Projeto Vale Memória
Depoimento de: Carlos Alberto Guilarducci Moreira
Entrevistado por: José Carlos
São Luís, 2 de setembro de 2002
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: CVRD_HV133
Transcrito por: Elisabete Barguth
Revisado por: Wini Calaça
P1 – Seu Moreira bom dia.
R – B...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Depoimento de: Carlos Alberto Guilarducci Moreira
Entrevistado por: José Carlos
São Luís, 2 de setembro de 2002
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: CVRD_HV133
Transcrito por: Elisabete Barguth
Revisado por: Wini Calaça
P1 – Seu Moreira bom dia.
R – Bom dia.
P1 – A gente pode começar o senhor falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – O meu nome é Carlos Alberto Guilarducci Moreira, eu nasci na cidade de Santos Dumont em Minas Gerais, cidade muito famosa pela água, no dia 25 de outubro de 1946.
P1 – Seu Moreira, qual a origem do nome Guilarducci, o senhor pode falar um pouco da história da sua família tanto do lado materno, paterno?
R – A origem da família Guilarducci é da Itália, meu bisavô veio da região de Toscana na Itália com dois filhos e aqui ele acabou tendo mais dois filhos, então ele teve dois filhos italiano e dois filhos brasileiros que foram se instalar na cidade de Aracitaba, era um Distrito de Santos Dumont, eles eram agricultores e passaram a vida toda lá.
P1 – Porque eles foram pra lá? O senhor sabe qual a razão deles terem ido pra lá?
R – Não sei, nesse período da imigração até hoje eu não questiono, você pega a colônia árabe, libanesa eles se espalharam pelo Brasil todo e mesmo os italianos, uns iam pro sul, outros iam pro norte, o interior de Minas, então todo o comércio do interior de Minas era dominado por sírios e libaneses. Não sei se eles saíam pra algum lugar pré determinado pra ir, o motivo eu não sei não.
P1 – Tem outros imigrantes italianos em Santos Dumont?
R – Tem, é uma região que tem muito sírio, muito libanês e muito italiano, eu não sei o motivo porque eles escolhiam determinados lugares.
P1 – E os Moreira qual a origem deles? Eram mineiros.
R – Não, meu avô era da cidade de Rio Pomba, acho que Moreira é de origem portuguesa mesmo.
P1 – O senhor conheceu seus avós?
R
- Conheci, quando eu era criança eu ia pra roça do meu avô, fazenda, era fazenda nesse lugar chamado Aracitaba. E era uma coisa louca, um monte de primos, meu avô tinha dez filhos e cada filho com dez, doze filhos, era tudo nessa média aí, só sei que a molecada ia nadar na cachoeira. Então viver na roça tem as suas vantagens em relação a hoje, por exemplo um menino hoje é muito bem formado mas não teve a experiência de vida que a gente teve. Por exemplo, eu aprendi a nadar em cachoeira que matava gente sabe, “não vai porque aqui morre gente”, pois era ali mesmo que a gente ia, levei muita corrida de vaca parida que a gente chamava ou de touro, de cachorro, você tava andando na fazenda de repente vem aquele cachorro, aprendi a subir numa árvore, pular uma cerca com uma facilidade e era uma vida interessante com muita brincadeira, muita fruta e muito trabalho também, porque eles punham a gente pra trabalhar, a gente trabalhava mas brincava ao mesmo tempo. Eu tive uma infância muito boa, muito feliz, muita gente, uma família muito grande.
P1 – E seus pais como eles se conheceram, qual era atividade de seu pai?
R – Meu pai é um homem que eu tenho uma admiração muito grande, que saiu da roça como tropeiro, levando tropa - isso com doze anos de idade - levando tropa de burro pra cidade, levando alguma mercadoria, ele chegou na cidade, ele era muito ambicioso, resolveu ser alfaiate, aprendeu ser alfaiate e como alfaiate ele foi um bom alfaiate e abriu três lojas, três camisarias na época o pessoal se vestia muito bem, o terno era uma coisa. Mas imediatamente ele comprou um caminhão, ele tinha muita visão e partiu pra esse ramo de descobrir carência, ele no lugar que não tinha arroz ele levava arroz, mas tinha cachaça ele pegava cachaça e levava pra outras cidades que não tinha, mas tinha café então ele ficava fazendo esse intercâmbio, isso foi em todas as cidades de Minas, do estado do Rio e São Paulo também, mesmo na época que não tinha estrada. E ele enchia o caminhão de mulher e os filhos, ia aquele monte de crianças em cima do caminhão, que doideira era aquilo, um negócio até proibido hoje, mas todo mundo trabalhava, todo mundo viajava muito e com isso ele foi crescendo e de repente essa tal empresa de transporte. E ele teve uma história muito interessante, quando o governo criou o IBC, Instituto Brasileiro de Café, os cafeicultores na época quebraram porque eles que dominavam o café, eles que determinavam o preço do café e meu pai era um desses, nessa altura já tinha torrefação de café e era atacadista de café, então ele quebrou. E aconteceu um lance engraçado, lá em casa tem uma carta interessante, papai escreveu pro Juscelino Kubitschek - que já era conhecido antes de ser Governador de Minas Gerais, estava começando a construção de Brasília - papai escreveu uma carta pedindo apoio no sentido de arranjar uma cota de cimento, aí o Juscelino Kubitschek escreveu pro papai mandando ele procurar o Israel Pinheiro em Brasília, e com aquela carta o papai se preparou pra ir pra Brasília e queria arrumar uma cota de cimento pra ele vender na construção de Brasília. Aí meu pai tava completamente duro sabe, o que ele fez? Na minha terra foi a primeira fábrica de laticínio da América do Sul, um bisavô de um engenheiro que trabalha aqui na Vale, o Ricardo Jafet, é que foi o homem, eu tenho esse livro que conta essa história que trouxe os primeiro técnicos da Holanda pro Brasil no século passado que montou a primeira fábrica de coalho pra fazer queijo e a primeira indústria de laticínio da América do Sul. E essa indústria, nesse período aí nos anos 1950, tava meio falida não tava conseguindo vender queijo e o papai fez uma proposta, papai tinha um caminhão tipo Furgão: “Olha, vocês tão perdendo esse queijo, vamos fazer um negócio comigo, eu encho esse caminhão desse queijo aí eu não tenho dinheiro pra ir pra Brasília, eu vou vendendo estrada a fora ou tento vender em Brasília”, na verdade ainda não existia Brasília, existia a cidade Satélite, a cidade dos candangos que chamava, ainda tava construindo Brasília. Foi com esse caminhão pra Brasília e quando chegou lá numa casa de madeira que futuramente veio ser a maior rede de supermercado de Brasília, o papai sentou, falou com o dono nesse lugar que vende linguiça, prato feito, vende roupa, vende tudo, o cara comprou o caminhão de queijo dele à vista e mandou buscar outro. Então em pouco tempo papai virou o rei do queijo em Brasília, todo laticínio que tinha em Brasília era do papai, era distribuição, papai correu todas as fábricas de Minas Gerais e pegou a distribuição, chegou ficar muito rico em Brasília, ele era realmente o rei do queijo. Aí passou a se dedicar só a laticínios e essa fábrica que estava quase falindo se reergueu, era uma fábrica, na verdade eram cinquenta e duas fábricas de queijos e papai se tornou até sócio, chegou a ter quinhentos empregados. Então foi um cara que eu admiro muito, ele sustentou aqueles nove filhos, as irmãs solteiras, avó e um monte de empregadas a vida inteira, papai era o tipo senhor Feudal, aqueles homens antigos que a gente não abria a boca, a gente não tinha opinião, não tinha direito, era muita disciplina e no mais valente porque ele conseguiu crescer dessa forma e sustentou muita gente, foi um homem estupidamente caridoso. Papai todo mês mandava alugar uma carroça e encher as carroças com saco de arroz, de batata, de feijão, isso pra ir distribuindo nas instituições de caridade da minha terra, todo mês ele fazia isso e ele nem aparecia, o nome dele nunca existiu, ele nunca foi político, nunca se meteu em política, apoio muito político por trás dos bastidores mas sem nunca ter usufruído de nada, aproveitado. Foi muito amigo do Deputado José Bonifácio, parece que era padrinho de casamento dele, mas nunca tirou proveito, não dependia de político, eu admiro muito meu pai foi um homem que morreu com muito trabalho na vida e ensinou a gente a trabalhar.
P1 – E sua mãe?
R – Minha mãe com nove filhos ela cuidou de casa a vida inteira, né, até hoje minha mãe tá com quase 90 anos e tá lá, hoje infelizmente eu e minhas irmãs pagamos três enfermeiras. Minha família, os nove irmãos cada um foi pra Brasília, Piauí, Juiz de Fora, Belo Horizonte, São Luiz, Boa Esperança, todo mundo espalhou e não pode cuidar da minha mãe, a gente paga três enfermeiras pra cuidar dela, a gente se reveza, os filhos vão lá constantemente, as irmãs que se dedicam mais pra ela, minha mãe já tá bem velha meio doente mas tem três enfermeira cuidando dela.
P1 – E se conheceram em Santos Dumont?
R – Não, lá na roça mesmo, com 14 anos já tava casada, na época era assim se casava com 14 anos.
P1 – Me conta um pouco da tua infância em Santos Dumont, como é que era a sua cidade?
R – Santos Dumont é uma cidade pequena de cinquenta mil habitantes, que já foi muito maior do que é hoje, já teve essas indústrias de laticínios, já teve a rede ferroviária que chamava Quarto Depósito, que tinha dois mil empregados, que fabricava vagões e dava manutenção, socorro era oficina de manutenção da rede ferroviária, do trecho Rio/Belo Horizonte. Essas fábricas fecharam e uma série de outras fábricas, por exemplo era a maior indústria de carbonato de cálcio da América Latina, também já não produz mais. Essa cidade teve uma decadência econômica muito grande, os ramais ferroviários que traziam aquele povo dos Distritos que ajudava a econômica local todos foram desativados pela rede, então a cidade regrediu de uma forma impressionante. Mas era uma cidade muito feliz, muito menino, eu tive uma infância muito feliz, com muito trabalho mas ao mesmo tempo a gente tinha tempo pra tudo, não é igual hoje você perde tempo em transporte, perde tempo em ver televisão, que nada ali 100% do tempo era pra brigar, porque a gente brigava todo dia na escola, pra namorar não, porque na época menino dessa idade aí não, olhava as meninas lá, era proibido. O colégio da nossa terra que só estudava meninas a gente nem podia ficar no passeio do colégio, era um rigor terrível, a gente ia pro muro da Santa Casa, ficava lá do outro lado pra ficar olhando as meninas, mas era muita brincadeira, eu acho que foi muito boa a minha infância.
P1 – O senhor disse que trabalhou, como era esse trabalho na sua infância?
R – Trabalho desde os 5 anos de idade.
P1 – Como era isso?
R – Viajando, recebendo duplicata, ir na banca e acertar caderneta, raspar queijo, embalar bala. A primeira vez que eu entrei numa fábrica de bala e vi aquela máquina que embala sessenta balas por minuto... Eu lembro da meninada da minha rua toda a produtividade era imensa porque cada bala que você enrolava você chupava uma - papai tinha fábrica de bala também - e outra coisa que você fazia era raspar queijo parmesão. Queijo parmesão ficava estocado meses aí ia criando uma camada de mofo e você tinha que raspar e passar na farinha e também torrefação de café, então lá em casa era uma linha de produção mesmo cada um fazia uma coisa, um torrava o café, o outro moía o café, o outro colocava no saco e passava. Eu me lembro exatamente com 5 anos de idade o meu trabalho era pesar o café daquelas balanças de peso. Tinha uma balança de um quilo você punha ali e ia completando até dá um quilo certinho e já passava pro outro que já passava, nem era cola era grude que era feita de farinha de mandioca e o outro ensacava e o outro transportava, cada um fazia uma coisa, então papai pôs a gente pra trabalhar desde cedo. Também eu fazia faxina em 16 quartos todo dia durante muitos anos, até depois do almoço, eu corria lá pra fazer a faxina fazia aquele trabalho rapidinho e tava liberado pra futebol e natação, eu nadei muito, disputei campeonato mineiro com 12 anos, 13 anos, cheguei em Belo Horizonte, consegui ser o último colocado mas pelo menos no interior eu conseguia classificação. Então eu jogava futebol, eu joguei num time profissional de futebol com 14 anos, eu tava no time juvenil profissional, eu acho que todo menino daquela idade jogava muita bola, era a noite direto, era muita pelada todo dia.
P1 – Estudava?
R – Estudava.
P1 – Dava tempo?
R – Durante alguns anos eu fui um aluno, tremendo vagabundo, matava aula. Eu tinha um irmão que passou cinco anos no primeiro ano do ginásio, a gente estudava a noite porque trabalhava de dia e esse irmão toda noite, não tinha jeito, matava aula pra poder ir pro cinema. Então eu fui um péssimo aluno durante um período, e de repente eu dei uma guinada e passei de quase último aluno passei de repente a ser o primeiro aluno, durante muitos anos do meu curso científico eu fui o último, no ginásio eu fui o primeiro.
P1 – Teve algum motivo?
R – Teve um motivo, minha mãe me acordava 6 horas da manhã pra buscar leite. Eu já morava numa casa que tinha um quartinho lá embaixo e nesse quartinho eu descobri os cadernos do meu irmão - que tinha sido bom aluno- e descobri os cadernos com exercícios de matemática resolvido, resolvi ler aquele caderno e descobri que era fácil fazer exercícios de matemática, aquilo não era difícil não, era preciso estudar. Então entre 6 horas da manhã e a hora da sinuca - porque às 10 horas a turma já ia pra sinuca - eu comecei a estudar e de repente eu descobri que eu era bom aluno e que matemática era fácil. E de repente eu me vi assim até dando aula pros alunos da minha turma e tirando o primeiro lugar, esse assunto de tirar o primeiro lugar é até muito bom.
P1 – Isso foi quando?
R – Ah, isso foi 1950 e qualquer coisa.
P1 – A sua idade qual que era?
R – A minha idade? Eu tava com 13 pra 14 anos. Aí meu pai mudou pra Juiz de Fora, uma cidade totalmente estranha durante as férias e eu não tinha o que fazer, eu ia fazer as compras lá de casa juntava os selos. Os selos é mais ou menos que existe hoje os talões de vale milhões, era um selo que a gente chamava de adicional reembolsável, um incentivo fiscal que o Estado de Minas dava pra você recolher nota fiscal de compras e fazer com que a empresa contribuísse, a forma era você cobrando essa nota fiscal e você trocava essa nota por um selo, esse selo você trocava por um cupom que participava de sorteio, E de repente eu ganhei 10 mil cruzeiros, foi um dinheirão na época, ficou todo mundo doido com isso, eu andei distribuindo dinheiro pros meus irmãos, mas uma coisa que eu fiz foi comprar todos os livros que eu precisava pro curso científico até o último, comprei tudo quanto era livro que eu precisava, todo material escolar. Enquanto as aulas não começavam e eu não conhecia ninguém de Juiz de Fora, eu passei o período de férias, dezembro e janeiro, estudando e quando as aulas começaram eu já tinha estudado a matemática de todo primeiro ano científico e parte da física. Então quando eu entrei num dos maiores colégios de Minas Gerais, o colégio Tradicional pra fazer o curso científico, eu comecei a tirar o primeiro lugar também. Então eu me descobri de repente um bom aluno, aí como eu era muito bom em matemática e física não havia outra alternativa, já pensava nisso há muito tempo, “vou estudar engenharia”. Eu me lembro que lá no interior o pessoal falava: “O que é isso rapaz?”, os amigos mais velho do meu irmão que falava: “O que é isso rapaz, não perca tempo com isso não, você acha que vai passar em vestibular?” Isso era uma coisa muito difícil na época, você tinha que ir pra uma capital, era caro, pouca gente conseguia isso. Eu me lembro muito bem que eu falei: “Não, eu vou fazer vestibular em mais de um lugar e onde eu fizer vestibular, eu vou passar com certeza”, o cara achou estranho eu falar aquilo e não deu outra, eu fui um dos primeiros colocados na Federal de Belo Horizonte, de Minas Gerais, na Universidade Federal de Juiz de Fora, aonde eu fiz eu fui bem classificado.
P1 – E a carreira de engenharia na época, qual o prestígio? Sempre teve, né.
R – Bom, aluno bom na minha época, alunos brilhantes não pensavam em outra coisa, ou eles iam ser médico ou engenheiro, e havia muita gozação inclusive com aqueles que não, e às vezes eu fico pensando, mas que vida interessante aqueles maus alunos, aqueles vagabundos entre aspas, os malandros da minha época acabaram estudando direito e virando juízes, desembargadores só eles que ficaram bem, quem partiu pro ramo de produção nesse país se deu mau. Mas na minha época engenharia era uma coisa excelente, uma coisa que incentivava a gente estudar engenharia, você pegava o Estado de São Paulo de domingo tinha um caderno mais ou menos maior que o próprio jornal de emprego pra engenheiros, era um salário astronômico tudo que você via, o país tava no chamado período do milagre brasileiro, emprego não faltava. Eu me lembro quando entrei no estágio de engenharia, morava com um rapaz que estava se formando e foram mais de vinte empresas atrás desse rapaz porque tava se formando em engenharia. Você não corria atrás de emprego o emprego que vinha atrás de você, as empresas iam na escola faziam entrevistas, apresentavam suas vantagens, Petrobrás, Vale todas as grandes empresas, Usiminas, empresas de São Paulo também, nessa época o Brasil tava começando fazer muita hidrelétrica, hidrelétrica era uma coisa que tava fazendo pra todo lado, então engenharia era um negócio fantástico já não é a mesma coisa hoje. E o interessante que você passava no vestibular, você era um garoto que ninguém na cidade dava bola pra você, e você passava no vestibular você começava a sair no jornal, até as meninas, você era visto de outra forma, passava a ser respeitado coisa interessante isso, as pessoas te olhavam você era um menino e de repente você era o cara de futuro, eu me lembro que muitas pessoas batiam nas costas “Futuro do Brasil”. (risos)
P1 – Você continuava voltar pra Santos Dumont nesse período?
R – Voltava, porque eu namorava, minha mulher é de lá, todo fim de semana mesmo, quando eu morava em Brasília, eu viajava 2000 quilômetros todo fim de semana pra namorar, eu não aguentava ficar sem a minha namorada.
P1 – Você conheceu ela aonde?
R – Desde de menino, minha vizinha lá em Santos Dumont. Mas ela não dava bola pra mim não, ela era muito disputada, era uma mulher muito bonita e meus amigos todos, era muita gente apaixonado por ela e eu consegui realmente, eu falei: “Essa mulher vai ser minha”. Essa foi uma conquista minha, “essa mulher vai ser minha” e parti pra cima, fui, lutei, realmente namorei muitos anos. Era um namoro diferente dos de hoje, era um namoro sério, logo em pouco tempo você tava entrando dentro da casa, era um namoro com muito rigor, com fiscalização terrível. Jamais, por exemplo, a minha mulher com doze anos de namoro viajou comigo, minha namorada não podia, que viajar sozinho tá louco, não existia, era terrível, mas eu sempre fui muito apaixonado por ela e sou até hoje.
P1 – Você acabou casando com que idade?
R – Eu ainda ganhei muito por questão de dinheiro, eu achava que precisava de dinheiro e de repente eu descobri que se fosse ter dinheiro pra casar, eu não ia me casar nunca. Um belo dia eles marcaram o casamento pra mim: “Olha, você vai casar no dia 18 do mês que vem”, eu me lembro que eu peguei o salário da Vale, aí eu comprei um pijama, porque eu só dormia pelado, na véspera eu comprei um pijama, um paletó, gravata - que eu tenho até hoje nunca mais usei - o paletó, a calça, gravata, sapato e casei, sem ter uma cadeira, uma mesa, eu não tinha nada. Mas aí de repente foi uma virada, eu descobri como a vida de solteiro era cara, porque eu tinha que viajar muito, tinha que almoçar em restaurante e era bebedeira todo dia, muita gandaia, então pra solteiro não há dinheiro que aguenta. Como casado, com poucos meses de casamento cheguei em Belo Horizonte com 60% de entrada, então eu descobri que casado é que consegue, os seus conceitos mudam, você não precisa mais sair, a coisa era diferente. Um rapaz tinha todo o direito de, a noiva se guardava pro noivo e o rapaz não, então a nossa vida era toda noite nos puteiros, não adianta usar outro nome, era toda noite gandaia direto, não há dinheiro que aguente, então eu descobri que um cara bem casado tem tudo isso dentro de casa, você tem uma companhia, você tem o sexo. Eu tive uma grande companheira que é aquilo que é falado na igreja, na riqueza e na pobreza, porque eu rapidamente fui crescendo em pouco tempo era dono, mudança pra todo lado, cheguei em Uberaba rapidamente eu fiz uma casa lá e logo em seguida fiz outra, aí peguei Belém comprei apartamento em Belém, aí nesse intervalo, comprei apartamento em Cabo Frio, Mosqueiro, Guarapari, dinheiro dava pra isso. E tinha os financiamentos, você dava um pouquinho de entrada - coisa que você não consegue fazer mais hoje - tinha muito financiamento, então tive um monte de apartamento e cresci. Ganhei muito dinheiro a vida inteira na Bolsa de valores, eu nunca perdi um centavo em Bolsa de valores, eu lamento não ter aplicado mais na Bolsa, eu tinha uma percepção, eu já tinha trabalhado na Bolsa como corretor quando ela quebrou em 1970, quando a Bolsa quebrou pra mim tinha sido uma grande experiência, eu tinha feito uma série de curso de mercado de capitais pelo um Banco do Rio Grande do Sul, ele financiou depois trabalhei como corretor. Então aquela quebra da Bolsa pra mim foi um susto e eu não perdi dinheiro, porque eu gastava muito dinheiro, eu ganhava muito mas gastava muito, então aplicava quase nada, cheguei aplicar e tirar na hora certa. Mas a partir daí eu comecei a fazer um estudo mais sério de empresa e cada vez que eu estudava alguma empresa, aplicava e conseguia ganhar dinheiro uma chuveirada rápida, os corretores que eu comprava eles falavam: “Mas esse cara é só chuveirada rápida”, eu entrava já subia 10%, pra mim 10% já era lucro, eu tirava fora. Até que um dia - eu tava falando da minha mulher na riqueza e na pobreza, porque ela nunca precisou trabalhar, largou um emprego estadual, um emprego municipal, ela tinha três empregos como professora, de manhã ela trabalhava no estado, de tarde trabalhava na prefeitura e a noite ainda numa escola do colégio particular e ela largou tudo isso pra me acompanhar e nunca precisou trabalhar, foi cuidar de filho - até que um dia eu me meti em agência de carro e construí, pra quê? Quando terminou o plano cruzado pra mim foi um terror, porque o juro bancário que você pagava 1% ao mês de repente em 3 meses você tava pagando um juro de 23%, e o imóvel que você tinha não tinha liquidez, não conseguia vender e carro que eu tava que tinha ágio no ano anterior ninguém queria comprar mais, eu tava com carro estocado caindo de preço e juros bancário subindo. Então eu tava num período que a cada mês eu tava vendendo um apartamento a qualquer preço pra poder pagar Banco, entendeu, então eu cheguei ficar assim mal de roupa, a minha sorte é de nunca eu ter abandonado meu emprego na Vale do Rio Doce e minha mulher também não se importou, meu filho também partiu pra luta, minha mulher é pianista clássica, partiu pra dar aula de piano e começou a ganhar dinheiro, hoje ela ganha bem participa desses eventos, não só aqui como em outros lugares onde ela chega participa dos eventos culturais, apresentação, dá aula nos conservatórios locais, que ela tem um currículo muito bom e foi bom pra ela porque ela voltou a pagar INPS daqui a pouco vai ter a sua própria aposentadoria, começou a ganhar um dinheiro bom, cobra caro a aula porque minha mulher é cara, ela chega a cobrar aí 120 reais uma aula pra gente muito rica, então hoje ela ganha mais do que eu e foi muito bom pra ela, ela não se importou de eu ter falido. E eu recuperei também porque eu tenho a garra do meu pai, recuperei, foi só questão de tempo, baixei o meu padrão de vida, esqueci avião, hotel cinco estrelas, viagens que eu fazia coisas assim, eu abusava do dinheiro. Por exemplo, quando eu morava em Carajás, fiquei seis anos em Carajás toda viagem de serviço eu levava a mulher e o menino, quer dizer, minha viagem de serviço era cara porque eu pagava passagem aérea e quando eu ia viajar às vezes eu era impaciente, eu cansei de fretar avião pra não ter que esperar aqueles ônibus, tinha amigo que tinha avião, fretava avião até pra ir pra Miami, pras essas Ilhas do Caribe pra descer aonde você quiser, eu cheguei fretar avião por várias vezes. Então eu abusei muito do dinheiro, eu acho até pelo fato de trabalhar na Vale do Rio Doce, comodismo que eu digo no sentido que você saber que você tem um seguro de vida, uma aposentadoria privada, então eu nunca me preocupei em guardar dinheiro e nunca tive medo de demissão na Vale do Rio Doce porque eu sempre tive umas prioridades na empresa e sempre trabalhei sério, sempre trabalhei muito, então eu nunca tive medo, “ah, e se eu for demitido”. O único susto que surgiu pra nós em termo de demissão foi privatizar a empresa que poderia ter alguma mudança e não sei, mas nessa altura também nós enxergamos que a nossa experiência era muito grande, era só mudar, se eu saio da Vale trabalho pra Vale mesmo como autônomo, criar uma cooperativa inclusive, esperar uma privatização e criar uma cooperativa, fora isso não houve medo de desemprego porque o nosso grupo de obra da Vale do Rio Doce é um grupo fantástico, sem brincadeira, um grupo que nunca ninguém precisou tomar conta, nós tínhamos muita autonomia. Eu falo inclusive que hoje você não faria o projeto Carajás dentro do que existe hoje na empresa, porque a gente tinha total liberdade de contratar, de fazer aditivo, de resolver não existia comunicação, não existia telefone, Carajás não existia telefone pra você ter ideia. “Ah, como é que eu faço?”. “Ninguém tem que perguntar como é que eu faço, não tem nem jeito, você tem que resolver, você tem que fazer”, muita gente falava assim: “Impossível, esse pessoal não vai conseguir, rasgar uma ferrovia, uma Mata Atlântica cheia de malária, cheia de problemas, 900 quilômetros de floresta”, até o Henry Ford que fez aquela madeira mamoré que quebrou a cara e outros projetos na região amazônica que fracassaram, muita gente falava que nós não íamos conseguir fazer aquilo, pois foi feito com redução no orçamento e com antecipação no prazo, era um desafio terrível, era uma verdadeira aventura a gente era altamente motivado, né, então pra mim a Vale do Rio Doce nunca existiu essa relação de patrão e empregado, nunca vi a Vale do Rio Doce, pra começar não ter um patrão e o desafio que ela oferecia pra gente realmente motivava a trabalhar muito, trabalhar e vencer esse desafio. Então eu tive o privilégio de trabalhar na única diretoria de construção que ficava sobre o Departamento de Obras de Itabira, eu conheci a Vale quando a Vale só tinha Itabira e um porto lá em Vitória, e o Doutor Eliezer Batista um homem de uma visão terrível, um homem incrível, aquele homem enxergava que a Vale tinha que crescer, que a Vale tinha que diversificar, inclusive ela fala: “Ou você fazia Carajás ou a Vale não existia, a Vale ia morrer”. Então o nosso grupo foi entregue pra esse grupo fazer exclusivamente o que a Vale tem hoje, construir uma fábrica de celulose, nós construímos essa fábrica de celulose, depois fertilizante, nós fomos pra Uberaba construímos uma fábrica de fertilizante que era a maior do Brasil na época, a celulose também era a maior do Brasil na época e de lá nós fomos fazer a (Obrás?), no norte a (Obrás?) em Belém, de repente a Vale parou com aquele projeto lá e priorizou, foi aprovado a construção de Carajás. Então nós fomos pra uma clareira há 40 quilômetros de onde é Carajás hoje e ali o pau quebrou mesmo, o que eu fazia, estrada pra Serra Pelada, reforço de ponte pra chegar até Marabá, um caminho que existia não era estrada era um
caminho que tinha umas pontes de madeira que o garimpeiro punha fogo direto, você tinha que fazer o reforço pra começar a chegar os primeiro equipamentos pra construção de Carajás e construir uma Vila, as famílias ficavam aqui e vinham no final de semana, construir uma Vila com escritório, porque Carajás foi construindo uma Vila provisória que já não existe mais antes de ser feita o núcleo que existe hoje. Então, estrada pro Projeto Salobo, acampamento, era muita floresta, muita cobra, era uma aventura mesmo sem brincadeira, você sair com lampião - a gente saía com um lampião é claro que não tinha energia elétrica - acontecia tanto lance interessante do tipo assim, eu já falei que eu tenho um acervo fotográfico, um domingo eu acordei assim, o pessoal gritando: “Olha a onça, a onça”, a onça invadiu o nosso acampamento e uns malucos paraense, não é que esses caras cercaram a onça com laço, e conseguiram laçar a onça, se você falar assim parece história de pescador e de caçador, bom, mas eu fotografei, eu tenho tudo isso fotografado, os caras laçando a onça ela sozinha e depois ela laçada pela cabeça, pelas patas, os malucos lá do Pará que fizeram isso, só mais tarde que nós fomos ver porque que eles conseguiram também laçar que a onça era cega, era muito grande, muito magra e devia ter dificuldade de comer, a onça era cega, então deve ser por isso que eles conseguiram laçar, cercar e laçar a onça. Cobra, acho que tinha uma média sei lá, eu andava olhando pra cima e pro chão o tempo todo com medo de cobra, eu acho que eu via uma média de umas dez cobras por dia, mas também descobri o mesmo medo que a gente tem o animal também tem, e o animal foi se afastando à medida que foi construindo Carajás, as onças que eu vi, várias foram se afastando com o barulho e o desmatamento. Aquele projeto Carajás também foi assim um desafio e um projeto muito bem feito dentro da preservação ambiental.
P1 – Eu queria saber como o senhor entrou na Vale, em que momento ela surgiu pro senhor?
R – Eu fiz um concurso uma vez, eu tava falando, eu fui um cara que fui bom aluno e teve um período que eu fiquei meio metido, sabe, as empresas faziam teste psicotécnico e eu descobri que eu era um gênio pra fazer esse teste psicotécnico, a dificuldade verbal que eu tinha que às vezes fracassava, eu tinha uma dificuldade na questão de inteligência verbal, mas era chamado raciocínio espacial e raciocínio matemático, e quando eu pegava aquilo... Eu lembro na IBM, eu fiz pra analista de sistema da IBM e fui o primeiro colocado, eu descobri que psicotécnico era comigo, e eu fiz o psicotécnico na Vale do Rio Doce e fui até o primeiro colocado, demoraram pra chamar foi uma coisa interessante, e um colega meu que tava trabalhando num escritório em Belo Horizonte precisava, a Vale ia começar a crescer e chamou, apesar de eu ter feito um concurso pra trabalhar na outra área, eu acabei entrando no Edifício Dantesco, que era sede da Vale em Belo Horizonte, pra fazer orçamento, exatamente, eu fiz orçamento da fábrica de celulose, a Cenibra. Uma coisa muito interessante, eu fiz o orçamento junto com os japoneses, esse japonês não falava inglês e o meu inglês também era fraco, e eu não esqueço desse orçamento, o japonês com o soroban lá eu desafiava, porque era impossível ele fazer os cálculos mais rápido do que eu, nessa época eu já tinha uma máquina elétrica, eu com essa máquina elétrica era uma fera, pois o japonês chegou a me ganhar numa disputa que eu fiz com ele, ele naquele soroban, naquele ábaco pois ele conseguiu fazer cálculo com mais rapidez do que eu na máquina. Então, o meu primeiro trabalho foi o orçamento da fábrica de celulose em Ipatinga que hoje inclusive não é mais da Vale, vendeu a participação o ano passado.
[PAUSA]
R – Naquele período existia uma ideia de fazer seis fábricas de celulose, era na região de São Mateus, no Vale de Jequitinhonha, Ipatinga, era uma série de, então nós entramos pra ficar vinte anos construindo fábrica de celulose, a ideia era essa e que acabou não funcionando. A primeira fábrica devido ao mercado, preço da celulose, uma série de oferta mundial, porque celulose é um negócio estranho tanto o preço como a oferta, a demanda altera muito, é ciclo, então tem hora que celulose tá 800 dólares a tonelada e de repente ela cai pra 300 dólares que é quase abaixo do preço de produção, mas eles já tinham um grupo dessa primeira etapa do Doutor Renato Moreti, que foi o chefe do departamento de obras de Itabira, depois foi o diretor de implantação da Cenibra, diretor de implantação da Vale Fértil, diretor de implantação da (Obrás?), foi superintendente da implantação do projeto Carajás e depois se tornou o único diretor de construção, esse homem já tinha um grupo de trabalho e a Cenibra foi uma obra que não deu muito certo, ele selecionou o pessoal e esse pessoal ficou junto durante muitos anos fazendo uma série de projetos na Vale, depois de Carajás foi Usina (Itinobeba?), projeto lá na Bahia Fazenda Brasileiro, Igarapé Bahia, a sétima Usina (Cobrás?), Usina de implantação, a implantação da (Cobrás?) foi a sétima Usina associação da Vale com um grupo coreano. Então eu tive nesse intervalo de tempo aí, eu tive muita chance de trabalhar com japoneses, foi o primeiro investimento da celulose no Brasil foi a celulose nipo brasileira, eu me dei muito bem com os japoneses, um pessoal muito educado, um pessoal que adorava o Brasil. Eu tive lances engraçados, esses primeiros japoneses que vieram da JPP, Japão Paper, sei lá - é um grupo de quinze ou dezessete fabricantes de papéis que criaram essa empresa JPP - e esses primeiros japoneses que vieram pra aprovar o orçamento, fizemos o orçamento, saímos com eles, fomos convidados pra jantar e fizemos uma gandaia a noite inteira, três ou quatro brasileiros sem ninguém falar inglês, era assim: “Very good, ok” e bebemos todas, fomos pra boate dançamos e fomos pro show de strip tease, passamos uma noite fazendo a maior farra com aqueles japoneses, então eu me dei sempre muito bem com japoneses e até com os coreanos também, que foi o primeiro investimento no Brasil que foi a (Cobrás?), eu sempre me dei muito bem e depois eu fui chamado também porque eu conhecia os japoneses. Bom, resumindo essa diretoria de construção foi extinta, virou uma superintendência de implantação de projeto que foi extinta, que depois nós entramos pra superintendência de estudos de projeto que foi extinta, o fato é que onde eu passava na Vale, é a superintendência do projeto Titânio foi extinta, era tudo extinto e eu fiquei muitos anos assim cedido, por exemplo a superintendência das Mina quando queria construir a Usina de Concentração de Minério de Timbopeba, eu pegava um grupo de obra e a gente ficava cedido, então eu fui cedido pra superintendência de Pelotização, eu fui cedido pra superintendência das Minas, adido pra Cenibra que era uma outra empresa apesar de ser do grupo da Vale. Então aí, quando você é cedido internamente você é cedido, externamente você fica como adido, então eu fui adido e cedido por muitos anos até chegar num ponto que o meu retorno aqui na Vale, foi um negócio muito engraçado porque de repente o departamento pessoal une um, pega a minha carteira e pra acertar a minha carteira, porque tem muitos anos que não tem anotação nenhuma de salário, de férias ou de qualquer coisa, eu vou aqui, “Ah, eu não tenho acesso ao seu código funcional”, então com isso, eu não consigo nem assistência médica, às vezes eu tenho dificuldade de conseguir, eu não recebo contracheque, todo mundo recebe contracheque, eu fico atrás do meu contracheque durante uns quinze dias porque o contracheque vai parar em Vitória, vai parar cada hora num lugar. Então eu fiquei desse jeito, eu entrava no computador e olhava: “Vamos descobrir aonde eu estou na Vale”, eu consegui descobrir, entrava no F9 pra vê a minha sigla e tava sempre pendurado lá na PML, eu custei pra descobrir que PML era Presidência Mozart Levinski, então até hoje estamos terminando essa obra. Antigamente eu não esperava não, eu via o que era prioridade da Vale e um ano antes de terminar a obra, eu tava negociando a minha ida, agora não já tá quase na hora de sair, eu to deixando só pra vê o que acontece, mas apesar de tudo já me convidaram pra uns três lugares diferentes, quer dizer, ainda sinto que eu tenho algum prestígio, já me convidaram pra três lugares diferentes.
P1 – O senhor já mudou muito de cidade, a família vai junto.
R – Só mudei, eu já morei por exemplo com um menino de 2 anos num lugar que não tinha luz e não tinha água, então eu enchia uma caixa d’água com um caminhão pipa e tinha lampião mesmo, era lampião, quando você chegava, ganhava um lampião, lugar que não tinha médico, morei com o menino num lugar que não tinha um médico, eu lembro no primeiro dia que eu cheguei o menino teve febre a noite inteira e eu viajei 30 quilômetros pra achar um enfermeiro pra vê o que fazia.
P1 – Aonde que era isso?
R – Num lugar chamado, no interior do Pará, próximo de Carajás, onde a Vale tava fazendo as pesquisas do Projeto Salobo, onde existiu o primeiro acampamento, esse primeiro acampamento chamado N1 que nem existe mais, que tinha uma clareira, que essa clareira pousava avião, sabe, a gente chamava de aeroporto, não era aeroporto, pousava avião lá, era a única forma de você chegar lá, era com esses aviões pequenos, então o único pavor que eu tive na minha vida foi avião porque eu já voei em qualquer tipo de avião que você falar aí, helicóptero, o DC-3, o (Irondéli?), aqueles aviões antigos, aqueles aviões pequenos, monomotor, bimotor. Então eu já passei muito aperto já aconteceu quase tudo comigo que é possível acontecer num avião, parar a turbina e descer de barriga, um dia o avião tava preparando pra decolar, ligou as turbinas tava acelerando e de repente a asa do avião caiu, uma vez foi a roda no trem de pouso, arriou e uma outra vez foi uma asa, falando é brincadeira aí que vem a fotografia a asa do avião caiu. Então lá em Belém uma vez eu desci com o avião sobrevoando eu tive que descer de barriga num (Irondéli?) o trem de pouso não baixava, uma vez esse piloto era maluco, o Sabino que fazia, o trem de pouso não abaixava então o piloto vinha descendo e dava uma virada no avião assim meio repentina pro trem de pouso descer no tranco, entendeu, e desceu no tranco e a gente dentro de um avião desse, eu chorava, eu gritava, eu falo que eu fiquei de cabelo branco dentro do avião porque apesar do cinto de segurança, eu segurava assim, na região do Araguaia que a gente sobrevoava muito ali o ano inteiro chove, dá aquelas depressões, aquele vácuo o avião, ah, pra mim aquilo era um terror, eu jurei quando eu saí de Carajás: “Eu não entro mais dentro de um avião”, mas não tem jeito. E hoje não, hoje eu fico tranquilo porque passar pelo o que eu já passei. Mas de Carajás a (___?), termina o projeto Carajás foi uma grande bobeira que eu dei, falei assim: "Já deu minha cota de floresta, de meio de mato agora vou fazer uma reciclagem”, aí o superintendente falou assim: “Pra onde você quer ir?” “Eu vou pro Rio de Janeiro”, a maior mancada que eu dei, porque de repente eu descobri que dentro de um escritório eu fico doido, eu fico maluco, quer me deixar louco é me prender dentro de uma sala, porque um escritório é muito politizado, existe muito ciúme e numa obra não tem nada disso não, na obra você xinga e escritório é uma coisa muito complicada e eu pedi, várias obras pra sair e correu uma lista pra vê quem queria ir pra alguma obra, eu fui o único cara que assinou aquela lista e fui pra Ouro Preto, nós fomos fazer a Usina de Concentração de Minério de Capanema, eu não consegui ficar no escritório não. E de repente eu descobri uma coisa engraçada, de repente nós descobrimos que Carajás era maravilhoso, Carajás tinha um clima excelente, criança vivia solta, eu fui Presidente de um clube, aliás eu fiz o clube até sem orçamento, o antigo Presidente da Vale chegou um dia e falou: “Como é que fizeram isso aqui, isso não tava no orçamento”,
“Eu troquei muita madeira”, você vê, é coisa que a gente não pode fazer, eu não tenho vergonha de fazer isso não, nós fazemos coisa pra empresa tudo era em prol da empresa, a Vale tava perdendo madeira e ela não podia vender madeira do desmatamento de Carajás, “Ah, não podia e você vai perder essa madeira, então nós vamos negociar com outra empreiteira, então eu troco aquela madeira a preço de mercado, você vai fazer aquela piscina, vai fazer uma sauna, você vai fazer...” Eu montei até uma rádio FM clandestina que durou muitos anos e não fui dono da rádio porque eu não quis, nós trouxemos muitos professores da Associação de Moças lá de Minas Gerais, então as crianças de Carajás tinha aula de tudo que você pode imaginar, tinha aula de piano, tinha aula de balé, de natação, de futebol as crianças de Carajás quando saíam ficavam malucas pra voltar e uma escola excelente. E muito tempo depois eu cheguei a ver uma reportagem na Veja, uma escola que 70% dos meninos quando saíam de lá passavam no primeiro vestibular, 70% era aprovado no primeiro vestibular, então era escola Pitágoras de Belo Horizonte, era uma escola de mais 80 mil alunos espalhados em vários países inclusive, uma rede imensa. E Carajás deu tanta saudade que já foram feitos dois encontros de ex moradores de Carajás, nesses encontros eu exponho fotografias, passamos filmes da construção e as pessoas ficam revivendo aquele tempo que foi muito bom na verdade, foi muito bom.
P1 – E mão de obra Moreira, mão de obra aí era diversificado do país inteiro.
R – Mão de obra, olha era interessante que a gente trabalhava muito com contrato por administração, quer dizer, você contratou a obra, você não tinha projeto, você não podia definir preço unitário. Por exemplo, um bom exemplo foi Carajás, nós tínhamos 7 mil pessoas por administração, eu tinha mais de 100 pessoas que trabalhavam comigo, só apontadores era mais de 100, pagava tanto aluguel de equipamento como a mão de obra, mas é mão de obra da escola, da gerenciadora, da manutenção da vila, da montagem de Carajás até de estrada, tudo pela administração, então eu tinha que espalhar pra pagar então lidava diretamente com empreiteira, com empregado. Então aconteceu um lance comigo, que de repente eu passei a observar eu conheci tanta gente em tantos lugares, tantos fornecedores e todo dia fornecedor, empreiteiras pra cadastrar ou pra trabalhar, eu conheci tanta gente que eu tenho um desafio, que agora virou um desafio comigo, viajei muito pelo Brasil todinho, não tem nada nesse país que eu não conheça, não tem nenhuma capital ou mesmo algum interior próximo das capitais que eu não conheça, eu viajei muito e o que acontece eu tenho um desafio comigo, não tem um aeroporto no Brasil que eu não acha um conhecido, onde eu vou, eu fico vendo as pessoas. “Ah, eu não vou porque eu não conheço ninguém”, a juventude hoje tem muito disso, “Eu preciso de platéia”, quanto mais você se prende às suas raízes, você atrapalha muito o seu crescimento, eu o fato de ter trabalhado em muitos lugares e ter que lidar com muita gente, um dia ouvi uma definição de eficiência, então achei “Olha, então eu sou eficiente” que uma das definições que existe de eficiência é a capacidade de adaptação às novas situações, ó é comigo mesmo, pra mim não existe lugar, gente ou trabalho nenhum, se falar: “Ó, você vai ter que cuidar da administração lá do...”, eu vou. “Você vai ter que cuidar da contratação do não sei o que”, eu vou. “Olha, agora você vai fazer medição de obra civil ou de montagem de estrutura”, eu vou e com isso eu tenho uma sensação de ter vivido cento e tantos anos de idade pelas pessoas que eu conheço, pelos lugares que eu conheço e tanta atividade, por tanta mulher que eu conheci eu acho, eu sempre fui muito mulherengo, feliz, casado, muito bem casado, mas adoro mulher, então eu acho que na minha vida eu fui um privilegiado, porque na Vale eu não tive emprego na Vale do Rio Doce, eu nunca tive emprego, na Vale eu nunca tive tempo de parar nem pra pensar. Às vezes eu fico vendo pessoas na Vale que param num lugar, só pode ficar ali porque não pode mudar e as pessoas ficam tão enraizadas, tão burocráticas que eu não tenho muita paciência com departamento pessoal, com alguns órgãos, o pessoal fica muito bitolado, não resolve e o nosso grupo nunca teve que pedir muita benção, a gente tem que resolver, a coisa tem que ser resolvida, sabe. E eu acho que a pessoa que fica muito parada acaba se bitolando muito, fica muito com medo, eu vejo as pessoas trabalhando muito com medo hoje na Vale, as pessoas ficam muito presas a norma, tá bom a norma tá aí pra ser cumprida, mas às vezes fica com tanto medo que nem a norma mesmo eles não cumprem, tá escrito na norma eles ficam até com medo de seguir a norma e fica muito dependente do chefe, se a gente fosse depender do superintendente ou diretor pra resolver as coisas nós não teríamos resolvido, sabe. Então eu acho que eu fui um cara privilegiado no sentido do trabalho que eu tive, eu agradeço muito a Deus o trabalho, não é o emprego mas os desafios, eu sou um fã da Vale, eu sou um cara que fica aqui dentro e sempre fui muito crítico, briguei com muita gente assim de brigar pras coisas funcionarem, mas saio daqui ninguém defendeu a Vale como eu, no botequim, no congresso em qualquer coisa, eu sempre tive um orgulho terrível. Eu lamento que o Brasil não tenha tido outras empresas estatais, eu falo que mesmo sendo estatal ela era mais organizada do que as empresas privadas, eu admirava mais a Vale do que muita empresa privada e quando eu fico vendo a quantidade de coisa que nós implantamos, às vezes eu chego na empresa e falo: “Olha”. Eu acho que a primeira vez que alguém informatizou, fazer medição ou controle ferragem, controle de brita informatizados fomos nós da Vale, ninguém, eu nunca tinha visto, nós criamos muitos sistemas eu fico vendo a Vale, às vezes chega outro: “Ah, você já conhece, você já ouviu falar no sistema…?” Eu fico rindo, sistemas todos criados por nós, todo sistema que existe aí, toda a origem desse sistema fomos nós, sistema de medição, sistema de documentação, sistema de acompanhamento de contratos, sistemas todos desenvolvidos por nós. Então apesar eu fico me vendo assim já tá na hora de me aposentar e eu nunca me acomodei, nunca parei de criar, de adaptar e as pessoas as vezes ficam querendo te dá aula do sistema que você criou, simplesmente alguém desenvolveu mais, fez uma linguagem mais moderna mas a origem daquilo, o conceito daquilo é todo nosso, o sistema de acompanhamento de materiais, às vezes eu ia numa empreiteira e via “Olha, esse formulário se soubesse de onde saiu”, as empreiteiras usando coisa da gente. Nós com certeza ensinamos muita coisa de controle que a gente viu como era o Brasil, porque antigamente os preços eram bons, as obras davam muito lucro os caras trabalhavam assim com muita gordura, então era um desperdício de material e eu acho que nós com o nosso controle, com a fiscalização que nós fizemos nas empreiteiras, nós ajudamos muitas empreiteiras a trabalhar com mais eficiência, com mais economia, seguindo inclusive as obras hoje muito cobrada de normas ambientais e interessante que eu fui registrando essas coisas toda, muitas vezes eu pensei em escrever um livro, eu já pensei em escrever tanto livro, uma hora é livro de obra, outra hora não é, é livro de história, outra hora não vou contar casos da Vale do Rio Doce que a Vale do Rio Doce tem, nossa se sair colhendo por aí relembrando você tem muito caso.
P1- Tem algum caso seu assim?
[Fim do CD 01 – 60 minutos]
P1 – Eu gostaria que o senhor contasse uns causos que o senhor viveu pessoalmente.
R – Nós tínhamos um engenheiro de planejamento, era o nosso engenheiro de planejamento do projeto Carajás, ele ficava no Rio de Janeiro e ele quando ia a Carajás ele ficava nessa casa de pedra que ficava longe dos alojamentos, era lá no alto do morro, e quando nós fomos pra Carajás lá tinha sido uma sociedade da Vale com os americanos que o brasileiro não podia beber, não podia até um dia que eu cheguei que eu fiz questão de chegar e tirar fotografia com dois garrafões de pinga debaixo do braço, que infelizmente durou um dia só...
P1 – Pinga mineira?
R – Que pinga mineira, o que pintasse na frente a gente parava de trabalhar às 4 e meia da tarde e às 5 horas já tava bêbado...
[PAUSA]
R – Mas Carajás quando nós fomos pra lá, nós fomos pra uma clareira a 40 quilômetros de onde é Carajás hoje, um acampamento de pesquisa da Docegeo, era um lugar onde ficavam os americanos que eram sócios da Vale da Amazônia Mineração, Amazônia era metade da Vale e metade da US Steel, e uma coisa interessante que o brasileiro não podia beber só o americano que bebia, então eu falei: “Então eu vou embora hoje”, porque eu cheguei com dois garrafões de pinga debaixo do braço achando que eu ia abafar mas no outro dia não tinha mais pinga, então foi um desespero porque lá realmente não tinha pinga, mas nós tínhamos uma facilidade de ligar e encher o avião de caixa de cerveja, de pinga e vinha viajar aqui no final de semana, mas ainda continuou existindo uma regra meio desleal. Os engenheiros que moravam lá em cima podiam beber mas o restante que morava lá em baixo não podia, e era ali que existia um mercado negro meio violento, eu lembro o dia que acabou a cachaça, eu entrei naquele mercado negro e consegui uma cachaça que era muito mais caro que um whisky 12 anos, mas lá a gente fabricava cachaça de qualquer coisa fazia a mistura deles, porque vai morar numa floresta, um lugar que não tinha energia elétrica, um lugar que a diversão, os caras vinham das pesquisas viajavam sessenta quilômetros na estrada pra vim na quarta feira, porque quarta feira ligava o gerador e passava um cinema, um parecido circo que a gente chamava de cinema, aqueles poleiros de circo assim e passava um filmezinho nacional, um filme pornô sabe, pornô assim, mulher nua não tinha nada de pornografia não, era a única hora que você via uma mulher e a peãozada ficava doida. Então era uma vida assim interessante, eu não esqueço o dia que acabava o cinema e desligava o gerador e tinha, o sujeito subia no caminhão basculante, eu lembro de um caminhão basculante cheio de homem pra poder viajar ainda sessenta quilômetros no escuro pra chegar nos acampamentos deles lá, e o motorista por engano ou sacanagem ele levantou aquela basca e saiu jogando peão no meio da estrada no escuro, uma gritaria danada então era uma vida dura. Eu lembro, eu ia falar de um engenheiro de planejamento que trabalhava no Rio de Janeiro que trabalha conosco até hoje e esses alojamentos eram bem distantes, a casa de pedra onde se hospedavam era bem distante então quando tava terminando aproximando de 10 horas faltando uns 10 minutos, a gente falou: “Cada um vai pros seus alojamentos que vai desligar o gerador”, então você ficava numa escuridão, tanto que cada um tinha um lampião pra poder se orientar, mas a gente já tava acostumado 10 pras 10 cada um corria pro seu alojamento, e o Márcio que bebia muito naquela época gostava muito de conversar de contar caso, ficou até o último instante quando ele saiu o gerador apagou e ele ficou meio perdido, bom, nessa altura todo mundo já tava bêbado, todo mundo já tinha ido dormir, se dorme realmente você acabava de desligar o gerador você ia dormir, você tinha que acordar muito cedo, eu me lembro que de madrugada eu acordava, eu sonhava que tinha alguém gritando “Moreira, Moreira”, eu também não tinha força pra vê ou achei que aquilo fosse um sonho, só de manhã que eu fiquei sabendo que quando o Márcio saiu e foi andando pra casa de pedra as luzes desligaram e ficou uma escuridão total, era uma clareira dentro da floresta e ele ficou rodando e não conseguia chegar, aí ele lembrou que esse aeroporto entre aspas, essa clareira terminava num penhasco, o penhasco devia ter uns 300 metros em linha reta quando a gente chegava na beirada e olhava a gente via carcaça de avião, com certeza hoje ainda tem restos de aviões que batiam no penhasco pra pousar, você chega lá na beirada o mato deve ter coberto provavelmente. Aí o Márcio que lá pelas tantas desconfiou que já tava na beirada do penhasco e que não podia dá mais um passo, então ele passou a noite inteira em pé sem dar nenhum passo, e gritando: “Moreira, socorro!” E ninguém, todo mundo bêbado, só de manhã quando o dia clareou que ele viu que ele tava uns três quilômetros desse penhasco, mas foi um caso interessante o cara passou a noite acordado gritando assim e me lembro disso que eu sonhava que tinha um cara gritando, mas eu tava bêbado também e não ia levantar, então de manhã que ele viu, então sofreu a noite inteira e sofrendo com medo de onça, de cobra e de cair no precipício.
P1 – Da ferrovia você participou da construção também?
R – Da ferrovia não, só dos trechos lá perto de Carajás, porque a ferrovia ficava com o pessoal de São Luís. Mas a Vale tem muito caso, eu me lembro da construção da Cenibra o pessoal inexperiente ainda, um monte de garoto misturado com japoneses e a Cenibra exigia que os engenheiros, os apontadores, todo mundo morasse dentro da obra, então teve que fazer alojamento. Eu me lembro de um comprador que teve lá, um comprador assim, um garoto que tinham mandado na cidade fazer compra, esse garoto dava cada mancada, uma vez eles mandaram comprar quarenta metros de mangueira conforme amostra, era um pedaço de trinta centímetros, ele passou a tarde inteira pra comprar e trouxe os 40 metros picadinho daquele tamanho, então conforme amostra não errou, ficou tudo direitinho, trouxe quarenta metros de mangueira picada. A coisa não era informatizada, isso não fazia parte da engenharia, era pra construção, compras locais, pra construção do alojamento. Esse mesmo comprador uma vez saiu pra comprar chuveiro Lorenzetti ou similar, ele achou Corona, achou Fama, achou vários tipos de chuveiro, mas não achou nem o Lorenzeti nem o similar. Mas o fato que trabalhar em Carajás, o meu sonho agora é voltar, faz dezesseis anos que eu não vou a Carajás, quero voltar, quero levar pra Carajás e distribuir pra algumas pessoas uma fita, um CD que eles estão montando com aproximadamente 3000 fotografias, desde a época da pesquisa, o primeiro fogo pra testar, o acampamento N1 antigo, a construção N5, a construção do núcleo do aeroporto, a construção do hospital e a construção de cada, por exemplo, britador primário, britador secundário, mas desde a fundação que eu tenho tudo isso fotografado, mostrando isso aí. O CD já tá mais ou menos pronto...
P1 – Tudo foto sua?
R – Tudo foto minha, 90% fotos minha, coisa que às vezes eu tiro de uma revista, de um jornal mas as fotografias, o pesado é meu. Tem muita fotografia de um fotógrafo famoso que trabalhou muito tempo pra Vale também chamado Paulo Aruman, que vocês devem ter muita coisa dele, eu era muito amigo do Paulo e todas obras nossa, era ele que fazia o relatório, mas eu também, o pesado mesmo, é hobby meu, mania de tirar fotografia.
P1 – Quando você começou com essa história de fotografar e registrando esses momentos todos?
R – As primeiras que eu tenho da Vale foi em 1974, na construção da Cenibra. Eu fui fotografando a construção da (Fosfet?), e hoje aqui eu tenho três câmeras dentro do meu cofre, na minha sala tem um cofre, que é tudo aberto é obra, eu pus um cofre pra guardar as câmeras fotográficas e calculadora, algumas coisas de valor que a gente tem. Então eu ando na obra aí fotografando e eu não quero que vocês, a Rosana Miziara veio aqui há 2 anos e tá no álbum, por exemplo eu tenho cerca de 2000 fotografias da Usina, então eu tenho álbum só de visitante, ninguém visita a Usina sem ser fotografado, eu corro lá, tiro uma fotografia, mando pra pessoa e guardo no álbum de visitante. Tenho álbum de todos construtores, todos empreiteiros, junta tudo aqueles grupos e vou fotografando, então tenho histórico desde da terraplanagem, tenho a filmagem da terraplanagem, a filmagem de desmatamento, a filmagem da aprovação do RIMA, audiência pública. Então eu vou montar um memorial aqui, que vai ter um memorial com quadros e fotografias da primeira estaca, da primeira coluna e a Usina crescendo e vou deixar esses álbuns de fotografias assim como memorial. As fotos aéreas, as fotos de tudo que entrou no almoxarifado, eu chegava e fotografava aquele equipamento quando tava no pátio, a construção da subestação, a construção dos pátios tudo fotografado do início ao fim, eu vou deixar isso aí pra, eu dou muito valor a isso e espero que... e fiz também o CD da Usina, não digo de todas as fotos, mas eu selecionei cerca de seiscentas fotos, esse cd eu já comecei distribuir pra todo mundo que esteve envolvido, eu acho que isso divulga a Vale e o cara fica satisfeito, cada CD desse o cara mostra pra mulher, põe em mão porque ele aparece lá, a forma de fazer ele ver é ele aparecer, ele quer mostrar que está lá, que ele trabalhou e ele acaba ganhando aquele CD, então eu to fazendo isso de Carajás. Carajás, também quero distribuir espero que a Vale me de apoio nisso daí em distribuir pra quase todo mundo que morou lá ou que mora, pra vê como foi a construção daquilo ali, que eu não quero que essa memória seja perdida não. Infelizmente fotografia é uma coisa que a Vale não tá dando muito valor, esse resgate de memória eu já fiz vários, correio é maravilha esse trabalho, mas na parte de fotografia ninguém tá dando muito o valor que podia dá. O Mozart que era Presidente da área de ferrosos, um dia me chamou e falou assim: “Você ainda tem aquelas fotos antigas? Pois eu estou pensando em reconstruir aquela casa do N1 lá no núcleo, transformar aquilo num Museu fotográfico”, eu vibrei com essa idéia, eu pus tudo o que eu tenho. Esse dia, eu to falando que ninguém dá valor, Itabira vai relocar o britador pra isso teve que fazer aprovação do ambiental, ela tem uma série de obras pra fazer em Itabira e são 100 condicionantes, a exigência do meio ambiente, e uma das condicionantes pra começar as obras de Itabira era reconstruir a casa do Carlos Drummond de Andrade e transformar essa casa no Museu do Ferro em Itabira, na mesma hora quando eu soube disso eu passei um correio pra fundação pra comunicar o centro empresarial, espalhei correio pra todo mundo: “Bom, vocês vão ter que reconstruir baseado em fotografias antigas, pois eu vou dá o filme da casa sendo demolida”. Filmei interna e externamente, tá filmado, pensando exatamente nisso que um dia alguém poderia, e esse filme pode ficar no Museu, entendeu, esse filme tem mais de trinta anos, pode ficar no Museu, uma coisa impressionante que ninguém se interessou, apareceu um cara só interessado, poxa eu acho um documento histórico, você não vai ter que reconstruir a casa pois eu tenho a filmagem da casa interna e externamente no dia que ela foi demolida, você pode reconstruir baseada nesse filme e deixa o filme no Museu, um deixa pro outro, outro deixa pro outro e aí ninguém resolve. Fotografia é uma coisa que ainda vou insistir muito, senão eu vou montar o meu site com 10 mil fotos da Vale, vou fazer isso vou ter tempo, vou montar e vou ser dono de um site que claro não tem nada de fins, só vai dá trabalho, não é com objetivo financeiro não, de divulgar a Vale já que ela não quer, eu vou fazer isso. Mas eu insisto com todo mundo da Vale pra criar o Museu, eu falo com a comunicação empresarial, não é criticando o trabalho deles, mas realizou o evento saiu no jornal, na revista, morreu aquele assunto, as fotos vão pra dentro de uma caixa, vão pra dentro do almoxarifado, ninguém identifica aquela fotografia e coloca num álbum. Eu acho que devia padronizar esses álbuns pro tamanho de foto e escanear, criar uma imagem virtual pra não perder que pode correr o risco de perder a outra e você ter isso em dois lugares. Inclusive aproveitar as pessoas que eu vejo a caça de fotografias de Eliezer Batista quase menino, rapazinho, jogado dentro de caixa e as fotografias não identificadas, aproveitar as pessoas que ainda estão aí hoje e que possam identificar, “Isso aqui foi a inauguração do Porto de São Luís no ano tal, isso aqui são o fulano, beltrano, são diretores, os gerentes que já passaram aqui”, ninguém conhece mais, às vezes nem conhece mais. Então eu acho que a Vale ainda devia aproveitar esse pessoal que tá aí disposto, eu conseguiria doações, fotos assim, por exemplo, se procurar hoje fotografias do navio que partiu aqui no Porto vamos imaginar partiu no meio aqui, ninguém sabe, eu conheço gente que tem tudo fotografado, a recuperação, o relatório como é que recuperaram, isso é um ensinamento vamos que aconteça outra vez, você tem que pegar aí esse relatório de como recuperaram um navio desse pra servir como ensinamento pra quem vai ter que fazer outra vez, mas com certeza isso tá jogado no almoxarifado dentro de caixa, porque veio um pessoal do 5S, nada contam mas contam a forma de que fizeram isso, e põe uma gente leiga sem saber o que é importante, o que deve ser guardado e põe no almoxarifado até que alguém manda aquilo pra, então é uma memória que tá toda perdida, tá toda jogada dentro de caixa, eu acho que isso aí devia ser resgatado.
P1 – Moreira, você está em São Luís desde quando?
R – Eu vim pra cá em agosto de 1998 pra essa Usina, fiquei durante um ano e o pessoal falava: “Vai embora Moreira, a Vale não vai por dinheiro aí não, vai embora a Vale não vai fazer essa Usina”. Nessa altura não vai fazer com incentivo fiscal, crédito de ICMS de Minas Gerais inclusive, uma terra que trás incentivo fiscal do Estado, nós fizemos a terraplanagem, drenagem, escritório mobiliado, a rede elétrica provisória e a primeira estrutura metálica até o nível quinze com folha e pelotamento, isso falava: “A Vale não vai fazer”, então eu falava: “A Vale vai fazer o orçamento que vai ser aprovado e já tinha isso pronto”, até que um dia eu falei: “Bom, a Vale não vai fazer mas só tem eu aqui tomando conta disso aqui, alguém vai ter que tomar conta disso aqui e eu fico”, aí logo em seguida se fala em Usina 2, eu não sei pra mim não vai dá tempo não, mas eu acredito que é só questão de tempo vai sair a segunda Usina, terceira, quarta e o Pólo Siderúrgico. E acho que aqui em São Luís o futuro da Vale, tá aqui mesmo com esse porto, com minério de Carajás e a ferrovia, é o lugar que a Vale vai crescer ao invés de Carajás vai ser aqui em São Luís, mas pra mim não dá mais tempo não, daqui a pouco eu já tô de saída, vou embora, vou aposentar, mas foi bom, valeu.
P1 – Como é a sua relação com a cidade de São Luís?
R – Excelente, eu tive que aprender a viver bem, seja Rio de Janeiro ou seja... Eu me lembro, por exemplo quando eu cheguei em Mariana, Ouro Preto, fomos fazer Usina de Concentração, o motorista me deixou lá eu sentei num boteco, olhei aquilo ali e quase que chorei, “Meu Deus o que eu to fazendo aqui”, olhava aquelas casas velhas, em uma semana eu tava adorando aquilo ali, achando aquilo maravilhoso, eu sou fã daquelas coisas, da preservação daquelas casas antigas, daqueles museus, vou constantemente, então primeiro eu fui obrigado a gostar se eu vou viver infeliz eu fico assim, todo lugar tem coisas excelentes, eu não gosto da culinária maranhense mas nem por isso que eu não gosto, mas tem outras coisas eu vou na churrascaria, mas eu não vou viver mal porque eu não gosto, São Luís tem coisas excelentes, tem coisa assim, tem muita coisa que eu detesto, tipo o lixo de São Luís, aqui todo mundo tem a cultura de jogar papel, de jogar lixo, eu ando se acabar o cigarro eu dobro e ponho no bolso até achar um papel de bala e aqui todo mundo joga pela janela do carro, descarrega a lata do lixo do terceiro andar do apartamento e joga o lixo lá embaixo, essa coisa é duro de conviver com isso. Mas São Luís tem muita coisa boa, São Luís cresceu muito, eu morei em São Luís há vinte e poucos anos atrás que São Luís terminava ali na ponte, você não achava um restaurante aos domingos, não existia, o turista aqui passava dificuldade, nem no Hotel Vila Rica que era o único não tinha almoço de domingo, dificuldade tremenda aqui em São Luís, São Luís cresceu muito, aqui tem muita coisa boa, pra dizer que todos eventos culturais de São Luís por causa da minha mulher também o teatro Artur Azevedo, Alceu Nazaré, eu sou muito conhecido aqui, eu me dou muito bem em São Luís, minha mulher se pudesse ela até ficaria, ela dá muita aula não tem nem horário mais de tanto aluno que ela tem. Mas se tivesse que voltar pra Carajás, pra Marabá, pra mim eu chego imediatamente e aprendo a gostar, todo lugar tem coisas boas, tem gente boa. Eu rodei tanto que hoje eu fico com a minha mulher sentado pensando, não sabemos aonde vamos morar, perdemos a nossa raiz, eu não sei aonde vou aposentar, dá desespero. “Belo Horizonte? Eu já morei lá várias vezes”, mas Belo Horizonte cresceu tanto, tá tão violento, aí a gente fala: “Ah, vamos lá pra Santos Dumont”, nós temos uma ótima casa, uma grande casa, nós temos uma casa excelente lá bem no centro, “Poxa, mas não tem nada haver, nós saímos de lá há tantos anos, eu conheço o povo de lá desde o prefeito, eu conheço gente pra chuchu mas não tem nada ali, inclusive a assistência médica da Vale, a Vale nunca teve pela aquela região, não vou ter isso e também pra ter uma assistência médica eu vou ter que viajar pro Rio de Janeiro, Belo Horizonte”. Pensando na velhice, aí você pensa Juiz de Fora, cidade excelente Juiz de Fora, aí você pensa: “Mas faz 35 anos que eu saí de lá”, aí fala: “Vila Velha, Vila Velha foi ótimo”, a gente fica assim, não sabe mesmo, “Ou quem sabe a gente fique em São Luís, é tão bom São Luís”, mas tá tão distante vamos dizer assim, na verdade a minha família não tá concentrada em lugar nenhum, tá espalhada longe, entendeu, o parente mais perto que eu tenho é um monte de sobrinho aqui em Teresina, também não vou viver em função de parente. O fato que eu não sei aonde eu vou aposentar, aonde eu vou viver, mas também não vou sofrer por causa disso, pensei também em ter uns três lugares diferentes, nós cansamos vamos pro outro, ficar rodando que vai ser difícil eu parar, eu acostumei tanto a viajar que vai ser difícil, eu não acostumei com essa idéia de aposentadoria não, eu não posso parar, eu tenho que ter uma atividade paralela pra continuar, mas eu gosto muito de São Luís.
P1 – Moreira, olhando a sua trajetória de vida assim, quer dizer, se você pudesse começar de novo e mudar alguma coisa, você mudaria?
R – Eu lembro de uma frase que o Delfim Neto fala, eu acho que é verdade, o Delfim Neto fala que no Brasil é impossível planejar mais do que dez dias, pela própria vida da gente, você vai vê isso na sua. Pouca gente, a não ser um cantor, um jogador de futebol, que mesmo assim depende do fator sorte, depende de uma série de coisas, é muito difícil planejar e ter que definir: “Eu vou ser isso e vou morar em tal lugar e vou fazer isso”. Entendeu, você tem que tá no lugar certo na hora certa, eu não sei se eu voltasse atrás, eu não sei realmente, acho que eu faria a mesma coisa, sabe, corrigir os erros que a gente comete que infelizmente não tem como, né, mas eu não me arrependi de jeito nenhum, eu me sinto feliz de ter trabalhado nesse grupo, nessa empresa, mas é o que eu falo: “Eu nunca me senti empregado da Vale do Rio Doce”, eu nunca assinei uma folha de presença, eu nunca bati cartão, não precisou ninguém me registrar, entretanto eu nunca faltei. Eu recebo essas cartas igual eu to recebendo pra ir fazer revisão médica, eu nunca tratei de dente durante, olha mais ainda, eu fiz coisa que não pode, eu fiquei aqui três anos sem tirar férias, tirando férias e trabalhando, e a prova é que é só ir no restaurante e vê que eu almocei lá todo dia e passando correio todo dia, durante as minhas férias, tava sozinho na Usina como é que eu ia fazer. E não estou reclamando disso e nem vou brigar com a Vale por causa disso, de jeito nenhum, eu podia ter muito bem saído, eu virado: “Ó, tô saindo manda alguém”, mas não, é entusiasmo mesmo, minha esposa trabalhando não podia sair, não podia trazer meu filho pra estagiar aqui, então não havia motivo, entusiasmado com a construção da Usina. Então eu acho que foi muito bom ter trabalhado na Vale do Rio Doce, gostaria que o Brasil tivesse outras empresas, gente séria que já teve essa Vale do Rio Doce, a Vale foi feita de grandes homens, foi mesmo, não é cascata não, gente séria que teve que lutar pra ganhar uma concorrência de australiano, pra abrir mercado na Europa, pra um país desacreditado e hoje com certeza é a grande multinacional brasileira, a Vale pode ter certeza, eu acho que é o orgulho do Brasil. Sabe, briguei muito e hoje eu posso falar assim, fui o único empregado que brigou e teve que assumir contra a privatização, que os outros são contra mas não assumem, eu achei que eu tinha muito orgulho dela e que não devia privatizar, que olhando não o lado de perder o emprego, não era isso não, depois fui contra o preço a forma que avaliaram. Hoje não, hoje eu acho que realmente a Vale sempre foi independente do governo, nunca dependeu do governo pra crescer, eu só espero que continue isso com essa idéia de crescer, a Vale não dava dividendo, a Vale reinvestiu o lucro e hoje tá distribuindo dividendo todinha aí, tá investindo pouco mas a idéia é que ela continue a crescer, parece que existe a idéia da Vale dobrar de tamanho em oito anos, eu espero que sim que ela continue, porque eu dependo disso, eu tenho ações eu quero vê esse dividendo aí, eu quero vê esse lucro cada vez maior, eu espero que ela… Eu tenho um acervo, jornais de vinte anos atrás, quando eu terminei o curso de administração de empresas o trabalho final que eu fiz exatamente foi uma análise de balanço da Vale do Rio Doce, então eu tenho assim os relatórios anuais da Vale de vinte e tantos anos até hoje, eu tenho um acervo muito grande e vou continuar correndo atrás de notícias da Vale, sem ser aquele aposentado chato que fica mantendo conta só pra vim aí, ficar ciscando aí, tem muito disso em Vitória e em outros lugares, o pessoal aposenta e fica mantendo conta só pra ficar vindo na empresa, não, vou me afastar não vou incomodar mais ninguém, mas vou continuar perto assim de outra forma. Então eu só tenho que agradecer a Deus de ter tido essa oportunidade, que foi muito bom.
P1 – Então Moreira, eu queria agradecer, eu queria saber se você tem alguma coisa mais pra dizer...
R – Olha, continuo com essa idéia de criar um Museu Fotográfico, tô insistindo nisso, eu tô a disposição pra doar milhares de fotografias desde que alguém queira realmente fazer, não é pegar aqui e depois jogar na caixa pra jogar fora, então fica comigo que tá guardado e um dia que alguém quiser.
P1 – Tá ok então, obrigado.
[Fim do cd 02 – 33 minutos]Recolher