Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Vanderlei de Rui Beisiegel
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Cláudia Resende
Carajás
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV034
Transcrito por Luciana Conrado Martins
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – A primeira perg...Continuar leitura
Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Vanderlei de Rui Beisiegel
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Cláudia Resende
Carajás
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV034
Transcrito por Luciana Conrado Martins
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – A primeira pergunta que a gente faz é pedir para o senhor se apresentar, nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, meu nome é Vanderlei de Rui Beisiegel, nasci em Tietê, no Estado de São Paulo, em 17 de outubro de 1942.
P/1 – E o nome dos pais do senhor?
R – Meus pais: Amadeu Beisiegel e Leonide de Rui Beisiegel.
P/1 – O pai do senhor, atividades profissionais dos pais?
R – Meu pai ele era músico de orquestra de cinema mudo, ele tocava violino e violoncelo e trabalhava também com a parte de madeira em construção, que ele era carpinteiro e marceneiro. E por volta de 1930, quando inventaram, foi introduzido o cinema falado, esse pessoal que trabalhava nas orquestras ficou na rua. E pouco tempo depois ele soube através de um amigo dele que estavam contratando pessoal para construir lá o coreto e outras instalações do jardim de Tietê. E foi assim que ele foi parar lá em Tietê, onde ele conheceu minha mãe. E daí ele passou a se dedicar a atividade de marcenaria, ele sempre teve oficina de móveis e foi até pouco tempo antes de ele morrer, ele sempre trabalhou com isso. E a minha mãe ele trabalhava como costureira, né? Quer dizer, além das atividades domésticas ele era costureira. Eu tenho um irmão, que é sete anos mais velho do que eu, o Celso, ele é formado em sociologia e sempre trabalhou na área de educação. Continua até hoje, já tem 43 anos trabalhando nessa área de educação, numa faculdade de educação lá de São Paulo. Basicamente é isso.
P/1 – O pai do senhor antes de ele ir para Tietê ele tocava...?
R – É, ele tocava em orquestra de cinema mudo, né, que é aquela orquestra que acompanhava o...
P/2 – Mas aonde?
R – Em São Paulo.
P/2 – Em São Paulo.
R – É. Eu não sei se foi... um dos cinemas que ele tocou foi o Cine São Bento, que tinha ali no centro de São Paulo, não sei se existe ainda. Mas então era a atividade que ele tinha como músico e ainda ele trabalhava também nessa parte de construção, né, toda essa parte de madeira que tem muito em construção.
P/1 –Mas ele continua tocando durante a vida, mesmo trabalhando como...
R – Sim, sim, inclusive meu pai era muito hábil, ele construiu dois violinos e quando eu tinha seis anos de idade ele começou a me ensinar. Eu me lembro que eu comecei a tocar o “Tico-tico no fubá”, mas depois eu desisti, eu não queria de jeito nenhum, né, o que eu lamento, infelizmente não queria mais, porque podia ter aprendido partitura e tal, né, mas eu não queria mais saber. E essa questão de música é de família, porque meu avô, consta que ele tinha uma fábrica de instrumentos musicais lá na Alemanha, mas por essas confusões, eu não conheço bem qual o motivo, mas ele teve que fugir, se mandar de lá, né? Foi uma coisa meio assim, traumática, uma confusão qualquer não sei de qual natureza. Mas então tem assim essa ligação com a música.
P/1 – A origem da família do senhor, uma parte é alemã, como é que é?
R – É, meu pai, quer dizer, o Beisiegel é alemão, e casou com uma italiana, e da minha mãe são italianos, de modo que eu sou mais italiano do que alemão, apesar de ter ficado o sobrenome, né, e basicamente já são os bisavós, né, quer dizer, os avós dos meus pais que eram estrangeiros e eles vieram pro Brasil mais ou menos na virada do século, dos dois lados, né inclusive uma parte da família da minha mãe foi para a Argentina. Eu tinha um tio que nos visitou que morava em Buenos Aires, mas depois não tivemos mais contato e basicamente é isso.
P/1 – Você conhece um pouco a história de como o seu pai conheceu a sua mãe, como é que foi esse encontro?
R – Não, eu assim não sei, basicamente assim, a grosso modo foi isso que eu te falei, né, o motivo pelo qual ele foi para Tietê e como se deu esse encontro. Eu não sei assim mais detalhes. Eles não tinham assim costume de falar muito nisso, né? E eu também não perguntava muito, nós não somos muito falantes, né, para a minha mulher é diferente, ela adora essas coisas de família, ela sabe nos mínimos detalhes tudo desde de muito tempo atrás. Inclusive ela sabe mais hoje da minha família do que eu (risos).
P/1 – Ela fez a pesquisa.
R – É, inclusive a minha mãe tinha uma caderneta do meu avô, assim da passagem do século que ela anotava algumas coisas, aí ela mandou reconstituir, tal, né, mandou fazer uma reconstituição… Porque Belém ainda tem muito dessas coisas, né, esses especialistas que fazem, esses problemas de restauração, arquivo público, então tinha uma, não é tão fácil de achar hoje em dia, mas tem pessoal, essa área é muito assim importante no Norte, eles têm muito pessoal que cuida disso. Então ela conseguiu resgatar várias coisas antigas, né, porque ela gosta demais disso, né, ela cultua muito essa coisa de família, né? Eu nunca fui muito de dar bola, nem eu, nem minha mãe, nem o pessoal da minha família, mas então foi exatamente mais por pressão dela que inclusive algumas coisas que eu fiquei sabendo. Ela que foi atrás, ela que fica especulando, né, então eu acredito que ela possa dizer melhor uma porção de coisas do que eu.
P/1 - E na casa do senhor, senhor Vanderlei, como é que era, quer dizer na família, o pai, a mãe, quem exercia um pouco a autoridade em casa?
R – Meu pai tinha uma característica interessante, porque meu pai era comunista, meu pai era secretário do Partido Comunista de Tietê, que é uma coisa assim “Felliniana”, aliás eu adora Amarcord, é um dos meus filmes preferidos, porque de certa maneira eu me enxergo lá. Porque o meu pai ele talvez já tinha um pouco daquele anarquismo, né, dos italianos, daquele pessoal, e ele foi, como muitos aliás ele se envolveu muito com a famosa Coluna Prestes, toda aquela epopéia do Prestes, né, eles ficaram todos entusiasmados e foi a partir daí que ele passou a, ele aderiu ao Partido Comunista, mas é por ideologia mesmo, porque ele acreditava naquilo, né? E quando ainda o Partido estava na legalidade, ele conseguiu reunir lá umas 50, 100 pessoas, fazer um comício lá em Tietê, o que foi um horror para a cidade. Porque Tietê é uma cidade conservadora, dominada pela Igreja, então, o meu irmão que é mais velho, porque eu não me lembro, mas ele lembra, que jogaram até pedra na nossa casa.
P/1 – Alvo da cidade.
R – É, isso é uma aberração, né, comunista é um bicho. Eu, quando era criança ficava na rua apontando assim: “Comunista, comunista!”, como se fosse um bicho, né? Então isso é uma coisa que me marcou muito por causa de criar essa situação numa cidade com uma hipocrisia religiosa violenta, né, então comunista é um... Eu não entendia nada disso, eu só sofria as consequências, (risos) me sentia um monstro. Mas a célula de Tietê era uma coisa engraçadíssima, porque eram cinco membros: tinha o meu pai que era marceneiro, tinha o Lazinho alfaiate, tinha o Mário carroceiro, tinha um comerciante, você vê, comerciante comunista, né, que era chamado de “Dito cachorro preto”.
P/1 – “Dito cachorro preto”.
R – É, “Dito cachorro preto”, ele tinha um cachorrão preto, então chamavam ele de, era Benedito, “Dito cachorro preto”, e tinha mais algum simpatizante lá, mas então era uma coisa que você olhando hoje é uma coisa engraçadíssima, né? Dá até para fazer um filme.
P/1 – O senhor foi em alguma reunião dessas, não?
R – Não, não… Eu nunca tive assim maiores afinidades, mas o meu pai era por ideologia, ele acreditava, ele sempre obedecia aquelas instruções do Partido. Eu me lembro que na campanha do Juscelino, o Partido apoiou Juscelino, ele saiu meia noite lá pra, com um balde de cal para pintar muro, essas coisas assim, né? Numa ocasião eu me lembro que duas companheiras estiveram lá na minha casa, me botaram pra dormir lá num outro canto para dar lugar a elas, então é nesse esquema assim. Tem um livro que eu li uns tempos atrás que me lembra muito isso que é aquele “Companheiro de viagem” da, da, da Viana, mulher do pai do Vianinha, sabe? Aldacélia Viana se eu não me engano, né, que era uma coisa desse tipo assim. Comunista tinha umas reuniões de vez em quando, juntava uma turma para reunir. Tinha um outro livro, chama a “História de Maíta”, não sei se você conhece que é o lá do Peru, essas histórias dessas reuniões dessas células dos comunistas no fim você tem que rir, né, que... ele era muito, quer dizer, seguia as instruções do partido. Inclusive na revolução, veio ordens lá de Sorocaba, né, que a regional era lá de Sorocaba, mandaram prender o velho lá, né, e o cara que não fazia mal nenhum, exemplo que tinha... e meu pai não bebia, não fumava, era uma pessoa extremamente correta, né, e daí foi um cara lá para prender o velho pedindo desculpas: “Olha, o senhor me desculpa, tal.”, “Não, não tem problema não”. Aí levaram, passou uns quinze dias, essas coisas que aconteceram no período de 1964, ou logo depois, né, da caça às bruxas etc.. Então, quer dizer, a minha mãe era católica, ela casou, ela não era fanática, então, por esse motivo que nós não temos assim formação religiosa, o que também, no caso de Tietê era um fator a mais para criar esse... o programa da cidade era domingo ir na missa, essa coisa toda, eu no tempo do ginásio tinha aula de religião eu era o único que não ia… Quer dizer, hoje em dia isso está esculhambado, ninguém... a turma morre de rir, mas naquele tempo no interior era um coisa mais séria, né, e Tietê é uma cidade que tem muita ligação com a colônia italiana, italiano leva essa história de religião, essa hipocrisia religiosa muito a sério, né, cheio de toda aquela onda… Então a minha infância sempre foi marcada por esses fatos, né, agora quem conhece melhor é meu irmão porque ele viveu mais do que eu, porque eu era muito criança... e quando aconteceu essa história da prisão tudo e tal, eu já estava trabalhando em Minas. Então eu não sei bem, mas não afetou em nada não. Porque na prisão de Tietê era gozadíssima. Teve muito tempo que só tinha um preso...
P/1 – Sempre o mesmo. (risos)
R – É. E era muito comum, botaram o cara sentado do lado de fora numa cadeira pra tomar ar. (risos)
P/2 – E porque que ele estava preso?
R – Ah, não sei. Então é uma coisa muito engraçada. Acho que ele mesmo, chegava uma hora resolvia entrar... (risos) A diferença, por exemplo, quando eu fui trabalhar lá no centro de Minas Gerais que lá
a coisa era brava, o Serro, Guanhães, aquilo era cadeia cheia, era um problema de banditismo violento, volta e meia passava um pessoal lá que era caçador de bandido, né, o negócio lá era completamente diferente. Era um lugar estabilizado, tinha aquela vidinha, não acontecia nada de especial, era muito difícil, né?
P/2 – E quais eram as diversões assim que Tietê oferecia?
R – Tietê, no meu tempo de criança, a diversão da cidade era o rio, né, porque inclusive o clube da cidade era no rio. A piscina era o tal do cocho dentro do rio...
P/2 – Cocho?
R – É, o que a gente chamava de cocho era um, vamos dizer assim, era uma piscina de madeira, suspensa por tambores, certo, inclusive tinha duas, tinha uma maior e a menor era para as mulheres, entende?
P/2 – Que interessante!
R – Porque tinha separado de mulher e de homem. Embora eles ficavam juntos lá, mas a piscina era separada. É uma piscina de madeira dentro do rio. E todo o nosso divertimento era no rio, era pescar, nadar, enfim, o rio era o centro de lazer da cidade, né, e dava muito peixe o Rio Tietê, tinha pescador profissional, para você ver, nesse espaço de tempo, em 40 anos o rio ficou podre, né? Eu tenho medo até de botar a mão lá dentro, apodrece. (risos) Mas eu assisti toda essa tragédia que acontece agora de vez em quando no Pantanal, fica o rio coalhado de peixe, eu cansei de ver, o rio fica branco de peixe morto, né? Começaram a jogar muito aquele, não é o vinhoto, é o que a gente chamava de restilo da cana, mas principalmente as indústrias químicas de madeira, eu não sei se é Eucatex ou Duratex, enfim, esses resíduos que eles jogavam no rio, que foi o, na época, foi um dos problemas mais sérios que causavam mortandade generalizada, né, era realmente um espetáculo terrível e foi acelerando, foi piorando e tal...
P/1 – Ainda criança o senhor já via isso?
R – Sim, me lembro muito bem, várias vezes. Porque o rio era uma beleza, eu mesmo nas férias, um dos grandes programas meus de férias era pescar, e a gente pescava bastante peixe.
P/2 – E a juventude? O senhor passou lá também em Tietê?
R -
Quer dizer, eu me formei, a minha juventude foi muito assim, eu era muito angustiado devido a esse problema todo que eu te falei, eu era muito, me sentia rejeitado, assim, eu não participava, eu não sei se por isso mesmo que eu sempre me dediquei muito a escola, né, eu era, na escola eu sempre passei em primeiro lugar, era bom aluno, mas eu estudava porque eu queria, não é porque alguém me mandou estudar não. Eu acho que é uma maneira, eu canalizei para estudar, né, era estudar, cinema...
P/2 – Festas tinha?
R – Não, não, eu não ia muito, quer dizer, eu frequentava muito as festas e tal, mas eu tinha muita dificuldade de me relacionar com as meninas e tal, eu tinha lá, eu até digo para minha mulher que eu sempre fui, desde pequeno, muito observador da… Né, por isso que eu gosto do Bergman (risos). Por que se diz que o Bergman é o pesquisador da alma feminina, então, eu acredito que seja por isso, por todo esse processo que eu contei da criação que eu sempre tive muita dificuldade. Só depois mesmo que eu fui para São Paulo, que eu entrei para a faculdade, daí que eu mudei de ambiente, passei por um outro universo, daí que eu comecei a, né? Mas foi principalmente quando eu vim para o Norte que eu caí na vida, foi gozado, né? Eu já tinha 26 anos, mas porque a nossa turma e tinha uma turma muito grande de estrangeiros nessa época, que foi a época do boom da Amazônia, que a gente gozava, é o boom da Amazônia, 1970… Não só de pesquisa mineral, como em termos de exploração de madeira, de terra, de construção dessas grandes estradas, não sei o quê. Eu sei que Belém virou um centro de, que tinha uma comunidade estrangeira muito grande, né, e nós éramos praticamente marginais sociais, vamos dizer, porque a gente não conhecia ninguém, a gente vivia no mato, ia para Belém passar folga e folga para a gente era encher a cara e cair na vida noturna que em Belém era uma maravilha. Beleza! Inclusive eu passei uns três ou quatro anos, a gente na folga dormia de dia, rodava de noite. Era um morcego. Mas foi divertido. Bom, porque que eu estudei geologia? Porque eu no científico, eu tinha uma professora de história natural, Dona Elza, que era uma grande entusiasta dessas coisas da natureza, né, era uma excelente professora, e ela falava muito sobre isso, sobre minerais, sobre a natureza etc. e tal. Então por causa disso é que eu resolvi estudar geologia. Porque na época estava começando no Brasil, né, eu sou a quinta turma de geólogos formada no Brasil, porque começaram a se formar geólogos no Brasil em 1960. Tinha a escola de São Paulo e acho que tinha a escola de Ouro Preto, né, foram as duas primeiras escolas. E eu tinha dois amigos, dois conhecidos lá de Tietê que já estavam tentando fazer vestibular a dois anos. O vestibular de geologia era muito concorrido, né? Mas eu tinha feito um bom colégio, o colégio de Tietê na época era excelente, tinha excelentes professores nas matérias principais, matemática, português, história natural, essas coisas básicas, então eu consegui passar direto. Eu fui, aquela famosa história, eu fui para São Paulo para me aventurar e fui fazendo exame assim, né, eu só me apavorei na época do último exame, por que eu descobri que podia passar. (risos) E naquele tempo a gente tinha escrito e oral. Então eu fiz exame escrito e exame oral. Então quando chegou no último oral é que eu fiquei apavorado porque descobri que podia passar. E acabei passando, não é? E a nossa escola ficava na Alameda Glete, que era a contra esquina do Palácio do Governo, ali nos Campos Elísios, né, era uma escola separada e era ligada a filosofia, quer dizer a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que era na Maria Antônia. E a Geologia era uma faculdade ligada à filosofia. E a nossa turma, de um modo geral, eram pessoas assim mais ou menos do meu tipo, era pessoal pobre do interior, né? Eu, quando eu fui para São Paulo o meu irmão já estava morando lá e então eu fui morar com ele. Coitado, teve que me aguentar, né, que ele morava numa kitnet, ele teve que dar um jeito lá e fazer uma cama, dividida no meio, dormia eu e ele. Ele morava num prédio lá na Rua Nestor Pestana, não sei se existe ainda hoje que era daquela Cesta de Natal Amaral, que tinha antigamente. Naquele tempo tinha a TV Excelsior lá na Nestor Pestana, era perto lá do prédio da ACM, Associação Cristã de Moços, ali perto da Praça Roosevelt. Outra coisa que eu me lembro dessa época é que estava em construção o Edifício Copan, Edifício Itália e o Copan, ali aquele S, aquele enorme lá, estava construindo nessa época. E tinha bonde ainda, o bonde subia a Consolação, um barulhão desgraçado daquela tranqueira subindo ali, né, são as coisas que eu me lembro assim. E eu ia fazer refeição numa pensão que tinha na Rua Marquês de Itu, que é onde o meu irmão tinha morado lá, pensão da Dona Ana, então esse era meu circuito lá em São Paulo. Depois no segundo ano, eu fui morar com mais quatro colegas num apartamento na Rua Martim Francisco, que ficava assim a umas oito quadras da escola, né, a gente descia e atravessava a Avenida São João e nesse apartamento nós moramos o resto do curso, que ele era da tia de um desses moradores, entende? Então o meu esquema de faculdade era esse. Só no último ano é que começou a mudança lá para a Cidade Universitária, né? Eu tive algumas aulas na Cidade Universitária no começo essas matérias gerais, biologia, mais umas duas ou três, e tinha de vez em quando uma aula lá na Maria Antonia, matemática e... E quando eu me formei, eu tinha me formado em primeiro lugar e tal, então o meu professor de prospecção mineral é quem me indicou para trabalhar na Vale, eu e um outro colega meu, Ricardo Figueiredo, então ele nos indicou pra Vale do Rio Doce. Eu inclusive tinha feito o teste da Petrobras, que na época o principal empregador de geólogos era a Petrobras. Eu tinha passado até, mas eu preferi o do Vale. Assim lá fui eu para Minas Gerais.
P/1 – Porque que o senhor preferiu o da Vale?
R – Eu não era muito chegado...porque o cargo da Petrobras era para ser geólogo, que eles chamavam de geólogo de poço. Acompanhar perfuração, aquele negócio e eu não estava muito afim. Eu achei mais interessante o da Vale. Pois é, então foi assim que eu comecei a minha carreira mineira, né? Fui para Belo Horizonte, eu e o Ricardo e nessa época a Vale do Rio Doce ainda era bastante limitada. A Vale tinha aquele esquema: mina, ferrovia, porto. Vitória, ferrovia e a mina em Itabira. Quer dizer, em relação ao que ela se tornou depois é uma empresa, vamos dizer, limitada e eu fazia parte de um chamado departamento de geologia e engenharia de mina. O meu chefe era o Francisco Fonseca que é pai de outra pessoa que eu acredito que vocês também devem... é o Francisco Fonseca, que aliás acho que já é o quarto Francisco Fonseca, a história do Chico Fonseca é interessante também, né, o bisa... não o tatara...o tataravô era o Francisco Fonseca e depois...
P/1 – Todo mundo
Francisco Fonseca (risos).
R – Até eu sempre gozava o Chico, vê se você não vai botar o Francisco Fonseca, e ele acabou tendo uma meia dúzia de filho e no final foi mais um Francisco. Pois é, então é o famoso doutor Fonseca, que é uma das pessoas folclóricas da Vale, né, do início da Vale. Então eu fui para trabalhar em Itabira, que na época a Vale estava começando a fazer um plano realmente de avaliação completa das jazidas lá de Itabira, que eram várias jazidas e eu entrei nesse programa, eu e o Ricardo. Esse meu colega, o Ricardo, o Ricardo era paulistano, uma pessoa que ao contrário de mim, que é caboclo lá de Tietê daqueles bem bugre, o Ricardo era paulistano, bom traquejo social, né, e falava bem inglês, então ele logo deu um jeito de escapar dessa história da geologia e com pouco tempo ele acabou indo para outras áreas da Vale, né, ele foi... acabou indo lá para o Porto de Tubarão para trabalhar com... com essa parte de, de, como é que chama é material handling, manuseio de materiais, enfim, acabou virando superintendente do porto, depois ele foi presidente da Cenibra, então o Ricardo seguiu uma outra linha. E eu fiquei lá em Itabira....
P/2 – Qual o sobrenome do Ricardo?
R – Ricardo Figueiredo. E eu fiquei lá em Itabira, trabalhando nas pesquisas das jazidas lá e nesse tempo estavam desenvolvendo desentendimentos lá com relação ao Serro e quando foi acertado me mandaram lá para o Serro, que foi outro lugar, que quando eu penso hoje em dia, acho um lugar fantástico, meio surrealista o Serro, né, eu não sei se vocês querem que eu conte a história do Serro.
P/1 – Ah, com certeza!
P/2 – Só me fala uma coisa seu Vanderlei, que ano que o senhor entrou na Vale?
R – Eu entrei no dia 25 de janeiro de 1965.
P/1 – E em Itabira o senhor ficou até quando?
R – Eu fiquei eu acho que até outubro de 1966, quando eu fui então...é, quando eu fui para o Serro, onde eu fiquei quase um ano ligado lá ao Serro. O Serro, eu fui trabalhar lá numa chamada Fazenda Céu Aberto, que era um... o Serro é também uma região bastante montanhosa, então tinha uma serra enorme lá que tinha um afloramento muito bonito de minério de ferro, grande, extenso e se acreditava que aquilo seria uma reserva grande que poderia gerar uma futura mina, tal. E essa fazenda era de propriedade de um senhor chamado Reinaldo Lins Pimenta, que era uma figura também daquelas interessantes. O seu Reinaldo ele tinha feito, acho que o primeiro ano de direito e depois tinha parado, mas ele era metido a falar difícil, era pomposo, sabe? Gostava de jogar: “Ah, senhor doutor...”, quando chegava lá na Fazenda: “Como o senhor passou de ontem?”, tal (risos)...Mas sabia que era daquele pessoal bravo, sabe, Deus me livre de entrar em atrito lá (risos). E essa pesquisa do Serro já tinha sido feito um levantamento assim geológico anterior mais geral por uma outra figura que trabalhou lá em Minas que era um engenheiro de minas boliviano, Alberto ___________ Velasco que era uma grande figura também, que foi um dos meus...eu o… Vamos dizer assim, durante o período que eu trabalhei em Minas, foi um total de uns cinco anos, ele era meu grande companheiro das andanças, sabe, e esse _________ era aquele tipo bem aquela figura de índio, né, um sujeito gozadíssimo, embrulhão, mas era uma conversa, pá, pá, pá. Mas então eu fui para o Serro para trabalhar na fazenda do seu Reinaldo e eu morava no Hotel Glória, que era o único que tinha no Serro.
P/1 – Era o único hotel da cidade.
R – Era o único hotel e esse hotel eu me lembro que ele tinha 38 quartos e só tinha um banheiro e todo mundo que fazia alguma coisa de diferente era de fora e morava no hotel, então tinham lá três geólogos, que era eu da Vale e tinham dois geólogos da Geosol, que na época faziam pesquisa para bauxita e para cromita, que lá no Serro tinha o famoso morro da cromita, que é era um afloramento de cromita, que é um minério importante para siderurgia que se tem um valor bem razoável, então eles estavam fazendo a pesquisa dessa ocorrência e também várias ocorrências de bauxita que tinham na região. Era o Marcos Tadeu Vaz de Melo e o Fernando Oliveira. E os dois depois acabaram indo trabalhar na Vale também, né, tinham alguns técnicos de mineração e lá no hotel morava também a professora, a Joanita, tinha o advogado morava lá, o coletor morava lá, enfim, tinham várias pessoas, então a gente... era um lugar também bastante divertido e o Serro era um, eu costumo dizer que a viagem de Belo Horizonte para o Serro era um buraco no espaço temporal. Eu saía de Belo Horizonte em 1968 e chegava no Serro em 1868. Era uma cidade assim já tradicional, era a terceira cidade mais antiga de Minas Gerais. Houve uma época, acredito que durante algum tempo Minas Gerais tinha três municípios. Era Mariana, a metade sul era Mariana de uma lado, Ouro Preto de outro e o norte era o Serro. Imagine só. Então, por exemplo, um dos cidadãos ilustres do Serro era Teófilo Otoni, que deve ter nascido a centenas de quilômetros de lá, sei lá. Então foi o que eu disse que tinha um vereador que dizia que se para cada cidadão ilustre que nasceu no Serro se fizesse uma estátua, não haveria lugar nas praças. E esse hotel Glória ficava no canto da praça e bem nesse canto tinha uma estátua fantástica, que era a estátua do General Carneiro, pelo centenário do seu primeiro ferimento, pilarzinho com aquela cabecinha lá. E os técnicos da Geosol quando estavam de porre jogavam garrafa na cabeça do general, inclusive por motivo de discussão na reunião da câmara, fizeram lá um voto de protesto contra... E o Serro tinha umas coisas interessantes. Por exemplo, tinha um colégio estadual, mas só estudavam homens, porque o padre não deixava estudar mulher. E as mulheres tinham então que estudar no colégio das irmãs, que era um colégio particular, um internato, né? E o grande acontecimento diário do Serro era a chegada do ônibus que vinha de Belo Horizonte que saía de Belo Horizonte às seis da manhã e chegava lá às duas horas da tarde. Então antes de chegar, ele vinha buzinando lá uns cinco minutos, para todo mundo ir para a praça. Ver quem chegou, ver as novidades, jornal, revista, enfim, era o elemento de ligação do Serro com o mundo, né, o ônibus (risos). E eu tinha um jipinho. Eu peguei esse jipe zero quilômetros em 1967, eu acho que eu rodei mais de 100 mil quilômetros nesses quatro anos, né, até eu sair de Minas Gerais. Eu acredito que é por isso que eu tenho problema de coluna porque aquelas estradas eram todas cheias de costela, aquele banco duro, aquilo era uma desgraça (risos). Bom, e o interessante dessa pesquisa do Serro é que no final da pesquisa a gente descobriu que o minério só tinha que aparecer na superfície, só.
P/1 – Não tinha nada pra baixo?
R – Não, não tinha. É uma coisa assim, foi uma decepção em termos de reservas, né? Posteriormente fizeram um novo trabalho lá e até diminuíram mais um pouco, enfim, mas tinha uma área de exposição enorme, mas só tinha aquilo. Gozado, né? Então não evoluiu, quer dizer, não se chegou a bom termo, né? E terminou essa fase do Serro, daí eu fui para Timbopeba. Timbopeba era uma jazida que pertencia a uma empresa, como é que chamava a empresa... era aquela júnior que tinha uma usina lá na cidade de Itabirito, em Minas Gerais. Então para chegar a Timbopeba a gente ia pela estrada que vai para o Rio, daí entrava na variante de Ouro Preto, né, Itabirito e passando cinco quilômetros de Itabirito pegava a esquerda e entrava numas estradinhas de terra que corcoviavam naquelas serrarias e chegava lá em Timbopeba. Timbopeba era... essa ocorrência de minério de ferro foi, como diz, foi comprada pelo doutor Fonseca que fez o negócio. Foi um grande negócio, comprou barato aquilo, mas a jazida ficava num vale assim profundo, eram num dos lados do vale, era um buraco bem profundo e às vezes ficava nessa encosta e o acampamento era lá no alto, dava mais ou menos uns 1.300 metros. Lá no alto da serra era um acampamento de madeira, pré-fabricado e coincidiu que eu fui para lá em julho. E era um frio medonho, entende? Eu me lembro que a primeira semana que eu passei em Timbopeba eu fiquei com os lábios todos inchados de frio. Porque, imagine: uma casa de madeira, pré-fabricada, no alto da serra, quer dizer, era um frio horrível. Eu me lembro que para dormir eu fazia o seguinte: eu enchia o estrado da cama de jornal, botava o colchão, botava mais um monte de jornal, vestia roupa, pijama, enrolava uma toalha na cabeça, deitava e ficava quieto, porque ali, né, se você se mexesse, batesse num lugar que não estava... Parecia um pedaço de gelo, né, então ficava eu lá e eu morava lá, na época o nosso trabalho era basicamente abrir umas galerias. Então tinha um grupo de peões que morava num barracão assim, um pouco mais distante e naquela casa ficava eu e o cozinheiro, o Zé João. E esse cozinheiro fazia ali o jantar e ia dormir. Então eu ficava ali que nem um zumbi lá, tinha aquele lampião aladim, né, e ali durante muitos meses era assim: chegava, não sei, no final da tarde, começo da noite, baixava uma neblina que só levantava às dez horas da manhã. Então é interessante, depois eu vim para a Amazônia tudo e tal, mas o lugar onde eu fiquei mais isolado na minha vida foi em Timbopeba, apesar de estar ali a cento e poucos quilômetros de Belo Horizonte, mas era um lugar completamente isolado, entende, não tinha… Acho que o mais próximo morador que ficava ali devia estar a uns 15 quilômetros, numa fazendinha que tinha no meio daquela pedraria toda lá, entende, e é isso.
P/1 – O senhor era o único geólogo ali?
R – É, era eu, e como disse, tinha lá o cozinheiro que ajudava numas outras coisas ali, mas não tinha grande conversa com ele e ele ia dormir às sete horas e eu ficava lá. Imerso na neblina, lá no alto da serra, entende, e nessa época a Vale estava construindo o ramal de Costa Lacerda Alegria fábrica e então tinha, na parte baixa lá tinha um acampamento da Alegria que a Vale tinha dois grupos, o grupo de Alegria e o grupo de Cachoeira do Campo. Então de vez em quando eu dava um jeito de descer lá e tinha que atravessar a Serra do Conta História que fica naquele conjunto da Serra do Caraça, que é região de relevo mais acentuado que tem no Brasil. Inclusive essa Serra do Conta História ela é da Samitri. Eles abriram uma estrada lá com gente pendurada em corda, era uma estradinha assim que você tinha lá um precipício vertical e aquela estradinha ali, entende? Eu passava de jipe lá com um medo desgraçado porque não enxergava direito, muita neblina e aquela estradinha, daí eu descia aquela pirambeira e ia lá para o acampamento da Fazenda Alegria para poder variar um pouco e tal, né, e de um modo geral, no fim de semana, eu vinha pra Belo Horizonte com o jipinho. Mas aconteceu mais de uma vez o jipe dar o prego, ah, daí que era o... Porque tinha, uns dez quilômetros de lá tinha um ponto de embarque de carvão, né, que a usina que era junto tinha uma área grande lá que eles, de reserva que eles tiravam carvão vegetal. Então o jeito era andar esse pedaço, chegar até lá e pegar uma carona num caminhão, ir até Itabirito e lá pegava um ônibus e ia embora. Então é essas coisas assim. Então o que eu acho de mais interessante é que foi o lugar mais isolado que eu já fiquei apesar de estar lá no meio de Minas Gerais, muito mais do que aqui, porque aqui tinha bastante gente, né, acampamento de muita gente e até quando o meu chefe, ele voltou dos Estados Unidos, o Zé Eduardo Machado, não sei se vocês tem também na lista, ele viu que não tinha cabimento ficar um geólogo enfiado lá acompanhando uma galeria, certo? Porque no fim não tinha grande coisa para fazer, né? Eu ficava lá muito tempo fazendo masturbação mental (risos). Sofrendo naquele buraco lá. Daí ele... então aí que apareceu esse levantamento aeromagnetométrico do Vale do Rio Doce e foi no início de 1968. Aliás a mesma empresa, o mesmo avião, a mesma equipe que fez esse levantamento é que depois veio para cá para fazer o levantamento da região de Carajás, né, da Laza. Então eu fui fazer o cheque das anomalias de campo, que tinha uma quantidade enorme, porque lá no interior de Minas tinham muitas ocorrências de minérios de ferro, de, de, formação ferrífera vamos dizer assim. Então eu comecei um período que foi até pouco antes de eu vir para cá que era checar essas anomalias que a principal área de ocorrência era Guanhães, que tinha uma quantidade enorme de ocorrências. Eu devo ter visitado mais de 30. Umas 35 ocorrências. E o pior problema para trabalhar nessa região é a questão dos proprietários. Porque Minas Gerais já devia ser uma coisa centenária, 90% das terras tinham briga de herdeiro, né, porque antigamente a escritura era assim: “Começa lá não sei o quê, daí segue pelo espigão pá, pá, pá...”, tipo a escritura das terras da Vale eram assim: “Começa em três pedras pontiagudas, eu me lembro que tinha lá no Morro da Conceição e segue pá, pá...”. Isso só foi regularizado depois que eu entrei na Companhia em sessenta e... no final da década de 1960, que foi feito o estabelecimento de uma base topográfica, com marco de referência etc. e tal, mas até então seguia esse esquema. E no interior de Minas era tudo assim. Então, vamos dizer, o cara tinha lá vários filhos, daí ia dividir as terras, daí vivia uma briga geral, todo mundo, água de quem, essa coisa toda. É horrível. Então era um ritual chato, que às vezes era assim ó: o terreno era uma tripa assim, como uma linguiça comprida, a fazenda sede era aqui e a ocorrência era lá no fim. E tinha a cerca, passava para o outro. Coisa pequena mas a cerca passava no meio. Então eu tinha que ir atrás do cara, explicar para ele, o que que eu tinha que fazer, tá, tá, tá, tal, depois tinha que dar uma volta naquelas estradinhas desgraçadas para chegar no outro e se perdia muito tempo. Mas uma coisa que eu acho muito interessante é a história do avião. Imagine só esse levantamento aeromagnetométrico, ele para poder ter um resultado razoável ele tinha que ser feito em baixa altura. O ideal seria assim uns 150 metros, 150, 200 metros. Na realidade como o terreno era muito irregular variava de 150 a 400 metros e eram linhas passadas, não sei, acho que eram alguns quilômetros. Então imagine a situação lá naqueles cafundós de Minas, está lá o caboclo, de repente vem lá o avião baixinho. Era um bimotor se eu não me engano, voando baixinho. Passava uns tempo, lá vinha o avião de novo.
P/1 – E o caboclo lá embaixo.
R – Aí passava mais uns tempos lá vinha e assim ia fazendo aquele vai e vem, cada linha, né, e depois de uns meses aparece eu dizendo: “Pois é, o senhor está lembrado de um avião?”, “Ah, é deveras.”. Aí vinham as histórias, o que que o avião estava fazendo. Tinha um que dizia que estava caçando bandido. Tinham uns malandros que diziam: “Ah, é o prefeito que diz que contratou um avião para levantar as estradas que ele vai mandar fazer.”. Tinha um outro que dizia: “Ai, meu Deus, eu achei que o mundo ia acabar.”, diz que pegou, fechou a casa e se jogou debaixo da cama. (risos) E tinham umas histórias fantásticas do bendito avião. Depois fui eu lá com as fotos dizendo: “Ah, o avião tirou umas fotos e tal, então tem umas coisas que eu vim aqui para checar...”, daí tinha uma carta lá da Companhia, outra do DNPM, dizendo quem eu era, e tal. Mas era obrigatório ir lá falar com o cara. Eu me lembro que uma vez eu fui numa fazendonas dessas, um lá, o cara não estava, falei com a mulher, expliquei, ela “Não, está tudo bem...” e tal, daí fui lá. Depois a noite lá foi o cara atrás de mim lá no hotel em Guanhães. Que que eu fui fazer lá. “Não, eu expliquei para a sua senhora”, “ah, tudo bem então.”. Era um saco isso, né?
P/1 – E como que as pessoas recebiam o fato de ter uma Companhia de mineração...?
R – Não, de um modo geral bem, né, mas a preocupação que tinha por trás, mineiro é desconfiado, é que de alguma forma tinha alguma coisa a ver com as benditas terras que eram o cerne da confusão toda, né? E por sinal eu tive a ajuda de um senhor que tinha lá em Guanhães, o senhor Joaquim Caldeira, que sei lá se ele tinha sido prefeito, era uma figura conhecida lá, inclusive ele distribuía muito remédio que ele arrumava para o pessoal pobre, né, tinha um dia da semana que era uma romaria lá para a casa dele e tal, e esse senhor é que ajudou a gente a.. Como que se diz, a abrir as portas lá, né, dessa região toda que era Guanhães, Virinópolis, Sabinópolis e Senhora do Porto, porque ali tinha Senhora do Porto, dois de Guanhães, é um... porque a viagem de Itabira para Guanhães, tinham vários caminhos e um deles era um negócio assim, que era Itabira, Itambé do Mato Dentro, São Sebastião do Rio Preto, imagine só, você subia, descia uma cela, ia bater nesses lugares, né? É uma coisa perdida no espaço e no tempo. Daí que a gente caía, descia, descia e chegava lá no Senhora do Porto. Pegava acho que o Rio Guanhães, era uma coisa mais plana e tal e ia para Guanhães. Tinha um outro, tinha uma outra estrada, que acho que era a estrada que ia para... nem me lembro mais se era a estrada para Diamantina, daí a gente pegava um desvio, enfim, tinham vários, o mais comum era Itabira, Santa Maria de Itabira, Ferros, Carmésia, Senhora do Porto, sei lá, pá, pá, pá, caia em Guanhães.
P/1 – Tudo de jipe?
R – Tudo de jipe. Então é, em todas elas a gente saia corcoveando nessas estradas, descendo, subindo aquelas... Eu passei em Guanhães nesse tipo de atividade até quase antes de vir para Carajás, porque a história de Carajás foi assim: no final de 1969, aliás o meu primeiro contato que eu ouvi assim dizer de Carajás foi numa ocasião em que eu estava visitando a minha faculdade, eu acho que foi no final de 1967 e tinham vários colegas nossos que trabalhavam na Meridional, não, Meridional não, é na Codin, que é outra empresa concorrente da Meridional, que eles diziam que tinham descoberto no Pará uma jazida de ferro que era maior que o quadrilátero ferrífero e uma de manganês que era maior que a da Icomi. E a gente gozava, sempre dizia que tinha essa mania de grandeza que o brasileiro tem que ser tudo o maior. Mas no caso do ferro era mesmo, né? E passou o tempo, aí no final de 1969 chegou o meu chefe que era o Machado e disse: “Olha, tem isso, isso e isso e você vai para lá.”, “mas eu não vou de jeito nenhum!”, vai, não vai, vai, não vai. Porque eu acho que eu era o único solteiro da turma e solteiro é mais fácil, basta juntar a mala ali e vai embora. Casado era um problema sério, de família, essa coisa toda, então tive que ir. Então eles contrataram mais três geólogos que passaram pouco tempo em Itabira e depois nós viemos para cá em maio de 1970.
P/1 – Porque a possibilidade de trabalhar na Amazônia para você não...?
R – Não, porque naquele tempo o geólogo tinha um bom mercado, né, você com um pouco de paciência você conseguia ir para onde você queria. E não era muita gente disposta a vir para a Amazônia não. Por isso que eu acho que no começo eu acho que, aliás isso é bem típico. Vamos dizer assim, os dois estados que mais veio gente para a Amazônia, bem destacadamente, eram os gaúchos e os paulistas. O mais difícil era carioca. Nós tivemos aqui vários exemplos: a Meridional contratou aí uns dois cariocas, teve um que veio, depois chegou, veio para cá, daí passou uns quinze dias, disse que tinha um problema, pá, pá, pá, foi tanto que depois deram a passagem para ele ir para o Rio, daí ele foi voltou, ficou mais um tempo, pediu demissão e foi embora. Tinham, esses três que eu falei que vieram comigo, eram o Tiê Barsotti, que está até hoje, que está como presidente da Ferrovia Centro-Atlântica, né, essa nova que a vale comprou aí da privatização da rede ferroviária, um daqueles blocos, né, tinha o João Batista Teixeira que depois foi para a Docegeo e depois saiu, foi fazer o doutorado nos Estados Unidos e tinha um outro que era o Renato Teixeira, que era carioca, que também não conseguiu se adaptar, era o Renato que não conseguia, sabe, fazer as necessidades normalmente nas condições existentes, que sofria muito… (risos) Ficou dois ou três meses e foi embora, não era para qualquer um, a verdade é essa, sabe? O pessoal muito urbano e tal não aguentava. Nós é que éramos mais caboclos mesmo, então qualquer coisa estava bom. Então predominou bastante no início era o pessoal de São Paulo e Rio Grande do Sul. Porque o Rio Grande do Sul era um lugar que já estava com o mercado saturado e como dizia um amigo meu: “Olha, todos, sem exceção, todos os geólogos que vieram para cá são malucos, todos, não escapa um, sabe?”. Aqueles descendentes de alemão e de italianos, um bando de doido, então esse pessoal se dava bem, qualquer... Chega a esses extremos tipo eu contei do Nakashima, que vivia lá que nem um bicho, que morava com cobra e outros bichos de estimação, separado lá. Deixou o cabelo crescer até aqui, pra baixo da cintura, tinha umas unhas imensas.
P/1 – Não, só para contar a história do Nakashima, mas já está contando.
R – Pois é, eu não conheço muitos detalhes não, mas ele ficou famoso. Depois parece que ele civilizou um pouco, né, acho que a pessoa vai ficando mais velha, vai cansando, vira Teresa Batista, _____ de guerra, mas é interessante procurar saber, eu não sei que destino levou. É o mesmo caso de um geólogo que se formou em 1962 lá em São Paulo, que ele se formou, foi lá para a Petrobras e pediu para trabalhar no Acre, o que é uma coisa... porque ninguém queria: “Está bom, está contratado, pode ir, está aqui a sua passagem.” Foi e ficou oito meses lá, assim, sumiu, ficou oito meses. Então esse... eu acho que a geologia servia muito de válvula de escape, a pessoa meio inadaptada para a vida normal, civilizada, isso tem muito nessa turma desse tempo, sabe? Eu acho que eu mesmo não me dava muito bem por esses problemas todos, eu acho que a geologia é bom, assim eu sumo aí. Então tem vários. Então no começo das pesquisas aqui, principalmente na Docegeo. A Docegeo contratou em 1972 de uma vez só seis gaúchos eu me lembro, né? Então, com relação à escola, houve um certo predomínio de pessoal de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Tinha de todas as escolas. Tinha de Minas, de Pernambuco, da Bahia e tal, mas o maior grupo sempre foi de gaúchos e de paulistas. E o menor era dos cariocas. O que de certa maneira eu concordo, né, o cara largar a vida boa lá da praia, naquela época o Rio de Janeiro devia ser uma beleza, se enfiar na Amazônia, ser mordido por mosquito etc...
P/2 – Seu Vanderlei, mas como que era esse dia-a-dia no acampamento ? Essas dificuldades...
R – Bom, no caso meu, no caso particular de Carajás, o problema de Carajás é o seguinte: o Projeto Ferro, em primeiro lugar, o pessoal da Vale, que éramos nós quatro, né, nós éramos assim um grupo isolado em termos da empresa, porque ficou decidido quando foi feita a associação que a pesquisa ficaria sob a responsabilidade da Meridional, que era a subsidiária brasileira da Steel. Inclusive no começo nós mesmos não sabíamos o que pretendiam, o que fosse o nosso papel. Eles não sabiam. O pessoal da Meridional achavam que nós íamos ser ficais, tal, não ficou muito claro, sabe, fazia parte do acordo que a Vale do Rio Doce entraria com um grupo de técnicos. Mas depois no fim, como que se diz, nós fomos enquadrados normalmente dentro das equipes e sempre funcionou assim, né? Agora a pesquisa do projeto de ferro foi marcada, acho que uma das características dessa pesquisa é que como o orçamento foi feito com base na experiência da primeira fase. Que você tinha, a atividade principal foi a sondagem feita com uma sonda só, né, e a abertura de algumas galerias. Então ela tinha uma densidade e um ritmo relativamente tranquilo, inclusive pelas dificuldades tremendas de apoio logístico e tal, então isso é um contexto e com base nos dados da época, eles fizeram um orçamento, projetaram, faziam uma pesquisa que foi violenta, muito densa, né, então eu acho que ela foi muito simplista e otimista e isso nunca funcionou. Só que, ao invés de tentar adaptar tudo e tal, não, a prioridade foi a manutenção do orçamento. Inclusive eu imagino que era muito difícil, principalmente no começo fazer acerto com a United States Steel, porque o problema é o seguinte: a Vale foi imposta na associação, né, porque a jazida de Carajás ela foi descoberta pelos americanos como resultado de uma campanha que foi feita dentro dos padrões, certo? Obedecendo toda a legislação, as áreas foram requeridas, era perfeitamente legal, então eles não tinham porque abrir mão disso que eles tinham descoberto como decorrência do trabalho feito por eles, certo? Foi uma coisa perfeitamente legal. Então, inclusive nas preliminares da negociação, a coisa mais difícil foi convencer os americanos de abrir mão do controle do negócio, porque isso foi imposição do governo brasileiro, porque eles se convenceram… No fim a própria Steel também, de que era conveniente de que a parte brasileira tivesse a maioria. Então ficou 51 para a parte brasileira e 49 para a Steel. Inclusive porque recentemente tinha terminado um caso que ficou famoso no Brasil que era o caso Hanna, que durante muitos anos foi motivo de passeatas, de brigas, foi discutido no congresso. Que era uma briga velha que vinha desde o começo do século entre os nacionalistas e os liberais com relação ao uso das matérias primas liberais, inclusive o minério de ferro. A própria Vale surgiu de uma coisa desse tipo. A história da Vale começou com aquele Percival Farquhar que criaram duas companhias... então a coisa só se consolidou por causa do problema da guerra, né, que os aliados precisavam ter uma fonte de matéria prima confiável, tinham necessidade absoluta, por isso que eles resolveram, concordaram em que se criasse essa empresa brasileira que é a Vale do Rio Doce, pá, pá, pá, então assim vem a história, né, então essa briga é antiga, conforme o governo que predominava, pendia uma hora para um lado, uma hora para o outro. Então o caso Hanna surgiu porque a Hanna comprou... a Hanna é uma das grandes multinacionais que tinha ligação com siderurgia, minério de ferro, carvão, essas coisa e ela comprou o direito da São João Del Rei Mine Company, que é uma firma antiga que tinha... trabalhando com minério de ouro, ferro aqui em Minas Gerais e com problemas de tramitação legal que isso é cheio de etapas burocráticas para cumprir, isso serviu assim de pretexto para alimentar essa guerra, né, porque lá em Belo Horizonte tem aquela Serra do Curral, então o motivo dessa briga eram aquelas jazidas, de Águas Claras e outras que tinham ali, que eram jazidas muito boas, jazidas importantes aí de minério de ferro. Eu sei que no fim o motivo era esse: a briga entre dos nacionalistas, que queriam que ficasse em companhias brasileiras e os liberais que queriam que ficasse com o tal do mercado, tá, tá, tá e esse caso Hanna rendeu, e a Steel não queria que se criasse outro caso desse. Então eles entenderam que no Brasil não seria adequado, nem conveniente eles manterem o comando desse... mas por outro lado, a parte brasileira foi obrigada a dar garantias adequadas que resguardassem os direitos deles, porque como disse, isso é uma coisa que é fundamental para essa questão, que foram eles que descobriram, requereram, que eram donos dos direitos, perfeitamente legal. Então isso foi motivo de muita discussão até que se conseguisse se chegar a esse acordo que deu origem a pesquisa desse projeto ferro. E esse projeto ferro, por isso que eu estava falando a questão do orçamento, então essas decisões, é muito complicado para mudar, “não, precisa de mais dinheiro aqui, ali, pá, pá, pá, pá...”, então estabeleceu-se o seguinte: “se virem.”. Então a característica do projeto foi sempre falta de alguma coisa: falta de gente, falta de carro, falta de material, enfim. Então isso inclusive no trabalho que eu estava escrevendo foi a parte que eu achei que eu podia dar uma contribuição, porque eu durante esse primeiro ano eu tinha o costume de ficar anotando essas coisas, né, e o que eu chamo de “memórias de um quase diário.” Que não é choradeira não, mas é para mostrar que o negócio era terrível. O gerente geral era o Huff, ele tinha o costume de trabalhar com projeto de mineração no México, na Venezuela e no Peru. Onde eles tinham a prática de tratar os nacionais com arrogância, com desdém, eles não davam bola, eles faziam o que eles queriam, eles não respeitavam praticamente nada. Quer dizer, o respeito pelas outras coisas era o mínimo indispensável. O próprio Milton Resende, que era o vice presidente da Meridional, que era o diretor, no caso o diretor técnico ligado a esse projeto, ele era contra trazer um gringo para ser chefe do projeto aqui. Porque ele sabia que o brasil estava numa outra situação. O Brasil estava numa outra etapa de evolução. Nada comparável com o que acontecia na Venezuela, por exemplo, no Peru, onde o Huff, que eram as tais das minas cativas, que eles faziam lá o que queriam praticamente e tratavam os venezuelanos e peruanos no chute, tal. Então é nessa história que a gente entrou. Então a prioridade era essa. Era manter o cronograma e o orçamento e não quer nem saber de que jeito, então foi um sofrimento nesse sentido, sempre pressão, a gente sempre correndo atrás, quer dizer, quando eu cheguei o alojamento não estava pronto, a gente tinha que fazer cocô no meio da cana, não tinha banheiro, pra tomar banho era um cano furado e a gente tomava banho ali… Isso é o de menos, não tinha carro, faltava isso, faltava aquilo, e era muito difícil porque era um programa, você tinha que, eram numerosas máquinas de sondagem trabalhando 24 horas, galeria trabalhando 24 horas, né, abrindo picada por isso tudo aqui, chegou a ter dez acampamentos simultâneos, chegamos a ter 800 pessoas, então você manter isso tudo unicamente com apoio aéreo e usando essas tralhas voadoras da Segunda Guerra, não é mole! Hoje em dia eu penso que isso só aconteceu porque o Huff foi do jeito que foi. Se fosse assim esquema tipo Docegeo, tudo bonitinho, arrumadinho, isso não ia sair não, naquelas condições não saía. Teve que sair no tapa, na marra mesmo.
P/1 – Muito improviso?
R – Não improviso, mas faltando coisas, quer dizer, você se sempre tinha... às vezes você tinha, por exemplo, seis, sete topógrafos, mas só tinha peão para duas equipes, né, precisava de carro para levar, distribuir: “não, vai à pé”, então às vezes os técnicos, mesmo os geólogos, peão, andavam cinco, seis, sete horas entre ir e voltar para o trabalho, quer dizer, o trabalho não rendia quase nada, porque a maior parte do tempo era andando, sabe? Então a conclusão é essa: se a gente tivesse tido um pouco mais de recurso, um pouco mais de autonomia também, porque o Huff era concentrador, ele resolvia ele tudo lá de Belém. Então a gente vivia fazendo radiozinho de tanto metros, tanto isso, tanto aquilo e ele resolvia, mandava fazer furo, mandava construir as praças, que as praças de sondagem é. Lá no _________ que a gente vê bem. A gente faz uma plataforma de canga. Você pega bloco de cana junto e faz tipo uma plataforma para botar o equipamento em cima. Isso é trabalhoso. Estender a rede d’água. Porque às vezes eram quilômetros de encanamentos para se chegar na fonte. Então, vamos dizer, depois de tudo isso preparado, aí de repente cancelava tudo, mudava tudo, cortava, mudava para outro lugar, então era uma correria e muita limitação. Além desse problema pela própria natureza do serviço. Nós tínhamos aqui numerosos aviões. Eram dois B-24, eram da Segunda Guerra inclusive um tinha até furo de bala, sabe, eram aqueles liberation, B-24. Tinha o C-82, o vagão voador, tinha Catalina.
P/2 – Todos tinham nome?
R – É, quer dizer, era uma série de aviões e todos eles eram ainda da Segunda Guerra. E era uma confusão porque todos eles eram empresas, por exemplo tinha um avião que diziam que tinha 20 donos. Era o famoso BTZ, que esse é o Bravo Tango Zulu. Esse foi folclórico aqui. Chegou uma época que a gente tinha pavor até desse avião, porque de vez em quando dava pane. E, por exemplo, eu até conto a história que eu chamo de “frango nosso de cada dia.”. Que um dos componentes principais da comida era frango. E o frango era assim: de madrugada ele saia do frigorífico, ia para o aeroporto, porque o avião saia no nascer do sol, daí começava a novela. Às vezes o avião ia dar a partida aí não pegava, estava em pane, outra vez os pilotos não queriam voar porque não tinham recebido, aí tinham que ir lá para a Meridional, lá para o escritório, outra vez iam abastecer, o cartão estava vencido. Enfim, com esse vai e vem, muitas vezes, o avião saía lá para as dez, onze horas da manhã e chegava aqui em M-1, eram duas horas e meia de viagem, e bom, depois chegava lá e tinha o problema de distribuir para os acampamentos, o principal era M-4 aqui e M-1 fica a 25 quilômetros. Daí não tinha carro, então jogavam os frangos lá numa lona. O mesmo acontecia com a carne: a carne vinha de Marabá, Imperatriz, chegava aqui em M-1, despejavam numa lona lá e como tinha muito mosquito, às vezes borrifavam com inseticida. (risos) Conclusão, às vezes esse bendito frango chegava aqui em M-4 às cinco horas da tarde, quer dizer, saiu do frigorífico as seis horas da manhã, até chegar aqui cinco horas da tarde, imagine só, né? Tinha umas crises de disenteria gerais aqui, né? Eu me lembro até que antes de eu vir, eu fui lá no hospital de Itabira, com uma médica colega nosso e disse: “Ó, você me arruma aí um estoque dessas coisas mais úteis, coisas desse tipo, né, disenteria, dor de barriga, dor de cabeça, não sei o que, então eu trouxe uma caixa de... e todo mundo me gozava, mas foi a salvação nos dois primeiros meses, porque não tinha médico, tinha médico previsto mas não veio.
P/1 – Não veio médico?
R – Não tinha médico, né? Estava previsto mas não tinha. E remédio também não tinha, então todo mundo ia lá atrás de mim: “está vendo, vocês estava me enchendo o saco com essas histórias aí, me gozando, foi o que ajudou aí a....”. É, no fim a gente vai acostumando, vai melhorando, mas realmente a comida era brava, né? Porque aqui em M-4 tinha a cozinha, fornecia refeição para esse povo todo, né, você tinha galeria três turnos, sondagem espalhadas, gente para todo o lado, então funcionava 24 horas. E aí na cozinha do M-4 tinha um caldeirão, que era desse tamanho assim, dessa altura, que eu chamava de caldeirão olímpico, porque ele ficava aceso sem parar. E lá acho que jogavam tudo que aparecia na cozinha: arroz, feijão, casca de batata, sapato velho, barata, tudo. Varia a cozinha e jogava lá dentro (risos). E o peão gostava: “sustança, né?”. Era uma coisa preta assim. Aliás o peão ele só quer comer também. O problema do peão é a farinha. Única, acho que duas vezes aqui que a coisa ameaçou engrossar foi quando faltou farinha. Impressionante. Tinha gente que metia farinha na sobremesa, né, que aqui compravam muita lataria, doce de pêssego principalmente, então o cara botava lá o pêssego, calda e farinha. Farinha é religioso.
P/1 – Mas queria engrossar como?
R – Não, negócio de greve, disso, daquilo, porque de um modo geral o pessoal eu sempre achei que sempre foram muito assim disciplinados, acomodados, eu acho que peão de um modo geral é acostumado assim a uma vida mais difícil assim e tal, não, para eles estava bom. É a tal história da relatividade das coisas, que eu até conta que em uma ocasião eu estava sentado no aeroporto de Marabá esperando um avião, isso logo depois do início da construção, algum tempo depois, acho que foi em 1983, então tinha um engenheiro que dizia: “pois é, você precisa ver quando eu cheguei em Carajás não tinha piscina, não tinha isso, não tinha aquilo...”, eu fiquei olhando
para ele... Imagine eu que não tinha onde fazer cocô! (risos) Por um outro lado eu uma vez encontrei um velhinho no acampamento de M-5 lá da galeria que ele achava aquilo o máximo, ele estava maravilhado, porque ele disse que tinha água quente para tomar banho, o pessoal esquentava a água em tambores e jogava aquilo no sistema. Então tinha água quente para tomar banho, ele comia bem, imagine só o que ele comia antes e ainda ganhava dinheiro, porque ele era desse famoso pessoal que era contratado por gato, os gatos da Amazônia, eles viviam que nem bicho, sempre ficavam devendo, porque eles jogavam os caras nos desmatamentos, nessas coisas aí e é o tal sistema do aviamento, quer dizer, o cara, alimentos e outros objetos de uso pessoal tudo, pegava num fornecedor que era do patrão e eles cobravam um preço tão absurdo que o cara estava sempre devendo. E comiam sei lá o quê para ele achar a comida do acampamento uma maravilha, né, então é essa história da relatividade. Então, o peão aqui ele tinha dois problemas: não tinha a bebida, que era terminantemente proibida e não tinha mulher. Então não tinha bebida e não tinha mulher, então o potencial de conflito reduzia drasticamente, né, e eles também não tinham muitas pretensões para outras coisas, né, quem mais chiava mesmo éramos nós, né? Eu, por exemplo, emagreci oito quilos. Daí eu cheguei para o meu chefe, o coronel Pagani e disse: “Olha, se eu emagrecer aqui mais dois quilos eu vou embora porque eu não quero morrer aqui nessa desgraça.”. Não, mas daí aos poucos foi melhorando, né, depois logo em seguida eu fui para Belém para começar a trabalhar no relatório, mas eu me lembro que nos últimos meses eu vivia de Sustagem que eu trazia, né, biscoito, Sustagem e uma salvação nossa aqui sempre foi o pão. Que aqui sempre teve um pão jóia, que era o nosso padeiro aí o Gato, o salvador da pátria. Ele fazia um pão, quer dizer, então a gente comia batata, pão, sopa, Sustagen, essas coisas, por que o arroz com feijão… Tinha muito trambique também, né, tinha um administrador no começo o Cabeção, Tomás Cabeção, essas figuras que no começo aqui era uma verdadeira legião brasileira e estrangeira, gente de tudo quanto é tipo, de todo lado, né, e esse Tomás ele se dizia administrador, era um cara falante, sabe, tal, pá, pá, pá e depois nós descobrimos que, por exemplo, ele comprava arroz como se fosse de primeira, mas na realidade o arroz parecia uma areia, todo quebrado. Feijão, era o feijão cheio de gorgulho, então depois que a gente foi descobrindo aos poucos que isso tudo era pago como se fosse de primeira e vinha toda essa droga e eles deviam receber lá, acertar lá... novidade no Brasil, né, imagine? Esse Tomás depois se envolveu num rolo aí, um negócio de pagamento de peão, mandaram embora. Depois me disseram que na verdade ele era um cabra enfermeiro. Não era coisa nenhuma administrador. Daí saiu o Tomás, apareceu uma figurinha aqui que era José Afonso Aragon, era de São Salvador, era uma figurinha toda empinada, tinha um bigodinho, sabe, parece daqueles filmes mexicanos. Ele dizia ter curso de administração, economia nos Estados Unidos, na Inglaterra, o escambau e a gente dizia: “o que que esse cara vem fazer nesse buraco aqui?”. Era uma figurinha metida. Também se envolveu numas embrulhadas aí, mandaram embora. Daí parou pelo menos. Daí começou a ter uns administradores mais pé no chão e mais um dos problemas era esse: o Huff parece que quem aparecia lá na frente dele ele contratava, principalmente se falasse inglês, né, e nesse, por exemplo, apareceram aqui dois gringos, era o Jimmy Brocco e o Ralf ______, que dizem o seguinte, um deles parece que trabalhava na _________, daí cortaram o programa e o outro trabalhava em Goiás numa fazenda que também acabou, daí eles ficaram zanzando por aí e foram bater lá na Meridional, o Huff contratou. Eles vieram para cá como técnicos de sondagem. Sei lá se eles já tinham visto uma sonda na vida. E às vezes ficava lá o cara horas olhando a sonda. _____________ uma vez perguntou para mim: “doutor, o que que esse cara faz aqui?”. “Olha, deixa isso pra lá. Nem ele sabe, nem eu. Deixa, não está perturbando, deixa.” (risos) Não, mas eles eram boas pessoas, eu só cito isso porque, pela situação esdrúxula da contratação, né, pra mim qualquer pessoa de nível melhor que aparecesse por aqui era ótimo, né, e eram boas pessoas. O foi Ralf embora logo e o Jimmy ele continuou aqui até que quando nós estávamos pesquisando lá na Serra Leste, numa ocasião ele se perdeu, foi passar de uma clareira para outra, ele se perdeu e só foi encontrado dois dias depois, mas não teve problema nenhum. Mas o gozado que nas andanças procurando pelo cara nós passamos em cima onde descobriram o ouro de Serra Pelada, depois em 1980, quer dizer, na mesma drenagem ali na Babilônia, ali.
P/1 – Mas não descobriram naquele momento?
R – Não, porque ninguém estava procurando, nós estávamos procurando o gringo. Mas com certeza, devemos ter andado um bocado ali para cima e para baixo em cima do lugar onde apareceu depois o ouro de Serra Pelada, né, que a Serra Pelada, esse nome apareceu por causa da Serra Leste, que é um morro que tinha um afloramento de minério de ferro em cima então era pelado, chamavam de Serra Pelada, por causa da casca de minério de ferro que não deixava desenvolver a vegetação.
P/1 - Seu Vanderlei, vamos fazer uma pausa?
[pausa]
R - Bom, eu estava falando sobre o programa de pesquisa, né, então a pesquisa em Carajás teve várias fases. A primeira, que foi, vamos dizer, da descoberta em julho de 1967 até o início de 1970, que foi feito pela Meridional usando as equipes próprias e que era uma pesquisa mais limitada ao reconhecimento superficial de todas essas clareiras que formavam a Serra Norte-Sul… Porque esses detalhes assim seria bom uma hora qualquer a gente olhar o mapa, porque falar de certas coisas sem planta é complicado, né? E as atividades mais detalhadas se concentravam na clareira de M-1, que foram feitas algumas galerias de pesquisa, eram três galerias e um programa de 17 furos de sondagem, que foi feito com uma sonda só que era da Companhia __________. E a partir do momento que se definiu a sociedade é que iniciou então o que eu chamo de Projeto Ferro que foram dois anos de pesquisa de grande intensidade, né, que, vamos dizer assim, o efetivo médio ao longo desses dois anos pode-se dizer que é em torno de 500 pessoas, tendo chegado até 820, foi o pico no auge, foi em meados de 1971.
P/1 – Tinham 800 pessoas trabalhando?
R – É, e tinha, isso distribuído por numerosos acampamentos, tinha sempre um acampamento base em M-1 e outros acampamentos
que serviam de suporte para essas atividades de pesquisa conforme a clareira. O principal foi o M-4, que é aqui onde nós estamos, aonde está a mineração principal até hoje. Depois teve acampamento também em M-5, que é outra clareira importante que está sendo lavada agora e lá na Serra Sul, na clareira S-11, que já tinha sido aberta uma estrada que vai até lá, quarenta e poucos quilômetros, que liga a Serra Norte a Serra Sul. Lá foi feito também um programa grande de sondagem, duas galerias, então esses seriam os acampamentos principais e tem uma série de clareiras menores onde se faziam acampamentos provisórios para atender a esse levantamento de superfície. Então, circunstancialmente chegou-se a ter dez acampamentos simultâneos e para dar suporte a essa atividade toda, nós dispúnhamos principalmente dos helicópteros. Nós tínhamos aqui três helicópteros, um helicóptero grande que era o Bel-205 que levava até 13 passageiros e podia carregar até 1.500 quilos de carga externa e tinham dois helicópteros menores, que era o Bel-206 que levava até quatro passageiros. Então a nossa rotina todo dia, vamos dizer, depois, no começo da noite, todos os acampamentos passavam o programa, né, as necessidades, a programação em do que eles iam fazer em termos de levar e trazer gente, mantimento etc., daí a gente juntava tudo, passava para o M-1, então se fazia o programa do helicóptero. Então a gente tinha helicóptero rodando todo o dia, aqui o tempo todo. Aliás eu digo que os principais artistas aqui das pesquisas foram os helicópteros, que também foram as grandes contribuições dos americanos para a pesquisa, a operação desses helicópteros, né, a instalação, a manutenção e a operação desses helicópteros nessa escala, né, que nós tínhamos quatro pilotos e quatro mecânicos, além do pessoal… Outros de apoio. Então essa foi a grande arma da pesquisa. Inclusive os helicópteros, eles faziam mudanças da sondagem. A sondagem era desmontada, eles faziam uns amarrados e aquilo era levado com o helicóptero de um lugar para outro. Porque se fosse fazer isso por estrada, teria demorado um tempo muitíssimo maior, não sairia no prazo de jeito nenhum.
P/1 – Haviam estradas que ligavam um acampamento para o outro?
R – É, havia uma estrada básica aqui que ligava todas as clareiras aqui de Serra Norte, que era N-1, N-2, N-3, N-4, N-5 e N-8, né, que as 6 e 7 são duas clareirazinhas pequenininhas aí e a N-8, tinha uma menorzinha lá no final que é a N-9. Então aqui na Serra Norte eram nove clareiras. E nós tivemos trabalho de superfície em N-1, N-2, N-3, N-4, N-5 e N-8, que é a sondagem, que é o trabalho mais pesado. Então tinha todo dia esse ritual e o Sapão, que a gente chamava, que é o helicóptero grande, então os dois ficavam rodando aí. É tipo uma jardineira aérea aí. Levava comida, levava peão, trazia peão e leva coisa, mudança de sonda, enfim, eles tinham uma atividade enorme todo dia. E você manter esse esquema funcionando nesse nível é trabalhoso, é custoso e tinha que ter realmente uma equipe muito boa, nós tínhamos uma equipe excelente. Tinham dois americanos, que eram supervisores, tinha um de, de operação que era o Fit (?) e outro de manutenção que era o Frank Felps (?), e os quatro pilotos e quatro mecânicos de especialistas. E tinham auxiliares e outro pessoal de apoio. Então o trabalho essencialmente consistia na abertura desses furos, aí você tirava o testemunho, coletava amostras, as amostras eram preparadas. Havia um laboratório de preparação de amostras lá em N-1 e depois esse material moído e tal era mandado para o laboratório do quilômetro 14, onde é hoje o escritório da Docegeo e outras áreas da Vale, né, lá em Santa Luiza. O nosso laboratório aqui tinha condições de fazer análises mais simples, mas análises mais detalhadas eram todas mandadas para lá.
P/1 – Essas análises davam conta da potencialidade de Carajás...?
R – Vamos dizer assim, é a caracterização química do minério, né, fazer a análise de uma série de elementos, ferro, fósforo, alumina, sílica e tal, né, era uma análise padrão e nas galerias tinham também alguns equipamentos simples que eram de classificação do minério, de peneiramento, separação de frações e tal. Então, essencialmente bem simples o trabalho aqui era esse, quer dizer, fazer furo, fazer galeria, tirar amostras, analisar e basicamente isso. O pessoal aqui de Carajás, como eu já disse, era uma salada imensa, né, você tinha... a maior parte era do nordeste, principalmente do Maranhão, porque o centro de recrutamento era Marabá. Então lá no centro de Marabá o pessoal era recrutado e mandado para Belém, porque fazia-se uma série de exames de rotina e Marabá era muito complicado, não tinha condição. Também davam uma série de vacina, anti-amarílica etc., enfim. Era contratado em Marabá, mandado para Belém, fazia exame médico tal e vinha para Carajás. Então na época em que eu vim existia uma verdadeira ponte aérea aqui, principalmente de Belém, né, Belém, um pouco também de Marabá e Imperatriz, né? Porque todo esse material, é cano, material para sondagem, mantimento, tudo vinha de avião. Então aqui houve alguns meses que era avião subindo e descendo o tempo todo, né, é uma operação de guerra mesmo, porque foi assim nesses meses que se passou de umas 200 pessoas para 500, 600. Então era um movimento muito grande. Então, além do pessoal do nordeste, principalmente maranhenses, tinha uma variedade enorme de pessoas, gente de todo tipo, aventureiro, maluco, volta e meia pintava uns bichas aí, porque lugar só de homem atrai, né, e pessoal que queria se esconder da polícia, outro
perseguido político mesmo e tal. Sei que pintava gente aqui de tudo quanto era lugar e de tudo que era jeito, porque Carajás era um bom esconderijo.
P/1 – E como que se administrava esse tipo de diferença?
R – Não, como eu disse, não tinha grandes problemas. Aqui nunca houve grandes problemas, não. Eu acho que o pessoal geral eles não tinham grandes pretensões, nem grandes perspectivas, muitos deles trabalhavam assim sazonalmente, principalmente o pessoal aqui do Norte mesmo, eles estavam acostumados a trabalhar por período, né, no verão é uma coisa, no inverno é outra, né, acostuma. Tinha um pessoal que trabalhava na coleta de castanha, que aqui essa região é a grande produtora de castanha do Pará, né, é a região que historicamente tinha uma quantidade enorme de castanheira, aqui ainda tem alguns castanhais nativos, porque o resto já dançou, né? Então, a época de castanha é de algum tempo por ano e assim por diante, né, geralmente no verão tinha mais atividade, no inverno a coisa pára. Muita chuva, tinha um pessoal que trabalhava como caçador de pele de gato maracajá, que um gatão, tipo uma oncinha que tinha muito na região. E esse pessoal costumava ficar seis meses enfiado no mato aí. Enfim, e essa turma é muito boa para esse trabalho porque eles já tinham o costume, né, eles estavam plenamente adaptados a essa vida de mato aí. E não tinha grande confusão. Se você imaginar uma quantidade de gente tão grande, porque não tinha bebida, que era proibido e não tinha mulher também. Então...
P/1 – Jogo tinha?
R – Não, o pessoal jogava muito assim dominó, sabe essas coisas, mas não era muito jogo de azar, baralho, essas coisas não, então, o que a gente pode chamar de lazer aqui, o principal sempre foi o cinema, que no comecinho era uma tragédia porque a gente usava o equipamento que tinha e os filmes que arrumava, chegou até filmes acho que ________, esses negócios de cultura de trigo no meio oeste americano, de vez em quando apareciam uns... o mais comum eram os filmes de faroeste, né, sendo que muitas vezes quando era cinemascope que não tinha lente, então aparecia aquelas figuras cumpridas, não sei se você já viu aqueles filmes distorcidos e o operador era o mecânico de helicóptero, enfim, depois quando mudou para N-4 daí já tinha equipamento melhor e tinha uma empresa, se não me engano de Castanhal que fornecia os filmes. O problema é que não podia escolher não, vinha aquele bolo, aquele pacote, então era o que aparecia. Eu me lembro uma época que tinha muito filme de kung fu, sabe, aquele filme virava piada, né, o cara pulava por cima da casa (risos). Às vezes o operador estava de saco cheio, ele tinha três rolos para passar, ele passava o primeiro daí pulava para o terceiro, para ir mais rápido... Então, a grande transação aqui eram as folgas, o regime de campo forçado, então tinham as folgas. Que essa folga sempre foi um problema, tanto para definir uma regra assim duradoura como também para resolver um monte de problema associado, porque a legislação era inadequada para enquadrar aquilo corretamente. Era um regime muito particular e tinha problema, “e dia de viagem, conta, não conta e as despesas de viagem?”, então era uma discussão perpétua e nunca... sempre foi, na Docegeo também era um problema, mas pelo projeto ferro pela Meridional, eles tinham três categorias de pessoas: tinham o staff, que é o superior, que era de quatro para um, que é 28 de campo a sete de folga; o intermediário era seis para um, que era 42 dias de campo para sete de folga; e o geral era oito para um, 88 para 11, que é um horror, né, três meses e depois mais, vamos dizer assim, no máximo duas semanas de folga. Sendo que para muitos deles eles moravam tão longe que pra chegar lá e voltar eles já levavam metade da folga. E muitos outros é o problema de solteiro, lá ia o peão com três meses de campo, se enfiava nos cabaré de Marabá, em três ou quatro dias ele já voltava pro escritório pedindo para voltar para o trabalho porque tinham depenado ele todinho. A mulherada já tinha rapado o dinheiro dele todo. (risos) Até eu tava escrevendo sobre isso e aí eu me lembrei de uma poesiazinha que tinha no Pif-Paf do Cruzeiro, aquela revista O Cruzeiro, que era o Vão Gogo, que é o Millôr Fernandes, né, que era a poesia do funcionário público, que dizia assim: “Só os barcos, passeios e a volta a velha chatice, alguns dias de bronzeio e meses de amarelice.”, então o peão passava os três dias de glória dele, depois voltava aqui (risos). Mas também naqueles dias ele era o rei, né? “Hoje não tem mulher pobre aqui” (risos)
P/1 - Passava bem para burro (risos)
R – E o pessoal da Meridional era altissimamente cotado aí em Marabá... O peão cheio de vontade e cheio de dinheiro, então limpava com ele. (risos) E essa conversa fiada com o negócio de folga, porque tinha uma outra coisa que era muito, isso em toda pesquisa daqui, como na Docegeo e em todo lugar, era a famosa rádio peão, né? A rádio peão é um negócio gozasadíssimo porque mesmo nos acampamentos mais distantes a peãozada ficava sabendo de tudo e rápido, né, porque era esse vai e vem de folga, avião todo dia, então lá... e o que eu acho interessante é que a notícia geralmente tinha fundamento, então a rádio peão era famosa. O que acontecia a rádio peão noticia, não escapa. Então essas conversas sobre esses caras... tinha uns negócios que o cara estava uns tempos enfiado no mato trabalhando, de repente vinha uma cartinha denunciando que ele estava sendo chifrado, aí o cara vai chorar na administração dizendo que precisava ir embora, que a mulher estava morrendo, a mãe estava doente, essas conversas de matar a mãe, pai e tal, é uma aporrinhação permanente.
P/2 – O senhor ficava responsável pelo trabalho de pesquisa ou tinha alguma incumbência administrativa?
R – É, eu digo que eu era supervisor da equipe da Vale, porque eu já tinha uns cinco anos de experiência e os outros eram recém formados. E nos acertos das montagens aí eu fiquei como o responsável pelo setor de geologia porque o que era o chefe da geologia, que era o Elton, logo ele saiu, foi embora para o escritório da Meridional no Rio. Então eu fiquei como uma espécie de chefe do departamento de geologia e que na maior parte do tempo eu ficava fazendo esses famosos relatoriozinhos diários, juntando informações e eu é que normalmente ficava no rádio pegando dados dos outros para fazer a programação e tal. Também questão de plotar dados, fazer sessões, mapas, né? Que a coisa era muito intensa então isso dava muito trabalho. Então basicamente é isso. Você passava o período de campo, ia para Belém passar folga, às vezes viajava tanto para Belém como para o Rio para uma reunião, coisa assim, mas… Até quando chegou mais ou menos em meados de 1971, quando já estávamos entrando na reta final da pesquisa, aí nós começamos a viajar com maior frequência para Belém para começar a preparar o relatório final de pesquisa e no começo de 1972 aí eu fui de uma vez para Belém para trabalhar nesse famoso relatório, que ele levou muito tempo para ser feito, porque era uma área muito grande, de muito trabalho e também tinha muita discussão, enfim, esse bendito relatório acabou levando um anos e meio para ser feito, né? Paralelamente a esse trabalho aqui, já desde de metade da pesquisa já se tinha uma clara idéia de que realmente a jazida era imensa e que já podiam começar a se fazer os tais estudos de viabilidade. Então as empresas resolveram construir um grupo, que resultou na criação da Valuec Serviços Técnicos. É uma empresa formada por pessoal de planejamento da United States Steel, eles tinham uma empresa que era a UEC - United States Steel Engeniring Consulters e a Vale nessa ocasião criou a REDEP - Vale do Rio Doce Engenharia e Planejamento, que foi uma subsidiária da Vale criada para representar o mesmo papel da UEC, ou seja, se tornar um instrumento de planejamento da Vale do Rio Doce, então foi aí que apareceu a REDEP. Então a Valuec, essa tal empresa que cuidou desse estudo de viabilidade era formada pela UEC e a REDEP, era o pessoal de planejamento da Vale e da Steel, né, e antes disso, desde de antes da pesquisa tinha sido constituída a chamada Amazônia Mineração, que era a sociedade entre a Vale do Rio Doce e a United States Steel que iria cuidar do assunto Carajás. E a Amazônia Mineração então contrataria a VALUEC para realizar o estudo de viabilidade. Já bem no início do estudo de viabilidade que começaram a se intensificar as diferenças entre a parte brasileira e a parte americana. Porque pelos entendimentos iniciais tinha se estabelecido que todo estudo de engenharia, viabilidade, mineração e tudo seria feito pelos americanos. Isso era condição inicial da sociedade. Agora, na medida que a Valuec começou a funcionar, a parte de engenharia brasileira nunca aceitou isso tranquilamente, sabe, então começou a batalhar, a fazer pressão e tal e foi aos poucos assumindo uma série de papéis que somando-se ao desencontro que havia nas perspectivas eu as duas partes tinham do projeto. A Vale do Rio Doce, o governo brasileiro, enfim, a Vale, ela queria tocar o projeto logo para frente e os americanos não. Eles não tinham interesse nem vontade absolutamente de investir uma grande quantia de dinheiro para desenvolver esse projeto ferro que para eles não tinha um particular interesse, que eles tinham uma mina grande em operação na Venezuela que era o Serro Bolívar lá da Orenoco Mine e tinham outras minas importantes no Canadá, no próprio Estados Unidos, então o significado de uma mineração de ferro como Carajás era completamente diferente do que para a Vale do Rio Doce, em relação a qual o projeto Carajás foi um lance vital, né, para a própria continuidade da empresa. Então foi se juntando isso tudo, então já em 1974 a coisa estava difícil de se chegar a um acordo, né, e foi nessa época... bom, e tinham alguns aspectos formais que precisariam ser atingidos para que a Amazônia Mineração pudesse efetivamente assumir esse projeto, acabar com essa, porque até então a gente tinha a Meridional fazendo a pesquisa, né, completando a pesquisa, a Vale com esse pessoal participando e tinha a VALUEC contratada pela Anza que eram as duas, fazendo o estudo de viabilidade. Então teve uma época que foi mais ou menos paralelo, né? Bom, o principal objetivo do projeto ferro era fazer a pesquisa para obter dados para fazer o relatório para que o DNPM, enfim, o ministério aprovasse o plano de pesquisa. Então isso era o essencial. Então aprovado o plano de pesquisa, quer dizer, garantidos os direitos de lavra e tudo, daí é que se pode partir para a efetivação da Amza. Então a Amza assumiu o ferro Carajás e a VALUEC também no final de 1974 completou o seu objetivo e foi dissolvida. Então passou a existir a Amza, a Amazônia Mineração. Que até então só fazia figuração, vamos dizer, na realidade... Agora essa VALUEC no início era complicado porque você tinha... os pontos de vista eram diferentes, os gringos eram arrogantes, né, criavam caso, e tinha o problema da língua, a VALUEC era um saco porque todos os documentos tinham que ser produzidos em inglês e português, entende, imagine só aquela papelada, relatório monumental, tinha que ser tudo bilíngue. Isso continuou na Amza até dissolver a sociedade. Tinha uma turma grande lá que cuidava dessa parte de documentação, tinha que produzir tudo em inglês e português, todos os textos da Amza você vê lá... Bom, então vamos dizer que no final de 1974, início de 1975, a Amza assumiu para valer e nessa época as diferenças entre as partes já estavam se acentuando. Inclusive os americanos não queriam investir na estrada de ferro porque eles diziam que a estrada tinha um papel que iria muito além do transporte de ferro, então isso deveria ser papel, ficar a cargo da parte brasileira, enfim, tinha todo esse conjunto... eles não tinham interesse de tocar o projeto para a frente, a Vale queria porque precisava, foi indo, foi indo, e nessa época já tinha entrado o tal do Fernando Reis, cujo estilo era bem diferente. O Fernando Reis era tipo trator, era botar para quebrar. Então, quando ele entrou, a coisa acelerou: ou vai ou racha! E nessa época que eu digo que já tinha por um outro lado uma situação diplomática entre o Brasil e os Estados Unidos estava quente, porque o Brasil não tinha assinado o tratado de não proliferação de armas atômicas e além disso fez um acordo nuclear com a Alemanha, o que para os Estados Unidos era terrível, porque abria uma..., né, era muito perigoso, né, você imagine o quintal, a turma do quintal vai lá para a Europa, sai fora da esfera, esse negócio, então a situação diplomática estava... A Vale historicamente nunca cuidou muito disso, tanto que quando ela acordou para isso lá no quadrilátero, ela já não tinha muita opção. Nesse sentida a importância do doutor Fonseca. Foi ele quem comprou Timbopeba, entende, e outras jazidas ali para a Vale. Porque quando eu entrei para a Vale do Rio Doce se achava que o Cauê tinha minério para sempre, pro resto da vida, porque o nível de produção era relativamente pequeno, né, e o Cauê e Itabira eram várias jazidas, né, tinha Cauê, Conceição, Dois Córregos, Periquito e outros ali, então o que se enxergava geralmente era achar que o distrito de Itabira era suficiente. Mas acontece que a vale entrou num processo de desenvolvimento muito acelerado, inclusive depois da revolução passou a ser uma espécie de agente do governo, um dos pontos importantes da política governamental foi desenvolver o setor mineral, né, e a Vale do Rio Doce se tornou uma espécie de agente do governo para essa área, entende? E como a Vale tinha se saído bem em alguns projetos ela adquiriu uma certa autonomia, então ela pode desenvolver muita coisa segundo a sua linha estratégica de atuação. Ela adquiriu uma certa liberdade, né, então a Vale evoluiu muito, ela, quando, eu não me lembro assim dos números, mas em poucos anos ela dobrou, triplicou a produção e ela entrou numa escala de aumento de produção muito grande. Então em dez anos mudou radicalmente a condição. Então no final desse processo tornou-se claro que a Vale... que convinha para a política nacional de suprimento de matéria prima reservar mais as minas do quadrilátero para abastecimento da siderurgia nacional, que inclusive também tem um processo muito grande de crescimento, tal e outro fator importante era o balanço de produto, tipo de minério, porque eu quando entrei na Vale, o grande produto de comércio internacional era um minério grosso, chamado lamp, era o minério classificado, ___________, quer dizer, era o minério peneirado, então é o minério grosso e depois, já na época de Carajás, a coisa tinha evoluído por necessidade de homogeneização, né, os ganhos de produtividade, a concorrência e tal, o mercado passou a exigir um produto muito mais homogêneo. Então isso só se conseguia através de um pré tratamento. Então o minério antes do uso do auto forno, ele tem que sofrer uma preparação prévia. Então eram dois tipos: sinter feed e o pellet feed. Quer dizer, era o sinter e o pellet, né, que foi mais ou menos naquela época que começou a Vale a construir as usinas de pellet . O pellet é uma bolinha feita com pó de ferro, né, e o sinter é uma massa, que você tem um minério granulado pequeno que você mistura com pó de carvão, esquenta aquilo, então já tem uma pré fusão, mas em resumo, isso tudo era para produzir uma material que você garanta maior homogeneidade, quer dizer, tanto em termos de teor quanto de características físicas. Ou seja, então a evolução do mercado mudou o tipo de minério e a tendência do quadrilátero ferrífero era produzir cada vez mais minérios muito finos, enquanto que o grosso do mercado passou a ser dos chamados sinter feed, o minério sinter, que é o minério numa faixa granulométrica intermediária, e não podia ter muito super fino, então tinha que ter no máximo 20% de super fino e Carajás é a mina por excelência de sinter feed, é um minério granulado natural. É quase que um sinter feed natural. Então esse conjunto de, vamos dizer, estratégias brasileiras de suprimento de matéria prima, mais as características do mercado que passaram a dominar, mostraram que a se Vale do Rio Doce ficasse somente lá nas suas reservas do quadrilátero ela em pouco tempo ia chegar num nó básico, ela não ia conseguir manter o seu esquema de produção. Então para isso era fundamental, isso foi feito um trabalho por uma das pessoas mais importantes da Vale durante muito tempo, que era o João Carlos Linhares, que era um dos diretores que... desses históricos da Vale também que nós falamos, tinha o Belleze, tinha o João Carlos Linhares. O João Carlos Linhares era diretor do grupo mais importante que pegava a produção, né, a mina, ferrovia, porto e tal era o João Carlos Linhares. E então ele fez um relatório mais ou menos na época do fechamento com a Steel, 1977, por aí, mostrando que era imprescindível para a Vale tocar o projeto Carajás. Enfim, essa relação com os americanos que nunca foi muito católica, ela os poucos veio se deteriorando, né, por que havia um conflito básico de interesse, então finalmente em 1977 a coisa foi formalizada, embora já tivesse acho que praticamente resolvida a um ano e meio. Porque o governo brasileiro houve por bem de tentar buscar alternativas porque estava preocupado com essa relação com os Estados Unidos porque já está meio complicada por causa desses fatos e nessa questão toda, foi muito importante a participação do doutor Triqueiz, que era presidente da Amazônia Mineração, que historicamente se credita ao Fernando Reis que foi ele que botou os americanos para fora, aquela coisa toda, mas eu acho que, a bem da justiça, deve-se ressaltar o papel do Triqueiz, que foi, eu acredito que ele é uma pessoa calma, sabe, bom papo. Eu me lembro que nós ficamos umas duas vezes na casa de hóspedes lá em N-1, assim, depois de andar por aí, a noite a gente ficava conversando, você vê que é uma pessoa bem assim equilibrada, tranqüila, que é o oposto do Fernando Reis que era, né, era um cara assim intempestivo. Eu nunca tive contato com ele, mas é o que consta que ele é meio agressivo assim, tal, ele já queria partir para o pau, então por ele a coisa já tinha resolvido, mas tiveram que contemporizar pá, pá, pá e no fim a coisa se resolveu e quando enfim a Vale assumiu completamente o negócio Carajás, então perdeu o sentido a existência do próprio departamento de geologia da Amazônia Mineração, e a Docegeo, que era uma subsidiária da Vale para pesquisa mineral, as duas trabalhavam na mesma área, né, porque nós para prevenir, já tínhamos requerido um bocado de área aqui na região de Carajás. Porque? Porque um dos itens do acordo, vamos dizer, até não escrito, mas havia um acordo tácito entre a Meridional e a Vale do Rio Doce, que elas não concorreriam por pessoal na mesma área, então existia assim uma espécie de área em torno de Carajás que ficava reservada para Amazônia Mineração, na qual a Docegeo comprometia-se a não se meter. Que depois a história demonstrou que essa região é exatamente o distrito de Carajás, que é o distrito, vamos dizer, poli minerálico mais importante do mundo, certo, e isso aí desde o início eu sempre dei em cima dos gringos que a gente tinha que requerer. Porque nessa época em 73, por exemplo, havia uma verdadeira corrida por pedido de pesquisa aqui na Amazônia que foi uma loucura. A Amazônia inteira foi requerida. Então eu sempre insisti muito com ele que nós tínhamos que requerer para garantir os direitos. Então mesmo antes da Docegeo se meter aqui na região, já tinha requerido quase toda a região de Carajás para a Amazônia Mineração. E bom, no em momento que, visto que todas essas áreas estavam requeridas nós tivemos que pesquisar, nós mesmos. E com isso fomos descobrindo, quer dizer, no começo, logo no começo da pesquisa do ferro descobrimos o manganês do Azul. Depois foi descoberto o níquel do Vermelho, que a gente chama aí no sul de Carajás, foi descoberta a bauxita aqui pertinho no N-5 e foram se sucedendo, a descoberta do cobre, chamado na época de MM1, que depois a Docegeo passou a chamar de Ipojuca, certo, então esse cobre, bauxita, níquel e tal, essas descobertas foram se sucedendo nas áreas de atuação da Amazônia Mineração. Então quando os gringos saíram, então resolveu-se juntar tudo isso na Docegeo. Foi então que eu e os outros geólogos da Amza e mais alguns equipamentos que sobraram e tal, passamos para a Docegeo. E a maior parte do pessoal administrativo foi para a estrutura da Amazônia Mineração em São Luís, né? Com isso, mais ou menos nessa época, 1978, encerrou o capítulo, vamos dizer, Belenense do Projeto Carajás. Depois houve fase que aumentou, mas nunca mais teve, porque da descoberta até 78, Belém era o centro regional de apoio às áreas de Carajás e as atividades todas. E com esse fechamento da sociedade e essas mudanças, então Belém, quer dizer, dançou e a coisa passou para São Luís em termos do Projeto Ferro, eu digo em termos do ferro Carajás, e nós da área de pesquisa geológica passamos para a Docegeo Amazônia, que a base é em Belém. Bom a Amazônia depois ela ficou reduzida a uma meia dúzia de pessoas lá em Belém, ficou aí, né, um apêndice até o começo da implantação do projeto em 80, quando já aumentou de novo, chegou a ter umas 50 pessoas durante a fase de implantação do projeto e mais algum tempo ainda funcionou nesse esquema e aos poucos essa estrutura de Belém da Amza começou a entrar em conflito com a estrutura de Carajás, quer dizer, é um negócio meio duplo, né, então acabou reduzindo tudo lá e concentrando tudo aqui. Também as facilidades aos poucos começavam a aumentar, então resolveu a estrutura da mina assumir uma série de encargos que era feita por essa outra estrutura. E aliás em 1981 a Amza foi extinta. Então daí passou a ser a Vale do Rio Doce propriamente dita, né, que foi criada a Superintendência das Minas de Carajás, que é Sumic, que eu nem sei, acho que não existe mais também, que no caso era a Sumic baseada em Carajás, tinha outra superintendência em São Luís, né, que cuidava do porto e da estrada de ferro na área norte e mais recentemente todas essas, com a privatização houve uma outra reformulação geral, acabaram com essas superintendências. Então o superintendente, o primeiro era o Mozart, né, o Mozart Civinski, que já tinha vindo para cá mais ou menos no começo da implantação. Que era assim: você tinha uma superintendência de implantação que era a Sucar e a superintendência de operação que era a Sumic. No começo era tudo construção e a operação era mínima, só tinha um grupinho que era o Mozart mais um. Depois aos poucos a coisa foi invertendo, né, até que mais ou menos aí em 1985, a Sucar encerrou a sua atividade e a Sumic assumiu integralmente aqui em Carajás e em pouco percebeu que tinha que assumir também outros
papéis que eram feitos por Belém. Então Belém também voltou de novo aquele grupinho. Daí foi diminuindo, diminuindo até que chegou a ter duas pessoas. A Vale do Rio Doce em Belém do Pará ficou reduzido a uma salinha com duas pessoas, que é o David e mais uma... o que eu particularmente acho que é uma situação não se coaduna com o contexto, inclusive
político, acho que é um erro político das próprias autoridades paraense nunca ter exigido uma presença maior da Vale. Eu não sei, eu enxergo assim, sabe, principalmente porque a Vale era estatal. Mesmo agora eu ainda acho, quer dizer, porque grande parte das atividades e investimentos da Vale continuam sendo no Estado do Pará. E vamos dizer, na Capital, em Belém do Pará a Vale do Rio Doce é uma salinha com dois caras lá dentro, quer dizer, eu não sei se a minha visão é meio ingênua, mas eu enxergo que precisava ter uma presença mais compatível da Vale lá, sabe, inclusive dentro desse contexto que eu coloco o encerramento total da Docegeo em Belém, quer dizer, acabaram com tudo, não sobrou nada, nada, nada, mas nem uma salinha lá.
P/1 – Porque essa...?
R – É opção, é um modelo, um estilo da nova, por exemplo, a _______ funcionava assim no Brasil, eles não tinham distrito, eles tinham a base no Rio de Janeiro e o pessoal atuava nas áreas e tudo centrado lá e a Vale agora ficou assim. Então, por exemplo, a sede da Docegeo hoje é lá no quilômetro 14, pior ainda, não sei porque socaram tudo lá naquele buraco, né, mas de 95% das atividades dela são aqui em Carajás. O que sobrou de pesquisa mineral, quer dizer, com poucas exceções, e as exceções também são no Pará que é o projeto Caulim, que é um projeto também muito interessante, uma área muito boa de negócios. Então basicamente a atividade toda da Docegeo hoje é no Pará, sobretudo em Carajás...então não se justifica ter uma base de maior expressão aqui em Belém, pra mim se justifica ter a sede lá no quilômetro 14, porque se está tudo aqui, porque eles citam, “não com as facilidades de hoje”,
é lógico, você tem lá um computador, uma antena parabólica, você pode estar em qualquer lugar, você transmite, recebe, então tudo bem, mas isso vale também para...né?
P/1 – Nesse período o senhor sai da... o senhor vai entrar na Docegeo quando?
R – Ah, bom. Então vou voltar, aí encerrou minha ligação direta com a estrutura dirigente de Carajás aqui na área norte. Aí eu fui pra Docegeo. Na Docegeo eu passei a ser assistente para a área de Carajás.
P/2 – Docegeo em Belém?
R – Em Belém. É o distrito Amazônia da Docegeo, que a Docegeo tinha no Brasil a atuação dividida por distritos. Tinha o distrito Amazônia aqui no norte, o distrito centro oeste baseado em Goiás, que depois acabou, ficou tudo concentrado em Belo Horizonte, né, e o distrito leste em Salvador e a sede no Rio de Janeiro. Então no distrito Amazônia o chefe era o Breno, que era o chefe do distrito, e tinha quatro assistentes, que chamava. Eu era o assistente executivo para a área de Carajás que tinha as áreas de manganês, ferro, níquel, tiveram umas pequenas atividades que a Docegeo fez para a Amza ainda, né, e também algumas atividades ligadas ao manganês do Azul e umas outras coisas, pequenas atividades acessórias ligadas, que a gente executava aí. E em 1984 o Breno foi para o Rio pra diretoria e eu passei a ser então o chefe do distrito Amazônia da Docegeo, no qual eu fiquei até sair, em 1991. Então assim rapidamente essa é a minha trajetória no... e nessas andanças todas, aos poucos veio se consolidando e até hoje ainda continua, a caracterização de Carajás como sendo uma província mineral fantástica, porque até hoje continuam descobrindo novas jazidas, né, o Carajás, quer dizer, além de ser o maior distrito ferrífero do mundo de ter, vamos dizer assim, eu acredito que a principal jazida de manganês aqui do Brasil atualmente, ou na época, que foi colocada em marcha. Teve a descoberta de uma jazida de ouro, que apesar de não ser muito grande em termos de rentabilidade, para mim era um jazimento fantástico que é o Igarapé Bahia, porque é uma coisa ali quase que na flor da terra, né, e tem ainda as jazidas que até hoje não se viabilizou a exploração mas continuam sempre naquele vai não vai, sempre esperando uma oportunidade porque é o níquel do vermelho e depois foi descoberta o Salobo em 1977, que em termos de reserva global ainda é a maior do Brasil. Antes, a Amza já tinha pesquisado Ipojuca, que a Docegeo completou, né, então tem as jazidas de cobre do Ipojuca, o Salobo, depois se descobriu o ouro do Igarapé Bahia. Depois já com associação com o Bahia já se descobriu o chamado “Corpo Alemão”, que também é um jazimento de cobre importante e mais recentemente esse Corpo do Cristalino lá na Serra Sul, que também é um importante jazimento de cobre e tem outros alvos importantes para cobre. Além do Sossego ,que é uma associação da Vale com a Phelps Dodge. Então, quer dizer, se você considerar a descoberta do ferro em 1967 já são mais de 30 anos ao longo do qual a gente vem trabalhando e cada vez mais descobrindo mais coisas, né, em termos de jazimentos minerais Carajás é realmente uma província fantástica. Agora, eu faço essas colocações em termos do Estado do Pará porque eu já virei paraense em primeiro lugar, né, até no final do ano passado me deram o título de cidadão paraense e eu acho que, vamos dizer, no contexto geral, não adianta a Vale ficar fazendo projetinho aqui, dar estágio para uma turma aqui, mais um milhão aqui não sei para quê pá, pá, pá, mas eu digo em termos concretos de desenvolvimento regional o que que isso, né, realmente provocou ou trouxe para o Estado: aparentemente muito pouco. Se você tem um jazimento ou um grupo de jazimentos fantásticos minerais aqui, ainda mais depois da Lei Kandir, que desonerou as exportações, então isso resulta em quase nada para o Estado, porque a grande parcela de impostos que era arrecadada pelo Estado deixou provavelmente de existir. Só sobraram os royalties, que é uma parcela relativamente pequena, e dois terços vão para o município e principalmente após a privatização, as diversas unidades foram transformadas em centros de produção por excelência, certo, então aqui Carajás hoje é um centro de produção. Então se produz aqui vários minerais e exporta isso, né, mete no trem e tal, vai para São Luís e vai embora, então eu acho que tinha que existir uma outra, não sei como, mas tinha que existir uma outra maneira para que isso redundasse mais em benefícios para o próprio estado, principalmente na região porque, provavelmente em decorrência da própria implantação do Projeto Ferro e toda a atividade associada, isso colaborou para essa invasão monumental, né, que ocorreu aqui na região nos últimos 20 anos, que para mim o principal fator de, de, de desagregação, da tragédia aqui foi a descoberta de ouro, principalmente Serra Pelada, mas nunca se pode negar o fator ligado ao projeto em si, quer dizer, o desenvolvimento do projeto, a pressão em cima aumentou muito.
P/2 – Serra Pelada o senhor estava por aqui? Participou?
R – Não, é gozado, quando Serra Pelada foi descoberta, que foi, vamos dizer assim, em janeiro de 1980, porque eu passei um período de... eu estava por aqui, mas em meados de... em junho de 1980 eu fui para a França passar um ano lá. Então a fase principal de consolidação de Serra Pelada eu estava fora. Mas para mim ficou bem claro que as análises principalmente acadêmicas que são feitas em relação a todo esse problema de ocupação desenfreada do sul do Pará é calcada muito em cima do projeto ferro Carajás, que serviu de ponto de partida para o famoso PGC, que é o Programa Grande Carajás, né, que já foi uma outra história, quer dizer, o ano de 80 aqui foi marcante por três coisas, primeiro: o início da implantação do projeto ferro Carajás, o início das obras, né, a colocação do Programa Grande Carajás e a descoberta de Serra Pelada. Foi tudo mais ou menos junto. É o que eu chamo da “década da loucura dourada”, né, porque foi uma loucura total e absoluta. Todo mundo se deitou e rolou em cima, a verdade é essa. Particularmente a imprensa, né? Eu me lembro a Rede Globo todo dia
ficava anunciando descobertas fantásticas, bamburrada, pepitas gigantes, aquele negócio, virou uma loucura, vinha gente a pé, de bicicleta, de avião, de trem, de caminhão, de tudo quanto é jeito. Marabá, eu calculo que num período curto aí, 20% da cidade foi embora para o garimpo. É médico, advogado, pessoal do aeroporto, a Votec no aeroporto quase fechou porque não tinha mais gente para trabalhar, tudo fugiu, foi embora para o garimpo, Serra Pelada. E os políticos, logo a cadeia tradicional se instalou, porque no comecinho mesmo você pode dizer que Serra Pelada era democrática, quer dizer, o peão chegava lá, tal bamburrou, tal, pá, pum, inclusive era um negócio interessantíssimo. O cara ia para Marabá com duas caixas de sapato cheia de dinheiro, entrava na loja e comprava tudo. Era geladeira, fogão... “quanto é?”, abria aquela, “toma”, porque não tinha noção de dinheiro para começar. Mas essa situação rapidamente evoluiu para a situação tradicional de exploração, quer dizer, tinha lá o peão que carregava saco, ganhava diária tá, tá, tá. Tinha o gerente, tinha o chefe regional e tinha o investidor, o patrão que era a turma que se baseou principalmente em Imperatriz, toda essa... a raça dos... vamos dizer de dono de carta, controlador do garimpo, inclusive com a colaboração do sistema, né, que era o Curió e a quadrilha dele lá, né? Então isso evoluiu... Agora Serra Pelada, isso nós todos temos mais ou menos uma idéia clara de que era, praticamente acabaria no inverno de 1981 para 1982, porque o buraco não tinha mais estabilidade, porque aquilo era assim: começava a cavar e ia afundando, afundando, cada um tinha uma cata de dois por três mais ou menos e cada um ia afundando a tua. Chegou uma hora que aquela colmeia começou a desabar tudo. Então nesse período quando chegou o inverno de 1981, que é o período de chuva aqui, né, estava ficando insustentável, estava começando a desabar, morrer gente e tal. E com a chuva, aquilo encheu d’água, haveria mais ou menos quase que um esvaziamento total natural, mas que que aconteceu?
Já se sabia que a disputa de 1982 ia ser muito acirrada entre o Jader Barbalho, que era oposição e o Osiel Carneiro que era situação. Então o governo por bem de todas as maneiras mantém aquele sistema lá para criar um curral eleitoral que eles achavam que através disso iam garantir a vitória do Osiel Carneiro. Inclusive saiu um outro garimpo aqui na estrada que é o Serra Verde, que foi um garimpo meio forçado. Logo botaram DNPM, CPRM, compra tudo lá, era um lugar pequeno, tinha mais gente do que conseguia entrar no buraco, então tinha mais ou menos assim um revezamento, tinha aquele mar de peão lá e era uma coisa horrível porque era de quartzo, né, um quartzo com ouro associado, então os caras ficavam quebrando aquilo, lascava tudo, horrível, aquilo foi forçado. Então nesse período de chuva eles arrumaram uns macetes para manter a raça aí na região e de fato criaram um curral eleitoral lá. Porque já então havia o controle de acesso a Serra Pelada, né, e existe muita denúncia dizendo que só entrava quem tinha título de Marabá, enfim título que capacitasse a votar, mas tinha muito penetra, entrava de tudo que era jeito, isso era um horror, uma loucura, isso escreveram dezenas de livros, artigos, tudo mundo deitou e rolou lá em cima, né? Em 1983 acho que chegou a produzir 13 toneladas de ouro, né, e a Docegeo entrou nessa como intermediária de compra da Caixa Econômica, ela administrava no começo e intermediava a compra de ouro e nisso ela ganhava lá, sei lá, uns 2% de comissão, coisa assim. Só com isso a Docegeo teve um lucro fantástico, inclusive foi eleita a mineradora do ano, quer dizer, tudo isso é apenas um expediente que se foi usado porque o sistema passou a controlar tudo, tinha a Cobal, tinha uma série de organismos, Caixa Econômica, tudo e tal, instaladas no garimpo e tinha a famoso coordenação, que era o Curió, né, que o Curió já vinha trabalhando na região desde os tempos da guerrilha do Araguaia, né, que ele era o comandante da repressão e o Curió foi na onda, aproveitou para virar deputado tá, tá, tá, e virou comandante da patota aí do garimpo, certo. Bom, a história do garimpo é um capítulo à parte, dá para você falar dias e dias, tem gente inclusive muito melhor do que eu para falar sobre isso. Mas um resumo básico da história é isso. E inclusive eles incitavam o pessoal a invadir o Salobo, porque o Salobo também tinha ouro associado, a drenagem do Salobo foi invadido, Ipojuca foi tudo invadido, invadiram tudo por aqui. Então nós tínhamos uma equipe grande aí de vigilância que foi encarregada de botar o pessoal para fora, durante muitos anos. Ah, sim, o Venâncio, por exemplo, se quiser falar nesse assunto, o Venâncio é a pessoa indicada, que ele entrou na Docegeo para cuidar da segurança lá da Serra Pelada. O Venâncio ele veio se eu não me engano ele era tenente ou coisa assim, né, e daí que ele começou a fazer faculdade, tal, se formou, daí ele mudou, mas ele entrou nessa linha, na área de segurança. E toda essa área de segurança patrimonial era o Venâncio que era o responsável, então ele conhece bem detalhado isso, né, se quiser ele pode falar a respeito. Mas isso redundou em que: houve uma ocupação desordenada de uma área enorme, tanto desde de Eldorado pra cá, até lá pro fundo do Salobo e pro sul de Carajás, Rio Maria foi tudo revirado, porque a descoberta de ouro na região norte começou com a Docegeo, lá na Serra da Andorinha que é ali em Rio Maria. A primeira descoberta moderna de ouro foi feita pela Docegeo lá, que foi descoberta em 1975, mas conseguiu segurar até que em 1977 o assunto veio à tona. Só que apareceu na imprensa de uma maneira assim absurda: diziam que tinha, como é que é, 90 mil toneladas de ouro, que ia pagar a dívida externa e pá, pá, pá e os meninos no meio dizendo besteira, o ______, não, não sei se já era o César Cals, enfim, todo mundo, foi um festival de besteira impressionante, entende? Que no fim a própria imprensa, o próprio pessoal começou a perceber que estavam falando muita bobagem, mas daí a coisa sossegou. Mas a primeira invasão garimpeira aconteceu lá no Babaçu e em outras áreas que a Docegeo trabalhava. E impressionante o negócio de ouro corrompe tudo, né, então entrou gente do DNPM, CPRM, todo mundo entrou na dança. E nós fazer o que, né? Foi a
pior época para trabalhar. Então vamos dizer, a história lá da Serra dos Andorinhas, em 1977, 1978, foi uma espécie de trailer, de chamada para o que viria acontecer a partir de 1980, foi a loucura dourada, um horror. Então se você juntar com isso as queimadas e tudo, o meado da década de 1980 foi um horror, um verdadeiro horror aqui. Eu digo que o pior para mim foi em 1987, que preocupado com a Constituição de 1988, porque não sabiam o que ia acontecer, poderia acabar a mamata, tocaram fogo em tudo, no sul do Pará inteiro, queimaram tudo de uma vez, pra dizer que ocupavam, que trabalhavam a terra. Então foi um festival, eu me lembro até de uma fotografia tirada de satélite, que aparecia a Amazônia coberta por uma nuvem de fumaça, né, era uma coisa monstruosa. Ali mesmo em Marabá, em Carajás, era difícil a operação aérea porque aquilo ficava uma pasta de fumaça cobrindo tudo. Em Carajás, numa ocasião, deve ter ficado quase uma semana aí coberta de fumaça densa, sabe, e chovia cinza, caía assim, uma verdadeiro horror. Felizmente essa praga hoje praticamente passou, né, então vamos dizer, entre mortos e feridos, o que se salvou foi o que eu imaginava. É a área de proteção da Vale, mas a área do Xicrim. Então aqui no sul do Pará o que sobrou é isso, de área preservada, dá um milhão e 200 mil hectares. Que a Vale era uma das poucas áreas de preservação real que teve no Brasil, né, porque tinha mais de uma centena de guardas florestais, helicópteros, postos de controle, lancha, enfim, ali era para valer. Não essas nossas reservas que às vezes não tem nenhum, ou então tem um guarda, né, fica numa casinha lá não sei aonde...
P/2 – Com medo de sair...
R – Pois é, senão dão um tiro nele e tal, então boa parte é assim, tem um ou dois, o carro não funciona, né, tipo o IBAMA para cuidar da Amazônia, tem cinco guardas florestais, cinco técnicos, enfim, é esse faz de conta, né? Então, por isso que eu sempre digo, a área de proteção de Carajás era pra valer, por isso que se mantém até hoje. A gente o tempo todo tinha garimpeiro aí do Águas Claras, aí para dentro do Formiga, e outros no Ipojuca, era o tempo todo...
P/1 – E tudo por conta da Vale?
R – É, lá no Salobo, o pessoal trabalhava a noite, no escuro, impressionante como é que o ser humano consegue fazer coisas, né? Eles garimpavam a noite, mas a turma também... e sempre foi assim numa boa, sabe, eles conseguiram atravessar esse período pior, mantendo, sem ter grandes...
P/2 – E problemas com posseiros? Vocês tiveram algum tipo?
R – O problema de posseiros é lógico que houveram, mas aqui aconteceu o seguinte: em um bocado de áreas aí, os primeiros posseiros fomos nós, certo? É ou não é? Posseiro não é aquele que ocupa a terra, se instala lá? Então fomos nós. No caso da Serra Leste, que é a Serra Pelada, os primeiros posseiros fomos nós. Montamos acampamento lá, tal e coisa e assim por diante. E essa parte das terras, a Vale adquiriu o tal direito real de uso, dos 411 mil hectares. Eu conheço bem, porque quem fez essa sugestão foi eu. O Huff que pediu pra mim, para eu fazer, “ah, a questão das terras pá, pá, pá.”, pra eu fazer sugestões... Eu me lembro que eu fiz três sugestões. Eram três mapas, daqui aquilo foi para a diretoria, eles concordaram, eu me lembro, até eu tenho lá o protocolo, nós demos entrada então o que era a Sagri no Estado do Pará, a Secretaria de Agricultura. Foi em novembro de 1974, foi dada a entrada do pedido, né? Então depois daquilo correu os canais, tal e coisa, foi aprovado, daí a Amazônia Mineração chegou a pagar a primeira parcela, aí então que criou-se um famoso decreto, que eu não me lembro o nome, que criava uma faixa de proteção nas rodovias federais de 100 quilômetros de cada lado, né, que inclusive já ouvi dizer que esses 100 quilômetros saiu por erro de... em vez de ser 10, escreveram 100 e outras coisas fantásticas que acontecem. Inclusive existia uma estrada fictícia que tinha um risco no mapa, que saía se eu não me engano de Altamira e ia para São Félix do Xingu que passava aqui ao lado da Serra dos Carajás, então também tinha 100 quilômetros de cada lado. E tudo isso passou para esfera federal, então a área a de Carajás praticamente toda saiu da esfera do Estado. Então inclusive teve até que devolver essa parcela, eu não sei bem o que aconteceu e foi criado então o Getat, que era o Grupo Executivo das Terras do Araguaia Tocantins, que era aqui no sul e lá no norte tinha o Genca, acho que era isso, que tinha o mesmo papel com relação a área norte da Amazônia. Então o Getat, vamos dizer, começou a gerir esse território que aqui na região de Carajás pegava praticamente tudo. A única parte que sobrou para o estado era um trecho ao norte da Serra Norte, que forma a chamada gleba ampulheta, que tem aqui ao norte. E numas discussões com o Getat e tal, eu até sempre sugeri para estabelecer a divisa no Rio Parauapebas, que é uma divisa mais ou menos natural, que todo mundo aqui na região mais ou menos sabia, do Parauapebas para cá é terra da Vale, então a gente tinha que simplesmente consolidar essa divisão que era basicamente natural. E acredito que foi isso que basicamente foi feito. Ocorreram uma série de invasões no que passou depois a ser chamado de cinturão verde, mas parece que conseguiram equacionar isso. Novamente uma pessoa boa para falar sobre isso é o Venâncio, porque ele já estava aqui e acompanhou tudo isso como responsável direto, né, ele tinha ligação com isso. Era o Coronel Hernani e ele, né? Mas no restante eu acho que, vamos dizer assim, no núcleo de Carajás nunca houve maiores problemas porque a divisa é natural. Você tem a Serra Norte, a Serra Sul e tem essa parte aqui... houve uma época que tinha um pessoal que entrava aí para dentro para fazer garimpagem de jaborandi, que isso aconteceu uma época tanto aqui, como na região toda aí até São Félix, que é uma planta que eles usam para extrair um produto que usa para remédio para vista, um tal de pilocarpina, se eu não me engano.
P/2 – É cosmético também, né?
R – Pois é, e depois evoluiu para outras coisas, então esse jaborandi passou a ter um valor muito grande, inclusive era tipo garimpo. Só que o pessoal invadia e destruía tudo, ao invés de tirar as folhas, eles arrancavam tudo e tal, então a turma da proteção teve uma época aí que andou tirando tipo garimpeiro de jaborandi, né, eu não sei que que isso redundou, “ah, porque que não planta?”, não sei o que, não sei se ainda não tivessem chegado num estágio em que pudesse a planta cultivada não dava o mesmo rendimento da natural, sei lá, o Venâncio, como eu disse, ele pode falar melhor do que eu. Mas as invasões de terra ultimamente eu não sei. Sempre fica esse potencial de ameaça de invasão no cinturão verde, né, mas eu tenho a impressão que aqui ao redor, principalmente na área norte que é a área de maior ocupação e do lado do Parauapebas, os limites já estão mais ou menos consolidados, porque o Getat fez alguns grandes loteamentos aí... tinham os chamados Cedere, Cedere 1, Cedere 2. O Cedere 2, lá no sul do Pará é que depois se transformou no Canaã dos Carajás que é um municípios que tem... esse município foi instalado em cima da base do Getat, que depois passou para o INCRA, e era uma base de apoio regional, né, e virou município e… E todas essas cidades que tem na região foram criadas a partir de 1980, basicamente. Tiveram várias gerações, quando abriu a estrada de Carajás não tinha nada, nada, nada, nada. Curionópolis, por exemplo, começou no meio da estrada. É assim, era três ou quatro barracos, feitos em cima da estrada mesmo, até estreitou a estrada um pouco, eram uns pedaços de pau com um plástico preto em cima, começou ali, eu me lembro muito bem. Daí aquilo com Serra Pelada foi iniciando rapidamente, né, Curionópolis, nas eleições de 1982, fizeram um apanhado, aquilo tinha virado um mega prostíbulo, vamos dizer assim, né, Curionópolis tinha 292 cabarés. Isso o que contaram. Eu acredito que tinha até mais. Se você contar pelo menos umas cinco senhoritas cada um... mais eu calculo que tinha umas cinco mil prostitutas aí. Então era o prostíbulo de Serra Pelada, isso e os associados, os comerciantes abutres de garimpo, que sempre tem, né, então era comerciante, prostituta, pensão, loja de bomba, material para bomba, motor, então era isso. Foi aquele amontoado, foi amontoando, amontoando, aí virou 50, 60 mil pessoas e no começo da estrada tinha Eldorado dos Carajás que ficou famoso com o tal do massacre, que já era mais para a coisa da madeira, já é um pouco antes, mas tinha também alguma coisa de garimpo. E Parauapebas, que foi uma cidade criada pelo projeto para servir de uma espécie de pulmão de Carajás, foi muito bem bolado, foram criadas escola, prefeitura, tratamento de esgoto, arruamento, pá, pá, pá... Só que se previa absorver o excedente da fase de construção e também foi dado treinamento para transformar esse núcleo em um suporte de serviços diversos para o núcleo de Carajás, tipo assim, artífices, mecânicos, eletricistas, horti granjeiros, então a coisa foi muito bem bolada, foi dar treinamento, de repente veio a avalanche do garimpo e acabou com tudo, certo? Logo criaram do lado o inferninho do Rio verde, era assim: Parauapebas está aqui e do lado logo começou a inchar aquela praga lá de Rio Verde, inferninho como a gente chamava. E em 1984, quando ameaçaram de fechar o garimpo de Serra Pelada, daí foi articulado então, eles invadiram tudo, destruíram tudo, né, e em primeiro lugar foi o cabaré que tinha lá em Parauapebas, porque era um cabaré de luxo, né, as meninas vinham de avião, iam para lá, então era dos engenheiros, da turma melhorada, então aquilo que eles fizeram questão de tocar fogo primeiro. (risos) Queimaram, destruíram prefeitura, coisa de empreiteira, coisa e tal e daí ameaçaram invadir Carajás. Eles atravessaram a ponte e começaram a subir. Depois houveram por bem parar, desistiram e isso também é outra história. Que até essa história, eu entrevistei uns caras aqui que estavam contando aqui. Que eu chamo de “Sobressalto no oásis carajaense”, que a turma morava aqui no alto e não dava nem bola para a baixada, “eu não tenho nada a ver com isso e tal.”. Nessa ocasião eles descobriram que tinham (risos). E como! Felizmente não aconteceu nada, mas a partir daí eles foram obrigados a reconhecer a existência da raça aí em volta e tal, tal, tal... pois é.
P/1 – Mas seu Vanderlei, o senhor como assistente de Carajás como que era a sua atuação, o senhor vinha para cá constantemente...?
R – É, eu vinha de vez em quando, não vinha tanto, né, acompanhava algumas atividades e depois aos poucos eu fui fazendo outras coisas até que eu virei o chefe do distrito, entende, que eu cuidava da pesquisa na Amazônia toda. Mas eu como técnico não tinha mais grande atuação não, era mais como gerente, cuidar da burocracia, aquele papelório, enfim, fazer relatório, encaminhar coisa, ir para reunião, pá, pá, pá, que eu não sou muito bom para isso mas fazer o quê?
P/2 – E o seu envolvimento com o meio ambiente, né, com essa preocupação inicial?
R – Ah, sim, logo que começaram as SIMA, que eu acho que o partido inicial foi em 1981, eu fui escalado para ser o representante da Docegeo na Amazônia e durante vários anos eu participei das reuniões da SIMA, porque a SIMA… Docegeo propriamente dita não tinha grande coisa para fazer, porque a nossa atuação era muito limitada, né, fazer um acampamento aqui e ali, abrir uma picada, coisa assim. Era mais no sentido de colaborar com o conjunto, certo, e nós fizemos várias viagens, percorremos a estrada de ferro, fomos para São Luís, viemos para Carajás, andamos tudo aqui e fomos para várias áreas e tinha o GEAMA, aquele grupo de assessoramento de meio ambiente que reuniram cerca de uma dezena de especialistas dos mais renomados que tinha no Brasil, tipo assim o Aziz Ab’Saber, como é que chama o José Cândido de Carvalho, o Dr. Agripino Viana, enfim uma série de expoentes que tinham nessas áreas associadas à questão ambiental no Brasil e esse grupo, inclusive eles não ganhavam da Companhia, né, a Companhia só pagava a despesa e isso tudo no sentido de dar total autonomia, eles não tinham nenhuma relação assim com a Companhia, eles poderiam, vamos dizer, tinham total liberdade para criticar, de escrever, de fazer o que quisesse e eles eram uma espécie de coordenação geral das atividades das comissões internas de meio ambiente. E da mesma forma, as comissões de meio ambiente, só haviam dois profissionais que foram contratados para atuações específicas na área de ecologia, que era uma aqui em Carajás, o Eduardo Porto e um lá para São Luís, que era o Braga. Os restantes era todos profissionais da área técnica ou mesmo administrativa que atuavam na SIMA sem prejuízo das suas atividades normais, né, eram pessoas que gostavam e tal…
P/1 - Foi voluntário.
R - … e produziu excelentes resultados, principalmente lá na área de Porto Tubarão, que tinha problema sério lá com a poluição de Vitória. A área do porto era horrível e tal, daí eles conseguiram, devagar arborizar, diminuir a emissão de gases, lá em Itabira também, eles criaram o parque de Itabiruçu lá em Itabira, enfim, eu acho que foi um modelo muito produtivo e muito importante, que conseguiu bastante resultados e praticamente na base da boa vontade que como eu disse que eram pessoas que atuavam em diferentes áreas e atividades e que faziam aquilo sem prejuízo das suas atividades normais. Foi muito bom, muito interessante. E passado alguns anos, a própria Vale do Rio Doce criou uma estrutura própria para cuidar do meio ambiente, que até como a gente imaginava mesmo, isso não vai durar muito tempo não, uma superintendência de meio ambiente, né, cujo titular é exatamente o Chico Fonseca, que eu conheço dos mais antigos batalhadores pela causa ambiental que tem no Brasil, né? Então aquela estrutura durou um tempo depois ela foi dissolvida e a coisa resultou na criação, a área ambiental ficou restrita a cada superintendência. Porque realmente seria muito difícil você imaginar numa empresa voltada para a produção você ter uma superintendência autônoma de meio ambiente porque ia ser um fator potencial de conflito muito grande. Então você não pode exagerar na expectativa e também a coisa tende a crescer muito e dizem que ambientalista é muito propenso a passarinhar, criticavam muito principalmente a área da __________, a turma dos mais caretas: “Pô, ficar gastando dinheiro aí com revista de passarinho, borboleta e não sei o que, tal...”, mas realmente é uma questão que é um pouco difícil de você chegar num equilíbrio razoável, mas no fim acho que se chegou, acho que mudou muito. Logo no começo dessa história havia muita gente aí que achava que essa questão de meio ambiente era frescura, falta do que fazer, coisa de viado e assim por diante. Mas eu acho que mudou muito, aos pouco a coisa foi se incorporando na própria da rotina de trabalho e rotina de programação e...
P/1 – Mas nesse começo seu Vanderlei, não tinha uma unidade centralizadora, cada SIMA funcionava por si...?
R – É, cada área de atividade tinha a sua SIMA e a coordenação da SIMA vamos dizer, era feita pelo _____, que não tinha ligação direta com a estrutura, ele era independente nesse sentido, que eles não ganhavam da Companhia. Eu acredito que o ________ tinha ligação quase que direta com o Elieser ou com algum diretor lá, entende, eles prestavam conta para a presidência, né, que eu acho que deveria ser assim... era uma atividade extra rotina, né, e que funcionava dessa maneira. Eu me lembro que a primeira reunião chamaram todos os diretores e coordenadores da SIMA, uma reunião com o Elieser lá no Rio. O Elieser falava que andou voando pela Amazônia e ficou horrorizado, aquela coisa toda, a gente precisava tomar uma posição com relação a isso, pá, pá, pá. Eu tenho até uma foto do Elieser com eu o Eduardo Porto lá. E então essa foi uma atividade que eu também participei alguns anos até que quando eu virei o chefe do distrito e que também essa questão do meio ambiente passou a ser tratada de uma maneira mais formal pela superintendência. E mais algum tempo isso acabou, mas foi incorporado. Hoje em dia felizmente já faz parte de códigos, exigências. Pode não cumprir, mas que está lá está. Houve uma mudança, o próprio discurso mudou, né, muitos que sejam por hipocrisia para dar um ar de modernidade, o que seja, de sensibilidade que não existe, mas de qualquer maneira, eu sou muito cético. Eu dizia uma época: “Não, o que vai ter que acontecer é que nos relatórios vão ter que acrescentar algumas linhas falando sobre meio ambiente, não sei o que tudo e tal.”, mas pelo menos eu acho que passou além disso, né? Muita gente eu acredito que se convenceu. Por exemplo, aqui em Carajás mesmo se gastou muito dinheiro com proteção de talude tudo e tal, mas hoje em dia eles estão aí, não desmoronou, chove pra burro e eles estão aí, quer dizer, entende? Tudo que é o discurso ambiental, tem esse fundo que antigamente dizia “não, isso é conversa mole, não sei o quê”, mais hoje os fatos estão comprovando que essa proteção ambiental na realidade ela representa um bem econômico, porque
todo ano você teria que, todo esse material que iria desmoronar, ia atravancar e até interromper estrada, processo, não sei o que, não, agora está lá firme no lugar. Então isso foi importante também pelo efeito demonstrativo. É lógico que tem exagero, não dúvida, né, o ambientalista, o pessoal ligado a isso tem propensão a dar asas a imaginação, já começam a discutir, mas tudo tem os exageros, os radicais, a Lourdinha que era boa para falar disso que ela que era chefe. Inclusive a Lourdinha era o grande contato com essas entidades internacionais, o WWF, Banco Mundial e sempre, né, então a Vale promoveu vários simpósios, muitas reuniões e sempre a Lourdinha foi a coordenadora. A Lourdinha era muito boa para coordenar, para montar esses esquemas e ela tinha muita ligação com esses figurões dessas áreas e nesse meio todo apareceu muito esses produtos, né, que tem, principalmente os gringos é que gostam muito, esse negócio de borboleta, orquídea, passarinho (risos) e a turma, os mais reacionários, “pô, gastar dinheiro com essa porcaria...”, mas, são coisas que acontecem, faz parte, né, faz parte do show.
[pausa]
P/1 – Seu Vanderlei, Vamos só retomar uma questão com relação ao ________. Como é que isso se colocava em prática? Que tipo de diretriz vinha
do ________ e como que isso se aplicava? Um pouco esse procedimento todo...
R – Bom, o que, por exemplo, nas vezes que eu participei junto com o ________ a gente fazia visitas às áreas mais problemáticas, né, que era exatamente onde... quando a situação dizia respeito a uma determinada especialidade, as pessoas mais indicadas no caso davam sugestões e orientações para a solução desse problema. Depois isso era passado para a Vale, né, e com o respaldo então exatamente desses especialistas, certo, qual seria a melhor maneira de tratar o problema. Porque muitas agressões ambientais aconteciam e não havia, no âmbito da própria empresa, uma prática de como atacar o problema, está certo? Existiam muitas coisas que eram novidade em termos de como resolver, porque às vezes não bastava apenas saber que o meio ambiente estava sendo agredido, né, é questão do que fazer para conciliar para resolver o problema mas sem deixar de executar a atividade que tem que ser executa, então eu acho que principalmente nesse sentido, ou quando a pessoa não tem conhecimento, ela tinha melhores condições de buscar informações pertinentes, né, é bastante variado o cardápio, as situações variavam muito. Por exemplo, a estrada de ferro tinha um problema sério que era o processo de tratamento de dormente, que aquilo era um tratamento tóxico que você botava aquilo dentro de um tipo uns containers sobre pressão e esse produto é terrivelmente tóxico, porque aquilo tinha que penetrar no dormente, então era uma coisa sob pressão e o produto era um veneno muito forte. Então depois o que fazer para dispor o material já usado e eventuais vazamentos, qual a melhor maneira de resolver. Tinham uns problemas de taludes, de proteção de talude, que é o principal ao longo da estrada, né, e na mina também, enfim cada área tinha os seus problemas específicos e a atuação desse pessoal era mais nesse sentido. Existiam problemas que a solução era técnica, qual técnica indicada para resolver, e existiam outros que eram conceituais, principalmente nessa questão da área social. O que fazer para minimizar o impacto nas populações associadas, né, enfim, é bem variado o assunto. E o ________ ele ia ao longo do tempo, foram mudando a composição, tinham pessoas que saiam, outras entravam, e eles traziam também a experiência deles de conhecer como que determinados assuntos eram tratados em outros países, Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália, enfim, né, eu acho que foi importante, foi no geral eu acho que trouxe bons resultados, além do que naturalmente os críticos, os radicais diziam que isso aí era uma maneira da Vale de... O interesse era de dar um respaldo, uma credibilidade para o projeto, mas ela era real, não era nenhuma encenação não, era uma coisa que todos eles procuravam atuar objetivamente, não era para fazer média não. Porque como disse, visto que eles não ganhavam, então seria uma perda de tempo mesmo sem sentido ficar, enfim, ficar para todas reuniões, fazendo viagens, coisa e tal, para passar tempo. Então não dá para imaginar dessa maneira. Eu acho que realmente foi... evidentemente que era uma forma experimental, “não vamos tentar assim, vamos ver se dá certo”, e eu acho que funcionou, né. Eu acredito que boa parte das soluções foram adotadas e eu acho que boa parte das soluções foram adotadas, foi bem aceito, é lógico que nem tudo que tinha problema tudo e tal, mas acho que no geral funcionou bem.
R – Seu Vanderlei, até quando que o senhor ficou na Vale? Em que contexto que o senhor saiu?
R – Eu saí em fevereiro de 1991. Por adesão ao plano de incentivo ao desligamento que entre o pessoal da Vale ficou conhecido como “Sopão”. Que a Vale do Rio Doce ela tinha, tanto quanto eu fiquei sabendo a coisa se originou dessa maneiro: a Vale tinha contratado uma empresa para fazer uma avaliação da Companhia, da sua forma de funcionamento e qual a melhor maneira de adequar a empresa para os novos tempos, né, e até eu me esqueci agora o nome da empresa, mas me parece que eles tinham feito uma série de recomendações que deveriam ser implantadas ao longo de um tempo, uns quatro, cinco anos, mas acabou que a diretoria da Vale decidiu fazer tudo de uma vez, né? Então, sendo assim, nós fomos gentilmente convidados a sair, né, e como tal, saímos. E no meu caso particular foi mais assim traumático porque eu não sabia que eu era previsto para sair. Eu sabia do plano em linhas gerais, mas pelo fato de eu estar em Belém que era um fim de linha, eu não tinha maiores contatos com a turma que conhecia realmente as intenções, as orientações que a empresa pretendia que fossem seguidas e eu também fui sempre desligado, então se eu deveria ter percebido eu não percebi, eu só sei que eu fiquei sabendo que eu deveria sair menos de uma semana antes de vencimento do prazo para a adesão, que eu me lembro bem era 21 de janeiro de 1991. Então eu na sexta-feira, esse dia 21 era numa segunda-feira, então só na sexta-feira que eu fui para o Rio, chequei lá quais os procedimentos que eram necessários para eu fazer e na segunda eu dei entrada com o pedido de adesão e acabei saindo realmente acho que foi no dia 28 de fevereiro de 1991, foi quando eu assinei lá a rescisão e como eu falei a Vale do Rio Doce foi o único lugar que eu trabalhei na minha vida, eu me formei e entrei na Vale, então isso é mais um fator de... porque quando eu saí eu tinha 48 anos, então eu trabalhei na Vale dos 22 aos 48 anos, quer dizer, praticamente a maior parte da minha vida consciente eu fui empregado da Vale do Rio Doce, né, e eu não esperava sair. Embora gozado, eu sempre dizia para todo mundo que empregado a gente nunca deve se iludir com o emprego, porque emprego é
uma coisa que você tem, mas de uma hora para outra você pode perder, porque você não é dono do seu nariz. Então se você trabalha num lugar, de repente por um motivo qualquer ou por um motivo ligado a sua própria pessoa, ou por uma circunstância que não tenha a ver contigo, enfim, por milhões de motivos, você pode de repente sair. O que tinha de certa maneira se tornado um problema na própria Docegeo que estava meio acomodada, né? E como ela… Porque a pesquisa mineral, ela embute na sua própria natureza essa característica, que ela é limitada, você faz um projeto, começa, acabou o projeto, acabou. Se tiver outro continua, se não tiver? Né, deixa de existir a necessidade do trabalho e pronto. Inclusive eu sempre notava muito isso no pessoal estrangeiro. Os americanos nunca foram muito ligados a empresa. Eles, você percebia na própria conversa, no discurso, na maneira de falar que eles eram muito aplicados no trabalho e tal mas eles não guardavam grande relação com a empresa. Eles tinham aquele emprego, aquele projeto, faziam o trabalho, mas eles estavam sempre preocupando, o pessoal de pesquisa geológica, eles estavam trabalhando numa pesquisa mas eles estavam sempre se preocupando o que que eles iam fazer para frente, certo? Mas na Docegeo devido a essa característica aqui da área de Carajás, que a gente sempre tinha uma quantidade imensa de área para trabalhar, já que era o patrimônio mineral da Vale, que nós tínhamos uma área requerida imensa na Amazônia inteira, enfim, no Brasil todo, então criou uma certa postura dos geólogos e dos pessoal em geral como se fosse, vamos dizer assim, “eu vou ficar aqui trabalhando até aposentar”, quer dizer, isso não vai acabar nunca. O que em termos da natureza da pesquisa mineral é furado porque é como eu expliquei: você tem um programa, um projeto, faz aquilo, acabou, acabou. Daí passa para uma outra etapa, daí já vem um outro grupo e você corre atrás de um outro projeto. E Carajás aqui no distrito da Amazônia ela acabou se perenizando isso, então sempre tinha, sempre tinha alguma coisa adicional para fazer. Mas eu acho que de certa maneira, a gente ficou meio burocratizado, ficou naquele, sabe, eu sempre questionava muito isso com os geólogos e outras pessoas lá, mas eu pra mim mesmo nunca me dei conta de que isso se aplicava também, né, porque historicamente tinha uma coisa com a Vale do Rio Doce que todo mundo dizia que a Vale era muito difícil de entrar, mas mais difícil de sair, sabe, era muito difícil de sair da Vale. Porque de um modo geral todos nós éramos muito ligados a Vale do Rio Doce e isso também acabou se consolidando na Docegeo. Nós tínhamos assim uma relação muito forte com a empresa. E a Vale do Rio Doce tinha a famosa história da camisa, né, que é uma coisa marcante, inclusive eu acho que foi isso que colaborou para que eu tomasse essa decisão não. Pra gente fazer algumas mudanças radicais na Vale tinha que tirar esse pessoal, porque senão vai ser muito difícil de implantar. Porque existia uma união muito forte dessa equipe de média e alta direção que é... ir contra isso é extremamente difícil, essa... eu sempre me lembro, eu não sei se continua hoje, mas os japoneses eles tinham uma filosofia que era essa questão de identificação com a empresa, que o empregado entrava lá na empresa e por ele mesmo ficava o resto da vida e era bastante diferente dessa postura que eu percebia nos americanos, por exemplo, de um modo geral. E com relação à Vale eu sentia isso, quer dizer, era a maior camisa da Vale, nós tínhamos uma relação assim extremamente forte, a Docegeo a mesma coisa. Nós éramos a família da Docegeo, a família da Vale e isso era uma coisa muito presente, muito marcante. Uma união muito grande e além disso a Vale como estatal, eu não sei mas eu acho que isso colaborava, não sei se é ilusão ou não, para dar um sentido maior que eu estava trabalhando pro estado, pro país, enfim pra nação, isso era também uma coisa também que dava uma outra característica, acho diferente de dizer. Porque a gente trabalhava o expediente e fora do expediente, porque tinha muita gente que vivia em função daquilo o tempo todo, né, e esse sentimento mais profundo eu acho que ajudava muito inclusive, né, quer dizer, a gente não estava só defendendo o interesse da Vale, em última análise eu estava defendendo o interesse coletivo, o interesse do país. Pode ser um pouco de ilusão, ingenuidade, mas era uma coisa real para nós, né? O que, por exemplo, agora para mim já mudou bastante, né, não há como negar. Eu não estou discutindo se é certo ou errado, mas é diferente e isso é uma coisa que existia, né? Como disse, foi o meu único emprego então eu não sou muito indicado para falar de outras experiências porque eu praticamente não tive.
P/2 – Quando o senhor saiu então da Vale o senhor foi para algum outro trabalho, levou adiante tudo isso?
R – Não, eu até estava comentando assim a mais com você. Eu acho que isso foi muito chocante para mim porque eu não tinha me preparado para isso, certo, porque quando você percebe de alguma maneira, os meus colegas lá do sul já sabiam que iam sair com meses de antecedência, já tinham arrumado os processos deles todos, eu não, eu estava lá. Ou até por ingenuidade, minha eu deveria ter percebido ou não percebi, enfim, qualquer que seja o motivo, eu não tinha a menor idéia que eu ia sair. Então eu fui pego de supetão e foi um choque pra mim, por esses motivos todos que eu falei, né, então eu senti que isso aí foi uma bomba para mim, né, um choque violento, então eu falei “o que que vai acontecer”, daí então que eu me propus para ser síndico do prédio. (risos) Eu falei, “isso vai me aporrinhar o suficiente pra me ajudar a esquecer esse fato” e foi realmente. Daí passou esse período, daí começou lá na Universidade do Pará, no Núcleo de Meio Ambiente, um curso que era um programa de formação interdisciplinar em meio ambiente e é um assunto que eu sempre gostei, inclusive eu tinha essa ligação histórica com a comissão de meio ambiente etc. e tal, daí eu me inscrevi e passei a fazer. Eu fiz esse curso durante um ano e meio, apesar dos pesares foi interessante, foi bom, depois eu fiz um trabalho de fim de curso, eu e mais um colega, que era sobre a questão do lixo no município de Benevides que é um município da região de Belém, né? Daí nós publicamos, depois o Núcleo lá publicou um livrinho e nesse trabalho, é que uma das professoras que era a Maria Célia Coelho, que tinha feito a tese de doutoramento dela ligada à influência da estrada de ferro Carajás no Maranhão. E eu conversava muito com ela e dizia que o que eu tinha feito na minha vida era ter trabalhado na Vale do Rio Doce, principalmente aqui em Carajás. Então eu queria ver se de alguma forma eu escrevia alguma coisa sobre isso. E daí, conversando com ela, ela tinha um projeto que tinha vários componentes que eram transformações recentes que tinham ocorrido na Amazônia oriental, que é aqui no sul do Pará, né, e o papel das estatais, então eu passei a fazer parte desse projeto na questão relativa à história da Vale do Rio Doce na região. Tinham também outros componentes que eram a questão da energia elétrica, da Eletronorte etc. Outro era a questão da madeira e aí comecei, acho que foi em 1995, início de 1995, eu comecei aos poucos ir tentando montar esse trabalho, que a idéia inicial era montar, pelo menos o que eu imaginei, era montar, usando a estrutura básica da sequência histórica dos fatos e nele ir encaixando histórias, casos, enfim, fazer uma salada geral ligada ao assunto. Através de entrevistas assim, recuperação de histórias, recortes de jornal, enfim, procurar montar um quadro com coisas que tinham relação com esse assunto. E isso eu fui fazendo aos poucos, tinha época em que parava, depois voltava, porque eu imaginei fazer duas partes: uma seria a área de Carajás e a outra seria a Docegeo, que é onde eu tinha trabalhado, sei lá, nos últimos 13 anos, né? Então a parte da Vale, eu assim em linhas gerais eu acho que escrevi o que queria porque eu queria pegar a parte inicial até mais ou menos 1980, que foi quando houve essa mudança radical aí, quando começou a implantação do projeto, Serra Pelada, Carajás, que foi então, vamos dizer, essa região passou a ser atenção concentrada da mídia, dos pesquisadores, dos acadêmicos, a partir de então se produziram numerosos trabalhos, dissertações, reportagens, enfim, a área de Carajás e todos esses aspectos passaram a ser muito discutidos, muito abordados. Então já tratar esse assunto, envolveria outro tipo de abordagem, maior aprofundamento, enfim, então eu achei que o mais interessante seria tentar escrever alguma coisa sobre a parte anterior, o que de fato existia já muitos textos, muitos relatórios, mas eram capítulos esparsos, né, eu nunca tinha visto assim alguma coisa que tentasse juntar tudo. O que foi em linhas gerais o que eu quis fazer. E a parte da Docegeo eu comecei a fazer, foi quando fecharam o distrito completamente, porque a proposta do Breno era reduzir a um núcleo no qual ficasse o centro de documentação, alguma coisa do apoio em geral, né, enfim, poderia ficar restrito aí a uma dúzia, 15 pessoas. Nós entendíamos que teria perfeitamente condições e validade para se manter isso. Mas resolveram fechar de vez, então eu fiquei sem minha fonte de consulta e daí a privatização, essa coisa toda e no fim eu me aborreci muito com isso tudo e me encheu a paciência, eu resolvi parar, falei “não, chega de mexer com isso”. Mas agora eu tenho que dar um jeito de terminar isso de alguma forma, afinal de contas eu já fiz grande parte. Mesmo que eu tenha que deixar o resto da Docegeo de lado e dizer: “Olha, isso, aconteceu isso e isso e ponto final”, né? E eu imaginava fazer tanta coisa, mas no fim não deu certo e porque? Primeiro pelas limitações, né, eu não tinha nenhum recurso, eu não tinha apoio nenhum. No começo a Vale ainda... Eu consegui duas vezes que eu fui no Rio ela me pagou a passagem. Na primeira vez ela me pagou a passagem e uma hospedagem lá que eu fui fazer entrevista com várias pessoas, Costa e Silva, Machado, José Raimundo, Shirley, enfim, falei com várias delas, o Breno, Otávio Ferreira, enfim, o pessoal que tinha ligação com o início e depois numa outra vez eles me pagaram até a passagem, eu fiquei até na casa de um amigo meu lá. Vamos dizer assim, o que eu tive de colaboração foi isso. Mas depois eu tentei continuar com isso, mas como eu estava escrevendo algumas coisas que não eram talvez muito agradáveis aí aos mandatários e tal, pode até ser que eu tenha entendido errado, estava havendo um certo patrulhamento, eu disse: “Não, eu não aceito patrulhamento.”, eu estou tendo esse trabalho, eu estou escrevendo para mim mesmo, não estou fazendo um trabalho para a vale do Rio Doce. Eu estou fazendo um trabalho no qual eu acho que o que interessa a Vale que seja feito então eu estou pedindo uma ajuda, mas não, né, porque se eu fosse fazer um trabalho para Companhia seria diferente, teria que fazer um cronograma, orçamento e eu não iria fazer de graça também. Acho que não tem sentido, certo? Então isso tudo eu disse: “Não, o que eu fizer, eu faço por minha conta. Então se eu conseguir algum outro tipo de ajuda tudo bem, mas a condição é essa: eu faço o que me der na cabeça, se eu escrever um monte de nome feio, se xingar a mãe de alguém tudo bem, mas não aceito dizer “isso não, não convém”, não tem essa, né? Mas agora eu preciso, eu preciso de uma maneira de acabar isso para não virar um... porque o grande problema é exatamente isso, eu não tenho nada, nenhuma pressão para terminar. É diferente do trabalho de vocês, você tem um prazo definido, você tem que dar um jeito de acabar. Então quando a gente tem isso a gente tem que dar um jeito e eu não tenho que dar jeito em nada. Eu sou preguiçoso e comodista, sempre fui, né, e além disso não tenho esse tipo de condicionamento, de pressão, tenho que entregar, não, virou essa coisa meio nebulosa aí, mas eu preciso criar vergonha e dar um jeito de acabar. Porque eu conversando com várias pessoas eu dizia: “Não, não adianta, você sempre acha que falta alguma coisa, tem que melhorar aqui, assim você não acaba nunca. Faz e pronto, daí se der na cabeça você faz algum outro”.
P/2 – Seu Vanderlei, como que é o seu cotidiano hoje? O dia a dia.
R – Hoje? Ah, eu, por exemplo, como já tinha comentado a atividade de geologia, principalmente de pesquisa mineral, ela entrou numa fase, já há vários anos de acentuada decadência, né, o investimento em pesquisa mineral está bastante reduzido, com exceção de situações específicas como no caso aqui de Carajás que é a única região aqui no Brasil que eu conheço que tem uma atividade intensa de pesquisa, principalmente por parte da Docegeo que tem ligação ainda com aquele acordo da Vale com o BNDES, né, que é um prazo de cinco anos, e além de que logo no início já descobriu vários outros depósitos de modo que só isso aí já justifica a continuidade e existem muitos alvos aqui na região de Carajás de modo que esse patrimônio aqui, todas as considerações que se possa fazer mostram que se deve continuar investindo em pesquisa, né? Porque, por exemplo, só as 90% de ouro que o Bahia produziu, vamos dizer que sejam 100 toneladas. 100 toneladas de ouro são 100 milhões de gramas. Só isso daí historicamente é um valor maior que 1 bilhão de dólares, certo, dividido pelo valor de venda, lógico que não é lucro, mas deve ter um bom lucro nisso daí, deve ser uns 20% pelo menos. Só esse lucro eu acho que cobre quase tudo que a Docegeo já gastou em pesquisa mineral, entende, só a Bahia, fora o resto... Então é um pequeno exemplo para mostrar que particularmente aqui na região de Carajás, o investimento em pesquisa mineral tem sido altamente lucrativo. Agora acontece que a pesquisa mineral ela tem as suas características próprias, o setor mineral, que é um setor de grande investimento, para você gerar uma produção você tem que gastar muito dinheiro, os prazos envolvidos são muito longos, são projetos de longa maturação, e de longa duração, então o timing do projeto de mineração é completamente diferente de outros investimentos, então considerando-se assim o perfil que se pode entender dos atuais controladores da Vale do Rio Doce não bate, né, porque é um pessoal que gosta de investir em curto prazo pra ter capital de giro para ficar girando, compra aqui, vende ali, pá, pá, pá, tal e coisa. Então realmente não se espera que façam enormes investimentos aí, por exemplo, no projeto tipo Salobro, mais de 1 milhão de dólares, tal, para, enfim, mas de qualquer maneira o investimento em pesquisa mineral tem mostrado que ele tem sido muito rentável em face dessas descobertas que tem acontecido e continuam descobrindo. Tanto é assim que o pessoal está comentando que o Parauapebas hoje é um dos maiores centros de pesquisa mineral é aí, porque tem várias companhia que estão estabelecidas aí pesquisando a região também, né? _________, __________, ____________, enfim, várias outras. Tem a própria Phelps Dodge, que deu um lance, se associou com a Vale nessa área do Sossego e ganhou um prêmio: descobriu aí um depósito de 300 milhões de toneladas de minério de cobre com ouro associado, entende? Então, fora essas áreas especiais, não tem mais mercado para geólogo. Logo que eu saí começaram com história: “não, você monta uma firmazinha para prestar serviço tal e coisa”, quer dizer, isso é negativo, isso não tem cabimento, quer dizer, é você querer assumir a pior parte do trabalho que era abrir picada, montar acampamento, mexer com peão, você já pensou? Igual aconteceu com os colegas meus que foram para a miséria, porque para ganhar a concorrência tinham que botar preço baixo, depois não conseguia tocar a coisa para a frente, porque é terrível, ainda é, apesar de tudo, na região Amazônica você montar a logística, a infraestrutura de um projeto, entende, você botar um acampamento lá no mato, botar gente, comida, remédio, levar e buscar, gerador, isso e aquilo, abrir picada, pá, pá, pá, para ganhar uma besteirinha aí, quando ganha. Como diz o outro “nem morta!”, né? E eu já estava ficando velho também para essas coisas. Nunca fui muito disso e não é agora que eu... felizmente eu não precisava para... eu não ia passar fome, estava bem, numa condição boa, então, eu fiquei fazendo isso. Fui fazer curso e tal, fiquei enrolando com esse trabalho, mas vamos dizer assim, exercer atividade no meu campo é muito difícil, então eu fico lá… Cuidando das meninas, levo para cá, levo para a escola, vou buscar na escola, levo para a aula de inglês... Fico nessas atividades prosaicas, rotineiras e diárias. Fico lá mexendo no computador, enfim, enchendo linguiça, na falta de outra coisa, mas não esquento muito com isso não.
P/2 - O senhor tem quantos filhos?
R – Eu tenho duas filhas.
P/1 – O senhor conheceu a sua esposa onde?
R – Eu com a minha mulher é engraçado porque nós já, eu já conhecia ela em 1972. A gente andou assim ameaçando, depois passamos alguns anos de novo, mas só depois que eu voltei da França é que a gente realmente resolveu partir mesmo para ter uma ligação assim mais consistente. Eu sei que nós namoramos uns dois anos, depois eu me casei. Casei naquela base, né, nós fomos morar juntos porque eu não queria casar. Mas depois quando a minha filha ia nascer, eu descobri que era muito complicado, ia ter uma série de problemas legais, por exemplo, porque essa situação de não casado só veio mudar com a Constituição de 1988, porque antes era complicado. Embora no caso da Vale, vamos dizer, o plano da Vale, ele tinha uma boa abertura para situações, mas mesmo assim tinha um bocado de complicações, então eu falei: “mas não caso porque? Tanto faz mesmo.”, então eu casei, formalizei, né? E é isso.
P/2 – Bom, e seu Vanderlei, qual são os seus sonhos, seus projetos para o futuro?
R – Não, eu não tenho assim projeto para o futuro não, sabe? Eu nunca fui de dizer “tinha um projeto”, eu pra mim é interessante: eu sou uma pessoa preguiçosa e comodista, mas que as circunstâncias fizeram eu rodar o mundo, ir para Minas Gerais, depois vim Amazônia, então eu botei na minha cabeça que eu não sei porque que quando eu nasci os deuses “não, vamos dar uma colher de chá pra esse cara aí”, então, eu estou ficando meio fatalista, né, o maktub que diz. Deixa por conta dos deuses, sabe? Eu acho que eu tive sorte porque eu escolhi a carreira certa, na hora certa, entrei para a Companhia certa, vim para a Amazônia na hora certa, deu tudo certo assim em linhas gerais, né, porque coitado, quem se forma em Geologia hoje está difícil, está roubado. Mas eu não, eu me formei na ocasião certa. Fui trabalhar na Vale, que eu escolhi inclusive, podia ter ido para a Petrobras, mas não fui para lá e entrei na Vale na hora certa também, tive a felicidade de participar de tudo isso que aconteceu, né, já viajei pelo mundo, fui para muitos lugares, é meio isso aí, e agora eu fico aí contando histórias. (risos)
P/1 – E o que que o senhor achou de ter contado essa história, de ter participado desse projeto?
R – Não, eu acho muito bom, porque conforme eu estava conversando contigo outro dia, né, que eu gosto muito daquela frase que diz que “a história é uma coisa que não aconteceu escrita por quem não estava lá”, ou seja, a história no fim é uma versão, né, então quanto mais versões houverem sobre uma mesma coisa, eu acho que é melhor, né, porque daí você mais se aproxima do que seria a realidade, porque essa coisa de você contar o que aconteceu, você tem a tendência de deixar... por exemplo, a pessoa tem a tendência de realçar as suas qualidades e esquecer os seus defeitos, você conta as coisas boas e deixa as coisas ruins, esquece às vezes deliberadamente, às vezes até não, né, mas tem uma tendência para deixar, né, enfim, a sua versão é sempre limitada, ela é às vezes parcimoniosa ou então até mesmo preconceituosa, né, se você não gosta do cara, você picha o cara, se você gosta do cara você levanta, enfim, quanto mais pessoas falarem de um mesmo assunto você vai ter um quadro melhor do que realmente aconteceu, né, eu mesmo sou testemunha: eu aprendi certos fatos da história de uma maneira, depois eu ouvi contado de diferentes outras maneiras, né, que no fim eu não sei...dizem que a história costuma ser a versão dos vencedores, né? Não sei, mas essa história da Vale, da Docegeo foi uma história muito rica, cheia de acontecimentos, por isso que eu gosto de falar dela, não pela minha parte, mas porque eu fui um participante, né, eu acompanhei certo, mesmo que seja como observador mas eu tive essa oportunidade de participar e eu vejo às vezes certas coisas ditas de tal maneira que não corresponde absolutamente à realidade. O que eu falo pode não ser muito real, mas é muito mais próximo do que certas versões de certos episódios que esses é realmente não tem nada a ver. Ou é delírio ou é viagem ou realmente tem outras intenções, né, então é isso.
P/2 – Bom, então a gente quer agradecer sua participação.
R – Ora, o prazer é meu. Eu é que agradeço essa chance de vir aqui exatamente agora que estão completando 30 anos que eu vim para Carajás e eu quando no começo de maio, antes de fazer qualquer contato, eu estava pensando nisso: “Pô, seria legal se eu conseguisse de alguma maneira ir para Carajás, enfim, acontecer alguma coisa ligada a isso”, foi e aconteceu. Eu acho que eu vou começar a pensar numas coisas que eu quero que aconteça, de repente… Já que eu disse que os deuses resolveram me dar uma colher de chá. Às vezes eu conto para minha mulher essa história, né, de gozação eu digo para ela: “Pois é Sueli, quando eu nasci os deuses disseram assim: esse cara vai ter sorte na vida, mas para ele não ficar muito besta ele vai ter que penar durante 40 anos até poder merecer o presente dos deuses”, que era ela no caso. (risos) E ela assim: “deixa de ser....!”.
P/2 – Obrigada, então.
Fim da entrevistaRecolher