Projeto Memória Companhia Vale do Rio Doce
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Depoimento de Tito Botelho Martins Junior
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV099
Transcrição por Jurema de Carvalho
Revisado por Leticia Maiumi Mendonça
P/1...Continuar leitura
Projeto Memória Companhia Vale do Rio Doce
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Depoimento de Tito Botelho Martins Junior
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV099
Transcrição por Jurema de Carvalho
Revisado por Leticia Maiumi Mendonça
P/1 – Boa tarde Tito, pediria que você dissesse seu nome, local e data de nascimento, por favor.
R – Meu nome é Tito Botelho Martins Junior, eu sou nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 24 de setembro de 1962.
P/1 – Nome dos seus pais?
R – Tito Botelho Martins e minha mãe Rosa de Lourdes (Dar?) Martins.
P/1 – Você nasceu em Belo Horizonte?
R – Nasci em Belo Horizonte.
P/1 – E como seus pais se conheceram?
R – Meu pai era nascido no Rio de Janeiro, ele se formou aqui em Medicina, se mudou para Belo Horizonte, se não me engano, porque a irmã mais velha dele casou e mudou para Belo Horizonte e ele era recém formado e não tinha oportunidade de trabalho aqui, se mudou para lá. Ele casou a primeira vez, não com a minha mãe, casou e desse primeiro casamento teve três filhos, ficou viúvo. Daí conheceu minha mãe um ano depois que ficou viúvo e se casou com minha mãe um ano depois disso, ou seja, um ano depois que tinha ficado viúvo do primeiro casamento. Curiosidade que quando ele casou com minha mãe, minha irmã, filha do primeiro casamento, ou seja a filha mais velha dele, já era casada. Com isso na minha família se formou um efeito escada em termos de tios, sobrinhos, irmãos, porque nós somos cinco irmãos e a minha sobrinha mais velha é mais velha que eu, quase três anos, eu tenho um sobrinho mais velho que eu,
dois anos. Aí eu nasci, nasceu meu irmão caçula e depois nasceu uma outra sobrinha da mesma irmã. Ou seja, nós cinco fomos criados juntos como se fosse meio irmão, meio primo, mas na verdade eram tios e sobrinhos. Não sei se deu para entender, é meio confuso (risos). São três filhos do primeiro casamento e três do segundo casamento e a distância é muito grande.
P/1 – E vocês moravam em Belo Horizonte?
R – Morávamos em Belo Horizonte.
P/2 – Em relação aos seus avós, você conheceu seus avós?
R – De parte de meu pai não, até porque tem um outro detalhe: meu pai era muito mais velho que minha mãe. Quando ele casou ele tinha quase 20 anos mais que minha mãe. E ele era o caçula de uma família que eu não tenho a mínima ideia de quantos filhos tinham, eu sei que eram mais de 12. Então, quando ele era pequeno, a mãe dele era mais velha também. Então a distância nas famílias são muito longas. Os meus avós são praticamente do século passado, eles morreram mais ou menos no primeiro quarto deste século, isso por parte de pai. De parte de mãe não, eu conheci os dois.
P/1 – Você sabe a origem de sua família?
R – Da parte de minha mãe, com certeza 75% é de origem italiana. A mãe da minha mãe era filha de italianos e o pai da minha mãe, a mãe dele era italiana casada com inglês e italiano. No fundo 75% da família é de origem italiana, do lado da minha mãe, 25% de origem inglesa. Do lado do meu pai, pelo nome, a indicação é de portugueses e espanhóis.
P/1 – Você conhece, já ouviu contar as histórias desses imigrantes italianos, por que vieram?
R – Do inglês, com certeza. O inglês que veio, ele veio fugido da Inglaterra. Era um garoto que tinha 15, 16 anos, que brigou com o pai, entrou num navio, não sei o que estava transportando. Ele veio no meio do carvão, porque os navios eram a vapores e combustível era carvão. Demoravam não sei quantos dias, dez dias, duas semanas para chegar nas Américas. Quando ele sentiu que iam descobrir ele, ele se entregou. Fizeram ele trabalhar para pagar a passagem, ele chegou e desembarcou na Bahia. Aí ele se mudou para Minas, naquela época os ingleses estavam montando a Linha de Morro Velho, em Nova Lima. Ele achou lógico ir para onde os ingleses estavam, por problema de língua e tudo. Aí ele foi para Minas trabalhar na mina. Trabalhou lá durante muitos anos, aí se casou com uma italiana. Eu sei que era a família da minha mãe.
P/1 – Você sabe o nome completo dele?
R – O ________ da minha mãe veio dele, mas ele tinha outro nome. O da família italiana que eu sabia é Da Pieve, inclusive o lado italiano da família da minha mãe, na Itália hoje, no norte da Itália, próximo à Milão, tem uma vila chamada Da Pieve. Na verdade entre Milão, divisa com França você tem essa que é exatamente de onde a família veio. Essa é a única referência que eu tenho. Eu sei porque meu irmão, há alguns anos atrás viajando pela região ele deu com a placa, ele tirou fotografia, mandou para a gente da vila teoricamente da família. De onde a família veio. Do outro lado, da família do meu pai eu realmente não tenho muita informação até por conta dessa distância. Para vocês terem uma ideia, para o meu pai ser o caçula de uma família muito grande e já velha. Quando eu nasci eu tinha primos de 60 anos de idade. A maioria dos meus primos diretos, de primeiro grau, de parte de pai estão todos falecidos. Eu tenho contado com a segunda, terceira geração deles. Eles já são sobrinhos netos dos meus primos. Muito distante.
P/1 – E você conviveu com os avós maternos?
R – Principalmente com minha avó. Meu avô faleceu alguns anos depois que eu nasci, mas minha avó faleceu há alguns anos atrás. Mas sempre tivemos muito contato.
P/1 – E vocês mantinham algum tipo de tradição italiana? Culinária...
R – Bom, pelo tamanho dá para notar que a gente gosta de comida. Tem a família, o pessoal é muito ligado. Eu talvez seja o menos ligado dos irmãos, dos primos até porque eu estou fora da família há muitos anos. Eu comecei as coisas muito cedo depois que eu me formei, depois que eu entrei para a faculdade eu não tenho tanto contato com a família. Mas a família é muito ligada em coisas de família. Todo mundo se mete na vida de todo mundo, todo mundo dá notícia de todo mundo. Aquele negócio bem fechado, bem italiano mesmo. É gostoso.
[Interrupção na gravação]
P/1 – Você lembra da casa que você nasceu?
R – Não, eu sei que quando eu nasci meus pais moravam num apartamento no centro de Belo Horizonte, porque eles estavam esperando que a casa onde nós iríamos morar ficasse pronta. Eu conheço a casa até hoje, que por sinal é muito próxima a casa de minha avó. Eu passava por ela de vez em quando. Há alguns anos atrás a casa de minha avó foi demolida também. Mas eu sei até hoje onde fica a casa, ainda existe. Na verdade nós moramos lá muito pouco tempo, dois ou três anos, depois nós mudamos para a casa onde hoje minha mãe ainda mora, em Belo Horizonte.
P/1- Em que bairro que é?
R – Em Lourdes. É um bairro bem tradicional, bem próximo ao centro, mas é um bairro pequenininho, mas quem conhece Belo Horizonte conhece o bairro. É bem tradicional, uma região bem central. Seria mais ou menos, se comparasse com o Rio, como fosse Laranjeiras, mas sem o trânsito de Laranjeiras. Uma coisa bem antiga.
P/1 – É um bairro residencial?
R – Hoje é meio residencial, meio comercial. Até tem uma curiosidade: o Palácio da Liberdade, que é a sede do governo do Estado também é no mesmo bairro, então a referência Laranjeiras – Lurdes é muito próxima.
P/1 – Quando você era pequeno brincava com os vizinhos?
R – Tem uma grande praça na frente da casa. Ainda existe essa praça. Eu sou da época que a gente brincava na rua. Praça grande, tinha um gramado no meio da praça que era proibido pisar, mas todo mundo jogava bola. Você tinha uma estátua no meio do gramado que acabava atrapalhando, mas era um Becker que jogava para os dois times. A garotada toda... A praça era um quarteirão todo, um quarteirão todo, cheio de árvores. Você tinha os esconderijos. A praça era o lugar do bairro. Apesar de estar bem central era como você tivesse uma vida completamente de interior. Belo Horizonte era bem interior, até uns dez, 15 anos atrás, mudou muito. Com isso minha vida, minha infância foi bem de interior, na rua mesmo, pegador, futebol, turma de bairro.
P/1 – Você jogava em que posição?
R – Eu fui Becker a vida toda. Com esse tamanho eu não aguentava correr.
P/1 – Você jogava...
R – Eu jogava na rua depois eu comecei a estudar num colégio que tinha a tradição de futebol, tinha campo de futebol oficial, era o Santo Inácio de lá. Santo Inácio de Loyola que lá era conhecido como Loyola. Você tinha torneio, campeonato, tudo. Eu praticamente a vida toda desde nove anos de idade até os 17 anos eu joguei futebol na mesma posição. Eu era Becker. Cheguei agarrar uma época, eu era goleiro de futebol de salão. Com esse tamanho também era fácil. Eu jogava futebol e basquete também, joguei basquete muitos anos.
P/2 – Que clube que você frequentava?
R – Minas Club. Minas, em termos de Brasil, fora os clubes do eixo Rio-São Paulo, era um clube de tradição, tanto em natação como esportes coletivos. Eu já nasci sócio do Minas, porque minha família era toda sócia fundadora do clube. Tinha aquele negócio de carteirinha, a turma trinta mil e tanto, eu tinha número 55 na carteira, um negócio completamente diferente. Era uma família, tios eram diretores, primos eram não sei o que. Todo mundo tinha alguma coisa a ver com o clube. Meu irmão foi nadador do clube, ele nadou anos pelo clube, foi Campeão Brasileiro de Natação, recordista do Sul Americano. Eu joguei basquete lá, meu outro irmão caçula jogou basquete lá, nadamos lá. Uma série de atividades. Bem tradicional.
P/1 – E a escola?
R – Loyola. Eu praticamente estudei no Loyola a vida toda. Entrei no Loyola com oito anos, oito para nove anos. Antes disso tinha estudado num colégio público. Usava muito antigamente. No Rio eu não tenho ideia, mas eu sei que em Belo Horizonte, as escolas estaduais eram a tradição. Todo mundo estudava em escolas estaduais até passar o que é hoje é conhecido como primeiro grau. Você fazia o primário, o pré primário aí passava para o primeiro grau. Ou você ficava um ou dois anos na escola pública e depois passava para a escola particular. Aí tinha prova, tinha teste para entrar. Era uma coisa super concorrida.
P/1 – Você fez o teste?
R – Não, porque tinha uma jogada interessante. Você para entrar tinha um curso de admissão – uma coisa antiga mesmo. Aí você fazia a prova. Agora se você entrasse antes da admissão, exatamente com nove anos, no meio do primeiro grau, você não tinha que fazer o teste. Aí eu entrei numa dessas, minha mãe me pegou e me transferiu de escola. Não que isso fosse problema, é que na época achava-se um absurdo você fazer teste pra entrar, sendo novo. Hoje é até prática comum. Antigamente era uma coisa meio estranha. Aí eu passei pro Loyola nessa época e fiquei lá até formar, até sair no segundo grau.
P/1 – A questão dos estudos, na sua educação, era uma coisa muito relevante?
R – Muito. Acho que porque... Eu perdi meu pai muito cedo. Meu pai faleceu eu estava com sete anos de idade. Ele faleceu em 1970. Mas meu pai sempre foi de uma educação muito rígida, educação muito antiga. Antiga mesmo, nem conservadora, antiga. Meus irmãos do primeiro casamento dizem que sofreram muito, porque era tudo linha dura. Era tipo de família que a mãe educa e o pai é que mantém a disciplina dentro de casa. Isso foi com o primeiro casamento dele. Com o segundo casamento, ele já estava mais velho, os meninos mais novos – eu e meu irmão. Ele deu uma refrescada, mas mesmo assim ainda era muito rígido. Isso tudo era muito importante, você tinha que efetivamente... Ir para a escola era horário certo, em casa era horário para almoço, horário para banho, horário para brincar, horário para fazer isso, aquilo. Era tudo muito rígido. Minha mãe é que dava uma refrescada. Depois que ele faleceu, minha mãe acabou adotando isso. Ela sempre foi uma pessoa rígida, de uma maneira mais amena, mas exigindo da gente uma certa disciplina. Isso foi até bom, eu não reclamo disso, foi até prático, tanto pra mim como pro meu irmão foi muito bom pra gente ter essa disciplina, a gente sempre se preocupou em estar estudando, em estar bem informado, acompanhando. Isso funcionou muito bem.
P/1 – Sua mãe sempre trabalhou?
R – Minha mãe trabalhou praticamente a vida toda. Ela trabalhou desde nova, a família dela, o meu avô era um sujeito que não era muito rico, mas tinha alguns negócios. Ele tinha investido, ele era representante no Brasil de indústrias americanas de equipamentos eletrônicos, numa época que ninguém fazia isso no Brasil. Isso na década de 1940, 1950. Quando foi no fim dos anos 1950 ele estava investindo em novos armazéns, houve uma grande enchente em Belo Horizonte e ele praticamente quebrou com isso, destruiu tudo o que ele tinha. Então os filhos todos, eram oito filhos do lado da minha mãe, todos foram obrigados a largar os estudos, trabalhar, fazer alguma coisa. Era uma família grande, tinha uma casa monstruosa num bairro super tradicional de Belo Horizonte, era a Tijuca de lá. Floresta, uma casa grande que você tinha o quintal da casa provavelmente tinha mais fruta do que nós todos aqui não saberíamos o nome. Tem coisa que eu não conheço até hoje e que tinha na casa. Mangueira, jabuticabeira, era um verdadeiro jardim de infância a casa. Eles tiveram que vender isso tudo e tiveram que trabalhar. Aí a minha mãe começou a trabalhar cedo. E logo ela conseguiu ter uma posição dentro de uma empresa internacional que era a Schering do Brasil – uma indústria farmacêutica, como gerente de marketing, coisa que não existia na época. Hoje se mal comparando seria isso. Quando ela casou ela parou de trabalhar. Ficou sem trabalhar seis, sete anos. Quando meu pai faleceu, ela voltou a trabalhar, também na área comercial, na Socila. Socila na década de 1970 era o must. E a Socila convidou minha mãe para ser a comercial da Socila em Belo Horizonte. Ela trabalhou uns doze anos lá. Depois disso ela foi trabalhar com um pessoal de cozinhas. Ela diz que saiu da sala para a cozinha, porque estavam montando uma cadeia de lojas de montagem de cozinhas. Hoje é o exaustor Suggar, que surgiu, na verdade, de um arquiteto que trabalhava com montagem de cozinhas nas residências. Ele convidou minha mãe para montar um negócio com ele. Ela fazia a parte comercial e ele fazia os projetos. Isso começou a evoluir, começaram a montar algumas lojas. Ela nunca foi sócia dele, uma coisa que eu não consigo entender. Se eu tivesse na época, um pouco mais de tino comercial, não deixaria ela passar o que ela passou. Ela foi comercial disso durante uns dez a quinze anos, uns quinze anos provavelmente. Com isso ele montou a Suggar e hoje tem uma indústria de fogões, fornos, exaustores. Ela se aposentou, se desligou disso há uns anos atrás. Ela trabalhou a vida toda.
P/1 – E como ela conciliava a casa com o trabalho?
R – Olha, dureza. Ela tinha dois meninos pequenos. Quando ela ficou viúva eu estava com sete anos e meu irmão estava com seis anos. Eu sou da época que tinham duas empregadas em casa. Morava em casa com duas empregadas, normalmente vindas do interior. Isso foi durante alguns anos. Isso foi mudando muito rápido, nós fomos crescendo. Não dava para ter duas empregadas dentro de casa, era uma coisa absurdamente cara. Classe média, anos 1970 a vida estava dura. Mas era se virou direitinho, era uma batalhadora. O objetivo dela era fazer os dois filhos bem educados, formassem, aí ela estava liberada. Ela disse isso até hoje. Formaram há muitos anos, estão com famílias constituídas, até hoje ela fala: “Acho que eu fiz direitinho.” Muito italiano, muito protetor. Mas ela deu duro e conseguiu, foi muito legal.
P/1 – Além dos esportes que você praticava no clube, quais eram as outras atividades de lazer, social, como foi a sua juventude em Belo Horizonte na década de 1970?
R – Bom, os primeiros anos era aquilo de brincadeira de rua, de turma de rua. Mas quando eu tinha uns quinze anos, mais ou menos, a minha casa virou meio que quartel general da turma, turma do colégio. Isso foi na década de 1970, há mais de vinte anos atrás. Os mesmos amigos daquela época são meus amigos até hoje. É uma turma muito fechada. Isso, nos colégios cristãos, você pega o Santo Inácio, o Santo Antônio, os colégios jesuítas, colégios de padre cria um elo muito grande entre os colegas. E, coincidentemente, nós morávamos muito próximos. Eu estudava em um colégio que estava a três, quatro quarteirões da minha casa e a maioria era mais ou menos nesse raio.
P/1 – Era uma escola mista?
R – Era escola mista. A minha turma lá de trás, de 13, 14 anos foi a turma que prevaleceu a vida toda, aí a gente começou a se casar, namorar. Aí as namoradas começavam a fazer parte da turma, as meninas trouxeram os namorados pra dentro da turma, esse relacionamento de amizade prevaleceu. Hoje a gente tem menos contato, tem os amigos que eu tenho hoje, os verdadeiros amigos são os mesmos amigos daquela época. Bom , o que a gente fazia? Acho que é tudo que se faz hoje. Eu pego minha filha, por exemplo, vejo o que ela faz, fico olhando, me mirando, pra ver o que a gente fazia, é a mesma coisa. Nada. Ia pra casa, ficava ouvindo música, vai paro cinema, vai pro clube, quando tem greve de professor é ótimo, não faz nada mesmo. Acho que é bem nessa linha. É uma juventude saudável, mas sem ser saudável. A turma era muito divertida, a minha casa era muito divertida, porque você tinha em dia de semana, pelo menos meia dúzia dentro de casa. Apesar de ser apenas dois dentro de casa, minha mãe trabalhava, tinha essa vantagem. Liberava. A empregada que tomava conta da gente, que tomava conta da casa, arrancava os cabelos. Uma empregada antiga, ficou lá muitos anos. Depois passado uns anos, não sei se a gente foi envelhecendo ou se minha mãe foi se acostumando, virou um negócio meio normal. Minha mãe reclamava que ela fazia compra de supermercado, colocava, enchia a geladeira e a dispensa e dois dias depois não tinha mais nada. Todo mundo comia lá em casa. Lanchinho, tinha umas brincadeiras desse tipo. Chegava uns três ou quatro, viemos lanchar. Esvaziava a dispensa. E garotada de 15, 16 anos come que é uma barbaridade. Bom, depois disso começou a época de bagunça e farra.
Bebedeira, também teve essa fase e todo mundo ia parar lá em casa. Tinham duas casas mais frequentadas pela turma, era a minha e outra de um grande amigo meu, porque as mães que mais aguentavam as farras dos amigos. Quando alguém passava mal: “Ih, não posso ir para casa!” Rebocava e levava para a casa e minha mãe acabava tomando conta. Com isso criou-se uma relação muito próxima dos amigos com minha casa, com meu irmão. Meu irmão passou a fazer parte dessa turma. É um grupo muito fechado hoje, o tratamento é muito de família. Você tem um grupo de oito que são muito ligados hoje, e até ligados à minha família também. E as famílias são ligadas, não existe um relacionamento entre minha mãe e os pais de outros, mas se conhecem e tem um relacionamento social, pelo menos. Depois que cresceram, viraram padrinhos de casamento, padrinhos de filhos, madrinhas. Um grupo muito próximo.
P/1 – Tinha algum barzinho especial que vocês frequentava?
R – A cada tempo era num lugar, não tinha lugar fixo. A gente montava quartel general num lugar, daí o barzinho caía de moda, acabava, pulava pra outro. Mas sempre tinha um lugar onde todo mundo ia. Depois chegou a fase de 17, 18 anos que todo mundo começou a botar a mão em carro, porque na época dava pra dirigir sem carteira. Hoje está mais complicado. Você tinha sempre um lugar, que independentemente da hora, ou seja, dia de semana nem tanto, mas sexta, sábado e domingo tinha sempre alguém lá. Saía pra namorar, saía pra ir pra uma festa. Quando era umas duas ou três horas da manhã que tinha uma pessoa esperando. Porque todo mundo sabia que se encontrava lá. Isso sempre foi assim. Era uma época muito divertida. Festa também sempre terminava mais cedo. Hoje festa começa quando terminava naquela época. Eu não consigo entender isso. Chegar tarde na festa era dez, onze horas da noite. Hoje a festa começa a uma hora. Se você voltasse da festa três, quatro horas da manhã já estava bom. Hoje a festa acaba às sete. Eu não consigo entender isso.
P/1 – O que tocava nas festas?
R – Nossa senhora...
P/1 – Você gostava de música?
R – Eu adoro música, eu sempre gostei. Deixa eu lembrar aqui. Eu peguei toda a época de discoteca.
P/1 – Você freqüentava discoteca?
R – Ah, sim. Antes da discoteca peguei também. Travolta, ____ Day Night, Fevers. Dancing Days, essa época. Aí tinha o pessoal de rock progressivo, não era pra dançar, mas era pra ouvir. Você tinha Genesis, Pink Floyd, um pop ________, essa turma toda. Tinham os Novos Baianos, o Pepeu estava começando. Estava vendo outro dia, Noites Tropicais, gente do céu... Aquilo é antiguidade, você olha e fala: “Que coisa!” Rita Lee estava começando, você tinha Terço. Terço era um conjunto fantástico.
P/1 – Algum grupo mineiro?
R – 14 Bis, na verdade, o Terço era uma variação do 14 Bis. 14 Bis era com Flávio Venturini, você tinha o Clube da Esquina que depois virou um monte de cachaceiro, mas os caras tocavam muito bem. Olha, eu vi o primeiro show, eu detesto Simone, eu vi Simone ser apresentada num ginásio em Belo Horizonte pelo Milton Nascimento, num intervalo de show. Derrubamos a porta do ginásio naquele dia, foi até engraçado. Aquele negócio de show em ginásio, tumultuou a porta, derrubaram a porta, invadiram o ginásio. Show do Milton, foi o primeiro show do Milton que eu fui. Cantou, cantou, cantou, ele falou: “Eu vou dar um tempo, mas eu vou deixar uma pessoa aqui pra cantar pra vocês, amiga minha, foi jogadora de basquete.” Ainda falou isso. Aparece Simone, alta pra burro, cantou umas duas ou três músicas. Foi a primeira vez que eu vi Simone cantar. Isso foi há muito tempo atrás. Essa época foi muito... Outro dia eu li um artigo sobre isso dizia-se que no final da década de 1970, início da década de 1980, a produção musical era muito ruim, porque você vinha de um período de transformação do rock pra nada. Porque o rock progressivo não era uma coisa que valia a pena, que a MPB estava meio de ressaca por causa da Bossa Nova da época de 1960. Aí esse artigo estava tentando resgatar o fato de que, muito pelo contrário, foi um período muito rico. Foi um período super divertido. Hoje eu olho pra trás – essa turma vai dizer a mesma coisa daqui a 20 anos - olho para trás, foi um período super divertido, discoteca foi muito bom, dancing days foi um período muito bom. Muito sem compromisso. Legal.
P/1 – Em relação aos estudos. Você já almejava uma profissão? Você idealizava fazer uma carreira? Seguir medicina por causa do pai?
R – Não, meu costumava dizer, minha mãe sempre falava, que a única coisa que ele não queria é nenhum filho dele fosse médico, porque ele foi o único médico da família dele, dos irmãos, porque foi meio imposto. Foi numa época que você impunha. Como já tinha na família engenheiro e advogado, ele foi o médico. Tanto que ele fez Radiologia, porque era a Medicina que menos tinha a ver com Medicina. E se deu bem em Radiologia, na verdade meu pai fez alguns trabalhos em Radiologia que foi até um precursor. Tem até livro publicado, não dele, mas sobre ele, sobre o trabalho dele. Ele acabou se dando bem, porque tinha menos a ver com Medicina. Então ele não queria que nenhum filho fosse. E, na verdade, nenhum foi. Na família, até é engraçado, porque minha irmã é pedagoga, meu irmão é economista, outro é engenheiro metalúrgico, eu acabei optando por fazer Economia e o caçula é engenheiro mecânico. A razão que eu optei por Economia é porque eu falava assim: “Eu tenho que fazer alguma coisa que seja relacionado com o dia a dia, mas eu não queria fazer nada de Engenharia, pensei em fazer Arquitetura, aí fui fazer um teste. O teste era o seguinte: curso técnico. Você era obrigado a fazer um ano de curso técnico, no segundo grau. Aí eu optei por Desenho Arquitetônico, eu nunca fiz tanta lambança na vida. Descobri que não dava certo. A hora que tinha que fazer acabamento de trabalho, com nanquim ou com canetas, era uma confusão. Eu não posso fazer isso, eu não tenho jeito nenhum para isso. Aí eu pensei em fazer Direito. Diziam que eu tinha que fazer Direito: “Você defende muito as coisas.” Não vou fazer Direito, não quero fazer isso. Aí acabei fazendo Economia. Gostei, não achei ruim não. Hoje talvez fizesse uma coisa completamente diferente. A pessoa, quando entra na faculdade, ela está muito pouco preparada. Ela não sabe o que está querendo. Eu talvez tivesse seguido a mesma carreira, não me arrependo, foi ótimo. Mas na faculdade teria feito uma coisa diferente, talvez teria feito uma Engenharia para depois fazer um curso de Economia. Eu reparo, por exemplo, que a turma da minha geração, salvo algumas escolas, tipo USP [Universidade de São Paulo] e Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] um pouco, é muito mal preparada em matérias de aprofundamento técnico, tipo Matemática. Os estudantes universitários que vieram do final da década de 1970, início da década de 1980, estão absolutamente impregnados com aquele negócio de mudança social. Os professores universitários só falavam de revolta social, mudança do status quo, mudança dos padrões de poder da sociedade. Se você entrasse na sala de aula era um porre, porque você ficava o tempo todo ouvindo um cara invés de falar de microeconomia e macroeconomia, criticando o regime, criticando a repressão, dizendo que você tinha que fazer mudanças sociais e esquecendo do básico, era pra provar como que a demanda e a oferta se juntam, qual era o equilíbrio. Esse tipo de coisa era muito desprezado.
P/1 – Era um curso voltado para Economia Política?
R – Muito mais, muito mais. Exceto na USP e na Unicamp. Fora isso, todas as universidades brasileiras tratavam de economia política.
P/1 – E qual eram os ícones da sua época na faculdade?
R – Olha, você tinha o radical, o
(Bob Fields), o Roberto Campos que eram os extremos. O Simonsen era respeitado, mas era visto como um cara radical. Você tinha o Furtado do outro lado que era o pessoal da (Alauc?).
(Troca de fita)
R - ... umas personalidades que não eram necessariamente ligadas à área de Economia. Fernando Henrique era um mito, como sociólogo era. Eu, enquanto estudante de Economia assisti duas ou três palestras do Fernando Henrique. Eu achava o máximo. Fernando Henrique era o máximo que tinha. Entre os pensadores da época, os caras independentes, sem dúvida nenhuma era um dos caras que mais chamava a atenção. Era Dom Helder, Fernando Henrique. Dos políticos não tinha ninguém. Na verdade, Fernando Henrique não era político também, não. Dos músicos, você tinha discursos do pessoal mais de esquerda, Gilberto, Caetano. Mas era uma coisa meio no ar. Chico Buarque era uma verdadeira incógnita, eu esqueci de comentar. Chico Buarque era fantástico, lançou o LP O que será, Meus caros amigos, uma sensação... Eu atravessei o Espírito Santo com aquele LP num sol federal, num ônibus indo pro Espírito Santo. Mineiro vai para o Espírito Santo, não sei se você sabia disso. Todo mineiro que se preze vai à praia no Espírito Santo. Coisa de fanático, eu estava com uns 15 ou 16 anos, minha irmã alugava uma casa em Marataízes, então íamos, como não dava pra todo mundo ir de caro, uma turma ia de ônibus. Os meninos iam de ônibus. Eu, meu irmão caçula, meu sobrinho mais velho que eu (filho de minha irmã), e um primo dele. Nós saímos de Belo Horizonte, virada de ano, é muito fanatismo. 31 de dezembro pegava um ônibus, viajava a noite toda, descia em Vitória pra pegar um ônibus pra Cachoeira do Itapemirim, pra descer em Cachoeira do Itapemirim pra pegar um ônibus que saía pulando, ele dava a volta no Espírito Santo inteiro para chegar em Marataízes. Então era assim, você saía de casa no dia 31 às nove horas da noite e chegava às nove da noite do dia seguinte em Marataízes. Era uma distância de carro direto hoje dá menos de 500 km. Eu atravessei tudo isso aí com o LP Meus caros amigos debaixo de um sol, o LP envergava. Calor danado. O Cacau, que era esse primo, e meu sobrinho, eles tocavam violão. Então você tinha as rodadas de violão. Era moda tocar Chico, tocar Caetano. Um bom período.
P/1 – E dentro da universidade, você tinha alguma participação política?
R – Nada. Universidade pra mim foi... Fora esse primeiro ano de universidade. Deixa eu fazer uma volta um pouco. Os dois últimos anos de colégio, principalmente o último ano, eu botei na cabeça que eu queria passar no vestibular, que eu queria entrar na faculdade, eu queria gerar minha independência financeira o quanto antes, eu queria trabalhar o quanto antes, eu queria fazer um monte de coisa. Então, eu me apliquei muito no último ano, eu estudei muito pra passar.
P/1 – Você fez cursinho?
R – Não, eu estudei só no colégio, o colégio dava uma base boa e eu tinha uma tese que eu não precisava de cursinho. O meu problema era sala de aula. Eu tinha que sentar em casa para estudar. Precisava de tempo para estudar. E tinha uma prática que a gente fazia no terceiro ano em Belo Horizonte, todo mundo fazia prova em Ouro Preto no meio do ano por duas razões: primeiro pra testar e o principal pra farrear, que era ótimo. O vestibular de Ouro Preto era um negócio. Tinha o Festival de Inverno, que era em Ouro Preto na mesma época, em julho. Então, o Festival de Inverno durava três ou quatro semanas e você tinha o vestibular durante uma semana. Pra você entender como era bagunçado o negócio lá, eles tiraram o Festival de Inverno alguns anos depois que eu fiz. E descobriram que o que atrapalhava a cidade não era o Festival de Inverno, era o vestibular. Eles tiveram que tirar o vestibular de Ouro Preto também e voltar com o Festival de Inverno. Você tinha na cidade cinco mil participando do Festival de Inverno e 45 mil participando do vestibular. Era uma festa, porque você ia para lá sem compromisso, porque estava no meio do ano ainda, se passasse você começava só no ano seguinte. Se passasse você tinha uma vaga garantida na faculdade. Se não passasse, não fazia diferença. Então, você ia pra lá fazia a prova domingo e segunda, tinha terça, quarta e quinta pra esperar o resultado da primeira fase. Aí fazia a prova sexta, sábado e domingo. Então terça, quarta e quinta a cidade pegava fogo.
P/1 – Naquelas repúblicas?
R – Tudo. As repúblicas eram o seguinte: elas ganhavam dinheiro nessa época do ano. Os estudantes que tinham república não pagam estadia, não paga energia elétrica, não paga água, não paga nada. Ele paga a vida dele, alimentação, o dia a dia dele. Não paga faculdade, porque é de graça. Então eles faziam o que: a grana pro resto do ano era tirada no Festival de Inverno e no vestibular. As repúblicas, não sei se vocês conhecem, têm os quartos em cima aí você vai descendo – são uns casarões antigos, tem umas áreas grandes que eles faziam boates. Então a boate na verdade era um armazém que cabia uns trinta, quarenta colchonetes. Então os caras alugavam aquilo, alugavam espaço. A minha turma, nós colocamos 18 pessoas numa sala dessas. E no fundo tinha uma janela gigante aberta para o rio, que naquela época, em julho faz zero grau, gelado. Então, eles tampavam a janela com uma estrutura de madeira, não adiantava nada. Dormia todo mundo encapuzado, touca de lã, luva, cobertor, um frio e lógico, no mínimo, meia dúzia de cachaça na cabeça. Era todo dia isso. Então, nesses três dias que você não estava fazendo nada, não tinha obrigação nenhuma, era bebedeira direto. A cidade virava uma festa. Belo Horizonte baixava inteiro, São Paulo, Rio menos. Você via muito paulista lá. Tinha uma tradição que falava: “Cada japonês que você encontrar na rua, menos uma vaga.” Porque eles passavam, ninguém mais passava. Tinha umas coisa interessantes. Eu estava com o negócio do Chico Buarque, fui para lá sem compromisso. Pra você ter uma ideia, da minha turma, desses 18, 15 passaram.
P/1 – Pra que curso?
R – Lá você tinha muito pouca opção: Engenharia de Minas, Engenharia Metalúrgica e Geologia se não me engano.
P/2 – E você fez pra que?
R – Eu fiz pra Metalúrgica. Eu passei. Era assim, tinham várias chamadas depois, porque acabava acontecendo o que? Eles davam o resultado no final do ano só. Isso era feito em julho, eles davam o resultado no final do ano, no início do ano seguinte os vestibulares estavam acontecendo, eles iam divulgando os resultados. E pra surpresa nossa todo mundo passou bem, na primeira e na segunda chamada. Mas isso foi meio coincidência também, porque metade das escolas, colégios e cursinhos de Belo Horizonte estavam dando matéria até o meio do ano. Se você dava sorte de pegar a matéria que você tinha estudado para a prova, você passava. E foi uma coincidência danada, porque se você estava pra ver a matéria no segundo semestre, você não tinha como passar. Todo mundo passou. Acho que essa viagem a Ouro Preto, minha turma é memorável, foi a viagem mais divertida, apesar do vestibular. Bom, voltando para o vestibular. Fiz em julho, quando chegou no final do ano resolvi fazer Economia, fiz pra Economia e entrei na Federal e fiz pra Católica também, a PUC [Pontifícia Universidade Católica] de lá, passei bem, entrei em Economia. E eu estava com um negócio na cabeça: “Eu quero formar rápido”. E não tinha nada pior que os movimentos estudantis da época, porque eram movimentos enfraquecidos procurando recuperar força. Então, a moda era fazer greve. Mas greve porquê? Porque o bandejão que era vinte centavos passou para 22 centavos, que na época não era nada mesmo. A referência de valor era mínima. Greve. Aí os caras tiravam a greve pra ficar uma semana parado. Aí voltava as aula, aí os professores tiravam greve. Nessa brincadeira foram quatro anos de greve, fora Economia Política você tinha greve, greve, greve. 1980, 1981, 1982, 1983, foi um período realmente violentíssimo no Brasil, em termos de greve, ninguém fazia nada, ninguém estudava. Nesse meio tempo eu fiz outra faculdade, eu entrei pra estudar Direito na PUC à noite. Eu comecei a trabalhar também. Entrei na faculdade, passados sete meses mais ou menos, comecei a estagiar. Final do primeiro ano. No final do primeiro ano eu fiz vestibular para Direito pra estudar a noite. Então eu estudava de manhã, estagiava à tarde e estudava a noite. Aí cheguei a conclusão, depois de um ano que Direito realmente não estava com nada. O Direito brasileiro era muito confuso, ainda é até hoje, muito bagunçado, fiquei ainda mais um ano na escola fazendo algumas matérias. Acabaram me ajudando a acabar mais cedo a Economia, mas abandonei o Direito.
P/1 – Você estagiava em que, qual era a área, qual era o trabalho?
R – Eu comecei em uma construtora. Eu estava exatamente a seis ou sete meses de escola, entrei para uma construtora que tinha alguns empreendimentos imobiliários, aí eu fazia o controle dos pagamentos dos empreendimentos. Os caras vendiam lotes para milhares de pessoas, naquela época não tinha nenhuma planilha. Era tudo na cartolina para controlar. Então eu fazia isso, entrei fazendo isso. Depois comecei a mexer com orçamento também, um trabalho mais sério. Mas eu saí logo. Eu comecei como estagiário, me empregaram uns meses depois, mas aí me ofereceram um estágio no banco, e eu queria mexer com sistema financeiro. Eu não sabia em que, mas eu queria mexer com sistema financeiro. Estava entrando no segundo ano da faculdade, estava estudando Direito, aí eu consegui um esquema que eles me davam estágio, eu tinha aula de sete da manhã às dez, na verdade era até as onze, mas eu saia da escola mais cedo. Faculdade de Economia da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], em Belo Horizonte, era no centro e a sede do banco era no centro. Cinco quarteirões do banco. Eu chegava cedo na faculdade, ficava até dez, dez e meia, saía ia para o banco trabalhava das 10:30 horas até às seis horas da tarde, comia um sanduíche na mesa mesmo. Trabalhava na área de Marketing. Era banco, mas era área de produto bancário. Foi muito interessante, eu aprendi a lidar com gente, eu lidava com o pessoal todo e você não tinha o compromisso de ser bancário. Você era o cara de Marketing do banco, estava desenvolvendo produto, entendendo o mecanismo de como as coisas dentro do banco funcionavam. Era moda na época, não sei se vocês se lembram, o Banco Auxiliar quebrou, inclusive. Ele tinha isso, ele tinha uma sala de gerência de produto, então a gente estava tentando montar um negócio diferente. Pra mim era ótimo, estava dentro da faculdade. Aí fiquei fazendo isso durante um ano, aproximadamente. Aí eles me contrataram pelo banco. Eu consegui um esquema que eu continuava estudando de manhã, trabalhava à tarde e estudava a noite Direito. Foi quando eu larguei Direito, estava sem paciência.
P/1 – E como que era essa estrutura de Marketing, a mesma de hoje, como que era?
R – Não, você sabe que não é. Era desenvolvimento de produto. Pelo que eu entendo de Marketing é o que existe hoje. Você olhava, a clientela talvez vá gostar desse tipo de serviço. Muito bem, como funciona esse tipo de serviço. Quem nós precisamos dentro da instituição para trabalhar nesse serviço. Aí, você ia conversar com as pessoas, via as rotinas, meio que desenhava o produto bancário de serviços. Aí você trazia o pessoal de Avaliação Econômica do negócio, se era válido ou não era, ia ser rentável ou não ia. Trazia o pessoal de Comunicação, montava o pacote e vendia. O problema que era um banco estadual, um banco público. As coisas eram mais lentas. Tinham muito mais ideias do que negócio efetivamente, muito pouca coisa aconteceu. Era bastante interessante, eu tive oportunidade de... Eu tinha 21 anos de idade, não estava formado ainda. Eu já tinha passado pelo desenvolvimento de três ou quatro produtos e tinha feito palestras pra metade do banco. O banco tinha milhares de empregados. A gente fazia sessões, apresentava produtos, viajava o Brasil inteiro na época fazendo apresentações. Foi uma experiência fantástica, mas não era um trabalho sério, era mais a farra. Era bom que dava, com 21 anos, grana no bolso e responsabilidade nenhuma. Estava só estudando, estava ótimo. E assim foi, quando estava para me formar resolvi sair do banco. Não estava legal lá, eu não estava me dando muito bem com algumas pessoas e aí eu fui trabalhar na Coca-Cola de Minas, que era engarrafadora. Transportadora ErgoMinas, que era a engarrafadora da Coca-Cola em Minas. Que foi a criadora da Kaiser no Brasil. A Coca Minas foi que teve a ideia da Kaiser como propaganda casada que tinha no Brasil. Que a Brahma impunha o guaraná por conta da cerveja. O pessoal queria comprar cerveja eles vendiam guaraná. E a Coca estava perdendo concorrência, e na época, um sujeito chamado Luis Poças Gonçalves, que a pouco tempo vendeu a participação dele na Coca S.A. Brasil, teve a ideia de montar uma estrutura de cervejaria. Trouxeram um pessoal da _____ para o Brasil, em Divinópolis, se não me engano, pra vender Coca-Cola com cerveja. Pra acabar com a guerra da venda casada.
P/1 – E na Coca-Cola, que função você teve?
R – A ideia foi a seguinte, eu saí do banco, eu estava meio perdido, não sabia o que eu ia fazer, e eles estavam trabalhando num projeto que se chamava Kaiser Paraíba. Que na verdade virou a segunda fábrica da Kaiser no Brasil, que não foi nem na Paraíba, foi em Pernambuco. Eu não acompanhei o projeto depois. Estavam precisando de uma pessoa para ajudar, eles estavam montando o projeto. Eu não entendia nada de projeto. Me ligaram, me ofereceram e eu fui para lá. Nesse meio tempo, eu ia me formar, isso era final de ano de 1983. Eu estava tentando formar em quatro anos em Economia. Foi quando surgiu um concurso para a Vale, em dezembro daquele ano. Isso foi em novembro. Era um concurso para trainee que eu nunca tinha ouvido falar, nem sabia o que era Vale do Rio Doce.
P/2 – Em que ano?
R – Final de 1983 ou 1984, agora eu estou na dúvida.
P/1 – Você entrou em 1981 na faculdade?
R – Eu entrei em 1980. Isso foi em 1984, não em 1983. Em setembro de 1984 eu saí do banco, em novembro de 1984 me chamaram na Coca pra fazer um trabalho, não era pra trabalhar lá, era pra fazer o projeto. Eu fui fazer o projeto, em dezembro começou a surgir a oportunidade de concurso. Na época, hoje está complicado, mas na época estava muito mais. Você não tinha opção de trabalho fora de alguns lugares. Era assim: Rede Ferroviária Federal, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, emprego público, tipo Inss [Instituto Nacional do Seguro Social], Secretaria da Receita, não tinha opções. Se você morasse em São Paulo você ia trabalhar para as montadoras. Se você morasse no Rio, você ia trabalhar para os bancos. Se você morasse fora do eixo, não tinha saída, era público. Nas escolas eles punham alguns anúncios, foi quando eu vi o concurso da Vale e da Caixa Econômica Federal, não esqueço isso. Aí eu fui fazer o concurso da Caixa Econômica Federal. Fiquei revoltado, porque eu achei que entendia alguma coisa de contabilidade, administração. E era bancária a prova, era o inverso. Ativo, passivo de banco é o contrário de ativo, passivo de empresa. Eu não acertei uma questão na prova, foi uma bomba, fui bombeado na prova. Aí surgiu esse concurso da Vale em dezembro: “Eu não vou fazer, eu não vou conseguir passar.”
P/1 – A Vale anunciava nas universidades?
R – Ela anunciou, eu vou comentar isso ainda, ela nunca tinha feito isso antes.
P/1 – Interessante como ponto de contato pra concurso.
R – Foi a primeira vez na história da Vale que ela fez isso.
P/2 – Como era isso, como eram os dizeres?
R – Eu me lembro que eu entrando na minha escola, era no centro, num prédio. Você ia para as salas por elevadores. Era como se fosse um prédio comercial. Eles tinham um quadro de aviso grande na entrada e tinha um cartaz simples: “Se você tem interesse em ser trainee, entregue seu currículo com ficha de inscrição no departamento tal, dentro da própria escola para a Vale do Rio Doce.” Era uma coisa bem simples mesmo. Tinha um da Rede também. Da Rede Ferroviária.
P/1 – Era um termo comum trainee?
R – Não, era muito raro isso. Tem um detalhe interessante isso. Isso foi em novembro. Eu falei: “Eu vou entregar, não custa nada.” Eu me lembro até que eu entreguei no último dia, porque eu não tinha a mínima ideia o que era Vale do Rio Doce. Eu estava muito mais preocupado com o concurso da Rede, só que eu acabei não entregando o da Rede, eu não me lembro a razão, eu não entreguei do concurso da Rede. Eu lembro que os meus colegas, a maioria fez o concurso da Rede e não fez o concurso da Vale. O que aconteceu? Isso era em novembro e a prova foi marcada pra dezembro. Foi um dia só de prova. Eu não conhecia a metodologia, mas depois eu fiquei sabendo. Foi uma prova que foi aplicada para os alunos que queriam fazer mestrado, que não era uma prova de conhecimento, era uma prova de avaliação. Então você tinha aptidão verbal, que na verdade era escrita, era uma prova de Português, você tinha raciocínio lógico, raciocínio matemático e tinha um outro que era mais psicológico, não era o Psicotécnico. Eu sei que era o seguinte, foi até na minha escola. Um dos prédios utilizados foi da minha escola. Estava lotado, eu tomei o maior susto. Só na minha sala tinha umas quarenta pessoas. E vários andares da escola estavam tomados. Eu não me lembro o número correto mais era o seguinte, mais tarde eu fiquei sabendo. Eles estavam contratando cem pessoas e tinha algo em torno de nove mil candidatos. E eles só tinham colocado anúncio na Federal de Minas Gerais, na Escola de Engenharia de metalúrgicos (que era também um prédio em Belo Horizonte, no centro), na Escola de Engenharia Civil (que era no Campus da Federal), na Face, que era a Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia, que era na minha escola. Tinham colocado no Rio, na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] nas mesmas cadeiras, ou seja Engenharia, Economia. Na PUC do Rio, na USP, na Unicamp e na Federal do Espírito Santo. Só, não colocaram em nenhum lugar mais. Foram em meia dúzia de escolas só.
P/1 – Mas era as que tinham mais renome na época?
R – Era e a ideia era a seguinte: eles tinham contratado o (COOPERAD?) do Rio. O (COOPERAD?) tinha o (IEAD?) que era um Instituto formado pelos professores do (COOPERAD?). A sigla é quase a mesma. (IEAD?) era Instituto de Economia e Administração. Eles tinham constituído esse Instituto pra treinamentos externos, e a ideia era a seguinte: a Vale tinha contratado o (IEAD?) para montar um curso para um número determinado de trainees que iriam passar um tempo. Esse tempo foi na verdade, oito, nove meses, todos estudando, dedicação exclusiva, onde o (IEAD?) ia fazer um curso muito próximo ao mestrado, mas um curso mais voltado para negócio. Entre aspas foi o primeiro MBA [Master of Business Administration] do Brasil, formar foi. Porque na época o único curso parecido com esse era o que o Citibank tinha em São Paulo, que era o Citigroup, na verdade. O Citigroup era um banco de investimento. Eles normalmente pegavam vinte caras, levavam para a sede do banco, durante quatro meses davam um curso para eles. Depois eles treinavam três ou quatro meses no Brasil e soltavam em várias agências do mundo. Esse grupo era treinado por dois anos pelo mundo e voltavam para o Brasil depois. O Citibank acabou com esse treinamento depois, porque eles não conseguiram segurar uma pessoa. Todo mundo contratado dessa turma. E a Vale estava fazendo uma coisa muito parecida. Bom, porque isso ficou atrativo. Eu vou dar o exemplo do que aconteceu comigo. Eu quando fiz a prova para a Vale, eu não sabia que isso ia acontecer. Eles deram o resultado disso, eu entrei para a Vale oficialmente em março, foi no final de fevereiro. Quando me chamaram para entrevista, o sujeito sentou na minha frente e falou: “O que nós estamos fazendo aqui, a Vale contratou o (IEAD?).” Era um professor do IEAD que me entrevistou: “Nós fomos contratados pra vocês fazerem um curso de extensão que vai demorar, aproximadamente nove meses. Não é um curso de mestrado, mas é um curso de extensão longo, vocês vão ganhar para fazer isso. Quando ele falou o salário era, aproximadamente, dez vezes o que eu ganhava na Coca. Era um salário maravilhoso. Eu não me lembro das cifras, mas mal comparando era assim: salário mínimo R$120,00, salário mínimo de engenheiro era sete vezes isso, R$800,00. Os caras estavam oferecendo R$3.000,00. Era uma coisa fora do padrão. Eu olhei pra ele e falei: “E o curso?” “O curso vocês vão ganhar de graça”. Eu na época estava olhando um curso na Dom Cabral, em Belo Horizonte, que era um curso de extensão em Finanças de um ano, que eu ia pagar uma nota para fazer. “Eu topo, o que eu preciso fazer, eu tenho que assinar onde?” Eu sei que eu não fui chamado na primeira turma, ou seja, eles selecionaram parece que um grupo de trezentos, chamaram os cem primeiros. Eu estava no segundo bloco. Alguns recusaram, o que eu achei ótimo. Alguém desistiu por minha conta: “Você está interessado?” “Estou, sem dúvida nenhuma.” “Está bom, nós vamos ver e te chamamos daqui uns dias.” Realmente me chamaram uns dias depois e foi imediato, uma semana depois eu estava no Rio de Janeiro, porque o curso estava no Rio de Janeiro. Para ser mais preciso no dia 18 de março. Essa data a gente sabe, porque foi o primeiro dia do PCA (Programa de Capacitação Administrativa), aliás um nome horrível, ficou PCA, mas ninguém gostava do nome. Deixa eu voltar só um pouquinho sobre isso. Interessante, porque o PCA, o primeiro grupo que se reuniu eram cem pessoas. Cem ex-formandos, na verdade eu me formei em fevereiro por causa das greves, eu não tinha formado ainda, formei uns dias antes. A maioria do pessoal tinha no máximo 23 anos de idade, no máximo. Tinha um ou outro que era exceção, tinha formado no segundo curso, estava com 28, 27, mas a maioria com 23 anos.
P/1 – E qual era o perfil dessa turma?
R- Olha, pela descrição dessa turma, a Vale depois disso fez vários outros programas. Eles cometeram muitos erros no primeiro programa, porque eles ao invés de escolherem um perfil mais misto de pessoas, eles escolheram um grupo que eles acharam que poderiam assumir a área gerencial. Você imagina botar cem pessoas desse tipo numa sala de aula. Foram nove meses de confusão. Confusão saudável, mas nove meses de confusão. Todos ali tinham um perfil psicológico muito próximo. Eram pessoas que tinham se dado bem nas provas, nos exames de avaliação. Eram extremamente ambiciosos, todos tinham um grande interesse em comando.
P/1 – Tinham meninas no curso?
R – Tinham, era em minoria, não chegava a 15%. Aí um defeito, a maioria engenheiros, um caso sério. 60% eram engenheiros.
P/2 – Mas economia era uma carreira em ascensão na época?
R – É, engenheiro prevaleciam, uns sessenta mais ou menos, uns vinte economistas, uns dez administradores e os outros vinte mistos. Não tinham advogados, tinha uma pessoa da área de Ciências Sociais, uma pedagoga. A maioria da área de exatas não indo para a área de humanas, vamos falar assim. Tinham engenheiros químicos, químico, contador. O curso era voltado para o perfil era da Vale do Rio Doce na época. A Vale da época era uma empresa de engenheiros.
P/1 – Mas nesse momento você já conheceu a dimensão da Vale do Rio Doce?
R – Eu vou ser franco com você, eu não conhecia. Eu tive um pouco de informação sobre a Vale na entrevista, mas muito pouco. Depois eu morri de rir, porque eu descobri que eu conhecia a Vale mais que eu achava, porque um conhecido meu de colégio, o pai dele tinha sido Presidente da Vale, era o (Senador?) Roquete Reis. Eu convivi com esse sujeito e não sabia que o pai dele tinha sido Presidente da Vale. Isso foi até curioso, porque eu encontrei com ele anos depois. Como pode uma coisa dessa, eu fui na casa dele, o pai dele era Presidente da Vale e eu não sabia que era a Vale. E também porque meu irmão era da Usiminas. Você tinha no Brasil os ícones em termos de indústria: Usiminas, Acesita, CSN ]Companhia Siderúrgica Nacional], Vale do Rio Doce. Engraçado que eu conhecia a área de siderurgia, mas não conhecia a área de mineração. Na entrevista eu tive um conhecimento e no primeiro dia nós tivemos uma palestra monstruosa sobre a Vale. Quando eu vi aquele negócio eu tomei o maior susto. Eu realmente fiquei assustado, porque eu não sabia que ela era tão grande. Eu não tinha ideia do tamanho que ela era. Bom, onde eu estava? Entrando para a Vale.
P/1 – O perfil das pessoas que fizeram esse curso com você.
P/2 – Só uma observação: era também um período inflacionário que se vivia com uma inflação alta e que portanto o “economies” estava em moda.
R – Isso era março de 1985. Tancredo morreu quando? Sarney assumiu em 1986, estávamos no final do governo Figueiredo, uma confusão danada. Figueiredo já não mandava, não tinha muita saída, trocava de ministro toda semana. Era muito confuso. Foi um período muito confuso. E todo mundo falava em Economia por isso, que Economia estava em ascensão na verdade. Todo mundo falava de Economia, as matérias de Economia eram importantes, eu me lembro de uma época que tinha uma discussão grande sobre reserva de mercado. Negócio de Computação, as empresas entrando no Brasil querendo vender equipamento, o governo não deixava, a abertura já tinha acabado, mas tinha uma série de coisas que estavam acontecendo. Aquele ano teve uma tentativa de eleição do Maluf. O Maluf como dissidência do PDS [Partido Democrático Social]. Ele queria ser o candidato do Figueiredo e não podia. Uma série de coisas acontecendo. Um período muito conturbado realmente, muito conturbado. E a gente inserindo um negócio completamente novo no Brasil, porque não tinha esse tipo de treinamento a palavra “trainee” não existia. Era uma coisa completamente nova.
P/1 – No momento você percebido isso que estava participando de um processo de inovações?
R – Não, a gente começou a perceber isso muitos anos depois, porque não tinha realmente. Era uma coisa complicada, você queria garantir que você ia estar empregado. Na verdade é aquela história, se o cara te oferecesse uma coisa melhor, você ia fazer. É curioso porque quando a gente terminou o curso, eu me lembro que a gente falava o seguinte: “Em muito pouco tempo o pessoal já saiu, não vai ficar na Vale.” Achava-se isso. Para minha surpresa, uns cinco anos depois mais da metade ainda estava na Vale.
P/1 – Teus colegas de turma?
R – Meus colegas ainda estavam. Por que isso? Quando a gente começou perceber o que a gente estava ganhando, fazendo aquele curso, tendo aquela oportunidade. O pessoal falava: “Vão levar a gente pra tudo quanto é lado, nós estamos sendo beneficiados aqui.” Mas a economia estava muito mal. O início do governo Sarney foi muito complicado também. Então você não tinha oportunidade. E era uma coisa que o mercado não sabia, hoje a comunicação entre os mercados de trabalho é muito dinâmica, na época não existia isso. Hoje se uma grande empresa monta um programa de treinamento, todo mundo sabe o que está acontecendo. Todo mundo está bem informado. Você tem uma troca de informação absurda. Não existia isso na época. Se fosse hoje esse tipo de contexto, ninguém teria ficado na Vale, porque você saía de um curso que te preparava pra ser um profissional de mercado, uma coisa dinâmica. O próprio pessoal do (IEAD?) depois assumiu isso, porque foi colocado o tempo todo: “Vocês, em pouquíssimo tempo estão assumindo posições importantes dentro da Companhia.” ________ dá de cara com uma Empresa de Mineração, onde principalmente os ferroviários mandavam. Ferroviário é igual trem, fazem tudo direitinho, mas não é nada dinâmico. Mineração é um negócio lento.
(troca de fita)
P/1 – Então retomando da parte que você entra como trainee.
R – Começo do PCA?
P/2 – Bom Tito, vamos retomar sua entrada na Vale, o curso como transcorreu.
R – Bom, só lembrando, o curso eram de cem estudantes, cem trainees. O curso foi no Rio de Janeiro. A primeira semana a turma foi dividida em dois grupos. Cinquenta foram de ônibus pro Espírito Santo, cinquenta foram para Minas. Eu fui na turma que foi para o Espírito Santo. Nós passamos dois ou três dias em Vitória conhecendo, depois pegamos o trem e descemos para Itabira e a turma que estava em Minas subiu. A gente se cruzou na verdade, na estrada. Nós fomos avisados: “Oh, vai cruzar com o trem da turma.” Uma viagem emocionante, eu aconselho pra todo mundo. Chega lá assim... Pior que andar de trem Itabira-Vitória, porque você chega em pó puro é andar em uma usina de pelotização. Estando de branco então é uma maravilha. Então, essa primeira semana foi até bom, porque você teve conhecimento do pessoal, a turma ficou mais ligada. E foi essa mesma turma que ficou junta o período inteiro. Dividiram em grupos, tudo. A gente passou de meados de março a final de outubro em aula. Você tinha módulos. Você tinha dois meses de aulas, tinha uma semana de interrupção, dois meses, uma semana, dois meses, uma semana. Aí quando chegou em novembro nós tivemos um jogo de empresa, se não me engano durou mais de uma semana.
P/1 – E o curso era voltado para essa formação mais técnica?
R – O curso abrangia matérias do tipo: Economia, Contabilidade, Contabilidade Gerencial, Administração Financeira, Gerência Operacional, para os que não eram engenheiros tinham que aprender (pets?). CPM [?], para os que eram engenheiro aprender o que era um balanço. Na área de recursos humanos, liderança. É tipicamente um curso executivo. Hoje é muito comum você ver isso. Na época você não tinha isso. Que era mais ou menos o curso de mestrado do (Coopead?), curso para mestrado em Administração.
P/1 – Mas você com a sua formação, o que você sentiu no começo?
R – Você tinha matérias que eram super tranquilas, tinha matérias que eram super puxadas. Agora eles puxaram muito. Porque era a primeira vez que o pessoal do (IEAD?) estavam fazendo aquilo, tanto é que deu quase uma revolução no primeiro mês. Ninguém aguentava. A carga horária era muito puxada, você começava às oito e ia até às seis horas da tarde, tinha quarenta minutos de almoço, tinha aula direto. Um maço de casos e matérias para ler e tinha uma exigência, tinham notas. Cada bimestre você tinha nota, era avaliado, e se você tirasse uma nota abaixo de uma determinada média, você era excluído. Aí o primeiro mês foi uma chiadeira geral, estava muito puxado. Alguns professores entraram com a matéria toda do curso de mestrado. O tempo era diferente também. O pessoal de mestrado não tinha tempo pra fechar o mestrado, o que se davam num semestre, alguns professores queriam dar em um mês. Então houve uma chiadeira geral, o pessoal da administração do curso fez uma modificação pra poder diminuir o ritmo um pouco e passamos pela primeira prova. Quando nós terminamos a primeira prova eles avisaram que ninguém ia perder. Que perder a média no primeiro bimestre era admissível, mas não deixariam acontecer no segundo bimestre. Nós nunca ficamos sabendo na verdade. Nós sabíamos o resultado, mas nunca ficamos sabendo se alguém passou pelo risco de ser cortado, porque ninguém foi cortado. Falava-se na época que cinco ou seis tiveram problemas de notas. Eu esqueci de comentar uma coisa: nesse curso de cem, você tinha mais ou menos uns dez que já eram empregados da Vale. Parece que na época que o curso foi divulgado, os sindicatos da Vale exigiram que tivessem participação. Então eles abriram para o pessoal da Vale. Existia uma certa diferença do pessoal que já estava na Vale e do pessoal que estava só fazendo o curso. Não era tanto de idade, era de formação. Porque eram os únicos que não vinham necessariamente das mesmas escolas que os outros vinham. Então, você tinha um certo desnível de conhecimento, não de tratamento, todo mundo igual, mas você via que a formação era diferente. A gente foi alguns desses tiveram que problemas. Quando chegar mais pra frente, vou falar da Vale eu comento o que aconteceu com esse pessoal. A verdade é que ficamos esses sete meses de convívio em curso, com os intervalos. Foi puxado mas depois entrou no ritmo, como ritmo de escola. E ninguém ficou sabendo se alguém seria cortado ou não.
P/1 – Onde eram ministradas as aulas, em que lugar?
R – Do lado do prédio da Vale tem o Redondo, que era o prédio da Aeronáutica, era lá. Você tinha dois andares que o curso foi dado lá.
P/1 – E você ficou hospedado onde, aqui no Rio?
R – Ah, isso foi uma bagunça, porque a Vale não estava preparada. Na verdade, ninguém estava preparado, porque era uma coisa nova, o pessoal que era do Rio, era do Rio. O pessoal que era de Vitória veio para o Rio, mas a Vale em Vitória era um mundo, todo mundo queria trabalhar na Vale. Pra eles sacrifício não fazia diferença nenhuma. Pra turma de Belo Horizonte era menos, então a gente já veio reclamando mais: “Vamos morar onde?” A Vale estava pagando bem, mas ninguém pensou morar fora de casa. Aí começou uma certa confusão de administração da vida. Que diga-se de passagem não teve apoio nenhum da Vale, no final não teve. Tanto é que depois a Vale mudou muito, os outros programas que vieram nos anos seguintes foram todos organizados. Na verdade foi assim: você tendo que mudar para o Rio em uma semana, eu tinha um irmão que morava no Rio, então pra mim não foi tão traumático, apesar de eu não querer morar com ele, eu tinha pelo menos um apoio aqui. E aqueles que não tinham? Resultado: nós acabamos morando em quatro, num apartamento em Copacabana, apartamento bom, alugamos um apartamento daqueles antigos de três quartos, eram quartos grandes, dois em cada quarto, um quarto de estudo. Montamos uma república lá. A maioria que veio de fora acabou fazendo isso. Mas foi um negócio bem improvisado, não tinha apoio pra esse tipo de coisa não. Cada um morava num lugar. Tinham uns três morando no Flamengo, dois em Botafogo, nós quatro em Copacabana e o pessoal do Rio, não era maioria, mas metade pelo menos eram do Rio. E fim de semana era super engraçado, porque todo mundo sumia, todo mundo voltava para as suas respectivas cidades. Isso na verdade era até engraçado, você entrava, eu morava em Belo Horizonte, de Minas nós éramos pelo menos uns oito ou nove. Você entrava num ônibus sexta-feira às sete e meia da noite, todo mundo. Nós ocupávamos boa parte do ônibus. Quando a aula acabava mais cedo, todo mundo junto também. De vez em quando um ia de carro, aí era melhor. Mas foi um negócio bem improvisado, nada muito organizado. Eu sei que depois a Vale se preocupou em hotelar o pessoal, anos depois. Dar chance para eles procurarem lugar. O nosso foi tudo na coxa mesmo.
P/1 – E você estudava onde, nas bibliotecas?
R – Não, a gente estudava em casa. A gente saia da aula, ia pra casa e cada um num canto. Nós éramos quatro, nós escolhemos um lugar grande justamente por causa disso. Você tinha um estudando na sala, um num quarto, outro noutro quatro e o outro estudando no quarto de estudo. De vez em quando ajuntavam dois, isso não dava muito certo. Isso funcionou bem uns quatro meses, depois começou a confusão. Você começa a conhecer as pessoas, não dá muito certo. E aí teve gente que começou a abandonar: “Ah, eu não vou estudar, isso não vai dar certo, estão exigindo muito.” Foi um período bem interessante, bem de república mesmo. A figura era de república. Bom, o curso estava terminando, o curso normal, aula normal. Fizeram o jogo de empresa, foi o primeiro jogo de empresa que eu participei. Foi excepcional.
P/1 – O que é jogo de empresa?
R – Na época não existia isso, da forma como foi feita. Jogo de empresa você simula uma condição de mercado, então cada grupo é uma empresa que participa de uma competição. Você tem um produto, você quer explorar o seu produto no mercado, você quer vender seu produto no mercado e você tem que trabalhar com todas as variáveis: variáveis de mercado, variáveis econômicas, variáveis de custo-produção, precificação. Você monta uma empresa. E foi a primeira vez que eu ouvi falar, estava rodando aqui, que nem em computador, ou seja, você preenchia os dados e era rodado em computador. Anteriormente os jogos de empresa eram todos feitos à mão. Demoravam dias para você ter as respostas. Aquilo tudo era jogado dentro do computador, e o computador compara: a empresa A está vendendo o produto em três categorias A, B, C a preço 10, 5, 1; a empresa B escolhe só lançar dois produtos A e B e vai cobrar 15 e 10; você joga no mercado. A empresa A investiu em tecnologia, a empresa B investiu em propaganda – quanto mais propaganda você tiver teoricamente você vai vender mais. Você tem uma série de variáveis. Quando você joga isso num ambiente computadorizado, facilita bastante, porque as simulações ficam dinâmicas. Isso foi uma semana, se não me engano foram seis ou sete dias de jogos. Cada dia era uma rodada. E aí eles passaram por experiências: tinha problema de greve, greve nas fábricas, eles traziam um líder sindical, aí era uma pessoa pra sentar e negociar. Aí você sentava para negociar. Era uma confusão. Você tinha elementos externos. Eles traziam um estudante do (Cooperad?) para ser um banqueiro bom e tem um banqueiro mau, só que você não sabe disso. O banqueiro bom é aquele que é o banqueiro, o banqueiro mau é aquele que rouba. Você só vai descobrir isso quando o jogo acaba, quando o cara te roubou, ele te fez assinar documento, ele cobrou taxas abusivas. Tem uma série de cenários que você não consegue administrar. Muito interessante, uma experiência assim... Depois disso, eu já fiz alguns jogos de empresa. Foi o jogo de empresa mais completo que eu já vi até hoje. E era administrado pelo Spinelli, não sei se vocês já ouviram falar. Spinelli é atualmente o coordenador do... Ele está na GV [Fundação Getúlio Vargas], ele foi o sujeito que montou o MBA do (Ibermec?). Ele é o coordenador dos MBAs da GV, o sujeito é um crack em termos de simulação de cenários, simulação de decisão, muito bom. Quando acabou o jogo nos colocaram para sermos preparados para a admissão. A Vale depois também mudou esse esquema. Porque antigamente ela fez o que? Ela contratou cem pessoas dentro de faixas de profissões: “Eu quero aproximadamente quarenta engenheiros, eu quero aproximadamente tantos economistas, quero aproximadamente tantos administradores.” Na hora que acabou o curso ela falou assim: “Agora vocês vão ser entrevistados e contratados.” Até então nós éramos estudantes sendo pagos, bolsistas, vocês vão ser contratados pelas áreas. Então, vai começar o período de entrevistas. Foram dez a quinze dias de entrevistas. Mas como começou isso? Eles optaram por pedir a cada um para dizer onde gostaria de ir. Ah, esqueci de mencionar, durante o curso você tinha um dia da semana que tinha palestra da Vale. Toda sexta-feira. No final, você podia imaginar, todo mundo fugia, principalmente aqueles que moravam fora iam embora, porque ninguém aguentava mais ouvir falar em Vale. O sujeito vinha e falava no sistema de mineração do sistema sul, daí o outro vinha e falava do sistema de mineração do sistema norte; outro vinha e falava da área de compras. A Vale tinha umas estruturas monstruosas. Tinha a Sumate que era a superintendência de compras, tinha quinhentas pessoas, comprava-se no Rio pro mundo, pro Brasil inteiro. Um negócio grande que nem elefante. Ficavam horas falando aquilo, ninguém aguentava. De posse desse conhecimento, a gente escolhia onde queria trabalhar. Se você parar para pensar é uma coisa mal feita, porque não faz muito sentido e pegar um sujeito que tem pouca experiência profissional, praticamente nenhum uso da profissão e perguntar: “Você quer ir para onde?” É meio que um tiro no escuro. Mas nós tivemos que fazer isso. Então você listava, quero ir para tal e tal lugar. Eu me lembro que especificamente eu só listei dois lugares. Depois eu fiquei apavorado, porque achei que tinha colocado pouco. Você tinha a Superintendência Financeira Nacional e a Superintendência Financeira Externa. Eu queria a área financeira, então eu marquei os dois. Naquele momento no fundo, no fundo, eu estava fazendo opção para ficar no Rio, porque só tinha Superintendência Financeira no Rio. O que aconteceu depois disso, os currículos foram mandados para essas superintendências e o pessoal chamou. Esse processo demorou muito, acho que o último (tiveram casos que não foram locados), mas o último que foi locado foi quase um mês depois que o processo começou, não me lembro as datas, mas foi mais ou menos isso. Por isso que no curso, o prazo todo acabou sendo de nove meses. Você teve um período de alocação. O que aconteceu como consequência desse mau planejamento em termos de entrada na Companhia. A todos, principalmente o pessoal do Rio sentiu isso, foi dito que estava se contratando para o sistema sul. E não estava, na verdade no meio do curso, o diretor de produção era o Schettino ele resolveu que queria mandar a gente pro Norte, pra Carajás e São Luis. Ninguém queria ir para o Norte. Então o que acontece, na hora de começar as entrevistas, o pessoal de minério de ferro começou a separar uma turma que eles só iam contratar se eles fossem para o Norte. Resultado: deu confusão, é lógico. Resultado dessa confusão: no final do curso aproximadamente 95 foram alocados, cinco saíram. Saíram, porque se recusaram a ir. E foram para o Norte de cinco a dez, que chegaram a ir voluntariamente. Lógico que nem todo mundo ficou satisfeito: “Eu quero ir para a financeira”. A financeira diz: “Eu tenho só quatro vagas.” Tem quinze caras querendo ir para a financeira. Começou um processo de competição, começou a ter briga, porque todo mundo tinha que se apresentar todo dia para designação de entrevista. Você sentava na sala, por mais que você tivesse convivido com o cara sete meses, esse cara ali estava competindo com você pelo resto de sua vida: “Eu vou pegar o emprego aqui, eu quero esse lugar. Se eu quero esse lugar, esse cara não pode pegar esse lugar.” Gerou uma competição
assídua. Eu conheço dois ou três casos de pessoas que não se falaram durante muitos anos por conta disso. Briga mesmo e principalmente os engenheiros. Uma empresa de engenheiros de mineração e do operação em área de operação, lógico que eles iam pegar os engenheiros e iam mandar para esses lugares. E os engenheiros tinham passado sete meses sendo treinados para serem gerentes. Os caras entendiam que eles nunca iam ser mandados para as áreas, lógico que aconteceu o óbvio: eles iam ser mandados para as áreas. “Não, eu não vou, eu não quero sair do Rio; eu vim de São Paulo, não vou para Itabira, eu não quero sair do Rio.” “Eu quero ser mandado para São Paulo” – a Vale tinha um escritório em São Paulo na época. Isso gerou um mal estar, uma confusão. Resultado, eu imagino que no Rio ficaram de vinte a trinta, a maioria foi para Vitória, para a pelotizadora e para a estrada, o restante foi para Itabira, sendo que de cinco a dez foram para o Norte. Mas foi um processo muito traumático, muita gente ficou revoltada na época. Tanto foi que no programa que teve uns anos depois que foi o primeiro PCJ [?] eles já fizeram diferente: o pessoal foi entrevistado e contratado antes de fazer o curso. E mudou o programa do curso também, porque eles reduziram. O curso nosso foi realmente um curso intensivo. Passou a ser um esquema só de atualização.
P/1 – E como foi sua entrada na Vale propriamente?
R – A Vale foi um choque. A Vale é um monstro de empresa, um mundo de gente.
P/1 – Como foi a recepção dos colegas?
R – Totalmente contrária.
P/1 – Mas você conseguiu a área que você queria?
R – Eu consegui. Tem um caso interessante: a certa altura do campeonato começaram a falar que ia ter peixada. Empresa pública, foi concurso e ia ter peixada. Foi todo mundo se mexendo para conseguir uma peixada na Vale. Anos depois me contaram o que aconteceu. Eu me lembro que meu irmão conhecia um sujeito que conhecia um sujeito, que trabalhava na Vale, aí eu perguntei se eu tinha entrado na financeira por conta desse sujeito: “Não.” Todos os nomes que tinham indicação de alguém para as áreas, não podiam ser dispensados na primeira entrevista. Todo mundo fez duas entrevistas para a área. Então você tinha dez pessoas candidatos a três vagas, por exemplo. Você podia descartar quantos você quisesse, mas aqueles caras que tinham marcação não poderia nunca, era o pessoal da estrelinha. Eu era do pessoal da estrelinha. Aliás, eu descobri que quase todo mundo era. Com o passar dos anos você vai descobrindo: eu tinha meu tio que era... Todo mundo tinha uma estrelinha para não ser dispensado. E acabava que tinha uma segunda rodada que eles selecionavam. A pessoa que me contratou, aliás tem um deles que ainda trabalha na Vale hoje. Depois de muito tempo ele me contou que não aconteceu isso, deram sorte que eles eliminaram a maioria na primeira entrevista e quando chegaram na segunda entrevista só tinha uma dúvida, não era nem o meu caso. Eu acabei dando sorte, eu caí no que eu queria cair. Foi dentro da área de Divisão de Administração de Recursos de Curto Prazo, era o que administrava o caixa de curto prazo da Companhia.
P/1 – Pra ficar no Rio?
R – Pra ficar no Rio. Era mais ou menos o sonho que eu queria. Eu tinha um irmão que morava no Rio há muitos anos. Eu gostava do Rio, eu vivia no Rio. Eu estava sempre passando férias aqui, tal. Eu queria morar no Rio. Eu passei dois anos achando que eu não devia morar aqui, que o Rio era um inferno pra trabalhar. Era bom pra não fazer nada, pra trabalhar era um inferno. Eu me lembro direitinho, no primeiro ano eu perdi uns dez quilos, uma vida estressante. Saí de Belo Horizonte. Eu trabalhava em Belo Horizonte, eu voltava para a casa a pé, do centro para minha casa, quinze minutos. Aqui no Rio era uma confusão, fiquei morando em Copacabana ainda, nossa aquilo era muito ruim, aquele engarrafamento, calor, confusão. O Rio não dá certo para trabalhar. Mas foi. Falando do pessoal especificamente. Eu caí na área que era relativamente nova. Tinha um grupo de seis ou sete pessoas. Eu especificamente dentro da área eu fui bem recebido. Você via que o pessoal tinha resistência mesmo, porque você via que o pessoal dentro da Vale não foi preparado pra receber. Eu diria que a segunda turma de trainees que veio quatro anos depois do nosso já foi completamente diferente. Exatamente porque a minha turma já tinha passado por aquilo. E a Vale aprendeu muito com minha turma, isso eu não tenho dúvida. Porque a maioria do pessoal foi mal recebido, houve muita resistência. A Vale, apesar de ser uma empresa muito grande e pública, ela era extremamente familiar. Itabira, se você nascia em Itabira, o sonho dele era trabalhar na Vale, porque o avô dele, o tio dele, o pai dele trabalharam na Vale. E na hora que estava chegando na época dele trabalhar, ele ia trabalhar na Vale. Vitória era a mesma coisa. O Rio não tinha tanta tradição, mas o Rio era a turma que tinha vindo de Itabira e de Vitória. O número de cariocas na Vale até 1984, 1985 era muito pouca gente, prevalecia mineiros e capixabas. O que estava acontecendo eram dois movimentos na Vale: o primeiro era um grupo grande que tinha se deslocado para o Norte, Carajás foi praticamente montado com o pessoal de Itabira. O pessoal de Vitória foi para São Luis. O segundo eram esses grupos grandes que vinham de fora. Um ano antes da minha turma teve um programa que era o PCO, Programa de Capacitação Operacional, foi um grupo de engenheiros de minas e metalurgistas que havia sido contratados para trabalhar nas minas, eram vinte, trinta, quarenta pessoas, que já tinha sido um choque. Nosso programa era um programa gerencial, colocaram cem pessoas na Companhia para oxigenar e mudar o estilo da Companhia. E foi um desastre. Muita gente reclamou durante muito tempo. E os PCAs foram em algumas áreas, maltratados mesmo, tipo: “Eu estou aceitando vocês aqui porque tem que ser, porque mandaram mesmo.” Isso prevaleceu, eu me lembro que depois de estar três ou quatro anos na Vale, você ainda tinha aquela cultura: “Os PCAs”. Nós entramos em 1986, a coisa só mudou mesmo a partir de 1990, que aí foi a grande modificação, que você teve de uma hora para a outra uma administração na Vale não engenheira, foi quando o Wilson entrou na Presidência da Vale. Você quebrava o estilo. Antes dele, o único Presidente que não era engenheiro mesmo tinha sido Fernando Roquete Reis, na década de 1970, que foi Presidente durante dois ou três anos que entrou para quebrar paradigmas da Companhia. Roquete entrou para tirar mordomia, acabar com os carros dos engenheiros. Tudo quanto era engenheiro da Vale tinha carro, nas minas. Ele entrou pra quebrar tudo quanto era paradigma que tinha. Nós quando entramos, para você ter uma ideia, dez anos depois que o Roquete tinha passado, tinha um colega que foi para Itabira que era administrador, foi trabalhar na área de recursos humanos. Tinha um sujeito que trabalhava com ele que era engenheiro. Ele pediu um carro que ele tinha que ir de uma mina para a outra e não tinha carro.O sujeito ligava e falava: “Aqui é o engenheiro fulano de tal...” O carro estava na porta. Ele não tinha o título de engenheiro. A posição dele era superior a do outro sujeito, mas ele não conseguia se deslocar, porque ele não era engenheiro. Para você ver como que a Vale era.
P/1 – E nesse setor que você entrou tinha alguns engenheiros ou não?
R – Não, não tinha, era uma área nova; finanças nacionais estava ganhando dinamismo pela situação econômica. A década de 1980 foi muito rica para o setor financeiro. Era diferente a forma, mas mesmo dentro da área existia certa resistência, você sentia um certo medo. O pessoal falava assim: “O pessoal novo está entrando aqui, quer o que?” Mas foi sem dúvida nenhuma, menos resistência que outras áreas tiveram. A área operacional foi muito maior.
P/1 – Você acha que essa preparação que você teve no curso te deu aptidão para conviver com os problemas?
R – Talvez um pouco, mas não muito. Uma coisa eu posso dizer: eu aprendi muito na Vale nos primeiros anos, mas muito mesmo. Primeiro que é uma organização muito grande. Segundo porque como eu caí numa área de recursos de curto prazo, ela tinha que lidar com toda a Companhia. Eu dei muita sorte, eu caí num lugar que em pouco tempo eu estava lidando com o Brasil inteiro, falando com todo mundo em todo lugar. Eu não entendia muito do negócio Vale do Rio Doce, mas eu estava, eu tinha um relacionamento muito amplo dentro da Companhia. Falava pra dentro da Companhia.
P/1 – A quem você respondia diretamente?
R – Eu respondia, na época você tinha setor, era uma escala: você tinha o superintendente, você tinha o diretor, o superintendente, o gerente de departamento, o gerente de divisão, o gerente de setor. Eu respondia para o gerente de setor. Eu fiquei respondendo para o gerente de setor durante uns quatro anos mais ou menos, três anos, 1986, 1987, 1988. Quando foi em 1988 mudou-se a estrutura, acabou-se a área de setor, foi quando na época eu era para virar gerente de setor. Na minha chance acabaram com a área de setor. A área foi reduzida e mudou um pouco a função, continuou a administração de fluxo de caixa, nós tínhamos uma função marginal que era a administração de ouro. O ouro, apesar de ser mineral, era _______ financeiro, você não tinha uma área que você vendia ouro, o ouro era vendido como produto financeiro no mercado. Aí eu comecei a trabalhar com ouro. Eu era o cara que fazia as vendas de ouro, as primeiras vendas de ouro da Vale. Você tinha o gerente da divisão, ele era o responsável por essa tarefa e eu fazia todo o trabalho na verdade, ele era o cara que respondia por aquilo. Não tinha mais ninguém. A gente fazia as vendas de ouro.
P/2 – Como eram as vendas de ouro?
R - A venda de ouro era a coisa mais ridícula que tinha, porque ninguém sabia como ia fazer, não tinha mercado de ouro no Brasil, você tinha mercado de doleiro no Brasil, você tinha mercado... Ouro no Brasil, nunca foi produzido formalmente. A Caixa Econômica Federal comprava ouro de garimpeiro. A Morro Velho produziu ouro em Minas, produziu durante muitos anos e vendia para a CEF [Caixa Econômica Federal] também. Nós queríamos vender ouro de uma forma competitiva. E a Casa da Moeda processava o ouro da Vale, fazia as barras de 400 onças. Eram barras deste tamanho assim. A gente começou a vender pra produtores de ouro no Brasil, que no fundo eram o que? Eram fachadas de doleiros. Mas era oficial, era uma corretora, do tipo Gold Mine, Ourinvest que não existem mais, eram corretoras de valores, oficiais, legalizadas do Banco Central. Mas todo mundo sabia do mercado que eram de família de doleiros. Era um pessoal que transacionava ouro realmente. Eu sei, mas eu nunca pude comprovar isso, a gente vendia em lotes, do tipo 500 kg, uma tonelada. Fazia leilões com esses caras. Era uma coisa muito primitiva realmente. Tem história de carregamento de ouro que a gente vendeu, que o carro forte foi pegar na casa da moeda, levou para o aeroporto, esse ouro no dia seguinte, estava em Nova Iorque já. E era exportado via Uruguai, mas isso ninguém nunca provou. No nosso caso tinha nota fiscal emitida bonitinha, toda a tributação. Mas o ouro estava em Nova Iorque no dia seguinte. Nós nunca conseguimos provar isso. Isso durou algum tempo, depois disso o mercado começou a surgir. O mercado de ouro de hoje não tem nada haver com o que era antigamente. O primeiro passo é que acabou a barra de 400 onças, a gente fez barra de um quilo, surgiram traders
internacionais operando no Brasil, o mercado se expandiu bastante. Mas naquela época, durante alguns anos na verdade, foi 1987 até 1990, ainda foi nesse esquema bem primitivo. A partir de 90 que o mercado mudou. Voltando a esse período. Em 1988
houve uma reestruturação nas áreas administrativas da Vale, eles acabaram as gerências de setor e mudaram o título de gerente de departamento, passou a ser gerente geral, e a superintendência de finanças nacional e superintendência de finanças externas se juntaram, se fundiram e foi criada a superintendência financeira. Isso foi de 1988 para 1989. Aí foi um choque de cultura também, porque a turma da externa, pessoal nobre, só tratava com mercados internacionais, só mexia com a parte de exportação, moedas, dólares, francos, operações de créditos. A turma do Brasil era a turma da tesouraria, administração do fluxo e tudo. O choque realmente, era ajuntar a turma que come só comida francesa com a turma que só come feijoada. O choque de cultura. Durante um ano e meio penou-se com aquilo, você teve que juntar departamento, juntar áreas, uma mistura. O superintendente financeiro externo assumiu a superintendência, mas logo depois prevaleceu o nacional, foi quando o nosso superintendente virou diretor, foi quando o Wilson foi diretor. Aí o pessoal da Nacional ganhou força. As áreas chaves da superintendência passaram a ser, jogo de política interna, passaram a ser da antiga superintendência, da antiga Surfin (Superintendência Financeira Nacional). Nessa época eu fui trabalhar com um dos gerentes gerais. Ele me deslocou para colocar como assessor dele. Na verdade, como as áreas haviam sido fundidas, ele tinha algumas áreas abaixo dele que ele não entendia, caixinhas pretas que eram geridas por gerentes que vinham junto com as áreas. Ele queria uma pessoa que conhecesse aquilo. Então, ele me passou como assessor dele. Eu passei praticamente um ano aprendendo aquilo e passando para ele o que acontecia nas áreas. Foi uma experiência fantástica, foi quando eu realmente aprendi financeira, eu aprendi Vale.
P/1 – Quem era ele?
R – Esse gerente era o (Adir Pereira Kedi?)
P/1 – Era engenheiro?
R – Não, o Adir era da área financeira nacional, ele era gerente de planejamento. Eu me lembro nessa época, ele ficou com a parte de planejamento, de câmbio de exportação, uma área pesada. Era uma área de muita responsabilidade na Vale, era onde os principais recursos da Vale eram geridos; o coração da área financeira externa veio pra área dele. E você tinha a parte de tesouraria também de Brasil com ele. Eu passei um ano aproximadamente trabalhando com ele nisso, foi quando em 1990 mudou o governo, Collor entrou, Wilson foi a Presidente, Wilson como diretor ficou menos de dois anos, ele foi a Presidente, dentro da nova política e no mesmo momento estavam acontecendo algumas transformações no mercado. O governo...
(troca de fita)
R – ... Ela só fazia operações de câmbio com quatro instituições federais: o Banco do Brasil, o BNCC [Banco Nacional de Crédito Cooperativo] (Crédito Cooperativo), um Banco do Sul e o BASA [Banco da Amazônia S. A.] (Banco da Amazônia). Eram quatro bancos só. Quando houve a (desregulamentação?) do câmbio foi coincidente com o plano Collor que bloqueou. A Vale simplesmente tinha muito dinheiro lá fora e não tinha como trazer esse dinheiro para o Brasil, que não existia recurso no Brasil. Tinha uma legislação, uma regulamentação do Banco Central que obrigaram a operar só com esses quatro bancos. Nós literalmente burlamos a regulamentação. Chegamos a um ponto que a Vale não tinha o que fazer, nós precisamos de dinheiro a mercado, nós precisamos transacionar com outras instituições financeiras, porque esses bancos não têm liquidez para dar para a Companhia. Uma empresa do tamanho da Vale não pode parar de funcionar. Foi feita a primeira operação de câmbio fora do sistema. Foi a primeira estatal a fazer isso, a Petrobras umas duas semanas depois fez a mesma coisa. Nós somos o mercado e bancamos o mercado, fomos fazer operação de câmbio. Na verdade, a pessoa que foi o responsável por isso, o Davi Amorim, ele era o gerente de câmbio na época, eu ajudei ele a fazer essa operação. Nós começamos a desenvolver outros instrumentos de mercado. Uns anos depois a Export _____ virou um instrumento usual de captação, o Citibank nos convidou para fazer, eu comecei a entrar nessas operações, seis meses depois existia o embrião do que foi o Trading Desk, a mesa de operações da Vale.
P/1 – Dá para explicar um pouquinho o que é essa mesa de operações?
R – Vou dar um termo de volume para você entender o que é a coisa: a Vale fatura por ano algo em torno de três bilhões de dólares, 75% das vendas dela são para o exterior. Então, 75% das receitas são faturamento externo, são cambiais. Você tem que converter esses cambiais para reais. Como é feito isso? Isso são operações de troca, troca de moedas. O Trading Desk surgiu só com a função de troca de moeda. Aí tinha a venda de ouro. O ouro já era um produto, um _______ negociável no mercado. O Trading Desk também passou a fazer isso. A Vale aplicava dinheiro no mercado. O Trading Desk também fez isso. O que se montou foi uma mesa de operações semelhante às mesas de bancos. Isso foi feito em meados de 1990, no segundo semestre de 1990.
P/2 – E a questão da privatização já era em pauta?
R – Não, ainda não. A questão da privatização veio uns dois anos depois. Falava-se que o Collor ia privatizar um monte de coisa, mas não tinha a Vale como a prioritária. Nessa época, na verdade nós começamos a desenvolver uma série de coisas pra Brasil, a Vale já tinha um perfil meio de... Primeiro ela era uma estatal atípica, eu posso dizer de mercado financeiro, porque fui eu que estava à frente disso, em termos de percepção, ninguém via a Vale como uma empresa estatal típica. Segundo, ela sempre foi pioneira mesmo na década de 1980, em lançamento de produtos financeiros, em operações de mercado, em operações lá fora. Foi a maior empresa que na década de 1980 tinha lançado (pontes?) na Europa, enquanto nenhuma empresa brasileira tinha feito isso. Só o governo fazia. Ela estava sempre muito à frente, ela era percebida no mercado como tal. Com as grandes modificações feitas no governo Collor ela mais uma vez colocou-se à frente. Dentro do Rio de Janeiro as duas primeiras mesas de operação de empresas que surgiu foi Vale e Aracruz. Hoje toda grande empresa no Brasil tem mesa de operação. No Rio não tem tantas empresas, mas grandes corporações todas elas têm. E a Vale foi uma das primeiras a montar.
P/1 – Mas essas mesas de operações é o resultado de uma política brasileira que acontecia, ela sentiu necessidade de treinamento...
R – As empresas brasileiras sentiram necessidade de se profissionalizarem, terem profissionais voltados para mercado. A economia na década de 1980 foi muito complicada, finanças estava em voga, o mercado estava ficando muito especializado. Você tinha necessidade realmente de formar esse time. Isso começou em 1990,1991, 1992 nós já estávamos com equipamento bem desenvolvido, softwares, computação ajudando.
P/1 – Você participava diretamente da mesa de operações?
R – Eu fui gerente da mesa de operações de 1990 a 1992.
P/1 – Quantas pessoas participam?
R – Nós começamos com dois, quatro, cinco, quando eu larguei a mesa éramos em cinco. Para você ter uma ideia hoje na mesa tem dez a doze pessoas.
P/1 – E qual é a dinâmica disso, é diário?
R – É. Na época nós operávamos com câmbio, ouro e reais. Depois começamos operar com produtos diferenciados de captação que vinham desde export ________, papéis, descontos de papéis recebíveis. São fontes de captação diferentes geradas, depois entrou todo o programa de derivativos. A Vale foi a primeira empresa do Brasil a ter derivativos, na sua posição. O que é isso? Ouro. Invés de só vender ouro, nós tínhamos que proteger preço de ouro, margens. Então você tinha que buscar operações que possibilitavam essa proteção. Operações de mercado. Por exemplo, vendas a futuro, compra a futuro. Operações casadas de compra e venda para garantir ganho. Você começou evoluir com isso, depois passou para alumínio, moeda, proteção de moeda, proteção de taxa de juro, mercado acionário, aí na segunda fase depois da privatização. A mesa tem hoje dez funcionários, mais dois estagiários, dois de _________, opera com pelo menos quatro sistemas institucionais de apoio pra especificação de apoio. É um trabalho extremamente técnico, extremamente. E é um trabalho que tem que ter noção, eu me lembro que há um ano e meio atrás teve um banco alemão no Brasil, estava meio atrasado e nós só operamos com mercado internacional. No Brasil existem alguns parceiros, mas os maiores volumes de negócios são feitos lá fora. Eles estiveram no Brasil para fazer uma apresentação, uma rodada com as grandes empresas para apresentar alguns produtos que eles tinham, algumas alternativas de estruturação. No meio da discussão tinham na mesa três ou quatro operadores conversando com os caras: “Desculpa, nós estamos com a apresentação errada para vocês, vocês já estão...” Nós fazemos o tipo de operação que grandes empresas americanas e européias fazem.
P/1 – Isso que eu ia te perguntar, é uma tendência do mercado internacional, esse tipo de estrutura?
R – É, e nós estamos junto com a primeira leva. Nesse ponto a Vale não é uma empresa emergente de terceiro mundo. É uma empresa comparada às grandes mineradoras, e não só às grandes mineradoras. Você pega a Alcoa, uma Alcan, uma Rio Tinto, BHP, Anglo American, _________ de ouro. Essas empresas começaram praticamente fazendo o que nós estamos fazendo ao mesmo tempo. É ponta. Se você pegar por exemplo, proteção de moeda e taxa de juros no Brasil, empresas multinacionais, tipo Rhodia, tipo (Báia?), eles vieram a fazer isso muito tempo depois da gente. Virou
_________. Pra você ter noção, a gente tem perdido regularmente profissionais dessa área nos últimos seis ou sete anos. Todo ano eu perco pelo menos um para o mercado. Você tem chefes de mesa em algumas empresas do Brasil que foram da Vale. Exatamente foi uma empresa que deu oportunidade pra eles. Isso pelo menos na década de 1990 que se consolidou nisso. Foi muito importante para a Companhia. Muito dinheiro se fez ali.
P/1 – E a questão econômica ________ do Sr. Wilson, reforçou?
R – Na medida que você se torna ágil em mudar posição de ter alternativas financeiras que você troca de posição, você tem o poder de decisão ágil, você ganha com isso. Posso te dar alguns exemplos: em 1994 até a privatização você teve uma evolução regular. Não que a privatização nesse caso específico fez alguma diferença. Mas você teve uma evolução, uma evolução de tecnologia até pelo tamanho da Vale, as instituições que queriam pioneiramente trazer uma coisa para a América do Sul, a Vale era procurada. Isso ajudou bastante. Em 1997 quando a Vale foi privatizada, houve uma mexida grande no preço de ouro do mercado, nós tínhamos posições de cinco anos a futuro do ouro. De uma hora para outra todo mundo liquidou as operações, porque a queda no preço foi tão grande que o ganho que você estava fazendo com os anos futuros era muito expressivo. Para você ter uma ideia ________ nós fizemos 50 milhões de dólares limpo, líquido. Grande, maravilhoso. Em 1999, com a mudança da desvalorização do câmbio nós fizemos 380 milhões de dólares. O balanço da Vale em 1999 deu um resultado de 800 milhões de dólares, se não me engano, não estou me lembrando o número. Trezentos e tantos milhões desse resultado, eu credito as operações financeiras. Demos uma sorte danada também, lógico, se você está fazendo o certo tem que dar sorte também. O que aconteceu que a gente entrou no final do segundo semestre de 1998, o mercado estava muito maluco, Rússia quebrando, ninguém sabia o que ia acontecer, nós optamos em defender nossa posição de caixa e ficar tudo em dólar. Mas você não consegue principalmente proteger balanço. Imagina uma empresa que faz bem o ano todo, mas é endividada em dólar, por exemplo, chega no último dia do ano, desvaloriza o dólar. Toda a performance no balanço vai ser mal vista, nós optamos em defender nosso balanço, ou seja, nós queríamos virar o ano protegidos. Só que você não consegue virar o ano e no dia primeiro de janeiro vencer toda sua proteção. Proteção eu digo: aplicar em dólar, comprar posições em dólar; você não consegue fazer isso. Lógico que você tem que distribuir isso ao longo do semestre que vem. A desvalorização aconteceu em meados de janeiro, e o que eles chamaram de “bolha de desvalorização” aconteceu em fevereiro. Depois cedeu o dólar. Quando fez a bolha nós estávamos com os nossos papéis todos vencendo. Era muito dinheiro. Eram 300 e tantos milhões de dólares em ganho. Paga, paga as _______, paga a estrutura. Então é aquela história, o que você puder aplicar de recursos em uma estrutura de uma mesa de operações vale a pena.
P/1 – Você passou quanto tempo na mesa?
R – O embrião da mesa começou comigo em 1989, 1990, na verdade o ouro poderia ser chamado de primeira operação de mesa. Final de 1992 eu fui para... Eu estava quase saindo da Vale quando me ofereceram para ir para Nova Iorque. A Vale tinha um escritório em Nova Iorque, é uma empresa Rio Doce América que por sua vez controla a Califórnia Steel, mas a função da Rio Doce América era principalmente operações comerciais e desenvolvimento de novos negócios. E a financeira tinha um programa de ter regularmente, na verdade nós tínhamos operações financeiras nos EUA também. Ela tinha um programa de eventualmente ter uma pessoa nos EUA. Aí me ofereceram ir para os EUA para passar pelo menos um ano, acabar com as operações financeiras, trazer para o Brasil. Essas operações financeiras foram montadas, você tinha uma tesouraria em Nova Iorque, porque na década de 1970, você tinha problema de telecomunicação, distância. Na década de 1990 é que não fazia sentido, você poderia operar tudo a partir do Brasil. Me ofereceram ir pra lá, pra além de acabar com essa área a dar apoio ao pessoal dos novos negócios. Era uma experiência nova para mim. Fui para lá com a condição de passar pelo menos um ano, podendo estender a três anos. Foi aí que surgiu a história da privatização. Quando foi em meados de 1993, eu fui em início de 1993, em meados de 93 começou-se a se falar pesadamente na estrutura de privatização, na possibilidade de privatização. E a financeira na época estava estruturada da seguinte maneira: você tinha a área de rotina que era a tesouraria e a área de finanças corporativas que tratava de negócios, que tratava de performance de empresas e novos negócios. O pessoal da financeira estava muito envolvido com a privatização sob o ponto de vista da Vale, o link da Vale com o Bndes [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e com o governo era partir da área financeira da Vale. Então o superintendente financeiro na época estava de volta. Você vai voltar pro Brasil, porque a gente precisa de alguém pra tocar essa parte de rotina aqui. Eu fui pros EUA, eu era chefe da mesa, gerente de divisão, na época. Existia divisão ainda, acabou-se nesse período com essa figura, criou-se o departamento de gerências gerais. Ele me ofereceu um cargo de gerente geral, eu voltei como gerente geral de tesouraria que era pra tocar o dia a dia de empresa. Enquanto ele e mais outros dois gerentes tratavam do chamado esquema de privatização, estrutura de privatização. Então, eu voltei no início de 1994, quando se esperava que a Vale seria privatizada final de 1994, início de 1995. Já tinha havido problema com Collor, o Itamar era, o Fernando Henrique ia assumir. Acabou atrasando e a privatização só aconteceu em 1997. Mas nesse período de 1994, 1995,1996 e até meados de 1997 eu fiquei como tesoureiro da Companhia. Foi um período explicitamente falando, não teve nada de grandioso com a Vale, a Vale ficou muito... A expectativa de privatização meio que paralisou a empresa; não que ela deixou de fazer negócio, ela continuou crescendo nos mercados, mas muito pouca coisa aconteceu com a Vale do Rio Doce.
P/1 – Havia uma reacomodação...
[Barulho e interrupção – grande chiado]
R – ... depois do Schettino voltando para a Companhia, Schettino como Presidente, o cara engenheirão, homem de Itabira, sem dúvida nenhuma deu peso, sentiu-se o baque, voltou o engenheirão, mas nunca mais a empresa foi a mesma. A empresa de 1990 para cá ela mudou. Dois anos de Wilson foi mais do que suficiente pra mudar uma cultura que eu hoje acho que em 1997 quando a Vale foi privatizada ela conseguiu manter. Foi muito importante isso.
P/1 – Tito, hoje qual é a sua função na Vale, como é um dia seu na empresa, quais são suas atividades?
R – Bom, eu sou o diretor financeiro da Vale hoje, eu tenho comigo uma área de planejamento, planejamento financeiro; tenho comigo uma área de tesouraria, que é a área de ______ do dia a dia; tenho a área de finanças corporativas, que na verdade é uma área que está ligada às empresas do grupo, faz um acompanhamento dessas empresas, a Vale está divisionada, tem uma série de divisões, tem empresas, a gente acompanha a performance dessas empresas. Temos até que mexer nisso agora pra aperfeiçoar. E esse trabalho também de finanças corporativas eu tive oportunidade de estar envolvido com todas as aquisições da companhia no último ano e meio, e todos os desinvestimentos diretamente. Participei da aquisição da Samitri, da Samarco, da Usina do Barren, menos da venda da área de celulose, parte da venda da área de navegação. Estamos tocando os novos projetos, minha área está envolvida também, porque a gente é responsável pela reestruturação financeira dos novos negócios, vamos entrar pesado no cobre agora. A gente está buscando financiamentos, estrutura financeira. É uma coisa bastante dinâmica e bastante pesada.
P/1 – E você pensa naquele período que você entrou na empresa e como você galgou, onde você está hoje? Você reflete sobre isso? Qual é a tua avaliação desse teu percurso dentro da Vale do Rio Doce?
R – Acho que a Vale do Rio Doce teve duas fases marcantes, a primeira antes da privatização. A privatização, sem dúvida nenhuma é um marco. O pessoal fala assim: “O que significou a privatização pra Vale?”. A Vale era uma empresa pioneira enquanto estatal, enquanto empresa privada ela pode ser também uma empresa pioneira, agora não mais em relação a Brasil, mas em relação a América Latina. É uma escola fantástica para qualquer um empregado, qualquer profissional novo que entra pra Vale, mesmo hoje, é uma escola incrível. Agora é uma grande incógnita também o que vai ser no futuro, a mudança de controle esse ano, no primeiro semestre, com a confirmação da mudança de controle, está sendo uma nova fase. 1997 até 2001 foi uma mudança que balançou todo mundo, o regime de trabalho foi muito mais pesado, a companhia fez uma série de coisas, promoveu uma série de eventos no mercado. Está comprando, vendendo ativos, está se reorganizando. 2001 pra frente é uma grande interrogação, mas é uma empresa muito grande. Uma empresa muito poderosa.
P/1 – Eu digo do ponto de vista pessoal.
R – Sendo uma empresa poderosa, você estar inserido nesta empresa é uma coisa muito importante, profissionalmente é muito importante. É uma incógnita, porque pode ser uma excelente oportunidade, como pode ser uma decepção profissional também, não sei. Mas até hoje tem sido uma boa empresa, pra se trabalhar tem sido uma boa empresa. Altos e baixos como todo lugar, mas é bom.
P/1 – Como que é o teu dia a dia, lazer?
R – De um ano e meio para cá eu tenho tido muito pouca chance, foi muito puxado. Mas a gente tenta administrar isso. Eu agora, de uns meses para cá estou tentando ir mais devagar. Eu gosto de música, gosto de jogar meu tênis, gosto de viajar, tenho viajado muito, mas a trabalho, gosto de viajar não a trabalho.
P/2 – E a família?
R – Minha filha costuma dizer que qualquer dia eu vou dormir no escritório. Eu passo dias sem encontrar com minha filha. Minha filha está com 18 agora e ela está entrando na fase de faculdade, festa. Tem dia que eu passo dois ou três dias sem encontrar com ela.
P/1 – Ela faz faculdade de que?
R – Direito, na PUC, entrou agora. Mas ela reclama muito. Ela fala que eu estou mais casado com a Vale do que com a família, mas é. 50%, 50%.
P/1 – Sua mulher trabalha?
R – Minha mulher é restauradora, ela é independente, ela não é consultora mas restauradora, faz restauração de pintura.
P/1 – Ela trabalha como freelancer?
R – Ela tem um atelier, faz restauração de quadros e de vez em quando pega um trabalho de restauração de igreja, de um painel, coisas desse tipo. Mas ela tem o atelier dela.
P/1 – Vamos fazer nossa última pergunta que é o que você acha do Projeto Vale Memória, e o que você achou de ter deixado o teu depoimento aqui para nós?
R – Interessante, a gente acaba falando mais do que a gente acha que vai falar. Acho realmente uma boa ideia. Eu não sei o quanto que as pessoas vão usufruir disso. Eu me lembro quando eu dei a entrevista inicial para o Vale Memória a um tempo atrás e gostei muito de saber quando o primeiro conhecido meu deu entrevista, gravou uma entrevista, ele voltou encantado: “Poxa, eu não sabia que eu ia lembrar de tanta coisa a respeito de Vale”. Pras pessoas que estão fazendo eu posso dizer, com certeza que é uma boa oportunidade. Agora, eu espero que as pessoas que vão poder ouvir, que vão ter interesse em ouvir possam usufruir alguma coisa também. Não tanto agora, mas no futuro as pessoas vão ter mais oportunidade de tirar alguma coisa disso. É interessante, é história, nós não temos, principalmente os brasileiros, não temos o costume, culturalmente não estamos acostumados com a preservação da história, preservação da memória. Acho válido, sem dúvida nenhuma.
P/1 – Muito obrigada.
--- FIM DA ENTREVISTA ---
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