Projeto Vale Memória
Depoimento de Chequer Hanna Bou-Habib
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 17/12/2002
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV136
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Bom dia Chequer, gostaria de começar a nossa entrevist...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Depoimento de Chequer Hanna Bou-Habib
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 17/12/2002
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV136
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Bom dia Chequer, gostaria de começar a nossa entrevista pedindo que você dê o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Bom dia, eu antes de começar quero me desculpar com você, porque eu estou meio afônico, essa voz não é minha, eu também não sou nenhum Orlando Silva, mas também não é minha voz e eu também vou me reservar para não fazer muito esforço porque eu tenho que estar numa recepção na próxima sexta-feira e preciso de recuperar a voz até lá. Meu nome é Chequer Hanna Bou-Habib, nasci em Ibatiba no Espírito Santo em 1947 no dia 2 de agosto.
P/1 – Seus pais, o nome completo e a origem.
R – Meu pai era (Michail Chequer?) ele nasceu em Manhuaçu, Minas Gerais, em 1917 e morreu em 1973 aos cinquenta e cinco anos. Minha mãe Jardelina Farlala Chequer, nasceu em Ibatiba também em 1922 e está viva, tem oitenta anos e mora em Vila Velha no Espírito Santo.
P/1 – Você conheceu os seus avós, sabe o nome deles?
R – Conheci três dos meus avós, porque, quando a minha mãe se casou, o pai dela já tinha morrido, o pai dela Salomão José Farlala, morreu em 1943 e minha mãe se casou em 1945. A mãe da minha mãe Hilda José, eu conheci mas ela morreu em 1953, eu tinha seis anos quando ela morreu, me lembro vagamente dela. Pelo lado paterno, o meu avô paterno João Chequer, que veio do Líbano da região de Chartoun, veio para o Brasil no início do século e morreu em 1960 com oitenta anos, ele morava em Iuna também e minha avó paterna (Tacla Abdu Chequer?) morreu em 1981, devia ter, eu calculo, noventa anos, com esta avó eu convivi muito mais tempo, eu me lembro dela inclusive me dando banho e dando banho nos meus irmãos.
P/1 – Sobre a origem da família, sabe por que esse avô imigrou e por que ele escolheu Minas, por exemplo?
R – Sim, veja bem, se você estudar a imigração dos árabes para o Brasil, isso eu já li em vários livros, a história do meu avô não é muito diferente, dos meus avós não é muito diferente dos outros imigrantes. No final do século eles saíram do Líbano, da Síria para América porque eles queriam melhorar de vida e vinham pelo Mediterrâneo e paravam no porto de Marselha, em Marselha, porque a França era protetora do Líbano e da Síria. Paravam lá, todos eles tinham passaporte turco porque o império otomano mandava lá. Por isso que até hoje libaneses e árabes são chamados de turcos, porque eles chegavam no Brasil com passaporte turco. E eles não gostam porque eles detestavam a Turquia que os dominavam, então eles paravam em Marselha e eram despachados para América. Eles saíam de lá, atravessavam o Atlântico. Uns iam para América do Norte, Nova York, outros iam para Recife, outros iam para o Rio, para São Paulo, Santos, outros iam para Buenos Aires. Eles, como eram muito bons comerciantes e os que ficaram na cidade grande, muitos se deram muito bem, tanto que há grandes famílias de comerciantes, de industriais e outras profissões que são ricas, que são famílias muito conceituadas no Brasil. Os que foram para o interior porque não sabiam fazer nada, esses na sua maior parte ficaram a vida toda numa condição mais humilde. O meu avô era uma pessoa inteligente, ele aprendeu a escrever em português, a ler, a interpretar lei, o meu avô paterno. A minha avó paterna nunca não aprendeu nem a ler, ela era uma mulher muito humilde. Mas o meu avô materno chegou a ser um imperador na região de Rosário, hoje Ibatiba. Ele tinha lá grande casa de comércio, ele tinha fazenda de fornecer leite, fornecer energia elétrica, ele tinha gado, café e recebia aqueles viajantes, era um grande comerciante. Este também tinha muita instrução. A minha avó materna, não tenho noção que grau de instrução que ela tinha. Mas eles vieram pra cá pra melhorar de vida, esta é uma razão também porque a maioria dos descendentes de libaneses que foram para o interior não falam árabe, eles estavam mais preocupados em aprender português do que ensinar o árabe. Os que vieram para o Rio, São Paulo, Santos etc., e que ficaram mais bem de vida sempre conseguiram voltar à sua terra e ensinaram a língua para os filhos, mas os que ficaram mais pobres tinham outras prioridades.
P/1 – Sobre a origem do seu sobrenome, qual o significado?
R – Veja bem, Chequer é um nome comum no Líbano, a forma de agradecimento, quando você fala alguma coisa com uma pessoa, ela fala: “Shukran”, quer dizer “Obrigado”. É uma graça portanto e de Shukran saiu Chequer, Chequer é pronunciado “Chequer” no Líbano, no Golfo quando eu viajo pelo Golfo pela região da Arábia Saudita já se pronuncia “Chacar”, quando eu vou na região da Tunísia ou do Marrocos na África, já se pronuncia “Chequir”, porque a língua árabe tem essas diferenças mas o significado é o mesmo. Hanna quer dizer simplesmente João, assim como tem Hans, (Hiorron?), Ivan, esses são João. Bom, igual Habib, Habib é um nome próprio significa também uma expressão de afeto, de caro amigo, de estima, Habib. Bou, quer dizer pai, proposição a Ben, você se lembra do filme Ben Hur, Ben ou Bin Laden, filho de Hur ou filho de Laden, da família, né, Bou é pai, por exemplo, o ex-ministro da Justiça Abi-Ackel, Abi eu não sei se é filho ou é pai, mas eu acho que é pai, Abi-Ackel, eu tenho um tio que é Abi Habib, não é Bou Habib.
P/1 – E de que forma essa sua origem libanesa, quer dizer, de que forma isso é presente na sua vida, essa cultura libanesa, como é que isso foi transmitido pelos pais, foi na cultura, foi na religião?
R – Não, como eu disse, meus avós, meus pais eram de origem muito humilde, então isso de cultura só meu pai que zelou por ela. Nós estudamos muito sobre a cultura. Mas aí é um aspecto interessante. O lugar que eu nasci não tinha nada, Ibatiba, sei lá, tinha cento e cinquenta casas, não tinha energia elétrica nessa época, não tinha quase nada, então não tínhamos diversão. A cidade era escura, iluminava com lampiões, lamparina etc., e na casa do meu pai havia muita lamparina, vela e tinha um lampião, aqueles lampiões de camisinha incandescente, o que brilha muito, era o único que tínhamos. Então, nós jantávamos, tomávamos banho e íamos na rua que nem indiozinhos lá, eu até os cinco anos andava muito pelado, só com uma camisetinha para não sujar a roupa, besteira, mas enfim, a noite tomava banho e tudo mais e não tinha televisão, não tinha rádio, a nossa diversão era ler e meu pai então tinha muitos livros antigos. Ele coletava livros e lia alto e nós ouvíamos e ele para ler e os outros ouvirem você tem que interpretar, você tem que fazer gesto, se há uma intervenção, uma exclamação você tem que exclamar, não é leitura silenciosa, mas meu pai se cansava um pouquinho, só tinha um lampião, então minha mãe lia, eu lia, depois meu irmão mais velho e depois outro. Lá em casa todo mundo é muito falastrão e muito veio daí. Mas estudamos alguma coisa da cultura árabe, mas no início só nos trouxe problema porque eu tenho um irmão Nami, Nami trabalha na Vale do Rio Doce há muito anos, mas Nami é um nome árabe que “Name” que também dá esse Naim, tinha um cantor um tempo atrás que tinha o nome de Naim, então nunca naquele lugar pequeno, naquele lugar sem cultura chamava a gente pelo nome certo, meu pai virou Miguel a vida inteira. Então, primeiro foram problemas, o Nami era chamado de Lamas, o meu tio (Chulaimen? Suleiman) que quer dizer Salomão (Chulaimen?), era chamado de Selemen porque eles não tinham, então no começo eram problemas, depois, quando fomos para vida estudantil e tudo aí, não deu mais nenhum problema, por último me ajudou porque por coincidência eu fui para Bruxelas, recentemente, no ano de 1991 e fui trabalhar nos países do Oriente Médio, eu acho que isso me ajudava.
P/1 – Agora, em termos de família, vocês são quantos irmãos e quais são as suas memórias da sua casa e da sua infância?
R – Bom, lá em casa nós somos onze e dez nasceram lá em Ibatiba e tínhamos uma casa que não era grande, então era comum dormimos dois em cada cama ou dormíamos na casa da minha tia etc. Eu tenho dez irmãos hoje, João é o mais velho, eu sou o segundo, Nami, Miguel, Dumith, (Tatua?), Abud, Carlos, Maron, Fátima e Mikeil, Mikeil é o mais novo, é o nosso bebê, ele tem hoje trinta e seis anos, é empresário mas ainda é o nosso bebê. Minha mãe está com oitenta anos, tem um corpo de uma menina porque ela é magrinha e está muito bem felizmente e nós sempre estamos em torno dela. Nossas recordações do primeiro lugar que nós moramos são recordações de brinquedo, de rua, de andar descalço, de caçar passarinho, de ir ao colégio, são recordações típicas de quem morava no interior. Não éramos ricos, nunca tivemos muito dinheiro, mas nunca passamos dificuldades porque éramos pobres, não. Não tínhamos dinheiro mas também não passávamos necessidade. Minhas recordações desse período vêm do fato que meu pai era farmacêutico prático. Então, minhas recordações era vê-lo saindo de noite atendendo pessoas, vendendo remédios e tendo que receitar. Não havia médicos, ele que ouvia as pessoas assim, aplicava o ouvido nas costas das pessoas para ouvir o pulmão etc. Então, as recordações que eu tenho da época são uma casa antiga e uma farmácia pequena e meu pai ali. Era um lugar também perigoso porque meu pai mexeu com política e a política naqueles tempos era muito perigosa, havia ameaça, havia ameaças sempre mais ou menos veladas e tanto que, posteriormente, ele saiu de lá. Ele se elegeu Deputado por duas legislaturas, viemos para Vitória, foi o que nos permitiu estudar. Meu pai, nesse tempo quando estávamos estudando, ele nos dizia: “A maioria das pessoas nesse lugar não estuda”. Ibatiba era muito ruim para isso, as pessoas estudavam até o quarto ano primário, a irmã da minha mãe, a minha tia Jane, hoje ela deve estar com setenta e cinco anos, foi professora de todo mundo naquele tempo. Ela que nos ensinou a ler, a entender as coisas etc., aprendemos muita coisa boa com ela. Mas papai dizia, chegou o quarto ano primário ninguém faz mais nada ou eles vão para roça, vão para o comércio, vão fazer outra coisa, não havia cultura de estudar. Então, ele fez um voto para a minha mãe e nos impôs, é o que eu chamo liderança ao invés de chefia, ele dizia: “Aqui em casa a prioridade é que todos vão estudar”. Uma vez ele veio a Vitória a serviço lá da política dele e viu na rua uns indivíduos carecas de boina, então ele perguntou a um amigo: “Por que eles estão carecas?”. “Porque eles passaram na Universidade. Aquela boina verde ali é Medicina etc., Engenharia é azul etc.” E ele disse aquele dia que ele foi para o hotel, antigo Hotel Majestic lá em Vitória, e no quarto à noite ele ficou pensando: “Será que eu vou ver meus filhos também carecas, de boina?”. Então, ele ficava com aquilo na cabeça, né, quando ele morreu muito novo, cigarro hem, cigarro.q Quando ele morreu muito novo eu estava formado, o João Chequer também e o meu irmão Nami também, mas outros oito ainda estavam no primário, no ginásio, no científico e a mamãe tomou assim essa tarefa e felizmente todos estudaram, todos foram para Universidade, todos passaram. Eu me lembro com recordação daqueles tempos papai dizendo: “Tudo que vocês estudam é um patrimônio que vocês não perdem mais”. E é importante, o homem culto leva uma grande vantagem, a cultura sozinha não te leva em lugar nenhum não, mas sem ela fica muito difícil, você vai ser sempre um cidadão de segunda classe, mas talvez não se possa dizer isso porque não é politicamente correto, mas ele falava: “Sem estudar, só sabendo rabiscar o nome, vocês têm que estudar”.
P/1 – E seu pai era candidato de qual partido, como que era a história?
R – Meu pai era do partido PSD, partido após a queda do Getúlio Vargas, saída do Getúlio Vargas foram criados os partidos PSD, DM, PTB, foram três grandes partidos com conceito de partido muito mais forte do que hoje. Um indivíduo era de um partido porque gostava, General Dutra o outro era do PTB etc. Meu pai era do antigo PSD e ele em 1958 se candidatou a Prefeito e perdeu. Em 1962 ele se candidatou a Deputado e ganhou, fomos para Vitória. Ele foi eleito duas vezes a Deputado de 1962 a 1966 e depois até 1970. Então, ele perdeu a eleição depois e com a família muito grande meu pai não tinha, ele morreu muito pobre, pobre assim, não estava faltando nada, mas ele não tinha dinheiro, meu pai nunca comprou um carro. E em 1970 até 1973 ele trabalhou fazendo várias coisas, vendendo terreno e depois o estado do Espírito Santo o convidou para ser chefe geral do patrimônio do estado, era um lugar muito complicado porque tudo que o estado comprava, reformas de grupo, passava por ali e era um lugar que a corrupção era muito fácil. Então, eles chamaram papai pela qualidade, a probidade dele e tal. Ele estava ali quando morreu em 1973, foi isso que aconteceu, ele era do PSD, partido do Juscelino, partido do Tancredo Neves.
P/1 – Agora em termos de educação tanto religiosa quanto política, isso era um tema presente na sua casa, qual era a religião da família?
R – Católica, porque somos cristãos maronitas. Então, nós somos católicos. A religião sempre esteve presente porque minha mãe, minha avó, elas eram religiosas, minha tia, então nós tínhamos religião. Hoje isso evoluiu pelo fato que hoje lá em casa todos têm uma certa cultura religiosa, somos católicos meio relaxados, né, mas temos um conhecimento, nós estudamos muito, tenho um irmão que estuda muito o aspecto da religião, alguns são praticantes da religião. O lado cultural geral sem dúvida, papai dizia que você pode saber tudo, mas na hora de escrever, se você escrever um cachorro com x já estragou tudo, então não pode a cultura da língua, do idioma, tinha que ser presente.
P/1 – A língua materna era portuguesa, quer dizer em casa era o português, seu pai falava árabe?
R – Meu pai entendia, mas não falava, é difícil falar árabe, é bem difícil. Então nós estudávamos muito e a parte de, meu pai só tinha o quarto ano primário, porque em 1928 ele tinha dez anos e meu avô saiu da cidade de Manguaçu e foi para uma fazenda que ele arrendou lá no Caparaó no pé do pico da Bandeira, essa fazenda foi comprada, eu não sei os valores direito, foi uma entrada em dinheiro e mais o equivalente a mil arrobas de café, arrendou a fazenda por esse valor. Mas o café em 1928 tinha um valor lá, eu acho que era trinta e sete mil réis vamos supor, em 1929 houve a crise, o crash em Nova York, o café caiu para seis mil réis, então meu avô nunca conseguiu pagar a fazenda. Em 1942 ele foi para Ibatiba, mas meu pai estudava em Manguaçu no primário quando foi para fazenda capinar à enxada. Então ele não estudou além do primário, mas era um homem extremamente culto. Ele escrevia discursos, ele representava sempre um governo na Assembleia nos lugares por causa da sua grande cultura e nós víamos isso nele e admirávamos esse certo fato, tínhamos um certo orgulho em saber que meu pai nunca fazia um rascunho, ele pegava e escrevia e pronto e era muito bem aceito. Então, da parte de cultura, religiosa e política era mais ou menos nesse nível. Mais tarde, eu já profissional e tudo, eu fiz um curso de Ciências Políticas um pouco pensando nele, eu fui e fiz um curso na Universidade de Brasília sobre Ciências Políticas e me dediquei nesse curso a entender um pouco mais a política eleitoral, entender coisas como o Enéas ter um milhão e quinhentos mil votos e levar com ele um deputado com duzentos votos, porque como é isso, né, sistemas aí etc., então fui estudar mais tarde.
P/1 – Agora, a sua juventude, como foi a sua juventude? Isso já foi o quê, Espírito Santo, né?
R – Sempre Espírito Santo.
P/1 – Como era a juventude, grupo, baile, esporte, praia, como era isso, música?
R – Até os catorze, quinze anos eu vivi lá em Ibatiba. Como a cidade era muito pequena, a gente ficava brincando de rua e tudo mais. Dos doze, treze, catorze anos eu fui para Iúna, uma cidade maiorzinha um pouquinho para fazer o ginásio. Lá também a vida era muito simples, lá eu trabalhava no comércio com meu tio e estudava à noite. Eu tenho grandes recordações dessa vida, mas recordações cálidas assim da infância, mas não tinha nenhuma grande coisa. Quando viemos para Vitória no início da década de 1960, nós chegamos numa década maravilhosa que quem a viveu como eu vivi, como adolescente, é um privilegiado. Na segunda metade do século, foi a década das revoluções no Brasil, do Kennedy lá com Cuba, foi em Paris em 1968, a década dos Beatles, a década do James Bond, a década do Muhammad Ali, Elvis Presley. Então, nós tínhamos muitos ídolos e todos nós gostávamos dessas coisas de música, de dançar rock, de dançar em casa das pessoas, né, aquele tempo era tempo de clube todo sábado, tinha aquela domingueira, todo domingo tinha uma domingueira no clube e aos sábados ou sextas-feiras tinha chove de brincadeiras. “Tem uma brincadeira na casa da fulana, beltrana.” Era um bailezinho de dançar, dançar o som The _______ ou de Bob Dylan etc. Naquele tempo também eu me lembro de um disco de Roberto Carlos rosinha, eu me lembro do comentário da Veja, não na revista, do rádio: “Fazendo muito sucesso fãs fazem bonito o ídolo feio”. O ídolo feio era Roberto Carlos, ele estava também despontando, o Roberto Carlos. Mas também foi o tempo em que ainda faziam sucesso os seresteiros, então eu cantava, eu era contratado como cantor de seresta, eu era menino, eu cantava alto, naquele tempo tinha voz de tenor. Então, embora criança, eu era levado nas serestas para cantar e acompanhava as pessoas, era uma coisa, tinha também os seus pecadilhos, mas era uma coisa relativamente sã.
P/1 – Como o quê, por exemplo?
R – Por exemplo os bailes, as namoradas, a gente namorava e dava uns beijos nas namoradas escondido e tudo, mas não era, nós tínhamos um certo pudor em público, hoje as coisas são bem diferentes, naturalmente. Naquele tempo era um tempo assim de maior contenção. No final da década de 1960 já estávamos começando a liberar, então veio a contracultura e veio as coisas de Gil e Caetano tinha sido exilado, tinha ido para Londres, aí começou a grande mudança dos costumes no final da década. Foi um período maravilhoso eu entrei nela perfeitamente como um (tineider?), porque em 1960 eu tinha treze anos e em 1971 eu saí na escola graduado, então foi um período muito interessante. E trabalhávamos, nós tínhamos que trabalhar, eu trabalhava a noite vendendo livros, saía a noite de terno e gravata, livros, um pasta visitando casas, batendo nas portas e oferecendo a minha mercadoria.
P/1 – Que livros, você lembra?
R – Livros de todo o tipo, era uma editora grande, eu não me lembro mais o nome, Formar me parece. Vendia dicionários, contos. Eu chegava numa casa e já sabia quem morava ali. Era uma casa que tinha criança, então eu levava contos de fada, livros de Matemática para crianças. Numa ocasião aconteceu uma coisa inesquecível, havia uma coleção que ninguém conseguia vender, uma coleção sobre Psicologia ou Filosofia, ninguém conseguia vender, então eu fui para o catálogo e achei um professor de Filosofia, marquei, liguei o sujeito. “Pois não.” “Então, eu quero conversar.” “Vem cá.” Então eu fui, cheguei lá, bati na casa à noite, o sujeito veio mastigando assim: “Ah, eu marquei, nós estamos jantando, você quer jantar?”. “Não, obrigado.” “Então, espera aqui na biblioteca.” Eu entrei na biblioteca e tinha livros para todo o lado, eu falei: “Ele não vai comprar”. E ele era um professor conhecido, né, e eu fiquei lá e eu era um bom vendedor porque eu lia tudo sobre a obra, lia sobre os prospectos todos e daqui a pouco ele chegou, ainda me trouxe água, um cafezinho e disse: “Chega meu filho, o que você tem pra mim?”. Eu disse: “Olha, tenho aqui uma coleção que talvez interesse ao senhor, é sobre filosofia”. Aí ele falou: “Cadê?”. Então eu mostrei a ele, tinha sempre um exemplar que representava aos outros, tinha uns encadernamentos de vários volumes dentro de um só volume. Ele apanhou aquele livro folheou, olhou: “Muito bom, muito interessante. Agora, eu discordo disso aqui apesar de estar aqui, porque isso, aquilo, agora, aqui, claro sem dúvida”. Eu falei: “O senhor gostaria de ficar com essa coleção?”. “Na verdade, eu já tenho, olha ela ali.” Aí mostrou a coleção, estava na estante dele. “É, efetivamente o senhor já tem.” “Você quer ver uma coisa?” Apanhou o primeiro volume, abriu e estava ele, ele tinha feito o prefácio, apresentação da coleção, ele que era o autor, aí eu falei: “Bom, eu lamento muito, acho que tomei seu tempo à toa”. “Não, quais são os outros livros que você tem aí?” Aí me comprou duas ou três coleções. Contos de Grimm comprou lá para os filhos dele, eram coisas interessantes também. Já fui fazer vendas de livros em casas de gente à noite e ser atendido pela dona da casa e ela não estava interessada em comprar livros, ela queria mais comprar o vendedor, então a gente às vezes passava algumas situações, mas a gente tinha muita instrução como proceder, a gente tinha que sair correndo. Também já eu era meio atrevido, uma vez um sujeito não queria comprar livro, eu tinha um livro de cultura. “Mas o senhor tem uma filha?” – Eu falei com ele: “Tenho e daí? Eu educo. Não preciso desse livro. Não gosto de vendedor.” “Mas desde quando está escrito vendedor na minha testa?” “Não interessa, o senhor quer o quê, que sua filha, o que o senhor quer que ela seja no futuro, uma prostituta por um acaso?” Quando eu falei assim, o sujeito chamou um cachorro, eu desci a rua Wilson Freitas lá em Vitória, eu desci com a gravata voando para um lado, o paletó voando para o outro, a papelada espalhada para não ser mordido pelo cachorro. Eu era meio atrevido, né, mas eu era um bom vendedor, eu vendia bastante. Então, nesse tempo, para você ter uma ideia, nós formamos um time de futebol que jogamos juntos durante trinta anos.
P/1 – Formado nessa época?
R – Hoje ele está num livro, hoje esse time faz parte de um livro, tem a capa do livro, eu apareço na capa, meus irmãos, sim, nosso time começou a jogar em 1966.
P/1 – Como é o nome?
R – O nome do livro?
P/1 – Do livro e do time.
R – O time não tinha nome, era uma pelada total, né, mas o livro que foi escrito chama-se “Sempre aos Domingos”. Eu tive o prazer de fazer o prefácio do livro e o autor é um dos nossos jogadores e o livro conta a trajetória dos trinta anos de pelada que nós jogamos. Então, era uma época em que se faziam amizades sólidas. Hoje também temos uma alegria muito grande que dos jogadores que jogaram lá eu diria que mais de oitenta por cento são formados, estão bem na vida, são médicos, outro bancário ninguém ficou assim..., era um grupo muito bom, reuníamos na nossa casa, a minha casa era grande em Vitória, até hoje reunimos lá, qualquer festa: “Vamos lá na Dona Lila”.
P/1 – Tua mãe mora em Vitória ainda?
R – Mora em Vila Velha, minha mãe é chamada “Mãe dos peladeiros”. Então, ela que fazia arrecadação de dinheiro para compra de bola, ela que convocava, minha mãe participa muito das coisas, é muito participativa. Então, um período em que nós conseguimos um núcleo de amizade, de cultura no final muito bom. Nós íamos ver filmes no cinema, voltávamos naqueles cinco, seis ou oito e sentávamos na varanda e papai sentava junto e debatíamos o filme que tinha visto.
P/1 – Algum filme que tenha te marcado mais nessa época?
R – Certamente.
P/1 – Qual?
R – O Homem que queria ser Rei, na década de 1970, foi um filme que eu achei maravilhoso. Mais tarde eu vi um filme também simples, mas é extraordinário, que foi Doze Homens e uma Sentença, inclusive, eu quero montar a peça, eu quero traduzir e montar um dia na minha vida e outros filmes, tinha filmes muito bons, os filmes do James Bond, nós íamos olhar todos. Enfim, mas eu vi um filme chamado Cromwell com Richard Harris que morreu outro dia, que eu acho até hoje extraordinário porque nós fomos ver o filme, meu pai foi ver o filme, assistiu, voltou e me mostrou porque o filme não era exatamente a verdade, eu ficava admirado com a cultura do meu pai. Um filme que me marcou lamentavelmente foi o filme Os Doze Condenados, foi um filme simples, longo, mas num domingo eu estava lá em casa visitando, eu já era casado, visitando meu pai, minha mãe e passou um grupo de amigos: “Vamos ao cinema, vamos assistir Os Doze Condenados”. “Eu já vi esse filme.” “Vamos, vamos.” “Ah, eu não sei se eu devo.” “Vai, vai com eles.” Aí eu fui, assistimos um filme que eu já conhecia e de lá voltei tarde, fui para minha casa e na quarta-feira seguinte o meu pai morreu. O filme não tem nada com isso, mas eu estava lá conversando com ele, podia ter ficado mais, é sempre assim, né, a culpa não era do filme é claro, mas aí eu fiquei..., eu não quis mais ver esse filme.
P/1 – Mas como ele sempre te incentivava. (PAUSA) Então vamos pegar agora a parte da Engenharia, você gostaria de colocar mais alguma coisa?
R – Só um item interessante. Em 1983 aqui no Brasil já tinha chegado o vídeo cassete, na época eram duas máquinas, uma e outra, eu não sei o que elas faziam, uma rodava a fita, outra etc., e um amigo nosso comprou um vídeo cassete e levou lá em casa para nós vermos, a minha mãe falou: “O que é isso?”. “Ah mamãe, isso aqui é assim, assim, assim...” – explicamos. “É igual gravador?” “É, só que grava a imagem.” Então ela disse: “E por que vocês não fazem um filme?” “Ah, porque Deus me livre!” Mas aquela ideia ficou rolando na nossa cabeça, então me encomendaram um filme. Então, em 1983 durante cinco meses organizei um filme, escrevi cartelas assim com tudo porque eu tinha que fazer tudo e era segredo porque eu achava que os únicos que iam ver o filme eram nós mesmos, então se todo mundo participasse de tudo...
P/1 – “Nós” quem? Sua família, seus irmãos?
R – Amigos, pessoal da pelada. Então, comecei a escrever as cartelas com diálogos, movimentos de câmeras e tal. Chamei um amigo que entende um pouquinho de cenografia e falei: “Escuta, quando eu fizer uma cena de suspense, quando eu fizer uma cena assim, assado como é que eu faço?”. Fiz ele me ensinar e fizemos um filme, montei um filme com meus irmãos, dei emprego para todos e fizemos um filme, gravamos durante quatro, cinco meses e depois editamos o filme, ficou com uma hora e dez a história que recentemente a fita perdeu a qualidade, depois de vinte anos, um amigo meu masterizou, jogou num CD e esse filme talvez foi a nossa maior realização cultural conjunta, que foi todo mundo trabalhando, dando uma de ator, canastra todos nós. Eu apareço no filme trinta segundos só, faltou alguém e me puseram lá, mas eu dirigi o filme e pusemos música e tal e muitos canastrões ali, outros não sabiam fazer direitinho. E eu dirigi o filme, foi uma fase muito divertida e em 1983 o filme foi apresentado à sociedade, quer dizer, em outubro de 1983 um filme de uma hora e dez, todo mundo aparece fazendo seu trabalho de cinema, o filme chama-se A Facada Imortal, que é baseado num conto maravilhoso de Monteiro Lobato, que eu adaptei para o cinema vamos dizer assim. Essa foi uma realização. Agora recentemente um amigo nosso escreveu um livro, dois livros aliás ele escreveu, ele resolveu ser escritor porque ele quase morreu, teve um câncer, teve um derrame, teve aneurisma mas conseguiu sair vivo e resolveu virar escritor, é um dos que jogam a pelada e que é o autor do livro, ele fez depoimentos interessantes mas essa foi a nossa grande contribuição. Mas eu tenho um irmão, o Dumith, que ele é pesquisador ele trabalha na Fundação Oswaldo Cruz. Este tem muitos trabalhos publicados no mundo inteiro, fez parte de uma equipe que tinha dois professores que disputavam a primazia, a descoberta lá da Aids, aquele livro Montanhe um francês e o galo americano ele trabalhou com um desses dois, eu não sei qual deles, mas fez parte de mesas. Esse também já escreveu seu livro e já plantou a sua árvore.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Dumith, ele é padrinho do meu filhote, mas ainda não teve o filho, então talvez ele não faça as três coisas, mas essa foi a realização cultural maior que nós temos.
P/1 – Bom, então, agora vamos voltar para sua parte de formação profissional, você é formado em Engenharia, por que engenharia e como é que deu esse ingresso na Universidade?
R – Quando eu entrei no chamado Segundo Grau já durante um período no Brasil você tinha que decidir que carreira seguir, exatas Medicina, Odontologia ou humanas, uma tolice você com dezessete anos, então quem escolhia Medicina ou humanas porque mais ou menos, eu todo mundo dizia: “Chequer tem que fazer Engenharia, Matemática, ele entende ____________. Sempre dei aula de Matemática, então sai para o lado de Engenharia, depois de três anos no Segundo Grau, estudando muito pouco Química, muito pouco Biologia etc., eu não tinha chance de fazer o vestibular de Medicina, hoje a prova é mais ou menos parecida e naquele tempo a prova não era múltipla escolha, de resolver problema, de redigir e tal, então eu saí para Engenharia por esse motivo, não é nada específico. E eu então fiz vestibular em 1967, éramos duzentos e cinquenta e dois candidatos na época. Na primeira prova cento e trinta e sete sucumbiram, então praticamente nós fomos para as outras provas com, eram oitenta vagas praticamente, as outras provas ficaram mais fáceis e aí entramos na escola em 1967 e eu estudei de 1967 a 1971 me especializando em transporte já no período final do curso.
P/1 – E como era esse ambiente universitário nessa época? Politicamente uma época difícil no Brasil.
R – Terrível mas enriquecedor, porque quando eu entrei em 1967 já estávamos com Castelo Branco na Presidência e havia movimento estudantil para todo lado contra aqueles acordos MEC, Urside, contra entreguismo para os Estados Unidos e todo mundo era simpático à causa João Goulart, Brizola, Julião, Arraes. O estudante sempre é o primeiro que fala e o primeiro que apanha também. Então havia muitas greves, muito movimento, a participação política era muito grande. Eu corri muito da policia, muito mesmo, mas eu nunca apanhei não, mas havia colegas meus que desapareceram, inclusive, nunca mais foram encontrados. Então era um período de muita participação política, sempre protestando, em 1968 entrou AI 3, né, AI 5 em 13 de dezembro, o AI 5 e aí realmente fechou tudo, os estudantes apanharam muito e a gente não deixava passar, fazia movimentos e era época de festivais de música.
P/1 – Você frequentava, você ia aos festivais?
R – Alguns sim, Vitória não era um centro de, era difícil vir ao Rio e tal mas algumas vezes eu participei de eventos desse tipo, sempre protestando para todo lado. Meu irmão mais velho, o João, era mais ativo, inclusive ele corria, uma vez ele ficou escondido um tempo lá no apartamento de um amigo porque eles estavam querendo pegá-lo. Tive um outro amigo meu também que foi preso, um colega próximo de mim, hoje ele é falecido, e sumiu, quando ele voltou ele só tinha os dentes daqui para cá, daqui para cá tinha, todos perdidos de apanhar. Ele não consertou os dentes nunca, ele disse: “Eu só vou consertar os dentes no dia em que a democracia voltar a imperar no Brasil”. Tinha muita convicção, né, Júlio César Pratos de Matos, um herói convicto. E tinha gente de todo o tipo, né, tinha uns que apoiavam os militares, mas foi um período também de muito milagre, em 1969, 70 o Delfim, o ex-Ministro da Fazenda, Médici assumiu a Presidência em 1970 e queria governar muito de fachada ele não governava nada, ficava só aparecendo. Hoje a história diz que ele não queria nada com o governo, quem governava eram os ministros dele. Então, houve um milagre brasileiro, quando eu saí da escola, uma coisa inacreditável, eu andava no corredor da escola e havia cartazes e dizia assim: “Atenção, não se comprometa sem falar conosco, temos vagas, precisamos de você, venha nos procurar”. Isso era a Vale do Rio Doce, era companhia de portos, era companhia de saneamento, companhia siderúrgica, como era um período de crescimento eles queriam mão de obra boa, então havia emprego.
P/1 – Mas qual era a sua expectativa na época como profissional, como engenheiro, você tinha gol, você almejava trabalhar numa certa empresa?
R – Eu vivia a cada dia, hoje os estudantes são mais conscientes disso, hoje eles são mais preparados, desde pequenos eles já..., eu tenho um sobrinho que começou um curso, depois de um ano falou: “Eu não quero esse curso não, eu quero aquele”, e mudou. Naquele tempo cada um de nós vivia cada dia, fazendo engenharia para mim virou uma coisa natural, estava lá na escola, eu não ficava: “Ah, eu queria fazer outra coisa”. Em 1969 eu recebi uma ligação lá em casa do Diretor que vai aposentar agora, meu amigo Eduardo Faria: “Quer trabalhar?”. Eu disse: “Quero”. “Então vem cá.” Então eu fui lá na Vale do Rio Doce.
P/1 – Espera aí, o Eduardo como ele era, era teu amigo, conheceu de onde?
R – Desde de 1963 a gente se via na rua e conversava e ele era vizinho a Dona Julia, morava há uns cem metros da minha casa. Tinha o Eduardo, tinha os irmãos dele, tinha as irmãs dele também, moças bonitas e duas delas namoravam, dois dos nossos colegas, então a gente sempre estava lá em volta da casa dele e o Eduardo me telefonou: “Quer trabalhar?”. Eu disse: “Quero”. Então fui lá 19 de maio de 1969, cheguei lá entrei lá na Vale procurando o Eduardo. Ele disse: “Você quer trabalhar mesmo Chequer?”. Eu disse: “Quero”. Então vai lá no décimo primeiro andar e procura o fulano de tal, aí eu fui, aí o Cido sentou e conversou comigo um pouquinho e perguntou coisas do tipo: quantas segunda época ou dependência eu tinha feito na escola. Eu falei que não tinha feito nenhuma. “Você não faz segunda época, nem dependência?” Eu disse: “Não”. “Em que matérias geralmente tem que fazer prova final para passar?” “Olha, infelizmente eu nunca fiz uma prova final, já negociei em outubro, já passei e deixo os bobões lá brincando.” Ele riu e tudo, perguntou se eu falava inglês, eu disse que falava um pouquinho, aí eu fui admitido como estagiário, training.
P/1 – O que você conhecia de Vale do Rio Doce naquela época?
R – Nada, eu visitava Tubarão durante as obras só para ver as pedras, a noite eu via os caminhões lá, não sabia nada da Vale do Rio Doce, nada, a Vale vinha, estava crescendo muito, tinha inaugurado Tubarão três anos antes, estava crescendo. A Vale até Tubarão era uma empresa de dez milhões de tonelada por ano, quando inaugurou Tubarão era dez, catorze, vinte e oito, quarenta e dois, desse jeito. Então fui trabalhar lá e lá fiquei como estagiário, 1969 e 1970.
P/1 – Como era esse ambiente de estagiário nessa época?
R – Ótimo.
P/1 – Você trabalhava em quê? Qual era a sua função?
R – Esse indivíduo para onde eu fui trabalhar, era um lado mais científico naquele departamento, foi lá que eu tomei conhecimento da chamada pesquisa operacional, lidar com alta matemática, modelos matemáticos, nesse lugar passaram pessoas muito boas e que me ensinaram muito. Eduardo Faria ficou em outro departamento, mas Bernardo Espigo que foi Vice Presidente da Vale tinha chegado em 1970, era novato lá também e depois virou Vice Presidente da Vale e outros indivíduos assim preparados, eu ficava olhando, mirando nesses indivíduos porque eram matérias mais científicas, era alta matemática, computador e etc. Bom, então o ambiente era bom também porque o nosso chefe, eu não sei se vocês já tomaram depoimento dele, hoje ele é aposentado, chamava-se Josef William Braun. O Morris era nosso chefe, o Morris era bravo, a gente nem passava perto da sala dele, mas ele tinha duas ou três coisas que nunca mais eu esqueci, ele ensinou na época, primeiro ele dizia: “O estagiário está aqui para aprender, é uma mão de obra boa, barata, melhor do que a comum e não admito estagiário aqui fazendo xerox e trazendo cafézinho, eles têm que fazer tarefas boas, têm que participar das reuniões, têm que participar das decisões, do processo decisório para que eles fiquem bons profissionais e sirvam eventualmente para a empresa ou para uma outra”. Com este princípio eu aprendi muito, Morris me ensinou uma outra coisa inesquecível, nunca mais eu me esqueci, ele dizia: “Há quatro coisas que você não pode nunca quebrar, só pode quebrar essa em favor dessa, só, esta aqui é a matemática, você respeite a matemática, nunca ofenda a matemática porque vai sempre sofrer, a não ser que você esteja em favor algum momento da sua empresa, se você entende que quatro tem que ser maior do que cinco porque ao fim a empresa vai ganhar é razoável, é como os indivíduos que fazem promoções, você dá coisa de graça porque depois tem que ganhar mais, a empresa sua pode estar acima da matemática. Acima da sua empresa é o seu país, não faça nada contra o seu país nem que seja a favor da empresa, você não pode ir contra o seu país nunca e acima dos seu país estão os seus valores, a sua consciência moral, nem contra o seu país você pode ir contra o seu valor de berço”, mais tarde eu aprendi que isso se chama integridade, está acima da honestidade, a honestidade é fazer honestamente, o que lhe foi pedido, a integridade é não fazer se você não entender que não é razoável, é como o soldado que não obedece o seu sargento porque entende que não pode. Então, o Morris era o nosso chefe, então ficou um ambiente maravilhoso, foi um período extraordinário.
P/1 – Você acha que esses valores regiam um pouco a Vale do Rio Doce?
R – Sem dúvida. A Vale é uma empresa muito rica, você já olhou, já viu nos jornais, a Vale era estatal, você vê no jornal agora com o novo Presidente tocando, escuta: “O PSB vai ter o DNER, ah não PMDB tem o transporte”. O país fica, a administração do país é loteada pelos partidos, né, é uma coisa razoável mas quer dizer quem quer a Petrobrás, a Petrobrás é uma maravilha, Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás, DNER todo mundo quer. A Vale nunca apareceu nesses lugares. E de vez em quando aparecia um escândalo qualquer: “O Diretor da estatal tal estava envolvido com isso, até hoje você ouve isso”. Eu nunca ouvi isso da Vale. A Vale só aparece no jornal na página econômica, nas páginas de ações, nas páginas de declarações de crescimento, a Vale não aparece em escândalo, é uma empresa muito íntegra. Entre 1969, quando eu entrei para a Vale, até 1997, quando ela foi privatizada, tudo, a exceção de um curto período em 1974, todos os presidentes ___________________ eram empregados, todos. Então o Presidente da Vale sentava na cadeira, pegava o telefone e chamava o antigo colega dele lá na área e conversava. A sorte que a Vale é uma empresa..., os valores que moviam Vale eram esses, eu te digo isso _________________.
P/1 – Bom, então, ainda como estudante, como é que você foi entrando na empresa, se especializando nessa área operacional?
R – Para essa área para onde eu fui era necessário prestar atenção e perguntar, eu tinha mestres extraordinários __________________________, Geraldo Carralheto, já aposentado também, são cabeças brilhantes, Geraldo Carralheto é da mesma turma do Eduardo, são cabeças brilhantes que estão acima da média e eu estava lá com eles e eu fui aprendendo, e ali fiquei até 1971, porque eu fui lá e disse: “Olha, vou sair”.
P/1 – Você já tinha se formado?
R – Não, aí está, eu vou explicar uma coisa que eu aprendi muito. Em 1970 por aí a Vale contratou serviço de uma empresa americana chamada Mineral Service, essa empresa ia otimizar a ferrovia, minas e tal. Essa empresa mandou para cá um grupo de pessoas, uma dessas pessoas era um engenheiro dinamarquês que trabalhava na ___________________ no Canadá, este homem chegou aqui, chamado George (Elbrond?), isso em 1970. Ele chegou e tinha que arrumar alguém para ficar perto dele porque ele só falava inglês. “Quem é que sabe inglês?” Aí me mandaram. Conclusão: eu carreguei a pasta dele durante meses e eu aprendi coisas absolutamente indescritíveis. Ele era um homem absolutamente..., um consultor internacional de alto nível. Para você ter uma ideia, em 1993 eu estava em Lisboa, olhando um livraria, ele bateu no meu ombro em 1993, vinte e três anos depois ele me conheceu, um pouco mais velho: “Chequer como vai você?” “Oh, Mister (Elbrond?) !“ Ele estava trabalhando em ___________ na Ucrânia. Este homem me ensinou muito. Eu fiquei nessa área de computadores até 1975, em 1975 o Eduardo me chamou: “Vem sentar do meu lado, vamos entrar na área gerencial”. Aí eu fiquei do lado do Eduardo e estou seguindo ele quase a vida toda.
P/1 – Bom, então conta pAra mim como foi essa entrada, você deixa de ser estudante e já entra no quadro da Vale, tem concurso, tem prova, como é que foi?
R – Em 1971 eu procurei lá: “Ó, to saindo”. “Mas como?” “Eu tô saindo porque eu vou me formar no final do ano e fiz estágio só aqui na Vale e depois vocês não vão me contratar e eu não sei outra coisa, tô querendo procurar estágio em outro lugar porque eu não vou aprender mais nada daquilo lá e tal.” “Não, precisamos de você, você está no trabalho e coisa e tal.” Aí o Doutor Mariano Toribio que era superintendente administrativo me deu um contrato de trabalho de tempo durável de oito meses que era suficiente para eu me formar e não ficar na rua da amargura, mas não era garantido o emprego, quando foi em janeiro de 1972 eu já tinha me formado _______________, o Eduardo me informou que a Vale ia me empregar, então eu tive que ir ao Rio, fiz exame psicotécnico, uma porção de coisa, achava uma perda de tempo, eu estava lá há tantos anos como estagiário, mas o Eduardo é durão. Para você ter uma ideia eu trabalhei lá de 1969 até a data de início de 1972 e ainda assim, como me admitiu, me colocou no estágio probatório. Mas o Eduardo é muito íntegro e aí eu entrei por esse motivo, porque eu ameacei sair: “Não, nós precisamos de você”. A Vale estava crescendo, eu fiquei lá levando a minha vida, fazendo o meu melhor, naturalmente. Eu posso dizer a você que nesses trinta e três anos a Vale nunca me tratou mal. Nunca. Eu não tenho nenhuma reclamação. “Ah, me preteriram em favor de A ou de B.” “Ah, eu queria ter uma aumento e não tive.” “Ah, eu queria ganhar mais e não ganho.” Nada. Eu acho que ela me trata, eu trato ela bem tanto que eu me dedico muito, mas ela sempre me tratou bem, me respeitam onde eu vou, amigos, sou estimado, quer dizer, aparentemente eu não tenho razões para duvidar, sou estimado, as pessoas que se referem a mim é por _________, por sorte eu acho que foi uma boa escolha de vida, não tenho nenhum arrependimento.
P/1 – Me conta um pouquinho o que é essa parte operacional da Vale, como é que era o teu trabalho?
R – Eliezer da Costa queria que a Vale trabalhasse de Morris _____________ de maneira científica, ele não queria conta em cima da perna, é porque a pesquisa operacional entrou em moda, a pesquisa operacional é você tratar problemas operacionais a partir de modelos matemáticos, se você prova que matematicamente isso vai acontecer tal e tal, aplica os modelos e a solução que você encontra é a melhor enquanto que você faz só uma observação e tudo, a solução não pode ser a melhor. Agora, o Morris incentivou que na época nós aplicássemos a ciência nas decisões, então a pesquisa operacional é um processo de avaliação de processos de projetos que baseia nos matemáticos, ou seja, põe tudo no campo da matemática, modela e propõe uma solução, tem que ter computadores. Eu me lembro que naquele tempo o nosso computador ocupava um andar inteiro para rodar esse processo.
P/1 – O escritório era onde?
R – Em Vitória, no centro da cidade. Eu trabalhava no quinto andar do edifício Fábio Ruschi, o computador ocupava toda a sobreloja do prédio.
P/1 – Fábio?
R – Ruschi, é um prédio que existe até hoje, mas a Vale vendeu. Então, nesse processo de pesquisa operacional, é um processo em que você põe ciência nas suas decisões, uma coisa muito interessante, mas obviamente havia também os que nos chamavam de “minerionautas”, diziam: “Vocês são sonhadores, quer botar fração do terceiro grau para resolver coisa simples”. Nesse período também a gente trabalhava muito na área, no campo porque o departamento que eu trabalhava fazia interface entre outros departamentos para dirimir conflitos, havia hoje pessoas que só brigavam, era um desrespeito ao trabalho. Mas na época tinha muita briga, né, quando você tem que tomar decisões etc. A partir de 1985 eu fui para área de coordenação operacional. A Vale é um complexo que tem as minas, tem a ferrovia, tem o porto, tem os navios, tem a Usina de processação. A coordenação é para ter certeza que o minério sai corretamente, o trem está esperando na _______, chega no porto, pode descarregar, vai para uma pilha de boa qualidade e depois, o navio quando chega, você carrega. Então, esse processo tem que ser bem coordenado porque não pode acontecer do trem parar de bater o sino e o minério não está ou o minério tá caindo ________, chegar no porto e não ter onde descarregar. Claro que cada pessoa dessas áreas sabe o seu serviço, mas o que a gente fazia era o link entre um e outro e tinha os conflitos, toda vez que você tem uma interface tem conflitos. O homem da mina só quer o trem debaixo do silo quando o minério está pronto. O trem quer chegar lá e o minério tem que estar pronto. Se o trem chega e o minério não está, a ferrovia fica com raiva. Se o minério está no silo e o trem não chega, a mina fica com raiva e assim por diante. Era nessa área que nós trabalhávamos fazendo esse meio, durante dezoito anos eu fiz esse tipo de trabalho.
P/1 – A tua especialização em transporte de alguma forma...
R – Só no início da carreira para entender um pouco os processos ____________________, fui engenheiro de transporte pouquíssimo fiz alguns cálculos de _______________.
P/1 – Agora, nesse período tem alguma dessas equações assim mais difíceis que você pode dizer que te marcou porque foi difícil de tomar essa decisão?
R – Olha, não, nós trabalhávamos em equipe. Não havia nada que eu fazia sozinho. O nosso grupo, por exemplo, decisão de onde colocar um pateio de transbordo, aquilo foi um trabalho que estudamos cento e quarenta e tantas hipóteses, em computador naturalmente, mas era um grupo. Não havia heróis. Herói não tem lugar, nós fazíamos juntos. Então, decidíamos: “Então é aqui”. Hoje o pateio está lá, você vai lá ver. O que eu fiz, o que eu acho que é uma coisa boa para Companhia foi o seguinte: o trem com o minério muito fino, quando ele vai viajando, o minério voa e suja as grades da estrada. Então, as pessoas ficam com raiva e perde-se minério. Então era um problema antigo. Um dia o Doutor Miguel Vieira que era o assistente de transporte viu uma experiência no Canadá para saber se perdia muito ou pouco. Era o seguinte, você pegava o vagão, carregava e depois você punha umas fitas de papel em cima do minério até acabar de carregar e viajava, quando você chegava lá, você olhava de novo. As fitas tinham desaparecido, outras estavam parcialmente dentro de sinal e muito minério voava. Então, nós tínhamos que estudar o que fazer para receber essa missão na época. Então, primeiro eu fiz o processo das fitas que ficassem no minério porque isso foi feito para carvão, eu mais dois ou três colegas estagiários, todos trabalharam na Vale, dois até aposentados. Nós sequestramos um trem com autorização da Vale e ficamos passeando com ele para cima e para baixo na ferrovia olhando, vigiando, controlando a velocidade do trem e tal e vigiando se voava, voava muito menos, bom, e para conter aí foi todo um estudo como conter. Então descobri um processo na Áustria da Furst, era um processo para segurar talude de estrada para não rolar a terra, era um filme que você pulverizava e aí a terra não ia seguir para mim, aí mandei buscar uma amostra e aplicamos no trem, chamei umas pessoas e o trem chegou lá perfeito. Então, o assunto estava resolvido e pronto, a forma, mas esse produto chamado curasol era muito caro. “Como vamos fazer, quanto perde?” Quanto perde nós não tínhamos como avaliar, pesar as balanças, então eu fiz a conta invertida, quanto tem que perder para justificar o uso do produto, calcula se perdesse, sei lá, vamos supor três toneladas, duas toneladas, já vale a pena conter e aí avaliamos que perdia mais. Mais tarde chegou um engenheiro na Companhia, Roosevelt da Silva Fernandes, está na ativa até hoje, um rapaz inteligente com uma formação melhor que a minha nesses processos. Então, passou-se o projeto para ele aí e já foi para a pesquisa do melhor produto e como aplicar, continuou o projeto e hoje aplica-se amido de milho que é baratinho e todo o trem quando sai da mina passa debaixo _______________. Esse foi um projeto que eu fiquei muito feliz porque começou e acabou bem, o Roosevelt foi o que aplicou a solução final, não há dúvida, os méritos dele são muito grande. A minha felicidade foi nós que começamos o desenvolvimento das ideias e das avaliações das perdas, foi um processo interessante.
P/1 – Então nessa parte operacional você passa quanto tempo?
R – A vida inteira, eu nunca fui de campo, eu sempre pilotei a minha mesa, eu sempre estive no campo, já trabalhei no virador de vagões, na beira do cais, no peneiramento de minério, no ______ locomotiva, mas sempre como observador. Eu nunca fui botar a mão, não é minha função. Mas essa área nossa era operacional, ela só não era de campo. Eu fiquei lá desde que eu entrei até 1989, então durante vinte anos eu trabalhei nessa área e fazendo esse meio campo, discutindo com as pessoas, eu era coordenador das reuniões com várias pessoas na mesa e tinha que resolver os problemas e não mandava em ninguém, pelo contrário, eles eram autoridades maiores que eu. Mas a gente tinha que conduzir. Um período muito enriquecedor. Hoje eu encontro essas pessoas que são meus mestres, ainda encontro com eles hoje e a gente fala dessas coisas até com uma certa nostalgia, mas com respeito porque na época a gente brigava igual galo de briga. Mas hoje se reconhece que foi um trabalho maravilhoso. A Vale é filha da revolução militar, se você notar bem a revolução, por isso que eu falei até 1989, veja bem, a Vale em 1964, em 26 de março assinou dois contratos importantes: um com a Samitri, outro com a ________ para estender o ramal e ampliar. Em 30 de março houve a revolução, então o castelo de Tubarão estava em obras, o castelo não podia ter parado porque, mas ele deu apoio, então, a Vale continuou crescendo. Saiu Tubarão, saiu as Usinas de Pelotização, saiu a duplicação das ferrovias, o grande projetos das minas da Vale continuou crescendo, culminou com Carajás que saiu em 1985 onde acabou a ilusão. Então, você vê, a Vale era uma empresa estratégica em que tudo se desenvolveu durante o período da ditadura militar, mas nós tivemos sorte. Eu digo sorte com certeza porque nesse período todo, com exceção de pequeno período, sempre houve presidentes, diretores e empregados. Mas a Vale é cheia de ironias, a Vale foi criada em 1942 para dar apoio aos aliados na Europa para reconstrução da Europa, Inglaterra, França, no entanto os maiores pilares do desenvolvimento da Vale foram o Japão, Itália e Alemanha, exatamente o inimigo, exatamente o Eixo. A Vale cresceu com esses três grandes pilares e até hoje, portanto ela está com essas ironias aí de vez em quando.
P/1 – Agora em termos de Carajás você participou do processo?
R – Não, eu não trabalhava na área de projeto. Nesse tempo minha coisa em Carajás enquanto estava em obra lá em cima nem fui lá, mas em 1985 recebi uma missão “Chequer, Carajás talvez não entre em...”, como de fato não entrou, foi entrar em 1986, mas já havia contratos. “Eu quero que você calcule o que é que nós temos que fazer se Carajás atrasar um ano, o que o sistema surta em fazer para cumprir os contratos.” Então, eu fiz esse estudo, nunca nada sozinho, tá, nunca, sempre com outras pessoas, fizemos o estudo e mostramos. A partir de 1985 Carajás montou seiscentos mil _______, em 1986 veio onze milhões, quer dizer, foi um atraso de um ano. Em 1985 Tubarão bateu o recorde histórico de tudo porque trabalhamos trezentos e sessenta e cinco dias, todo mundo de manhã cedo lá vigiando o trem, não pode atrasar para poder fazer. Em 1986 Carajás entrou aí. Essa experiência de coordenação das áreas tinha que ser feita lá também, mas os engenheiros lá não queriam, eles diziam: “Não precisamos disso aqui, porque o sistema seu é muito complexo e aqui é muito simples e nós somos companheiros aqui e não precisamos de coordenação”. Aí não tem jeito porque cada um defende o seu lado, então comecei a visitar Carajás muito e comecei a fazer esse trabalho de coordenação também lá em cima, eu participava de uma reunião em Vitória sempre no início do mês, participava de uma reunião em Vitória, pegava o avião às três da tarde, chegava onze da noite em São Luiz, dormia e no outro dia de manhã fazia reunião inteira em Carajás com o pessoal de Carajás, pegava o avião de madrugada e chegava de manhã cedo em Vitória e ia para o escritório, isso durante um tempo, depois colocamos lá uma pessoa para fazer esse trabalho, com o tempo, de fato nunca deixou de ter mérito mas passou a se aceitar melhor se fosse feito por uma das pessoas da área, que eles não queriam fazer porque o cargo é puxado, bobagem, hoje sabe-se que não precisa disso. Mas foi um bom trabalho. Fiquei até 1989. Em 1989 fui convidado para área comercial.
P/1 – Pois é, antes disso você é gerente do departamento de programação, é isso?
R – De 1984 a 1989 eu fui gerente, ante de mim era Fábio Soares de Matos que hoje está aposentado, saiu o Eduardo. Essa história é interessante também, quando o Eduardo saiu em 1987. O Eduardo é genial, é um camarada respeitadíssimo, hoje é o decano da empresa, ele vai aposentar agora, mas ele é o mais antigo da Companhia. Quando o Eduardo saiu, o Morris me chamou lá: “Chequer, o Eduardo vai sair, eu quero que você assuma a tarefa do Eduardo, eu quero te dizer honestamente que você não está ainda preparado para assumir o papel do Eduardo, vai precisar de algum tempo, então eu quero te pedir que você assuma interinamente. Eu vou procurar uma pessoa para chefiar o departamento, quero saber se eu posso contar com você”. Eu disse: “Pode”. É interessante que ele disse: “Vai ser difícil encontrar, porque para fazer o trabalho do Eduardo tem que ser uma pessoa de alta confiabilidade, todo mundo tem que confiar nele, tem que respeitar senão ele não manda em ninguém, ele tem que coordenar, eu vou procurar uma pessoa e tal”. Então eu perguntei: “Morris” – Morris não é um homem de muitas palavras, ele é meio secarrão. Mas eu perguntei: “Morris, quando eu poderia substituir o Eduardo, quanto tempo eu preciso?”. Ele disse: “Chequer...”...
P/1 – O Eduardo ou o Fábio?
R – O Eduardo tinha ido embora, o Fábio não tinha vindo, perguntei ao Morris, eu disse: “Morris, quanto tempo eu precisaria para substituir o Eduardo?”. Ele disse: “Chequer, muito tempo porque o Eduardo é fora de série e você estudando, participando, se dedicando daqui algum tempo você poderá sucedê-lo, mas não substituí-lo”. Guardei isso, um ano fiquei tomando conta interinamente, aí chegou o Fábio, o Fábio sentou lá e nós começamos a trabalhar, um homem maravilhoso, extraordinário, bom amigo, leal, eu aprendi muito com ele. Em 1984 ele veio para o Rio fazer coordenador de venda e mais tarde ele foi Presidente da ________________________ um grande amigo, mas em 1984 então quando o Fábio veio para o Rio, eu assumi o departamento.
P/1 – E o que então significou isso para você?
R – De um lado eu fiquei feliz, o chefe de departamento era uma coisa importante na Vale, hoje a estrutura não é a mesma, quando eu cheguei na companhia o departamento depois vinha o superintendente mais tarde criaram-se os gerentes gerais na época não tinha então no departamento era um cargo alto.
P/1 – Como era o nome desse departamento?
R – Depel, Morris era o chefe e eu era o gerente do departamento. Tinha dois departamentos e era um cargo importante, então fiquei orgulhoso, fiquei feliz e fui fazer o meu trarry e comecei a ter o gostinho de ter um subordinado ou dois ou três para fazer as coisas que pedisse e eu fazia junto com eles. Eu nunca tive subordinados. Nunca, até hoje. Mesmo que eu seja Presidente da empresa. Então, significou muito pra mim a confiança de eu ser o gerente do departamento. Nessa função aí eu fui fazer coisas que eu não fazia antes, fui várias vezes ao Japão, à China, à Coreia, à Europa para ajudar a negociar porque eu tinha muita informação da área. Falava-se o seguinte: “Para fazer essa missão você precisa de informações da mina, da ferrovia e do porto. Tem que mandar um de cada lugar”. “Manda o Cheque que ele sabe tudo. Não sabe tudo igual a eles mas o que sabe...” Eles diziam assim: “Fora da mina é o que mais sabe de mina, fora da estrada é o que mais sabe de ferrovia, fora...”, não eu o Chequer mas essa posição. Então, depois eu comecei a circular pela área comercial também porque eu era o link, né, área comercial, eu, nós, né, e as áreas operacionais, uma coisa extraordinária. Eu participei de negociações mensais com a Interbrás, com carvão, com as usinas siderúrgicas. Eu era responsável pelo abastecimento do mercado interno. Não podia falhar, não podia faltar. Se tinha risco de tempestade ou de greve, qualquer coisa eu mandava separar trens carregados, eu não deixava descarregar. “Mas o navio tá esperando.” “Não descarrega, porque, se faltar, eu desvio, ponho na CST ou na Usiminas.” Isso aí eu tinha que ter poder, então o diretor de operações na época, que era o Esquetine [Schettino?], ele dava força. Então, de vez em quando a gente arranjava um inimigo. Mas foi um período muito legal. Então, era uma área operacional mas de gabinete, não era uma área de campo.
P/1 – Agora, dessas negociações, alguma que tenha te marcado mais, que tenha sido mais difícil?
R – Na área, repito, nada fazíamos sozinhos, tudo era em grupo. Então, não há heróis, não sou herói de nada. Mas, por exemplo, a gente tinha, na hora de negociar uma tarifa, eu ia na frente, eu era o negociador, então a gente conseguia coisas e ficava orgulhoso.
P/1 – Isso no mercado externo você está dizendo.
R – Interno, então eu não posso dizer: “Fiz isso, bacana”. Não. Não há heróis, não houve heróis. Isso a gente fazia em equipe e todos têm igual mérito em tudo que fizemos. “Eu fiz isso e achei maravilhoso.”
P/1 – Não, mas alguma negociação de preço que equipe ou grupo tenha sido mais difícil, mais batalhado.
R – Eu negociei as tarifas de logística da Eletrovale na época, um produto novo, saber se esse produto poderia deixar de ser transportado em ______ para transportar em granel. Essas coisas assim, eu tinha que ir lá discutir até colocar uma boa tarifa, discutir o transporte de cock no mercado doméstico, são coisas que nos premeiam. Ficamos felizes. Não é que posso dizer que isso seja um negócio assim de ganhar medalha, não, não foi nenhum heroísmo não.
P/1 – Então em 1989 você sai da...
R – Em 1989 eu convidado pelo Eduardo Faria de novo para me reunir ao grupo no Rio de Janeiro na área comercial. Eu aceitei. O Schettino era o Diretor, já tinha me chamado várias vezes para o Rio. Ele dizia: “Vem para cá, fica na minha assessoria. Você se dá com todo mundo, você conhece todo mundo e você tem respeitabilidade. Eu preciso de um assessor desse porte na moral, se você cair do poleiro, eu caio junto”. Ele riu. Quando o Eduardo me chamou, eu ia ter uma posição de coordenador, na época é como se fosse um gerente geral, uma posição alta também. E havia três coordenadores: um para Ásia, outro para Europa e outro para as Américas. Eu fiquei com as Américas no Brasil, compreendendo o mercado doméstico, aí sim eu fiz algumas coisas que eu acho que foram muito boas. Para você ter uma ideia, um minério é exportado por dezesseis, dezessete dólares no navio, no mercado doméstico é vendido por dois dólares, dois dólares e meio, porque tem side prise avalia de estatal, né, eles também ficavam apertados com seus custos, mas não dava para vender nesse preço. Então, logo que eu assumi, o Presidente da Vale, em 1989 quando eu assumi, logo, 1990 Collor foi eleito Presidente da República, mudou a Diretoria da Vale e entrou um outro Presidente, um homem da área financeira. Então, nós combinamos um ação para melhorar o preço do minério do mercado doméstico e receber os atrasados, porque as empresas estatais não pagavam, algumas pagavam, né, mas nem todas. Então, eu comecei naquele período uma guerra em que eu dizia: “Ó, você tem que pagar no dia tal”. Quando não pagava, parava o transporte, dava uma briga, eles telefonavam para o Wilson que era Presidente, o Ministro telefonava. Então foi uma guerra levada a bom termo porque eu fiz uma meta, minério tem tanto tempo para chegar nesse preço aqui e ia para Brasília, tinha aquele Cips – Câmara não sei o quê de Preço, CIP –, nós íamos para Brasília explicar custo todo mês, tinha que ir a Brasília levar a planilha de custo para pedir aumento. Era um negócio terrível, mas isso foi uma grande batalha porque quando eu comecei, o minério estava dois dólares, quando eu terminei em 1991, o minério já estava quase seis dólares e a tendência dele hoje é ser mais próximo do mercado externo. Não quero dizer com isso que a CVRD queria crescer e explorar o mercado doméstico não, mas era impossível vender o minério abaixo do custo. Nós tínhamos que explicar isso a eles, mas eles diziam: “Mas eu também sou obrigado a vender o aço, não sei o quê”. O problema não era deles, o problema era da estrutura. Hoje o minério está valendo esse preço por aí, mas significa uma batalha vencida. Eu não perdi um único amigo, até hoje eu encontro com eles e eles me tratam com carinho e tudo, por quê? Porque havia lealdade, então essa foi uma coisa que acho que foi uma boa.
P/1 – Como era o nome desse cargo que o senhor era...
R – Coordenador de Vendas para o Mercado Americano. Eu fui nos Estados Unidos várias vezes, várias vezes na Argentina.
P/1 – Como era negociar com os americanos?
R – É bem diferente dos japoneses. O Japão trabalha uma semana conversando sobre tudo antes de falar no assunto. Eu fui uma vez ao Estados Unidos pensando em ficar uma semana lá para discutir o preço, aí quando eu estava na sala esperando, entrou um sujeito com uma garrafa de café, falou assim: “Qual vai ser o preço o ano que vem, Chequer?”. Aí eu falei: “Tanto”. “Você é maluco, você está doido.” E conversamos ali uma hora mais ou menos tomando café e no fim saímos com o preço formado. O americano é muito mais trade, ele realmente não tem muita noção e diferença também quando a coisa fica feia: “Olha, não vai dar para fazer mais não”. Diferentemente dos japoneses ou alemães. Alemães têm um outro comportamento, têm um contrato assinado, está escrito, vamos cumprir. Então com os americanos a forma de negociação é mais direta.
P/1 – E com argentinos?
R – O argentino é igual no Brasil, ele argumenta, chora que a situação está muito difícil: “Que a Vale do Rio Doce é muito importante, pode nos arruinar”. E aí reclamam, choram. Foi lá que também eu consegui uma coisa importante. Havia um percentual de diferença de pelotas de redução direta sobre pelotas de alto forno, era cinco por cento me parece, e nós queríamos melhorar essa negociação. Todos nós recebemos a missão das negociações de conseguir isso e eu consegui na Argentina a primeira. Aí esse percentual, hoje é novo, ele passou a vigorar desde 1991, 1990 e com os argentinos é um pouco parecido com o Brasil, mas eu fiquei apenas dois anos nessa função. Agora,com o mercado doméstico não, foi muito interessante, muito mesmo, você conversa com o dono da empresa...
P/1 – A relação é com o dono.
R – Não, não que seja com o dono, é com o camarada que está ali. Você atravessa duas portas e já está falando com o dono. No começo era muito difícil porque o dono era o governo brasileiro, também era o nosso dono. Então, para o Ministro fazer uma piada na negociação não custava. Então, você tem que aprender o jogo, diferente do mercado externo. Você tem que... Eles chegam para você: “Você tem que pagar melhor”. “Eu gostaria, mas não tem jeito, o Ministro não deixa.” Com a Usiminas, por exemplo, aconteceu um negócio interessante. A Usiminas tem seus empregados, uma fidelidade absoluta, eles trabalham para Usiminas com uma força, com uma dedicação extremas, são muito profissionais, mas frequentemente eu fico com raiva deles porque eles são muito duros. Eu me lembro que nós íamos negociar com a Usiminas e todas as vezes nós saíamos com raiva de lá, me lembro que um dia eu saí daqui e disse: “Vou lá em Belo Horizonte e vou mandar o fulano tomar banho na caixa de fósforo, não aguento mais esse sujeito, chorão”. Aí cheguei lá, sentei, veio outro, eu disse: “Cadê o fulano?”. “O fulano não está aqui hoje.” “Pois é, vim aqui para meter a mão na cara dele.” Briguei. “É, mas ele não pode vir e pediu para desculpar.”, “Mas ele sabia que hoje ele ia passar um aperto, por isso que ele não veio.” “Não, ele não veio porque a mãe dele faleceu.” Aí interrompemos a reunião. “Desculpa.” Aí fui embora. E tinha um outro negociador lá também muito duro, muito duro mesmo, então um dia terminamos a negociação e ficamos tão frustrados com a negociação que nós convidamos os negociadores da Usiminas para jogar uma partida de futebol em Itabira. Aí eles foram em Itabira, fizemos um churrasco e jogamos futebol. O que ele apanhou no campo, metemos o pé nele, mas outros dia nós nos encontramos aqui, veio me abraçar, gente muito boa, fizemos muitas amizades. A negociação com a Cosipa era complicadíssimo, então eram empresas que estavam numa situação, Interbrás que era estatal, negociação difícil. A gente aprendia muito porque a Vale é uma estatal poderosa, estava bem e os outros estavam à míngua, dificuldades da época, então a gente tinha que aprender a entender isso.
P/1 – Então você vai para Bruxelas depois, então...
R – Aí fui convidado para ir pra Bruxelas. (PAUSA) Bom, em 1991 eu estava nesse trabalho americano, fui convidado para ir para Bruxelas lá na Rio Doce internacional.
P/1 – Como é que se deu esse convite?
R – O Ditter [Ditzel?] que era Presidente lá me convidou, se entendeu com o Eduardo Faria que era o Superintendente e eu fui, logo que eu fui, o Eduardo também saiu da Superintendência e foi para Nova York. É interessante essa observação, o Ditter era Presidente da Rio Doce há muitos anos e o Eduardo saiu da Superintencia, eu e o Eduardo saímos, tira esses dois da frente, foi o Eduardo para Nova York e eu fui para Bruxelas.
P/1 – Como é que você viu essa saída de vocês?
R – Eu achei ótimo, porque eu estava muito mal no meu casamento posterior, havia me divorciado, e se eu estivesse ficado aqui eu tinha me separado da minha mulher, nós estávamos brigando, infelizmente a vida é dura, né, comete-se muitos erros. Quando veio a chance de ir para Europa eu disse a ela: “Escuta, façamos uma trégua e vamos porque os nossos filhos poderão ter uma bela oportunidade, se você não for, eles não vão”. Eu tinha um filho menor ainda pequeno.
P/1 – Me diz o nome dos filhos.
R – Ana Elisa, Said e o Chequer, mas o Chequer tinha quatro ou três anos. O Said tinha nesse período catorze e a Ana Elisa tinha dezoito, dezessete anos. Então ela topou e aí fomos para lá porque, a educação na Europa, eu achava que ia ser muito boa. Meus filhos falam francês, inglês com naturalidade, foram educados lá. Posteriormente não deu tão certo porque acabou a trégua, não funcionou muito bem e acabei me separando. Mas eu fui, cheguei lá, comecei algum trabalho e foram-me atribuídos, algumas áreas, os pobres, né, lá tinha um circuito chamado Elizabeth Arden, quem pegava Roma, Paris, Milão. E eu só peguei pobre, eu só peguei um país rico que foi a França e por que a França, você vê algumas fotografias com aquelas pessoas que foram lá se despedir de mim. [Com] a França nós tínhamos uma relação muito dura, muito difícil, então me colocaram na França e eu já estava com fama de ser meio diplomata, então fui para França. Mas, fora a França, eu peguei Romênia, Polônia, Tchecoslováquia, peguei todo Oriente Médio, Egito, Líbia, Tunísia e o Golfo, Irã, Arábia Saudita. Então, eu peguei só esses, Índia, mercado assim. Mas eu achei muito bom, eles nos ensinam mais que Inglaterra ou Itália. Eu peguei esses mercados e fiquei com eles. Tínhamos a meta de aumentar as vendas, de melhorar os preços e eu trabalhei lá. Eu era Diretor e em 1993 aconteceu uma outra coisa, o Wilson Brumer deixou de ser Presidente, porque o Collor saiu no final de 1992 e assumiu o Itamar, e o Wilson ficou esperando. “Será que ia nomeá-lo na presidência?” A empresa era estatal, né, começou a demorar muito. A decisão era do Itamar, o Itamar era uma pessoa de decisões às vezes lentas, né, e o Wilson é um homem muito dinâmico, muito corajoso, “Então dá licença”, pediu o boné e saiu, assumiu a Presidência interinamente o Vando Givo que era o Gerente Financeiro. No início de 1993, o Itamar convida, o Ministro na época era o Paulino Cícero, convida de novo o Schettino que tinha sido Diretor de Operações para presidir a empresa, o Schettino assumiu e convidou o Eduardo para sair de Nova York e assumir Bruxelas, vamos trabalhar juntos novamente e com o Eduardo lá eu assumi também a Diretoria Administrativa da Rio Doce. Isso foi realmente grande. Para você administrar uma empresa no exterior com legislação local e tudo foi uma experiência magnífica, quer dizer, aí eu tinha um cuidado pessoal, aí eu passei a interagir com as pessoas.
P/1 – Quais eram os seus desafios nesse cargo?
R – Lá, administrar a empresa, era pequena, mas havia dois desafios importantes. Primeiro era criar, como essa empresa já tinha sido criada em 1967 lá na Europa e o Ditter administrava muito bem, conduzia tudo, ninguém se preocupava muito. Então, quando, no entanto, mudou, aí queria a Vale que as empresas passassem a ser mais, informar mais a sede do que estava acontecendo. “Ah, ninguém sabe nada, essa empresa fica aí isolada e tal, temos que botar alguém para criar um sistema de manter a sede informada e esse foi o primeiro desafio. Eu descobri depois que no tempo do Ditter todas as informações vinham do mesmo jeito, só que elas chegavam e guardavam porque não precisava ler, então era informado só que eles não liam. Mas aí eu criei o sistema de informação, esse aí foi o primeiro, informar a sede, discutir com a sede como é que faz, como não faz e tal. O segundo desafio importante foi como grande parte dessas empresas de vendas que é salário e viagens não havia o conceito de orçamento, então eu perguntei: “Quem sustenta essa empresa aqui? Porque nós vendemos lá mas o dinheiro vem para Vale, não é para lá”. “Ah, é a Vale.” “Claro que é a Vale, mas quem?” Não se sabia direito da onde vinha o dinheiro, então comecei a identificar mas num conceito de orçamento cada gerente recebia um orçamento, então ele falava: “Ah, quero colocar um vaso de flores aqui na minha sala”. “Perfeitamente pelo seu orçamento dá para deduzir.” “Que isso?” “Vai deduzir, porque você tem que entender que tudo isso custa alguma coisa, é preciso saber que quando você põe um pôster ou quando se resolve dar um brinde para um cliente ou quando você resolve alugar um carro isso alguém está pagando, não é que vamos deixar de pagar, mas você vai saber agora quem pagou, para tanto você vai fazer o seu orçamento.” “Ah, vou orçar um milhão de francos para comunicação.” “Muito bem, um milhão de francos.” Quando chegava em setembro: “Fulano, você não pode telefonar mais”. “Como não posso?” “Já gastou seu orçamento.” “Ah bom.” Olha, eu não posso impedir um vendedor de telefonar, só que foi criando a cultura, começou a orçar corretamente porque sabia quando ele ficava pendurado no telefone aquilo custava dinheiro, mas você não pode inibir o vendedor porque aquilo é a enxada dele, você não pode inibí-lo, a gente tinha que saber. Então, entramos com um processo de racionalização, isso também foi uma coisa muito boa.
P/1 – Quando você chegou lá como é que era o escritório, quantos vocês eram?
R – O escritório eram trinta e sete pessoas e tinha atividade de vendas, minério de ferro, navegação e outros produtos e celulose, tinha compras.
P/1 – A Rio Doce Internacional era isso.
R – Compras e etc., então tinha muitas atividades, porque comprava lá, era interessante, a Vale logo botou dúvida: “Por que que compra, vamos comprar do Brasil”. Tinha gente para todo lado. Então tá bom, um dia eu vim conversar com o pessoal de compras, eu falei: “Vamos lá em Bruxelas para ver como é o processo, eu mando uma pessoa aqui para gente poder trocar”. “Ah, ninguém fala inglês.” Aí veio a explicação, por quê, porque ninguém fala inglês, era um problema. Me lembro de uma vez, abriu-se um edital de concorrência aqui no Brasil e o edital nós pedimos para fazer em inglês, aí um sujeito ligou: “Absurdo, é nosso idioma, nós temos que fazer, nós não podemos entrar agachados, o português é maravilhoso”. Então eu já fui na minha vida professor de português, eu respondi para ele: “Olha, não há ninguém que se preocupa com o idioma mais do que eu, para falar corretamente nós temos que ser realistas, já pensou se os chineses mandassem em chinês, os árabes em árabe? Então, o inglês não é questão de entrar agachado. Nós precisamos”. Mas eles não faziam na verdade porque muitos não sabiam, então nós tínhamos que ter lá o departamento. Esse departamento foi extinto depois. A navegação acabou recentemente, o mundo ficou muito maior, a Internet mudou tudo, o mundo ficou muito mais transparente. Então, a celulose, né, o alumínio tal. Então, quando eu saí de lá, a Rio Doce tinha
quinze pessoas e, apesar dessa redução toda, graças a Deus todos saíram muito meus amigos. Mas eu tive que fazer essa redução, o Eduardo era Presidente, eu era Diretor e tivemos que reduzir, demitir gente e tal.
P/1 – Como é que vocês receberam a privatização, você estava em Bruxelas nessa época?
R – Eu estava em Bruxelas em 1997, quando privatizou nós recebemos com muita preocupação porque, o novo controlador, a primeira declaração que ele deu é que a área comercial é muito tímida e tem muita gente, então nós ficamos: “Mas de onde ele tirou isso? Aqui todo mundo trabalha até oito horas da noite”, né? Então nós ficamos muito assim preocupados porque achar que a área comercial só tinha lá uma porção de vagabundos e tal, mas recebemos uma ordem: “Tem que reduzir”. Aí fizemos uma proposta: “Tá aqui”. Eles queriam que ficassem sete pessoas só, nós éramos Diretor, Gerente e uma assistente para cada Gerente e tal. “Agora, sete. Tudo bem. Mas não vamos vender mais não. Vamos viajar como? Como vamos trabalhar?” Então aquilo foi uma luta, naquele período eu pensei em sair. “Eu não vou ficar submetido a essas coisas.” Eu fiquei muito sentido, o Eduardo também ficou sentido na época porque nós nos dedicávamos muito e tínhamos um amor pela empresa muito grande. Então eu decidi que eu iria sair e tinha um prazo para tomar a decisão até 30 de setembro, terça-feira. Então: “Vou mandar carta pedindo para sair”. Era o limite. Quando foi na quinta-feira e eu estava com uma viagem marcada para o Oriente Médio, eu falei: “Eu não vou, vou lá discutir com o sujeito depois de três dias estou saindo, é um abuso com o meu cliente”. Aí na quinta feira me ligou o Mozart que era o Diretor de ferrosos, né, que tinha assumido e o Mozart ligou para mim: “Você está nos deixando Chequer?”. Eu disse: “Eu não, eu não estou deixando, eu estou saindo porque eu não tenho nenhum sinal, eu vou aproveitar esse prazo, porque a gente saía numa condição melhor, eu vou ficar e daqui a um mês você me demite e aí não me interessa. Eu não tenho nenhum sinal que eu vou ter utilidade na empresa, a empresa privatizou, a área comercial tudo é um monte de malandro segundo o controlador, então eu vou sair”. Ele disse: “Não, não pode sair. Veja bem, a área comercial, a gente brinca aqui e tal, mas é uma área que não dá para substituir. Quem eu vou por aí no seu lugar? Não senhor, você não vai sair. Eu preciso de você, pode ficar tranquilo”. Eu falei: “Mas Mozart, que garantia você me dá?”. “Não, eu não posso garantir.” “Então, que garantia você me dá?” “Eu não dou garantia, seria uma sujeira muito grande da minha parte pedir para você ficar e daqui seis meses te demitir. Não vai acontecer. Eu preciso de você no mínimo dois anos e meio.” Então eu fiquei com esse voto dele: “Não, precisamos de você”. Isso foi em setembro de 1997. De fato, eu fiquei dois anos e meio mais, quase três anos e aí eu continuei lá o meu trabalho e continuou tudo bem, tal, continuamos a nossa vida, tivemos que secar um pouco, secar assim algumas atividades, nós mandamos para o Brasil, não fizemos mais. Hoje a empresa cresceu de novo, a empresa reconheceu que está faltando pessoas lá para fazer outras tarefas novamente.
P/1 – Você contou que você negociava, você viajava para o Oriente Médio, assim, como que era um pouco em relação à sua origem familiar? Ser descendente de libaneses, como isso funcionava? O nome, a origem as pessoas te vêem como...
R – Vêm falando árabe. Eu não falo, lamento. Mas sou recebido com muito carinho, sempre fui a minha vida inteira. Mas o meu nome: “Por que você tem esse nome, da onde você veio?”. Então isso dava uma abertura interessante.
P/1 – Você foi ao Líbano?
R – No Líbano eu não fui porque nós não vendemos nada lá e eu não tive chance de ir lá, mas todos os outros países que consomem minério eu visitei várias vezes, tenho bons amigos naquela região e foi muito interessante, foi uma experiência muito interessante. Sabe, você negocia melhor com pessoas ou com países etc. parecidos com você, que têm problemas parecidos com os seus. Então, eles também têm problemas de pobreza, de desemprego etc. Então, a gente conversa uma língua mais comum e eu torcia um pouco por eles, forçava a mão um pouquinho. Uma ocasião eu estava em Bruxelas, a Líbia estava sobre severo embargo. Todo líbio, a gente fica achando que eles são tudo bravo, líbio e iraniano a gente fica achando que eles querem dar tiro em todo mundo na rua. Então eu fui na Líbia algumas vezes, Irã. Um dia eu recebo um telefonema dizendo assim: “Domingo o senhor Achoja – que era o chefão da Líbia lá da Alisco – está em Bruxelas e quer conversar com você”. O nosso domingo para eles é dia útil, aí eu fui lá estavam outras pessoas também, fornecedores. Ele então me deu um pito, ele estava com uniforme, eu acho que hoje ele é Ministro da Defesa, uma coisa assim, esse Achoja me chamou, me deu um pito e disse assim: “A Líbia não tem dólares, a Líbia não pode abrir conta e dólar porque em Nova York eles retêm, a Líbia não pode abrir carta de crédito, a Líbia não pode pagar em dólar, você tem que ajudar, tem que me dar prazo, tem que receber em outra moeda e tal”. Foi uma discussão dura que eu tive com ele, mas ele: “Tem que nos ajudar, você está pensando o quê?”. A pessoa que entrou antes de mim saiu branca e tinha uma depois de mim também não quis contar nada, aí eu pensei: “Se eu falar ‘não’ eu ganho um inimigo. Mas se eu falar ‘sim’ e conversar com a Vale, domingo conversar com o meu diretor no Brasil e ele não concordar com a minha decisão, eu estou perdido com ele. Se eu falar ‘não’ eu perco um amigo, se eu falar ‘sim’ e o meu Diretor falar não eu volto e falo ‘não’, eu ia perder o amigo mesmo, então eu vou arriscar”. E concedi lá uma condição que ele ficou feliz. Aí na segunda-feira eu liguei para o Brasil, falei com o nosso diretor, o nosso diretor é o Armando Santos, é difícil trabalhar com Armando Santos porque ele confia em você: “Escuta Chequer, você acha que isso foi uma boa decisão, você tem confiança”. “Eu acho que sim.” “Então, faça porque você que é o responsável.” Então pronto, fizemos, ganhamos ali um amigo. Ele me telefonou um tempo depois: “Estou deixando a chefia dessa Usina, eu vou para o Ministério – se não me engano – da Defesa, vindo a Trípoli, não esqueça de me procurar e tal”. E esse foi um caso. Outros casos na Arábia Saudita, fiquei amigo de um camarada que era o chefe, hoje ele é vice-ministro também da Aviação Civil uma coisa assim, esse Ali Alaf era um homem muito importante, ele veio ao Brasil, ficou meu amigo, passeamos coisa e tal. Então, ele comprou uma roupa para mulher dele, só que comprar roupa para árabe aqui no Brasil é uma dificuldade, porque qualquer roupa de mulher aqui, tem um lenço, tem certas roupas de mulher aqui se você embrulhar num cacho de uva ainda fica uva de fora porque não dá para fechar e ele levar para Arábia Saudita, então finalmente ele achou lá um blusinha não sei o quê. Mas tinha que ajustar a blusa. Então ele comprou, foi embora. “Quando eu for à Arábia Saudita, eu levo para você”. Quando eu peguei a blusa e voltei me deram uma sacolinha cor de rosa bonitinha e tudo mais, eu fui daqui para Líbia, da Líbia para o Egito, do Egito para o Catar, do Catar fui para o Irã e só depois eu entrei na Arábia Saudita, rodei com aquele pacotinho cor de rosa eu e o Fidel Blanco que até hoje ri de mim, ninguém pôs a mão, quando eu entrei na Arábia Saudita um sujeito encrencou, pediu para abrir. Quando ele abriu, aquela roupinha de mulher, aquela blusinha, ele olhou para mim assim, olhou para o um lado assim, porque se você falar: “Eu estou trazendo aqui para uma pessoa”, é suborno, é tudo essas coisas complicadas. Então eu passei uma vergonha danada, mas mandei para ele, ficou meu amigo e depois ficou feliz. Também eu fiz muitas visitas assim em missões como aquela que você viu na fotografia com o Presidente, eu fui numa missão ao Irã, na comitiva do Francisco Rezek que era Ministro do Exterior. Também foi muito boa. Eu fiquei conhecendo pessoas desses países. É interessante, nesses países você tem que conhecer uma pessoa, você tem uma fila num guichê, qualquer coisa tem uma fila. É assim, quem tiver carta de apresentação pode vir, então, se alguém me apresentou eu vou lá, a cultura, diz que eu tenho sorte de ter um amigo. Na Arábia é mais diferente ainda, na Arábia se eu estou numa fila e conheço o sujeito que está lá no guichê, eu faço assim e vou lá e todo mundo: “Sorte dele que conhece o cara, eu não conheço”. Então, nós fomos aprendendo isso. Outra coisa que a gente aprende nas viagens lá é que você chega numa fila de controle de passaporte do Oriente Médio está cheio de gente de tudo quanto é nacionalidade, aí você vê todas as filas mais ou menos do mesmo tamanho e uma pequenininha. “Opa, vou correr para aquela.” Você chega naquela ilusão, é tudo indiano, indiano encosta um no outro encostadinho assim. A fila é menor, mas tem mais gente. É interessantíssimo. Você chega: “O que é isso rapaz?!”. Ele está assim com a cara no seu ombro. “Sai daí diabo!” Então, eles quando sentam – eu já cheguei no aeroporto uma vez, tinha quatro cadeiras, sabe aquelas cadeiras uma ao lado da outra –, tinha sete sentados, tudo quietinho assim. E outra, nem todos se conheciam. Está o cara espremido assim olhando para o lado. A gente foi aprendendo com o tempo. Mas a minha participação nesses países sempre foi muito boa. Outro lugar interessante também foi no leste europeu, eles também têm problemas, Romênia, Hungria e tal, então, a gente se identificava muito e fiz bons amigos naquela região. Hungria, República Tcheca. Na Romênia, quando eu saí nessa recepção que foi dada veio gente de todo lugar, teve dois iranianos que saíram do Irã, viajaram o dia todo, chegaram a noite me deram um tapetinho persa.
P/1 – Isso na sua despedida quando você deixou Bruxelas.
R – E depois voltaram, vieram só para me ver e teve um que veio da Romênia e etc.
P/1 – Agora conta aquela fotografia que você está com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, qual foi a missão, você foi representando a Vale?
R – Havia uma missão do Presidente à Índia e houve uma ordem, a Vale era estatal afinal de contas. “Tem que ter um representante da Vale, então pega o Chequer que já está em Bruxelas e manda ele ir, já está na metade do caminho.” Aí eu fui e lá aconteceram coisas interessantes. Tinha um empresário chamado Luís Bueno Vidigal Filho, da antiga Mafersa e ele estava lá ele até falou em nome dos empresários, nós saímos da recepção do Presidente. Tem o dia nacional da Índia. Foi na presença do Fernando Henrique e ele foi o estadista brasileiro homenageado em desfile. Milhões de pessoas. Saímos dali, pegamos um ônibus – a Índia tudo muito pobrezinho, muito simples –, pegamos um ônibus e voltamos para o hotel, o hotel ficava num morro, o ônibus quebrou, ficamos ali na rua, aí passou aquela lambretinha, o Luís Eulalio, que eu nunca mais vi também depois disso. Mas pegamos a lambretinha, nós dois, ele maior do que eu, aí a lambreta saiu, coitada, quando chegou lá embaixo assim, lá no morro, a lambreta quebrou, aí o cara: “Pois é, quebrou”. Aí nós ficamos com pena do sujeito, acabamos subindo a ladeira empurrando a lambreta dele, quando nós chegamos lá em cima, pagamos o cara e o Luís Eulalio disse: “Até agora não entendi porque empurramos a lambreta, deveríamos ter subido”. “É, foi caridade”. E quem tirou essa fotografia, Roberto Teixeira da Costa, é um homem importante aqui no Brasil.
P/1 – Quem é ele?
R – Ele é importante, ele é da Fiesp, não sei da onde ele é não, mas é um empresário importante, ele estava na missão, aí eu cheguei no Fernando Henrique: “Presidente, a minha filha é sua fã e pediu se você não quer mandar um autógrafo pra ela”. Ele disse: “Mando”. Eu estava segurando o meu passaporte, peguei meu passaporte, botei assim e um papel, ele pegou e escreveu: “Para Ana Elisa um beijo do Fernando Henrique”. Quando ele estava escrevendo, o Roberto tirou a foto, agradeci, fomos embora, daí alguns tempos ele mandou ela para mim, por isso que tenho essa foto. O Fernando Henrique foi lá e fez mil coisas na Índia, nós fomos todos juntos, inclusive viajamos naquele sucatão. Não tinha um avião dele chamado sucatão? Viajamos naquele avião e tudo mais.
P/1 – Você foi representando a Vale?
R – A Vale.
P/1 – Bom, então você volta, você deixa o escritório de Bruxelas quando? E vem assumir que cargo aqui no Brasil?
R – Eu fiquei lá de 1991 a 2000 e quando foi início de 2000 eu falei com o Mozart que eu queria voltar: “Já cumpri o nosso trato. Eu quero voltar, eu estou enjoado de morar na Europa, eu quero voltar, tenho meus filhos que voltaram para o Brasil”. Ele falou: “Não, eu compreendo, espera só ter uma boa chance”. Então passaram-se os tempos, ele falou: “Vem cá, eu estou com uma gerência muito boa para você –era a gerencia de vendas do Mercosul, ia pegar Brasil, Argentina –, você quer ficar com ela? É uma boa. Eu quero dar muita força para o mercado interno”. Eu falei: “Topo”. Muito bem, eu sabia que era metade do que eu fazia antes de ir porque antes eu fazia Sul, Norte e o Brasil, agora é pegar Brasil e Sul, América do Sul. “Aceito.” Aí fizemos todo processo, ia deixar Bruxelas, mandei minha mudança embora, quando eu estava sem nada em casa, casa vazia, estava varrendo assim a garagem preparando para o avião, eu recebi um telefonema dizendo: “A Vale fechou a compra da Samitri e está nomeando você para Presidente da Samitri”. Aí o mercado interno, outra pessoa e tal, aí eu vim e fui para Samitri, essa sim foi uma missão muito curiosa porque eu ia suceder Cyro Cunha Melo que era Presidente da Samitri durante dezoito anos e um belíssimo executivo.
P/1 – Que responsabilidade, hein?!
R – Muito grande, muito grande mesmo, duas responsabilidades: uma suceder, a outra é que a Vale iria incorporá-la. Então, os empregados estavam todos arrepiados. Então, eu cheguei lá na Samitri e o Cyro tinha feito um discurso lá para os empregados dizendo: “Olha, a nossa sorte é que é o Chequer, o Chequer conhece a Samitri, gosta da Samitri e vocês vão ficar bem e tudo mais”. Então, eles me receberam com muito carinho e eu fiquei lá quase um ano. A Samitri tinha novecentos e setenta e seis empregados, três aposentaram, três se demitiram, os outros novecentos e setenta, todos foram aproveitados, não demitimos ninguém.
P/1 – E quais foram as principais decisões durante a sua gestão?
R – Não era muitas porque a Vale ocupou com pessoas dela a parte operacional, financeira e eu tive que ficar apenas com a parte comercial e a transição em si, então eu tive que frequentar a área, conversar com os empregados, tive que tirar a atenção deles e integrar a parte comercial, encerrar contratos de agenciamento. Não houve, não acho que foi nenhum heroísmo não, então apenas eu acho que foi bom porque, num período de transição, uma empresa vendida, todos os empregados ficam muito assustados, eu não entendo [de] administrar, a não ser as pessoas, nisso aí eu tenho sido relativamente bem sucedido. Eu tinha em Bruxelas, eu tinha feito isso. Então eu fiquei na Samitri, essa belíssima empresa, por três anos consecutivos. Saiu na Exame como das melhores empresas para se trabalhar e no último ano o mérito foi do Cyro, não foi meu. Ela ficou em sétimo lugar das cem melhores empresas. Então ficou uma coisa magnífica, ficou muito orgulhosa. A Vale absorveu a Samitri, comprou a Samitri e quando chegou em maio, junho de 2001 a Vale comprou a Ferteco e eu fui para Ferteco como Diretor Comercial.
P/1 – Pois é, então o que ia representando profissionalmente para você?
R – Veja, você tem um cartão de visitas escrito Presidente da Empresa, numa empresa de quatrocentos ou de duzentos e oitenta, trezentos milhões de faturamento e mil empregados. Isso profissionalmente conta, vai para o seu currículo. Legal, eu levo uma certa vantagem que eu consigo manter as pessoas próximas de mim e me ajudam, eu sempre digo: “Quem trabalha perto de mim trabalha muito mais do que eu”, entendeu, então eles trabalham e eu fico olhando.
P/1 – Mas o que você atribui a isso?
R – Que eu delego, delegar é mostrar confiança. Eu delego, eu não tenho a veleidade de querer ser o autor de tudo. “Eu que fiz, eu também fiz, foi o meu pessoal que eu mandei fazer, eu fiz, eu conduzi.” Eu não tenho, eu nunca tive isso, então, eles trabalham felizes comigo porque eles que fizeram, eles que têm o mérito, ele fizeram. Então, esse ato que eu tenho de delegar, já inclusive, de repente, eu posso ter cometido erros em delegar até demais, porque quando delega também você está transferindo um pouco de responsabilidade. Mas eu sempre digo: “A responsabilidade é minha”. Eu estou delegando a autoridade para fazer, se der errado a culpa é minha, mas eu acho que eu mantenho as pessoas próximas, eu tenho dado essa sorte também, é que eu delego, as pessoas trabalham comigo e se sentem bem. Agora, na Ferteco aconteceu a mesma coisa, por exemplo, eu tive outro dia..., eu vejo na Ferteco que o clima do pessoal era muito difícil porque eles estavam vendidos para Vale, fala-se que vai vender de novo, então eu comecei a tratar das pessoas, chegar junto, montamos lá, por exemplo,reunião da diretoria, todos os gerentes participam, sentam em volta da mesa e participam das decisões, começaram a ser transparentes, a ver a transparência. Eu acho que é isso que traz para si a cumplicidade. O empregado gosta de saber que a opinião dele tem valor, que a opinião dele está sendo ouvida e considerada mesmo que não seja aceita no final. Então eu acho que é isso.
P/1 – E qual o seu maior gol na Ferteco?
R – Este, fazer a transição de maneira..., primeiro, o maior gol que eu tive lá foi o seguinte: a Ferteco vendia em tonelagem uma quantidade grande de minério, mas a margem dos produtos ainda estava baixa, então, eu tinha que reduzir as vendas e não perder o resultado. Então, eu cancelei vendas que não davam muita margem e começamos a especializar a Ferteco em outras áreas. Então, hoje, ela vende menos mas fatura mais, tem resultado melhor. Mas eu estou saindo, né?
P/1 – Quer dizer, no fundo você monta como se montasse um quadro gerencial da empresa, é isso?
R – Eu trabalho com cota, poucas pessoas eu trago, eu sento com as pessoas e falo: “Olha, se vocês estão aqui, vocês devem ser bons no que fazem, eu espero que sejam, então vamos trabalhar”. E se algum não se mostra muito bom e tudo mais a gente substitui, mas eu sempre trabalho com os que estão lá, não trago o meu time, não tenho essa pretensão. Todos ficaram na Samitri. Todos ficaram na Ferteco. Saiu quem quis. Eu acho que isso também é o resultado disso que me traz amizade deles e quando os seus subordinados te estimam eles não te traem, quando eles te estimam, eles contribuem, eles te avisam, eles te advertem em alguma coisa que não está bem, de modo que hoje eu circulo pela claro na Ferteco e vou a todos os lugares conversar com os gerentes e vou no restaurante almoçar com eles. A gente às vezes dá uma recepçãozinha no fim do ano. Jantar. Convido todo mundo. Faz uma festa de natal para os empregados, para toda família. Pode trazer a mulher dele etc., coisas que é tradição na CBRT. Na verdade, eu aprendi isso na CBRT. Outra coisa também, eu aprendi nos últimos dez anos, eu tenho estudado muito a comunicação, a forma de comunicar, a forma de traduzir a minha vontade, a forma de procurar a minha empatia. Por exemplo, você está aí fazendo o seu trabalho, eu imaginei qual é o seu trabalho, né, é de indutora, está induzindo para eu ir respondendo, não é? Eu já sei disso, então eu começo a te ajudar. Quer dizer, instintivamente. Isso eu tenho estudado não é por acaso, eu tenho uma frase que eu falei alguns anos, você sabe quando está velho numa empresa quando as frases começam a se repetir, eu dizia, tem duas coisas ou três, uma é esta, a outra é quando você começa na empresa, você discute com os colegas e vai sair com uma garota: “Saí com uma garota, fui ao cinema”. Quando o seu colega vem te pedir licença para sair com a sua filha, aí é hora de você sair, né, mas eu dizia uma frase: “Toda improvisação está fadada ao fracasso”. Você não pode improvisar quase nada. Cheguei aqui hoje, o que eu te falei: “Não devemos fazer essa gravação, que há um risco de ela não dar certo”. Pela minha vontade nós não estaríamos fazendo porque eu estou rouco, posso começar a tossir etc., e vocês produziram uma alternativa e nós estamos aqui fazendo, mas toda improvisação está fadada ao fracasso, eu sexta-feira tenho que fazer um discurso.
P/1 – Qual é o discurso, então vamos finalizando o nosso depoimento.
R – O Eduardo vai aposentar, ele é o decano da empresa hoje, ele tem trinta e sete anos e meio, ele gosta de falar isso “trinta e sete e meio”, não tem ninguém na Vale com esse tempo mais, então eles vão fazer uma cerimônia para ele e logo vão me chamar. O Ricardo Antunes que hoje é o Presidente da Rio Doce internacional, eu não sei se você tomou depoimento do Ricardo, o Ricardo costumava dizer que no contrato de trabalho do empregado da Vale deveria constar que ele tem algum dia o direito do Chequer fazer um discurso para ele, tem que estar no contrato. Agora, por que isso, sou um grande orador? Não, mas como eu sei que vão me chamar para fazer um discurso, eu já estou escrevendo ele há dois meses.
P/1 – Por que não pode improvisar?
R – Não pode, se você não foi chamado, não foi, se chamarem você chega lá e fala e: “Me parece que esse cara é danado, chamaram, que beleza”. Não, não é beleza, não há improviso, então eu acho que não se pode improvisar. O improviso é o pai e a mãe do fracasso, pode ter certeza. Então você treina, eu treino. Então, eu estou estudando outra coisa nos últimos dez anos, eu tenho estudado economia e comunicação. Eu recebo todo mês cem, cento e cinquenta páginas de material sobre comunicação e leio, o que não leio guardo e consulto, anedotas. Todo mundo: “Ah, o Chequer conta anedotas, o campeão de anedotas”. É possível, mas eu tenho na minha estante mais de vinte mil anedotas. Então, eu não sou um inventor de anedotas, eu conto casos, mas eu leio, porque quem conta fica com mérito, eu às vezes falo assim: “Sabe o que fulano falou? Ele falou isso, isso, isso”. Todo mundo morre de rir: “O Chequer é fogo”. Não, quem falou foi ele, eu só vou repetir, mas eles vão aplaudir a mim que contei. Então, a comunicação é muito interessante, você fala alguma coisa inteligente, mesmo que você diga que é outra que falou, você é aplaudida, que interessante, né. A minha mulher fala que eu gosto de aplauso: “Você é muito vaidoso, você gosta de aplauso”. É possível, mas eu estou muito mal acostumado. Repito, a Vale me tratou bem a vida toda, sempre eu digo, me trata melhor do que eu mereço, eu me acostumei a ser bem tratado, a verdade é essa, eu me acostumei a ser bem tratado, então eu não tenho amargor, eu não tenho nenhum tipo de frustração: “Ah, o meu chefe me preteriu de uma promoção”. Pode até ter preterido mas eu nunca fiquei sabendo, e quando me dizem: “Você teve uma carreira maravilhosa”. Pode ser, eu não sei, de repente já quiseram me demitir várias vezes e alguém foi lá e não deixou, eu também não sei. Então, enquanto eu estou trabalhando, eu trabalho com dedicação.
P/1 – Você está indo para onde agora? Como é que está sendo a sua trajetória? (PAUSA)
R – No Bahrein, no Golfo Arábico, os árabes chamam de Golfo Arábico, os iranianos do Golfo do Irã, mas fica lá no sul do Kwait, abaixo ali, nós temos um cliente com quem eu fui trabalhar que tem uma Usina de Pelotização, a Vale é uma especialista em pelotização, é a maior do mundo em pelotização, em 1995 eu estava andando a toa nas ruas de Viena num fim de domingo lá e encontrei o Presidente desta empresa: “Oh, como vai meu amigo vamos tomar uma cerveja”. Fomos bater papo, desta cerveja surgiu a ideia: “Por que que a gente não arrenda esta planta?”. Eu pensei, vim, propus o assunto para Vale, a Vale era estatal, investir lá no mundo árabe, a ideia não pegou bem, mas eu comecei a defender lá. Em 2000 nós compramos a Usina e o Mozart me convidou: “Quer ir para lá?”. “Mozart, eu já te pedi, eu quero voltar.” Bom, então eu vim para Samitri e outra pessoa foi para lá. Nós compramos a empresa. Eu considero essa uma realização importante minha, não uma realização, eu tive a ideia de conduzir e não desistir, apenas isso. Mas quem tomou a decisão, quem comprou foram outras pessoas. Bem, há um ditado que diz: “Quem pariu Mateus que o embale”. Agora, o nosso colega está voltando e eles me convidaram para assumir esta empresa lá no Bahrein, logo agora que a guerra está querendo começar. Um lugar inóspito, um calor imenso, mas dizem que a cidade, eu não conheço a cidade, é uma cidade muito boa e vive-se mais ou menos, então eu estou assumindo esta missão que acho deve ser a última.
P/1 – E do ponto de vista pessoal, você vai com a família, vai com filho, você me diz os nomes dos filhos e a profissão, por favor, de todos.
R – Bom, a minha mulher, os meus filhos mais velhos Ana Elisa, Said e Chequer certamente não vão, eles vivem em outra cidade, já trabalham, o Chequer não, estuda. A minha esposa, nós temos um filho pequeno, o Domiti, minha esposa Rosimere, nós temos um filho pequeno Domiti, disse: “Não, você vai e eu vou com você”. É uma decisão difícil, é claro que ela vai, mas tem que vir ao Brasil porque ela tem coisas aqui, inclusive família, mas ela disse que vai, eu falei: “Olha, não vai imediatamente comigo que nós estamos na iminência de uma guerra, a base americana fica a mil metros do escritório e o teatro da guerra no Iraque fica como daqui a São Paulo um pouco mais, então pode ter guerra.
P/1 – E o que te fez assumir esta empresa nestas condições?
R – Sabe, o cavalo passa arreado uma vez só, depois não passa mais. Eu estou na Ferteco, o meu mandado na Ferteco pode acabar em três ou quatro meses, eu fiz um plano de me aposentar em 2005, então daqui até 2005 eu posso pegar uma tarefa burocrática. Sou um homem velho para os padrões da empresa hoje, a empresa gosta de cabelos pretos, gosta de juventude e nós, os mais velhos, pouco a pouco temos que ceder lugar, então pode ser que daqui até 2005 eu tenha uma missão mais burocrática esperando o tempo para aposentar e isso não faz bem o meu estilo. Então, quando eu fui convidado, eu meditei e aceitei. Serão três anos, dois ou três anos difíceis por um lado, mas compensadores por um outro e se eu encerrar a minha carreira estando cumprindo esta missão – eu não disse à companhia que eu vou encerrar a minha carreira, eu disse que fiz um plano de me apresentar em 2005 e gosto de pensar que será assim, aí eu terei cinquenta e oito anos e tá bom para aposentar e poder me dedicar a ajudar as pessoas, dar mais tempo para outras pessoas.
P/1 – Você mora em Belo Horizonte?
R – Neste momento sim, minha mulher é carioca, morava no Leme quando nos casamos mas foi para Belo Horizonte e gostou de lá, diz que lá é a Europa com sol. É interessante isso. A minha mulher diz que Belo Horizonte é a Europa com sol. Eu tenho um amigo de Vitória que diz que a segunda coisa pior do mundo é um fim de semana em Belo Horizonte e a primeira coisa pior do mundo é um fim de semana em Belo Horizonte com sol, porque ele mora na praia, então ele diz que é uma frustração você ficar lá.
P/1 – Então, para ir finalizando, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, mudaria alguma coisa? O quê?
R – Não, eu sou um homem feliz. Eu tenho um casamento fracassado na minha vida, isso é muito triste, mas eu me casei de novo com uma mulher que eu gosto muito dela, vivemos muito bem. Então, na bíblia, Sanção da caveira do leão as abelhas tiraram mel, né, do forte saiu doçura, então, às vezes daquilo que é indesejável sai uma coisa boa eu sou um homem feliz, meus filhos nos damos bem, meus irmãos.
P/1 – Você é avô.
R – Sou avô e tenho muitos amigos. Repito, me tratam melhor do que eu mereço. Então, eu sou um homem feliz. Não, eu não mudaria nada, se pudesse mudar alguma coisa eu mudaria na minha vida, eu teria dado pelo menos mais vinte e cinco anos de vida para o meu pai, eu acho que ele morreu vinte e cinco anos antes da hora. Mas isso não é na minha vida. Na minha vida está bom, eu deito a noite e penso coisas que já aconteceram comigo e não acho nada ruim, então sou grato à vida.
P/1 – E a Vale, o que significa a Vale do Rio Doce para você?
R – É tudo. Eu, é bem verdade que eu dei a minha vida profissional para Vale, mas ela me deu tudo que eu tenho. A Vale é tudo, nós gostamos da Vale. A Vale já pertenceu a governos dos quais eu gostava e pertenceu a governos que eu detestava, a Vale já foi privatizada e tem diretoria que eu posso concordar alguma coisa e outras não, mas a Vale todos nós da minha geração da Vale temos um amor profundo pela empresa. A Vale é tudo para mim, assim, tudo que eu tenho é porque a Vale sempre cumpriu o seu dever comigo e pagou corretamente, recolheu os meus direitos corretamente, sempre que eu precisei na pessoa dos seus gerentes, dos seus diretores e de sorte que eu falo de boca cheia assim: “Eu trabalhei na Vale”, no tempo que era estatal e depois que foi privatizada e onde quer que eu vá. Uma vez eu estava na China e queria ligar para o Brasil para minha casa, eu estava lá trabalhando, mas a ligação era pessoal, eu fiz a cobrar, o hotel não aceitou: “Por quê?”. “Não, porque o Brasil não paga essa ligação.” “Mas eu pago.” “Você paga lá no Brasil, mas o Brasil não paga para você.” Cá para nós, mas eu fiquei frustrado, mas a pessoa que estava comigo falou: “Mas essa pessoa trabalha numa companhia chamada Vale do Rio Doce, que supre aqui muito minério de ferro, graças a Vale o nosso país…” e tal. Ele disse: “Então pode fazer a ligação”. Essas coisas são muito interessantes.
P/1 – Então o que você acha desse projeto Vale Memória, o que você achou de ter dado este depoimento e ter contribuído para o projeto de Memória da Vale do Rio Doce?
R – Eu acho que o projeto num tempo em que atualmente os homens da minha geração estão meios postos assim “Escuta, você está atrasado na vida” – muitos de nós da minha geração ainda se confundem com a Internet –, num momento em que se quer vigor, se quer desempenho, sabe, eu acho muito interessante este projeto que a companhia faz de ouvir a nossa experiência. Na vida, todo mundo quer ter um grande futuro, mas depois de um tempo é importante você ter um grande passado. Quando o passado fica maior que o futuro é bom que ele fica conservado e julgado. Então, quando a gente dá esse depoimento, eu acho se as pessoas ouvirem os depoimentos, posteriormente, meu e de outros, saberão que nós não somos piores e nem melhores, no fundo nós somos iguais. A companhia não chegou no tamanho que chegou porque havia tolos lá, havia pessoas corajosas e inteligentes como hoje, então não se pode dizer: “No nosso tempo que era bom”. Isso é uma tolice, mas também não se pode dizer: “Agora sim, antigamente eram todos bobos”. Não é verdade. Então, eu acho um projeto bom como exemplo e também bom porque nos recompensa, dar um depoimento onde você me diz que alguém está interessado em ouvir, eu fico feliz.
P/1 – Tá bom, então eu agradeço muito a sua contribuição Chequer, muito obrigada.Recolher