Projeto Vale Memória
Depoimento de Vitor Sarquis Hallack
Entrevistado por: José Carlos Vilardaga e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 27 de setembro de 2001
Código CVRD_HV116
Realização Museu da Pessoa
Transcrição Jurema de Carvalho
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – A primeira p...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Depoimento de Vitor Sarquis Hallack
Entrevistado por: José Carlos Vilardaga e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 27 de setembro de 2001
Código CVRD_HV116
Realização Museu da Pessoa
Transcrição Jurema de Carvalho
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – A primeira pergunta que a gente faz é para o senhor se apresentar, dizer o nome completo, local e data de nascimento.
R – Perfeito. Vitor Sarquis Hallack, nascido aos 03 de abril de 1953 em Juiz de Fora – Minas Gerais
P/1 – Nome dos seus pais?
R – José João Hallack e Helena Sarquis Hallack.
P/2 – Os dois são de Juiz de Fora também?
R – Não, papai é nascido em Santos Dumont, em Minas Gerais e mamãe em Resende, estado do Rio.
P/1 – Você conhece um pouco da origem da sua família, ascendência materna, paterna.
R – Conheço, tanto do lado paterno como do lado materno são do Oriente Médio. Do lado da mamãe são libaneses com ascendência libanesa, síria e armênia principalmente. Dom lado do papai são sírios. Sou a terceira geração.
P/1 – Você conhece a história da vinda deles?
R – No caso do meu avô materno, ele queria ir para a América, na época preocupado com a perseguição religiosa, os armênios já tinham uma história de terem mudado para todos os cantos do mundo em função da perseguição religiosa depois da conversão do país ao cristianismo e meu avô, na época, morava no Líbano e o pai dele tinha sido assassinado. Então, ele jovem, resolveu mudar para a América, que era um sonho. O navio passou pela Bahia e falaram que tinham chegado na América e ele desceu, A intenção dele era América do Norte. Daí ficou, acabou morando na região de Minas Gerais, sul de Minas e Estado do Rio, como mascate e estabelecendo finalmente em Resende onde abriu uma pequena lojinha bem tradicional, os famosos armazéns turcos, onde você compra de A a Z, do tecido mais caro a perfumaria, agulha, o que for. O avô paterno também mascateou na região de Minas, se estabelecendo em Santos Dumont originalmente, depois em Juiz de Fora.
P/2 – Como seus pais se conheceram?
R – Acho que na época, como todo fluxo de imigrante, no início eles tendem a se fechar muito, de forma a preservar valores culturais, a própria língua, então sempre tem um envolvimento da comunidade de imigrantes, daqueles que chegam, bastante intensa. Então mesmo não se conhecendo nas suas origens, as notícias vinham correndo. Parece que papai, já moço, era o caçula, a família queria que se casasse com alguém da mesma origem de forma a preservar. Então ele foi para Resende, não conhecia, conhecer a comunidade de lá. Lá conheceu minha mãe, namoraram e se casaram.
P/1 – A atividade que ele exercia lá?
R – Papai foi comerciante, naquela época não se valorizava ainda os estudos, era a cultura de ganhar a vida esfregando o umbigo atrás do balcão. E assim foi, sempre teve envolvido no comércio com representação comercial em Juiz de Fora.
P/1 – Você conheceu o comércio de seu pai?
R – Cheguei a trabalhar enquanto jovem ajudando nos mais diversos afazeres, varrendo a loja, fazendo pagamento bancário e coisas do gênero e principalmente aprendendo a lidar com o público, isso foi muito positivo, desde criança.
P/2 – E sua mãe também ajudava?
R – Mamãe sempre trabalhou, excelente na preparação das vitrines, que eram as mais bonitas da cidade, mas sempre companheira de luta e dando um toque moderno para a cidade.
P/2 – Você tem irmãos?
R – Tenho um irmão falecido há seis anos e uma irmã mais velha. Eu sou o filho do meio.
P/1 – E essa cultura sírio-libanesa, essa cultura permaneceu na família, se preservou de alguma forma?
R – Eu diria que na terceira geração, muito pouco casamento na comunidade. Acho que chegando à terceira geração, você conta nos dedos, talvez não tenha 5% dos tantos netos que casaram com descendentes de árabes. Você tem de tudo inclusive árabe casado com judeu, que é um sinal importante dos novos tempos.
P/2 – Na sua casa, com seu pai e sua mãe se preservava de certa forma?
R – Certamente na comida, nos hábitos alimentares, bastante conhecido no Brasil, seja o quibe, o pastel árabe, esfiha e outros pratos: abobrinha, charuto. Mas isso bastante presente sempre porque mamãe foi criada nesse ambiente. Minha mulher, que é descendente de italianos, de certa forma aprendeu, não com a mamãe inicialmente quando casamos. Uma passagem interessante, já que a gente vai contando um pouco da história, eu já estava trabalhando na Vale, fui fazer uma pós-graduação nos EUA e pedi licença, na época não consegui uma licença remunerada. Fui com essa bolsa de estudos da ___________ para o Estado de Ohio, minha mulher estava grávida, conheceu casualmente uma família no supermercado, quando tinha saído com os meus pais e minha avó materna, que tinham ido ao nosso encontro nos EUA. Meu pai percebeu alguém falando em árabe com algumas crianças. Ele não era totalmente fluente, mas entende razoavelmente.
Ele se dirigiu para as crianças e comentou: “a mãe está dizendo para vocês não mexerem nos objetos” As crianças correram, na cidade pequena, do interior do Estado de Ohio, falando: “Tem alguém falando em árabe.” Se aproximaram. Minha mãe foi apresentada, minha mãe e minha avó comentaram que minha mulher estava grávida. Essa senhora comentou que lá residia e estaria a disposição no que fosse necessário. Essa história é bastante interessante, em função desse momento dramático de choque de religiões e culturas principalmente. Essa mulher se mostrou uma pessoa amiga, era jovem ainda e falou: “meu marido é médico obstetra, vocês poderiam estar com eles, se você gostar ótimo, se não ele poderia te recomendar alguém que você se sinta bem.” Acabou sendo o nosso médico, ao final do período, fomos para o hospital para ter o nenê, que é o mais velho, o Ricardo. Terminado a estadia no hospital ele falou: “Vocês vão para a minha casa porque vocês são muito jovens” - minha mulher tinha 20 anos na época - “e vocês não tem condições de cuidar da criança sozinhos.” “Não vamos, não podemos aceitar, de forma alguma.” “Então não libero do hospital.” E nós passamos duas semanas na casa desse médico que é mulçumano, extremamente religioso, a esposa dele, a família toda. Ele sabia que eu era cristão, a minha mulher idem. Não admitiu cobrar, eu tinha economizado cada tostão durante aquele ano, inclusive trabalhando enquanto fazia a faculdade, para pagar as despesas com médico e hospital. Ele se recusou a receber um centavo e disse que só daria baixa se eu fosse para a casa dele, e no limite, eu acabei aceitando. E minha mulher aprendeu a cozinhar pratos árabes com essa moça que se chama Fátima e o médico era Mohami Assami, para quem inclusive, no frigir desses acidente, eu liguei para ele semana passada para ver se estava tudo bem com eles. Felizmente estava.
P/2 – Voltando um pouco para sua infância, quais eram as brincadeiras em Juiz de Fora?
R – Normal de meninos, andar de bicicleta, carrinho de rolemã, bolinhas de gude, coisas que foram hoje substituídos pelos jogos eletrônicos, mas as recordações de carrinho de rolemã e bolinhas de gude. E futebol naturalmente, as peladas, isso era sempre presente. Eu sempre nadei muito enquanto jovem. Meu pai sempre foi um grande nadador e sempre puxava todos para a natação.
P/1 – E Juiz de Fora, como era essa cidade no seu tempo de infância?
R – Eu me recordo mais de Juiz de Fora, mais presente, na época da adolescência e da faculdade. Uma cidade incrível para um jovem porque tem uma vida cultural bastante intensa. Você comentou que este estúdio é para música, não só para gravação de entrevista, mas para música. Juiz de Fora tem uma vida artística fantástica. Você tem música espalhada por toda cidade, teatro bastante intenso. Então o jovem, o estudante tem bastante acesso e uma exposição muito grande. Uma boa universidade e um custo de vida relativamente baixo. Acho que é um ambiente perfeito para você se desenvolver culturalmente, bastante interessante. Próximo do Rio, que é um grande centro e próximo de Belo Horizonte. Hoje, Juiz de Fora, com o desenvolvimento dos meios de telecomunicação, vai assumindo o seu lado mais mineiro do que no passado. Antigamente você tinha todas as rádios do Rio, a única televisão que pegava era do Rio de Janeiro. Hoje você tem o SBT, Globo, etc em que você tem aquelas que transmitem localmente. Então você passa a ter um conteúdo regional. Antigamente era tudo do Rio de Janeiro. Aí que o pessoal brinca que o pessoal de Juiz de Fora não é um mineiro verdadeiro, é um carioca do brejo. Mas voltando para a qualidade de vida da cidade, eu considero ainda hoje excepcional.
P/2 – E a escola, era perto de casa?
R – Relativamente. Juiz de Fora, como um centro da zona da mata, acolhia jovens do Brasil inteiro, mas especialmente da zona da mata, Minas Gerais. Então você tem uma população de estudantes representativa em Juiz de Fora.
P/1 – Você estudou onde em Juiz de Fora?
R – Eu estudei no Colégio Stella Matutina, no infantil, que era das freiras redentoristas (?), fiz primário e ginásio no Colégio Jesuítas, não fiz nem científico nem clássico, fiz técnico de contabilidade na Machado de Assis e faculdade na Universidade Federal de Juiz de Fora. Fiz Direito.
P/1 – Toda sua vida educacional foi em Juiz de Fora?
R – Toda em Juiz de Fora.
P/1 – Como que era o aluno Vitor Sarquis, era um bom aluno?
R – Médio, dependendo da matéria. A matéria que eu gostava, estudava porque achava que tinha algum valor, aquela que eu achava desinteressante, não via nenhuma aplicação, eu estudava para passar. Era muito mais no limite. O grande desafio da escola que permanece hoje: um é conseguir, mesmo a nível de primário, ginásio etc. Eu comparo com a experiência dos meus filhos no período que nós moramos fora, com a VRD em Nova York, onde a escola e a primária e parte do ginásio. Ela ensina muito menos em termos de quantidade, mas vai muito mais a fundo nos conceitos básicos. Invés de você ter aquele livro de história, geografia, física, ciência, química, você ter que decorar aquela quantidade de coisa e chegar no famoso dia e reproduzir. Eles têm uma carga muito menor mas que se valoriza a compreensão dos conceitos básicos. São aqueles que ficam para o resto da vida. Eu sempre tive uma certa reação em relação ao ensino porque achava tanta coisa desinteressante, mas aquilo que eu achava que tinha algum valor eu estudava. Na Faculdade de Direito, por exemplo, eu me limitei a estudar Direito Comercial, Direito Trabalhista e Direito Tributário. Civil, na parte criminal, penal, direito romano, coisa totalmente desatualizadas do mundo concreto eu simplesmente passava batido.
P/2 – Em termos de escola, quais eram as matérias que você preferia?
R – Eu gostava muito de matemática no ginásio. Matemática e História. Eram as duas matérias que mais atraíam.
P/1 – Foi uma escolha fazer Escola Técnica de Contabilidade?
R – Na época foi muito mais uma preocupação de me inserir de imediato no mercado de trabalho. Tinha a preocupação de poder me manter e achava que com um diploma de um curso técnico, qualquer eventualidade seria um facilitador de busca de emprego e colocação. Essa foi a grande razão.
P/1 – De fato você chegou a trabalhar com isso?
R – Não cheguei a trabalhar com isso porque logo depois eu comecei a dar aula. No último ano de contabilidade eu comecei a dar aula, dei aula praticamente cinco anos, na faculdade, em cursinho pré vestibular, que foi uma experiência extremamente gratificante. Só consegui quando, trabalhando em Vitória pela Vale, dei aula por dois anos na Faculdade de Administração, depois disso eu parei, mas é um projeto que imagino retomar. Extremamente gratificante a relação com um grupo de alunos, algum momento eu retomo esse projeto.
P/2 – E o Direito?
R – Tinha todo um racional. A razão de eu escolher Direito... nunca me imaginei sendo advogado. Fiz Direito porque eu queria fazer o Itamaraty e achei que era o caminho natural para depois chegar ao Instituto Rio Branco, mas foi um momento, entrei na faculdade nos anos 1970. Entrei na faculdade em 1971, mas foi um período em que a repressão do governo militar estava muito presente. Então você sentia, dos professores que deviam estar lecionando sobre Direito Constitucional, a lei maior de qualquer país, totalmente mudos, calados, acuados. Isso tudo foi batendo no fígado, eu me coloquei quase num conflito ético, eu não poderia servir a um governo que não respeitava as leis básicas. E com isso resolvi abandonar o projeto de me tornar um diplomata.
P/2 – Você nunca chegou a prestar concurso?
R – Não. Como eu estava fazendo Direito, deixa eu terminar o curso e no final fui me motivando a montar uma consultoria, atuar nessa parte de atuar na consultoria para empresas ou para sindicatos. Os movimentos começaram a crescer, e acabei não fazendo nem uma coisa nem outra. Imaginava também conciliar com o magistério. Cheguei a vir para o Rio, fazer uma pós graduação na Puc, com bolsa da Universidade, quando me formei. Aí por razões de envolvimento em movimentos estudantis em Juiz de Fora, e aqui já no Rio, quando cheguei na Puc implicaram da não continuidade da pós graduação. Era uma forma de cortar uma bolsa que tinha sido dada quando não era para ter sido dada. Não era bem vinda a volta. Aí que aconteceu. Nos últimos anos de faculdade eu estava bastante atento a concursos públicos. Fiz alguns concursos muito mais para ter opção de emprego, fiscal estadual, fiscal federal, teve alguma coisa equivalente para ser VM (?). Apareceu um concurso da Vale, recrutando no Brasil pessoas com no máximo dois anos de formado e um colega meu falou: “porque não fazer esse concurso?” Esse concurso era para exatamente estudar seis meses na Fundação Getúlio Vargas no Rio e ao término desse período a opção de emprego com a Vale. Então fiz o concurso, era uma série de baterias e entrevistas, psicotécnico etc, chegando finalmente a ser escolhido 30 em aproximadamente 600.
P/2 – Você já tinha ouvido falar da VRD?
R – Olha, para dizer a verdade pouco, muito pouco. Muito menos do que deveria. Vim conhecer a Vale mesmo, na sua extensão, no seu gigantismo, nas primeiras semanas onde você teve um curso de introdução de que era a VRD. Foi ali que eu tomei conhecimento da grandeza da empresa. A partir dali foram seis meses de estudo. Dos trinta que começaram, doze conseguiram terminar e esses doze tiveram opção de emprego. E aí começou minha história com a Vale do Rio Doce.
P/1 – Teve um curso de introdução da VRD é isso?
R – Isso durante uma semana. Durante um período de cinco ou seis meses, o curso começou em janeiro ou fevereiro e foi até junho. A primeira semana foi para você conhecer a Vale um pouco, qual era o sistema sul, ainda não existia o sistema norte, falar um pouco do tamanho da empresa, do que ela fazia, a presença dela no mercado internacional. Terminado esse módulo de introdução, você passou para um curso bastante intenso de economia, finanças, computação, contabilidade, custos, orçamento. Você tinha em cima de cada módulo, provas – praticamente uma ou duas por semana – e você tinha um pré-requisito de nota 7. Quem não tirava ia sendo excluído do curso. Era realmente uma corrida de obstáculos, acho que nunca estudei tanto assim, nem no mestrado. Mas foi uma experiência gratificante. Trabalho na época uma bolsa. Eu me lembro que era 1.100 unidades da época, seja qual fosse a unidade. Aluguei uma kitnet, dividi com mais três pessoas, Ipanema na Rua dos Jangadeiros e ia para a Fundação, tinha aula da meio dia às seis, ou algo parecido, fora isso estudava noite adentro e pelas manhãs.
P/2 – O grupo era formado por jovens que faziam faculdade de direito?
R – Todos já formados, o pré-requisito é que você já tivesse formado no máximo nos últimos dois anos. Você tinha pessoas de todas formações. Você tinha engenheiro, economistas, estatísticos.
P/2 – De várias procedências também?
R – Várias. Você tinha pessoas de Minas. Basicamente do Rio de Janeiro, um pouco de São Paulo, alguns de Belo Horizonte.
P/1 – Esse curso tinha alguma matéria específica sobre VRD, era voltado para a VRD?
R – Não, VRD foi só um apresentação sobre a empresa, que empresa era essa que você estaria eventualmente se vinculando. Fora isso foi um curso de extensão universitária, uma pós-graduação mas com um conteúdo bastante prático. Você tinha a parte teórica e aplicada. Os professores eram executivos da Vale e professores da Getúlio Vargas.
P/1 – Ao término do curso você foi para que lugar?
R – Eu fui para Vitória. Na época eu me recordo que dos onze ou doze que terminaram, todos queriam ficar no Rio que era a sede e uns dos professores, que era executivo da Vale, o Nido Lavine (?) muitos anos que não o vejo falou: “gente, vocês deveriam não estar preocupados de ficar na sede, vocês deveriam ir para o lado operacional. É melhor conhecer o lado operacional da empresa e um dia eventualmente voltar para a sede. Achei que fazia sentido na época e fui um dos que pleitearam, na verdade foram só três que pleitearam ir para a unidade operacional e os três foram para mesma unidade operacional que foram as Usinas de Pelotização em Vitória. Tem uma passagem interessante porque um dos três era colega meu de faculdade, amigo de longa data. Voltamos para Juiz de Fora, felizes da vida que tínhamos o curso, conseguimos, através de um colega da faculdade que o tio dele era gerente de um banco, nos desse um empréstimo. Nós estávamos até então no limite. Pegamos aquele empréstimo e compramos ternos, gravatas, todas as roupas necessárias e nos apresentamos na unidade, na Pelotizadora, todo bonitinho e todo mundo de uniforme, que vocês já devem ter visto, imagino que seja o mesmo, calça e camisa caqui. O pessoal realmente gozou. Vimos aquele investimento sem nenhum retorno, pendurado no armário e tendo que pagar a conta do banco. Mas isso são boas memórias e certamente uma falha no processo de informação de entrada.
P/2 – Você conhecia Itabira?
R – Nada disso foi, não teve nenhum módulo, nesse período de visita, exceto através de slides, que eram a tecnologia da época.
P/1 – As usinas estavam começando a funcionar?
R – Você já tinha a 1 e a 2. Vocês tinha as duas próprias da Vale. Estava no processo de construção da Itabrasco, que era a Associação dos italianos e Hispanobras e Nibrasco. Nós pegamos esse período de grande movimentação e expansão das Usinas de pelotização.
P/1 – Como que você atuou exatamente nesse processo?
R – O curso foi, e teoricamente deveria... tinha como objetivos de atender certas carências. O treinamento era basicamente de economia e finanças. Chegando lá, exatamente em função dessa expansão e tendo visto a minha experiência de formação em Direito, depois de uma curta passagem de algumas poucas semanas, com o conhecimento de Direito, o pessoal pediu que eu começasse a lidar com a parte de contratos. Justamente em função dos números de contratos que tinha, face a expansão. Acabei me envolvendo nessa área, tinha todo o processo como empresa estatal de concorrência, seleção e contratação e passei alguns anos na pelotização especificamente com esse enfoque.
P/1 – Contratos de recursos humanos, contratos de vendas, de compras?
R – Não. Contratos de serviços, obras e equipamentos.
P/1 – Tem algum desses contratos que você pode comentar com a gente?
R – Isso eram coisas das necessidades normais, principalmente a parte de terceiros, contratos de engenharia devido ao volume de obras que se tinha.
P/2 – Como se dava essa integração com a parte operacional, com a parte técnica da Vale?
R – Eu diria que a usina pelotizadora na época era a unidade mais nova da Vale, então era a Vale mais jovem que você pudesse ter dentro das unidades operacionais. Por ser a mais nova, a mais informal no trato. Nós comentamos das pessoas que nos deixaram há tanto tempo, que fizeram a história da Vale. Se tem fotografia e não depoimentos, que seriam tão preciosos. A estrada, que é uma das atividades mais antigas da Vale, eu me recordo de quão formal ela era. Executivos da empresa, com não sei quantos anos de empresa, se dirigiam aos seus superiores como Doutor, não tinham liberdade de entrar na porta, no gabinete, ou na sala sem ser anunciado pela secretária. Então era uma rigidez, um formalismo muito pesado. Um engenheiro não admitia ser chamado de você, enfim tinha que ser Engenheiro Fulano de Tal. Você jovem, entrando num ambiente desse, acha carregado e pesado. Se privava muito por esse sistema de classe, que era muito acentuado. Já a pelotização era muito mais informal. Se tinha naturalmente resquícios da Vale mais antiga, mas ela tendia mais a informalidade, num ambiente muito mais relaxado. Eu diria que a Vale Estrada, que é a Vale antiga, tinha uma cultura militar, com uma disciplina muito forte, um respeito à hierarquia muito forte, enquanto que a Vale nova se dava num nível de interação humana mais relaxada. Mas as duas igualmente conseguiam atingir as suas metas e resultados.
P/1 – E sua relação com Vitória, como foi essa situação, você mudou para lá?
R – De início, como toda mudança, você estranha. Eu morei numa pensão no centro de Vitória, dividindo um quartinho num corredor ao fundo. Quando você chega a uma cidade você sempre estranha. Vitória é uma cidade extremamente agradável, fui conhecendo as pessoas. Naturalmente o relacionamento pessoal era mais com os estagiários. Tinha uma turma mais associada a sua realidade em função da faixa etária. É um Rio de Janeiro pequeno, onde você tem a combinação praia-montanha acessível. Hoje então, eu diria que Vitória está entre as melhores cidades para se viver no Brasil.
P/1 – E foi possível você perceber uma relação da cidade de Vitória com a Vale?
R – Eu diria que Vale e o Governo Federal, Estadual e Municipal eram os três empregadores da cidade. Então era um facilitador. Você ia no comércio, queria comprar alguma coisa a crediário, você chegar a apresentar o seu crachá, a sua identidade era um reconhecimento, era quase um atestado de bom... [interrupção] Outros grandes empregadores, mas certamente a Vale foi o grande empregador durante muitos anos em Vitória.
P/2 – Com relação aos clientes que você fazia os contratos de prestação de serviços, quais eram?
R – Na verdade nós éramos os clientes e outros eram os prestadores. Na verdade era a ponta inversa. Você tinha na parte de prestação de serviço eu diria que você tinha empresas de porte médio a pequena. Na parte de obras, projetos, aí você estaria falando de grandes empresas.
P/2 – Internacionais também?
R – Na época eu diria quase todas nacionais, algumas internacionais, muito mais na parte de projeto. Na parte de projetos você tinha a participação expressiva
de empresas internacionais.
P/1 – Como um funcionário da Vale percebe nesse momento o crescimento da Empresa. Era possível perceber esse crescimento da Empresa, de que forma isso se refletia?
R – Na pelotização, na verdade, eu vivi dois momentos: um de grande expansão, nós comentamos das empresas que a Vale constituiu com os italianos, espanhóis e japoneses. Então eram novas fábricas sendo construídas, uma relação 51-49 além das duas. A Vale na época sonhava de um mercado em forte expansão, imaginava construir muitas outras unidades, em associação ou não. Muitas pessoas da própria pelotização e de outras unidades da Vale saíram para constituir um grupo de expansão de novas usinas. O mercado estava extremamente demandando, aquecido para pelotas e em algum momento isso virou, e virou de forma dramática. Até mesmo as usinas que estavam em funcionamento, algumas foram temporariamente fechadas, você reduziu a produção. Então aquele sonho de expansão acelerada teve que ser deixado de lado. Isso abria uma possibilidade de crescimento profissional acelerado. Para todos que estavam lá, as demandas do capital humano eram muitas. Num determinado momento, em se frustrando isso, você teve a volta daquele contingente, que eram pessoas extremamente capacitadas de gerenciar, voltando para a unidade de pelotização. Isso naturalmente, talvez por volta dos anos 1980, você enxergava ao invés de uma possibilidade de crescimento contínuo, um ritmo muito menos acelerado, eu diria até sem horizonte profissional. Vivemos esses dois momentos que nada mais era do que reflexo da conjuntura internacional, do crescimento das indústrias siderúrgicas, uma vez que você atende essa ponta. Mas teve um momento de grandes possibilidades de crescimento e um momento de desencanto, de refluxo em função do desaquecimento. É interessante, coisas que acontecem na Vale, como nós fizemos esse curso, e só numa empresa estatal que tem certas regras, certas coisas podem acontecer. Quando nós entramos, o quadro da Vale, tinha o chamado quadro técnico e o quadro geral. Quadro técnico era o pessoal com curso superior, em regra. Você num nível mais baixo é 1.0. Depois seria 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 2.0 e assim ia. Em algum momento você passava para outras letras que sinalizaram gerência superior. Quando fomos contratados, entramos no nível 3.0, em função de ter feito esse curso, a forma de recrutamento. Duas semanas depois nós fomos rebaixados para 1.0, o pessoal reagiu, pessoal chegando de fora, então passamos para 1.0. Nem entramos e já fomos rebaixados. É só para contar um aspecto, esse grupo que vinha crescendo, eu vinha ajudando na parte de contratos e a pessoa responsável me convidou para juntar a esse grupo. Como muitas pessoas já tinham ido, a pessoa responsável pela minha área, duas pessoas queridas, não permitiram que eu fosse. Então eu fiquei no nível 1.0 durante muitos anos e a pessoa que me convidou perguntou se eu teria alguém para indicar. Eu tinha um amigo formado em Direito em Juiz de Fora, estava insatisfeito. Ele entrou direto ao nível 6.0. Eram seis pulos a frente na carreira, eu fiquei no nível 1.0 durante uns três ou quatro anos. No início passando serviço, praticamente em tempo parcial. São coisas que em uma empresa estatal, possivelmente numa empresa privada você olharia o todo e não o interesse e as necessidades específicas ali.
P/2 – Foi em Vitória que você começou a dar aula na Universidade?
R – Eu dei aula na Faculdade de Administração, não ligado à Universidade, na faculdade. Eu dei aula durante dois anos de Pesquisa Operacional.
P/2 – Quando você deixou Vitória?
R – Deixei Vitória em 1982, resistindo muito para sair de Vitória. Por volta de 1980 eu tive um convite do Marcos Motta. Ele era da pelotização e tinha ido para o Rio como superintendente de recursos humanos. Marcos me convidou, foi o primeiro convite que eu recebi para me mudar para a sede para trabalhar na área dos sindicatos, começava a crescer o movimento sindical. Na época balancei, tive um convite de João Cláudio Dantas Campos, pessoa que tenho grandes recordações, foi superintendente jurídico da Vale para trabalhar na área jurídica. Tinha uma interface com o jurídico mexendo com essa parte de contratação e passado um período tive um convite para ir para a área financeira, estava relutando porque dar aula era o que me dava prazer, eu estava começando a querer equilibrar o meu orçamento familiar. “agora que estou me equilibrando, ir para o Rio”, mas teve esse evento da expansão das pelotizadoras. Não mais estar presentes e o refluxo, as pessoas voltando e sentindo que o horizonte de crescimento não estaria presente. Cheguei a conclusão que não era hora de parar, de me acomodar. E acabei em algum momento aceitando o convite e optei pela área financeira, convite do Wilson Brumer, na época era o gerente do Departamento de Operações na Superintendência de finanças. Foi bastante interessante, tive uma grande promoção que não pagava nem o que eu recebia dando aula nem a diferença do custo de vida. Então eu vim para o Rio passando um bom aperto financeiro, mas certamente uma grande oportunidade de crescimento profissional onde eu fiquei responsável pela área de operações internas, que era basicamente tesouraria, contas a receber, interface com o BNDES. Foi um período bastante rico. Acabei ficando dois anos só no Rio.
P/1 – Porque você escolheu a área financeira dentro dessas três opções?
R – Era mais dinâmica. Me parecia a área mais dinâmica das três. Eu não tinha nenhuma vivência no mundo das finanças como não tinha vivência do mundo de recursos humanos. Tinha talvez uma bagagem mínima, acadêmica, que permitia você atuar. No fundo, todos os conhecimentos se aplicam a funções diferentes. Achei que a área financeira fosse a mais dinâmica. Em verdade, o conhecimento, a exposição a área financeira se deu devido a um esforço que a empresa fez em algum momento, talvez em 1981, de reunir e formalizar, criar procedimentos, de seleção e contratação e normas financeiras deveriam se aplicar aos contratos da Vale.
Como se tivesse um mínimo de uniformidade. Foi feito um grande esforço, com um grupo de três ou quatro pessoas – Jorge Caran que era de Belo Horizonte, Wilson Brumer, o Anastácio e o Pacheco de Vitória. Eles foram visitando cada unidade operacional. Eu fui para essa reunião em Vitória, representando a usina de pelotização. No horário de intervalo, no almoço, eu conheci o Caran que era de Belo Horizonte, trabalhava na Vale de Seminários em São Paulo, a gente tinha estado junto duas vezes, eu convidei para que ele fosse almoçar em casa, ele disse que não poderia porque o Wilson Brummer iria ficar sozinho. Eu falei “trás”. Eu não conhecia ninguém no grupo que não fosse o Caran. Aí que eu conheci o Wilson e subsequentemente eles me convidaram para integrar esse grupo quase que em caráter permanente.
Reunir de tanto em tanto e reescrever as normas da Vale. Então eu comecei a virar uma presença mais frequente no Rio nesse esforço final de escrever e contemplar quais deveriam ser os procedimentos a serem adotados pela empresa. A partir daí nasceu o convite para que eu viesse para a área financeira. Até então era da área jurídica e de recursos humanos. Passado esse período optei pela área financeira. Foi uma experiência bastante rica.
P/1 – Porque existia essa necessidade de reformular as normas?
R – A empresa tinha crescido e você tinha aspectos específicos, muita coisa a critério de cada unidade, o que é saudável, mas a empresa, para que ela possa reagir, ela tem que ter um mínimo de uniformidade. Padronização é muito importante de forma a permitir você saber como cada um está contratando e de que forma. É muito mais nesse sentido de ser um facilitador dos processos internos dentro da organização.
P/1 – De alguma forma o esforço de Carajás atingia ou atingiu vocês nesse momento?
R – Acho que como um todo. O esforço de Carajás foi um esforço bastante grande. Foi um projeto de alguns bilhões de dólares. Toda a empresa e todas as atividades certamente passaram a ser diferentes, especialmente em certas áreas: planejamento e finanças. Você passou a ter que interagir com instituições governamentais, não governamentais, mundo afora, ter que se estruturar para isso. Questão ambiental teve que estar bem presente, era pré-requisito. Esses financiamentos que a empresa tivesse uma conduta ambiental de forma a preservar o meio ambiente e o entorno. Mas como a própria necessidade de você criar o acesso à mina, a partir da construção da ferrovia. Você vai criando um caminho natural onde você entra em contato com a natureza e a sua atividade causa impacto. As medidas de preservação da natureza, a empresa passou a ter que ter uma estrutura específica, estar pensando e repensando a forma. Vocês tiveram em Carajás e viram que conquista fabulosa você ter um projeto de mineração numa região virgem como Carajás, causando o mínimo, o mínimo de impacto na região. A Vale pode ter muito orgulho do que ela tem feito nessa questão do meio ambiente. Mas a pressão sobre o caixa, além de todas essas demandas, foi um grande esforço. Onde você teve que conter custos, teve que rever normas de forma a ter um critério que pudesse prever as formas de reajustes. Não pode esquecer que o Brasil sempre teve essa cultura de inflação muito acentuada. O próprio sistema de planejamento era muito difícil, ora beneficiava a função do eventual Max. Carajás saiu por muito menos que se planejou, decorrente do componente brasileiro dos gastos dos investimentos. Mas era algo que era sempre mais difícil ter sistemas que permitissem aferir efetivamente onde você estava. A inflação, em todos os níveis, causam uma série de distorções. Mas o grande esforço foi a pressão sobre o caixa, em função de tal vultoso investimento.
P/1 – Você lembra de algumas soluções que vocês adotaram?
R – Você teve antes, em verdade, a minha percepção... Eu tive mais envolvido no pós Carajás, no Day after do que na concepção. Você teve pessoas que tiveram envolvidas fortemente não só no projeto Carajás, mas na viabilização, captação de recursos. Colegas meus fizeram trabalhos fantásticos com apresentações mostrando o “economics” do projeto, de que forma atender as condições. Em verdade, a minha vivência que permitisse uma compreensão maior até em função do crescimento funcional dentro da empresa, foi muito mais associado ao day after, onde nós tivemos uma série de repercussões que o tornaram, o colocaram, resultaram a empresa numa fragilidade financeira muito grande na época, porque parte do funding para o projeto Carajás foi obtido em moedas estrangeiras. Você tinha tanto dólar, quanto marco alemão, quanto yen japonês. E o componente muito grande, nessas moedas externas, entre o marco e o yen. Subsequentemente à contratação, nós vivemos um momento onde o dólar saiu de uma posição, ao longo dos anos, sofrendo constante desvalorização frente a outras moedas internacionais. A empresa, como exportadora de minério e mesmo de outros produtos como alumínio e bauxita, essas commodities e semi commodities são precificadas em dólar norte americano. Na medida que você tem o endividamento em outras moedas, que não o dólar – o dólar é o ______ natural, uma cobertura natural. No momento que você tem o endividamento em outras moedas, desbalanceamento gera uma insegurança, uma fragilidade no seu balanço. Então a Vale ficou quase prisioneira durante um longo período, com resultados negativos constantes. É mais ou menos esse momento que a gente vive no Brasil do real se desvalorizando em relação ao dólar. Imagine que você tinha uma dívida de um dólar e um dólar valia um real. De repente o dólar passa a valer um e vinte e eu fico devendo um e vinte. Passa a valer dois então eu estou devendo dois e não um. Então, pelas normas da contabilidade você tem que reconhecer, mês a mês aquela diferença. Todo mês você tinha que lançar essas dispensas financeiras decorrentes desse casamento, então isso vinha gerando uma certa insegurança quanto a saúde financeira da empresa com repercussões no preço da ação no mercado. Essa, eu diria, foi a tensão pós Carajás. Foram fatos que naturalmente que não se podia prever na época e nem mesmo se tinha no Brasil, mecanismos onde você pudesse, com instrumentos de mercado, promover a troca de uma dívida em marco alemão para dólar ou de yen para dólar. Isso tudo nós não podemos esquecer que estamos falando da década de 1980. Na década de 1980 nós tivemos a moratória, em seguida da crise do petróleo, a segunda crise do petróleo nós tivemos a moratória do México que levou ao fechamento de todas as fontes de capital, de recursos para as economias emergentes. Carajás talvez tenha sido o empréstimo que foi assinado quase enquanto estava explodindo a crise do México. Se tivesse esperado um ou dois meses nós não teríamos assinado e conseguido o financiamento para Carajás. Depois disso você teve um período de grande restrição de acesso ao mercado financeiro internacional, o que num projeto desse tamanho não contava, no sentido da rolagem da dívida e do efeito do dólar se valorizando. Uma empresa como a Vale, por ser brasileira – um país emergente, não conseguiu ter acesso ao dinheiro. Não era nem questão de preço. Se somou a isso quando no governo Sarney teve a moratória declarada. O Ministro da Fazenda era o Funaro, vivendo em Nova York nesse momento, foi uma experiência fascinante, foram anos muito difíceis, mas deu para perceber o quanto mal isso causou e o quanto as pessoas falam sem o conhecimento de causa, quando cogitam que parte da solução dos problemas brasileiros possam passar por moratórias ou negação de acordos que o Brasil tenha assinado. Esse é um problema que culturalmente as pessoas até que deveriam saber, como o mundo funciona e que impacto tem isso para um país para o resto da sua vida. Os anos 1980 foram anos muito difíceis, mas que por outro lado você sempre tem que buscar nos momentos de dificuldades quais as oportunidades. Também foi um período igualmente rico.
P/1 – Como foi sua ida para Nova York, como isso surgiu?
R – Em verdade eu estava na área financeira, teve alguma mudança na superintendência de finanças. No período que eu estive no Rio o Dr. Costa e Silva que era o superintendente de finanças se aposentou. Uma pessoa que era um dos gerentes abaixo do superintendente foi convidado para assumir a superintendência, na época preferiu não aceitar e saiu. É o Otávio Paiva que foi para o grupo Odebrecht e lá está até hoje, e o Luís Edmundo que era o financeiro que estava em Bruxelas, voltou para o Brasil, já estava no Brasil como assistente do superintendente da diretoria acabou assumindo a superintendência. Nesse ínterim imagino, algumas mudanças foram entendidas necessárias, ou seja o Luís Edmundo voltando para Europa, para Bruxelas, o Samir ________ que era o diretor financeiro no processo, onde ele deixaria a direção financeira e assumiria a presidência da Rio Doce América e nesse processo o Wilson Brumer foi o superintendente de finanças. Eu fui promovido para o lugar dele que era Gerente de Departamento de Operações Internas. Acho que se cogitou alguma coisa de outras pessoas, analisando, se entendeu a necessidade de ter um homem do financeiro em Nova York. Por um critério qualquer me chamaram para conversar. Foi feito o convite, tive uma entrevista com o Diretor, na época o Samir, e pediram que eu aguardasse e subsequentemente eu fui para Nova York. Isso em 1984.
P/1 – Como você recebeu essa notícia?
R – Muito bem, porque eu tinha vontade de ter uma experiência fora. Eu tinha morado nos EUA fazendo pós graduação em 1978, 1979. Tinha feito programa de intercâmbio em 1969 e achava que culturalmente seria importante a experiência de viver fora. Casado a relativamente há pouco tempo, imaginando que pudesse ser bom para os filhos, além do crescimento profissional. A Vale como uma empresa internacional, um lado de vivência lá fora é muito importante. Foi um período de seis anos e pouco, quase sete anos muito ricos, porque a Vale tinha acabado de fazer uma associação que resultou no nascimento da Califórnia Steel, que foi o primeiro negócio operacional da Vale no exterior. Até então a Vale tinha escritório em Nova York, escritório de Bruxelas. Na época se cogitava a abertura de um escritório em Tóquio, que veio logo depois. Então junto com a Kawasaki Steel, que era uma grande sócia da siderúrgica de Tubarão e que para a Kawasaki era o primeiro negócio dela no exterior. Então você pegou dois gigantes que tinham vínculo cliente-fornecedor, ela comprando minério da Vale e o vínculo societário, a Kawasaki tinha uma participação na mina de Serra Gerais que é uma das subsidiárias produtoras de minério de ferro. Aproveitou-se a oportunidade, junto com um empreendedor americano, canadense, inglês. Ele era inglês com nacionalidade canadense residente nos EUA. Uma empresa que a Vale tinha um contrato de longo prazo que era a Kaiser Steel. Essa empresa tinha falido, a Vale tinha esse contrato, entrou com uma ação contra essa empresa na justiça da Califórnia, pleiteando uma indenização por não cumprimento de contrato. A empresa estava falida. Esse empreendedor trouxe a idéia de reabrir essa idéia aproveitando parte dos equipamentos, onde a Vale, em verdade entrou com esse direito de receber um valor que na época se atribuiu U$ 10 milhões. Os japoneses entraram com um tanto, esse empreendedor que tinha 50%, terminou tendo 50%, a Vale 25% e os japoneses 25%. Tinham uma série de empresas que comprariam os produtos dessa siderúrgica. Em verdade, você vai entender o racional por trás do negócio, ela seria uma siderúrgica que não produziria aço, ela compraria o aço semi acabado, produzido pela siderúrgica de Tubarão da qual a Kawasaki também era sócia. Transportado pela Docenave, ela levaria o produto semi acabado. Ela cortaria da linha de produção essa parte que os equipamentos eram obsoletos e ineficientes, além de poluentes e entraria tão somente na parte dos produtos acabados. Esse empreendedor que era nosso sócio tinha várias empresas que comprariam nossos produtos que a então batizada Califórnia Steel produziria. Foi uma experiência fascinante sob a ótica de montagem de negócio financeiro, desde que o capital aplicado foi mínimo e ela foi uma das empresas que eu conheço que foi mais alavancadas. 95% de dívida, naquela época do Japão muito rico. Bancos japoneses apoiando as empresas fortemente. Empréstimos a longo prazo em linhas para o comércio. Essa empresa foi gradativamente tomando pé, de cara enfrentou uma grande recessão não prevista. Você nunca sabe quando a crise ou a recessão vem. A Empresa passou por momentos de grandes dificuldades financeiras e só conseguiu ficar de pé porque tinha dois sócios fortes: a Kawasaki Steel e a Vale do Rio Doce. Isso acabou gerando uma grande disputa entre os sócios que demorou muitos anos, dois ou três anos para que fosse resolvido. Então tivemos fase de negociação entre os sócios, sem solução; tivemos fase de renegociar contratos financeiros com envolvimento maior dos sócios. Contratação de bancos de investimentos para intermediar, sem sucesso. Volta a negociação direta. Em algum momento, na hora que a gente viu, acabamos na justiça em vários níveis, federal, estadual, municipal que foi uma experiência fantástica de compreender de como fazer negócio nos EUA, ou seja, não faça nada sem ter um advogado do lado. Isso foi um grande aprendizado e acabamos como tudo, tudo só termina quando está na hora de terminar, voltando para a mesa de negociação e Vale e Kawasaki comprando a parte desse sócio que detinha 50%, certamente pagando mais do que gostaria de pagar, ele recebendo menos do que gostaria de receber, mas possibilitando uma solução para o negócio onde você eliminava o conflito. A empresa segue muito bem até hoje, pelo que me consta.
[troca de fita]
R - ... memória, você fez aqui, me provocou. Qual foi o grande impacto da minha ida para os EUA? Eu comentei que ao mudar para o Rio, o crescimento que eu tive hierárquico, o achatamento era muito grande, na época você crescer certos níveis hierárquicos, o ganho expressado em unidades monetárias era mínimo, não compensou nem o custo de vida, o aumento de custo de vida, Rio é mais caro que Vitória e eu ainda perdi o delta que eu ganhava lecionando. Mas o impacto principal e imediato, eu fui um dos níveis mais baixos que alguém que pudesse ir expatriado no exterior foi viver a estabilidade. Experimentar a estabilidade para mim era algo de você ficar levitando. Foi uma experiência fantástica. Aquele sofrimento de fechar conta, olhar o cheque especial, o aumento que você não previu, aquela angústia daquele desbalanceamento da sua vida pessoal, vivendo num orçamento apertado, porém previsível. Isso para mim, estabilidade tem que ter um valor, você tem que ser um profissional melhor, ser um ser humano mais tranquilo, não importa com quanto, desde que você consiga prever e ser dono das suas decisões. Quando como um regime de instabilidade como sempre vivemos antes da criação do plano real… Realmente é algo muito mais perverso do que a gente possa imaginar. Foi uma experiência fantástica de viver a estabilidade que passou a ser um valor permanente na busca de que deveria, para onde o Brasil deveria ir. Teve um impacto muito grande. E o funcionamento dos órgãos públicos, onde você compara os EUA com todos os problemas e críticas que a gente possa fazer, causava espanto o quanto bem tudo funcionava a tempo e hora. Também essa compreensão do Estado, lógico talvez a amostragem, de que eu podia me basear, não fosse a melhor, porque como expatriado nós morávamos numa comunidade e é quase que uma tradição da Vale, como expatriado você busca boas comunidades e nos EUA o esquema municipal é muito presente, cada município cria e escolhe como taxar o imposto. Se ele quer investir mais em escola, ele te cobra mais. Você sabe que você vai pagar mais, mas vai ter uma melhor escola. Se você não puder pagar, você vai para outra cidade. Então essa cidade excepcionou sob o ponto de vista de afluência de locais. Mas você realmente ia à escola e conversava com a diretora, escola pública, você é tratado como patrão e não como alguém pedindo e exigindo. Você é quem paga imposto. Você é realmente o que tem direito ao serviço. Eles estão lá, pagos pelos contribuintes. É um respeito muito grande a pessoa do contribuinte. Isso foi outro aspecto, juntamente junto com o aspecto da estabilidade, que saltou aos olhos.
P/2 – Você acha que tendo uma sociedade civil forte, bem estruturada tem uma relação direta com uma economia estável?
R – É, um dos fatores passa por aí.
P/2 – Você teve uma experiência, tanto a nível de consumidor como profissional também.
R – Não acho que é função única e exclusiva não, mas é o primeiro que te possibilita estabilidade é você identificar de fato o que é o que. No Brasil chegou num ponto, antes de eu ir para os EUA, nos anos 1970, 1980, você foi perdendo totalmente a referência de valor. Você podia ter uma loja vendendo um televisor que deveria ser mais cara que um rádio, outra loja um rádio sendo vendido por um preço muito superior a um televisor. As pessoas foram perdendo as referências de valor. A grande importância da estabilidade é você aprender a respeitar a sua moeda, o que representa um real, o que representa um dólar. O que eu posso comprar com um dólar, o que eu posso comprar com um real. Isso é um fator determinante e mesmo inflação como a gente tinha, mascarava tudo. Você não conseguia realmente ter um diagnóstico de qual o tamanho e a natureza dos seus problemas. É um facilitador da organização da sociedade civil porque te permite compreender e enxergar. Na medida que você compreende e enxerga, de repente você consegue reformular propostas que possibilitem mudanças e estabelecimento de prioridades. Sem isso a coisa se perde com muita facilidade.
P/2 – Você fica nos EUA até quando?
R – Fiquei nos EUA até 1990 quando voltei e assumi a Diretoria Financeira de Desenvolvimento da Vale. Era responsável pelos novos negócios, que foi uma experiência interessante além do lado financeiro. O lado dos novos negócios, novos projetos.
P/1 – Era uma diretoria só?
R – Uma diretoria só. A Vale sempre teve, como toda estatal, não sei se ainda tem essa restrição, que é um absurdo. Mas como estatal são tantos os absurdos e tantas as fragilidades que por ser estatal você acaba trazendo para as empresas. Você tinha uma limitação de seis diretores, independentemente do tamanho. Então você tinha uma estatal talvez com faturamento irrisório, podia ter seis diretores. Uma empresa como a Vale, Petrobrás, Eletrobrás, podia ter seis diretores. A Vale tinha se expandido muito durante esses anos. Tinha entrado em papel e celulose, bauxita-alumínio, ouro, tantas coisas. Mas podia ter só seis diretores. Isso implicava necessariamente que cada diretor tivesse várias atribuições. No meu caso era a área de finanças que passava, controladoria, relações com o mercado, são coisas que caminham juntas e a parte de novos negócios, que eram negócios não relacionados com as atividades existentes, coisas novas que pudessem surgir dentro dessas áreas e a parte de pesquisa mineral, basicamente da Docegeo e pesquisa de desenvolvimento, que é o Km 14 como se chama, que era o Centro de Pesquisa por excelência da Vale. Foi uma experiência muito rica lidar com um grupo de pesquisadores da Vale. Por um lado a característica do financeiro é você segurar, você está controlando gastos, você está preocupado com as medidas necessárias de forma a permitir a saúde financeira da empresa. A gente vinha novamente sob pressão muito grande do endividamento da Vale por causa de Carajás, ao mesmo tempo você via que você não podia estar represando por muito tempo os investimentos em pesquisa, que são de longo prazo. Uma empresa de mineração ou de recursos naturais vive de projetos. Se você não tem um portfólio de projetos, você não tem como crescer e expandir. Você só tem um portfólio de projetos na medida que você investe em pesquisa. Foi bastante interessante essa acumulação. Por um lado uma mão querendo cortar e outra mão sentido que você tinha que permitir condições que a empresa seguisse seu caminho de crescimento no futuro. Mas talvez um ponto que devesse ressaltar, falando das oportunidades que a crise trás. A percepção de risco do Brasil, em função à moratória. Você comprava um papel brasileiro, imagina o grau de descrédito, que valia cem unidades, ele chegou a um ponto de ser negociado no exterior a 18, 19 centavos, ou seja, é um sinal claro do descrédito ou do entendimento da sua incapacidade para pagar, ou falta de seriedade no atendimento de seus compromissos. Isso representou na época, uma oportunidade muito interessante, você em Nova York, em contato com as instituições financeiras com frequência grande, se identificou ali uma grande oportunidade de ganho para a empresa e ao mesmo tempo resolvendo parte de seus problemas. Na época eu levei para o Wilson Brumer, que era o diretor de finanças, a possibilidade de estarmos comprando esses créditos do Brasil, com desconto. Invés de você pagar 100, o mercado estava disposto a vender por 20, 25, o preço variava, dependendo do momento, e como empresa brasileira buscar um mecanismo junto ao governo falando “aqui tem 100 do que você deve, você reconhece que é 100 que você deve? Então me credite esse 100 lá na frente, não precisa ser hoje, e começamos e acabamos por fazer praticamente a compra de toda a dívida da Vale com desconto substancial de mercado.” Lógico que não conseguimos comprar tudo a 18% nem a 20, mas certamente com grandes economias que permitiu que nós pré pagássemos aquela devida imensa, gerando um ganho financeiro, no ano em questão o lucro da Vale, decorrente a essas operações, superou 600 milhões de dólares. Mas do que o ganho que ele representou, ele sanou o problema daquela variação cambial decorrente do dólar estar desvalorizado. Então se resolveu vários problemas de uma vez só, aproveitando um momento de crise. Acho que a grande lição que ficou ali, certamente empresas estão sempre buscando, o que você pode tirar de uma crise? Lógico que uma crise é algo ruim. Mas tentar identificar que oportunidades você possa ter para você poder minimizar aqueles efeitos e transformar eventualmente em vantagens. Então se levou essa situação à pessoas de governo, que compreenderam o racional e a Vale foi em frente com um projeto bastante ambicioso e com a dificuldade de levantar dinheiro lá fora se fez operações as mais diversas. Em algum momento se transformou as linhas de crédito que a Vale tinha para comércio exterior. A Vale sempre considerada uma empresa melhor que o Brasil tinha, a nível de risco. Vocês devem ter visto recentemente a Petrobrás sendo avaliada pelas agências de rating de avaliação, com riscos melhores do que o da República. Esse mesmo efeito você tinha para a Vale mas de forma acentuada. A Vale era entendida como algo de melhor risco do que a própria República. A Vale abria portas que às vezes o próprio governo não conseguia abrir. Então se fez muitas operações no mercado internacional, pegando linhas que os bancos trocaram por fianças e você levantou recursos, foi e comprou a dívida lá fora com desconto, trouxe aqui para dentro. Foi voltando e circulando várias vezes que você, com um volume relativamente pequeno de recursos, conseguiu comprar quase dois bilhões de dívida da Vale na época, resolvendo uma série de problemas. Mudou radicalmente a situação da Vale, permitindo que ela voltasse a pensar no seu futuro, sem as amarrações decorrentes do endividamento acentuado e da variação das outras moedas em relação ao dólar tendo prejudicado a empresa.
P/1 – Qual era o nível de autonomia dessa Vale Estatal em relação ao endividamento e solução dessas dívidas?
R – É uma deformação de você colocar o orçamento das estatais como parte do orçamento do governo. Enquanto uma estatal é deficitária, me parece fazer sentido porque depende de inversão (?) de capital do tesouro. Mas uma estatal rentável, que anda sozinha, me parece uma distorção. Você tinha uma série de trabalhos, relatórios, interações com o governo que você tinha que fazer, que realmente não justificam a perda de tempo para uma empresa que tinha que ganhar dinheiro e satisfazer seus acionistas. Como entidade governamental, a Vale felizmente sempre conseguiu ter uma cultura voltada para o negócio e pelo simples fato que ela não recebia nenhum subsídio, tinha que brigar pelo mercado internacional. Ela brigava e ganhava, isso obrigava a estar revendo as suas práticas. Outro elemento a influenciar a cultura Vale que era o número de associações com empresas estrangeiras. Ela tinha uma exposição a outras práticas que muitas das outras estatais brasileiras, ou mesmo empresas brasileiras não estatais não tinham porque tinham um mercado fechado, uma reserva de mercado, não tinham competição e simplesmente repassavam as ineficiências para o preço. Isso porque não tinham a ameaça da concorrência. Então a Vale teve essa vantagem, não era uma desvantagem, porque permitiu, apesar de todas as amarras do governo, que ela relativamente tivesse um resultado bom. Quando eu digo relativamente, que quando você tira as amarras do governo, uma série de procedimentos necessários e práticas que não são do mundo dos negócios, são abandonados. Você sabe que uma empresa estatal é obrigada a fazer concorrência. A concorrência te obriga a contratar o menor preço. Que bom, é um processo transparente, onde a empresa contratou o menor preço. Então você imagina uma meia dúzia de lápis: eu convido algumas empresas para me darem o preço. Uma me coloca 100, outra 200, outra 300. Vou contratar por 100. Se eu for na papelaria do lado é 10, não é 100, mas eu não posso comprar por 10, eu tenho que comprar por um processo de concorrência e pelo menor preço. Dá para imaginar a série de distorções, não só em termos de processo formal como ineficiência e aumento de custo que isso gera. Tudo isso em nome da transparência. Às vezes a decisão de governo, no que diz respeito à suas empresas, ela é pendular, você quer evitar problemas que possam surgir, então você fecha e cria uma amarração tão grande que você passa a destruir valor. E o governo, em verdade, nunca soube, não só a nível de Vale, que ele tinha na mão a nível de investimentos. Mas acho extremamente saudável o fato de eu ter saído da Vale, em 1993, que eu percebi, ao chegar a Diretor, o quanto vulnerável uma empresa estatal era, e o quanto de valor você deixava no meio do caminho por ser estatal, mesmo sendo uma empresa percebida como uma das mais eficientes.
P/2 – Nesse momento já se falava em privatização, já se falava nos bastidores?
R – Acho que se falava em tese.
[interrupção]
P/1 – Você poderia contar como que surgiu essa história das _________ dentro da Vale, como isso amadureceu e o processo desse recurso.
R – A Vale deu uma grande contribuição para o mercado de capitais no Brasil. A partir de soluções criativas, introduzindo produtos até então desconhecidos no mercado brasileiro, uma das características da Vale foi: 1- Era uma referência nacional, procurada por todos os banqueiros internacionais. Você tem tantas coisas que se pode fazer lá fora que não se pode fazer domesticamente, ou não se tem mercado ou a regulamentação não permite. Mas aprender a ouvir é muito importante. Nesse aspecto o Wilson Brumer era sempre um bom ouvinte. Lições que você poderia tirar de experiências vividas em outros lugares que você pudesse eventualmente trazer para o Brasil. Eu colocaria como uma das operações das mais louvadas, as __________ associadas ao ouro, produção de ouro que ainda não existia, estava por vir e o mercado que tinha a segurança e o lastro de um papel de emissão da Vale, onde a Vale pagaria ao final aquele valor corrigido, se não me engano a remuneração era equivalente à poupança da época ou pelo preço do ouro desde que o preço de emissão representava tantas gramas de ouro. O mercado absorveu aquilo totalmente e isso foi a fonte de financiamento que permitiu o ingresso da Vale no setor de mineração de ouro. Teve um efeito fantástico na época, não só porque o mercado ficou muito satisfeito porque o papel era inovador, o mercado ganhou dinheiro com isso e a Vale conseguiu uma fonte de financiamento que não existia na época. Aquela equação onde todos saem ganhando, o mercado saiu ganhando, a Vale saiu ganhando e os investidores saíram ganhando. Associação de um papel em uma atividade que nem mesmo estava, era uma demonstração clara do grau de confiança que os investidores tinham na Vale e a chancela que davam a criatividade que a Vale estava trazendo para o mercado naquele momento. Também tivemos debêntures conversíveis em ações, algumas tranches dessas debêntures que representaram ingressos de recursos, era parte da equação doméstica de Carajás, que parte dos recursos fossem captados domesticamente além dos recursos de BNDES, essa era a parte do pacote doméstico onde os investidores tinham direito, no futuro, de converter aquele papel em ações. Ou recebiam de volta o que tinham investido ou transformavam o que tinham investido em ações. Maciçamente tudo foi transformado em ações, visto que o papel da Vale tinha subido e os investidores naturalmente preferiram ficar com as ações que representavam um ganho muito grande. Operação de mercado é isso mesmo, você soluciona a necessidade da empresa trazendo financiamento, o funding necessário e o mercado corre o risco com você, de receber ou não receber, ter um upside, estar disposto a receber menos rentabilidade em troca de um ganho potencial que se exigia no tempo, o mercado pega aquele ganho que é do risco do negócio. Mas foi uma operação fantástica, deu um grande dinamismo ao mercado de capitais no Brasil tão parado na época. Então através de operações de mercado e operações bastante criativas.
P/1 – Com essa função da Diretoria financeira e de desenvolvimento, a entrada do ouro nessa história, você participou disso, enquanto desenvolvimento de um novo negócio?
R – Na operação ouro, em verdade, ela já havia sendo desenvolvida quando eu voltei dos EUA, então eu não participei, exceto das discussões teóricas, mas não da formulação, do desenho no papel. Eu acompanhei, mas não fui ator.
P/1 - E a reestruturação no governo Collor, do pedido de reestruturação das estatais, como isso atingiu o seu setor, a sua diretoria.
R – A empresa como um todo, o governo Collor, na época determinou que cada estatal promovesse uma redução dos seus quadros, de forma a trazer mais eficiência. Ali era claro que o governo nunca teve, exceto num momento isolado, nos anos 1980 eu me recordo quando o atual Presidente da Petrobrás, Philippe Reichstul e o Saiad estiveram no governo, eles tentaram criar mecanismos de acompanhamento das empresas. Foi o primeiro esforço do governo em tentar ter um processo que permitisse o acompanhamento das empresas, das necessidades, quadro, endividamento. Mas, na essência o governo não tinha como acompanhar os negócios, não tinha estrutura para isso. Eu me recordo da meta que o governo deu para a Vale foi 5%. A Vale sempre teve muito presente, excesso acumulado ao longo do ano de pessoas como toda a estatal, você tinha salarialmente uma distorção __________- da iniciativa privada que era clássico quanto menos especializada a função, maior era o salário comparado com a iniciativa privada, muitas vezes múltiplos que a iniciativa privada pagasse. Por exemplo, um ajudante de escritório, um Office boy, as profissões menos especializadas. Você recebia muito mais que na iniciativa privada. Na medida que você fosse tendo um mínimo de especialização você ia se aproximando da iniciativa privada, ainda assim acima do que a iniciativa privada, invertendo a relação, quanto maior sua posição, muito defasado salarialmente você estaria visto a iniciativa privada. Essa é uma distorção muito presente nas estatais, imagino hoje ainda, que não é saudável para o governo enquanto acionista e para os acionistas privados dessa empresa. Naquele momento, invés de 5%, teve uma oportunidade se reduziu 25%, se tornou o processo decisório mais leve. Num primeiro momento isso causou grande impacto, ninguém gosta de reduzir empregos, pessoas, mas você só consegue manter uma atividade saudável, rentável e sustentável enquanto lucrativa. Se você não se ajusta aos novos tempos, você não investe em tecnologia a exemplo dos seus concorrentes, você tende a perder em competitividade, mercado e no tempo você acaba desaparecendo. O impacto inicial foi naturalmente de susto, a empresa não fazia isso enquanto empresa estatal. Se tinha quase como uma verdade que você entrava na Vale por uma estatal e saía no momento da aposentadoria, essa percepção foi rompida. Ela tem dois aspectos: 1- se quebrou esse paradigma, mas ao mesmo tempo você permitiu uma empresa mais leve, menos burocratizada onde as pessoas se sentiam reconhecidas por ter permanecido no quadro. Mas certamente teve grande impacto naquele momento de recuperação da empresa, associado a toda a renegociação dos contratos que foi feito, de terceiros. Lembrando aquele processo de contratação via concorrência, então se revisitou cada contrato tentando trazer ou buscando trazer aqueles preços contratados por força de uma concorrência para um preço que representasse a realidade de mercado. Então milhões de dólares foram economizados por força dessa renegociação e redução do quadro de pessoal, sem nenhum prejuízo a performance da empresa.
P/1 – Vitor, em que momento você sai da empresa, em que circunstâncias?
R – Eu saí da Vale no início de 1993. Em verdade eu tinha resolvido... é engraçado a minha história com a Vale. Já em Nova York eu já comecei a perceber, falava da percepção quanto a vulnerabilidade que a propriedade ou o controle da empresa pelo governo representa. Isso começou a ficar mais claro para mim em Nova York, em função da posição de comandar o escritório em Nova York, não fui nessa função, mas passado alguns anos, onde eu tinha responsabilidade financeira e acompanhamento das áreas de negócios, você tinha uma interação muito grande com a diretoria da Vale. Pessoas seniores na organização. Você começava a perceber muito a vulnerabilidade, o grau de expectativa de ansiedade que gerava nos executivos quando se tinha uma mudança de Ministro, uma mudança de governo. A possibilidade e risco de pessoas ou políticas estarem mudando, isso ficou muito presente. Em verdade, em Nova York – minha mulher adorava morar em Nova York, estava muito tranquila, vivia uma vida estável, planejada, sem os sobressaltos. Nem mesmo a questão da insegurança que se vivia nos anos 1980 aqui no Rio que continua e se agravaram de lá para cá. Eu tive uma possibilidade, um convite para sair da Vale e me juntar ao Banco americano onde certamente teria talvez o melhor dos mundos. 1) continuar morando em Nova York atendia a expectativa familiar; 2) receber um salário, uma remuneração de iniciativa privada, que seria uma mudança grande. Quando aconteceu a indicação do Wilson Brumer para Presidente eu estava na iminência de aceitar esse convite, já tinha decidido com essa percepção da vulnerabilidade e que o crescimento na empresa estaria me expondo mais esse lado político que eu nunca tive. A Vale...
[interrupção]
[troca de fita]
R - ... está no atacado, apesar de toda dificuldade de ser estatal. Mas o Wilson acabou sendo indicado e me convidou para assumir a Diretoria Financeira. Uma proposta de promover mudanças profundas na Vale, então era um desafio. O desafio falou mais alto, apesar de toda a crítica familiar, cedi ao encanto de participar desse momento importante da empresa. A empresa teve mais tantos momentos importantes. Esse era igualmente um momento importante e acabei aceitando voltar para o Brasil para participar desse processo. Um dos grandes amigos que eu fiz na Vale, foi Diretor Financeiro, Samir ________, em algum momento em 1992, antes de 1992, ainda em Nova York ele comentava: “nós que trabalhamos em estatal”, ele já estava fora da Vale nesse momento, “temos que tomar o cuidado para não sermos percebidos como homens de governo, enquanto na Vale se vê privado, mas o dono é o governo. No fundo você age como privado no mercado mas você tem o lado governo, decorrente do controle. Muito cuidado para não ser percebido como chapa branca”, tentando associar isso a uma pessoa de governo, que só trabalha para governo. Em 1992 eu recebi um convite, quase uma imposição para que eu me mudasse para uma outra estatal que o governo entendia que deveria lá estar e eu recusei. E ao recusar eu entrei na linha de tiro. “Eu quero ficar na Vale, eu gosto da Vale, eu conheço a Vale” e felizmente as coisas foram naturalmente, eu me senti na linha de tiro, próximo de ser percebido como chapa branca, nesse sentido de ser um homem de governo onde poderia estar onde a necessidade de governo, enquanto controlador de tantas coisas, entendesse necessário. E cabe ao patrão, evidentemente, tomar essa decisão. Não vale nenhuma crítica, mas não era a posição que eu queria estar. Nesse momento eu vi que estava muito próximo da minha decisão de sair. Não poderia sair visto que eu tinha um compromisso com a equipe liderada por Wilson Brumer que era o Presidente da gestão que eu participei. Em algum momento o Wilson saiu, por volta de outubro, novembro de 1992, em seguida do impeachment do Collor, Itamar assumiu, inclusive é da minha cidade, fiz campanha várias vezes para o Itamar, enquanto jovem. Mas tinha todo o acesso a equipe, eram pessoas que a gente conhecia da cidade, mas não quis me sujeitar a um jogo com interação com político para ficar num cargo que eu entendia, deveria ser ocupado por um profissional, enquanto profissional independente. Ali foi claramente o momento que me senti desobrigado. Recebi o convite que me honrou muito, do novo presidente, Schettino, que eu continuasse na Diretoria da Vale. Eu disse que eu não queria. Eu sabia que minha esposa tinha gostado da experiência no exterior, que voltasse ao exterior. “Meu ciclo da Vale enquanto estatal terminou, acho que é hora de buscar...” Naturalmente, dentro da tradição, você guardou um período de forma que ele pudesse, com tranquilidade, indicar um Diretor, sem receber alguma sugestão política ou alguma equação que ele entendesse correta. A partir desse momento, com a saída do Brumer, algumas instituições me contataram, imaginando que eu pudesse estar pronto para que eu fizesse um movimento de saída do setor público para o setor privado e interagir com algumas e acabei me juntando ao Grupo Bozzano.
P/1 – Você pode dar um pouco seu histórico do trabalho na Bozzano?
R – Bozzano, em verdade, eu me juntei à Companhia Bozzano, Simonsen, na época era o nome, fundada pelo Julio Bozzano, saudoso professor Mário Henrique Simonsen. Era uma empresa de investimento de participação acionária em vários negócios. Uma holding de investimentos onde você acompanhava negócios, Portfólio Camp (?) as empresas que o grupo tinha investido e buscava oportunidades de investimento de novas empresas, inclusive aquelas decorrentes do processo de privatização e compra e venda de empresa. Basicamente é a atividade que eu estive envolvido e estou hoje, mais na ponta do acompanhamento de negócios, participando da privatização de Cosipa, que durante um período curto, 15 meses, eu fui diretor financeiro da Cosipa para cuidar da reestruturação do endividamento dela. Subsequentemente da privação da Embraer onde eu tive como ________ do grupo executivo para cuidar da transição durante os 10 primeiros meses, até que se escolhesse uma diretoria profissional. Finalmente foi o Maurício Botelho o escolhido pelos sócios, gradativamente ele montou a diretoria, aí se descontinuou esse comitê executivo que eu presidia, que era basicamente o órgão executivo do dia-a-dia estratégico da empresa na fase de transição e sigo como conselheiro da Embraer desde a época da privatização. Tem sido uma experiência extremamente gratificante.
[interrupção]
R - ... uma vez por semana tentando fazer ginástica. Mas o meu hobby, se a gente tiver falando em hobby, sempre foi, com ou sem tempo, a música. Acordo de manhã, não importa a hora que eu chegue em casa eu ligo o disco. O meu grande hobby é ouvir fitas, vídeo, DVD, ou o que for. Gosto muito de música e de ler, mas a leitura acaba sendo restringida quase que a profissional, especializada.
P/2 – Você é casado?
R – Casado, dois filhos.
P/2 – Qual o nome da sua mulher?
R – Minha mulher é Gilcéia, o apelido que virou nome é Jujuba e os filhos são Ricardo e Marcelo.
P/2 – Que idade?
R – 22 e 20.
P/1 – Eles já se decidiram?
R – O mais velho se formou agora recentemente em maio e está trabalhando em Nova York, andou levando esses sustos recentes em função desse atentado, e o mais novo estuda fora na Califórnia, agora o terceiro ano dele está fazendo na França, em Paris, pela Faculdade dele. Estão começando a querer se encaminhar. O mais velho fez economia e comércio internacional, está trabalhando num banco de investimento. O mais novo ainda não decidiu, está em dúvida entre engenharia e economia. Mas a grande vantagem do sistema americano é que ele, ao contrário do Brasil, falando as coisas que a gente pode melhorar. Uma faculdade nos EUA é tão somente uma passagem onde você estuda quatro anos para você aprender a aprender. Não é muito relevante no que você se forma, você tem tempo. Ao contrário do Brasil que você toma decisão no vestibular, se você vai fazer filosofia, letras, história, economia, engenharia, medicina o que for. Lá a maioria das pessoas entram para a faculdade, e você se forma, você obtém ao final de quatro anos um ______________ você é um bacharel em qualquer coisa. E você faz o que você quiser lá durante esses quatro anos. Você tem algumas coisas que você deve fazer, como formação geral e depende de universidade para universidade, você escolhe uma área de concentração. Se você gosta de História do Brasil do período recente, eu faço aquela cadeira de História do Brasil, eu saio com uma especialização de que eu fiz isso. Mas a única coisa que o empregador exige é que você tenha passado pela Universidade e não que você tenha feito A, B, C ou D. É totalmente irrelevante. Que é a proposta de usarmos como política de contratação na Bozzano. Nós tínhamos até, por absurdo que possa parecer, pessoas formadas em Letras ou tinha até o caso de um que era médico, esse que era médico trabalhava na tesouraria da Bozzano. Resolveu deixar de ser médico, mas o que importava era você pegar pessoas em boas escolas, a gente restringia às melhores escolas, e boas notas. Atividade em si não interessava, a experiência anterior ou a formação. Interessava que a pessoa tivesse feito uma faculdade, tivesse ido para uma boa escola e que tivesse tirado boas notas no que fosse, que era a demonstração clara de que a pessoa tinha condições de aprender a aprender. Isso é o que importa.
P/1 – Em termos de projetos hoje? Sonhos atuais?
R – Mais tempo para leitura, que é um lado esquecido, você tem que ter desafios. A vantagem do mundo é que ele não para. As mudanças são muito grandes. Você vê esse momento trágico que estamos vivendo agora, decorrente do atentado que ninguém poderia cogitar, dessa memória, que todos nós vamos estar marcados, com essas cenas dos aviões se projetando contra o símbolo e as torres nos EUA, o próprio Pentágono. Isso está colocando, ninguém sabe, no momento de hoje, dia 27 de setembro de 2001, poder prever o que vai acontecer no mundo, é muito difícil. Mas ele será certamente diferente. Isso vai gerar novas oportunidades, obriga todo mundo a repensar uma série de coisa, valores, vida. O mundo de forma geral terá de repensar várias coisas. Acho que estaria num período de refletir.
P/1 – Vamos te fazer uma última pergunta, que você acha desse projeto Vale Memória, que você achou de ter dado seu depoimento?
R – Acho fantástico, primeiro porque o Brasil, enquanto país, enquanto nação, precisa aprender a preservar a memória, a preservar a cultura. Isso tem um valor muito grande. A Vale tem uma presença no Brasil muito grande, nas comunidades que atua sempre atuou de forma muito responsável, a repercussão e a responsabilidade social da Vale sempre foi uma empresa de destaque. É importante que as pessoas possam visitar e revisitar no tempo, a história, até mesmo para poder compreender e se preparar para o futuro. Tem um grande valor para o Brasil, para as pessoas da Vale. Aqueles que já passaram pela Vale vão se beneficiar por esse registro e essa história tão bonita que é a trajetória da Vale.
P/1 e P/2 – Muito obrigado.
[Fim da entrevista]Recolher