” A Vindima é a colheita das uvas. Eles falaram: “17 de setembro nós vamos começar a colher as uvas.” Eles fazem o quê? Eles fazem um mutirão, né, as famílias fazem um mutirão porque você precisa colher todas as uvas em um dia, dois dias, pra alagar, pisar as uvas e fazer o vinho, né? Então eu falei: “Você vão ter mais quatro mãos de obra de graça pra colher as uvas, mas vocês têm que esperar até o dia 17 pra colher as uvas, né, - era dia 15 -, você tem que esperar até o dia 17, que nós vamos chegar dia 17.” E assim foi, fomos trabalhamos, ajudamos a fazer o vinho do ano. Aí minha mãe, visitamos todo mundo. “Tô deixando minha mãe feliz”, tem que deixá-la feliz. Acho que foi uma das coisas mais... Ela estava radiante com os três meninos. Aí, depois de uma semana, dez dias na região lá, visitando todo mundo, eu falei: “Agora chega, chega de português. Vamos continuar em Portugal, mas chega dos portugueses.” Aí peguei os meus outros dois irmãos e fiz o que nunca fiz também, nunca viajei com eles, nunca passeei com eles. Peguei um carro e fui pro norte de Portugal, tínhamos conhecidos, eu tinha ganho um prêmio em Portugal um ano anterior, tinha conhecido alguns políticos da região e um jornalista também. Liguei: “Ó, tô aqui.”, “Estou indo.” Fomos visitar a área dele [jornalista]. Fizeram aquele jantar pra mim, aquele negócio todo, e fomos visitar regiões maravilhosas que eu nunca tinha visto em Portugal. Aí passamos uma semana rodando, nós três, nós nunca tínhamos feito na vida, aí voltei, voltamos todos, né? A minha filha e meu genro participaram das vindimas pra fazer o vinho, depois, eles foram para o Algarve e nós fomos pro Norte - eles foram fazer um outro programa. Voltamos ao Brasil [e] fiquei mais dois, três meses sem fazer nada, aí eu falei: “Vamos voltar outra vez à Europa. Vamos aproveitar, já que o ano sabático é um ano que tem que render.” Aí fui passar um final de ano na Europa, que eu nunca tinha passado, naquele “Kaiserball”, que é aquele negócio que parece um conto de fadas, é muito bonito. Se tiverem a oportunidade, você vai... Porque, realmente, você volta ao tempo da Sissi, a imperatriz - era o palácio dela. Aí esse negócio todo e tem a Sissi, imperatriz para, recebendo a gente. É muito legal. Fomos com um casal de amigos, ficamos um tempo, passeamos, foi um inverno muito bom com neve, esse negócio todo aí, voltando. Mas antes disso, visitei o sul da Itália com meus filhos [e] minha mulher também. Então fiquei mais ou menos assim uns quatro meses vai e volta, passeia. Depois disso, já estávamos em fevereiro, acho que [de] 2002, aí o sabático já estava ficando um pouco... Eu tenho que fazer alguma coisa, né, ficar o ano inteiro sem fazer nada... Aí eu montei um escritório. Eu vou ser consultor um pouquinho, né, todo desempregado vira consultor, você não tem emprego... As coisas que traziam pra mim me interessava, né, então...
P/1 – Principalmente os competentes.
R – Então eu vou ser consultor. O que deu uma alegria danada, minha mulher adora fazer reforma, fazer não sei o que lá. Ela montou lá, fez diferente e tal, um escritorinho de 30 metros quadrados, né, aonde, pelo menos, eu saía de casa às 10 horas, ia pro trabalho, ficava vendo com quem eu ia almoçar, almoçava, ficava até às 3 horas almoçando, chegava às 4 horas em casa. É maravilhoso, muito bom esse negócio. Então eu ia pro escritório pra ver quem que ia almoçar comigo, né, você precisa pelo menos fingir que está trabalhando, né? Pelo menos você é visto. Quando você vai aos restaurantes, você é visto, mas eu todo de esporte, né, esse negócio, o pessoal ficava tudo com raiva. Eu brincava com as pessoas [que] se eu entro no Parigi [restaurante em São Paulo], pelo menos seis ou sete pessoas me conhecem. Eu todo esporte e os caras de gravata, né? E eu falava: “Você ainda tá nesse negócio? Ah...” Já superei isso, a gente ficava até com um pouquinho de inveja que o cara tava trabalhando de gravata, tava numa posição gostosa, mas eu fui fazendo isso. Até que um dos sócios do Banco Fator, que é muito meu amigo, há muito tempo, também, ele tava tendo alguns problemas já, a sociedade tava um pouco... Porque uns sócios queriam vender, outros não queriam vender o banco, aí ele, e um dos sócios, que é o Silvio Bresser Pereira, tava doente. Me parece que ele quer aproveitar o resto da vida dele com qualidade, não trabalhando, né? E quem comprasse a posição desse sócio, seria realmente o majoritário. Aí deixaria os outros sócios do banco em uma posição completamente desconfortável, porque o outro ficaria tão maior que os outros, então a solução era um deles comprar todo mundo, e esse meu amigo que é o Walter Appel... “Você não quer me ajudar a fazer essa negociação?” Eu era consultor, né - desempregado tem que ser consultor -, eu falei: “Eu faço isso.” Conheci o banco mais ou menos e comecei a brincar em fevereiro do ano passado [2002], comecei realmente a brincar. Vi o banco, analisei o banco, discutimos o valor, aí comecei a negociar com os outros três sócios a compra - é um processo difícil você comprar um banco de alguém, um banco de 37 anos, onde o fundador está vendendo. Então, aquilo parece um pedaço da vida dele, né, não é fácil você vender um pedaço da sua vida, mas eu tive muita paciência, eu sou uma pessoa paciente - acho que o meu sucesso vem da paciência. Eu desisti duas ou três vezes, mas sempre voltava no final. E esse processo demorou, tinha pego um outro projeto, mas, como não deu certo, eu tocava também. Esse processo demorou até o final de setembro. No final de setembro tava negociado com um preço definido, esse negócio todo, até que o Walter Appel chegou e falou: “Eu não compro sozinho. ‘não que eu não sei o que’ fazer com o banco sozinho”, “Eu não sou banqueiro, nunca trabalhei em banco”, “Ah não, você tem que me ajudar nesse negócio.” E aí eu fiquei pensando: “Vou ou não vou?” Esse negócio de ser banqueiro, não ser banqueiro, né, aí a mulher dele ligou tentando convencer a minha mulher, me convencer a ser banqueiro, esse negócio todo. É um banco de negócios, não é um banco de crédito. Aí passou duas semanas: “Ah, vou fazer! Vou começar de novo alguma coisa que eu não tenho a mínima ideia do que seja, certo?” Aí eu falei: “Está bom. Vamos começar”, e estou lá há nove meses fazendo algum tipo de trabalho. Não sou do ramo, realmente, mas é um banco de negócio [e] eu sei fazer negócio, acho que eu sei fazer negócio, eu tenho aptidão pra fazer negócio. Hoje nós temos três áreas de negócio que é a corretora, a maior do mercado brasileiro - hoje, em nove meses, nós multiplicamos 2, 3 vezes, muito bom. Não fui eu que fui o agente, falar... Eu fui o agente de falar “vamos crescer”, certo? A estratégia é pelo crescimento, não pelo corte. Deixei os outros trabalhar, eles me trouxeram a oportunidade e nós compramos, crescemos através de aquisições, melhorando também a operação. Nós temos uma área de gestão de ativos, tem 2, 3 bilhões hoje, mais ou menos, de ativos sendo geridos. Quando eu entrei tinha 1 bilhão e 350, que é o próprio dono do banco que é o dono da área. Eu até brinco que ele é meu subordinado, sou o presidente da holding [e] ele é meu subordinado. Eu falei: “O Chefe aqui sou eu, mas quem manda é ele. - Ele é o dono do
banco. - A hora que ele quiser me mandar embora, ele manda. (risos) Só sou o chefe...” E tem uma terceira área que é a famosa área de M&A, “Merger and Acquisition” - fica bonito falar em inglês, né - fusões e aquisições, que hoje tem o maior projeto do país, que é a fusão da Varig e da Tam, e tem mais 20 projetos. Então, o banco consiste nessas três áreas e uma tesouraria de banco normal, que a gente faz algumas operações de tesouraria, mas que não é o nosso foco realmente, crédito nós não damos a ninguém, não trabalhamos com crédito, então é um banco de negócios, faz corretagem pra vocês se quiserem comprar ações, pega o dinheiro de vocês, gerem o dinheiro. Se vocês quiserem vendem, compram ou reestruturam a empresa de vocês. É puramente um banco brasileiro, um banco de negócios.
P/1 – Quais são os seus maiores desafios hoje?
R – Meus desafios hoje são: primeiro, reestruturar esse banco que era um banco de quatro pessoas, quatro donos, onde cada um deles era dono de uma área. Então você não tinha um grupo, você tinha quatro empresas, certo? Meu desafio hoje é fazer isso, um grupo não ser quatro empresas porque existe sinergia em todas as áreas, certo? Nessas quatro áreas e a tesouraria, que é uma área também que deve estar estruturando operações financeiras dessas três. Então, a primeira é realmente você fazer isso funcionar como um grupo. E segundo, sistematizar os procedimentos desse grupo. Se você quiser crescer, enquanto é pequeno, consegue fazer transações não sistematizada, certo? Com poucos erros, no momento que você começa a crescer essa operação... Se não tiver processos, vai acabar perdendo a empresa e o futuro, porque você realmente não consegue ganhar em qualidade, certo? Esse é meu problema hoje, é reestruturar, fazer isso extremamente profissional, profissionalizar e não ter quatro pessoas que são donas de quatro nichos. Você tem um profissional em cima e tem profissionais tocando o negócio e ao mesmo tempo falar: “Minha gente, vamos trabalhar não de forma doméstica, mas de uma forma extremamente profissional. Vamos definir processos, reformar sistemas e preparar realmente para um crescimento”. É isso hoje é o grande desafio. Realmente é simples, é brincar, brincar, brincar e ficou. É crescer 5 vezes em 5 anos. Se eu vou conseguir, eu não sei. Se eu vou estar lá no 5º ano, eu não sei. Talvez no segundo ano eu vá começar alguma coisa de novo, ou porque me interromperam ou porque eu saí. Este medo eu não tenho.
P/1 – E o seu grande sonho?
R – Por incrível que pareça é dirigir uma orquestra sinfônica, é uma parte minha que eu nunca... Eu amo a música, certo? Música clássica mesmo. E já tive uma experiência de pegar um pedaço da sinfônica e dirigir.
Se você me perguntar: você conhece música? Eu cantei em coral quase 30 anos, fui até solista, baixo solista, mas eu fui sempre, eu nunca aprendi música realmente, mas tenho um bom ouvido, né, e eu entrei uma vez no exercício de, muito interessante em São Paulo. A Orquestra Sinfônica de São Paulo tem um grupo que participa de seminários e mostra realmente um trabalho de grupo, porque é uma sinfônica, uma orquestra é um trabalho de grupo, né, onde você tem solistas e os que tocam, os tocadores normais, que não são os solistas. Então ele faz um exercício muito interessante, ele pega 6 solistas e fala: “Vamos tocar essa música ‘x’ e cada um faz o seu solo.” Todo mundo vai achar que são virtuosos, que vai sair um som maravilhoso, [mas] é uma porcaria. Cada uma pega sua linha de virtuosidade e não tem harmonia no todo, certo? Aí depois ele toca a mesma música pela orquestra. E até que tem um solista se destacando que é completamente diferente, aí é harmoniosa e bonita. O outro exercício que ele faz, pega alguém... E, exatamente, o que é um executivo hoje? Você tem que ter a capacidade de ter que aprender o máximo de informações no mínimo tempo possível pra tomar decisões, certo?
Então às vezes você está decidindo coisas que você realmente não conhece e tem que estar o mais rápido possível, coletar informações pra tomar uma decisão, pelo menos, que não seja a mais errada possível ou a melhor possível. Então, vamos pegar alguém, vamos fazer exatamente um desses exercícios de executivo onde ele tem que tomar uma decisão sobre alguma coisa que ele não conhece: ele vai dirigir uma sinfônica que a orquestra ainda não sabe qual que é. Aí me chamaram pra ir lá na frente e eu dirigi. Por sorte, era uma música que eu conhecia de ouvido, [então] eu consegui dar o andamento. É maravilhoso. É claro que o pessoal foi muito bondoso, me aplaudiram no meio porque o andamento tava muito bom, mas isso também porque eu tenho um bom ouvido, eu cantei muito tempo em coral, entendeu? Eu vou trazer, dirigir uma orquestra sinfônica.
P/1 – Como é essa sua inserção no mundo da música? Desde quando? Sua Família tinha tradição, seu pai sua mãe?
R – Não, isso veio de igreja protestante, coral desde os 13 anos de idade. Eu cantava em coral, até os 42 eu cantei.
P/1 – Seu pai e sua mãe eram protestantes?
R – Meu pai não era nada, não era nem ateu, era “à toa”, como se diz. Agora, minha mãe era...
P/1 – Lá de Portugal já?
R – De Portugal. E ela é muito fervorosa, porque, na realidade, ela vem do tempo onde a religião católica era a religião oficial. Em Portugal era proibido outros cultos, né, então ela vem do meu avô que professava uma fé um pouco diferente, né? Ela é muito fervorosa, ela tinha uma religião, inclusive, deve ter ainda, que ela podia ser presa por causa disso.
P/1 – Vocês viviam em um ambiente de culto de comunidade?
R – Bastante. Olha, se você perguntar: “Você foi jovem?” Eu não fui jovem, trabalhei pra burro, estudei. Não fui jovem, eu nunca aprontei como um jovem, certo? A nossa diversão era a igreja, toda a parte social tava na igreja.
P/1 – Seu pai acompanhava?
R – Meu pai não, minha mãe... Eu fui criado na igreja, na realidade, até uma idade bem avançada.
P/1 – O senhor conheceu a sua esposa na Igreja?
R – Não, eu já conheci no cursinho para psicologia. Naquela época, quem fazia psicologia era mulher, né, eram 45 alunos, 2 homens e 43 mulheres, então era um paraíso pra mim, né? Eu tinha uma namorada lá dentro que vinha de uma outra experiência, aí eu falei lá dentro: “Olha, aqui nós não somos namorados - era um jovem” e eu sentei numa cadeira, a minha namorada sentou na frente e atrás de mim tinha uma loirinha que tinha dois rabinhos aqui, né, e ainda com sorriso de prata. Muito gozado, né? Aí eu virei pra trás: “Alguém tem uma caneta aí?” Eu nunca levava caneta... Ela pegou uma Parker 21 e me emprestou. Que eu estou, faz 34 anos que nós estamos casados.
P/1 – E ela se converteu?
R - Ela se converteu, mas nunca foi como eu - também nunca fui tão pesado - naquele, eu diria que os valores da igreja batista eu acho que estão todos aqui, moldaram todo, inclusive, o meu comportamento a vida toda, mas nunca fui fanático e ela menos ainda, não vai mais à igreja faz uns 15 anos. Eu ainda faço, digo: “O meu social.” Por incrível que parece, minha mãe está sentada no mesmo banco que eu sentava há muitos anos. Eu vou lá, sento do lado dela, ela fica tão feliz.
P/1 – E o senhor parou o coral por quê?
R – Porque começou a ficar muito pesado. Aos 43 anos, aos 43, 44 você começa a pegar mais responsabilidade, crescer com mais coisas a fazer, não tem tempo pra ir aos ensaios né? E aos 45 eu voltei para o Rio de Janeiro, então eu tinha que, nos finais de semana, [que] eu passava em São Paulo com a família que ficou lá, né, então isso parou. De vez em quando eu escolhia uma certa lista de música e falava pra minha regente, que era minha amiga: “Se você, domingo, cantar essa aqui, eu vou lá cantar com vocês” e ela fazia isso de vez em quando porque ela gostava de mim, o que vai muito bem. Realmente, eu acho que eu levito, como eu digo, dentro da igreja. A palavra tem pouco efeito sobre mim, mas a música tem muito mais efeito.
P/1 – O que o senhor acha da Vale estar fazendo esse trabalho de resgate da memória?
R – Eu acho maravilhoso. Primeiro, eu acho que estão me dando chance de eu fazer uma resenha da minha vida, que eu nunca tinha feito pra ninguém e é muito rico o material que vocês têm daqui com todas as pessoas que estão entrevistando. Deve ser, em termos de pesquisa e material, ninguém vai ter um material tão rico quanto o de vocês, evidentemente, as diferentes pessoas, as diferentes personalidades, os diferentes profissionais, os diferentes perfis de profissionais. Isso é fabuloso. Com isso daí dá pra fazer muita coisa, tem subproduto aí pra burro, né?
P/1 – A gente gostaria de agradecer muito a sua entrevista, foi muito boa, muito obrigado.
R - Eu que agradeço você, obrigado pela oportunidade. Se precisarem de mais alguma coisa, por favor.
P/1 - Obrigado.
[Fim do depoimento]Recolher