IDENTIFICAÇÃO
Meu nome completo é Walter Faria, nasci em 24 de outubro de 1925, na cidade do distrito de Argolas, do município de Vila Velha, no Espírito Santo. Era o seguinte: a estação de Pedro Nolasco, a que é o atual museu, meu pai trabalhava ali. Argola é um morro que tem n...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome completo é Walter Faria, nasci em 24 de outubro de 1925, na cidade do distrito de Argolas, do município de Vila Velha, no Espírito Santo. Era o seguinte: a estação de Pedro Nolasco, a que é o atual museu, meu pai trabalhava ali. Argola é um morro que tem na frente. Todo ferroviário morava ali. Descia, estava na estação para trabalhar. Não tinha problema de condução.
FAMÍLIA
Os pais e o tremMeus pais são Francisco Faria Filho e Maria Viscovi Faria. Meu pai nasceu em São Mateus, no Espírito Santo, e minha mãe no distrito de Pendanga, no município de Ibirassú. A minha mãe morava num distritozinho, num lugarejo chamado Pendanga. Ela é descendente de lá, e era uma estação da estrada de ferro. As minhas férias eram lá, na casa dos meus avós maternos. A gente ia para lá de trem. O grande acontecimento diário desse lugar é a passagem do trem. O expresso subindo e o expresso descendo. A gente se juntava na estação para esperar o trem chegar, passar, comprar jornal, essas coisas. E, depois, ficar na coisa de roça mesmo, andar a cavalo, correr pelo campo sem maiores coisas, porque o lugar não oferecia nada. Essa foi a minha infância. Depois, quando fui ser funcionário, comecei a ter outra visão do que era uma estrada de ferro. Comecei a conviver, a viajar pela estrada de ferro. Meu pai faleceu em 1960. Tinha a família dele, os filhos dele do segundo matrimonio com os quais meus irmãos e eu mantemos a melhor relação, e também com a viúva dele que ainda é viva até hoje. Origem da famíliaNão tenho muitas informações da minha família por parte de pai. Meu pai era um homem muito fechado com relação a isso. Mas a família Faria era muito conhecida em São Mateus, uma família tradicional. Por muitos e muitos anos eles viveram naquela cidade, e os filhos foram nascendo, crescendo e foram embora. Então, não tiveram retorno por lá. Sobretudo pela dificuldade, naquela época, de transporte das pessoas. São Mateus fica no norte do Espírito Santo. Meu pai veio para Vitória, com isso, se afastou um pouco da família. Com a família da minha mãe, a gente está sempre muito agarrado. Eu tinha um contato permanente com meus tios e parentes em Ibirassú e Pendanga. Ultimamente, tive contato com uns parentes que descobrimos na Itália. Os descendentes do meu avô, o velho Viscovi Giuseppi. Fizemos contato com a família e encontramos uns primos da minha mãe. Até hoje mantemos um relacionamento de correspondência. Nas épocas festivas, a gente se cumprimenta, essas coisas.O pai na Vitória a Minas Minha mãe foi do lar, não teve nenhuma atividade. Naquele tempo era difícil ver uma mulher trabalhando. Ela tomava conta de casa, dos filhos. Meu pai não, era ferroviário. Ele começou na Estrada de Ferro Leopoldina e, logo em seguida, passou para a Estrada de Ferro Vitória a Minas que, posteriormente, veio a se tornar a Companhia Vale do Rio Doce. Meu pai começou como Auxiliar de Estação. Depois, foi Agente de Estação em Aimorés, em Pendanga e, por fim, em Pedro Nolasco. Antigamente a estação de Vitória chamava-se Pedro Nolasco. Depois ele passou para o escritório, onde foi trabalhar com o Dr. João Crisóstomo Beleza, uma figura tradicional da Companhia Vale do Rio Doce, muito doce, muito boa. Foi trabalhar com o Dr. Beleza e se aposentou em 1946 como Inspetor de Estações. Nesse interregno, cumulativamente com o inspetor de Estações, foi Chefe de Tráfego Rodoviário. Na época da Guerra havia muita dificuldade em transportar daquela zona do norte do Espírito Santo, o café, milho. Então, a Companhia resolveu criar o serviço rodoviário, que fazia a interligação de Afonso Cláudio, Itaguassú, Lagoa, com a estação de Ita, que era estação de ferro. Esses caminhões - que tinham facilidade de importar, porque era esforço de guerra -, transportavam café para a estação de Itapina e seguia na estrada de ferro para os centros consumidores. Ele trabalhou na Vitória a Minas. Se aposentou em 1946 e a Vale é de 1942. Ele ainda trabalhou um pouco na Vale do Rio Doce como Inspetor de Estação e Chefe. Foi Chefe do Tráfego também. Ele substituía o Dr. Beleza, que era o Chefe do Tráfego nessa época, quando ele saía de férias ou se afastava por qualquer motivo. Não era, efetivamente, inspetor de estação. Meu pai casou duas vezes. No primeiro matrimônio nós somos seis. Eu sou o mais novo. No segundo matrimonio, são quatro. A convivência foi muito boa. Sempre tivemos muito sentido de família. Isso meu pai incutiu em todos nós. Mantenho com meus irmãos, meus sobrinhos uma ligação muito íntima.
INFÂNCIA
MudançasQuando meu pai passou a ser Inspetor de estação, ele deixou de ser um Agente da estação e mudou-se para Vitória. Fui morar num bairro chamado Jucutuquara, antes da praia. Morei ali muitos anos. A minha infância foi toda ali. Foi minha época de grupo escolar. Quando minha mãe adoeceu, fui morar em Campinho de Santa Isabel, onde ela morreu de tuberculose. Era doença comum naquela época. Ela foi para uma estação, um lugar próprio para viver essas pessoas atingidas. Naquele tempo, não havia medicação, não havia essa tecnologia, era mais o clima. Então, fui para esta estação de clima, e lá ela faleceu. Com 10 anos, voltei para morar com a minha irmã em Vitória. BrincadeirasEu tenho amigos de rua, tinham muitos. Fui morar na rua Gama Rosa com minha irmã. Do lado, tinha um terreno baldio. Tinha o time de futebol. Naquele tempo, cada rua tinha o seu time de futebol e eu jogava bem, era famoso no time da Gama Rosa. Toda tarde, ou duas, três vezes por semana, a gente fazia os jogos, era o time da rua x contra o time da rua y. Lembranças Tenho lembranças de poucos amigos daquela época. Quase nenhum. Tenho o Zé Maria Pacheco, o Willie Pacheco e Hélio, que é General reformado do Exército. O Zé Maria mora em São Paulo, foi gerente do banco, aposentou. O Willie foi funcionário do Banco do Brasil. Só os vejo quando vou a Vitória. Do colégio, tenho boas lembranças. Lembro muito do Henrique Pretti, que foi Presidente do Banco do Espírito Santo, foi vice-governador do Estado. Lembro do Arald Wilts, uma inteligência privilegiada. Um filho de alemão inteligentíssimo, como poucas vezes vi na minha vida. Foi funcionário do Banco do Brasil, gerente do Banco do Brasil. E tantos outros que a gente não lembra mais. Mas é coisa de cidade, Vitória era uma capital como se fosse uma roça. Todo mundo se conhecia, todo mundo se falava. Antigamente não tinha esses telefones que tem hoje, automáticos. Os telefones eram na manivela. Uma pessoa queria ligar para uma determinada pessoa, para um médico, por exemplo, rodava, aí atendia a central. A central atendia e dizia: "Pronto!" Eu: "Você me liga para casa do doutor Fulano de Tal..." Não dizia nem o número. Ela já dizia: "Ah, ele não está em casa não. Ele está no cinema, ou viajou, ou está na casa de Fulano". Vitória era uma cidade pitoresca. Você conhecia todo mundo. Tinha rádio. O rádio chegou em Vitória por volta de 1933. Só algumas famílias possuíam rádio. Na casa do meu cunhado tinha. Depois difundiu, hoje todo mundo tem. Meu cunhado trabalhava no IAPC, era contador. Depois, ingressou no IAPC e se aposentou. IAPC é o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários.Educação familiarPelo fato de meu pai ser uma pessoa rígida, recebi uma educação muito boa. Eu tinha 10 anos quando a minha mãe faleceu. Meu pai, como Inspetor de estação, não parava em casa. Viajava quase o mês todo. Então, eu e os meus irmãos fomos cada um morar com uma irmã que já estivesse casada. Fui morar com uma irmã chamada Zulmira, casada com Antônio Dias Varejão. Uma pessoa que se eu beijasse o chão que ele pisasse não pagava o que ele fez por mim. Fui criado, praticamente, por essa irmã e por esse cunhado. Tinha um bom exemplo familiar dentro de casa, e o exemplo do meu pai. Depois meu pai aposentou e casou outra vez. Nós não voltamos mais para o convívio dele. Ficamos convivendo com as minhas irmãs. Dois irmãos foram morar com o cunhado e outra irmã, e eu fui morar com essa irmã. Sempre fui uma pessoa muito calma. Nunca fui muito de bagunça dentro do colégio. Minha irmã era muito rígida. Hoje, não fumo, não bebo e não jogo. Não podia nem pensar em fazer uma dessas coisas perto da minha irmã. Ela não admitia, de jeito nenhum. Ela me criou num regime muito severo. Mas sou muito grato a ela por isso. Acho que ainda tenho um pouquinho desse ranço com meus filhos.
EDUCAÇÃO
Fiz o curso de contador na Academia de Comércio de Vitória e entrei para Vale do Rio Doce em 1943. Tinha 17 anos. Fui trabalhar na estrada, mas fiquei entre ir para Estrada e para Divisão de Construção. Meu pai preferiu que eu ficasse na estrada. Ele sabia que a divisão de construção cedo ou tarde ia acabar.
Fiz contabilidade, talvez, por necessidade, porque naquele tempo Vitória não tinha faculdade. Tinha a Academia de Comércio de Vitória que você formava bacharel em Ciências Contábeis e Atuariais e a Faculdade de Direito. A Faculdade de Direito me mostrava um campo que levaria mais tempo para vencer na vida. Era muita gente que freqüentava. Então, fui para Academia de Comércio, porque sabia que terminando o meu curso ou, antes disso, já tinha emprego garantido. Precisava trabalhar e ajudar em casa porque não era justo viver nas costas do meu cunhado até ele morrer. Ele só me deixou sair de casa depois de casado. Morei 16 anos com ele. Cheguei com 10 anos, saí com 26, quando fui me casar.
ADOLESCÊNCIA
Não fala em namoro não, porque isso depois minha mulher vai ouvir. Naquele tempo, Vitória se resumia em três clubes: o Álvares Cabral, o Saldanha da Gama e o Clube Vitória. Era obrigado a ser sócio dos três se quisesse ter alguma coisa para fazer de noite. Quando um dava uma festa o outro não dava. O outro dava no outro dia de manhã. No sábado, um dava uma festa, no outro dia, outro dava uma domingueira de manhã cedo, e o outro dava uma domingueira de noite. Era a vida da gente. Era de festa, de baile, de seresta daquele pessoal que cantava muito. Não havia edifício em Vitória. Era tudo casinha baixa. Saíam fazendo seresta. Sobretudo depois das domingueiras que acabavam meia noite em ponto. Fechava, acabava, não tinha mais nada. Aí, saía o seresteiro cantando por ali. Eu ouvia, mas não participava. Não me lembro da primeira namorada. Segurar na mão de uma menina já era um negócio de maluco. Já era um avanço. Todo namoro era muito respeitoso. Não se admitia o que hoje tem por aí. É o preço do progresso que nós estamos pagando: televisão, cinema, essas coisas.
ENTRADA NA CVRD
Comecei na Vale em 3 de fevereiro de 1943. Naquela época, tínhamos na estrada de ferro, ainda, os departamentos. O Departamento das Minas, o Departamento da Estrada, que era a antiga Estrada de Ferro Vitória a Minas. Fui trabalhar na Contadoria da Receita. Tinha a contadoria da receita e da despesa. Naquela época, a Vale estava remodelando toda sua linha, refazendo todo o traçado. Aquilo era um movimento infernal, um movimento louco. Era muita gente trabalhando, se dedicando. A empreiteira era uma firma americana chamada Morrison Knudsen. Ela é que restabeleceu o leito da estrada de ferro. Um fato interessante é que a Vale do Rio Doce tirou parte do escritório da estrada de ferro que tinha aqui no Rio, se não me engano, na rua Teófilo Otoni, e levou o pessoal para Vitória. Fui trabalhar exatamente junto com esse pessoal, que tinha vindo do Rio. As histórias são muitas, às vezes eu não quero nem contar, mas tem figuras muito interessantes. Tínhamos o nosso colega Durval Caldas, foi para lá o Dr. Petra de Barros, Dr. Jaime Ramos Pinto, do controle, e inúmeros colegas que foram para lá. Fui trabalhar juntamente com esse pessoal na Contadoria da Receita.
ORIGEM CVRD
A maior parte das histórias vinha da ferrovia. É porque a minha convivência maior era com a ferrovia, mas tem muita história lá da mina. Na estrada de ferro tinha muito acidente. Entrei em 1943 e fui a Itabira em 1944. Itabira era muito frio. Não é o que é hoje. Uma das coisa que mais me impressionou foi o Pico do Cauê lá em cima, ainda começando a ser desbastado. Eles fizeram um caminho, você só subia. Para você voltar você tinha que ir lá em cima fazer uma volta para descer. Não tinha como manobrar para voltar. Tinha que ir lá em cima no viradouro, voltar e vir no cantinho. O que eu observei era a condição de trabalho em 1943. Em 1942, a Vale era a Itabira Iron, que era dos ingleses, e a Estrada de Ferro Vitória a Minas. O governo fundiu aquilo tudo na Companhia Vale do Rio Doce. O minério era tirado na marreta ou na pá. Condição de frio louco lá em cima. Trabalhando com calça, camisa rasgada, porque não tinham condição de vida. A Vale mudou todo esse espetáculo. Tudo isso era deprimente. Ela foi mecanizando e trazendo gente. Criando serviço médico, quer dizer alimentação, moradia, criou um trabalho social espetacular. Hoje, Itabira é uma cidade. Naquela época, tinha meia dúzia de casas e o pessoal trabalhava naquelas condições. Não tinha lugar para dormir, não tinha lugar para nada. Era uma situação difícil. A Vale fez esse trabalho em Itabira. Em Vitória não, porque Vitória já era uma capital de Estado, não tinha muito investimento social. Mas o investimento social em Itabira foi muito grande. Hoje, Pico do Cauê não existe mais, acabou. Tem duas ou três minas. Não sei qual será o fim de Itabira daqui mais uns anos.
TRAJETÓRIA CVRD
Entrada, saída e retornoDificilmente um empregado da Vale do Rio Doce não colocava um parente. Meu pai era muito amigo do doutor Beleza, do doutor Jaime Ramos Pinto, e pediu uma vaga para eu ir trabalhar. Um dia ele chegou em casa e disse: "Você se apresenta lá para trabalhar". Fui no dia três de fevereiro de 1943, e preenchi os documentos. Trabalhei na Contadoria da Receita. Meu primeiro chefe foi Adolfo Koski. Depois ele saiu, ficou Antônio Caetano, todos já falecidos. Depois do Caetano, fui para a Caixa dos Aposentados. O Presidente era Doutor Henrique Cerqueira Lima. Depois, voltei para Vale. Meu primeiro chefe aqui no Rio foi o contador geral. Esqueço o nome dele. Ele era descendente de sírios. Passado uns seis meses, fui transferido para Auditoria, para trabalhar com Haroldo Moreira. O desejo de voltar era muito grande. Muito embora eu tenha galgado maiores postos no Instituto. Eu era o contador geral do Instituto, no Brasil inteiro. Tinha muito poder dentro do Instituto. Mas o meu desejo era voltar para Vale. Voltei pela mão do meu irmão, José Vicente, que era o Tesoureiro Geral. Pelo seguinte: numa manhã, no Instituto, como contador geral, recebo a visita de um colega, que diz o seguinte: "Tem um desfalque no Rio de Janeiro na delegacia x". Eu disse: "Tem desfalque?" Ele disse: "Tem. Pode mandar ver na tesouraria. Mas você não vai dizer que fui eu que falei". Eu disse: "Não". Cinco minutos depois, mandei três funcionários auditores para tesouraria. Eles entraram, fecharam a tesouraria e, em meia hora, apuraram o desfalque. Era um servidor antigo, muito conceituado no Instituto, que se arranjou, se encantou por uma mulher, que era funcionária dele, e essa mulher explorou ele. Então ele tirava o dinheiro para pagar as guias, segurava aquela guia, dava entrada na do mês anterior, e jogava a outra para frente. O pior é que, na véspera de acontecer isso, três rapazes, três contadores tinham feito uma auditoria na tesouraria. Como confiavam muito nesse cara, assinaram. O cara fez, eles assinaram. Nem foram lá. Me deu uma depressão, me deu um problema que eu disse: "Meu Deus do céu!" Decretamos logo a prisão administrativa desse tesoureiro, e o Presidente do Instituto me nomeia Presidente da Comissão de Inquérito para apurar esse desfalque. Fui ouvi-lo na rua Frei Caneca. Saí dali dizendo: "Não fico mais aqui". Eram pessoas que eu tinha que incriminar todo mundo. Mas nunca deixei de incriminar não. Fiz o inquérito. Incriminei todo mundo que tinha que ser incriminado. Tirei seis meses de licença prêmio. Depois, voltei à Vale do Rio Doce, fiz concurso. Passei no concurso. Fui trabalhar na Contadoria. No Instituto, eu tinha secretárias, gabinetes, "n" funcionários, e o diabo. Fui ser funcionário de mesa simples. Recebia visitas dos meus amigos do Instituto ou do Ministério do Trabalho e da Previdência, no hall do elevador, porque não tinha lugar para receber e conversar com eles. Da Auditoria refiz a minha caminhada na Vale do Rio Doce, e terminei como primeiro Superintendente da Fundação. Aí foi o fecho da minha vida.Carreira na ValeEm 1965, eu me desiludi um pouco com a fusão das Caixas. Eu tinha muito trabalho. A convite de uns amigos, resolvi retornar à Vale em 1965 e fui trabalhar na Divisão do controle, com o doutor José Pitella Júnior. Comecei como contador, passei logo em seguida para auditor. Depois, vim trabalhar no gabinete do doutor Pitella, como adjunto de Estudos Econômicos, onde fiquei uma temporada. Depois saiu o Pitella e entrou o doutor Luís França Pereira. Com o França Pereira, fui para a Divisão Administrativa, a convite do doutor Arildo Zorzanelli. Aí acho que a minha atuação na Vale do Rio Doce mais se pontificou, porque Arildo me deu certos encargos muito importantes, da vida dos funcionários da Vale do Rio Doce. ValiaA escolha do meu nome para primeiro Diretor- Superintendente da Valia foi natural. Mandaram me chamar e me disseram: "Você começou, termine agora". Tive que implantar desde o impresso do memorando até os impressos mais importantes. Escolhi três bons auxiliares. Fiz, implantei. Depois, com o Roquette Reis, saí e fui para o BNDES. Fiquei lá com o Arildo e com o Marcos Viana.
PROCEDIMENTO DE TRABALHO
Tive oportunidade de desenvolver dois projetos. Um ainda está em desenvolvimento. Havia na Vale uma porção de apólices de seguro de vida dos funcionários. Tomamos conhecimento de que havia muita negociata com isso. A pobre da pensionista quando ia receber, o corretor enrolava, pagava metade para ela. Resolvemos enfrentar o poder das companhias seguradoras e fazer uma apólice só, como estipulante a Companhia Vale do Rio Doce. Bom, aí foi uma briga de foice, porque feriu muitos interesses. Até amigos pessoais se afastaram um pouco de mim. Eu tinha ordem para fazer e era para fazer mesmo. Acabamos com aquelas apólices todas e ficou uma apólice só como estipulante. Quando morria um funcionário, ia um representante da Companhia fazer o pagamento junto com o corretor, para fiscalizar se ele estava pagando tudo certo. Essa foi a primeira coisa que foi muito importante na minha vida. A segunda coisa foi que desenvolvi, aqui no Rio de Janeiro, como um plano piloto, a assistência médica de livre escolha. Sempre defendi que o relacionamento entre paciente e médico tem que ser muito pessoal. Depois ela estendeu para Companhia. Ela criou um sistema de credenciamento, eu já não estava mais na Companhia. Me aposentei em 1977. Nesse plano de assistência médica subvencionada, o empregado escolhia o médico, o hospital e o laboratório da confiança dele. Trazia os recibos e a Companhia reembolsava uma parte. Dentista, tudo isso ele reembolsava uma parte. No grande risco, que a gente chamava as internações hospitalares, a Companhia contribuía com 80% e o empregado 20%. Do pequeno risco, que eram as consultas em laboratório, se não me falha a memória, contribuía com 60% ou 40% ou 50%. Um percentual entre 40 e 60%. Isso criou um bom ambiente na Companhia, porque a Vale sempre foi uma empresa voltada para o bem estar dos empregados. O empregado entrava na Vale e já sabia que ia morrer ou se aposentar ali. Dificilmente, pensava em sair da Companhia Vale do Rio Doce.
VALIA
Criação da Fundação Aí vem o Projeto da Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social, e eu fui designado pela Divisão Administrativa. Fomos eu, o Luís Costa e Silva, o Marechal Lindemberg, que era o Vice-Presidente da Companhia, e o professor Rui Nogueira. Um grupo de pessoas fez os estudos sobre a Fundação Vale do Rio Doce, que levaram cerca de um ano e meio para se concretizar. Daí vem o grande problema, que era difundir na Companhia Vale do Rio Doce... Naquela época, em 1973, as grandes estatais no Brasil, como Petrobras, Embratel, estavam iniciando. A Petrobras foi a pioneira e fundou a Petros, a Vale, se não me engano, deve ter sido a segunda, a terceira ou a quarta a implantar. Nesse período, a Vale teve esse trabalho. Teve prestígio do Marechal José Lindemberg e do doutor Mascarenhas, que era o Presidente da Companhia naquela oportunidade, e mais do Ministro Dias Leite. Essas três figuras prestigiaram esse grupo de trabalho para organizar. A assembléia geral aprovou o plano em março de 1973. Dali até setembro de 1973, passei a divulgar em cada uma das oficinas e escritórios da Vale. Em cada lugar onde tinha um empregado da Vale eu comparecia para explicar o plano. Como ele funcionava e por que a Vale tinha feito aquilo. Anteriormente, por volta de 1960 a 1962, por aí, no tempo em que Eliezer assumiu a Vale do Rio Doce, a Vale criou um sistema que ela chamava de prêmio de aposentadoria. Vivíamos aquela época num início de uma inflação. Então, o empregado recebia aquele dinheiro e dentro de quatro a seis meses, um ano, já tinha acabado. Porque ele vivia só da aposentadoria do INPS que era uma aposentadoria extremamente limitada. Ele ganhava x na Vale, e se aposentou com x- y. Ele começou a apanhar esse dinheiro para compor o seu orçamento doméstico. Isso ocasionava uma insatisfação muito grande. Com muita razão, o funcionário voltava, pedia auxílio, pedia para voltar. Havia uma reivindicação. Então, a Companhia resolveu mudar isso. Em vez de dar esse prêmio de aposentadoria, resolveu criar a Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social, onde ela complementava a aposentadoria dele no Instituto com um x mensal. E mais ainda: ele recebia 20% do abono de permanência em serviço que recebia do Instituto. Quando o empregado fazia 35 anos e não se aposentava no Instituto, o Instituto lhe dava um abono de permanência em serviço de 20 ou 25%. Então quando ele se aposentou, a Vale incorporou também isso ao salário dele. O orçamento doméstico dele já contava com aquele valor. Aquilo passou a ser um valor, uma suplementação. Ao invés dela pagar um x de uma vez só, ela resolveu fazer uma fundação de seguridade onde havia complementação mensal da aposentadoria do empregado. Levantamos naquela oportunidade qual seria o ônus disso, que chamávamos de riscos iminentes. Tínhamos os riscos iminentes e os riscos pré-iminentes. Os riscos iminentes eram aqueles que já tinham os 35 anos de serviço e saíam da Fundação. Os riscos pré-iminentes são aqueles que faltavam ainda cinco a sete anos para se aposentar. Logo depois, ele já estava se aposentando para isso. Ela criou dentro do estatuto, porque sentíamos que a Vale estava com seus quadros de empregados um pouco envelhecidos. Porque ninguém saía para se aposentar do INPS, para ganhar uma miçanga. Receber um dinheiro, numa inflação galopante que se vivia? Um ano depois ele estava, Deus sabe como, vivendo de favor de parente, de filhos ou outras pessoas! Então ela criou, dentro do estatuto, um instrumento que chamava "compulsória". Quem fizesse a sua condição de aposentadoria teria 120 dias para requerer. Se não se aposentasse, porque não ia perder nada, estava recebendo tudo que tinha direito. Então começava a decrescer o valor da aposentadoria dele. Todo mês ele tinha um decréscimozinho, sendo que dentro de dois anos estava perdido. Em 1973, se não me falha a memória, eu era o Diretor- Superintendente, fui o primeiro Diretor-Superintendente da Valia, e umas 800 pessoas se aposentaram de imediato. Com isso, outra intenção da Companhia era rejuvenescer seus quadros e abrir vaga. Quem estivesse lá, teria acesso aos cargos mais elevados na Companhia. Antes e depois da ValiaExiste o aposentado antes da Valia e depois da Valia. Antes de 1973 e depois de 1973. Os de antes, coitados, a gente tentou por várias formas estudar uma maneira de trazê-los para a Valia. Criar uma coisa. Mas o contingente era muito grande e o encargo financeiro para a Vale era muito alto. Só para pegar os que já estavam naquela época foram 51 milhões de cruzeiros. Encargos dos riscos iminentes e pré-iminentes. A Vale deu 16 milhões num cheque, que eu recebi, e a diferença ela pagava 1% sobre a folha de salário. Para nós, um grande negócio. 1% da folha de salário é muito mais do que se eu aplicasse o dinheiro naquela época. Eu era o Diretor, fui o primeiro, recebi esse cheque: 16 milhões de cruzeiros! Se você trouxesse aquele contingente de antes de 1973, aqueles que não receberam nada da Companhia quando se aposentaram e aqueles que receberam prêmio num período x que não me lembro qual, mais as pensionistas, o encargo era muito grande. Você inviabilizava qualquer plano. Porque já havia os riscos iminentes. Você já tinha que pagar no outro dia. Eu e o Costa procuramos com o professor Rui Nogueira - que era o atuário contra tudo -, o Marechal José Lindemberg mas, infelizmente, desgraçadamente, não pudemos contemplá-los. Ele recebia o prêmio, ganhava na Companhia 2.000 reais, 2.000 cruzeiros naquela época. Se aposentava com 10 salários mínimos. Naquela época devia ser 800, 700. O que ele tinha? Um padrão de vida para 2000, para receber 800? O que ele ia fazer? Esse prêmio ia suprindo todo mês até acabar com a maior rapidez. Reivindicação antigaA Valia era uma reivindicação antiga dos empregados. A primeira pessoa que resolveu pegar a coisa, num trabalho que ele fez muito simples, foi o doutor Costa Braga, Superintendente da Administração. Ele foi sucedido por Arildo Zorzanelli. Esses dois então, com o Marechal e o doutor Raymundo Mascarenhas, foram ao Ministro, conversaram, e o Ministro topou a idéia. Porque, senão, a Vale ia ficar com um quadro extremamente envelhecido. Ninguém ia se aposentar para ganhar o que o INPS pagava, mesmo que tivesse um abono a ele, um prêmio, mas não resolvia nada porque ele sabia que a inflação ia comer aquilo no menor prazo possível. E a suplementação não, essa suplementação toda vez que o INPS altera o salário, a Valia também altera o benefício na mesma proporção. Se o INPS der 10% ela dá 10. Se der cinco ela dá cinco. Naquela época, o INPS dava 50 e você tinha uma autorização. Você estava pouco se incomodando com a inflação, havia a reposição dela. Isso foi um grande passo. Sempre fui mais voltado para essa área de recursos humanos, de assistência ao empregado. Sempre gostei muito disso e fui um brigador para isso. Nessas coisas, sempre estou na frente. Procuro estar na frente porque acho que é a minha obrigação. Não vou me acomodar. Vou lutar até enquanto viver. Até o dia que eu morrer, acabou. Vem outro fazer a mesma coisa que eu faço. Divulgação da ValiaEm março comecei a divulgar a Valia, em setembro ela foi instituída oficialmente. Adesão: 97%. Fiz o trabalho de divulgação. Em cada local de trabalho, cada oficina, cada escritório, aglomerado de empregado, nós escolhemos um que a gente sabia que tinha uma certa liderança. Então, uma queda de convencimento. Um cara um pouco mais instruído. Reuni esse pessoal em Guarapari e fiz, durante uma semana, uma explanação do que era a Valia. Eles voltaram para seus locais e anunciaram. Eles receberam um livreto, foi feito um vídeo, um áudio onde se divulgava o que era a Vale. Foram feitos, então, os requerimentos de adesão que eram enviados para essa pessoa. Ela entregava a cada um dos seus colegas de serviço. Antes de terminar, eu saí e fui a cada oficina. Pegava uma turma meia-noite em Itabira, por exemplo, a turma que largava a meia-noite, ficava com eles até duas e pouco da manhã. Passava no hotel, tirava um cochilo e pegava a turma que entrava às seis horas da manhã. Assim eu fiz na estrada, na mina, em Belo Horizonte, no escritório no Km 14. Fiz palestra sobre a Valia em todos os lugares. Com isso, foi feita a divulgação. Acho que o grande sucesso não foi devido às minhas palestras. Contribuí com alguma coisa. O grande sucesso foi a atuação desses líderes que foram escolhidos e que estavam ali permanentemente. Desses 3% que se recusou, de vez em quando, aparece um arrependido porque não fez. Aí também tinha uma condição: se ele não fizesse ali dentro dos 90 dias que foi aberto o prazo, ele pagaria uma jóia para entrar. A jóia foi paga pela Companhia naqueles 16 milhões que ela deu. Dali em diante ela se desobrigava, o cara tinha que pagar. A financeira ainda é sólida. Nunca fui no INSS. A primeira coisa que nós fizemos foi fazer um acordo com o INSS. Recebíamos o requerimento de aposentadoria, fazíamos todos os cálculos, levávamos no INPS e homologava. A Valia paga em nome do INSS, depois vai ao INSS e reembolsa. Nunca recebi nada do INPS. Nunca recebi um dia atrasado. Sempre o penúltimo dia útil do mês o meu dinheiro está lá. Isso deu muita segurança. Agora isso tudo foi fruto daquela mentalidade da gente ter vestido a camisa da luta. Do interesse do empregado, do aspecto familiar que sempre foi a Estrada de Ferro Vitória a Minas e que pouca gente se deu conta. Todo lugar, tem um irmão, um tio, um primo e aquilo fazia mais uma congregação familiar. E isso incutiu muito na Companhia. Essa é a história da Vale.
PESSOAS
Eliezer Batista Divido a Vale do Rio Doce em dois períodos: o antes e o depois de Eliezer. Não que os outros não tenham feito. Fizeram muito. Doutor Oscar Oliveira, doutor Lima, todos eles trabalharam muito. Mas o Eliezer foi o homem que abriu mais os horizontes da Companhia. O Porto de Tubarão foi outra coisa importante. Em 1962 o Eliezer era Presidente. Foi um período de crescimento e de adaptação da Vale. De renegociar os contratos da Vale. Foi muito importante
APOSVALE
O espírito de congregação Na Associação, começamos com 60 pessoas que são sócios fundadores. Hoje ela está com mais de 10 mil associados. Tem sede própria aqui no Rio, na rua Santa Luzia, em Itabira, Governador Valadares, Belo Horizonte e em Vitória. No norte ainda não porque Carajás ainda não está gerando aposentado. É de 1963 para cá. Mas esse ano já se pensa em criar alguma coisa para lá também. Agora, o trabalho feito com aposentado é de assistência social. Você vai a Itabira, é coro de aposentados, curso de teatro, curso de todo tipo de atividade. Aqui no Rio não, porque aqui no Rio é difícil. Você tem uma sede excelente, sala de jogos, mas a freqüência é pequena. O pessoal daqui dificilmente vai lá. Um ou outro, às quartas-feiras, aparece para jogar bilhar. Tem que estar promovendo concurso de bilhar para aparecer meia dúzia.
Mas Itabira e Vitória não. Belo Horizonte até me surpreende, porque também é uma cidade grande, mas tem uma freqüência maior do que aqui, mas muito menor que Itabira e Vitória. Itabira é a primeira delas em freqüência. Lá eles têm uma continuidade. Quando o funcionário se aposenta, a própria Valia encaminha. Mas ele sabe que tem a Aposvale, ele mesmo procura, se associa e paga um valor correspondente. Agora, o valor é de dois reais, já foi 50 centavos, 40 centavos. Com essa arrecadação, ela tem um patrimônio. O prédio onde funciona a Associação vale mais de 500 mil reais. Tem a de Itabira, a de Belo Horizonte, a de Governador Valadares. Na Aposvale, fazemos festa de fim de ano. A gente aluga, normalmente, um grande clube, e a freqüência é de quatrocentas, quinhentas, seiscentas pessoas. É uma festa de fim de ano muito bonita. É o espírito de congregação. Nós aposentados não nos divorciamos. Continuamos firmes com aquele princípio, com a vontade da Companhia Vale do Rio Doce. Não foi um para cada lado não. Quando se encontra, você vê a festa ali. Quando a gente se encontra, mostra essas coisas. A Vale contribuiu muito para isso e ainda contribui. Evidentemente, depois da privatização a ótica é outra. No tempo da estatal a Vale tinha uma ótica com relação a empregado, hoje, como uma empresa privada, ela tem outra ótica. É normal. É natural. Mas mesmo assim os que vão se aposentando vão se chegando aos antigos. Aposvale e a privatização Na época da privatização, eu estava na Aposvale. O aposentado é relativo a atuação dele. O sujeito pensa um pouco. Havia um déficit atuarial. No final dos últimos anos da Vale, como estatal, ela mandou que a Aposvale fizesse muita coisa, que a Valia fizesse muita coisa que não estava no estatuto para poder rejuvenescer seus quadros. Já não estava mais satisfazendo àquela gente receber o que eles estavam ganhando na atividade. Evidentemente que os índices do INPS já eram mais baixos. Então ele criou umas outras DDE's por aí, umas gratificações. Isso ocasionou um déficit atuarial na Valia de cerca de 400 milhões de reais. Aí é que vem a atuação do aposentado. Na véspera da coisa, a Aposvale entrou com ação em juízo citando o INPS, para que o edital de privatização constasse esse fato: que quem adquirisse assumia o déficit atuarial. Agora, a Vale mudou o plano. Evidentemente que o mundo mudou. Fizemos o plano há 25 anos, 27 anos. Ela mudou a configuração do plano. O famoso déficit vai ser pago agora à Valia. A Valia vai receber esse valor que os aposentados fizeram constar do Edital. Foi uma vitória dos aposentados. Foi uma luta conseguimos imediatamente. Isso é uma coisa que tem que ser creditada à Aposvale. Os aposentados associados da Aposvale levavam opiniões sobre privatização e ainda levam. Ainda lutam muito.
CULTURA CVRD
Empresa famíliaQuando meu pai trabalhava na Vale do Rio Doce, tinha um escritoriozinho em casa e ele trazia os relatórios para fazer. Chamava a mim e aos meus dois irmãos, José Vicente e Silvino, para ajudá-lo naquela tarefa. Com doze, treze anos, eu já conhecia, já vivenciava a estrada de Ferro Vitória a Minas e posteriormente, a Vale do Rio Doce. Uma coisa interessante que eu queria registrar, é o sentido familiar que tinha a Estrada de Ferro Vitória a Minas. Difícil era um empregado que não tivesse um irmão, um primo, um parente na Vale. Era uma coisa impressionante. Tinha gente que tinha quatro. Os Boneses deviam ter uns quatro ou cinco. Era muito comum isso. Eu, por exemplo, tinha meu pai, eu, meu irmão José Vicente, já falecido, que chegou a Tesoureiro Geral da Vale no Rio. Depois, com a incorporação da Estrada de Ferro à Vale do Rio Doce, aquele espírito persistiu por muitos anos. Era difícil ter um funcionário da Vale do Rio Doce, ou da Estrada de Ferro Vitória a Minas, que não tivesse um parente, um irmão, um primo, um sobrinho, um pai. Era impressionante isso. Você encontrava principalmente na zona da estrada de ferro servida pelo Espírito Santo. Nas outras também tinha. Mas acho que a maior incidência era no Espírito Santo. A história, o porquê, eu não sei. Talvez pela dificuldade. A estrada de ferro passava numa zona que não era muito desenvolvida. O único lugar ali, saindo de Aimorés, em Minas, e entrando da estrada de ferro em Baixo Guandu, que é no Espírito Santo... ali recomeçava a sentir as dificuldades. Colatina ainda era um pólo de desenvolvimento porque pegava mais a zona norte do Espírito Santo, onde a estrada de ferro não penetrava. Depois, vinha aquelas cidadezinhas que, muito mal, tinham estação e duas ou três casas na frente. Então, quando um conseguia entrar na estrada de ferro, por certo, levava um parente mais tarde e colocava lá. Na infância, eu tinha absoluta certeza que ia terminar a minha vida na Companhia Vale do Rio Doce. A Valia, que é a Fundação Vale do Rio Doce, contribui, junto com a Aposvale, para desenvolver os projetos de assistência ao aposentado. Mesmo depois da pessoa desligada, de ter rompido o seu laço empregatício, ela continua presente na vida de todos nós. É impressionante. Acho que não existe no mundo uma Companhia com tanta afinidade entre seus empregados. Com tanto orgulho. As pessoas da Vale têm orgulho em falar da Vale do Rio Doce, porque viu nascer e crescer. Houve um sentido muito familiar na Vale do Rio Doce. Difícil era o empregado que não tinha um parente, um irmão. Então isso foi se transmitindo de pai para filho e assim em diante. Hoje já está diferente. Depois da privatização. Evidentemente, que a ótica é outra, mas mesmo assim, ainda há muita colaboração da Vale com os aposentados, com as pessoas que deixaram a Vale. Falo mais disso porque me aposentei em 1977. São 23 anos que me desliguei. Depois da privatização, raramente vou a Vale do Rio Doce, só quando tem um interesse, mesmo porque já não conheço mais ninguém. Todos já se aposentaram ou saíram da Companhia. A Vale nunca deixou de estar presente na vida do aposentado, do empregado. Mesmo depois que ele aposentou. Antigamente - agora não tem mais -, em toda a Vale fazia-se a festa do aposentado e do funcionário no fim do ano, onde iam os filhos, a mulher, o marido, os netos. Ganhavam presentes. Era um show. Uma festa muito bonita. Ultimamente não tem sido feito mais. Não sei porque, mas isso nós fazemos na Aposvale para os aposentados. Todo ano tem a festa de fim de ano. Segurança e benefícios na ValeQuando a gente entrava na Vale, tinha a idéia de fazer carreira e se aposentar. Evidentemente tinham exceções, de deixar a Vale na metade do caminho para ir fazer outra coisa. Raramente acontecia isso. Quando a Vale sentia que isso podia acontecer, ela criou a Fundação para amparar mais ainda o empregado, para ele se sentir mais seguro ainda no resto de sua vida. Uns reclamam, podia ganhar mais, podia ganhar menos, mas a vida está difícil para todo mundo. Ai de nós se não tivesse a Valia! Como a gente ia viver com 1.200 reais, ou 800, ou 500, ou 600 ou 151 reais do INSS? Você já vê a preocupação que tinham os dirigentes de Vale do Rio Doce. Outra coisa: entrava Presidente, saía Presidente, isso não mudava porque o segundo e terceiro escalão não mudava. Eram sempre as mesmas pessoas. Dificilmente você trocava uma pessoa ou outra. Esse espírito de fazer carreira na Vale se mantém até hoje. Vitória tem a Desportiva Ferroviária, que é dos ferroviários da Vale do Rio Doce. Em Itabira tem o Valério, o time de futebol, que disputa os campeonatos da Vale do Rio Doce. Antigamente, a Vale subvenciona esses times. Eles recebiam uma subvenção da Vale. Para cada empregado que fosse sócio a Vale dava "x". Então eles podiam ter bons times e boas festas. Agora, cada um se vira por si só. A Vale mantinha colégio para os empregados. Embaixo do estádio da Desportiva, em Vitória, era um ginásio. Todo lugar tinha escola. Escola primária, assistência médica, hospitais. A Vale tinha esse espírito. A gente se sentia muito seguro na Vale. Não pensava em sair. "O que eu vou fazer lá? Vou perder tudo isso?"Os benefícios já existiam desde que entrei na Vale. Isso vem desde o tempo que era a Estrada de Ferro Vitória a Minas, que a família do doutor Pedro Nolasco era a dona da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Depois ele vendeu e ficou Companhia Brasileira de Mineração. Depois então voltou a ser Estrada de Ferro Vitória a Minas e a Vale. Mas isso vem desde o tempo do meu pai. Esse espírito de coisa já existia na Vale do Rio Doce. É como a gente dizia: vestia a camisa. Sempre vestimos a camisa da Vale. Primeiro lugar os interesses da Vale, depois os nossos. Às vezes tombava um trem, descarrilava um trem o sujeito ficava três, quatro noites sem dormir, virando ali. Cochilando para tirar o trem porque tinha os programas de transporte de minério, de 1943 para cá. Tinha que alcançar. Todo ano era um desafio. Tinha que vencer o desafio do ano, o número de exportação, transporte e exportação do ano passado. Então, aquilo era uma loucura. Cento e tantos vagões de minério puxando aquilo. Era um desafio. Os orçamentos eram feitos com as metas. A gente sabia que a meta orçamentária tinha que ser batida. Se batesse aquela que estava lá não servia não. Tinha que ser mais. Então esse espírito sempre existiu na Vale.Não havia influência política na Vale. Mudava o Presidente, mudavam alguns diretores, mas o segundo time que era de superintendentes e o terceiro time de gerentes não mudavam. Era neutralizado lá em cima. Podia haver uma ou outra concessão. A Vale sempre foi muito arredia a esse tipo de política. Mesmo a participação de empregados na política dentro da Companhia. Fazia fora, mas na Companhia não.
RELAÇÃO DE TRABALHO
O ambiente da CVRDNa Companhia, eram pessoas que se davam, que brincavam. Era um ambiente muito sadio. Evidentemente que tinha suas diferenças. Coisas pitorescas de Vale do Rio Doce. Eu e José Carlos da Silva, na época do PIP, começamos a levantar nos arquivos essas coisas interessantes, essas piadas. Outro dia, fundamos a Associação dos Aposentados dos Associados Assistidos da Valia, chama-se Aposvale. Quer dizer, após Vale. Então, até abril desse ano eu era o Presidente do Conselho de Representantes. Fui 4 anos reeleito. Quase todos são velhos empregados da Vale do Rio Doce. Cada um tinha uma história para contar. E contava a história, lembrava: "Você lembra de Fulano?" Mas era um lugar muito sadio para você trabalhar. Muito bom. O grande impulso da Vale começou com Juracy Magalhães. Pelo seguinte: o preço que a Vale recebia pelo minério exportado era ínfimo, muito pequeno. Naquele tempo, a Vale carregava um navio na pá. Botava o guindaste, o trem vinha e jogava aquele minério no chão, o cara levava na pá, suspendia o guindaste e botava lá dentro do navio. O Coronel Juracy Magalhães, que era Presidente naquela época, ele conseguiu um bom aumento de preço. Depois veio o Eliezer, que era um homem de visão, e conseguiu melhor ainda. Planejou. Ele sempre dizia que a gente tinha que administrar não com o farol baixo, mas com o farol alto, sempre olhando na frente, não o que está aqui embaixo. Grupos e amigosHavia grupos. Não era geral. Tinha pessoas que tinham um certo grupo de amizade, outras tinham outro grupo de amizade, mas não se digladiavam. Eles se davam muito bem. Mas eram grupos de pessoas. Pena ter terminado as festas de confraternização de fim de ano, onde todos se confraternizavam: mulher, filho, neto, empregado. Desde o contínuo ao Presidente da Companhia.
CASOS DE TRABALHO
Morte na ValeTem um fato muito triste que aconteceu na Divisão de Construção, que era em outro prédio da Vale. Em 1943, se não me falha a memória, armazenaram lá as espoletas, e houve uma explosão que matou muita gente. Corpo de pessoas jogados na rua... um fato triste! Graças a Deus eu não estava lá, estava no outro prédio. Ouvimos a explosão. Morreu muita gente que trabalhava nessa Divisão de Construção. Rasgando telegrama
Eu sempre quis fazer carreira. Sempre fui um empregado muito dedicado. Tinha muito senso de responsabilidade e muitas atribuições. Tínhamos um colega que chamava-se Wilson Correa da Silva, vulgo Wilson Cuíca. Naquele tempo, já estava chefiando uma sessão. Fazia uns dois, três anos que eu chefiava uma sessão na contadoria da receita. O Wilson trabalhava comigo. Ele então tirou férias. Antigamente o telégrafo, as mensagens, telegramas, ao longo da estrada, era feito pela Estrada de Ferro Vitória a Minas. O correio recebia e passava no Morse. O agente recebia aquela coisa e passava para o destinatário. Havia um chamado tráfego mútuo entre o correio e a Vale. O correio fazia os relatórios daquilo que ele mandou para Vale e a Vale conferia, mandava para o correio conferido e o correio à Vale. O serviço do Wilson era exatamente o de conferir, cotejar os telegramas com o que vinha nas relações. Ele saiu de férias, eu pedi ao Darci Apine para que ele fizesse o obséquio de ir na mesa do Wilson, e fazer aquele trabalho porque precisava entrar dinheiro. O Darci foi, isso passou quatro ou cinco dias: "Valter, não consigo fechar não". "Mas como não consegue?" "Não consigo. Falta uma porção de telegramas nessa relação que está aqui, não dá para conferir". Eu disse: "Mas não é possível rapaz, você está muito mole. Vou fechar isso". Sentei lá e, três dias depois, arriei as armas.
Não consegui. Uma noite, saímos da Companhia e encontramos o Wilson na rua. Eu disse: "Wilson! Puxa, você está de licença, como é? Nós não conseguimos fechar aquele serviço de tráfego mútuo, rapaz! Você fechava aquilo todo dia, certinho. Não havia diferença. Tudo certinho". Aí ele disse: "Como é a diferença?" Eu digo: "Ah! Lá tem muito mais telegrama do que o que está na relação". Aí ele disse: "Ah, mas isso acontece todo mês". "E como você fechava?" "Eu rasgava!" Eu tenho muita história da Companhia.Morto passa telegramaTinha uma estação na Vale do Rio Doce, na Estrada de Ferro, que se chamava Tumiritinga, perto de Governador Valadares. Era uma estação no meio da mata. Abriram uma clareira, fizeram uma estação ali. Chamava estação de Tumiritinga. Dava muito impaludismo ali. Certa feita, estava lá o agente, e tinha o agente e o guarda-chaves. Normalmente, por obrigação, o guarda-chave tinha que saber bater Morse. O agente, coitado, pegou uma febre violenta de impaludismo e morreu. Acontece que o agente para transferir a chefia da estação para outra pessoa, tinha que pedir licença a Vitória. Ele passava um telegrama pedindo licença para passar a chefia da estação para o guarda-chave, porque ia fazer uma viagem ou estava doente. Mas ele morreu. O que o guarda-chaves ia fazer, coitado? Chegou e disse: "Meu Deus, o que vou fazer?" Ele foi para o Morse e bateu o seguinte telegrama: "Acabei de morrer. Peço autorização para passar a chefia da estação para o guarda-chaves Fulano de Tal". E botou o nome dele. Ele tinha que dar uma saída. A saída dele foi essa. Essas coisas aconteciam muito. O ConferenteHavia muito trocadilho com informações. Tinha muito, porque a estrada de ferro tinha empregados muito dedicados, mas quase todos eles de formação cultural muito relativa. Então, aconteciam coisas incríveis. Como aquela do sujeito que chegou na estação de trem. Tinha um encarregado chamava Conferente. Chegavam os trens de carga, apanhava os romaneios, aqueles despachos, e ia conferir todas as mercadorias que chegavam no trem. Certa feita, o Conferente deu a falta de um pacote de feno. Apura daqui, apura dali, não teve jeito. Ele botou no processo, porque naquele tempo o sujeito tinha que fazer um processo, "desaparecido". Nesse terreno, tinha uns cabritos, uns bodes, e ele escreveu que o despacho tal comeu o despacho numero tal. Não tinha outra saída.Lobo, Leão e Onça
Tínhamos um colega muito querido. O nome dele era Leão Dionísio de Souza.
Quando ingressou na Companhia, foi trabalhar no Almoxarifado, com um senhor chamado Eufrásio, que era uma figura muito rígida. O Leão, que era fanho, chegou e disse: "Dá licença". Seu Eufrásio só levantou a vista, e assim: "O que você quer mesmo"? "Vim aqui com a carta para trabalhar no Almoxarifado". Ele disse: "Trabalhar aqui? Quem mandou?" "Foi lá da Superintendência". "Humm!!! Da Superintendência. E como é seu nome?" Ele estava escrevendo e perguntando. "Como é seu nome?". "Meu nome é Luis Lobo José da Onça". Aí ele disse: "Como é menino?" "Luis Lobo José da Onça". "Vai embora. Troca de nome porque aqui não tem jaula para tanto bicho". Ele trocou o nome para Leão Dionísio de Souza. Ele foi ao cartório em Argolas, e tirou uma nova certidão com o nome dele. Ele morreu há poucos anos. Tirou o Onça e o Lobo. Ficou um bicho só. Ficou só Leão Dionísio de Souza. O Leão ele não tirou não.
PRIVATIZAÇÃO
O Porto de Tubarão foi o doutor Oscar de Oliveira que terminou. O Eliezer começou e o Castelo Branco inaugurou. O Porto de Tubarão deu um impulso à Vale extraordinário. Aí começou o problema de mecanizações. A Vale começou a se mecanizar, a se modernizar, começou a ir gente para o Japão e para a Europa estudar. Isso trouxe um desempenho espetacular. Hoje, a gente lamenta que ela tenha sido vendida pelo preço que foi. Ela valia 10 vezes mais do que estava lá. Só a mística da Vale valia o que se pagou lá.Acho que o processo de privatização de todas as estatais é irreversível. Pode vir outro governo: seja ele PT, ou PMDB ou qualquer outro. Tornou-se irreversível. O mundo mudou, a Vale também entrou nisso. Muito embora tenha sido uma estatal que nunca precisou de dinheiro do Governo. Dizia o Senador Roberto Campos, agora ele é Deputado, que a Vale não dava dividendo ao Governo. Só que ele esquecia que a disponibilidade financeira da Vale era aplicada pelo Banco Central, que ficava com o resultado da disponibilidade, que era muito mais do que os dividendos. Ele não dizia isso porque tinha que servir a outros senhores. Está dado o recado!
TRABALHO
Caixa de Aposentadoria e PensõesEm 1946, saí da Vale do Rio Doce e fui trabalhar na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Empregados da Vale do Rio Doce. Era onde agregava o pessoal da Vale do Rio Doce. Era contribuinte dessa caixa de aposentadoria e pensões. A minha vivência foi muito maior porque já vinha de lá. Me procuravam para resolver os problemas. Afastei-me da Vale, não fisicamente, porque vivia lá com o pessoal trabalhando. A Caixa era muito ligado à essas atividades da Vale do Rio Doce. Depois é que vieram os institutos. Aquilo cresceu e despersonalizou as coisas. Em 1954 veio a fusão das caixas. Em Vitória, ficou só a Caixa da Vale e pouca coisa da Estrada de Ferro Leopoldina, dos Aeroviários e telecomunicações, também, muito pouco. Insipidamente, porque só tinha um representante. Eu vim para o Rio de Janeiro transferido, com a fusão. Passei a ser Delegado do Instituto em Vitória, depois vim para o Rio ser o contador geral da Caixa.A primeira vez que saí da Vale foi para trabalhar no Instituto, por problema de salário. Mas fui para uma atividade ligada à Vale. Era extremamente ligada à Vale. Naquela época, para ganhar um aumento de 50 mil réis - em 1943, a Vale deu 50 mil réis de aumento -, era uma festa. Foguete e o diabo. Eu estava entrando na Vale, ganhando 350 mil réis naquele tempo, 350 cruzeiros, nem sei. Era um bom salário. Eu saí da Vale, já tinha um certo nome ali, fui para Caixa ganhando 1950. Eu disse: "Bom, para ganhar 1950, continuar na Vale praticamente na mesma coisa, com os mesmos amigos, as mesmas pessoas, as pensionistas que vinham parar aqui. Os colegas que aposentavam e iam lá...", então eu disse: "Não vou perder essa". Aí eu fui, mas sempre com o pensamento de voltar. Em 1965 eu voltei. Saí em 1977 aposentado. Eu vim morar no Rio quando estava no Instituto, para ser o contador geral. As caixas foram fundidas e eu vim para o Rio em 1962. Em 1965, voltei à Vale. A mudança de Vitória para o Rio não foi muito fácil. Em 1962 eu tinha 37 anos, vivendo num lugar, depois fui para uma cidade grande, diferente... Eu era da Caixa, depois que vim, fiquei delegado. Eu vivia problemas restritos ao Espírito Santo e passei a viver problemas do Brasil inteiro. As Caixas viviam dificuldades financeiras para pagar aposentado. Tive que comprar brigas violentas com Governo, Ministério, com uma porção de gente, mas sempre mantive minha conduta de conseguir pagar todas as aposentadorias e pensões em dia. Antes vivia com três, quatro meses de atraso. A luta foi grande. A minha visão da vida mudou muito. Saí de uma visão muito restrita de local, de Vale do Rio Doce e Vitória, de IAPFESP e Espírito Santo, para viver uma realidade nacional. No fim, ter essa decepção dos amigos, ter que puni-los. Por mais que fosse muito rigoroso e cioso da minha obrigação, machuca um pouco. Depois que me aposentei da Vale, trabalhei no BNDES, fiquei na Caraíba Metais de 1974 até 1980. Depois fui para Internacional de Engenharia, fiquei mais 10 anos lá.Caraíba Metais e aposentadoria
Em 1977, eu me aposentei por força da compulsória. Completei os 35 anos, então, tinha que me afastar e me aposentei. Fui requisitado pelo Doutor Marcos Viana e fui trabalhar no BNDES. Aliás, minto, antes de me aposentar, deixei a Valia por decisão do então Presidente Roquette Reis, que achou bem que eu devia sair e colocar uma pessoa da confiança dele. Nesse interregno, antes de completar os 35, o Marcos Viana me levou para o BNDES onde fui trabalhar como requisitado da Vale, na Caraíba Metais. Fiquei lá como Diretor na Caraíba Metais de 1974 a 1980. Cheguei como Diretor da Caraíba Metais, porque era funcionário requisitado. Então, contei todo o meu tempo que eu estava na Caraíba Metais, meu tempo na Vale do Rio Doce. Eu recebia pela Vale do Rio Doce, não recebia pelo BNDES. O BNDES é que indenizava a Vale do meu salário, mas a minha relação de emprego continuou a mesma. Não foi interrompida. Me aposentei e continuei na Caraíba Metais até 1980, quando fui transferido para a Bahia mas não me adaptei lá. Internacional de EngenhariaFiquei seis meses na Bahia. Não tive uma boa lembrança, uma boa passagem pela Bahia. Problemas íntimos. Vim embora para o Rio mais ou menos em junho. Resolvi, disse: "Bom, agora vou parar de trabalhar". Três meses depois, recebo um convite da Companhia Internacional de Engenharia, onde fiquei 10 anos. Saí de lá como Diretor da Área Administrativa da Internacional de Engenharia. Terminado isso, crente que ia parar de trabalhar, encontro com um amigo na rua, ele: "Você vai me ajudar". E para ajudar, estou com ele há 9 anos. E hoje sou agente de viagem. Eu saí em 1977 porque venceu os 35 anos, senão eu caía naquela compulsória, nos 120 dias. Começava a diminuir. A Internacional de Engenharia é sociedade privada. Fui Diretor de Administração. Era na rua das Laranjeiras. Fizeram agora uma praça ali em frente. Aquele prédio lá em cima à esquerda. Em dezembro de 1979 fui para Bahia e voltei em junho de 1980. Lá é que a política é muito forte. Como não era político, não me amoldava à essas coisas, tive que tirar meu time de campo.
ATIVIDADE ATUAL
Minha atividade hoje é um aposentado fazendo controle numa agência de viagem.
Chego lá de manhã, e saio às três e pouco, quatro horas e vou para Aposvale. Fico lá até as cinco e meia, seis horas, e vou para casa. Só para encher o tempo. Não quero parar de trabalhar. Acho que se eu parar de trabalhar vou entrar num processo de depressão. Tenho que fazer alguma coisa, nem que for jogar dama na praia.
FAMÍLIA
Atualmente moro com a minha mulher. Os filhos já foram embora. Tenho seis netos, quatro em Vitória e dois aqui. Os daqui são gêmeos. O sentido de arraigo à família, faço questão absoluta que continue. Ainda ontem eu comentava isso com a minha mulher. Eu liguei, o meu filho me ligou e disse: "Pai, como vai?" Aquela conversa de filho. "Estou esperando Fulano, Fulano, Fulana".
Os irmãos. "Eles vêm lanchar aqui comigo hoje. No domingo nós lanchamos na casa de Fulano". Eles sempre lancham um na casa do outro. Faço questão absoluta que eles mantenham isso, que continuem conversando, procurando saber da vida dos tios e dos primos. Sem família não dá para fazer nada. Mas sou homem de poucos amigos. Amigos, como a gente diz, talvez eu conte nos dedos da mão. Conhecidos a gente tem muitos, amigos a gente tem poucos. No Natal, todos vêm para cá. Passam a festa de Natal aqui. No dia 31 uns ficam aqui, outros vão para casa da sogra, mas Natal é na minha casa. Agora mesmo nós vamos fazer a festa de Bodas de Ouro. Eles é que estão organizando. Não sei de nada. Não estou gastando dinheiro, nem sabendo de nada. Vai ser em Vitória. Meus irmãos, sobrinhos, a família toda mora lá. É mais fácil ir com a minha mulher, minha filha e meus netos - quatro a seis pessoas - para lá do que vim para cá 50 ou 60. É novo casamento. Vai ter novo casamento. Eu digo para minha mulher, 50 anos não são 50 dias que você suporta o filho do seu Faria.
LAZER
Sou extremamente sedentário. O médico diz para mim: "Mas o senhor tem que andar". Eu digo: "Doutor, se eu gostasse de andar ia sentar praça na polícia". Porque andaria para chuchu. Tenho verdadeiro pavor de andar. Sobretudo no sol. Não gosto de sol. Se você mandar eu andar numa alameda toda arborizada, ainda vou. Mas sol? Moro em Copacabana. Aquele calçadão da Avenida Atlântica me causa uma repulsa. A minha mulher me faz ir, quer que eu vá agora: "Você tem que ir". "Eu estou pensando". Saio de manhã, às oito horas, vou para agência, fico lá no Down Town, almoço lá. Três e meia, quatro horas, pego o carro e vou para a cidade. Vou na Aposvale, converso com os amigos. Vou para casa, mudo de roupa e vou ver a televisão. Nove e meia procuro lugar para dormir. Cinco, seis horas da manhã, estou acordado. Ontem a minha mulher conseguiu me levar no cinema! Eu não vou. Reconheço que estou fazendo um grande mal para mim mesmo. Mas o que eu vou fazer? É da minha índole. Não tenho nenhum lazer. Só ver futebol, meu Fluminense na televisão. Aliás, nem isso estou vendo. Vejo dos outros times, do Fluminense eu desligo. Ele está melhorando, mas ainda falta muita coisa para ser o Fluminense do meu tempo.
CASAMENTO
Conheci a minha esposa em Vitória. Ela fazia o curso de Educação Física. Mas a família dela é do interior. Ela morava na casa de uma tia onde fazia o curso, e foi aí que nós nos conhecemos, em 13 de abril de 1947. Comecei o namoro. Conhecer eu conhecia de vista, a via passar, mas só em abril de 1947 foi que começamos a namorar. Estamos juntos até hoje, vamos fazer bodas de ouro, agora, dia seis de janeiro. Casamos em janeiro de 1951. Foram três a 4 anos de namoro. Era o tempo que você tinha que se preparar para casar. Fazer casa, comprar casa, enxoval, essas coisas todas. Era o tempo que a gente levava para casar mesmo. Três anos e meio para moça se preparar.
FAMÍLIA
Eu me comunico com meus filhos. Tenho cinco filhos, quatro morando em Vitória e uma morando aqui no Rio. Não digo diariamente porque aí vou exagerar, mas um dia sim, um dia não, me comunico com meus filhos. Ou eu ligo para eles ou eles ligam para mim. A minha mulher acha que eu cobro muito dos meus filhos. Cobro porque acho que sou o pai deles, eles têm obrigação de estar se comunicando, sabendo, dando notícias. Eu também, como pai, tenho obrigação de saber como eles estão. Tenho um sentido de família muito arraigado. Muito forte. Não posso nem imaginar em me desfazer disso. Não tenho nem condições. Os campos de atividade que meus filhos escolheram fugiram um pouco da Vale do Rio Doce. O mais velho é arquiteto. O meu segundo é médico. A terceira é química. A outra, a quarta, é contadora. Essa podia, mas essa fez concurso para Caixa Econômica, trabalha na Caixa Econômica, não saiu. A última é psicóloga. A escolha deles era livre e eles escolheram atividades que não via muito caminho na Vale. Também, me aposentei em 1977, quando meu primeiro filho começou a se formar. Aí, todo mundo voltou para Vitória. Só tem uma aqui.
AVALIAÇÃO
Se hoje fosse como era antigamente, eu ia viver exatamente o que fiz. Se for a vida de hoje, se eu começasse a vida hoje, que nem um rapaz, minha vida seria totalmente diferente, não seria nada disso. A minha vida teria outro rumo, outras coisas. Não faria o que fiz, mas fiz com muita satisfação, com gosto. A gente muda muito. Hoje tudo é difícil. Fico vendo essa mocidade, e eles tem uma estrada grande. Naquele tempo, a gente sabia o que era o futuro, a gente sabia o que ia acontecer. Hoje, você não sabe nem o que vai acontecer no mês que vem. Por isso que o Eliezer dizia: "Administra não com o farol baixo, mas com farol alto". Hoje, você pode projetar para daqui a um ano, mas duvido que você acerte, as coisas mudam muito.
SONHO
Não tenho mais sonhos. Meu sonho é viver ainda mais uns tempos com minha família e ver meus netos crescerem. Se possível casar. Vou fazer 75 anos no dia 24 de outubro. Já paguei. Já estou vivendo dos créditos da vida.
DEPOIMENTO
Eu me senti muito honrado em participar deste projeto. Foi uma satisfação não para mim só, como para minha família, eu ter sido distinguido pela Companhia. Quer dizer que eu deixei alguma coisa lá. Não passei em branco na Companhia. Isso, para gente que está em fim de vida, é uma satisfação muito grande. Para família, para os filhos, netos, deve ter trazido para eles algum orgulho. Pode parecer pouco para algumas pessoas: "Isso é bobagem, isso não é nada" -, mas para mim e para minha família representou muito. Não fui uma Carolina na vida, que o tempo passou e não fiz nada. Fiz alguma coisa, fui lembrado. Isso me tornou muito orgulhoso e satisfeito. Foi um presente de fim de vida.Recolher